das cláusulas abusivas e o código civil · defesa€do€consumidor€pode€nos€ajudar,...
Post on 22-Oct-2020
4 Views
Preview:
TRANSCRIPT
-
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 249
Palestra proferida no Seminário realizado em14.06.2002.1 A autora agradece o gentil convite do DesembargadorSergio Cavalieri e as interessantes reflexões do deba-te, realizado em tão boa hora na EMERJ. A forma oralfoi preservada, con adição de textos e notas.2 Veja, por todos, TEPEDINO, Gustavo (Coord.), Direi-to Civil-Constitucional, Renovar, Rio de Janeiro,2001, p. 11 e 12: as cláusulas gerais que, previstaspelo legislador contemporâneo, no Código de Defesado Consumidor..., vêm sendo amplamente utilizadaspelos operadores. Recupera-se, então, o papel da ju-risprudência e da doutrina...3 Veja decisão do TJRS, APC 70000037408, j.18.10.2000, Des. Paulo Augusto Monte Lopes, 16ª Câm.Cível.: Em qualquer negócio, seja qual for a natureza,seja qual for o regime jurídico aplicável, o direito prote-ge a boa-fé. Proteger a boa-fé significa preservar oscontratantes de artimanhas e subterfúgios. Como o con-trato é lei entre as partes, e uma delas pode por suavulnerabilidade ou hipossuficiência diante da outra ter assinado o instrumento sem compreender por com-pleto tudo o que nele se dispôs ou mesmo por vício, odireito ampara os interesses desse contratante fazendoprevalecer sobre a literalidade do contrato os reais obje-tivos pretendidos na contratação. (p. 4 do original)
A boa-fé (Treu und Glauben)1
deve estar presente em todas as rela-ções contratuais, de consumo, civis eentre empresários. Nesta Escola Supe-rior da Magistratura, gostaria derelembrar que o tema da boa-fé tem ín-tima relação com a sua construção pelaJurisprudência (Richterrecht).2 Assim,antes de que o princípio da boa-fé incidaainda com mais força no Brasil, atravésdo novo Código Civil, gostaria de teceralgumas observações sobre a boa-fé noCódigo de Defesa do consumidor, tendocomo base a pesquisa jurisprudencialque realizamos no TJ/RS sobre o uso doprincípio da boa-fé de 1991 a 2001.3
O Código de Defesa do Consumi-dor (CDC) está em vigor a mais de 10anos no Brasil, com seus princípiosde boa-fé e equilíbrio nas relaçõescontratuais de consumo e pode servir demanancial de jurisprudência, inclusivepara a aplicação do novo Código Civil, Lei10.406/2002 (a seguir CC/2002).
Das Cláusulas Abusivas e o Código Civil
CCCCCLÁUDIALÁUDIALÁUDIALÁUDIALÁUDIA L L L L LIMAIMAIMAIMAIMA M M M M MARQUESARQUESARQUESARQUESARQUESProfessora da Universidade do Rio Grande do Sul
A pesquisa na jurisprudência doTribunal de Justiça do Rio Grande doSul, cujo foco da análise foi a utilizaçãodo princípio da boa-fé, levantou as deci-sões de março de 1991, quando o Códigoentrou em vigor, até agosto de 2001, ana-lisando estes mais de dez anos do Códi-go de Defesa do Consumidor na prática.O resultado da pesquisa foi o seguinte:encontramos 2.779 decisões, que utili-zam o princípio da boa-fé. O mais inte-ressante foi a evolução dessa aplicaçãomassificada do princípio da boa-fé. Em1991, apenas cinco decisões usavam oreferido princípio, sendo que dessas cin-co, duas delas utilizavam-no ainda numavisão subjetiva: a má-fé ou a boa-fé doindivíduo naquele contrato específico ounaquela relação da vida.4
Já em 2001, pelo menos até agos-to, encontramos 72 decisões usando oprincípio da boa-fé, sendo que 55 das 72citavam expressamente os princípios eas normas do Código de Defesa do Con-sumidor, demonstrando que o juiz bra-sileiro tem muito mais facilidade quan-do a lei expressamente prevê a possibi-lidade de uma decisão aberta, atravésde uma cláusula geral. As cláusulas ge-rais do CDC permitem que o magistradoutilize a boa-fé ou mesmo, excepcional-mente, a eqüidade, a revisão dos con-tratos por onerosidade excessiva, figu-ras agora presentes no CC/2002.
Em outras palavras, não se digaque o magistrado brasileiro tende aoexagero ou a não aplicação das cláusu-las gerais. Quando a norma e seu man-dato de concretização da justiçacontratual são claros, o juiz brasileirorealmente atende a essa idéia e a apli-
4 Veja detalhes sobre esta pesquisa em meu livro, Con-tratos no Código de Defesa do Consumidor, 4ªed.,RT, São Paulo, 2002, p. 175 e seg.
-
250 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”
ca. Em nosso levantamento, 55 decisõesexpressamente se baseavam nas normasdo Código de Defesa do Consumidor, eem seus princípios. Dentre os princípiosmais citados nestes 55 casos estão: oprincípio da função social do contrato (16casos), o princípio da eqüidade contratual(16 casos). O mais interessante é quedesses cinqüenta e cinco casos que ci-tam o Código de Defesa do Consumidor,em trinta e sete, a decisão foi a favordos consumidores, mas em 17 casos oconsumidor não obteve ganho de causa,a demonstrar que o princípio da boa-fé,ou a valoração através do princípio daboa-fé não significa um ganho de causapara o consumidor em cem por cento doscasos. O importante aqui é a procu-ra da just iça no caso concreto(Vetragsgerechtigkeit). A concretizaçãoda boa-fé é, pois, um instrumento válidoe útil para a procura da Justiça no casoconcreto ou aequitas.
Como ensina o Prof. Paulo NetoLobo, o princípio da boa-fé objetiva vemrefuncionalizado no Direito do Consumi-dor, otimizado na sua dimensão de cláu-sula geral, e assim serve de parâmetrode validade dos contratos de consumo,principalmente para as condições geraisde consumo e os contratos de adesão,hoje também regulados, se puramentecivis ou puramente empresariais no CC/2002, que unifica as regras sobre obriga-ções civis e comerciais.
Parece-me que essa experiênciaque tivemos de dez anos de Código deDefesa do Consumidor pode nos ajudar,agora, a imaginar essa revolução do con-trato, essa sociabilização da teoriacontratual tão mencionada. O uso doCódigo de Defesa do Consumidor comoparâmetro, como oxigenação do DireitoCivil foi muito comum, tendo sido atémesmo mencionado em decisões peloMinistro Ruy Rosado de Aguiar. No REsp.n° 80036, de 25.03.96, ao explicar estasurpreendente oxigenação (expressãodo também magistrado Antônio JanyrDallAgnol), que o CDC pôde realizar noDireito Civil clássico, o Min. Ruy Rosadode Aguiar ensina: O Código de Defesa
do Consumidor traça regras que prescindem
a situação específica de consumo, além dis-
so define princípios gerais orientadores do
Direito das Obrigações. Na teoria dos siste-
mas, é um caso estranho, a lei do
microssistema enunciar princípios gerais
para o sistema como um todo, mas isto é o
que está acontecendo no caso, por várias
razões, mas principalmente porque a nova
lei incorporou ao ordenamento civil legisla-
do normas que expressam o desenvolvimen-
to do mundo dos negócios e o atual estado
da ciência, introduzindo na relação
obrigacional a idéia de justiça contratual, da
equivalência das prestações e da boa-fé. 5
Então, de um lado, temos a expe-riência de dez anos de aplicação do CDCe de sua cláusula geral de boa-fé e deoutro lado, essa pergunta: o que mudano Direito civil em matéria de cláusulasabusivas, com a entrada em vigor do Có-digo Civil de 2002, mesmo frente ao pró-prio Código de Defesa do Consumidor?
Para bem responder esta per-gunta gostaria de dividir minha expo-sição em duas partes, uma mais teó-rica analisando o diálogo das fonteslegislativas novas e velhas, isto é, osdiálogos possíveis entre o CDC e o CC/2002, para em uma segunda concen-trar-me em um destes diálogos possí-veis, o de influências recíprocas, ondea jurisprudência brasileira já desen-volvida sobre as funções da boa-fé ob-jetiva, podem nos ajudar a enten-der como se dará este diálogo, artigopor artigo do CC/2002.
I Os diálogos possíveis entre o CDCe o CC/2002: a superação do conflitopelo diálogo entre fontes
Segundo o § 2.o do art. 2.o da LICC,a lei nova, que estabeleça disposiçõesgerais a par das já existentes, como oCC/2002, não revoga nem modifica alei anterior, no caso, o CDC. Segundoo § 1.o do art. 2.o da LICC, a lei poste-rior revogará a anterior quando: 1) ex-pressamente o declare; 2) regule in-
5 Assim, Min. Ruy Rosado de Aguiar, in voto no Resp.80.036, Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 25.03.1996.
-
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 251
teiramente a matéria de que tratava aanterior; 3) seja com ela incompatível.
Os dois primeiros casos não pa-recem ocorrer na prática; nem o CC/2002 revogou expressamente o CDC,nem tratou da relação de consumo ouincorporou normas sobre as relaçõesde consumo, e entre as duas leis háuma divergência fundamental de cam-po de aplicação subjetiva. Uma é leiespecial anterior e hierarquicamentesuperior outra, o CC/2002, é lei geralposterior, lei entre iguais. O CDC umalei especial voltada para a equidade(aequitas), já o CC/2002 é uma leivoltada para a igualdade geral(aequalitas),6 tanto que unifica as re-gras sobre obrigações civis e comerci-ais, mas não regula as relações de con-sumo (relações entre diferentes, umexpert, o fornecedor e outro leigo ouvulnerável, o consumidor).
