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Fbulas de Esopo
2
Ttulo: Fbulas de Esopo
Traduo e adaptao: Carlos Pinheiro
Ilustraes: Steinhowel (1479), Osius (1574), Wenzel Hollar (sc. XVII), Francis
Barlow (1687), JJ Grandville, (1838) Samuel Croxall (1863), Herrick (1865),
Harrison Weir (1867), Grandville (1870), Randolph Caldecott (1883), Richard
Heighway (1894) e Milo Winter (1919).
1. edio
Dezembro de 2012
Esta obra foi licenciada com uma Licena Creative Commons
Atribuio-Uso No-Comercial-Proibio de realizao de Obras
Derivadas 3.0 Unported
Imagem da capa: The fables of sop: with a life of the author; illustrated with
one hundred and eleven engravings from original designs by Herrick, 1865.
As 115 fbulas que compem esta edio resultam da adaptao da obra
Fabulas de Esopo, com applicaes moraes a cada fabula, nova edio
revista e aumentada, 1848 (Fbulas I a XCII). Na adaptao procurou manter-
se o estilo do autor, sobretudo na moral da histria, embora com as
necessrias adaptaes ortogrficas e sintticas. As restantes fbulas so
tradues de Aesop for Children (translator not identified), Illustrations by Milo
Winter, 1919 (Fbulas XCII a CIX), The fables of sop: with a life of the author;
illustrated with one hundred and eleven engravings from original designs by
Herrick, 1865 (Fbula CX) e de Aesop's Fables, by George Fyler Townsend, with
illustrations by Harrison Weir, 1867 (Fbulas CXI a CXV). O captulo A Vida de
Esopo igualmente adaptado da obra Fabulas de Esopo, com applicaes
moraes a cada fabula, nova edio revista e aumentada, 1848.
As mais de cem ilustraes que acompanham o texto foram retiradas de
diferentes verses em lngua inglesa das fbulas de Esopo e datam dos sculos
XV, XVI, XVII, XVIII, XIX e XX, estando identificadas de acordo com a seguinte
nomenclatura:
Francis Barlow, 1687 (FB1687), Grandville, 1870 (G1870), Harrison Weir, 1867
(HW1867), Herrick, 1865 (H1865), Milo Winter, 1919 (MW1919). Osius, 1574
(O1574), Randolph Caldecott, 1883 (RC1883), Richard Heighway, 1894
(RH1894), Samuel Croxall, 1863 (SC1863), Steinhowel. 1479 (S1479), Wenzel
Hollar, sec. XVII (WHsecXVII)
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Fbulas de Esopo
4
ndice Fbula I O Galo e a Prola ..................................................................................................... 8
Fbula II O Lobo e o Cordeiro .............................................................................................. 10
Fbula III O Lobo e as Ovelhas ............................................................................................. 12
Fbula IV O Rei dos Macacos e dois Homens ...................................................................... 14
Fbula V A Andorinha e as outras Aves ............................................................................... 16
Fbula VI O Rato e a R ....................................................................................................... 18
Fbula VII O Ladro e o Co de Guarda ............................................................................... 20
Fbula VIII O Co e a Ovelha ............................................................................................... 22
Fbula IX O Co e a Carne ................................................................................................... 24
Fbula X A Mosca em cima do carro ................................................................................... 25
Fbula XI O Co e a Mscara ............................................................................................... 27
Fbula XII O Leo, a Vaca, a Cabra e a Ovelha .................................................................... 29
Fbula XIII O Casamento do Sol........................................................................................... 31
Fbula XIV O Homem e a Doninha ...................................................................................... 33
Fbula XV A Macaca e a Raposa .......................................................................................... 35
Fbula XVI Juno e o Pavo ................................................................................................... 37
Fbula XVII O Lobo e o Grou ............................................................................................... 39
Fbula XVIII As duas Cadelas ............................................................................................... 41
Fbula XIX O Homem e a Cobra .......................................................................................... 43
Fbula XX O Burro e o Leo ................................................................................................. 45
Fbula XXI O Rato da Cidade e o Rato do Campo ............................................................... 46
Fbula XXII A guia e a Raposa ........................................................................................... 48
Fbula XXIII O Galo e a Raposa ............................................................................................ 50
Fbula XXIV O Bezerro e o Lavrador .................................................................................... 52
Fbula XXV O Lobo e o Co ................................................................................................. 54
Fbula XXVI Os Membros e o Corpo ................................................................................... 56
Fbula XXVII A guia e o Grou ............................................................................................. 58
Fbula XXVIII A Raposa e o Corvo........................................................................................ 60
Fbula XXIX O Leo e os outros Animais ............................................................................. 62
Fbula XXX As Rs e Jpiter ................................................................................................. 64
Fbula XXXI As Pombas e o Falco ...................................................................................... 66
Fbula XXXII O Parto da Montanha ..................................................................................... 68
Fbula XXXIII O Galgo velho e o seu Dono .......................................................................... 70
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Fbulas de Esopo
5
Fbula XXXIV As Lebres e Rs .............................................................................................. 72
Fbula XXXV O Lobo e o Cabrito .......................................................................................... 74
Fbula XXXVI O Veado, o Lobo e a Ovelha .......................................................................... 76
Fbula XXXVII A Cegonha e a Raposa .................................................................................. 78
Fbula XXXVIII A Gralha e os Paves ................................................................................... 79
Fbula XXXIX A Formiga e a Mosca ..................................................................................... 81
Fbula XL A R e o Touro ..................................................................................................... 83
Fbula XLI O Cavalo e o Leo ............................................................................................... 85
Fbula XLII As Aves e o Morcego ......................................................................................... 87
Fbula XLIII O Cavalo e o Burro ........................................................................................... 89
Fbula XLIV O Falco e o Rouxinol ...................................................................................... 91
Fbula XLV As rvores e o Machado ................................................................................... 93
Fbula XLVI O Burro e o Mercador ...................................................................................... 95
Fbula XLVII O Rato e a Doninha ......................................................................................... 97
Fbula XLVIII A Raposa e as Uvas ........................................................................................ 99
Fbula XLIX O Pastor e o Lobo ........................................................................................... 101
Fbula L O Burro e a Cachorrinha...................................................................................... 103
Fbula LI O Leo e o Rato .................................................................................................. 105
Fbula LII O Milhafre e a sua Me ..................................................................................... 107
Fbula LIII A Porca e o Lobo .............................................................................................. 109
Fbula LIV O Velho e a Mosca ........................................................................................... 111
Fbula LV O Cordeiro e o Lobo .......................................................................................... 113
Fbula LVI O Homem pobre e a Cobra .............................................................................. 115
Fbula LVII O Macaco, o Lobo e a Raposa ......................................................................... 117
Fbula LVIII O Carvalho e o Junco ..................................................................................... 119
Fbula LVIX A Formiga e a Cigarra ..................................................................................... 121
Fbula LX O Caminhante e a Espada ................................................................................. 123
Fbula LXI O Burro e o Leo .............................................................................................. 125
Fbula LXII A Gralha e a Ovelha ......................................................................................... 127
Fbula LXIII O Boi e o Veado .............................................................................................. 129
Fbula LXIV O Homem e o Leo ........................................................................................ 131
Fbula LXV O Lobo e a Raposa .......................................................................................... 132
Fbula LXVI O Leo e outros Animais ................................................................................ 134
Fbula LXVII O Veado e o Caador .................................................................................... 135
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Fbulas de Esopo
6
Fbula LXVIII A Serpente e a Lima ..................................................................................... 137
Fbula LXIX Os Carneiros e o Carniceiro ........................................................................... 139
Fbula LXX O Lobo e o Burro doente ................................................................................ 141
Fbula LXXI A Pulga e o Camelo ........................................................................................ 143
Fbula LXXII O Caador e as Aves ...................................................................................... 144
Fbula LXXIII O Cervo e o Cavalo ....................................................................................... 146
Fbula LXXIV O Abutre e mais Pssaros ............................................................................ 148
Fbula LXXV A Raposa e o Leo ......................................................................................... 150
Fbula LXXVI O Carneiro grande e os Pequenos ............................................................... 152
Fbula LXXVII O Leo e o Homem ..................................................................................... 153
Fbula LXXVIII A Panela de barro e a de cobre ................................................................. 155
Fbula LXXIX O spide e o seu Hspede ........................................................................... 157
Fbula LXXX O Co e o seu Dono ....................................................................................... 158
Fbula LXXXI A Raposa e a Doninha .................................................................................. 160
Fbula LXXXII A Nora e a Sogra ......................................................................................... 162
Fbula LXXXIII O Burro e a Cobra ...................................................................................... 163
Fbula LXXXIV O Corvo e o Escorpio ............................................................................... 164
Fbula LXXXV O Ladro e o Anjo ....................................................................................... 165
Fbula LXXXVI A Serpente e o Cabrito .............................................................................. 166
Fbula LXXXVII A Raposa e o Leo ..................................................................................... 167
Fbula LXXXVIII Hrcules e os Pigmeus ............................................................................. 168
Fbula LXXXIX O Caador e a Vbora ................................................................................. 169
Fbula XC A Cigarra e a Andorinha .................................................................................... 171
Fbula XCI O Soldado e a Corneta ..................................................................................... 172
Fbula XCII O Homem e a Burra ........................................................................................ 173
Fbula XCIII O Urso e as Abelhas ....................................................................................... 175
Fbula XCIV O Co na Manjedoura ................................................................................... 177
Fbula XCV As Duas Cabras ............................................................................................... 178
Fbula XCVI Os Ratos e as Doninhas ................................................................................. 180
Fbula XCVII A Raposa e o Porco-Espinho ......................................................................... 182
Fbula XCVIII A Formiga e a Pomba .................................................................................. 184
Fbula XCIX A Lebre e a Tartaruga .................................................................................... 185
Fbula C Os Viajantes e a rvore ...................................................................................... 187
Fbula CI O Agricultor e os seus Filhos .............................................................................. 188
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Fbulas de Esopo
7
Fbula CII O Pescador e o Peixinho ................................................................................... 190
Fbula CIII O Conselho dos Ratos ...................................................................................... 191
Fbula CIV A Galinha dos Ovos de Ouro ........................................................................... 193
Fbula CV A jovem Leiteira ................................................................................................ 195
Fbula CVI O Avarento ...................................................................................................... 197
Fbula CVII O Velho, o rapaz e o burro ............................................................................. 199
Fbula CVIII O Pastor e o Leo .......................................................................................... 201
Fbula CIX O Lobo e o Leo ............................................................................................... 203
Fbula CX O velho e o feixe de varas................................................................................. 204
Fbula CXI Os Dois Viajantes e o Urso ............................................................................... 205
Fbula CXII A guia e a Gralha .......................................................................................... 207
Fbula CXIII O Lobo em Pele de Cordeiro .......................................................................... 209
Fbula CXIV O Touro e o Bode .......................................................................................... 210
Fbula CXV O Burro com pele de Leo .............................................................................. 211
A vida de Esopo ................................................................................................................. 212
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Fbulas de Esopo
8
Fbula I
O Galo e a Prola
H1865
Andava um Galo a esgravatar no cho, para achar migalhas
ou bichos que comer, quando encontrou uma prola. Excla-
mou:
Ah, se te achasse um joalheiro! A mim porm de que va-
les? Antes uma migalha ou alguns gros de cevada.
