editorial j - número 5 - maio de 2012
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A geração da
cidadania vivaSem pedir nem esperar apoio do poder público, movimentos de
jovens porto-alegrenses promovem melhorias urbanas, fazendo da
ação o seu discurso e arrecadando apoio nas redes sociais
Cinco centros culturais, há muito prometidos, demoram em média oito anos do projeto à conclusão /4 e 5
Não letal, mas nem sempre Com vocês, José BonifácioPistola Taser, em uso na Capital como alternativa de “menor poder ofensivo” às armas de fogo, gera discussão após sequência de mortes
Boni, ícone da TV brasileira, critica qualidade de programas da Rede Globo como o BBB, que está sob comando de seu filho/11 /3
MAIO 2012. NÚMERO 5. FAMECOS PUCRS
www.pucrs.br/famecos/editorialj
Thiago Meller, o gaúcho destaque do MMA, treina dia após dia para prosperar no concorrido mundo das lutas
Foto: Eduarda Alcaraz
/6 e 7
/8 e 9
Um dia sai
Os segredos do octógonoIlustração: Lúcia Vieira
Os gregos não estavam equivocados. O poder
pode, sim, emanar do povo. É o que provam
os jovens porto-alegrenses que reavivaram a
democracia com ações criativas e ganharam
visibilidade primeiro nas redes sociais e,
depois, na mídia tradicional.
A pauta sobre essa “nova” forma de cidadania, os
leitores podem conferir o resultado nas páginas 8 e 9, sob o
título Um passo à frente do poder público, surgiu na época dos embates entre a prefeitura e o grupo Shoot the Shit,
responsável pelos adesivos que convidavam a população a
escrever quais ônibus passavam em cada parada.
Para apresentar um panorama desse desafio ao
modelo representativo, além de entrevistar os jovens
que unem o conceito helênico à tecnologia, o Editorial
J ouviu ainda a Associação Gaúcha de Proteção ao
Ambiente Natural (Agapan), uma precursora que
mostrou a força da sociedade civil organizada na década
de 1970, antes da internet.
Grupos internacionais foram entrevistados, o que
permitiu se constatar que o desafio ao poder formal
é uma tendência global. A prefeitura de Porto Alegre
reconheceu que precisa se atualizar, nas palavras
do diretor da Secretaria de Coordenação Política e
Governança Local.
A reportagem também foi produzida dentro do
espírito colaborativo. Quatro repórteres dividiram as
tarefas e apuraram cada ponto específico, propiciando
ao leitor uma visão ampla do tema, no melhor espírito
colaborativo.
MAIO DE 2012 / PÁGINA 2
papo de redação
Ações urbanas de grupos como o Shoot the Shit desafiam o modelo representativo
Texto e foto: Felipe Martini
expediente
Jornal mensal da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Avenida Ipiranga, 6681, Porto Alegre (RS).
Reitor: Ir. Joaquim ClotetVice-reitor: Ir. Evilázio TeixeiraPró-reitora de Graduação: Solange Medina Ketzer
FAMECOS
Diretora: Mágda Rodrigues da CunhaCoordenador do curso de Jornalismo: Vitor NecchiCoordenador do Espaço Experiência: Fábian Chelkanoff Thier
Editor: Fabio CanattaCoordenadora de produção: Ivone CassolProjeto gráfico: Luiz Adolfo Lino de SouzaProfessores responsáveis: André Pase, Caroline de Mello, Eduardo Lorea,Fabio Canatta, Flávia Quadros, Geórgia Santos, Ivone Cassol, Marcelo Träsel, Marco Villalobos, Sérgio Stosch, Rogério Fraga e Vitor Necchi.
EQUIPE DE ALUNOS
Editores: Cassiana Machado Martins, Eduarda Alcaraz, Eduardo Bertuol Rosin, Felipe Martini e Igor Grossmann. Repórteres: Alina Oliveira de Souza, Allan de Oliveira, Anahis Vargas, Angela Ferreira, Bruna Canani, Bruna Essig, Bruna Cabrera, Bruno Moraes, Caio Venâncio, Camila Foragi, Camila Hermes, Camila Salton, Cândida Schaedler, Carime Oliveira, Carla Simom, Carolina Matzenbacher, Caroline Corso, Caroline Rech, Carolina Teixeira, Carolini Zanini, Cassia Sirio, Cristine kist, Daniela Boldrini, Daniela Flor, Daniele Souza, Débora Ely, Dimitria Prochnow, Diogo Puhl Pereira, Emily Mayer, Fernanda Correa, Fernando Lopes, Gabriel Amaral, Gabriela Guadanin, Gabriella Monteiro, Gerson Raugust, Guilherme Tubino, Gustavo Becker, Gustavo Frota, Henrique Meneghini Dihl, Ian Linck, Janaina Marques dos Santos, Jean Pereira, Jéssica Mello da Rosa, Jéssica de Souza Barbosa, João Vitor Araújo, José Luiz Dalchiavon, Juliana Prato, Juliana Vencato, Julian Schumacher, Karine Flores, Kimberly Winheski, Laís Flores, Larissa de Bem, Larissa Lofrano, Liege Ferreira, Lúcia Feijó Vieira, Manuela Ferreira, Manoela Ribas, Marcela Ambrosini, Maria Eduarda Sinigaglia, Mariana Amaro, Mariana Caldieraro, Mariana Ramos, Mariana Soares, Martina Jung, Maya Lopes, Milena Haas, Muriel Porfiro, Muriell Krolikowski, Natacha Gomes, Priscila Vanzin, Rafaela Masoni, Rafael Grendene, Rafael Ribeiro, Ramiro Macedo, Renan Sampaio, Renata Paiva Dias, Roberto Stone, Rodrigo Sartori, Shaysi Melate, Stéfano de Souza, Tiago Rech, Thiago Netto, Vanessa Pacheco, Vinícius Velho, Virgínia Miranda, Vitória Di Giorgio, Yasmine dos Santos.
