currículo e distribuição social do conhecimento: investigando um
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando
um Pré-Vestibular Social no RJ
Vidal Assis Ferreira Filho
Orientadora: Profª Drª Marcia Serra Ferreira
Rio de Janeiro
2014
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando
um Pré-Vestibular Social no RJ
Vidal Assis Ferreira Filho
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial à obtenção
do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Marcia Serra Ferreira
Rio de Janeiro
2014
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Agradeço...
Ao Criador, que me guiou pelos caminhos que percorri para chegar a esse momento de
superação tão importante para a minha vida profissional e pessoal.
À minha mãe, que, mesmo em todos os momentos de dificuldade, não perdeu a fé na
vida.
Aos meus amigos e parceiros de arte, que, durante a escrita dessa dissertação,
compreenderam minhas ausências.
À Clara Mutti, pela paciência e carinho nesse momento tão atípico da minha vida.
À professora e orientadora Marcia Serra, pessoa sem a qual eu não estaria no PPGE,
pela inteligência, pela paciência, pela compreensão, pelo apoio, pelo carinho e amizade
ao longo desses anos de convivência.
Aos professores Maria Margarida Gomes e José Roberto da Rocha Bernardo, por
aceitarem compor a banca para a defesa dessa dissertação.
Às professoras Ludmila Thomé e Sônia Lopes, pelos ensinamentos e pela extrema
paciência e compreensão em relação aos prazos acadêmicos.
À toda equipe da Secretaria do PPGE, em especial, à Solange Rosa Araújo, tão
atenciosa com os alunos.
Aos meus colegas do NEC, que, a partir dos encontros do grupo de estudos, me
ensinaram muito sobre as palavras e os sentidos que há por trás das palavras.
Aos tutores, ex-alunos e coordenadores, que, com paciência e boa vontade, cederam-me
seus depoimentos para a construção dessa dissertação.
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“Pra todos aqueles que me
estenderam a mão, dividi
meu coração.”
(“O Dono das Calçadas” – Nelson
Cavaquinho e Guilherme de Brito)
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RESUMO
Esse trabalho tem por objetivo investigar a articulação entre currículo e distribuição
social do conhecimento, tomando como referência o currículo de Biologia de Pré-
vestibulares Sociais. Especificamente, busca compreender os processos de seleção,
organização e distribuição dos conhecimentos escolares em Biologia produzidos por
professores que atuam em um Pré-vestibular Social específico no estado do Rio de
Janeiro: o Pré-Vestibular Social/Cederj da Fundação Cecierj. A partir da compreensão
desses processos, procura refletir acerca das formas de luta que foram sendo construídas
por essa comunidade disciplinar específica, e como essas formas de luta buscam
enfrentar um histórico hiato existente entre o currículo de Biologia do Ensino Médio
oferecido pelo Estado e o que vem sendo exigido nos programas de seleção para o
ingresso no ensino superior em universidades públicas do país, de modo a responder as
seguintes questões: (a) que conteúdos de Biologia os professores têm privilegiado no
PVS/CEDERJ?; (b) como esses conteúdos têm sido selecionados e organizados?; (c)
que critérios têm orientado a seleção e a organização curricular desses conteúdos de
ensino?; e (d) como esses critérios dialogam com as tradições curriculares da área?
Referenciando-se na Historiografia contemporânea e a História da Educação, utiliza
como fontes de estudo documentos pertinentes ao conteúdo curricular da disciplina
Biologia da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, do ENEM e do
PVS/Cederj, assim como entrevistas com atores (ex-alunos, professores de Biologia e
coordenador de Biologia) envolvidos no PVS/Cederj. Esse conjunto de análises
evidencia que o ensino da disciplina Biologia lecionada no PVS/Cederj se insere nas
lutas mais amplas por uma distribuição social do conhecimento na medida em que,
curricularmente, os conteúdos de Biologia abordados pelo PVS/Cederj ocupam
parcialmente o hiato existente entre o Currículo Mínimo de Biologia da SEEDUC e o
programa de Biologia do ENEM, por abranger uma série parcial de conhecimentos que
o Currículo Mínimo de Biologia da SEEDUC não aborda, e que são demandados pelo o
programa de Biologia do ENEM. E, mais do que isso, os resultados deste estudo
indicam que a comunidade disciplinar formada pelos tutores de Biologia do
PVS/Cederj, ao contrário de uma comunidade disciplinar tradicional, não é
caracterizada por uma formação específica, mas por um conjunto de interesses que
incluem o aprimoramento didático e a preocupação com a formação do aluno.
Palavras-chave: História do Currículo; Pré-Vestibulares Sociais; Comunidade Disciplinar;
Ensino de Biologia.