Dito isto, foi-se embora em busca de alimento.
Moral da histria
Os ignorantes, desprezando os ensinamentos proveitosos e a doutrina moral
que sob das Fbulas se esconde, fazem o que fez este Galo; buscam coisas
sem valor, cevada e migalhinhas.
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Fbulas de Esopo
10
Fbula II
O Lobo e o Cordeiro
MW1919
Estava um Lobo a beber gua num ribeiro, quando avistou
um Cordeiro que tambm bebia da mesma gua, um pouco
mais abaixo. Mal viu o Cordeiro, o Lobo foi ter com ele de m
cara, arreganhando os dentes.
Como tens a ousadia de turvar a gua onde eu estou a
beber?
Respondeu o cordeiro humildemente:
Eu estou a beber mais abaixo, por isso no te posso turvar a
gua.
Ainda respondes, insolente! retorquiu o lobo ainda mais
colrico. J h seis meses o teu pai me fez o mesmo.
Respondeu o Cordeiro:
Nesse tempo, Senhor, ainda eu no era nascido, no te-
nho culpa.
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Fbulas de Esopo
11
Sim, tens replicou o Lobo , que estragaste todo o pasto
do meu campo.
Mas isso no pode ser disse o Cordeiro , porque ainda no tenho dentes.
O Lobo, sem mais uma palavra, saltou sobre ele e logo o de-
golou e comeu.
Moral da histria
Claramente se mostra nesta Fbula que nenhuma justia nem razes valem ao
inocente para o livrarem das mos de um inimigo poderoso e desalmado. H
poucas cidades ou vilas onde no haja estes Lobos que, sem causa nem ra-
zo, matam o pobre e lhe chupam o sangue, apenas por dio ou m in-
clinao.
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Fbulas de Esopo
12
Fbula III
O Lobo e as Ovelhas
H1865
Havia uma guerra entre os Lobos e as Ovelhas; estas, embora
fossem mais fracas, como tinham a ajuda dos ces levavam
sempre a melhor. Os Lobos ento pediram paz, com a condi-
o de que dariam de penhor os seus filhos, se as Ovelhas
tambm lhes entregassem os ces.
As ovelhas aceitaram estas condies e foi feita a paz.
Contudo, os filhos dos Lobos, quando se viram na casa das
ovelhas, comearam a uivar muito alto. Acudiram logo os
pais, a pensar que isso significava que a paz havia sido que-
brada, e recomearam a guerra.
Bem quiseram defender-se as Ovelhas; mas como a sua
principal fora consistia nos ces, que havia entregado aos
-
Fbulas de Esopo
13
Lobos, foram facilmente vencidas por eles e acabaram
degoladas.
Moral da histria
Ensina esta Fbula que ningum deve entregar as armas aos seus inimigos,
antes tenha a paz por suspeitosa. Tambm nos avisa quanto ao perigo de
meter em casa inimigos, ou filhos de inimigos, como fizeram as Ovelhas, que
querendo estar mais seguras por terem os filhos dos Lobos em casa, foram eles
a causa da sua destruio.
-
Fbulas de Esopo
14
Fbula IV
O Rei dos Macacos e dois Homens
S1479
Dois companheiros que caminhavam juntos pela floresta,
acabaram por se perder. Depois de andarem muito, chega-
ram terra dos Macacos. Foram logo levados ao rei, que,
mal os viu, lhes perguntou:
Na vossa terra e nessas que atravessastes, o que se diz de
mim e do meu Reino?
Respondeu um dos homens:
Dizem que sois um grande Rei de gente sbia e culta.
O outro, que gostava de dizer a verdade, respondeu:
Toda a vossa gente so macacos irracionais, logo o rei
tambm um macaco.
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Fbulas de Esopo
15
Ouvindo isto, o Rei ordenou que matassem este, e que ao
primeiro oferecessem presentes e o tratassem muito bem.
Moral da histria
Verifica-se nesta Fbula o que diz Terncio, que a verdade causa dio e o
elogio ganha amigos. Com um Rei ignorante no h sbios nem virtuosos,
apenas chocarreiros e aduladores. Daqui resulta que frequentemente os bons
so rebaixados e obedecem aos maus, que o Rei Macaco tem dio a quem o
desengana, e que o que mente, como aqui fez o primeiro companheiro, fa-
vorecido.
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Fbulas de Esopo
16
Fbula V
A Andorinha e as outras Aves
H1865
Estavam os homens a semear linho, e, ao v-los, disse a An-
dorinha aos outros pssaros:
Para nosso mal fazem os homens esta seara, que desta
semente nascer linho, e dele faro redes e laos para nos
prenderem. Melhor ser destruirmos a linhaa e a erva que
dali nascer, para estarmos seguras.
As outras Aves riram-se muito deste conselho e no quiseram
segui-lo. Vendo isto, a Andorinha fez as pazes com os homens
e foi viver em suas casas. Algum tempo depois, os homens
fizeram redes e instrumentos de caa, com os quais apa-
nharam e prenderam todas as outras aves, poupando ape-
nas a Andorinha.
Moral da histria
A Andorinha representa o homem prudente, que fica livre de dificuldades se
consegue antecip-las. Os que querem viver a seu gosto, sem ouvirem con-
selhos nem preverem o mal que est para vir, so caados e castigados devi-
do sua ignorncia.
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Fbulas de Esopo
18
Fbula VI
O Rato e a R
MW1919
Um Rato desejava atravessar um rio, mas tinha medo, pois
no sabia nadar. Pediu ento ajuda a uma R, que se ofere-
ceu para o levar para o outro lado desde que se prendesse a
uma das suas patas.
O Rato concordou e, encontrando um pedao de fio, pren-
deu uma das suas pernas R. Mas, mal entraram no rio, a
R mergulhou, tentando afogar o Rato. Este, por sua vez, de-
batia-se com a R para se manter superfcie. Estavam os
dois nestes trabalhos e canseiras quando passou por cima um
Milhafre que, vendo o Rato sobre a gua, baixou sobre ele e
levou-o nas garras juntamente com R. Ainda no ar, comeu-
os a ambos.
Moral da Histria
Nesta R, e na sua morte, se v aquilo que ganham os maus quando
atraioam aqueles que neles confiam. Porque quase sempre recebem o mal
que para outros ordenam; e se o inocente morre, no escapam eles do cas-
tigo merecido; que mesmo que se livrem do castigo temporal, cairo depois
da morte num castigo ainda mais temvel.
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Fbulas de Esopo
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Fbula VII
O Ladro e o Co de Guarda
HW1867
Um ladro, desejando entrar noite numa casa para a rou-
bar, deparou-se com um co que com os seus latidos o impe-
dia. O cauteloso ladro, para apaziguar o Co, lanou-lhe
um bocado de po. Mas o Co disse:
Bem sei que me ds este po para que eu me cale e te
deixe roubar a casa, no porque gostes de mim. Mas j que
o dono da casa que me sustenta toda a vida, no vou deixar
de ladrar enquanto no te fores embora ou at que ele
acorde e te venha afugentar. No quero que este bocado
de po me custe morrer de fome o resto da vida.
Moral da Histria
Quem se fia em palavras lisonjeiras, acha-se no fim enganado. Mas quem
suspeita das ofertas e das palavras de lisonjeio, no se deixa enganar.
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Fbulas de Esopo
22
Fbula VIII
O Co e a Ovelha
O1574
O Co pediu Ovelha certa quantidade de po, que dizia
haver-lhe emprestado. A Ovelha negou ter recebido tal coi-
sa. O Co apresentou ento trs testemunhas a seu favor, as
quais havia subornado: um Lobo, um Abutre e um Milhafre.
Estes juraram ter visto a Ovelha receber o po que o Co re-
clamava. Perante isso, o Juiz condenou a Ovelha a pagar,
mas no tendo ela meios de o fazer, foi forada a ser tosqui-
ada antes de tempo para que a l fosse vendida como pa-
gamento ao Co. Pagou ento a Ovelha pelo que no co-
mera e ainda ficou nua, padecendo as neves e frios do
inverno.
Moral da histria
Parece que j no tempo em que Esopo escreveu esta Fbula se adivinhava o
que hoje passa em muitos lugares, onde roubam aos pobres e fracos as honras
e fazendas, com falsos testemunhos de homens desalmados, conjurados para
roubarem o alheio. Que em nenhum lugar, contra bons homens e ovelhas, fal-
tam Lobos e Milhafres que os dispam e lhes chupem o sangue.
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Fbulas de Esopo
24
Fbula IX
O Co e a Carne
H1865
Um Co levava na boca um pedao de carne, e, ao atra-
vessar um rio, vendo a carne refletida na gua, pareceu-lhe
esta maior e soltou a que levava nos dentes para apanhar a
que via dentro de gua. Porm, como a corrente do rio ar-
rastou a carne verdadeira, com ela foi tambm o seu reflexo,
e ficou o Co sem uma e sem outro.
Moral da histria
Este Co significa a cobia daqueles que, muitas vezes, por terem maiores in-
teresses, arriscam o que possuem e perdem tudo; como diz bem o provrbio:
mais vale um pssaro na mo do que dois a voar.