Impressão: Apoio Zero Hora Editora Jornalística
Laboratório convergente da Famecos
www.pucrs.br/famecos/editorialj
editorial J
Texto: Eduardo Lorea Ilustrações: Lúcia Vieira
Democracia, conceito tangível
A edição de maio do Editorial J estampa a primeira
mostra da produção dos alunos que passaram
a integrar o laboratório no início do ano letivo.
Mesmo com muitos integrantes da turma de
estágio à tarde ainda na fase inicial da faculdade,
frequentando as disciplinas introdutórias, o grupo mostra
que a experiência nasce da vontade de aprender.
O jornal traz assuntos variados, dos mais “brutos”, como
as dificuldades dos lutadores de MMA em progredir na
cadeia do esporte, até os mais “eruditos”, como a demora
na concretização dos projetos de centros culturais de Porto
Alegre que habitam a pauta da mídia gaúcha há anos.
Alguns talentos também começam a se revelar. Para
ilustrar a reportagem sobre os centros culturais, a estudante
Lúcia Vieira produziu os desenhos ao lado, retratando os
projetos da nova sede da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre
(Ospa), da Caixa Cultural, do Auditório Araújo Vianna,
da Cinemateca Capitólio e do Multipalco, do Theatro São
Pedro. Lúcia, que faz curso de arte, é dona de um portfólio
promissor.
Outro destaque foi a construção da pauta Um passo à frente do poder público, que ganhou a manchete da edição. Coordenados pelo estudante Felipe Martini, o grupo
de quatro alunos soube apurar a reportagem a muitas
mãos, resultando em um trabalho que consulta fontes
internacionais, precursores do terceiro setor e outras
organizações que fazem história nos dias de hoje.
Começo de conversa
Texto: Paloma Poeta Foto: Priscila Leal
MAIO DE 2012 / PÁGINA 3
bastidores da TV
Era uma vez um certo José Bonifácio, que acabou tendo seu nome associado ao padrão de qualidade da televisão brasileira. Por ironia do destino, hoje critica o conteúdo que, sob tutela
emissora que o notabilizou, a Rede Globo.Foi isso que o Editorial J ouviu de Boni, apelido de José
Bonifácio de Oliveira Sobrinho, durante a sua passagem por Porto Alegre no dia 12 de abril. O pai do diretor do programa Big Brother Brasil veio divulgar o Livro do Boni, em que reúne as histórias de mais de 60 anos de
na Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB/RS).O menino de Osasco descobriu cedo o fascínio do rádio.
Fez dos estúdios seu palco de descobertas, que depois o levaram à publicidade e à TV. O livro conta algumas das experiências do, acima de tudo, empreendedor Boni, em uma obra que ele diz não ser autobiogr a, mas “um hino de amor e agradecimento às pessoas que mudaram a televisão no Brasil”.Boni fez história na televisão. Passou pelas TVs
pela Globo, onde começou como chefe de direção de programação e produção em 1967, e se manteve como todo-poderoso por 30 anos. O executivo investiu na teledramaturgia e apostou em
autores de novelas, cujos nomes hoje são conhecidos do público. Em sua batalha pela rede, colocou no ar dois marcos: o Jornal Nacional e o Fantástico. Participou também da criação do piloto de programas como Casseta & Planeta e A Grande Família.Dentre os nomes importantes com quem trabalhou,
cita Roberto Marinho, fundador da Rede Globo. “Ele era um homem extraordinário. Estava sempre calmo e, quanto mais baixinho falava, pior era”, se diverte. Em sua obra também elogia um Marinho com capacidade de enxergar o talento nos outros. Se for assim, Boni também é um pouco Roberto Marinho. Deu destaque a pessoas como Regina Duarte, Tony Ramos, Faustão, Jô Soares, todos com histórias contadas em seu livro.Dercy Gonçalves e Chico Anysio também no
livro, com capítulos dedicados exclusivamente a eles. Em conversa com o Editorial J, após o falecimento do amigo em 23 de março, Boni não escondeu sua admiração. “H , e a perda de um talento como o Chico Anysio, um dos maiores do mundo, é muito triste”, lamenta. Sobre Dercy Gonçalves, Boni nega a sua morte.
“Pessoas como a Dercy nunca morrem”, acredita. Ainda em 2012, em uma homenagem da Rede Globo a ela, o
interpretou o pai no momento em que foi obrigado a demitir a atriz. “Faça
”.Parece estranho ver um Boni assim, sensível. A fama de
durão, que construiu no passado, percorreu os estúdios, onde impunha seu jeito de fazer. Hoje, o executivo é uma
da Rede Globo no interior de São Paulo.Determinado a seguir escrevendo, ele antecipou que os
próximos capítulos da história darão origem ao “livro dois, o três e, possivelmente, retornar à televisão para começar tudo de novo”.
Nome por trás da Rede Globo, Boni reúne histórias e experiências em seu primeiro livro
60 anos de amor à televisão
“O padrão da Globo não existe mais”
Big Brother Brasil? José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, não faria. Admite não assistir a programas de entretenimento desde que saiu da Globo, em 2001. Eterno obcecado pelo padrão de qualidade, ele ainda costuma prestar atenção a detalhes como cabelo e luz. São vícios do ofício que o deixam inquieto e frustrado. Na sua passagem por Porto Alegre, em palestra na ADVB, o ex-mandachuva da Rede Globo apontou a decadência da televisão aberta no Brasil.Aos 76 anos, Boni já lutou muito por audiência,
mas considera que há limite e que nem tudo deve
vale tudo desde o dia em que pisei na Globo. Não é o vale tudo, é o melhor possível”, explica.