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Abstract
This study aims to investigate the relationship between curriculum and social
distribution of knowledge, with reference to the Biology curriculum in “Pré-
Vestibulares Sociais (PVS)” (social preparatory courses for high schools graduates to
overcome the selective process of university entrance examinations). Specifically, it
seeks to understand selection, organization and distribution of Biology school
knowledge produced by teachers on a social preparatory course in the state of Rio de
Janeiro: the “PVS / Cederj”. By understanding these processes, it seeks to comprehend
the struggles that were built for this specific disciplinary community, and how these
struggles seek to confront a historic gap between the Biology curriculum of public
secondary schools and what has been required in public university entrance
examinations. Based on this discussion, it proposes to answer the following questions:
(a) which contents in Biology, teachers have privileged in PVS / CEDERJ ?; (b) how
those contents have been selected and organized ?; (c) which criteria have guided the
selection and organization of these curricular contents ?; (d) how these criteria dialogues
with the traditions of curriculum study? Referencing in Contemporary Historiography
and History of Education, this study sources are “Secretaria de Educação do Estado do
Rio de Janeiro (SEEDUC)” ( Department of Education of the State of Rio de Janeiro),
“Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)” (the National Examination on Senior
High Schools), and “PVS / Cederj” documents about Biology curriculum, as well as
interviews with actors involved in PVS / Cederj (students, biology teachers and
coordinator). This set of analyzes demonstrates that teaching of Biology discipline
“PVS / Cederj” fits into broader struggles for social distribution of knowledge, since the
Biology contents addressed by “PVS / Cederj” partially occupy the gap between
“SEEDUC” Biology Curriculum and the “ENEM” Biology program.. More than that,
results of this study indicate that the disciplinary community of Biology tutors of “PVS
/ Cederj”, unlike a traditional disciplinary community, is not characterized by specific
education, but by a set of interests that include teaching improvement and student
education.
Keywords: History of Curriculum; social preparatory courses for university entrance
examinations; Disciplinary community; Biology Teaching.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................página 10
CAPÍTULO I - Diálogos com a produção acadêmica brasileira ........................página 16
I. 1. Sobre os pré-vestibulares sociais .................................................................página 16
I. 2. Sobre a inserção desse estudo no NEC/UFRJ .............................................página 26
I. 3. Sobre o ensino de Biologia ..........................................................................página 34
CAPÍTULO II - Referenciais teórico-metodológicos .........................................página 41
II. 1. Diálogos com a História do Currículo ........................................................página 43
II. 2. Metodologia................................................................................................página 50
CAPÍTULO III – Análise das fontes ..................................................................página 54
III.1. Disciplina escolar Biologia: o PVS/CEDERJ entre currículos oficiais......página 54
III.2. Sujeitos, tradições curriculares e comunidade disciplinar..........................página 62
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................página 72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................página 77
ANEXOS ............................................................................................................página 81
Anexo 1 ...............................................................................................................página 81
Anexo 2................................................................................................................página 82
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INTRODUÇÃO
No presente trabalho, investigo a interface entre currículo e distribuição social
do conhecimento, tomando como referência o currículo de Biologia de Pré-vestibulares
Sociais. Especificamente, interessa-me compreender os processos de seleção,
organização e distribuição dos conhecimentos escolares em Biologia produzidos por
professores que atuam em um Pré-Vestibular Social específico no estado do Rio de
Janeiro: o PVS/CEDERJ da Fundação CECIERJ. A partir da compreensão desses
processos, busco contribuir para reflexões acerca das formas de luta que foram sendo
construídas para enfrentar um histórico hiato existente entre o currículo de Biologia do
ensino médio oferecido pelo Estado e o que vem sendo exigido nos programas de
seleção para o ingresso no ensino superior em universidades públicas do país.
O tema foi espaço-temporalmente delimitado a partir da análise da produção
curricular e de entrevistas com professores de Biologia que atuaram no PVS/CEDERJ
da Fundação CECIERJ em um ano letivo (2013), dos currículos vigentes para a área no
Ensino Médio da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC) e do
programa de seleção para o ingresso à universidade pública, representado pelo conteúdo
programático contido no edital 2013 do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Meu interesse pela temática começou a ser desenvolvido desde o 4º período de
minha graduação na Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, momento em que ingressei, como professor-bolsista de Biologia, em um
Pré-vestibular social denominado Curso Pré Universitário de Nova Iguaçu. Tal curso
pertencia à Pró-Reitoria de Extensão da universidade e era financiado pela Prefeitura do
Município de Nova Iguaçu, e pude atuar nesse projeto entre 2006 e 2011. Além do
Curso Pré Universitário de Nova Iguaçu, lecionei em outros pré-vestibulares de caráter
social, dentre os quais destaco o Pré-vestibular Social da Fundação CECIERJ, no qual
atuei como tutor de Biologia entre os anos de 2007 e 2013.