A) A idéia de diálogo das fonteslegislativas a superar a idéia de con-flito entre leis
Em seu curso Geral de Haia de1995, o mestre de Heidelberg, ErikJayme, ensinava que, face ao atualpluralismo pós-moderno de um Direitocom fontes legislativas plúrimas, ressur-ge a necessidade de coordenação entreas leis no mesmo ordenamento, comoexigência para um sistema jurídico efi-ciente e justo.7 Efetivamente, cada vezmais se legisla, nacional e internacio-nalmente, sobre temas convergentes. Apluralidade de leis é o primeiro desafiodo aplicador da lei contemporâneo. Aexpressão usada comumente era a deconflitos de leis no tempo8 , a significar quehaveria uma colisão ou conflito entre oscampos de aplicação destas leis. Assim, por
exemplo, uma lei anterior, como o Códigode Defesa do Consumidor de 1990 e umalei posterior, como o novo Código Civil Bra-sileiro de 2002, estariam em conflito, daía necessária solução do conflito atravésda prevalência de uma lei sobre a outra ea conseqüente exclusão da outra do siste-ma (ab-rogação, derrogação, revogação).
Em outras palavras, nesta visãoperfeita ou moderna, teríamos a Tese(lei antiga), a antítese (lei nova) e aconseqüente síntese (a revogação), a tra-zer clareza e certeza ao sistema (jurí-dico). Os critérios para resolver os con-flitos de leis no tempo seriam assim ape-nas três: anterioridade, especialidade ehierarquia, a priorizar-se, segundoBobbio, a hierarquia.9 A doutrina atua-lizada, porém, está a procura hoje maisda harmonia e da coordenação entre asnormas do ordenamento jurídico (con-cebido como sistema),10 do que da ex-clusão. É a denominada coerência de-rivada ou restaurada (cohérencedérivée ou restaurée),11 que em ummomento posterior a decodificação, atópica e a micro-recodificação,12 procu-ra uma eficiência não só hierárquica,13
mas funcional14 do sistema plural e com-plexo de nosso direito contemporâneo,15
6 BERTHIAU, Denis, Le principe dégalité et le droitcivil des contrats, L.G.D.J., Paris, 1999, p. 3 e seg.7 JAYME, Erik, Identité culturelle et intégration: Le droitinternationale privé postmoderne - in: Recueil desCours de l Académie de Droit International de laHaye, 1995, II, p. 60 e p. 251 e seg.8 Preferível é a expressão neutra Direito intertemporal,já usada por FRANÇA, R. Limogi, DireitoIntertemporal Brasileiro, 2. Ed., Revista dos Tribu-nais, São Paulo, 1968, p. 9 e seg.
9 Veja BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurí-dico, Ed. Pollis/Universidade de Brasília, S. Paulo,Brasília, 1990, P. 92 e BOBBIO, Norberto, Des critèrespour résoudre les antinomies, in PERELMAN, CH.(Coord.), Les antinomies en Droit, Bruxelas, Ed.Bruylant, 1965, p. 255.10 Veja SAUPHANOR, Nathalie, LInfluence du Droitde la Consommation sur le système juridique, Pa-ris, LGDJ, 2000, p. 23 a 32.11 Expressão de SAUPHANOR, p. 32.12 Mencione-se aqui que a sempre citada obra deCANARIS, Claus-Wilhelm, Pensamento sistemáticoe conceito de Sistema do Direito, Gulbelkian, Lis-boa, 1989, constroi sua idéia de sistema justamentecriticando a tópica, p. 255 e seg. Sobre tópica vejaWIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência, trad.Tércio S. Ferraz Jr., Brasília, Departamento de Impren-sa Nacional, MJ-UnB, 1979.13 Veja sobre a crise ou neutralização do critério da hie-rarquia e a utilização de outros critérios, GANNAGÉ, Léna,La hiérarchie des normes et les méthodes du droitinternational privé, LGDJ, Paris, 2001, p. 25 e 26.14 SAUPHANOR, p. 30.15 Veja sobre a necessidade de coordinamento con altredisposizioni do Código Civil e das leis especiais deproteção do consumidor, ALPA, Guido et allii, La dis-ciplina generale dei contratti, 8. ed., GiappichelliEd. Torino, 2001 , p. 613 e seg.
-
252 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”
a evitar a antinomia, a incompatibili-dade ou a não-coerência.16
Costumava-se afirmar, quanto aotipo de conflitos de leis no tempo, quepoderiam existir: conflitos de princípi-os (diferentes princípios presentes emdiferentes leis em conflito), conflitos denormas (conflitos entre normas de duasleis, conflitos reais ou aparentes, con-forme o resultado da interpretação queo aplicador das leis retirasse), eantinomias (conflitos pontuais da con-vergência eventual e parcial do campode aplicação de duas normas no caso con-creto).17
Erik Jayme18 alerta-nos que ostempos pós-modernos, onde apluralidade, a complexidade, a distinçãoimpositiva dos direitos humanos e dodroit à la différence (direito a ser dife-rente e ser tratado diferentemente, semnecessidade mais de ser igual aos ou-tros) não mais permitem este tipo de cla-reza ou de mono-solução. A solução sis-temática pós-moderna deve ser mais flu-ída, mais flexível, a permitir maior mo-bilidade e fineza de distinções. Nestestempos, a superação de paradigmas ésubstituída pela convivência dosparadigmas,19 a revogação expressa pelaincerteza da revogação tácita indiretaatravés da incorporação (veja Art. 2.043do novo Código Civil), há por fim a con-vivência de leis com campos de aplica-ção diferentes, campos por vezes con-vergentes e, em geral diferentes, em ummesmo sistema jurídico, que parece seragora um sistema (para sempre) plural,fluído, mutável e complexo.20 Não deixade ser um paradoxo que o sistema, otodo construído, seja agora plural... 21
O grande mestre de Heidelbergpropõe então a convivência de uma se-gunda solução ao lado da tradicional: acoordenação destas fontes.22 Uma co-ordenação flexível e útil (effet utile) dasnormas em conflito no sistema a fim derestabelecer a sua coerência, isto é,uma mudança de paradigma: da retira-da simples (revogação) de uma das nor-mas em conflito do sistema jurídico (oudo monólogo de uma só norma possívela comunicar a solução justa), à convi-vência destas normas, ao diálogo dasnormas para alcançar a sua ratio, afinalidade narrada ou comunicadaem ambas.
Na belíssima expressão de ErikJayme, é o atual e necessário diálogodas fontes (dialogue de sources),23 apermitir a aplicação simultânea, coeren-te e coordenada das plurímas fonteslegislativas convergentes.24 Diálogoporque há influências recíprocas, diálo-go porque há aplicação conjunta dasduas normas ao mesmo tempo e ao mes-
16 SAUPHANOR, p. 31.17 Veja detalhes em meu livro, Contratos no Códigode Defesa do Consumidor, RT, São Paulo, 2002, p.515 e seg.18 JAYME, Recueil des Cours, p. 60 e p. 251.19 GANNAGÉ, p. 17.20 Do grande mestre da USP, vem a expressão sistemahiper-complexo, veja AZEVEDO, Antonio Junqueira de,O Direito pós-moderno e a codificação, in RevistaDireito do Consumidor, v. 33 (2000), p. 124 e seg.21 Veja a favor do pluralismo jurídico a bela análise deBELLEY, Jean-guy, Le pluralisme juridique commedoctrine de la science du droit, in Pour un Droit
22 JAYME, Recueil des Cours, 251 (1995), p. 60.23 JAYME, Recueil des Cours, 251 (1995), p. 259:Dès lors que lon évoque la communication en droitinternational privé, le phénomène le plus important est le
fait que la solution des conflits de lois émerge comme
résultat dun dialogue entre les sources le plus
hétérogènes. Les droit de lhomme, les constitutions, les
conventions internationales, les systèmes nationaux:
toutes ces sources ne sexcluent pas mutuellement; elles
parlent lune à lautre. Les juges sont tenus de coordonner
ces sources en écoutant ce quelles disent.24 Como ensina SAUPHANOR, p. 31, em direito, a au-sência de coerência consiste na constatação de umaantinomia, definida como a existência de uma incom-patibilidade entre as diretivas relativas ao mesmo ob-jeto. No original: En droit, labsence de cohérence con-siste dans la constatation dune antinomie, définie comme
lexistence dune incompatilité entre les directives relatives
à un même objet.
Pluriel-Etudes offertes au professeur Jean-FrançoisPerrin, Helbing & Lichtenhahn, Genbra, 2002, p.135 e seg. O autor constata a pouca tolerância quetemos para o plural e cita expressamente Perrin (Lesrelations entre la loi et les règles de la bonne foi:collaboration ou conflit internormatif?, p. 42, nota 4 ),BELLEY, p. 136: La théorie du droit doit assumer souventla délicate mission dexprimer en termes généraux ce qui
se pratique déjà légitimement mais silencieusement. Le
discours pluraliste nest pas encore maîtrisé. Le dire fait
plus peur que le faire. No Brasil, veja Fachin, Luiz Ed-son, Transformações do direito civil brasileiro con-temporâneo, in Diálogos sobre Direito Civil-Cons-truindo a Racionalidade Contemporânea, Org.. Car-men Lucia Ramos, Gustavo Tepedino et alii, Renovar,Rio de Janeiro, 2002, p. 43.