A qualidade parece ter se perdido nos últimos anos, lamentou. “O mal à televisão já foi feito, e o padrão da Globo não existe mais”, avalia. Mas nem tudo está perdido. Como ele mesmo pondera, a Globo segue sendo uma grande produtora. Exporta novelas e programas para o mundo todo e a própria TV Vanguarda tem seus espaços na grade de programação internacional.No entanto, a fórmula para salvar o padrão
de qualidade e acabar com a mesmice que o incomoda não é tão fácil quanto parece. “A televisão precisa favorecer mais o conteúdo do que a forma, e conteúdo precisa de texto. Mas tem que ser texto de alguém de fora, sem vícios”, conclui.
Em passagem por Porto Alegre, o empreendedor José Bonifácio, o Boni, divulga livro que reúne histórias de sua
vida profissional como agradecimento às pessoas que, junto com ele, fizeram a televisão brasileira
Texto: Camila Salton e Milena Haas
MAIO DE 2012 / PÁGINA 4
Batalha pelos centros
O que é: o Multipalco consiste
em um prédio de oito andares e
18.860 metros quadrados. Junto
com o Theatro São Pedro, deverá
formar o maior complexo cultural
da América Latina, ocupando um
espaço de quase 20 mil metros
quadrados no Centro de Porto
Alegre.
Início do projeto: a ideia
de construir o Multipalco surgiu em
1985. A liberação de 10 lotes para
a implantação do projeto levou 18
anos. Em 2003, iniciaram-se as
obras.
Previsão de conclusão:
setembro de 2014, caso ocorra a
complementação necessária de
recursos.
O que é: a Sala Sinfônica da
Ospa deverá contar com cinco
pavimentos e capacidade de 1,5
mil lugares. O prédio terá ainda
uma sala de concertos, Museu da
Música, salas de ensaios, escola de
música e a sede administrativa.
Início do projeto: o teatro
adequado para música sinfônica
é sonhado desde 2008. Depois
ganhou uma licitação. As obras
tiveram início no dia 11 de março
deste ano.
Previsão de conclusão:
2014.
Multipalco
Ospa
Teatro modelo italiano, um dos maiores do Multipalco, segue em construção
Projeto da nova Sala Sinfônica da Ospa, cuja construção iniciou-se em março
Divulgação
Foto: Rodrigo Conte (divulgação)
Cinco projetos ambiciosos prometem incrementar
as atrações de cinema, teatro, dança, exposições e
música em Porto Alegre. A lista inclui a nova sede
da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), a
Cinemateca Capitólio, o Auditório Araújo Vianna,
a Caixa Cultura e o Multipalco, do Theatro São Pedro.
Como são arrojados, a execução é demorada. Para passar
centros culturais de Porto Alegre deve levar, em média, oito
anos cada um. A lentidão resulta da falta de recursos e de
entraves burocráticos.
dos projetos. As boas intenções são bem-vindas, mas para
tirar as ideias do papel é preciso muito mais. A ajuda de
patrocinadores privados e do poder público é fundamental
na prancheta
Batalha pelos centros
Capitólio foi restaurado, mas continua fechado
O que é: outro antigo cinema, o
Capitólio foi restaurado para ser um
centro com videoteca, biblioteca e salas
Estes espaços também poderão receber
debates, cursos e exposições sobre a
Início do projeto: o prédio
começou a ser restaurado em 2004,
por meio de um convênio entre a
Fundação Cinema RS (Fundacine) e a
Prefeitura Municipal de Porto Alegre,
com apoio da Associação dos Amigos
Previsão de conclusão:
culturais da Capital
Auditório está sendo reformado para receber grandes eventos
O que é: o projeto prevê a colocação
de cobertura, ampliação do palco para
270m², instalação de duas telas de LED,
ar condicionado especial, plateia móvel,
Início do projeto: o auditório
está fechado desde abril de 2005 em razão
2007, a produtora Opus venceu a licitação
para execução da obra e em troca terá
direito a utilizar o espaço durante 75% do
Previsão de conclusão:
O que é: o projeto prevê a
reconstituição da fachada original
do antigo Cine-teatro Imperial,
um teatro com capacidade para 640
Início do projeto: não
começou ainda, apesar de estar pronto
do prédio e o restante para mobiliário
Previsão de conclusão:
MAIO DE 2012 / PÁGINA 5
Caixa Cultural
Araújo Vianna
Imperial recebeu apenas tela de proteção
Cine Capitólio
Foto: Eduarda Alcaraz
Foto: Eduarda Alcaraz Fo
to: Vinícius Velho
Viver do MMA é uma lutaesporte
Os holofotes do octógono garantem interesse pela modalidade, mas
é difícil arranjar patrocínio sem estar nas competições mais famosasTexto: Eduardo Bertuol Fotos: Eduarda Alcaraz
O Brasil é o país com os mais reconhecidos atletas do
mundo nas artes marciais mistas, o MMA. O esporte vive uma febre, com eventos lotados e alta audiência na TV - em uma edição de novembro de 2011, o share alcançado pela Globo foi de 43%, superior a de transmissões do futebol dominical. Nem por isso, viver das lutas é fácil, como prova a experiência dos gaúchos que buscam espaço na categoria.Praticante das artes
marciais desde os oito anos de idade, Gustavo Kuhn iniciou no MMA em 2009 e, de lá pra cá, entrou em três
competições, vencendo todas. Mesmo assim, Kuhn percebeu
todo lutador é obter patrocínio
exclusivamente ao esporte. “Não tem como sobreviver apenas do MMA. É um esporte muito complexo, envolve
Kuhn acredita que o UFC, sigla do Ultimate Fighting Championship, a organização que popularizou o octógono - o ringue em que são realizados os combates - e reúne lutadores
ainda é um sonho distante,
mas se inspira na força de vontade dos brasileiros.Thiago Minu Meller (leia
, 32 anos, o gaúcho de maior destaque no MMA, tem a mesma opinião. Com a rotina de treinos intensiva, depende do salário de sargento para se sustentar. “Se o Exército me pedisse, hoje, para eu parar de lutar, eu pararia, pois é a minha
principal fonte de
explica.