Conforme referido anteriormente, o Pré Vestibular Social (PVS) analisado no
presente trabalho é um projeto da Fundação CECIERJ (Centro de Ciências e Educação
Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro) e da Secretaria de Ciência e
Tecnologia do Governo do Estado do Rio de Janeiro. A atuação social dessa fundação,
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explicitada pela lei de sua criação1, tem por objetivos: “(a) oferecer educação superior
gratuita e de qualidade, na modalidade à distância, para o conjunto da comunidade
fluminense; (b) a divulgação científica para o conjunto da sociedade fluminense; e (c) a
formação continuada de professores do ensino fundamental, médio e superior”.
A Fundação CECIERJ é composta, além do PVS, de projetos de extensão e de
divulgação científica, dos CEJAS (Centros de Estudos de Jovens e Adultos) e do
Consócio CEDERJ. Este último é, provavelmente, o seu projeto mais conhecido, tendo
como objetivo levar educação superior, gratuita e de qualidade a todo o Estado do Rio
de Janeiro, e sendo formado por sete instituições públicas de ensino superior: Centro
Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). De acordo com a página
da instituição, o Consócio CEDERJ conta, atualmente, com cerca de vinte e seis mil
alunos matriculados em doze cursos de graduação a distância, a saber: Administração,
Administração Pública, Química, Letras, Matemática, História, Licenciatura em Física,
Licenciatura em Ciências Biológicas, Geografia, Pedagogia, Licenciatura em Turismo,
Tecnologia em Gestão de Turismo, Tecnologia em Segurança Pública e Tecnologia em
Sistemas de Computação.2
Especificamente em relação ao PVS/CEDERJ da Fundação CECIERJ, este é um
curso preparatório gratuito para as provas de acesso às universidades, sendo
oficialmente dirigido a interessados que já concluíram ou estão frequentando o último
ano do Ensino Médio ou equivalente e que desejam realizar as provas de acesso às
universidades, mas que não têm condições de arcar com os custos dos cursos
preparatórios particulares. Para tanto, antes de ingressar no PVS, o aluno passa por uma
triagem de análise socioeconômica, a qual avalia a sua demanda por estudar em um pré
vestibular de caráter social.
A abrangência geográfica do PVS/CEDERJ da Fundação CECIERJ é de trinta e
nove municípios no estado do RJ e conta com cinquenta e seis polos de aulas,
1 Lei Estadual Complementar nº 103, de 18 de março de 2002, decretada pela Assembleia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro e sancionada pelo então governador Anthony Garotinho. 2 As informações pertinentes à composição, universidades consorciadas e cursos oferecidos pelo
Consórcio Cederj foram retiradas da homepage oficial da instituição: www.cederj.edu.br/cederj
12
localizados nos municípios de Angra dos Reis, Barra do Piraí, Barra Mansa, Belford
Roxo, Bom Jesus de Itabapoana, Campos dos Goytacazes, Cantagalo, Duque de Caxias,
Itaboraí, Itaguaí, Itaocara, Itaperuna, Macaé, Magé, Mesquita, Miguel Pereira,
Natividade, Nilópolis, Niterói, Nova Friburgo, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis,
Piraí, Queimados, Resende, Rio Bonito, Rio das Flores, Santa Maria Madalena, São
Fidélis, São Francisco de Itabapoana, São Gonçalo, São João de Meriti, São Pedro da
Aldeia, Saquarema, Teresópolis, Três Rios e Volta Redonda, além dos polos situados no
município do Rio de Janeiro (Bangu, Campo Grande, Centro, Complexo do Alemão,
Jacarepaguá, Madureira, Penha, Rocinha, Santa Cruz e Tijuca), em que são oferecidas
as disciplinas Biologia, Espanhol, Física, Geografia, História, Inglês, Matemática,
Português, Química e Redação. É importante mencionar também que, na maioria dos
polos, as aulas ocorrem aos sábados, das 8h às 17h, o que permite a conciliação entre a
frequência no PVS e a rotina comum de trabalho diário, o que possibilita a estudantes
de condições socioeconômicas desfavorecidas a chance de trabalhar e se preparar para
as provas de ensino superior.3
Ao longo da construção de minha experiência acadêmica e profissional nesses
Pré-vestibulares Sociais, pude verificar, entre características comuns aos vários projetos,
em especial, a significativa dificuldade de acesso à universidade pública por alunos de
baixa renda em relação a estudantes pertencentes a classes sociais de maior poder
aquisitivo. Também pude verificar tal fato a partir da análise dos perfis socioeconômicos