-
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 253
mo caso, seja complementariamente,25
seja subsidiariamente,26 seja permitin-do a opção voluntária das partes sobre afonte prevalente (especialmente emmatéria de convenções internacionais eleis modelos)27 ou mesmo permitindouma opção por uma das leis em conflitoabstrato.28 Uma solução flexível e aber-ta, de interpenetração ou mesmo a so-lução mais favorável ao mais fraco darelação (tratamento diferente dos dife-rentes).
Aceitando a definição de sistemade direito, consolidada por NatalieSauphanor, como um todo estruturado
hierarquicamente29 e funcionalmente,30
visto hoje como um complexo de elemen-tos em interação31 coerentes ou orgâ-nicos,32 de normas, princípios e juris-prudência,33 parece importante frisaresta visão sistemática do ordenamentojurídico, como um conjunto de elemen-tos diversos cuja organização e interaçãofornece a todo a ordem jurídica positivareconhecida como tal os meios para al-cançar sua coerência e seu funciona-mento.34
Por fim, repita-se que o novo Có-digo Civil Brasileiro, Lei 10.406 de 10de janeiro de 2002, traz ao direito priva-do brasileiro geral os mesmos princípiosjá presentes no Código de Defesa do Con-sumidor (como a função social dos con-tratos,35 a boa-fé objetiva36 etc.). Real-mente, a convergência de princípios en-tre o CDC e o CC/2002 é a base dainexistência principiológica de conflitospossíveis entre estas duas leis que, comigualdade ou equidade, visam a harmo-nia nas relações, civis em geral e nasde consumo ou especiais. Como ensinaa Min. Eliana Calmon: O Código de De-fesa do Consumidor é diploma legislativoque já se amolda aos novos postulados,inscritos como princípios éticos, taiscomo, boa-fé, lealdade, cooperação, equi-líbrio e harmonia das relações.37
B) Os três tipos de diálogos possíveisentre o CDC e o CC/2002 e a aplicaçãosubsidiária do CC/2002 em relação àsrelações de consumo
Seguindo os ensinamentos de meucaro mestre alemão, Erik Jayme, cabe
25 Veja sobre a aplicação simultânea de várias leis, oCC, o CDC e inclusive as leis administrativas sobre oSFH, duas recentes decisões do STJ. Na bela decisãono Resp. 436.815-DF, Min. Nancy Andrighi, j.17.12.2002, DJ 28.10.2002, a ementa ensina: Pro-cessual. Civil....Contrato de compra e venda de imóvele financiamento. SFH. Aplicação do Código de Defesado Consumidor. empréstimo concedido por associaçãoao associado. Deve ser afastada a aplicação da cláusu-la que prevê foro de eleição diverso do domicílio dodevedor em contrato de compra e venda de imóvel efinanciamento regido pelo Sistema Financeiro da Ha-bitação, quando importar em prejuízo de sua defesa.Há relação de consumo entre o agente financeiro doSFH, que concede empréstimo para aquisição de casaprópria, e o mutuário... E a igualmente bela decisãodo Resp. 387.581-RS, Min. Ruy Rosado de Aguiar, j.21.05.2002, cuja ementa ensina: Cartão de crédito.Prestação de contas. Mandato. A administradora deveprestar contas sobre o modo pelo qual exerce o manda-to que lhe concedeu o usuário para obter financiamen-to no mercado a fim de financiar as vendas a prazo.Código Civil e Código de Defesa do Consumidor.26 Veja aplicação simultânea e subsidiária do CDC,como lei geral, face à existência de lei especial sobreprêmios, na jurisprudência do STJ: Publicidade. Con-curso. Prêmio. Numeração ilegível. Código de Defesado Consumidor...O sistema do CDC, que incide nessarelação de consumo, não permite à fornecedora - quese beneficia com a publicidade exonerar-se do cum-primento da sua promessa apenas porque a numera-ção que ela mesma imprimiu é defeituosa. A regra doArt. 17 do Dec. 70.951/72 apenas regula a hipóteseem que o defeito tiver sido comprovodamente causadopelo consumidor. (STJ, Resp. 396.943-RJ, Min. RuyRosado de aguiar, j. 02.05.2002, DJ 05.08.2002)27 Veja por exemplo o artigo 1 do Tratado de Olivos doMercosul, o qual prevê a opção possível pelo sistema desolução de controvérsias do Mercosur ou de outro foruminternational (como a OMC etc.) e a prevalência da fon-te escolhida pelas partes em conflito. Veja ARAÚJO,Nádia, Dispute resolution in Mercosur: The Protocolof Las Leñas and the case law of the Brazilian SupremeCourt,in Inter-american Law Review (University ofMiami), Winter-Spring 2001, v. 32, nr. 1, p. 25-56.28 Veja sobre o tema a obra de BRIERE, Carine, Lesconflits de conventions internationales en droitprivé, LGDJ, Paris, 2001,em especial, p. 266 e seg.
29 SAUPHANOR, p. 23.30 SAUPHANOR, p. 30.31 SAUPHANOR, p. 24.32 SAUPHANOR, p. 27.33 SAUPHANOR, p. 28.34 SAUPHANOR, p. 32.35 Assim o texto aprovado: Art. 421. A liberdade decontratar será exercida em razão e nos limites da fun-ção social do contrato.36 Assim o texto aprovado: Art. 422. Os contratantes sãoobrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, comoem sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.37 CALMON, Eliana, As gerações dos direitos e asnovas tendências, in Revista direito do Cosumidor,v. 39 (jul.-set. 2001), p. 45.
-
254 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”
agora refletir quais seriam os diálogospossíveis entre o Código de Defesa doConsumidor-CDC, como lei anterior, es-pecial e hierarquicamente constitucio-nal (veja mandamento expresso sobresua criação no sistema jurídico brasi-leiro no Art. 48 ADCT/CF 1988 e comoincluído entre os direitos fundamentais,Art. 5, XXXII da CF/88)38 e o novo Códi-go Civil, Lei 10.406/2002, que entrou emvigor em janeiro de 2003, como lei pos-terior, geral e hierarquicamente inferi-or, mas trazendo algumas normas deordem pública, que a lei nova mesmaconsidera de aplicação imperativa a con-tratos novos e antigos (veja art. 2035,parágrafo único da Lei 10.406/2002).
Em minha visão atual, três são ostipos de diálogo possíveis entre estasduas importantíssimas leis da vida pri-vada:
1) na aplicação simultânea dasduas leis, uma lei pode servir de baseconceitual para a outra (diálogo sistemá-tico de coerência), especialmente se umalei é geral e a outra especial; se uma éa lei central do sistema39 e a outra ummicrossistema específico,40 não-comple-to materialmente, apenas com com-pletude subjetiva de tutela de um grupoda sociedade. Assim, por exemplo, o queé nulidade, o que é pessoa jurídica, oque é prova, decadência, prescrição eassim por diante, se conceitos não defi-nidos no microssistema (como vêm defi-nidos consumidor, fornecedor, serviço eproduto nos Art. 2,17,29 e 3 do CDC),terão sua definição atualizada pelo en-trada em vigor do CC/2002;
2) na aplicação coordenada dasduas leis, uma lei pode complementar aaplicação da outra, a depender de seu
campo de aplicação no caso concreto (di-álogo sistemático de complementariedade e
subsidiariedade em antinomias aparen-tes ou reais), a indicar a aplicação com-plementar tanto de suas normas, quan-to de seus princípios, no que couber, noque for necessário ou subsidiariamente.Assim, por exemplo, as cláusulas geraisde uma lei podem encontrar uso subsi-diário ou complementar em caso regu-lado pela outra lei. Subsidiariamente osistema geral de responsabilidade civilsem culpa ou o sistema geral de deca-dência podem ser usados para regularaspectos de casos de consumo, se tra-zem normas mais favoráveis ao consu-midor. Este diálogo é exatamente con-traposto, ou no sentido contrário da re-vogação ou ab-rogação clássicas, em queuma lei era superada e retirada do sis-tema pela outra. Agora há escolha (pelolegislador, veja art. 777,41 72142 e 73243
da Lei 10.406/2002, ou pelo juiz no casoconcreto do favor debilis do Art. 7 doCDC) daquela que vai complementar aratio da outra (veja também art. 72944
da Lei 10.406/2002 sobre aplicação con-junta das leis comerciais);
3) há o diálogo das influências re-cíprocas sistemáticas, como no caso deuma possível redefinição do campo deaplicação de uma lei (assim, por exem-plo, as definições de consumidor strictosensu e de consumidor equiparado po-dem sofrer influências finalísticas donovo Código Civil, uma vez que esta leinova vem justamente para regular asrelações entre iguais, dois iguais-con-sumidores ou dois iguais-fornecedores
38 Observe-se que mesmo BRIERE, p. 312 e seg. con-clui que há uma hierarquia de convenções, se de di-reito humanos, o que se pode transpor para o direitoprivado como valorando o critério da hierarquia e ain-da mais a hierarquia constitucional dos direitos fun-damentais, como o direito do consumidor.39 Veja detalhes in PASQUALOTTO, Adalberto, O Có-digo de Defesa do Consumidor em face do novo CódigoCivil, Revista Direito do Consumidor, nº 43 (jul-dez..2002), p. 106.40 Veja detalhes sobre o CDC como microssistema, inPASQUALOTTO, p. 106 e seg.
41 O texto é o seguinte : Art. 777. O disposto no pre-sente Capítulo aplica-se, no que couber, aos segurosregidos por leis próprias.42 O texto é o seguinte: Art. 721. Aplicam-se ao con-trato de agência e distribuição, no que couber, as re-gras concernentes ao mandato e à comissão e as cons-tantes de lei especial.43 O texto é o seguinte: Art. 732. Aos contratos detransporte, em geral, são aplicáveis, quando couber,desde que não contrariem as disposições deste Códi-go, os preceitos constantes da legislação especial e detratados e convenções internacionais.44 O texto é o seguinte: Art. 729. Os preceitos sobrecorretagem constantes deste Código não excluem aaplicação de outras normas da legislação especial.