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Fbulas de Esopo
25
Fbula X
A Mosca em cima do carro
O1574
Sobre uma carroa carregada puxada por uma Mula pousou
uma Mosca. Achou-se to importante por ir no alto, que co-
meou a falar com arrogncia contra a Mula, dizendo que
andasse depressa seno que a castigaria, picando-a onde
lhe doesse. A Mula virou a o rosto dizendo:
Cala-te, desavergonhada, que no tenho medo de ti, nem
me podes fazer nada, s temo o carroceiro que leva na mo
o aoite. Quanto a ti, s com importunaes podes cansar-
me, sem me fazer outro mal.
Moral da histria
Esta Fbula mostra a natureza de alguns, que s tm lngua, e com ela por-
fiando e contradizendo, cansam e importunam toda a gente, querendo mos-
trar-se muito importantes.
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Fbulas de Esopo
27
Fbula XI
O Co e a Mscara
RH1894
Procurando comida, um Co encontrou a mscara de um
homem muito bem-feita de papelo com cores vivas. Che-
gou-se ento a ela e comeou a cheir-la para ver se era um
homem que dormia. Depois empurrou-a com o focinho e viu
que rebolava, e como no quisesse ficar quieta nem tomar
assento, disse o Co:
Decerto que a cabea linda, mas no tem miolo.
Moral da histria
A mscara representa o homem ou mulher que s se preocupa com o aspeto
exterior e no procura cultivar a alma, que muito mais preciosa. Notam-se
nesta Fbula as pessoas que tm todo o cuidado com enfeites e cores supr-
fluas, formosas por fora, mas a cuja cabea falta miolo.
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Fbulas de Esopo
29
Fbula XII
O Leo, a Vaca, a Cabra e a Ovelha
G1870
Um Leo, uma Vaca, uma Cabra e uma Ovelha combinaram
caar juntos e repartirem o ganho. Acharam ento um Vea-
do, e depois de terem andado e trabalhado muito, consegui-
ram mat-lo.
Chegaram todos cansados e, cobiosos da presa, dividiram-
na em quatro partes iguais. O Leo tomou uma, e disse:
Esta parte minha conforme o combinado.
A seguir pegou noutra e acrescentou:
Esta pertence-me por ser o mais valente de todos.
Pegou numa terceira e disse:
Esta tambm para mim pois sou o rei de todos os animais,
e quem na quarta mexer, considere-se por mim desafiado.
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Fbulas de Esopo
30
Assim levou todas as partes, e os companheiros acharam-se
enganados e afrontados; mas sujeitaram-se por no terem
tanta fora como o Leo.
Moral da histria
Parceria e amizade quer-se entre iguais, e o casamento tambm; conforme
dizia o filsofo, que o mandou aprender aos meninos: cada um com seu igual;
porque quem trava amizade com maior, torna-se seu escravo e tem de lhe
obedecer ou perder pelo menos a amizade, na qual o trabalho sempre do
mais fraco, e a honra e proveito do mais poderoso.
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Fbulas de Esopo
31
Fbula XIII
O Casamento do Sol
O1574
Dizem que em certo tempo o Sol desejou casar-se, e toda a
gente, desagradada com isso, se foi queixar a Jpiter,
dizendo que no vero sofriam muito com um Sol que os abra-
sava com os seus raios, donde concluam que se o Sol se
casasse e viesse a ter filhos, queimaria o mundo todo; porque
sendo apenas um Sol, temos um vero calmoso na ndia,
outro na Grcia, outro na Noruega e nas terras setentrionais;
mas sendo todas as trs zonas trridas no teriam as pessoas
onde viver. Tendo compreendido isso, Jpiter ordenou que o
Sol no se casasse.
Moral da histria
Todos os homens tm a obrigao de evitar que se multiplique o nmero dos
maus e desalmados e dos que desaforadamente fazem mal ao prximo,
como nesta Fbula se finge que era o Sol, e devem pedir a Deus que os
emende ou os tire do mundo, e favorecer a justia, para que possa castig-
los.
-
Fbulas de Esopo
33
Fbula XIV
O Homem e a Doninha
O1574
Um Homem que caava ratos apanhou na armadilha uma
Doninha. Esta, vendo-se em seu poder, pediu-lhe que a soltas-
se, e disse em seu favor que ela nenhum mal lhe fazia, pelo
contrrio, limpava-lhe a casa de ratos e bichos.
Respondeu o homem:
Se tu por acaso fizesses isso por bem, devia-te eu agra-
decimento; mas como o fazes por teres fome, no te devo
nada, antes te quero matar, que se os bichos te faltarem,
comers o que meu, pior ainda do que os prprios ratos.
Moral da histria
Do que os homens fazem em seu benefcio nenhum agradecimento se lhes
deve; a boa obra deve ser voluntria e no por acaso, para que quem a re-
cebe a deva agradecer. Esta Doninha como muitos homens que at as ms
obras que fazem querem vender com boas palavras e desejam que se lhes
fique devendo.
Porm a inteno que d obra o seu valor; quem me deu uma lanada
para me matar e me lancetou o abcesso que me matava no foi amigo,
apesar de me ter dado sade. Esta devo-a s a Deus, que por mo do inimigo
ma quis dar.
-
Fbulas de Esopo
35
Fbula XV
A Macaca e a Raposa
H1865
Uma Macaca sem rabo pediu a uma Raposa que cortasse
metade do seu e lho desse, dizendo:
Bem vs que o teu rabo demasiado grande, pois que at
se arrasta e varre a terra; o que dele sobeja podes-mo dar a
mim para cobrir estas partes que vergonhosamente trago
descobertas.
Antes quero que se arraste disse a Raposa e varra o
cho, e me seja pesado, que aproveitares-te tu dele. Por isso
no to darei, nem quero que coisa minha te faa proveito.
E assim ficou a Macaca sem o rabo da Raposa.
Moral da histria
Semelhantes a esta Raposa so todos os invejosos, que deixaro de escarrar se
souberem que algum aproveita o seu cuspinho, e todos os avarentos que do
muito que em sua casa sobeja no querem partilhar com o pobre que lhes
mostra a sua necessidade, como aqui a Macaca mostra Raposa.
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Fbulas de Esopo
37
Fbula XVI
Juno e o Pavo
H1865
O Pavo foi ter com Juno muito queixoso, dizendo por que
razo o Rouxinol havia de cantar melhor que ele e ter-Ihe
muitas outras vantagens. Disse Juno que no se agastasse;
que por isso tinha ele as penas formosas, cheias de olhos, que
pareciam estrelas.
Isso no vale nada replicou o Pavo , antes queria
saber cantar.
Juno respondeu:
No podes ter tudo. O Rouxinol tem voz, a guia, fora, o
Gavio, ligeireza, tu contenta-te com tua formosura.
-
Fbulas de Esopo
38
Moral da histria
Prova-se nesta Fbula o que fica dito no princpio da vida de Esopo; que no
h ningum completamente desamparado de natureza e sem graa parti-
cular; que Deus, autor da mesma natureza, criou os homens e repartiu por eles
os seus dotes.
De uns faz valentes e de outros ligeiros; um bom pintor, outro msico hbil,
outro tem o seu dote no entendimento.
Ensina por isso esta Fbula que ningum se ensoberbea da graa particular
de que dotado, nem tenha inveja das boas obras do prximo, antes com tu-
do e por tudo d louvores a seu Deus e Criador.
-
Fbulas de Esopo
39
Fbula XVII
O Lobo e o Grou
H1865
Estava um Lobo a comer carne quando se lhe atravessou um
osso na garganta, que o sufocava. Estando nesta aflio, pe-
diu ao Grou que lhe valesse e que com o seu bico e pescoo
comprido lhe tirasse o osso da garganta e que seria recom-
pensado. O Grou assim fez e tirou-lhe o osso. Estando livre o
Lobo, pediu-lhe ento o Grou uma parte do muito que antes
lhe oferecera. Porm o Lobo respondeu-lhe:
ingrato! No te agradeci j o bastante por te ter dei-
xado meter a cabea dentro na minha boca, onde fcil-
mente poderia apertar os dentes e matar-te? No me peas
paga, pois tu que me deves favor, e bem ingrato s em no
reconheceres to grande benefcio.
-
Fbulas de Esopo
40
Calou-se o Grou, e ficou muito arrependido do que fizera,
dizendo:
Nunca mais por gente ruim meterei a cabea e a vida em
semelhante perigo.
Moral da Histria
Benefcios feitos a gente perdida so benefcios perdidos, e podem contar-se
por malefcios quando puramente no se fazem por amor de Deus, que todos
os bens tem o cuidado de pagar. A homem desagradecido, quanto fazeis por
ele tudo perdeis, e s vezes com palavras vos carrega, mostrando que sois vs
o devedor, como este nosso Lobo fazia.
-
Fbulas de Esopo
41
Fbula XVIII
As duas Cadelas
O1574
Estava uma cadela com as dores de parto, e no tendo lugar
onde pudesse parir, suplicou a outra que lhe cedesse a sua
cama, que era num palheiro, dizendo que assim que parisse
se iria embora com os filhos.
Tendo pena dela, a outra cadela cedeu-lhe o lugar, mas de-
pois do parto pediu-lhe que se fosse embora. Porm a hspe-
de mostrou-lhe os dentes e no a quis deixar entrar, dizendo
que estava de posse do lugar, e que no a tirariam dali a no
ser por guerra e s dentadas.
Moral da histria
Esta Fbula mostra ser verdadeiro o adgio que diz: Queres inimigo? D o teu
e pede-o de volta. Porque, sem dvida, h muitos homens como esta cadela
parida, que pedem humildemente, mostrando a sua necessidade, e depois de
terem o alheio em seu poder, arreganham os dentes a quem lho pede, e se
so poderosos ficam com ele.
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Fbulas de Esopo
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Fbula XIX
O Homem e a Cobra
WHsecXVII
Na fora do chuvoso e frio inverno andava uma Cobra fraca
e encolhida, e um homem piedoso recolheu-a, agasalhou-a
e alimentou-a, enquanto houve frio. Chegado o vero, co-
meou a Cobra a estender-se e desenroscar-se, pelo que o
-
Fbulas de Esopo
44
homem a quis pr fora; mas ela levantou o pescoo para o
morder. Vendo isso, o homem pegou num pau e comeou a
lutar com a Cobra. Na peleja ficou a Cobra morta, e ele bem
mordido.