dos estudantes das universidades públicas federais do estado do Rio de Janeiro,
evidenciando flagrante distorção do percentual de estudantes universitários nas
diferentes classes econômicas em relação à sociedade brasileira, com clara concentração
de estudantes das classes A e B em detrimento das demais, conforme mostra a tabela
abaixo:
3 As informações pertinentes à seleção de alunos, polos de atuação e dias e horários de funcionamento das
aulas do Pré-Vestibular Social do CEDERJ foram retiradas da homepage oficial da instituição:
www.cederj.edu.br/prevestibular
13
Sendo o acesso à educação de qualidade um dos principais veículos para a
redução dos mais diversos tipos de desigualdade entre os cidadãos, e,
consequentemente, para a produção de outras relações sociais (FREIRE, 2002, p. 41), é
importante ressaltar a relevância social desse estudo, na medida em que o mesmo
contribui para a tentativa de elucidação e de minimização de mecanismos de segregação
social, aqui representados pela exclusão educacional. Esse trabalho busca tornar visível
o modo como tais mecanismos são produzidos curricularmente, tentando promover um
aumento da reflexão e, mais do que isso, das formas de subversão dessas desigualdades,
mesmo em uma sociedade que tenta minimizar e/ou ‘escamotear’ tais questões, tratando
muitas vezes o ‘sucesso’ escolar como um mérito individual.
Com um especial interesse nas relações entre conhecimento e poder, o presente
trabalho se insere em meio às pesquisas que vêm sendo realizadas no âmbito do ‘Grupo
de Estudos em História do Currículo’, que compõe o ‘Núcleo de Estudos de Currículo’
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NEC/UFRJ), investigando a história de
diferentes currículos e disciplinas científicas, acadêmicas e escolares. A partir das
discussões desenvolvidas nesse grupo, no qual tenho sido orientado pela Profa. Dra.
Marcia Serra Ferreira, pude refletir sobre as influências das disputas entre diferentes
atores sociais em torno da construção dos currículos, o que implica em pensar sobre as
relações de poder que permeiam a hegemonia de alguns conhecimentos presentes no
currículo em detrimento de outros, que, ao longo do processo de construção curricular,
perderam espaço (FERREIRA, 2005), o que têm me permitido desenvolver uma análise
mais ampla do tema. Levando em conta a modesta produção científica sobre pré-
vestibulares sociais no campo do Currículo, o que foi por mim atestado em
levantamento bibliográfico de dissertações e teses sobre o temática, julgo ser importante
analisar em quais contextos e condições se inserem os personagens que, ao concluírem a
educação básica, aspiram ingressar no ensino superior. Penso que as teorizações no
referido campo, ao focalizarem as relações entre conhecimento e poder, nos auxiliam a
refletir acerca dos mecanismos de inclusão/exclusão dos vestibulandos de origem
popular nas universidades públicas brasileiras. Todo esse debate pode nos auxiliar a
enfrentar os desafios colocados na tarefa de democratizar o acesso a um ensino superior
de qualidade por estudantes dos diversos extratos socioeconômicos, o que caracterizaria
um estado democrático como o Brasil.
14
Minha opção por investigar, especificamente, o PVS/CEDERJ parte de fatores
que tanto possibilitaram um maior acesso ao material humano e documental, quanto
permitiram reflexões pertinentes à pesquisa. Destaco, em primeiro lugar, uma maior
facilidade no acesso às fontes de estudo, uma vez que, atuando no PVS/CEDERJ, tenho
maior acesso à coordenação que elabora o currículo de Biologia, aos professores que
desenvolvem o mesmo com os alunos, e ao acervo documental que a instituição possui.
Em segundo lugar, entendo que, diferentemente de outros Pré-vestibulares sociais, o
PVS/CEDERJ é uma iniciativa oficial, produzida pelo Estado do Rio de Janeiro que,
dessa maneira, reconhece que o seu sistema educacional possui lacunas, não dando ao
estudante do Ensino Médio da SEEDUC a formação necessária para que este consiga
acesso a uma universidade pública de qualidade. Por fim, em terceiro lugar, vejo
vantagens em investigar uma iniciativa oficial cuja organização curricular é produzida
coletivamente por uma coordenação, em mecanismos que se distinguem daqueles
vividos em outros Pré-Vestibulares Sociais, nos quais a seleção e a organização
curricular são, muitas vezes, definidas individualmente por cada professor envolvido.