UFC encanta o público, mas ofusca os menoresO UFC, mais célebre competição do mundo das lutas, pode
ser visto com dois enfoques diferentes. Se a popularidade do MMA foi multiplicada depois dos investimentos na glamourização do octógono, a supervalorização do campeonato faz parecer que competições periféricas não têm valor. “Monopólio sempre é ruim, mas são duas visões diferentes. A marca UFC cresceu muito e não temos investimentos em patrocínios que fomentem o esporte como um todo, há
especializada no esporte.
Fabiano Gonçalves Montes fundaram o empreendimento. A ideia inicial era formar um ambiente privado, onde o próprio empresário pudesse treinar boxe. Porém a estrutura acabou
Enquanto a academia de estilo underground inspirada nos anos 1950 ganhava reconhecimento, o empresário também percebia o crescimento do MMA no país. Assim, começou a
ser realizados. “Com o expansão do MMA, o Fabiano trouxe atletas para treinar na nossa academia. Desta forma, outros competidores começaram a aderir aos nossos treinos e hoje
começou a dar aulas e, há mais de 10 anos, fez das artes marciais mistas o rumo preferencial
de sua carreira.
Hoje, o mestre vê o MMA como uma nova alavanca para
as artes marciais e acredita que o crescimento deste tipo de combate vai ajudar na busca por todos estilos. “O
telespectador. Eu gosto do boxe, mas tenho que me render à
Nome: Thiago MellerA MinuN 5/9/1979L Independência (RS)A 1,78mPeso: 73kgE Combat Rider/MFTC Peso Leve
C 18 vitórias, 5 derrotas, nenhum empateV 5 por nocaute/nocaute técnico, 12 por submissão, 1 por decisãoD 1 por submissão, 4 por decisãoE grau preto em Muay Thai, faixa preta de Jiu-Jitsu e de KaratêP Impact Fighting Championship (Austrália), Israel Fighting Championship, Shooto Brazil 9
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Thiago Minu segue tentando entrar no UFC. Em 2011, esteve perto
O herói é encurralado
em um beco sem saída. Ele
se vê obrigado a lutar contra seus
inimigos. Em uma batalha cheia de golpes
fascinantes, o mocinho vence. Esta cena
pode ser vista em qualquer
estrelado por atores como Jean-Claude
Van Damme. Foi inspirado em combates
assim que Thiago Meller, ainda menino
do município de Independência, no
noroeste do Rio Grande do Sul, despertou
seu interesse pelas artes marciais.
Em um país onde o futebol é o esporte
de 14 anos escolheu treinar karatê. Como
realizar a atividade, Thiago tinha que
treinar no município vizinho, Três de
Maio. Com o passar dos anos, o gosto por
outros estilos de lutas marciais aumentou.
Em 1998, ele
kickboxing. Em 2000, quando estava na
Escola de Sargentos das Armas (ESA),
depois foi morar em Porto Alegre, onde
conheceu o muay t o curso
Foi dividindo a rotina entre o quartel,
passou a lutar iu itsu
em 2003. Por ser do noroeste do estado,
virou e, posteriormente,
Minu
de frangos de mesmo nome.
Com o treinamento do mestre Fabiano
dez vitórias por nocaute nas lutas que
disputou. Percebendo o talento, Fabiano
convidou o atleta para ingressar no MMA.
Na sua primeira luta, em 2003, foram
necessários apenas dois rounds para
vencer o adversário, Atila Martins. No
combate, Thiago Minu aplicou o que viria
a ser sua especialidade, a “guilhotina”,
golpe imobilizador.
De 2003 até 2012, o cartel de
Minu
. Foram 18:
(nove delas aplicando a guilhotina) e
teve apenas cinco
derrotas. Depois de conseguir seis
vitórias seguidas, Minu estava bem
cotado Porém,
durante o ,
surgiram oportunidades de lutar em dois
campeonatos internacionais. Azar: Minu
saiu derrotado das duas, e o interesse do
u. Ainda assim, o sonho
persiste. Luta após luta, Minu espera
vencer e convencer de que é capaz de
competir em alto nível.
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Passo 1
Construir um bom cartelO cartel do atleta (registro das
competições em que aparecem os
resultados das lutas) precisa ser repleto
de vitórias e ter pelo menos oito lutas.
Passo 2
Assinar com empresário “quente”Nada melhor do que um bom negociador que
saiba expor para a mídia as habilidades de seu
atleta, ainda mais se ele tiver contato direto com
alguns dos sócios do Ultimate Fighter.
Passo 3
Ter triunfos consecutivosO UFC não contrata lutadores que
tenham em seu cartel derrota nas últimas
competições. Os competidores sempre
vêm de vitórias consecutivas.
De Independência para Las Vegas
os três passos para chegar ao UFC
Vencedor de três
competições,
Gustavo Kuhn (D)
reclama da falta de
patrocínio
+Assista ao vídeo sobre o MMA em Porto Alegre no site do Editorial J:
http://bit.ly/capamaioou
http://www.pucrs.br/famecos/editorialj
Texto: Felipe Martini Fotos: Eduarda Alcaraz
MAIO DE 2012 / PÁGINA 8
Um passo à frente docolaborativismo
Cabeças jovens, ideias criativas e uma certeza:
pensamento global com ação local para melhorar
a cidade. É isto que une os grupos Shoot the Shit,
Transvenção Lab, Poa Como Vamos e Engage, três
movimentos e uma empresa que querem mudar
Porto Alegre, promovendo engajamento civil e cidadania com
projetos que buscam o aprofundamento da democracia.