Moral da histria
Bem diz o provrbio: pela mo leva o homem a desgraa a sua casa. Assim
aconteceu a este homem com a cobra, e acontece a muitos que, no inverno
dos trabalhos e perseguies, querem ser bons aos seus prximos, mas eles, de
ruins, chegado o vero das bonanas, nem o dado agradecem nem o em-
prestado devolvem. Assim certo acolherdes s vezes em casa um pobre que
ou vos rouba e foge, ou, se o mandais embora, vos molesta e injuria.
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Fbulas de Esopo
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Fbula XX
O Burro e o Leo
MW1919
Um Burro simplrio cruzou-se com um Leo num caminho, e,
altivo e presunoso, atreveu-se a falar-lhe, dizendo:
Sai do meu caminho!
Vendo este desatino e ousadia, o Leo deteve-se por um ins-
tante; mas prosseguiu logo o seu caminho, dizendo:
Pouco me custaria matar e desfazer este Burro agora ms-
mo; porm no quero sujar os meus dentes nem as fortes
unhas em carne to ordinria e fraca.
E seguiu caminho sem fazer caso dele.
Moral da histria
H homens nobres que suportam coisas de outros abaixo deles que no
suportariam aos seus iguais, porque consideram uma afronta sujar as mos em
gente baixa. Pelo contrrio, h muitos idiotas, como este burro, que, contentes
de si, bem vestidos e bem alimentados, sem terem onde carem mortos, que-
rem logo desafiar os fidalgos maiores da terra, como queria fazer este burro
com o Leo, rei dos outros animais.
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Fbulas de Esopo
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Fbula XXI
O Rato da Cidade e o Rato do Campo
WHsecXVII
Um Rato que morava na Cidade, calhando ir ao campo, foi
convidado para jantar por outro Rato que l morava. Este
levou-o sua toca e preparou a refeio com coisas do
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Fbulas de Esopo
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campo, como ervas e razes. Disse o Rato da Cidade ao ou-
tro:
Compadre, tenho pena de ti e da pobreza em que vives.
Vem comigo morar na cidade e vers a riqueza e a fartura
de que gozas.
O Rato do Campo aceitou o convite e l foram ambos para
uma casa grande e rica. Entrando na despensa, estavam a
comer boas e abundantes comidas quando de sbito entra o
despenseiro e dois gatos atrs dele.
Assustados, os Ratos correram cada um para seu lado. O de
casa achou logo o seu buraco, e o de fora trepou pela pa-
rede, dizendo:
Fica-te com a tua fartura, que eu antes quero comer razes
no campo, onde no h gato nem ratoeira e se vive sem
sobressaltos.
E assim diz o adgio: Mais vale magro no mato, que gordo na
boca do gato.
Moral da histria
Quanto o estado de pobreza mais calmo e seguro mostra-se bem nesta F-
bula; e quantos riscos correm os que trabalham por conseguir mais riquezas.
-
Fbulas de Esopo
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Fbula XXII
A guia e a Raposa
H1865
Uma guia, procurando alimento para os seus filhotes, deitou
as unhas a dois raposinhos. A Raposa, vendo isso, implorou-lhe
que lhe desse os filhos; mas a guia, l do alto, zombou das
suas splicas e disse que no deixaria de lhos comer.
A Raposa, magoada, comeou logo a juntar, ao p da rvo-
re onde a guia tinha o ninho, muitas palhas, arbustos e ra-
mos secos, e arranjou-os de tal maneira que, chegando-lhe
fogo, fez uma fogueira muito grande.
Viu-se a guia muito apoquentada com o fumo e a laba-
reda, e com o receio de que ardesse a rvore toda, lanou-
lhe os raposinhos sem lhes tocar, e quase ficou chamuscada
pela astcia da Raposa.
Moral da histria
Se algum presumir ser guia na fora e ter vantagem em relao aos outros,
nem por isso afronte nem importune o fraco e pequeno que no possa vingar-
se do maior. Deus ajuda os humildes e resiste aos soberbos; e quis que o Leo
temesse o Galo, e o Rato pudesse inquietar o Elefante.
-
Fbulas de Esopo
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Fbula XXIII
O Galo e a Raposa
WHsecXVII
Fugindo de uma Raposa, algumas Galinhas e o seu Galo
subiram a uma rvore. A Raposa, vendo que ali no os podia
alcanar, quis usar de cautela, e disse ao Galo:
Podes descer com segurana, que acabou de se pro-
clamar a paz universal entre todas as aves e animais. Portanto
desce e vamos festejar este dia.
-
Fbulas de Esopo
51
O Galo percebeu que era mentira, mas com dissimulao
respondeu:
Essas novidades por certo so boas e alegres, mas vejo
alm trs ces a chegar; deixemo-los chegar e todos juntos
festejaremos.
A Raposa, sem mais esperar, encolheu-se dizendo:
Tenho medo que eles ainda o no saibam e me matem.
E depressa se ps a fugir, ficando as Galinhas seguras.
Moral da histria
Um cravo tira outro cravo. Por este Galo pode entender-se o homem ajuizado
que, quando outro com palavras o quer enganar, dissimula, fingindo que no
o entende, e com palavras brandas se defende. Que se o falso encontra
homem avisado, quase sempre cai nos laos que armou.
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Fbulas de Esopo
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Fbula XXIV
O Bezerro e o Lavrador
O1574
Um Lavrador tinha um Bezerro forte e gracioso e p-lo a lavrar
com outro boi manso. Como o Bezerro resistia ao jugo e ao
trabalho, o Lavrador tentava amans-lo com pancadas e pe-
dradas. E disse ao boi manso:
No te ponho com este para que lavres, que ele ainda
no est pronto para isso, mas para o amansar de pequeno,
porque depois de se tornar touro no haver quem o aman-
se.
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Fbulas de Esopo
53
Moral da Histria
Ensina-nos esta Fbula que necessrio educar e refrear os filhos de
pequenos, acostum-los virtude, tirando-os de ociosidades, que do sempre
maus resultados na velhice; porque doutrina crist que quem tira aos moos
o castigo, se lhes quer bem, lhes faz mal. Donde se prova que quem lhes quer
bem lhes faz mal. Donde se prova que quem lhes tem amor, deve dom-los e
castig-los de pequenos. Tambm pelo boi manso se v que o homem quieto
e pacfico sempre mais querido e estimado por aqueles que lidam com ele.
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Fbulas de Esopo
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Fbula XXV
O Lobo e o Co
RH1894
Encontrando-se um Lobo e um Co num caminho, disse o
Lobo:
Tenho inveja, companheiro, de te ver to gordo, com o
pescoo grosso e o cabelo luzidio; eu ando sempre magro e
desgrenhado.
Respondeu o Co:
Se fizeres o que eu fao, tambm tu engordars. Estou nu-
ma casa onde gostam muito de mim, do-me de comer, tra-
tam-me bem; e s tenho de ladrar quando sinto ladres de
noite. Por isso, se quiseres, vem comigo que ters outro tanto.
O Lobo aceitou e l foram. Mas no caminho disse o Lobo:
O que isso, companheiro, que te vejo o pescoo esfo-
lado?
Respondeu o Co:
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Fbulas de Esopo
55
Para que durante o dia no morda os que entram em
casa, prendem-me com uma corrente. De noite soltam-me
at de manh, quando tornam a prender-me.
No quero a tua fartura respondeu o Lobo. A troco
de no estar preso, antes quero trabalhar e passar fome, mas
ser livre.
E dizendo isto foi-se embora.
Moral da Histria
No h prata nem ouro que valham mais do que a liberdade, e quem a es-
tima faz o que fez este Lobo, que escolhe antes trabalhos e fome que perd-
la. Comedores negligentes e sem prstimo no prezam ser livres, desde que
comam o po, e tais so representados nesta Fbula pelo Co.
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Fbulas de Esopo
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Fbula XXVI
Os Membros e o Corpo
RH1894
As mos e os ps queixavam-se dos outros membros, dizendo
que se fartavam de trabalhar e que traziam o corpo s cos-
tas, e tudo redundava em proveito do estmago, que comia
sem trabalho. Portanto, o estmago que tratasse da sua vida,
que eles no haviam de dar-lhe de comer.
Por muito que o estmago lhes pedisse, no quiseram voltar
atrs no que tinham dito e comearam a negar-lhe a comi-
da. O estmago enfraqueceu, mas como juntamente enfra-
queceram tambm os ps e as mos, estes tornaram de-
pressa a querer aliment-lo. Contudo a fraqueza j era muita,
e de nada lhes valeu, morrendo todos juntamente.
Moral da histria
Somos todos membros de uma mesma Repblica, e todos necessrios uns aos
outros. Soldados e trabalhadores so as mos e os ps, o Rei, cabea, os ricos,
estmago. Se o lavrador disser que no quer trabalhar para que o outro coma,
ele h de ser o primeiro a padecer de fome. Se os soldados no defenderem a
ptria, o rei no governar, os ricos no distriburem o que juntaram antes, e
cada membro se separar, morrero todos, e morrer o corpo mstico da
Repblica.
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Fbulas de Esopo
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Fbula XXVII
A guia e o Grou
H1865
A guia apanhou um Cgado para comer, e trazia-o pelo ar
e dava-lhe picadas, mas no conseguia mat-lo porque es-
tava muito recolhido na sua carapaa. A guia estava a fi-
car furiosa com isto, mas entretanto chega o Grou, que diz:
A caa que apanhaste decerto muito boa, mas no
poders sabore-la seno por artimanha.
A guia props que, se lhe ensinasse a artimanha, repartiria
com ele o que caara. O Grou disse ento:
Sobe acima das nuvens e de l deixa cair o Cgado em
cima de uma pedra, que quebrar a carapaa, deixando a
carne descoberta.
-
Fbulas de Esopo
59
A guia assim fez, e sucedendo o queriam, comeram ambos
da caa.
Moral da histria
Na guerra, e em qualquer negcio, vale mais a sageza do que a fora. H
negcios muito rduos que apenas se concluiro por manha, e sem ela a
fora pouco ou nada vale. Foi isto que quiseram mostrar os poetas na
companhia e amizade do sbio Ulisses com o valente Diomedes, porque va-
lentia sem manha poucas ou nenhumas vezes d fruto proveitoso a seu dono,
e um conselho bom vale mais que muitos maus.