Assim, delimitados o tema e o problema específico a ser desenvolvido nesse
trabalho, busco responder às seguintes questões:
1. Que conteúdos de Biologia os professores têm privilegiado no
PVS/CEDERJ?
2. Como esses conteúdos têm sido selecionados e organizados?
3. Que critérios têm orientado a seleção e a organização curricular desses
conteúdos de ensino?
4. Como esses critérios dialogam com as tradições curriculares da área?
Tomando como referência as questões anteriormente apresentadas, pretendo
articular a análise curricular com as possíveis condições sociais em que os personagens
dessa discussão estão inseridos, procurando responder a uma questão mais ampla, assim
formulada:
Como essa seleção e organização dos conhecimentos escolares em Biologia
participam das lutas mais amplas em torno da distribuição social do
conhecimento?
Para realizar essa tarefa, desenvolvi essa dissertação em três capítulos. No
primeiro capítulo, analiso dissertações e teses que abordam os temas Pré-vestibular
15
Social, currículo e ensino de Biologia, procurando evidenciar as lacunas existentes na
abordagem do tema e as contribuições do presente trabalho para avançar o
conhecimento na área. No segundo capítulo, defino o campo teórico-metodológico de
minha investigação, dialogando com o campo do Currículo e, em especial, com
produções que problematizam os currículos de Ciências e Biologia, além de apresentar e
problematizar as minhas fontes de estudo. No terceiro capítulo, trato do currículo da
disciplina escolar Biologia do PVS/CEDERJ, analisando-a em meio ao hiato existente
entre o que é oferecido pela Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro para o
ensino médio e o ENEM. Na análise, busco considerar as relações entres esses
currículos, assim como as possíveis forças que permeiam a construção e a relação entre
esses currículos, o que, por sua vez, me permite refletir acerca de como a organização e
a seleção dos conhecimentos escolares em Biologia participam das lutas mais amplas
relativas à distribuição social do conhecimento em nosso estado.
16
CAPÍTULO I
Diálogos com a produção acadêmica brasileira
Antes de iniciar a apresentação da abordagem teórica deste trabalho, e buscando
contribuições teórico-metodológicas em outros estudos que focalizam aspectos
semelhantes aos do presente projeto, analiso trabalhos que abordam os temas Pré-
Vestibular Social, Currículo e ensino de Biologia, buscando identificar: (a) a
metodologia adotada; (b) os principais conceitos utilizados; (c) as principais referências
bibliográficas, em especial aquelas que sinalizam diálogos com curriculistas; (d) a
noção de currículo assumida pelos autores. Para tanto, divido o presente capítulo em
três seções, as quais correspondem, em ordem de abordagem, aos seguintes
levantamentos: um primeiro, voltado para as dissertações e teses produzidas entre 1999
e 2012 que possuem como foco os Pré-Vestibulares Sociais; um segundo, focado nas
dissertações e teses que foram produzidas, entre 2008 e 2012, no grupo de pesquisa do
CNPq do qual participo – o Núcleo de Estudos de Currículo da Faculdade de Educação
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NEC/UFRJ) –; um terceiro, no qual incluí,
além de dissertações e teses produzidas entre 2004 e 2011, textos que abordam o ensino
da disciplina escolar Biologia. Nesse empreendimento, busco mapear os estudos já
existentes na área, evidenciando semelhanças e dissemelhanças entre eles e com a
proposta que foi delineada nesse estudo.
I. 1. Sobre os Pré-Vestibulares Sociais
A fim de buscar trabalhos que abordem o tema Pré-Vestibular Social, consultei
os bancos de teses e dissertações dos portais da Capes e da Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações (BDTD), utilizando como critério de busca os termos ‘pré-
vestibulares sociais’ e ‘pré-vestibulares comunitários’. Como resultado dessa pesquisa,
encontrei um total de dezoito teses e sessenta dissertações, das quais uma tese e cinco
dissertações foram encontradas no portal da Capes, enquanto dezessete teses e cinquenta
e cinco dissertações foram encontradas no portal da BDTD.
Deste total de trabalhos, apenas dez apresentam maior proximidade temática
com o presente estudo, uma vez que, diferentemente de outros trabalhos, se dedicam a
refletir sobre os Pré-Vestibulares Sociais a partir do histórico dos seus atores, desde
alunos e ex-alunos, até professores e coordenadores. Além disso, esses estudos também
17
se aproximam da temática de minha dissertação por conceberem os Pré-Vestibulares
Sociais como espaços em que, através do ensino, tais atores participam de lutas mais
amplas por condições sociais mais justas e igualitárias. São elas: nove dissertações de
mestrado (NASCIMENTO, 1999; SANGER, 2003; VALERIANO, 2006;
BARCELLOS, 2007; SANTOS, 2007; SAFFIOTTI, 2008; NASCIMENTO, 2009;
CORRÊA, 2011; BARROUIN, 2012) e uma tese de doutorado (SILVA, 2006).