-
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 255
entre si, no caso de dois fornecedorestratam-se de relações empresariais tí-picas, em que o destinatário final fáticoda coisa ou do fazer comercial é um ou-tro empresário ou comerciante), ou comono caso da possível transposição das con-quistas do Richterrecht (Direito dosJuízes) alcançadas em uma lei para aoutra. É a influência do sistema especi-al no geral e do geral no especial, umdiálogo de double sens45 (diálogo de co-ordenação e adaptação sistemática).
Assim, em resumo, haveria o diá-logo sistemático de coerência, o diálogo sis-temático de complementariedade e
subsidiariedade em antinomias e o diá-logo de coordenação e adaptação sistemáti-ca.
Mister refletir aqui, ainda que ra-pidamente, sobre a noção de igualdadeem direito privado e como esta noção iráinfluenciar a aplicação casuística doCódigo Civil de 2002, um Código paraiguais ! E ainda, como esta visão da igual-dade e do tratamento igual/desigualpara os iguais/desiguais, no caso con-creto, está intrinsecamente ligada anoção moderna tão importante emmatéria contratual- da eqüidade (Justiçapara o caso concreto) ! Mister frisar como,em seu espírito e teleologia, o CDC estáligado a um novo paradigma de diferen-ça, de tratamento de grupos ou plural,de interesses difusos e de eqüidade, emuma visão mais nova do moderno ou pós-moderna. Face ao atual pluralismo defontes no direito privado brasileiro, estareflexão pode ser útil para o aplicadorda lei, ao determinar o campo de aplica-ção do CC/2002.
Repita-se aqui o que ensinaBerthiau,46 em sua magnífica obra so-bre o princípio da igualdade e o direitocivil dos contratos: há uma ambigüida-de original entre as expressões/e/ounoções modernas de igualdade e de eqüi-dade. Vejamos. A estrutura moderna danoção de igualdade advém do latim
aequalitas (igualdade, supondo a compa-ração com outro objeto), derivada por suavez da expressão aequalis (igual) e deaetis. A partir das evoluções lingüísticasna Idade Média estas expressões perde-ram, em francês e português, a partículaqua (équalité-égalité-égal, equalidade-igualdade-igual). A evolução da expressãoequidade é semelhante, do latim aequitas(também aetis),47 que significava, segun-do pesquisas de Berthiau48, justamenteigualdade e, mais precisamente, igualda-de de alma, equilíbrio, calma (égalitédâme, calme, équilibre), era derivada porsua vez justamente da expressão aequus(igual-adjetivo).49
Esta proximidade etimológica, e adistinção (distintio) de níveis de pen-samento, levam a conclusão que tratarigualmente os iguais, tratar desigual-mente os desiguais e tratá-los com equi-líbrio e calma, é mais do que o princípioda igualdade, é eqüidade, uma soluçãojusta para o caso concreto !
Igualdade supõe uma comparação,um contexto, uma identificação no caso. 50
A igualdade só pode ser abordada sob oponto de vista de uma comparação. 51 Eisaqui o desafio maior do Direito Civil bra-sileiro atual, face a unificação do regi-me das obrigações civis e comerciais noCódigo Civil de 2002, e face ao manda-mento constitucional de discriminar po-sitivamente e tutelar de forma especialos direitos dos consumidores (art. 5,XXXII da CF/88), também em suas re-lações civis. Assim, em um só tipocontratual (por exemplo, o contrato demandato ou de seguro), podem estar pre-sentes várias naturezas, vários sujeitos dedireito, iguais ou diferentes na compara-
45 Veja a obra de SAUPHANOR, p. 32.46 BERTHIAU, Denis, Le principe dégalité et le droitcivil des contrats, L.G.D.J., Paris, 1999, p. 3 e seg.
47 Veja STOWASSER, J.M. et alli, Der KleineStowasser, G. Freytag ed., Munique, 1980, p. 18:aequitas, ätis, aequus - 1 Geduld, Ruhe, Gliechmut,Gelassenheit, animi. 2. Gleicheheit [vor dem Gesetz],
Gerechtigkeit, Billigkeit...aequitas est iustitia maxime propria.48 BERTHIAU, p. 3.49 Veja STOWASSER, J.M. et alli, Der KleineStowasser, G. Freytag ed., Munique, 1980, p. 18:aequus gleich...Subst. aequum, Recht, Billigkeit: amantioraequi, aequi cultor, ex aequo bonoque.50 Assim conclui BERTHIAU, p. 3.51 Frase de BERTHIAU, p. 3.
-
256 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”
ção entre si, comparação necessaria-mente casuística e finalistica, comparaçãono caso, no papel econômico represen-tado por cada um naquele contrato emespecial, a constatar o seu status (em-presários, civis, consumidores) daí deri-vado. Determinar o campo de aplicaçãodo Código Civil de 2002 aos contratos é,pois, tarefa herculana, neste sistemajurídico altamente complexo, micro-co-dificado, plural e fluído, pois os papéisque os sujeitos de direito representamno mercado e na sociedade modificam-se de um ato para outro. Por exemplo, oprofissional liberal é empresário (Art. 966do CC/2002) em um momento e, no pró-ximo, pode ser consumidor de um servi-ço para sua família e um civis perfeito,na sua relação de condomínio...52
O mestre da USP, Antônio Junqueirade Azevedo53 alertou para este problemaantes da aprovação do CC/2002, ponderan-do que introduzir no sistema jurídico brasi-leiro, já hiper-complexo, uma regulamen-tação unitária (igual) para as relações civise comerciais poderia resultar em um retro-cesso. E apontou a solução: a procura deuma igualdade com aequitas, a necessáriadistinção entre o que é igual e o que é dife-rente, na sociedade pós-moderna atual.
Observando-se o mandamentoconstitucional expresso de criação nosistema jurídico brasileiro (Art. 48ADCT/CF 1988) de um CDC e o fato daproteção do consumidor ter sido incluí-da entre os direitos fundamentais (Art.5, XXXII da CF/88),54 não deve surpre-
ender, portanto, que o CDC tenha hierar-quia superior que o CC/2002. Efetivamen-te, todas suas normas civis são de ordempública (ex vi do Art. 1º do CDC), e de leiespecial, a aplicar-se prioritariamente nasrelações de consumo. O CDC está a pro-cura da eqüidade, do tratamentocasuístico/tópico da justiça contratual,com calma e equilíbrio, não voltado para oigual geral, mas para o diferente a rela-ção civil diferente, entre fracos e fortes,daí sua especialidade.
Por fim, mencione-se que se nãohouve revogação tácita,55 também nãohouve revogação expressa (Art. 2.045),56
nem incorporação do CDC ao CC/2002(Art. 2.043). O novo Código Civil Brasi-leiro menciona em apenas uma normaa expressão consumidores, como sinô-nimo de fregueses, 57 e não utiliza a ex-pressão relação de consumo. Nas demais2.045 normas do CC/2002 são mencio-nadas apenas as expressões consumo,em seu sentido clássico de destruição,no Art. 86, 307, 1290 e 1392, bens des-tinados à consumo, nos Art. 206 e 592 ecrimes contra as relações de consumo,no § 1 do Art. 1.011. Sendo assim, pode-mos concluir, com certeza, que ao CDCnão se aplica a norma do Art. 2.043 doCC/2002. Em outras palavras, podemosconcluir que o CDC e o tema de defesa
52 Segundo a jurisprudência majoritária dos Tribunaissuperiores, a relação de condomínio não é de consu-mo: II - Não é relação de consumo a que se estabeleceentre condôminos para efeitos de pagamento de des-pesas em comum. III - O Código de Defesa do Consu-midor não é aplicável no que se refere à multa peloatraso no pagamento de aluguéis e de quotascondominiais. (STJ, RESP 239578/SP, 5ª Turma, Rel.Min. Felix Fischer, j. 08/02/2000).53 AZEVEDO, Antônio Junqueira de, O Direito pós-moderno e a codificação, in Revista Direito do Con-sumidor, v. 33 (2000), p. 124.54 Observe-se que mesmo BRIERE, p. 312 e seg. con-clui que há uma hierarquia de convenções, se de di-reito humanos, o que se pode transpor para o direitoprivado como valorando o critério da hierarquia e ain-da mais a hierarquia constitucional dos direitos fun-damentais, como o direito do consumidor.
55 Também da história legislativa do projeto podemosretirar esta conclusão. A redação anterior do artigo fi-nal do Código (antigo Art. 2040) era mais abrangente eafirmava que ficariam: revogados o Código Civil e a Par-te Primeira do Código Comercial, Lei nº 556, de 25 de junho
de 1850, e toda a legislação civil e mercantil abrangida por
este Código, ou com ele incompatível... Mas, como expli-ca o relator, Deputado Fiúza, a boa técnica legislativao levou a Câmara a determinar quais as leis que o CC/2002 revogaria. Veja Câmara dos Deputados, Relatóriofinal do Relator Deputado Ricardo Fiuza, Código Civil,Brasília, 2000, p. 115.56 O texto original é: Art. 2.045. Revogam-se a Lei nº3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil e aParte Primeira do Código Comercial, Lei nº 556, de 25de junho de 1850.57 Trata-se do inciso I do Art. 1467 que menciona apalavra consumidores, como sinônimo de fregueses,dos hospedeiros e dos fornecedores de alimentos epousada ao regular o penhor legal. O texto é o seguin-te: I -os hospedeiros, ou fornecedores de pousada oualimento, sobre as bagagens, móveis, jóias ou dinheiroque os seus consumidores ou fregueses tiverem consi-go nas respectivas casas ou estabelecimentos, pelasdespesas ou consumo que aí tiverem feito;
-
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 257
do consumidor não foi incorporado aoCC/2002. Ao contrário, é consideradopelo próprio CC/2002 como um tema aser regulado por lei especial (como ali-ás expressamente prevê a ConstituiçãoFederal, Art. 48 dos ADCT).