A Shoot the Shit nasceu para que Gabriel Gomes, Luciano Braga e Giovani Groff tirassem ideias legais da gaveta para
colocá-las na rua. “Com o passar do tempo, vimos como as
pessoas abraçavam os projetos e delineamos o nosso conceito,
que é transformar Porto Alegre na melhor cidade do Brasil”,
almeja Gomes.
Os três jovens publicitários criaram ações urbanas que
chamaram a atenção da população e do poder público,
como “Porto Alegre, o paraíso do Golfe”, um vídeo que
mostrou os inúmeros buracos de rua da Capital, e “Que
ônibus passa por aqui?”, ação para sinalizar as paradas de
ônibus através de adesivos.
. “Eu não quero derrubar um
presidente, apenas quero melhorar a minha vida, o meu bairro, a
minha cidade”, explica Gabriel Gomes. O grupo procura manter
uma reputação associada à ação rápida e constante. “Quando
pensamos numa ideia, tentamos colocá-la o mais rápido possível
na rua. Nós utilizamos essa tendência [da colaboração] para viabilizar algumas ideias, mas nem todos nossos os nossos
projetos são como o ‘Que ônibus passa aqui?’, que dependia de
pessoas para dar certo”, pontua Gomes.
Daniel Caminha é uma das cabeças do Nômade IND, um
braço do Estúdio Nômade que possibilita projetos autorais
em que o público é convidado a criar colaborativamente um
novo tipo de relação com a cidade. “Nosso primeiro projeto
experimental foi a Estante Pública, que transformava paradas de
ônibus em estantes de livros. Fomos surpreendidos, em 2010,
ganhando o prêmio da Funarte de incentivo à criação e artes
visuais, o que nos permitiu ampliar o projeto”, conta Caminha.
O projeto derivou para o Transvenção Lab, um espaço para
encubar projetos de inovação social. Este tipo de conceito
é um norte da Nômade IND. “A nossa causa é o trans, unir
pessoas de áreas heterogêneas para realizar projetos de
Grupos porto-alegrenses fazem melhorias urbanísticas e sociais sem participação dos governos, gerando questionamentos
melhorias e benefício social para a cidade”,
destaca Caminha. Os dois anos que morou em
Barcelona inspiraram Caminha. “Aprendi que a
cultura é maior que um espetáculo de dança ou
um show de música, ela é uma ferramenta de
inovação”, argumenta.
A Engage, que desenvolve softwares,
denomina-se uma empresa 2.5. “Isso está ligado
ao empreendedorismo social. A atividade da
empresa é ter um impacto de melhoria social”,
explana Tomás de Lara, um dos fundadores.
O site Catarse foi um dos produtos criados
pela empresa e se baseia em crowdsourcing, processo que trabalha com
colaborativo. “O Catarse é um exemplo de
empoderamento social muito forte porque
criativos através de uma economia afetiva”,
explica Lara. O empreendedor vê Porto Alegre
como uma cidade politizada e engajada. Isso
contribuiu para o surgimento desses coletivos
urbanos. “Podemos ver esses três movimentos
muito bacanas na cidade, cada um em sua
instância: o Shoot the Shit vai lá e faz a
Transvenção Lab, que é uma prototipagem de
projetos e ações, e o Poa Como Vamos, que
agrega mais discussões teóricas, políticas e
avalia Tomás.
Recente ação do Shoot the Shit procurou organizar o tráfego na passarela da Ipiranga
Gabriel Gomes (E) e Luciano Braga (D), da Shoot the Shit, e Tomás de Lara (C), da Engage, também participam do movimento Poa Como Vamos
Precursora, Agapan mandava cartas aos associados
MAIO DE 2012 / PÁGINA 9
Grupos porto-alegrenses fazem melhorias urbanísticas e sociais sem participação dos governos, gerando questionamentos
Conheça grupos
internacionais que
público com suas
intervenções:
A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) é pioneira na defesa do ambiente e exemplo de colaborativismo praticado bem antes da internet. A associação surgiu em 1971, quando, no Brasil, “meio ambiente” e “ecologia” eram termos restritos aos dicionários. Professores universitários e profissionais preocupados com a natureza criaram a entidade.Na época, a Agapan era constantemente procurada pelos jornais para publicação de suas ideias, já que o regime militar permitia, explica o atual presidente, Francisco Milanez. A comunicação entre os sócios e com outras associações surgidas posteriormente era feita por cartas, já que poucos tinham telefone.A iniciativa de defender a natureza se espalhou pelo Estado em pouco tempo, conta Milanez. Em 1975, os ambientalistas criticavam a poda excessiva das árvores em Porto Alegre, promovida pela prefeitura no inverno. No verão daquele ano, o então prefeito, Telmo Thompson Flores, mandou cortar árvores para construção de um viaduto perto do campus central da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o que ocorreu em dia de matrículas. Alunos e integrantes da Agapan impediram o corte, subindo nas árvores. Assim que desceram, os protestantes foram levados e fichados no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e enquadrados como “perigosos”. Dias depois, o reitor da UFRGS negociou com o prefeito para poupar as plantas. A manifestação foi destaque na imprensa internacional, e a adesão às reuniões da associação mudou
bastante. “Eram de seis a dez pessoas. Depois, começaram a ficar cheias”, recorda Milanez. Foi um trabalho que começou no boca a boca e que, agora, também se adapta à vida online.
Referência mundialA entidade se tornou referência mundial em algumas áreas, como na luta contra o uso de celulose. Começou, na década de 1970, com a denúncia da poluição da empresa Borregaard, instalada no município de Guaíba. O trabalho voluntário dos ambientalistas derrubou estudos milionários da indústria, provocando o fechamento da empresa em 1974 - a planta foi posteriormente reaberta como outra produtora de celulose.Hoje o colaborativismo é um modelo com forte apelo no equilíbrio das relações sociais. Esse tipo de movimento educativo, agora, ganha mais força nas redes sociais e traz novos adeptos aos grupos existentes. O secretário estadual da Economia Solidária e Apoio à Micro e Pequena Empresa, Maurício Dziedricki, exemplifica a mobilização social citando também o Orçamento Participativo, sistema de gestão implantado nas administrações do PT em Porto Alegre nas décadas de 1980 e 1990, que se caracteriza pela participação da população, organizada em bairros, na definição das prioridades municipais.