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Fbulas de Esopo
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Fbula XXVIII
A Raposa e o Corvo
H1865
Um Corvo apanhou um queijo, e, fugindo com ele, pousou
em cima de uma rvore. Uma Raposa, ao v-lo, desejou co-
mer-lhe o queijo. Ps-se ento ao p da rvore e comeou a
dizer ao Corvo:
V-se bem que s formoso e gentil, e poucos pssaros h-
ver que te ganhem. s bem-disposto e muito galante; se por
acaso soubesses cantar, nenhuma ave se compararia conti-
go.
Envaidecido com estes elogios e desejando fazer boa figura,
o Corvo levantou o pescoo para cantar; porm, abrindo o
bico, caiu-lhe o queijo. A Raposa apanhou-o e foi-se embora,
ficando o Corvo faminto e ciente da sua prpria ignorncia.
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Fbulas de Esopo
61
Moral da histria
Os que se deixam convencer com palavras lisonjeiras, como eram as desta
Raposa, no de admirar que cometam os maiores desatinos, como o Corvo
fez. Quem, sem ter qualidades, v louvar-se, entenda que no so louvores,
seno laos que lhe armam para o enganarem; porque palavras dceis so
sempre suspeitosas, e quanto melhor se aceitam, mais prejudiciais so. So
engodo que o caador faz para nos apanhar e por meio desse ardil vem a
alcanar de ns o que desejava.
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Fbulas de Esopo
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Fbula XXIX
O Leo e os outros Animais
H1865
Estava um Leo doente e fraco de velho, e veio um javali que
lhe lembrou ter sido por ele maltratado noutros tempos e deu-
lhe uma forte trombada. Veio um Touro e deu-lhe uma cor-
nada, e muitos outros animais, para se vingarem, maltrataram
o Leo. Por fim veio um asno, e deu-lhe dois coices, com que
o deitou por terra.
Chorava o Leo dizendo:
Tempos houve em que todos estes s com o meu bramido
tremiam, e no havia nenhum to forte que no fugisse de se
encontrar comigo. Agora que me veem fraco, todos querem
vingar-se e no h quem no me maltrate.
Moral da histria
Os que desempenham cargos e ofcios grandes no faam mal aos outros,
temam o que aconteceu a este Leo; porque quando o seu poder en-
fraquecer e deixarem o ofcio, tambm qualquer pobre poder vingar-se
deles e atac-los, ou por obras, ou por palavras.
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Fbulas de Esopo
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Fbula XXX
As Rs e Jpiter
H1865
H muito, muito tempo, as Rs pediram a Jpiter que lhes
desse um rei, como tinham os outros animais. Jpiter riu-se da
ignorante petio e, atendendo a ela, lanou um madeiro
para o meio da lagoa. As Rs comearam ento a ter-lhe
respeito; porm, logo que perceberam que no era coisa vi-
va, foram de novo ter com o deus pedindo um rei. Jpiter, far-
to de ser importunado, deu-lhes a Cegonha, que comeou a
comer as rs uma a uma.
Vendo elas esta crueldade, foram-se queixar a Jpiter pe-
dindo uma soluo, mas ele despediu-as dizendo:
J que no ficastes contentes com o primeiro rei, sofrei
com esse, que tanto me pedistes.
Moral da histria
Gente amiga de novidades como as Rs; cada dia querem mudar de
senhor e desejam alteraes e mudanas. Mas bem se v nesta Fbula que
Deus muitas vezes castiga os maus simplesmente concedendo-lhes o que
pedem; e os que se queixam do bom Governador ou Prelado, s vezes caem
em poder de tiranos, que os comem e destroem, como a Cegonha aqui fazia.
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Fbulas de Esopo
66
Fbula XXXI
As Pombas e o Falco
H1865
Vendo-se as Pombas perseguidas pelo Milhafre, que de vez
em quando as maltratava, e pensando como poderiam livrar-
se dele, pediram ajuda ao Falco.
Tomou este o cargo de as defender; mas comeou a trat-las
muito pior, matando-as e comendo-as sem piedade. Vendo-
se sem remdio, diziam:
Sofremos e com razo, pois no nos contentando com o
que tnhamos, decidimos mal num assunto que tanto nos im-
portava.
Moral da histria
Direitamente parece que esta Fbula se dirige aos prncipes cristos, que
tendo rivalidades entre si, muitas vezes chamaram em seu favor Mouros ou
Turcos, do que depois se arrependeram, como estas Pombas, e ficaram na
sujeio de que hoje padece o Egito e muitas outras provncias, em castigo de
seus dios, invejas, cismas, abominaes e outros pecados, causas de dis-
crdias e por conseguinte de total destruio.
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Fbulas de Esopo
68
Fbula XXXII
O Parto da Montanha
RH1894
Em certo tempo comeou a Montanha a dar urros e a inchar,
dizendo que queria parir. Andava a gente muito surpresa e
cheia de temor, receosa de que nascesse algum monstro que
pudesse destruir o mundo todo. Chegado o tempo do parto,
estando todos juntos suspensos, a Montanha pariu um Rato,
transformando em riso o que antes era medo.
Moral da histria
Esta Fbula sobre os que prometem de si coisas grandes, e depois no fazem
coisa alguma, como so certos fanfarres, que se armam em valentes e a
poder de juramentos o querem parecer. Outros que gabam as suas letras e os
livros que ho de escrever, mas quando se joeira a valentia de uns e a cincia
dos outros, tudo joio; pelo que com razo fica quem os conhece e se ri e
escarnece deles, como na Fbula se diz que os homens fizeram do parto da
Montanha.
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Fbulas de Esopo
70
Fbula XXXIII
O Galgo velho e o seu Dono
HW1867
Um Galgo velho, que em tempos havia sido muito bom caa-
dor, deixou fugir uma lebre de entre os dentes, porque j os
no tinha. Vendo isso, o dono aoitou-o cruelmente e man-
dou-o embora, como coisa que nada valia.
Disse ento o Galgo:
Deves, Senhor, lembrar-te de como te servi bem enquanto
era jovem, quantas lebres cacei e quanto me estimavas; ago-
ra que sou velho e estou no osso, por uma lebre que me fugiu,
aoitas-me e lanas-me fora. Devias antes perdoar-me e
pagar-me bem o muito que te tenho servido.
Moral da histria
Deste Galgo tome lio quem serve senhor ingrato, e ver o pagamento que
h de ter, principalmente se o serve em coisas contra a sua conscincia,
porque depois de estar bem metido no Inferno, pela primeira vontade que
deixar de lhe fazer, perde quanto tem servido. E muitas vezes o prprio
senhor, por cujo respeito ele perdeu a Deus, que o seu algoz e o faz castigar
pelos pecados que o obrigou a cometer.
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Fbulas de Esopo
72
Fbula XXXIV
As Lebres e Rs
H1865
Cansadas de fugirem dos galgos e de serem assustadas por
todos os animais, as Lebres combinaram, para no passarem
mais sobressaltos, afogarem-se num rio. Correram ento em
direo gua, mas chegando beira dela viram grande
nmero de Rs saltarem com medo para o rio. Perante isso,
as Lebres pararam e, mudando o conselho, disseram:
Tendo em conta que estas Rs vivem tendo medo de ns e
de todos os que nos atemorizam, aguentemos tambm ns a
vida, j que h outros mais perseguidos e medrosos.
Moral da histria
Bem se v ser verdade o que diz Marcial, que ningum miservel se for
comparado; e a mais certa consolao, ainda que cruel, que h nos males
ver outros que padecem maiores.
Perguntando a um Filsofo de que modo se suportariam bem os sofrimentos,
respondeu este: vendo o nosso inimigo em outros maiores.
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Fbulas de Esopo
74
Fbula XXXV
O Lobo e o Cabrito
HW1867
Uma Cabra, indo pastar ao campo, deixou o filho em casa e
disse-lhe que no abrisse a porta nem ao Urso nem ao Lobo
que ali viessem, porque morreria. Mal saiu, veio um Lobo que,
fingindo a voz de Cabra, comeou a falar carinhosamente
ao Cabrito, dizendo que lhe abrisse a porta, que era a sua
me. Ouvindo isto, o Cabrito chegou porta e, olhando por
uma fenda, viu o Lobo. Sem outra resposta, virou as costas e
recolheu-se em casa. O Lobo foi-se embora, e ele ficou salvo.
Moral da histria
Aos filhos obedientes a seus pais nada de mal lhes acontece. Esta Fbula
avisa-nos que observemos sempre esta obedincia, e tambm que no nos
fiemos em palavras meigas; porque quem pura fora no se atreve con-
nosco, quanto mais peonha traz no corao tanto mais mel mostra a lngua;
que a peonha no se d seno nos manjares mais saborosos.
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Fbulas de Esopo
76
Fbula XXXVI
O Veado, o Lobo e a Ovelha
FB1687
Um Veado exigia Ovelha uma certa quantidade de trigo,
que falsamente dizia haver-lhe emprestado. A Ovelha pensou
em negar-lho, mas receou, porque o Veado estava acompa-
nhado de um Lobo. Assim, com dissimulao, respondeu a
Ovelha:
Peo-te, pela tua vida, que esperes alguns dias e ento
faremos as nossas contas e pagar-te-ei quanto te dever.
O Veado foi-se embora todo contente. Porm quando am-
bos se encontraram sem o Lobo estar presente, a Ovelha de-
senganou-o, disse-lhe que no lhe devia trigo nenhum e que,
portanto, nada lhe pagaria.
Moral da histria
Contm esta Fbula um aviso proveitoso que pode servir-nos quando algum
porfia contra ns em presena dos nossos inimigos; que ento prudncia
dilatar a vida at nos vermos numa situao em que possamos livremente
defender a nossa opinio, como fez aqui a Ovelha, sem temor de Lobos
inimigos roazes.
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Fbulas de Esopo
78
Fbula XXXVII
A Cegonha e a Raposa
RC1883
Um dia a Raposa convidou a sua amiga Cegonha para
jantar. Chegado o tempo, a ardilosa Raposa preparou para o
jantar umas papas que estendeu numa bandeja, e incenti-
vava a Cegonha a que comesse. Mas como esta magoava o
bico na bandeja e nada conseguia apanhar das papas,
regressou faminta ao ninho.
Para se vingar, a Cegonha convidou por sua vez a Raposa e
serviu o manjar numa garrafa, de onde comia com o bico e
pescoo comprido. A Raposa, no conseguindo meter o foci-
nho na garrafa, regressou a casa morta de fome.