Em resumo, mister preservar aratio de ambas as leis e dar preferên-cia ao tratamento diferenciado dos dife-rentes concretizado nas leis especiais,como no CDC, e assim respeitar a hie-rarquia dos valores constitucionais, so-bretudo coordenando e adaptando o sis-tema para uma convivência coerente! Aconvergência de princípios e cláusulasgerais entre o CDC e o CC/2002 e a égideda Constituição Federal de 1988 garan-tem que haverá diálogo e não retroces-so na proteção dos mais fracos nas rela-ções contratuais. Vejamos o diálogoquanto à cláusula geral de boa-fé objeti-va nos contratos.
II Das cláusulas abusivas no CC/2002e a cláusula geral de boa-fé
A própria idéia de abuso do di-reito, agora positivada no novo Códi-go Civil de 2002, está relacionada coma boa-fé (Art. 187 do CC/2002). Se-guindo-se esta idéia (e retirando-a docampo extracontratual para utilizá-laanalogicamente no campo contratual),e unindo-a a do Art. 4, III e Art. 51 IVe § 1º do CDC, poderíamos afirmar,sucintamente, que cláusula abusivaé aquela que viola a boa-fé obrigató-ria das relações entre iguais (ex vinovo Código Civil) e entre desiguais(ex vi Código de Defesa do Consumi-dor, que possui este mesmo princípioda boa-fé e quando a relação civil ouempresarial é desequil ibrada pelocontrato de adesão, ex vi Art. 424 doCC/2002).
Portanto, podemos dizer que umacláusula desequilibra um contrato por-que ela viola um dever principal, ine-rente àquele sistema, àquele tipo decontrato (essa idéia está no artigo 51 doCódigo de Defesa do Consumidor), maspodemos também dizer que determina-da cláusula é abusiva, porque viola os
deveres que a própria boa-fé introduziunaquela relação. Como afirmava antes oProf. Arnoldo Wald: a relação não é sómais aquela que as partes determina-ram, havendo também as cláusulas ge-rais da lei. A cláusula geral da boa-féfaz nascer deveres para aqueles indiví-duos, mesmo que tais deveres não este-jam escritos, ou haja uma cláusula ex-pressa exonerando a pessoa do dever deinformar, do dever de cooperar, do de-ver de cuidado. Esses três deveres deconduta, portanto, fazeres, nascem di-retamente do princípio da boa-fé ou dacláusula geral de boa-fé, e estão hojena relação contratual, civil, empresari-al e de consumo. Estes deveres de con-duta de boa-fé vão tornar uma cláusula,uma condição geral contratual, umacláusula do contrato, ilícita ou nula tantono CDC como no CC/2002 justamenteporque há uma violação dos deveres daboa-fé. Boa-fé é um princípio derepersonalização da relação contratual.Como ensina o grande mestre da UFRGS,Clóvis do Couto e Silva: ...o dever quepromana da concreção do princípio daboa-fé é dever de consideração para como alter.58 Efetivamente, boa-fé objetivasignifica uma atuação refletida,59 umaatuação refletindo, pensando no outro, noparceiro contratual, respeitando-o, res-peitando seus interesses legítimos, suasexpectativas razoáveis, seus direitos,agindo com lealdade, sem abuso, semobstrução, informando-o, aconselhando-o, cuidando, sem causar lesão ou des-vantagem excessiva, cooperando paraatingir o bom fim das obrigações: o cum-primento do objetivo contratual e a reali-zação dos interesses das partes.60 Boa-fé é cooperação e respeito, é conduta es-perada e leal, tutelada em todas as rela-ções sociais.
58 COUTO E SILVA, Clóvis V. A Obrigação como Pro-cesso, São Paulo, Ed. J. Bushtasky, 1976 p. 29.59 Veja nosso livro, Contratos no Código de Defesado Consumidor, 4. edição, 2002.60 Sobre boa-fé como regra de conduta, como limite àautonomia da vontade e como fonte de novos deveresacessórios, veja a obra de MENEZES CORDEIRO, An-tonio M. da Rocha e, Da Boa-fé no Direito Civil, v. 1,p. 632 e ss.
-
258 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”
Como afirmamos anteriormente,boa-fé é, em resumo, um princípio dematerialização da vontade contratual,agora balizada pelas exigências de con-siderara as expectativas legítimas dooutro. 61 Assim ensina o também grandemestre da UFRGS, Ruy Rosado deAguiar62 : A boa-fé se constitui numafonte autônoma de deveres, independen-te da vontade, e por isso a extensão e oconteúdo da relação obrigacional já nãose mede somente nela (vontade), e, sim,pelas circunstâncias ou fatos referen-tes ao contrato, permitindo-se construirobjetivamente o regramento do negóciojurídico, com a admissão de um dina-mismo que escapa ao controle das par-tes. (grifo nosso) Para se ter a impor-tância desta visão renovadora dos con-tratos envolvendo consumidores e for-necedores, afirma Paulo Luiz NetoLôbo: O princípio da boa-fé objetiva foirefuncionalizado no direito do consumi-dor, otimizando-se sua dimensão decláusula geral, de modo a servir deparâmetro de validade dos contratos deconsumo, principalmente nas condiçõesgerais dos contratos.63
Os professores Jauernig eVolkommer, 64 na sua edição nova dosComentários ao Código Civil alemão, quesofreu uma grande reforma em 2000 e2001, mencionam que as funções da boa-fé (aquelas clássicas que conhecemos eque foram aqui mencionadas: a de esta-belecer os deveres anexos, interpre-tadora e a limitadora, isto é, a própriaidéia de abuso) devem ser vistas hojecom olhos mais voltados para o futuro.65
Boa-fé é uma medida objetiva (objektive
Masstab), um paradigma de condutadas pessoas, mas ela é, sem dúvidaalguma, uma medida de decisão(Entscheidungsmasstab).
Por vezes, visualiza-se a boa-féapenas como um standard, uma medi-da de conduta, uma medida de efeitopreventivo: como devo eu conduzir-mena sociedade do futuro, como devo euatuar de acordo com a boa-fé. O que osreferidos professores alemães estãoquerendo lembrar é que esse é apenasum lado da moeda, a boa-fé possui ou-tro lado que não podemos esquecer: aboa-fé é sempre também uma valoraçãoda conduta. O Direito valora a atuaçãodo outro como um paradigma, não maissubjetivamente (não temos mais a idéiade culpa) mas como um objetivo. Nãopodemos discursar sobre a boa-fé comouma idéia, um paradigma de conduta, edeixar de utilizar a boa-fé na prática comoum instrumento de decisão do Judiciá-rio (é uma medida de decisão).
Neste ponto, gostaria de dividir aminha exposição justamente nesses doismomentos: 1) a boa-fé teórica (comomedida de conduta) e o Novo Código Ci-vil (onde está essa boa-fé, pelo menosna parte voltada para as cláusulasabusivas); 2) e a boa-fé na prática, istoé, a boa-fé como medida valorativa,instrumentário para que o juiz diga seuma cláusula é abusiva de acordo com ocumprimento ou não do paradigma dasexigências de boa-fé.
A) As funções da boa-fé e a experiên-cia de mais de 10 anos do CDC
Essa utilização forte da boa-fé podeser dividida em quatro funções, que jáforam muitas delas aqui mencionadaspelo Professor Arnoldo Wald, que meantecedeu. A primeira função é essa defotografia do que é e do que não é rela-ção contratual hoje, chamada de funçãode complementação ou concretização darelação jurídica. Através do princípio daboa-fé objetiva, o julgador visualiza e pre-cisa quais são os deveres das partes. Seé uma relação entre iguais iguais ci-vis ou entre comerciantes - há o novo
61 Assim CANARIS, in Archiv für die civilistischePraxis (AcP), 200 (2000), p. 277 e seg.62 AGUIAR, Ruy Rosado de, A Boa-fé na relação deconsumo, in Direito do Consumidor, v. 14, p. 24.63 LOBO, Paulo Luiz Neto A informação como direitofundamental do consumidor, in Direito do Consumi-dor 37, p. 67.64 Veja JAUERNIG, Othomar et alli, BürgerlichesGesetzbuch, 7. ed, Beck, Munique, 1994, p. 172, §242, 1 (Vollkommer).65 Veja citações e detalhes em meu artigo, Boa-fé nosserviços bancários, financeiros, de crédito e securitáriose o Código de Defesa do Consumidor: informação, co-operação e renegociação ?, in RDC v. 43 (2002), p.215-257.
-
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 259
Código Civil e aqueles deveres que es-tão aqui também oriundos da boa-fé. Sea relação é entre consumidores, entredesiguais, um leigo e um profissional,então também o princípio da boa-fé es-tabelece quais são os deveres de infor-mação, de cuidado, de cooperação.