Nascimento (1999) abordou a história, as concepções e as práticas político-
pedagógicas dos Cursos Pré-Vestibulares Populares por meio da análise de documentos
e depoimentos de lideranças do Movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes
(PVNC). Com esse estudo, o autor analisa a relação entre movimentos sociais,
cidadania e educação, além de verificar as possibilidades que os Cursos Pré-Vestibulares
Populares têm de se constituírem como movimentos de construção de relações
educacionais democráticas. Como resultado dessa análise, o estudo conclui que os
Cursos Pré-Vestibulares Populares podem apresentar-se como movimentos sociais
expressivos, capazes de combater a exclusão social, a discriminação e o racismo.
Sanger (2003) se propôs a apresentar e discutir as iniciativas desenvolvidas em
dois Cursos Pré-Vestibulares para Negros e Carentes de Porto Alegre, no que diz
respeito ao ingresso de estudantes negros e pobres no ensino superior. Para isso, analisa
documentos e formula entrevistas com coordenadores e alunos de ambos os cursos pré-
vestibulares. Os resultados dessa pesquisa convergem para a reafirmação do
reconhecimento do preconceito e da discriminação sofridos pelos negros e pobres na
sociedade e, ao mesmo tempo, o reconhecimento de lideranças negras que vêm
propondo ações para a superação desse quadro social.
Valeriano (2006) procurou conhecer e analisar as motivações e aspirações dos
alunos inseridos nos Cursos Pré-Vestibulares Populares para Negros e Carentes da ONG
Educafro, assim como a inserção desses jovens no ensino superior e no mercado de
trabalho, considerando os mecanismos de inclusão e exclusão da população negra no
sistema educacional brasileiro. Ao longo dessa análise, o estudo trata de questões
relacionadas aos mecanismos de impedimento dos negros ao ensino superior e os
mecanismos capazes de reverter esse quadro. Para tanto, o trabalho realizou análise de
documentos, entrevistas com professores e coordenadores, além de questionários com
os alunos de Cursos Pré-Vestibulares Populares para Negros e Carentes da Ong
Educafro. Como resultado dessa pesquisa, o estudo apontou que os alunos dos núcleos
estudados buscam na ONG Educafro uma alternativa de inserção no ensino superior,
18
vislumbrando um melhor posicionamento no mercado de trabalho.
Barcellos (2007) analisou a experiência de jovens oriundos de cursos pré-
vestibulares comunitários e que, atualmente, são universitários da PUC-Rio,
considerando, na trajetória desses estudantes, o papel do projeto Bolsa de Ação Social,
que possibilita a formação gratuita para jovens impossibilitados de arcar com os custos
relativos a um curso superior. O estudo considerou também o papel das propostas
político-pedagógicas de alguns cursos pré-vestibulares comunitários, que se
caracterizam por promover mudanças nas concepções dos alunos frente ao mundo. A
estruturação metodológica desse estudo se baseou em entrevistas com os bolsistas da
PUC-Rio e da observação-itinerante. O estudo concluiu que, em um espaço estruturado
para um perfil discente específico, como é o caso da PUC-Rio, os alunos bolsistas se
apropriam desse espaço na medida em que criam táticas para enfrentar impasses e
diferenças, corroborando antigos paradigmas e, ao mesmo tempo, ressignificando-os.
Santos (2007) abordou, como objeto de pesquisa, o projeto político do curso Pré-
Vestibular Social criado pela ONG Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré
(CEASM), cuja proposta, além de aumentar o acesso dos estudantes moradores da Maré
ao ensino superior, é formar cidadãos capazes de reverter as condições opressivas às
quais estão submetidos. Exposto esse cenário, o estudo busca, por meio de entrevistas
com universitários da PUC-Rio que foram alunos do CPV-Maré, verificar se as
expectativas do curso Pré-Vestibular se realizaram. Os resultados constataram que os
universitários entrevistados fizeram da universidade um espaço privilegiado de luta por
reconhecimento, o que vai ao encontro das expectativas do CPV-Maré.