Os movimentos defendem a ação direta e conjunta dos cidadãos sem a representatividade dos políticos e apoio do Estado. Quanto ao papel do poder público nesta nova forma de cidadania, os grupos diferem.“Acho que o governo está aberto.
Eles têm muito interesse no que a gente faz, já tivemos diversas reuniões com o pessoal da prefeitura e da Empresa Porto-Alegrense de Transporte Coletivo (EPTC). O principal problema é a burocracia, a necessidade de aprovação, verbas limitadas, é um sistema complicado”, analisa Gabriel Gomes. Apesar de dialogar com a prefeitura, o Shoot the Shit opta por não apresentar ideias ao governo municipal. “A gente prefere fazer, tomar a porrada e depois
pedindo permissão para tudo, não faremos nada”, pondera.A falta de planejamento
estratégico é o principal empecilho para a realização de projetos, avalia Daniel Caminha. “A cidade está mais preparada para receber esse tipo de projeto do que o próprio poder público”, sustenta. Segundo o empreendedor, os movimentos colaborativistas acabam sem um aliado dentro do governo que possa planejar para que tudo seja lançado e
mapeado. “Não sou pessimista, apenas realista. No caso da prefeitura de Porto Alegre, falta incentivo para criação de espaços de produção e difusão”, critica o idealizador do Transvenção Lab.Tomás de Lara compartilha
da mesma ideia e acredita que a prefeitura ainda é muito conservadora e fechada. Para ele, o poder público ainda não se deu conta da importância dos novos movimentos da sociedade civil. “Vivemos em uma democracia, o governo não é uma estrutura hierárquica fechada, é constituído por pessoas”, destaca o empresário. A prefeitura não discorda, a julgar
pela opinião do diretor da Secretaria Municipal de Coordenação Política e Governança Local, Plínio Zalewski Vargas. “Essas iniciativas dizem que as instituições da democracia devem ser reformuladas. O poder público precisa trabalhar de uma forma horizontal, ouvir mais a população, não só nas assembleias, mas o que rola na rede também”, admite. Ainda assim, Vargas observa que há limites para as intervenções dos grupos. “O poder público não pode permitir, por exemplo, que se vá à parada de ônibus e a entorte, se isso descaracteriza aquele mobiliário público”, ressalva.
Get Up! (Austrália)Em suas
comunicações,
o movimento
alegamais membros
que todos os
partidos políticos
da Austrália
juntos. Suas ações
visam facilitar a
comunicação entre
sociedade e governo.
As campanhas
costumam fazer
a defesa do
ambiente, dos
direitos humanos,
dos animais e de
reformas políticas e
sociais.
Daniel Caminha, um dos idealizadores da Estante Pública
poder públicoA relação com a prefeitura
sobre a fórmula tradicional da democracia representativa
No projeto “Luz
nas Vielas”, na Vila
Brasilândia (SP), o
Boa Mistura contou
com a participação
dos moradores ao
pintar palavras de
inspiração nas ruas
(fotos acima e abaixo).“Quando
trabalhamos na rua,
de maneira ilegal,
a lei nos persegue
e castiga, por isso,
nossa relação com o
governo é um pouco
ambígua. Algumas
vezes ele te apoia,
outras te condena”,
diz Pablo Purone, um
dos integrantes do
grupo.
Boa Mistura(Espanha)
Os jovens espanhóis
relacionados à
realidade social
do local escolhido.
MAIO DE 2012 / PÁGINA 10
Existem diversos
tipos de armas
não letais. Os mais
comuns são: gás
lacrimogênio, spray
de pimenta, bala de
borracha e Taser. O
uso dessas armas
tem como objetivo
obter o menor risco
à saúde das pessoas.
O spray de
pimenta,
empregado para
dispersar tumultos,
foi utilizado
recentemente na
partida entre Grêmio
e Cruzeiro-POA no
Gauchão de 2012,
o que resultou em
polêmica.
As balas de
borracha são
utilizadas para
conter rebeliões
ou manifestações
violentas. A
diferença para as
armas de fogo é
que as balas não
perfuram a pele.
O gás
lacrimogêneo é
usado para dispersar
multidões ou em
operações de
resgate. Os efeitos
do contato com o
gás são reações
involuntárias de
lacrimação com uma
forte sensação de
queimadura.
A pistola Taser
dispara uma
descarga elétrica,
que resulta em uma
pane no sistema
nervoso chamada
de incapacitação
neuromuscular.
Utiliza-se a arma em
casos de suicídio,
sequestro com
refém ou em outras
situações.
Texto: Allan Kuwer Foto: Eduarda Alcaraz
segurança
A pistola Taser se tornou vilã, depois da morte de dois brasileiros. Apesar das fatalidades, é considerada arma não
letal que imobiliza a pessoa por meio de choque elétrico. As
mortes provocadas pelo uso da pistola Taser colocaram em
discussão a validade do emprego deste equipamento.
Em 18 de março, Roberto Laudisio Curti faleceu, em Sidney (Austrália),
após receber disparos da arma elétrica. De acordo com a polícia daquele
país, ele teria roubado um pacote de biscoitos em um supermercado.
Uma semana depois, no dia 25 de março, em Florianópolis, Carlos
Barbosa Meldola morreu ao ser atingido por três disparos da Taser. Na
ocasião, ele estava na beira de uma janela tentando o suicídio quando a
polícia decidiu intervir. O boletim de ocorrência registra que os agentes
tentaram reanimá-lo, mas não conseguiram.