Trata-se da função de comple-mentação ou concretização da relação(Ergänzungsfunktion), podendo oaplicador da lei, através do princípio daboa-fé objetiva, visualizar e precisarquais os deveres e direitos decorrentesdaquela relação em especial (por exem-plo, incluindo as informações veiculadasem publicidade por uma seguradora ougrupo bancário, Art. 30 do CDC), 66 tam-bém chamada de função interpretativa. 67
A expressão alemã é de valorar-se e des-tacar-se, pois bem especifica a funçãoativa do juiz, uma vez que se trata doRichterrecht (Direito dos Juízes), istoé, há uma atividade mais completa ecomplexa68 do que a simples interpre-
tação pelo juiz, há, sim, concreção decláusula geral.69 E como ensina a CorteConstitucional alemã desde 1993, 70 naconcreção das cláusulas gerais de boa-fé e bons costumes (em especial, noscontratos bancários, financeiros e decrédito) as cortes civis devem fazer va-ler os direitos humanos, os direitos fun-damentais recepcionados nas Constitui-ções, 71 impregnando o direito privado deseu espírito de proteção da dignidade dapessoa humana, da privacidade, de pro-teção dos dados, de direito à informa-ção, à escolha livre, de desenvolvimentoda sua personalidade etc.
A expressão atual alemã tambémesclarece de forma pedagógica que aboa-fé é uma nova fonte de deveres (de-veres anexos), descobertos nacomplementação, na fotografia da re-lação, que realiza o magistrado: infor-mar, cooperar, cuidar com o outro e, nãosó, prestar... Aqui, está, pois, a funçãoprimeira e mais complexa da boa-fé, quevalora o grau de informação, de trans-parência, de lealdade nas condutas ecláusulas dos fornecedores, de forma avisualizar/fotografar que relação jurídi-ca é esta, complexa, conexa, principal
66 Belo exemplo é a decisão do TJ/RS, já citada: Pro-paganda enganosa. Garantia, incondicional, de finan-ciamento para aquisição de unidade imobiliária.Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.Propaganda enganosa que garantiu, incondicionalmen-te, financiamento à aquisição de unidade imobiliária.Improvadas as apontadas irregularidades na documen-tação. Com inversão do ônus sucumbencial, condena-ção da incorporadora para suportar, às suas própriasexpensas, o parcelamento da dívida (conforme garan-tido na publicidade).(AC 598435063,Des. GuintherSpode, j. 22.12.98, in RDC 36/324). Veja também de-cisão e as já citadas decisões do TJ/RS sobre embala-gem prometendo prêmios (AC 596126037, 5ª Câm. Cív.TJ RS, j. em 22.08.96, rel. Des. Araken de Assis) esobre publicidade prometendo carros a quem comple-tasse um bingo (AC 596116764, 5ª Câm. Cív. TJ RS,j. em 14.11.96, rel. Des. Araken de Assis), todas cita-das e comentadas no belo artigo de Guinther Spode,O controle da publicidade à luz do CDC, in RDC 42(2002), no prelo. Veja também sobre promessa de re-compensa e premiação de tampa de vasilhame de re-frigerante Resp. 289.346/MG, DJ 25.06.2001, min.Nancy Andrighi.67 É o que MARTINS-COSTA, Judith, Boa-fé no Di-reito Privado, RT, São Paulo, 2001, p. 428, denomi-na de a boa-fé como cânone hermenêutico-integrativoe à p. 431, citando Larenz, denomina interpretaçãoda regulação objetiva criada com o contrato.68 Belo exemplo pode ser a decisão do TJ/RS, em casoenvolvendo seguro de Condomínio Residencial, emque cláusula contratual dava direito ao conserto do ele-vador somente após comunicação à seguradora e inAPC598002079, j. 03.06.1998, Des. Antônio JanyrDallAgnol Júnior ensinou: Seguro de dano. Interpre-tação de cláusula. comunicação imediata, não neces-sariamente prévia. dano em elevador de edifício de
apartamentos residenciais. Segundo interpretação quese ostenta a melhor, a exigência, em casos como odos autos, é de comunicação, sim, e imediata, masnão necessariamente prévia, do dano em elevador deedifício de apartamentos residenciais, poisdesarrazoado que se aguarde providências da segura-dora, para, apenas após, efetivar o conserto, sempreurgente quando se cuida deste meio de transporte depessoas.69 Assim também no Brasil, TEPEDINO, Gustavo(Coord.), Direito Civil-Constitucional, Renovar, Riode Janeiro, 201, p. 11 e 12: as cláusulas gerais que,previstas pelo legislador contemporâneo, no Código deDefesa do Consumidor..., vêm sendo amplamente uti-lizadas pelos operadores. Recupera-se, então, o papelda jurisprudência e da doutrina...70 BVerfG Beschl. v. 19.101993 - 1BvR 567/89 u.la.,in: NJW 1994,36. A ementa original é a seguinte: DieZivilgerichte müssen - insbesondere bei derKonkretisierung und Anwendung von Generalklauseln wie§ 138 und §242 BGB - die grundrechtlcihe Gewährleistungder Privatautonomie in Art. 2,I GG beachten. Daraus ergibtsich ihre Pflicht zur Inhaltskontrole von Verträge, die einender beiden Vertragspartner ungewöhnlich stark belastenund das Egbnis strukturell ungleicher Verhandlungsstärkesind.71 Veja meu artigo Os contratos de crédito e a legisla-ção brasileira de proteção do consumidor, in RDC v.18, p. 53-76.
-
260 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”
ou acessória visando o consumo e se asexigências desta boa-fé foram ou podemser cumpridas. O objetivo é alcançar aigualdade, o reequilibrio entre as par-tes, e a atuação do Juiz conforme a boa-fé é ativa, como ensina o TJ/RS: Ao ana-lisar o contrato, com suas diversidade, e quese constitui alvo especial do chamado Direi-to do Consumidor, está o juiz nesse alinha-mento bem longe da principiologia clássicado contrato, onde se presumia que as par-tes eram livres para contratar, e eram iguais,sem qualquer distinção de informação, co-nhecimento e poder de cada uma. A atuaçãodo magistrado, frente a uma relação de con-sumo, pode e deve ser mais dinâmica, pre-tendendo assegurar a igualdade das partesao mesmo plano jurídico. (Ementa da APC197278518, 21ª CC, Des. Francisco JoséMoesch, TJ/RS, j. 17.06.1998).
Destaque-se que o legislador ale-mão, ao reformar o seu Código Civil de1893 em 2002, incluiu uma nova normade interpretação no § 241 do BGB, apli-cável aos contratos de consumo (novo §13 c/c § 241 e § 242), que é a seguinte:§ 241- Deveres oriundos das relaçõesobrigacionais- (1)...(2) As relaçõesobrigacionais podem, de acordo com seuconteúdo (tipo), obrigar cada uma das par-tes a ter em conta os direitos, as coisas/patrimônio e os interesses da outra parte.72
Note-se a beleza desta linha que ampliaa visualização da relação, não só faz apa-recer os deveres anexos ao contrato,como ajuda a valorar as práticas comer-ciais do fornecedor. Ter em conta osdireitos...e os interesses da outra par-te é visualizar o alter e valorar a con-duta-conforme a boa-fé- daquele contra-tante mais forte, tanto na formação docontrato (cláusula abusiva), quanto naexecução do contrato (prática comercialabusiva).
Muitos denominam esta função deinterpretativa ou interpretadora , en-tretanto, não quero aqui denominar estafunção de interpretação, porque essa é
uma visão mais clássica da boa-fé e,como afirmei, parece-me que essa idéiade concreção, de fotografia mesmo com-pleta da relação é mais atualizada e maisatualizadora. Essa função de interpre-tar pode solucionar muitos dos proble-mas que também podemos fazê-lo atra-vés do uso do instrumentáriosancionatório das cláusulas abusivas.Isto é, o julgador ao interpretar o con-trato ou a cláusula já o faz de acordocom o instrumento valorativo que é aboa-fé (medida de decisão). Então, sepode interpretar o texto de forma que acláusula examinada não viole a boa-fé eque proteja o mais fraco, ou seja favorá-vel a quem simplesmente aderiu ao con-trato de adesão, estarei utilizando to-das as idéias principiológicas que estãono Código Civil de 2002 e também, estãomais fortemente presentes ainda, noartigo 47 do Código de Defesa do Consu-midor. Assim o julgador pode evitar queaquela cláusula, interpretada de outraforma, viole a boa-fé e seja nula. Vejamque dentro dessa função temos dois mo-mentos: a simples interpretação e aidentificação dos deveres que objetiva-mente as partes deveriam cumprir.
A terceira conclusão dos referidosprofessores alemães e que me pareceinteressante, é a da bilateralidade dosdeveres de boa-fé. Geralmente, não men-cionamos muito esta característica emmatéria de Direito do Consumidor por-que o Código de Defesa do Consumidorpositiva que o dever de informar é im-posto ao fornecedor, é um dever do pro-fissional e não do leigo, o consumidor.Mas agora, nesse outro mundo, que é oCódigo Civil de 2002, na relação entreiguais, há bilateralidade dos deveres deboa-fé: um parceiro deve cuidar do ou-tro, um deve informar ao outro. Se sãodois comerciantes, obviamente que odever de informar é bilateral. Há o de-ver de cooperar, e como mencionava oProf. Arnoldo Wald, a idéia da parceria éjustamente bilateral. A idéia de não le-var o outro à ruína, que é uma idéia bas-tante antiga da boa-fé, uma exceção daruína, a qual foi aqui mencionada pelo
72 No original: § 241. Pflichten aus dem Schuldverhältnis.(1)...(2) Das Schuldverhältnis kann nach seinem Inhalt jednTeil zur Rücksicht auf die Rechte, Rechstgüter undInteressen des anderen Teils verpflichten.
-
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 261
Prof. Arnoldo Wald com a idéia derenegociação dos contratos, é um deverde cooperar para evitar a ruína econô-mica do outro, é um dever bilateral noCódigo Civil de 2002, imposto justamen-te pelo princípio da boa-fé positivado deforma bilateral.