Moral da histria
agradvel enganar o enganador e zombar de quem quer zombar de ns, e
obrigao dos que zombam e escarnecem sofrerem bem zombarias leves.
-
Fbulas de Esopo
79
Fbula XXXVIII
A Gralha e os Paves
H1865
Uma Gralha pediu emprestadas penas de pavo e, vestindo-
se com elas, passou a andar com os Paves, desprezando as
outras Gralhas. Porm, passado algum tempo, os Paves pe-
diram as suas penas de volta, e comearam a depenar a
Gralha, arrancando-lhe penas e carne com o bico. A Gralha
quis depois regressar para junto das suas antigas companhei-
ras, ainda que com temor e vergonha, e disseram-lhe elas:
Teria sido melhor contentares-te com o que te deu a na-
tureza do que quereres ser o que no s e ficares no estado
em que ests, pelada, ferida e envergonhada.
Moral da histria
Quem faz casa e toma fausto com rendas alheias, ou fazenda emprestada,
tem o sucesso desta Gralha. Chega o tempo da paga, vm os credores, to-
mam-lhe as alfaias com que se honrava, e se no bastam, enfiam-no na
cadeia, donde sai pelado e vergonhoso.
-
Fbulas de Esopo
81
Fbula XXXIX
A Formiga e a Mosca
WHsecXVII
Entre a Mosca e a Formiga houve grande discusso sobre
pontos de honra. Dizia a Mosca:
Eu sou nobre, vivo livre, ando por onde quero, como refei-
es saborosas, sento-me mesa com o Rei e beijo as mais
-
Fbulas de Esopo
82
formosas damas. Tu, mal-aventurada, andas sempre a traba-
lhar.
Respondeu a Formiga:
Tu s uma doida preguiosa. Se pousas uma vez em prato
de bom manjar, mil vezes comes sujidades e imundcies des-
prezadas por todos; se te pes no rosto da dama ou mesa
com o Rei, no por sua vontade, mas porque s enfadonha
e importuna.
Moral da histria
Com esta Fbula aprendamos o pouco que valem homens ociosos e im-
portunos como moscas, que se gabam difamando mulheres e pessoas hon-
radas e contam feitos que nunca lhes aconteceram, desprezando os que
como a formiga vivem do seu labor, mas quando veem a ocasio, no fazem
nada e ficam afrontados e tidos por cobardes.
-
Fbulas de Esopo
83
Fbula XL
A R e o Touro
WHsecXVII
Andava um grande Touro a passear junto da gua, e uma
R, vendo-o to grande, ficou cheia de inveja e comeou a
comer e a inchar-se com vento, e perguntava s outras se j
era grande.
-
Fbulas de Esopo
84
Elas responderam que no. A R voltou a fazer mais fora
para inchar e, desenganada do muito que lhe faltava para
igualar o Touro, terceira vez inchou com tanta fora que veio
a rebentar com a cobia de ser grande.
Moral da histria
Marcial, num epigrama contra Otalcio, moraliza esta Fbula, entendendo
pela R o ambicioso, que, desejando igualar-se com o rico no trato e na des-
pesa, gasta o que tem e o que no tem, e chega a consumir-se, at que
rebenta em muitas dvidas que o levam cadeia. Fiquem logo avisados
aqueles que, sendo Rs na posse, no queiram despender como Touros,
porque seno rebentam como esta de que tratou esta Fbula.
-
Fbulas de Esopo
85
Fbula XLI
O Cavalo e o Leo
H1865
Um Leo viu um Cavalo a pastar num outeiro, e pensando
numa maneira de o matar para o comer, chegou-se com pa-
lavras de amigo, dizendo que era mdico e se queria que o
curasse.
O Cavalo, que o conheceu e percebeu a sua inteno, disse
com dissimulao:
Na verdade, amigo, vens em boa altura, que tenho nesta
pata uma dor que muito me faz sofrer.
O Leo aproximou-se para lhe ver a pata, e o Cavalo le-
vantou-a e assentou-lhe um coice no queixo, que o deixou
atordoado.
Voltando a si, o Leo viu que o Cavalo j ia longe, e disse:
-
Fbulas de Esopo
86
Por certo que fez bem em me ferir e ir-se embora, pois eu
queria com-lo e no cur-lo.
Moral da histria
Aos que querem roubar e enganar outros, professando ofcios que nunca
aprenderam, muitas vezes lhes sucede ficarem escalavrados como este Leo,
e nunca escapam das afrontas e injrias graves, porque querem vender o que
no sabem, o que tudo so maneiras de furtar.
-
Fbulas de Esopo
87
Fbula XLII
As Aves e o Morcego
H1865
Havia uma guerra entre as Aves e os outros animais, e, sendo
estes mais fortes, andavam as Aves maltratadas e vencidas.
Amedrontado, o Morcego passou-se para o bando contrrio,
e voava por cima dos animais de quatro patas, aos quais se
aliara.
Entretanto a guia veio ajudar as Aves e estas alcanaram
vitria. Apanharam o Morcego, e como castigo da sua trai-
o, ordenaram-lhe que andasse sempre pelado e s escu-
ras.
Moral da histria
Esta Fbula adverte os soldados para que no desamparem os seus capites;
os amigos para que no esqueam a amizade em tempo de trabalhar. Os
que assim no fazem pouco tm de amigos e muito de inimigos, ganham fa-
ma de traidores e ningum confia neles.
-
Fbulas de Esopo
89
Fbula XLIII
O Cavalo e o Burro
O1574
Um Cavalo, ricamente ajaezado de seda e ouro de muito
valor, encontrou no caminho um Burro carregado e disse-lhe
cheio de altivez:
Animal inconveniente, porque no me cedes lugar e te
desvias para que eu passe?
O pobre Burro calou-se e suportou a ofensa.
Alguns dias depois, o Cavalo torceu uma pata e comeou a
mancar. O seu dono retirou-lhe por isso os ricos arreios e ps-
lhe uma albarda para servir como animal de carga.
O Burro encontrou-o ento carregado de esterco, e disse-lhe:
Onde vais, irmo? Onde est a tua soberba? Porque no
pedes agora que me arrede, como fazias noutro tempo?
Moral da histria
Que ningum despreze os pequenos e pobres por se ver bem alimentado e
bem vestido ou com honras e ofcios; porque se mudam as venturas e estados,
e a soberba passada no serve mais que de vergonha e injria presente.
-
Fbulas de Esopo
91
Fbula XLIV
O Falco e o Rouxinol
O1574
Certa manh, um Falco apoderou-se do ninho onde o Rou-
xinol tinha os filhos e quis mat-los. O Rouxinol comeou com
muita brandura a suplicar-lhe que no os matasse e que fica-
ria ao seu servio.
O Falco disse que ficaria contente se o Rouxinol cantasse de
um modo que o satisfizesse. Principiou o triste Rouxinol a can-
tar muito sentido e suave. Porm, o Falco, mostrando-se des-
contente com a msica, comeou a comer-lhe os filhos. En-
tretanto chega por trs um caador e apanha o Falco com
um lao, em que o prendeu e o levou de rasto, e o Rouxinol
ficou livre.
Moral da histria
Este Falco representa os tiranos e desalmados, que por nenhumas
razes, ainda que muito justificadas, desistem de prejudicar os que
podem pouco; mas neste entremeio chega a Justia divina, que os ca-
a no lao da morte e os lana no inferno, e muitas vezes, para conso-
lao dos bons, os aflige visivelmente nesta vida com pena temporal.
-
Fbulas de Esopo
93
Fbula XLV
As rvores e o Machado
H1865
Um Machado de ao bem forjado, faltando-lhe o cabo, via-
se impedido de cortar. As rvores disseram ento ao Zam-
bujeiro que lhe desse o cabo. E logo que o Machado ficou
encavado, um homem comeou com ele a fazer madeira e
a destruir o arvoredo.
Disse ento o Sobreiro ao Freixo:
A culpa nossa, que demos cabo ao Machado para nos-
so mal, porque, se no lho dssemos, seguras poderamos es-
tar em relao a ele.
Moral da histria
Quem vir o seu contrrio incapaz de lhe fazer mal, no o habilite nem lhe d
armas, se o vir desarmado. Virtude perdoar ao inimigo, mas parvo quem,
alm de lhe perdoar, o favorece tanto que depois possa com pouca ajuda
mat-lo.
-
Fbulas de Esopo
95
Fbula XLVI
O Burro e o Mercador
O1574
Um comerciante que ia para a feira levava um Burro
carregado de mercadoria, mas como o animal estava muito
fraco, andava devagar. O Mercador, ambicioso, com desejo
de chegar depressa, bateu tanto no Burro que este caiu no
caminho com a carga e morreu. Depois de morto esfolaram-
no, e da pele fizeram um tambor, em que andavam sempre
a batucar.
Moral da histria
Os que sabem aproveitar-se dos trabalhos da vida e se preparam para a
morte, descansam nela; porm os que como burros morrem sem se lembrarem
de que h outra vida, depois de padecerem nesta suas desventuras, so na
outra escarnecidos e atormentados pelo demnio; pelo que com acerto so
comparados nesta Fbula a jumentos, cuja pele maltratada tanto na morte
como na vida.
-
Fbulas de Esopo
97
Fbula XLVII
O Rato e a Doninha
WHsecXVII
Uma Doninha, como no pudesse j caar de to velha e
cansada que estava, usava esta artimanha: enfarinhava-se
to-da e punha-se muito quieta a um canto da casa.
-
Fbulas de Esopo
98
Vinham alguns Ratos que, pensando que a Doninha era outra
coisa, se aproximavam para comer e ela apanhava-os comi-
a-os.
Por fim veio um Rato velho, que tinha j escapado de muitas
armadilhas, e pondo-se de longe disse:
Por mais artes que uses, no me apanhars. Engana
vontade esses pequenos, mas eu conheo-te bem e no hei
de chegar-me a ti.
E, dizendo isto, foi-se.
Moral da histria
Na Doninha se pode ver que quem criado em ms manhas, nem por velhice
as perde. Quem se acostuma a furtar, ou o barao ou a morte lho h de tirar;
e quando j no podem usar da fora, com rebuos, manhas e traies usam
os seus maus ofcios, como gente que tem perdida a vergonha e temor de
Deus.