Banalização de instrumentoA Taser é pistola privativa de forças de segurança, sendo utilizada
pela Brigada Militar gaúcha e pela Guarda Municipal de Porto Alegre,
além de algumas empresas privadas que têm autorização para o porte do
equipamento. Alguns sites de comércio eletrônico vendem as armas e spray
de pimenta. Como a legislação brasileira proíbe essa venda, a procura por
este tipo de arma é maior em países vizinhos, onde a lei é mais branda.
O capitão Cristiano Moraes, professor na academia de Polícia Militar,
observa que “assim como temos fuzis e granadas sendo utilizadas por
delinquentes, vamos encontrar pessoas comprando esses equipamentos”.
Todos os policiais que utilizam a Taser passaram por um processo de
capacitação. O curso consiste em 40 horas de aula dividida em quatro
módulos. O mais longo, de 25 horas, trata das técnicas e práticas
operacionais. Os outros três módulos são de cinco horas cada um e
abordam direitos humanos, legislação aplicada à função e a prestação de
pronto-socorro.
Demonstração do uso da arma Taser pelo professor da academia de Polícia Militar Cristiano Moraes
A pistola em questãoDepois de provocar mortes na Austrália e no Brasil, uso da arma não letal Taser gera debate
Origem da arma
O capitão Moraes acredita que é precipitado opinar
sobre as mortes ocorridas. “As pessoas estão tirando
conclusões sem ter conhecimento do laudo da necropsia”,
avalia. Ele critica o conceito da expressão “armas não
letais”. “Existe, sim, a possibilidade de a arma causar
a morte, mas é necessária uma boa investigação que
comprove. Todos equipamentos, sejam armas de choque
ou dispositivos eletrônicos, nunca terão risco zero quando
usadas contra alguma pessoa.”
Segundo o capitão, a maioria das mortes ocasionadas
com disparos da pistola está ligado ao consumo de
alguma droga como cocaína, LSD ou crack. O problema
, durante uma ação policial, alguma
substância química foi consumida. “Nenhuma ocorrência
é igual a outra. Normalmente, quando os policiais
chegam, a situação está fora de controle e, geralmente,
existe um confronto com alguém que está armado”,
pondera.
Mesmo diante dos últimos casos, Moraes não acredita
em um suposto enfraquecimento do equipamento.
“Acredito que essa tendência mundial de uso vai
continuar, mas deve-se ressaltar que o equipamento é
uma ferramenta de trabalho e está inserido dentro de um
contexto.”
O nome da pistola decorre do fabricante, a Taser Industries,
dos Estados Unidos. Esse dispositivo eletrônico de contenção
é distribuido para vários países pela Taser Internacional.
Texto: Cândida Schaedler e Janaína Marques Fotos: Luana Nicolaiewsky
MAIO DE 2012 / PÁGINA 11
sustentabilidade
D istribuição justa de renda e sustentabilidade são os principais conceitos de um projeto gaúcho que do Projeto Generosidade
2012, promovido pela Editora Globo. Com base na economia solidária, forma de produção focada no
indivíduo e não no capital, a Cooperativa Central Justa Trama, que surgiu em 2005, em Porto Alegre e se expandiu para outros estados do país, também se guia pelas normas do comércio justo.A rede de produção das roupas e sacolas começa no
Ceará, com o plantio de algodão orgânico, cultivado de forma consorciada por agricultores ligados à Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural de Tauá (Adec). Depois de colhido, o algodão segue para a Cooperativa de Produção Têxtil de Pará de Minas (Coopertêxtil), em Minas Gerais, onde
Na sequência, o material é enviado à Cooperativa Fio Nobre, em Santa Catarina, onde são fabricadas peças artesanais, e à Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos (Univens), em Porto Alegre, para confecção de roupas em série. Em Rondônia, na Cooperativa Açaí, são coletadas
sementes que viram botões, colares e acessórios. No presídio feminino da cidade de Porto Velho (RO), 30 detentas montam as biojoias, comercializadas no país com o selo da Justa Trama.Devido às enchentes e secas que eventualmente prejudicam
a produção no Ceará, a Associação dos Produtores Orgânicos do Mato Grosso do Sul (Apoms) associou-se, no ano passado, à Justa Trama, com o intuito de garantir o recebimento do algodão todos os anos. As sementes para o plantio foram fornecidas pela própria cooperativa Justa Trama e cultivadas por famílias que têm apenas o custo de manutenção da lavoura.Sem o atravessador,
uma parte do lucro, é possível agregar valor a todos os elos de produção. A Adec, por exemplo, envia desde o Ceará à Justa Trama 80% do algodão cultivado por seus associados, o que garante a renda dos agricultores, pois não precisam se preocupar com a competitividade do mercado.Utilizando as sobras de tecidos, a Cooperativa de Artesanato
(Inovarte), de Porto Alegre, produz brinquedos pedagógicos e bonecas de pano. Todos os produtos são vendidos no site da Justa Trama, em feiras solidárias e em duas lojas da Capital gaúcha. Também são aceitas encomendas corporativas, caso alguma empresa queira vincular seu nome ao empreendimento.
Costura solidáriaProjeto criado em Porto Alegre envolve mais de 700 pessoas na confecção de roupas sustentáveis
Univens produz sacola ecológica Atualmente, 28 mulheres trabalham na Univens, em Porto
Alegre. Destas apenas cinco são do grupo original: Isaurina Alzira da Silva, Maria Helena Tollens, Edilia Tejada, Maria Aparecida Conte Brum e Nelsa Nespolo.
diretora da Cooperativa Justa Trama, acreditava que o grupo deveria contar, no máximo, com 30 pessoas. O crescimento do serviço a fez mudar de ideia. “O que nós precisamos mesmo, e não tem, são mais costureiras. Quando o trabalho aumentou, o grupo diminuiu”, conta. A sacola ecológica é o produto mais fabricado. Maria Helena,
diante da demanda, resolveu levar trabalho para casa. “Ontem à
cá. Gosto de costurar. Aprendi vendo minha mãe”.A simplicidade da fachada da Univens na rua Paulo Affonso Feijó,
501, no bairro Sarandi, esconde um ambiente colorido. Além da grande quantidade de tecidos pendurados e embrulhados, há moldes de corte que enchem os olhos. O pequeno prédio também não indica a dimensão do projeto, que envolve uma cadeia de mais de 700 produtores de todo o país.