Já no microssistema do Código deDefesa do Consumidor essa bila-teralidade se esmaece, porque a próprianorma impõe, por exemplo, em matériade banco de dados (Art. 43 e seg. doCDC), que um (fornecedores) guarde ecuide da informação que detêm do outro(consumidores), que um (fornecedores)informe ao outro (consumidores). Portan-to, neste caso, o ônus, o peso do cumpri-mento dos deveres de boa-fé foipositivado, foi regulado em norma posi-tiva indisponível (Art. 1º do CDC), e so-mente em poucos momentos existe re-almente uma bilateralidade dos deveresde boa-fé no Código de Defesa do Con-sumidor. Um exemplo que foi dado peloProf. Wald foi justamente o do contratode seguro, em que há uma relação deconsumo, mas em que também os deve-res de informação do consumidor estãopositivados no Código Civil e mesmo as-sim são interpretados sempre favoravel-mente a eles (art. 47 do CDC em diálo-go!). Aqui nessa primeira função da boa-fé, isto é, da concretude, daconcretização da relação, está a maiorpotencialidade para o chamado direitodos juízes, isto é, a verdadeira interpre-tação dos contratos, a visualização datotalidade da relação que não é só con-centrada no cumprimento dos deveresprincipais, mas nesse novo mundo emque os serviços são mais importantes queos dares. É um mundo tão complexo,cheio de riscos, onde há o dever de in-formar, de colocar junto com o produto,por exemplo, um manual de utilizaçãoou de colocar junto com o serviço bancá-rio o verdadeiro preço daquela taxa, da-quele extrato, daquele talão, ou do en-vio do talão pelo correio e as possibilida-des que teria o consumidor de manu-tenção da conta de forma diferenciada,esta informação pode ser até mais im-
portante do que o verdadeiro cumpri-mento da prestação principal, isto é,manter uma escrituração ou de entre-gar-me um bem que não sei usar, se nãotenho um manual de informação. Emoutras palavras, os deveres de boa-fépotencializam-se e ganham em impor-tância nos dias de hoje, e aí está a pos-sibilidade de o direito dos juízes evoluira nossa visão do contrato na prática.
A segunda função da boa-fé, maistípica é a função de controle e de limi-tação das condutas. Aqui está a proibi-ção das cláusulas abusivas. Temos liber-dade de contratar, de estabelecer a li-berdade contratual, portanto, de esta-belecer o conteúdo do contrato, mascomo essa é uma liberdade formal emuitas vezes não material, parareequilibrar a situação em matéria decontratos de adesão - regulados hojepelo Código Civil de 2002 - a lei limitaessa liberdade. Vejamos o que os arti-gos 423 e 424 do novo Código Civil men-cionam sobre isso: Quando houver nocontrato de adesão cláusulas ambíguasou contraditórias dever-se-á adotar ainterpretação mais favorável ao aderen-te, primeira idéia, primeira função. Eno Artigo 424: Nos contratos de adesãosão nulas as cláusulas que estipulem arenúncia antecipada do aderente a di-reito resultante da natureza do negó-cio. Nesta norma temos dois momentosnormativos, isto é, limita-se a possibili-dade de renúncia por uma das partes,através de cláusulas exonerativas,cláusulas de exoneração de responsa-bilidade. Assim, no contrato de trans-portes, por exemplo, a cláusulaexonerativa de responsabilidade vai serconsiderada nula, vai ser restringida,comple-mentando essa idéia. Em maté-ria de seguros, também, há artigos es-pecificamente prevendo que determina-das cláusulas não são possíveis nessescontratos ou em contratos de prestaçãode serviço (na parte especial). Porém,aqui na parte geral do novo Código Ci-vil, a idéia é que a renúncia, se ela é aoprincipal, se ela é aquela resultante danatureza do negócio, esta renúncia ou
-
262 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”
disposição per se já é nula. Aqui encon-tra-se o maior limitador, a melhor defi-nição do que podem ser essas cláusulasabusivas que o Código Civil de 2002 con-sidera nulas.
O Código de Defesa do Consumi-dor também tem a idéia da cláusulaabusiva, só que ali, para a proteção domais fraco, a potencialização do que éabuso é ainda maior. Considera-se, noartigo 51, parágrafo 1°, como nulas to-das as cláusulas que asseguram umavantagem exagerada para uma das par-tes, que destroem o sistema em que ocontrato está e que, portanto, destroem,em última análise, esse objeto do con-trato, a expectativa legítima do consu-midor.
É a função de controle e del i mitação das condutas (Schran-kenfunktion), pois o princípio, de for-ma imanente, está a limitar as posi-ções jurídicas dos contraentes e o exer-cício de seus direitos, dai, por exemplo,a proibição de cláusulas e práticasabusivas (Art. 39 e 51 do CDC). Comoafirmamos, a boa-fé objetiva é umstandard, um parâmetro objetivo, gené-rico, um patamar geral de atuação, dohomem médio, do bom pai de família queagiria de maneira normal e razoável na-quela situação analisada.73 O julgadorvalora a atuação, decidindo se esta ul-trapassou ou não a razoabilidade, os li-mites impostos por esta boa-fé objetivaqualificada, que é a de consumo. Abusivaé a conduta ou a cláusula que viola aboa-fé, os deveres impostos pela boa-fé
aos agentes na sociedade, como ensinao STJ, no Resp. 219184/RJ, j.26.10.1999, Min. Ruy Rosado de Aguiar:SERASA. Dano moral. - A inscrição do nomeda contratante na Serasa depois de propos-ta ação para revisar o modo irregular peloqual o banco estava cumprindo o contrato definanciamento, ação que acabou sendojulgada procedente, constitui exercícioindevido do direito e enseja indenização pelograve dano moral que decorre da inscriçãoem cadastro de inadimplentes. Recurso co-nhecido e provido.
A pergunta atual é como vamosrealizar a interpretação desse artigo 424do Código Civil de 2002. A doutrina, emespecial os comentaristas começam afornecer idéias sobre a interpretaçãodesse artigo. Normalmente, porém, cos-tumam concentrar-se não na cláusulageral de boa-fé do Código de Defesa doConsumidor, mas no primeiro inciso doartigo 51. O Art. 51 do CDC, caput dis-põe: São nulas de pleno direito, entreoutras, as cláusulas contratuais relati-vas ao fornecimento de produtos e ser-viços que: I - impossibilitem, exoneremou atenuem a responsabilidade do for-necedor por vícios de qualquer naturezados produtos e serviços ou impliquemrenúncia ou disposição de direitos....Esse inciso I, há que se mencionar, nãotermina assim, mas possui uma segun-da frase que permite, nos contratos en-tre pessoas jurídicas, em plenomicrossistema do Código de Defesa doConsumidor, a limitação da responsabi-lidade.
Por que menciar isso? Porque meparece importante para estabelecermosa diferença entre o que é a qualidadeda boa-fé ou a potencialidade de aplica-ção da boa-fé no Código de Defesa doConsumidor e a potencialidade de suaaplicação no Código Civil de 2002. OCódigo Civil de 2002 é um Código paraiguais, relação entre civis e relação en-tre comerciantes. O próprio Código deDefesa do Consumidor, que possui am-plas definições de quem é consumidor(veja a linha interpretativa dosmaximalistas e dos finalistas, à qual me
73 Neste sentido, veja-se exemplar decisão do Min.Carlos Alberto Menezes Direito, in Resp. 158.728-RJ,16.03.1999, cuja ementa ensina: Plano de saúde. Li-mite temporal da internação. Cláusula abusiva. 2. Oconsumidor não é senhor do prazo de sua recuperação,que, como é curial, depende de muitos fatores, que nemmesmo os médicos são capazes de controlar. Se a enfer-midade está coberta pelo seguro, não é possível, sobpena de grave abuso, impor ao segurado que se retire daunidade de tratamento intensivo, com o risco severo demorte, porque está fora do limite temporal estabelecidoem uma determinada cláusula. Não pode a estipulaçãocontratual ofender o princípio da razoabilidade, e se ofaz, comete abusividade vedada pelo art. 51, IV, do Có-digo de Defesa do Consumidor. Anote-se que a regraprotetiva, expressamente, refere-se a uma desvantagemexagerada do consumidor e, ainda, a obrigações incom-patíveis com a boa-fé e a eqüidade.
-
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 263
filio), já pensando nisso e antes do ad-vento do Código Civil de 2002, previa queem matéria de relacionamentointercomerciantes, portanto, consumido-res pessoas jurídicas, era permitida acláusula de limitação da responsabili-dade, se ela não atingia a natureza docontrato, o objeto do contrato, se real-mente não violava a boa-fé entre comer-ciantes, isto é, a cláusula geral do arti-go 51, IV do Código de Defesa do Consu-midor. Como podemos interpretar essaexceção à regra? Podemos interpretaratravés de uma visão de força, de quali-ficação. É claro que o princípio da boa-fé atinge tanto o microssistema do Có-digo de Defesa do Consumidor como oCódigo Civil de 2002, mas aqui, em umarelação entre iguais, a idéia do que éabusivo, do que atinge a natureza do con-trato é, de qualquer maneira, de umavaloração mais concreta; porém, para aproteção obrigatória, ex vi lege, de umadas partes do contrato, realmente nes-te caso a boa-fé se ilumina/qualifica,sendo portanto muito mais exigente epor isso muito mais utilizada.