-
Fbulas de Esopo
99
Fbula XLVIII
A Raposa e as Uvas
MW1919
Chegando uma Raposa a uma parreira, viu-a carregada de
uvas maduras e formosas e cobiou-as. Comeou a fazer
tentativas para subir; porm, como as uvas estavam altas e a
subida era ngreme, por muito que tentasse no as conseguiu
alcanar. Ento disse:
Estas uvas esto muito azedas e podem manchar-me os
dentes; no quero colh-las verdes, pois no gosto delas
assim.
E, dito isto, foi-se embora.
Moral da histria
Homem avisado, coisas que no pode alcanar, deve mostrar que no as
deseja; quem encobre as suas faltas e desgostos no d gosto a quem lhe
quer mal nem desgosto a quem lhe quer bem; e que seja isto verdade em
todas as coisas, tem mais lugar nos casamentos, que desej-los sem os haver
pouquidade, e sizo mostrar o homem que no lhe lembram, ainda que muito
os cobice.
-
Fbulas de Esopo
101
Fbula XLIX
O Pastor e o Lobo
MW1919
Andava um Lobo a fugir de um caador que vinha a
persegui-lo, e, chegando ao p de um Pastor, escondeu-se
numas moitas e pediu ao Pastor que se o caador pergun-
tasse por ele, lhe dissesse que fugira. O Pastor concordou.
Quando chegou o caador, perguntou pelo Lobo, e o Pastor
disse-lhe que fugira, mas coma cabea indicou-lhe onde
estava escondido. Contudo o Caador no percebeu os
acenos e foi-se embora. O Lobo saiu ento do esconderijo, e
disse-lhe o Pastor:
Ento, amigo? Muito me deves pois bem te vali.
Valeu-me antes a minha sorte respondeu o Lobo e
no te entender o caador; pelo que nada te devo, e se
bendigo a tua lngua, amaldioo a tua cabea, que tanto fez
por me descobrir.
Moral da histria
Notam-se nesta Fbula os que do mal que urdiram, ainda que no tendo
efeito, querem tirar agradecimentos, e mostra-se o perigo que representa que-
rerem os homens em seus trabalhos valer-se de seus inimigos; que quando so
muito fiis e primorosos, cuidam que satisfazem ao mostrarem-se neutrais.
-
Fbulas de Esopo
103
Fbula L
O Burro e a Cachorrinha
H1865
Um Burro, vendo que o seu dono brincava com uma
Cachorrinha e se alegrava com ela, e a tinha mesa, dando-
lhe de comer, e que ela se entusiasmava quando ele che-
gava, e lhe saltava para o colo, pensou com inveja que se fi-
zesse o mesmo seria mais estimado.
Ento, quando chegou o dono, ps-lhe as patas nos ombros
e comeou a querer lamber-lhe o rosto com a lngua.
Espantado, o dono comeou a gritar e acudiram os criados
que, a poder de muitas pancadas, tornaram a meter o Burro
na estrebaria.
Moral da histria
Ningum se meta a mostrar habilidades que a natureza lhe negou. Cante o
msico, pratique o letrado, o soldado trate de armas, o piloto de sua arte, e
quem quer meter-se nas artes alheias, para ganhar terra e contentar a outrem,
ou sair como este asno espancado, ou o mandaro para a estrebaria.
-
Fbulas de Esopo
105
Fbula LI
O Leo e o Rato
WHsecXVII
Estando um Leo a dormir, andavam uns Ratos a brincar
volta dele, e, saltando-lhe por cima, acordaram-no.
-
Fbulas de Esopo
106
O Leo prendeu um entre as patas e estava para o matar;
mas, devido s splicas do Rato, acabou por solt-lo.
Passado pouco tempo, o Leo caiu numa rede onde ficou
enleado, sem poder valer-se da sua fora. O Rato, sabendo o
que acontecera, roeu com afinco os laos e cordis e soltou
o Leo, que se viu livre de perigo em troca da boa ao que
praticara.
Moral da histria
Duas coisas temos aqui de notar: primeiramente o agradecimento que se
deve a qualquer boa ao, e em especial a quem perdoa algum agravo, po-
dendo vingar-se como este Leo podia.
Em segundo lugar, quanto devem os poderosos estimar a amizade de qual-
quer homem, por muito fraco que seja.
-
Fbulas de Esopo
107
Fbula LII
O Milhafre e a sua Me
H1865
Estando o Milhafre doente, e receando a morte que via j
chegada, rogou a sua Me que fizesse por sua sade roma-
rias aos Santos.
Respondeu ela:
De boa vontade, filho, as faria; mas temo que no te va-
lham de nada; porque como gastaste a vida toda em mal-
feitorias, e como com o teu esterco sujaste sempre os templos
dos Santos, receio que no me queiram ouvir, ainda que lhes
rogue pela tua sade.
Moral da histria
fcil de entender que este Milhafre representa os homens que toda a vida
so maus e guardam o arrependimento para a hora da morte. Esta Fbula
tambm ensina quanto risco correm os que ofendem os Santos e bons, e
porque que Justia divina faz com que s vezes no sejam ouvidos, quando
se querem valer deles.
-
Fbulas de Esopo
109
Fbula LIII
A Porca e o Lobo
H1865
Estava uma Porca com dores de parir, e um Lobo faminto
aproximou-se dela dizendo que era seu amigo, que tinha d
de a ver desamparada e que queria servir-lhe de parteira. A
Porca percebeu logo que o que ele queria era comer-lhe os
filhos e, dissimulando, disse que no pariria enquanto ele ali
estivesse porque era muito envergonhada; por isso que se
fosse embora e a deixasse parir, e que depois podia voltar. O
Lobo assim fez, mas logo que saiu dali, a Porca tambm se foi
em busca de um lugar seguro onde parir.
Moral da histria
O que tem fama de Lobo, quando se faz bondoso h que fugir dele, porque
nunca fazem bem por virtude, seno por seu interesse. E destes quem no
puder livrar-se por fora, deve apartar-se com dissimulaes, que tanto estar
mais seguro de se queimar, quanto mais longe estiver do seu fogo.
-
Fbulas de Esopo
111
Fbula LIV
O Velho e a Mosca
WHsecXVII
Repousava soalheira um Velho careca, com a cabea des-
coberta, e uma Mosca no fazia outra coisa seno picar-lhe
na calva. Acudia logo o Velho com a mo, mas como a Mos-
ca fugia muito depressa, dava em si mesmo grandes palma-
das, de que aquela muito gostava e se ria. Disse o Velho:
-
Fbulas de Esopo
112
Podes rir-te de quantas vezes eu der em mim, que isso no
me mata; mas se uma s vez te acertar, ficars morta, e
pagars os agravos de ontem e os de hoje.
Moral da histria
H mancebos que a zombar e escarnecer dos homens srios e sensatos so
mais importunos que Moscas, at que o homem, para os castigar, lhes desco-
bre uma falta, com que os deixa mortos de injuriados. Eu por esta Mosca en-
tendo alguns muito zelosos, que trabalham por dar desgostos a senhores pode-
rosos, ou fazem sobrancerias s justias e escapam muitas vezes, at que
alguma vez caem nas suas mos, e ento os fustigam de tal maneira que
ficam perdidos de todo.
-
Fbulas de Esopo
113
Fbula LV
O Cordeiro e o Lobo
HW1867
Andava um Cordeiro entre as cabras, e chegou um Lobo que
lhe disse:
No este o teu rebanho, vem comigo, vou levar-te tua
me.
Respondeu o Cordeiro:
No quero, porque esta cabra gosta muito de mim e d-
me mais mimos do que ao seu prprio filho.
Contudo replicou o Lobo , estars melhor com a tua
me.
-
Fbulas de Esopo
114
Bem estou aqui disse o Cordeiro , no quero meter-me
em aventuras, que por bem que me suceda, no deixar o
pastor de me tirar a l e ficarei a morrer de frio.
Moral da histria
Mostra-nos esta Fbula que a companhia dos bons amigos mais segura que
quanto parentesco tem o mundo; que o parente sem amor, nem amigo
nem parente; e o amigo verdadeiro parente e amigo. Tambm o Cordeiro
nos avisa que quem est bem no deve meter-se em aventuras. Quem est
quieto, contente-se com a sua sorte e guarde-se de empiorar.
-
Fbulas de Esopo
115
Fbula LVI
O Homem pobre e a Cobra
H1865
Um Homem pobre costumava acarinhar e dar de comer a
uma Cobra que tinha em casa, e enquanto assim fez tudo lhe
corria bem e a vida melhorou. Depois, em virtude de um de-
sentendimento com a Cobra, fez-lhe uma grande ferida. E
vendo que tornava a empobrecer, com muitas palavras e
humildade pediu perdo Cobra. Respondeu a Cobra:
Eu boamente te perdoo, mas isso no te vai servir para
deixares de ser pobre, que esta ferida sempre me h de doer
e sempre h de estar pedindo vingana de ti.
Moral da histria
Quis Esopo mostrar nesta Fbula o que costumam dizer: a quem ofenderes
no lhe creias, porque a memria das ofensas eterna. Portanto, quem in-
juriou algum amigo e depois se reconciliaram, entenda que, por muito amigos
que paream ser e que no exterior mostre no se lembrar nada, l no mais
secreto do corao est guardada muitas vezes a memria da injria.
-
Fbulas de Esopo
117
Fbula LVII
O Macaco, o Lobo e a Raposa
O1574
O Lobo discutiu com a Raposa, dizendo que ela lhe furtara
algo. Era juiz o Macaco. A Raposa negou fortemente, discu-
tindo ambos diante do juiz, e cada um revelou as maldades
sabia do outro. Depois de o Macaco os ouvir, pronunciou a
sentena, dizendo que o Lobo no provara que fora rouba-
do, mas que ele entendera que a Raposa tinha furtado algu-
ma coisa; portanto condenava ambos que ficassem para
sempre entre si desavindos e desconfiados.
Moral da histria
Natural maliciosos e mentirosos pensarem que no h homem que seja bom
nem verdadeiro; e por estas suspeitas condenarem quantos conhecem e no
conhecem. Tambm mostra esta Fbula que os juzes, para condenar, se re-
gem no pela prova, mas por suspeitas: tm saber de Macaco, que tudo sabe
para mal, e no para bem.
-
Fbulas de Esopo
119
Fbula LVIII
O Carvalho e o Junco
H1865
O Carvalho, alto e direito, no queria dobrar-se ao vento, e
vendo como Junco se maneava facilmente, aconselhava-o
que no se dobrasse.