Saffiotti (2008) objetivou identificar e discutir crises e transformações
psicossociais pelas quais passaram estudantes de um curso Pré-Vestibular Popular de
São Paulo, considerando que os cursos populares assumem a tentativa de favorecer o
acesso de estudantes de camadas sociais desprivilegiadas à universidade pública. Para
tanto, o estudo se baseou na memória dos atores envolvidos, de modo a promover, como
metodologia, a reconstrução autobiográfica do autor e entrevistas com ex-alunos do
curso Pré-Vestibular Popular analisado. Os resultados desse estudo mostraram que a
postura dos professores e demais agentes do curso em questão foi fundamental para a
mudança na relação dos alunos com o estudo e a cultura escrita, e que a experiência em
comunidade fomentou, nesses ex-alunos, a consideração de uma possibilidade de
superação, por meio do estudo, das experiências de humilhação social passadas.
Nascimento (2009) buscou delinear fatores que levaram jovens de camadas
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populares à aspiração por ingressar no ensino superior. Para tanto, aplicou questionários
abertos a coordenadores, além de entrevistar e aplicar questionários fechados a alunos
de pré-vestibulares sociais. A partir disso, concluiu que, apesar de as motivações
estarem ligadas ao cotidiano e à biografia individual de cada jovem, um importante
ponto comum a essas motivações é a percepção do ensino superior como uma estratégia
para a melhoria de sua condição econômica.
Corrêa (2011) procurou analisar a trajetória de ex-alunos de um curso Pré-
Vestibular Popular de Campinas, São Paulo, buscando identificar pontos comuns a essas
trajetórias que possam ter contribuído para a manutenção desses alunos na escola, além
de possíveis contribuições da instituição na formação de uma visão crítica em relação ao
sistema educacional do país. Para tanto, realizou entrevistas com ex-alunos do curso
Pré-Vestibular analisado. O estudo concluiu que esse curso contribuiu
significativamente para a formação do senso crítico e militância desses alunos, em
detrimento do corpo docente do ensino médio, que praticamente não orientava os alunos
em relação ao prosseguimento escolar. Além disso, a pesquisa aponta que as lutas
relacionadas aos obstáculos e desafios presentes nas trajetórias desses ex-alunos
continuam na universidade. Diante dessas conclusões, o estudo indica uma contradição
no próprio curso Pré-Vestibular Popular analisado, na medida em que esse busca
aumentar o acesso de estudantes de classe trabalhadoras ao ensino superior e, em
contrapartida, estimula a formação de um pensamento crítico em relação ao sistema
educacional brasileiro.
Barrouin (2012) investigou formas particulares de articulação entre juventude e
política, dentro do contexto contemporâneo brasileiro, tomando a educação popular
como centro, por meio dos cursos pré-vestibulares comunitários. Ao longo do trabalho,
o autor propôs uma reflexão sobre a construção da subjetivação política desses
estudantes dentro do espaço dos cursos pré-vestibulares comunitários, e como essa
construção se reflete nas práticas cotidianas desses alunos na universidade. Para tanto, a
pesquisa utilizou a metodologia da cartografia e da imagem. Como produto resultante
desse trabalho, foi realizado um documentário com os sujeitos da pesquisa, a fim de
ampliar, para além da academia, as reflexões e os debates relativos ao tema de estudo.
Silva (2006) procurou mensurar em que medida o ensino de Biologia contribui
para as mudanças dos níveis de analfabetismo científico. Para isso, tomando por
referência as matrizes de competências do ENEM, e tendo professores e alunos de
cursos pré-vestibulares como sujeitos de pesquisa, foram realizados simulados com os
20
alunos de cursos pré-vestibulares comunitários, além de entrevistas com professores de
Biologia desses cursos. A pesquisa aponta, como resultado, a necessidade de revisão
crítica do ensino de Biologia nos cursos pré-vestibulares comunitários, no sentido de
desenvolver medidas para o estímulo da criticidade e da participação político-social dos
alunos, a fim de possibilitar a superação de práticas sociais excludentes.
O quadro a seguir caracteriza, de modo geral, os trabalhos aqui analisados,
definindo suas estratégias metodológicas, os principais conceitos utilizados e suas
principais referências bibliográficas.
Quadro 1 – Trabalhos relativos a Pré-Vestibulares Sociais
Estudo Metodologia Principais
Conceitos
Principais referências
bibliográficas
NASCIMENTO, A. Movimentos
Sociais, Educação e Cidadania:
um estudo sobre os cursos Pré-
Vestibulares Populares.
Dissertação de Mestrado. UERJ,
1999.
Análise
documental e
entrevistas.
Democracia,
cidadania,
autonomia,
identidade e
interculturalismo.
Castoriadis (1987, 1992,
1997); Oliveira (1991, 1994,
1995); McLaren (1997);
Amorim (1995); Benevides
(1994); Ferreira (1995);
Canivez & Frigotto (1995);
Gentili (1995); Gohn (1992
e 1997); Gramsci (1995).