A terceira função é a função decorreção e adaptação em caso de mu-dança das circunstâncias, que tambémjá foi mencionada aqui pelo ProfessorArnoldo Wald. Hoje, essa função é aidéia de que há um direito a uma ma-nutenção do vínculo (pelo menos um di-reito à tentativa da manutenção do vín-culo). Por isso há, dentro da moção deboa-fé, a idéia de um dever derenegociação geral dos contratos comer-ciais. Este dever não nasceu no direitodo consumidor. Essa idéia nasceu nosgrandes tratados internacionais, veja-seos princípios do UNIDROIT, na chamadaLex Mercatoria, isto é, nos contratos in-ternacionais entre comerciantes.74 E,
foi trazida para o Direito Civil interno apartir daquela idéia antiga da boa-fé, queé a exceção da ruína: no cumprimentoconforme a boa-fé dos contratos há deevitar-se a conduta que leve à ruína dooutro, do parceiro contratual.
O nossa visão atual do contrato éde uma parceria, contrato é um momentode cooperação. Porque o outro me esco-lheu e porque eu o escolhi - (repita-seque boa-fé é um pensar refletido), nãoposso eu permitir que a minhavinculação a uma determinada cláusu-la contratual leve o outro a ruína, como,por exemplo, no sistema financeiro dahabitação. Se eu credor não permito queo indivíduo me devolva o imóvel, se eunão permito que o indivíduo venda-o ouque passe o imóvel e a dívida a uma ou-tra pessoa, se o indivíduo perde a possi-bilidade concreta de saldar, se há umaimpossibilidade subjetiva de pagar (se elefica desempregado ou doente, por exem-plo) e eu o mantenho preso como meudevedor, sei que o estou levando à ruína !Eu não renegocio, porque eu credor te-nho o contrato, tenho aquela cláusula,tenho o direito. Não preciso eu adap-tar, renegociar, mas será que estouagindo conforme a boa-fé? Obviamente,todos sabemos que o paradigma da boa-fé é pensar no outro, nas suas expecta-tivas legítimas, no fato de que ele real-mente entrou no Sistema Financeiro deHabitação porque não podia compraratravés de outros financiamentos. Tra-ta-se de um contrato massificado, parapessoas mais pobres, para classe médiada sociedade (se ele fosse da classe altacompraria à vista ou faria um financia-mento direto bancário). O dever derenegociação nasceu nos contratos in-ternacionais do Direito Comercial e agoraestá chegando nesse direito entreiguais, ou direito entre diferentes, o Di-reito do Consumidor, e aqui está tam-bém - em minha opinião - na noção deboa-fé do Código Civil de 2002.
É a função de correção e de adap-tação em caso de mudança das cir-cunstâncias (Korrekturfunktion), apermitir que o julgador adapte e modifi-
74 Veja o estudo de MARTINEK, Michael, Die Lehrevon de Neuverhandlungspflichten- Bestandaufnahme,Kritik...und Ablehnung, in Archiv für diecivilistische Praxis, 198 (1998), p. 330 e seg. , oqual apesar de negar a existência deste dever geral derenegociação (Neuverhandlungspflicht) em todos oscontratos de longa duração, concorda que a doutrinamajoritária o identifica em muitíssimo deles, em espe-cial os de longa duração de consumo, p. 356 e seg.
-
264 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”
que o conteúdos dos contratos para que ovínculo permaneça (manutenção do vínculo)apesar da quebra da base objetiva do negó-cio, por exemplo, com a desvalorização dodólar em contratos de leasing,75 ou imponhadeveres de renegociação76 face à quebrasubjetiva da base do negócio, por exemplo,quando o consumidor perde seu emprego. Adecisão aqui é casuística, como ensina o STJ,no mencionado Resp. 200.019/SP j.17.05.2001, DJ 27.08.2001, Min. AriPargendler:Civil. Promessa de compra e ven-da. Rescisão. Ação de rescisão de compromissode compra e venda ajuizada pelo promitente com-prador que ficou sem condições de cumprir o con-trato. Procedência do pedido, à vista das circuns-tâncias do caso concreto.. . 77
A quarta função, e com isso ter-mino essa parte teórica, é de autoriza-ção para decisão por eqüidade. No Bra-sil, costumamos dizer que a decisão poreqüidade tem que ser autorizada ex vilege. O Código de Defesa do Consumi-dor é um sistema, um microssistema,que permite a decisão por eqüidade emseu artigo 7º. Porém, geralmente nãoconcordamos com a idéia alemã de quedentro da boa-fé está uma decisãocasuística, uma decisão fora do siste-ma, uma decisão inovadora. Aqui, real-mente, não consegui encontrar nenhu-ma decisão do Judiciário, do SuperiorTribunal de Justiça, para apoiar essa úl-tima função da boa-fé. Minha experiên-cia é que realmente essas teoriasgermânicas, mais dia menos dia, come-çam a ser aceitas entre nós. Assim comoa terceira, que é o dever de renegociação
geral, foi aqui mencionado pelo Prof.Arnoldo Wald, parece-me que em brevenós teremos essa idéia de abertura dosistema para uma decisão casuísticacom base não só na função social do con-trato, que seria outra possibilidade, mascom base no princípio geral da boa-fé.
É a função de autorização para adecisão por eqüidade (Ermächtigüngs-funktion), pois como cláusula geral suaconcreção passa pela ativa participaçãodo julgador e não pode escapar à tópicae à procura da eqüidade contratual, ori-ginando assim um direito de eqüidade(Billigkeitsrecht) adaptado à socieda-de e às necessidades atuais. Comorelembra Hattenhauer,78 a fórmula boa-fé exige uma concretização no caso con-creto, logo, casuística e com base naeqüidade (Billigkeit).
B) Cláusulas abusivas no Código Civilde 2002 e no CDC: uma visão práticado diálogo das fontes
Iniciando esta segunda sub-parte, aparte concreta, cabe perguntar o que signi-fica essa visão de diálogo e de funções daboa-fé para a prática do Código Civil de 2002?
Em 1993, a Corte ConstitucionalAlemã, em um contrato bancário, deci-diu que a concretização da cláusula ge-ral de boa-fé deveria ser feita de acordocom os direitos fundamentais das pes-soas.79 A decisão de 1993 abriu uma cri-
75 Veja, por todos, Resp. 361.694/RS, j. 26.02.2002,Min. Nancy Andrighi, DJ 25.03.2002.76 A doutrina atual está estudando fortemente os deve-res de renegociação, tanto na Alemanha (Norbert Horn,Jürgen Baur, Herbert Kronke, Ersnt Steindorff, GabrielleFecht, Andreas Nelle etc.), na Itália (Giovanni deCristofaro, Giuseppe Gandolfi, Franco Anelli, todos so-bre cessão dos contratos), nos Estados Unidos (seja nosteóricos da Lw and Economics renegotiation-, seja nosinternacionalistas, em virtude dos Principíos daUNIDROIT para os contratos internacionais de 1994),assim relata em detalhes MARTINEK, Michael, Die Lehrevon de Neuverhandlungspflichten- Bestandaufnahme,Kritik...und Ablehnung, in Archiv für die civilistischePraxis (AcP), 198 (1998), p. 330 a 398.
trato, que não aproveitou e a devolução das parcelaspagas, mesmo se a outra parte se opunha, citandocomo precedentes os Resp. 132.903-SP, Min. RuyRosado de Aguiar, DJ 19/12/97, Resp. 109.960-RSP,Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 24/03/97, Resp.79.489-DF, Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 22/04/97 e o já citado in Resp. 109.331-SP, DJ 31/03/97.78 HATTENHAUER, Hans, Grundbegriffe desBürgerlichen Rechts, Beck, Munique, 1982, p.93.79 BVerfG Beschl. v. 19.101993 - 1BvR 567/89 u.la.,in: NJW 1994,36-39. A ementa original é a seguinte:Die Zivilgerichte müssen - insbesondere bei derKonkretisierung und Anwendung von Generalklauselnwie § 138 und §242 BGB - die grundrechtlciheGewährleistung der Privatautonomie in Art. 2,I GGbeachten. Daraus ergibt sich ihre Pflicht zurInhaltskontrole von Verträge, die einen der beidenVertragspartner ungewöhnlich stark belasten und dasEgbnis strukturell ungleicher Verhandlungsstärkesind.
77 Neste caso o STJ permitiu ao devedor (inadimplente),que perdera seu emprego, requerer a rescisão do con-
-
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 265
se no sistema alemão e levou à modifi-cação do Código Civil, que era de 1896.80
Nesse caso concreto de um contra-to bancário - que era de milhares demarcos - entre um empresário e um ban-co, o problema todo se deu com relaçãoao garantidor, o filho desse empresário,que já era maior, e garantiu (assinandoa garantia) num valor absolutamente ex-traordinário em relação à potencialidadedele (ele, inclusive, era estudante demedicina). O banco na época argumen-tou que precisava evitar a circulação dariqueza na família, isto é, que se ele nãofosse fiador ou garantidor do pai, o paipoderia transferir aqueles valores paraele e com isso fugir à pressão do banco.
No final, no caso concreto, o paivai à falência, e porque é um comerci-ante com todas os privilégios de falido, obanco prefere acionar o filho, então jáum médico. Só que o valor do emprésti-mo, que ele obviamente garantiu de li-vre vontade, era tão grande que ele le-varia o resto da vida pagando. O filhoperdeu em primeiro grau, sob o argu-mento da pacta sunt servanda; perdeuem segundo grau pacta suntservanda- e chegou à Corte Federal Ci-vil alemã (BGH) e esta novamente afir-mou: não, o senhor é maior, o senhorobrigou-se e não temos como reverteressa situação agora, a não ser pelos exa-mes de fato. O filho-garantidor recorre,então, à Corte Constitucional alemã(BVerFG) que faz emite esta decisão queficou clássica: as cortes civis, quandoda concretização das cláusulas gerais deboa-fé e bons costumes, deverão consi-derar os direitos fundamentais do cida-dão, inclusive o direito de desenvolvi-mento da
top related