Respondeu o Junco:
Tu podes resistir, mas eu no, que no tenho razes com-
pridas nem sou forte como tu s.
Dizendo isto, levantou-se uma ventania, que arrancou o Car-
valho com razes e tudo; mas o Junco, que se dobrou, ficou
em p.
Moral da histria
Mostra bem esta Fbula quo sujeitos esto a desastres os soberbos e aqueles
que a ningum querem dobrar-se, e, por outra parte, que segura a hu-
mildade; porque os que sofrem com discrio e obedecem aos tempos, ainda
que paream juncos fracos, permanecem mais que os soberbos.
-
Fbulas de Esopo
121
Fbula LVIX
A Formiga e a Cigarra
MW1919
No inverno, quando a Formiga tirava o trigo da sua cova para
o secar ao sol, apareceu a Cigarra com as mos postas e
pediu-lhe que repartisse com ela, que morria fome. Per-
guntou-lhe a Formiga que fizera no vero, porque no guar-
dara alimento para se manter? Respondeu a Cigarra:
O vero passei-o a cantar e em brincadeiras pelos
campos.
A Formiga, ento perseverando em recolher o seu trigo, disse-
lhe:
Amiga, pois se os meses de vero gastaste em cantar,
bailar comida saborosa e com gosto.
Moral da histria
Notrio significar-se pela Formiga o homem trabalhador, diligente e previ-
dente. Portanto esta Fbula ensina-nos que sejamos como a Formiga e no
confiemos no que outrem nos h de dar ou emprestar; que com razo se
pode negar tudo ao preguioso, se como a Cigarra afeioado msica e a
passatempos. Porm trabalhar e guardar caminho certo para no depender
de ningum.
-
Fbulas de Esopo
123
Fbula LX
O Caminhante e a Espada
O1574
Um Caminhante achou uma Espada muito bem
ornamentada no meio da estrada e perguntou-lhe quem a
perdera e a deixara ali. A espada calou-se e ficou quieta. De-
pois, sendo outra vez questionada, respondeu:
Ningum me perdeu a mim, ainda que me vejas lanada
neste cho, antes eu fiz perder muita gente. Dando ocasies
a brigas, matei alguns homens, de que resultou ficarem per-
didos os matadores, e os mortos mais perdidos ainda se no
estavam em graa, porque caminharam para o Inferno.
Moral da histria
Por esta espada entendo os homens desalmados que enganam a gente
moa por maus respeitos, levando-a a casas de jogo e outras piores, desvi-
ando-as da obedincia de seus pais; porque estes matam mil vezes famas,
honras, fazendas alheias e tambm vidas e almas daqueles que a eles se
juntam.
-
Fbulas de Esopo
125
Fbula LXI
O Burro e o Leo
O1574
Encontrando-se num caminho um Burro com um Leo, disse o
primeiro:
Subamos a um outeiro, que quero que vejas como os ou-
tros animais tm medo de mim.
O Leo riu-se e foi com ele. O Burro zurrou e fez fugir grande
nmero de lebres, coelhos, raposas e outros semelhantes. Dis-
se ento ao Leo:
Que te parece? Vs o medo com que fogem de mim?
Fogem de ti os fracos respondeu o Leo , que so os
que tm medo de te ouvir bradar; mas eu sem brados des-
fao os mais valentes com as minhas mos; pelo que de
nenhum nem de ti tenho temor.
Moral da histria
Certo , nos que querem mostrar-se valentes, deitarem brados e bravatas
entre gente pacfica, para com eles espantarem homens fracos e muito
ordeiros; mas o verdadeiro valente no se mede pelos gritos; pelas obras, e
no pelas palavras, que se conhece cada um. No na boca que est a
valentia, mas sim no corao, e nos braos parece-se o homem com o Burro
ou com o Leo.
-
Fbulas de Esopo
127
Fbula LXII
A Gralha e a Ovelha
O1574
Uma Gralha ociosa pousou no pescoo de uma Ovelha, e ali
a repelava e lhe tirava a l, picando-a por entre ela. A Ove-
lha virou o rosto, dizendo:
Este vcio ruim e antigo havers de perder no dia em que
picares um rafeiro no pescoo e ele te matar sem esforo.
Respondeu a Gralha:
J sou muito velha e sabida, sei quem posso importunar e
quem devo acarinhar. No temas que me ponha no pescoo
do co, seno no teu, que no me podes fazer mal.
Moral da histria
Esta Gralha significa alguns malandros, que andam sempre a molestar com
aes e palavras os homens de bem e pacficos; mas quando encontram
algum mais forte que eles, encolhem os ombros e passam com cumprimentos;
porque com Ovelhas so Gralhas, e com Rafeiros so Ovelhas.
-
Fbulas de Esopo
129
Fbula LXIII
O Boi e o Veado
H1865
Um Veado, para escapar de um caador, fugiu para a vila, e
entrando cheio de medo numa estrebaria, encontrou um Boi,
a quem perguntou se podia esconder-se ali.
Disse-lhe o Boi que o mais certo era morrer e que antes deve-
ria regressar floresta, mas mesmo assim escondeu-o e co-
briu-o de palha. Quando chegou dono da estrebaria, viu no
meio da palha a armao do Veado. Afastando a palha,
acabou por descobri-lo.
Mas disse-lhe:
J que de tua vontade vieste minha casa, no te quero
matar, seno defender-te e tratar-te muito bem.
Moral da histria Muitos, na pressa de fugirem da sert, caem nas brasas; mas h alguns afor-
tunados, como este Veado; e afortunado quem, sendo perseguido, tem a
sorte de se acolher em casa de Fidalgo, que o no seja s no nome; porque
esse, ainda que por um lado deseje beber o sangue daquele que se vale de
sua casa, obrigado pelo seu pundonor, salva-o e favorece-o, deixando dios
de parte para guardar pontos de honra.
-
Fbulas de Esopo
131
Fbula LXIV
O Homem e o Leo
Andando um Leo caa, espetou um espinho no p, que o
no deixava andar. Encontrou um Homem e mostrou-lho pa-
ra que lho tirasse. O Homem assim fez, e o Leo, como agra-
decimento, deixou de caar nas suas terras.
Dali a muito tempo este Leo foi convidado para certas
festas e nelas se lanavam homens para que os matassem.
Entre estes lanaram-lhe o Homem que o curara e que esta-
va preso por algumas culpas. Porm o Leo no s o no ma-
tou, como se ps em sua guarda e o acompanhou toda a
vida, caando para ele.
Moral da histria
No s Fbula a de cima, mas histria verdadeira, contada por Apino Polbio
Grego, e tambm Aulo Glio nas noites ticas, e ainda Baptista Fulgoso no
quinto Livro. Todos dizem que o homem era cativo e se chamava Andronico.
Deste Leo, no fabuloso mas verdadeiro, podemos aprender a ser agra-
decidos a quem nos faz bem, pois vemos que um bruto to feroz mostra
tamanho agradecimento. Pela mesma ocasio dizem que S. Jernimo teve
tambm um Leo, que lhe servia de carga e companhia.
-
Fbulas de Esopo
132
Fbula LXV
O Lobo e a Raposa
O1574
Um Lobo precavido abasteceu muito bem o seu covil de
mantimentos. Passado um tempo, a Raposa foi ter com ele e
disse que muito o admirava e que estava ansiosa por v-lo e
servi-lo.
No quero o teu servio disse o Lobo , que a tua
inteno no outra seno roubar-me e comeres-me o que
tenho.
A Raposa, vendo-se descoberta, procurou quem matasse o
Lobo e tomou posse do seu covil e de quanto nele havia, mas
vieram uns caadores, foi achada pelos ces e feita em
pedaos.
Moral da histria
Na morte desta Raposa declara-se o fim que merecem os que desejam e
procuram a morte de seus parentes para herdar deles. Esses, se chegam a
alcanar o que pretendem por meios to ilcitos, as mais das vezes no o
gozam, e muitas o perdem com a vida e honra, porque o mal adquirido, dizem
os Latinos, por entre as mos escorrega.
-
Fbulas de Esopo
134
Fbula LXVI
O Leo e outros Animais
Eleito rei de todos os animais, o Leo prometeu a nenhum fa-
zer mal.
Mas logo os mandou reunir, p-los por ordem, e deu-lhes a
cheirar o seu bafo. Aos que diziam que lhes cheirava mal, ma-
tava-os. Aos que diziam que cheirava bem, feria-os.
Procedendo assim, chegou Macaca, e perguntou-lhe, co-
mo a todos, se o bafo lhe cheirava mal. A Macaca cheirou-o,
e disse que no, pensando que assim se salvaria. Porm o
Leo, para a matar, fingiu-se doente e disse que s se curaria
se a comesse. E com esta artimanha arranjou maneira de a
matar.
Moral da Histria
Por mais prudente que o homem seja no consegue livrar-se do Rei tirano,
porque quer fale ou no fale, ou diga bem dele ou mal, l se h de arranjar
uma ocasio de o destruir, e como pode e quer, faz tudo a seu proveito.
-
Fbulas de Esopo
135
Fbula LXVII
O Veado e o Caador
RC1883
Estando um Veado a beber numa ribeira, viu nela refletidos os
seus cornos e armao e as pernas delgadas; as pernas pare-
ceram-lhe mal, e ficou pesaroso de as ter, mas por outro lado
ficou to satisfeito com a formosura dos cornos, que se fez so-
berbo de contente. Ainda no tinha sado da gua, quando
se apercebeu de um Caador. Foi obrigado a valer-se dos
ps, que pouco antes desprezara e que agora o punham a
salvo. Mas entrando por um arvoredo denso, embaraavam-
se-lhe os cornos nos ramos das rvores, com o que se atra-
palhou e foi apanhado. Vendo-se preso e ferido, disse ento:
Que grande parvo fui; desprezei o que me era til, fazendo
muito caso do que me causou a morte.
-
Fbulas de Esopo
136
Moral da histria
A cegueira deste Veado sofrem-na todos os que tm bem-aventurana em
haver coisas, que depois de alcanadas, ainda que no princpio nos alegrem,
so depois causa da nossa destruio.
Portanto aprendamos a pedir a Deus que nos d coisas com que o sirvamos e
nos salvemos; porque ele sabe o que para cada u
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