Como surgiu
O projeto Justa
Trama teve início
como uma simples
cooperativa, em
Porto Alegre, no
ano de 1996. No
bairro Sarandi,
33 mulheres,
entre costureiras,
donas de casa
e operárias, se
reuniram na
Capela Nossa
Senhora da Salete
para transformar
retalhos em
roupas.
O trabalho
também era
realizado em casa,
pois o espaço no
salão da paróquia
permitia apenas
fazer o corte dos
tecidos.
Assim, surgiu a
Cooperativa de
Costureiras Unidas
Venceremos
(Univens).
Com a ajuda
organizações não
governamentais
(ONGs)
espanholas, foi
construída a sede.
Em 2005, a
convênio com
o Fórum Social
Mundial e
coordenou a
confecção de
60 mil sacolas
ecológicas
em parceria
com outros 35
empreendimentos
da região Sul e de
São Paulo.
Site da Cooperativa
Central Justa Trama:
www.justatrama.
com.br
A Univens é responsável pela
confecção de roupas e sacolas
Produtos da marca
Justa Trama circulam
por vários estados
Texto: Mariana Ramos e Kimberly Winheski
MAIO DE 2012 / PÁGINA 12
saúde
cena de pais que enterram filhos mortos por desnutrição com as próprias mãos é uma das mais chocantes
do documentário MSF (Un)Limited, produzido pela ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), que recentemente completou 40 anos de atividades. O filme retrata o cotidiano dos voluntários e a dramática situação dos países durante a ação dos profissionais da saúde. A atuação humanitária inspira
médicos de todos os lugares do mundo. Atualmente, há cerca de 22 mil médicos vinculados ao MSF
espalhados em 65 países. Uma delas é a porto-alegrense Maria Fernanda Oliva Detanico, 31 anos, que teve seu interesse pela ONG despertado em 1999, quando o MSF ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Então estudante de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ainda não podia participar da iniciativa, pois é necessário ter nível superior completo e dois anos de residência. Quando alcançou os requisitos para atuar na organização, a médica cirurgiã, especialista em trauma e aparelho digestivo, embarcou rumo a sua primeira missão no Haiti, em 2010. Fundado em 1971, na França, por
médicos e jornalistas, o grupo presta ajuda humanitária pelo mundo. O projeto atua em lugares que passaram por situações de conflitos armados, desastres naturais, fome e epidemias. A organização é sustentada, de modo geral, por doações privadas sem ligação com governos. Durante as missões, os médicos
não possuem segurança armada nos hospitais ou alojamentos clínicos. Por um lado, passam confiança aos pacientes, por outro, ficam vulneráveis a sofrer qualquer tipo de ataque. Em Ruanda, por exemplo, 250 profissionais do MSF foram assassinados devido a suas etnias.
Maria Fernanda fez inúmeros partos durante as missões
ONG Médicos Sem Fronteiras comemora 40 anos e acumula histórias como a da voluntária
gaúcha Maria Fernanda, que já atuou em missões no Paquistão, na Líbia e no Sudão do Sul
A voluntária Maria Fernanda Oliva Detanico conta o
que viveu em missões humanitárias:
Editorial J: Onde você já esteve pelo MSF?
Maria Fernanda: Na primeira missão, fui para o Haiti, o que me fez ter certeza de que queria continuar atuando. Voltei (para o Brasil) e depois passei três meses no Paquistão. Depois, fui para o Sudão do Sul e, na sequência, segui para a Líbia durante os conflitos. Na minha última viagem retornei ao Haiti, onde fiquei seis meses.
EJ: Acontece de um médico precisar fazer alguma
coisa que não seja sua especialidade?
MF: Com certeza. Aprendemos a fazer de tudo um pouco quando estamos lá. Antes de viajar, a maioria dos médicos é submetida a um curso que resume todas as especialidades. Eu, por exemplo, fiz um sobre fratura exposta e atuei algumas vezes como ortopedista. Aqui no Brasil, por exemplo, somente o obstetra pode fazer cesariana, mas, durante as missões, eu fiz inúmeros partos.
EJ: Existe remuneração para os médicos?
MF: Existe, porém chamamos de ajuda de custo. No geral, serve para pagar as contas aqui. No local da missão, ganhamos algumas diárias que se baseiam no quanto custa viver por lá. Geralmente, o dinheiro é gasto com comida e, de vez em quando, com algo que queiramos comprar.
EJ: A cultura de alguns países atrapalha? MF: Atrapalha. Entendemos e aceitamos a cultura, mas quando compromete a saúde ou o procedimento cirúrgico, é deixada de lado. Por exemplo, no Paquistão todas as mulheres usam véu, mas no bloco cirúrgico não é permitido. Fora de lá, tudo bem, até eu, mesmo sendo ocidental, procuro usar.
EJ: Nas viagens, aconteceu algo que lhe assustou?
MF: Algo muito chocante foi a desnutrição. Ter visto crianças morrer de fome, na minha frente, foi horrível. É uma imagem que jamais sairá da minha mente. E, também, não quero que saia, pois isso não é normal. Não é para ter aqui, não é para ter na África, não é para ter em lugar nenhum.
Experiência de vida
+Assista ao documentário de 52 minutos em
http://www.msf.org.br/40anos/
Cenas do
documentário
MSF (UN)Limited, produzido para celebrar os 40
anos da ONG
A
Arquivo pessoal
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