SANGER, D. S. Para além do
ingresso na universidade –
Radiografando os cursos pré-
vestibulares para negros e Porto
Alegre. Dissertação de
Mestrado. UFRGS, 2003.
Etnografia,
análise
documental e
entrevistas.
Raça, racismo,
preconceito e
ação afirmativa.
Munanga (1996); Guimarães
(2000).
VALERIANO, S. M. S. Um
estudo de ideologia. Educação
cidadã: uma análise sobre as
motivações e aspirações dos
alunos da ONG Educafro.
Dissertação de Mestrado. Univ.
Metodista de SP, 2006.
Análise
documental,
formulação de
entrevistas e
questionários.
Cidadania,
inclusão e ação
afirmativa.
Freire (1996); Munanga
(1986); Nascimento, (1999);
Ribeiro (2000).
BARCELLOS, L. Jovens de
Pré-Vestibulares Comunitários
na PUC-Rio: experiências e
táticas no convívio com a
alteridade. Dissertação de
Mestrado. PUC-Rio, 2007.
Entrevistas e
observação-
itinerante.
Modos de
subjetivação,
contemporaneidad
e e alteridade.
Certeau (2004).
SANTOS, S. B. O Sentido
Político do Pré-Vestibular
Comunitário da Maré: adesões
e resistências. Dissertação de
Mestrado. UERJ, 2007.
Análise
documental e
entrevistas.
Intelectual
orgânico e política
de
reconhecimento.
Gramsci (1968); Taylor
(1994, 1995).
SAFFIOTTI, A. Crise e
transformação: um estudo sobre
a experiência de alunos de
baixa renda num cursinho
popular. Dissertação de
Mestrado. USP, 2008.
Autobiografia
e entrevistas.
Memória, cultura
de resistência,
ação e
comportamento.
Benjamim (1993, 1994);
Bosi (1994, 2003);
Thompson (2002); Queiroz
(1983, 1988).
NASCIMENTO, E. Jovens e
educação superior: as
Questionários
e entrevistas.
Juventude;
condição juvenil;
Abramo (1997);
Touraine (1994);
21
aspirações de estudantes de
cursos pré-vestibulares
populares. Dissertação de
mestrado. USP, 2009.
trajetória-tentativa Guimarães (2006);
Bourdieu (2007).
CORRÊA, L. Cursinho
popular: Estudo sobre a
trajetória de estudantes das
classes trabalhadoras.
Dissertação de Mestrado. PUC-
Campinas, 2011.
Análise
documental e
entrevistas.
Volume e
composição de
capital (cultural,
econômico,
social, simbólico);
poder; reprodução
e regulação social
Bourdieu & Passeron
(2008).
BARROUIN, A. Juventude e
Política: o Pré-Vestibular
Comunitário enquanto espaço
de subjetivação. Dissertação de
Mestrado. PUC-Rio, 2012.
Pesquisa-
intervenção.
Tensionamento do
sistema
educacional,
agenciamentos
coletivos de
enunciação,
subjetividade
política e
revolução
silenciosa.
Santos (2005); Guattari &
Rolnik (1980, 1992, 2007);
Miranda (1996, 2000, 2002);
Dauster (2004).
SILVA, M. Aprender para a
vida ou para o vestibular? O
alfabetismo científico e a
construção social de conceitos
biológicos entre estudantes de
Cursos Pré-Vestibulares
Comunitários. Tese de
Doutorado. PUC-Rio, 2006.
Formulação de
simulados e
entrevistas.
Alfabetismo,
letramento,
literacia,
deficiência
cultural,
conhecimento
científico.
Chassot (2000); Soares
(1996, 1999); Graff (1990);
Bourdieu & Passeron
(1975).
Produzindo uma análise geral e comparativa entre esses trabalhos, podemos
perceber semelhanças e distinções quanto à abordagem metodológica e o embasamento
teórico. No que se refere ao primeiro aspecto – isto é, a abordagem metodológica –, as
pesquisas baseiam-se na análise de documentos, entrevistas e/ou questionários,
considerando as condições sócio-históricas nas quais os atores analisados estão
envolvidos. É o caso, por exemplo, de Saffiotti (2003, p. 43), cuja “pesquisa adotou
como instrumentos a reconstrução autobiográfica do pesquisador no Cursinho Popular
(como aluno no ano de 1995) e o depoimento de alunos egressos do cursinho, a partir de
um roteiro de entrevistas (Cf. GONÇALVES FILHO, 2003).” Tais metodologias ainda
se combinam com a observação, que aparece como “imersões nas salas de aula (...), das
quais resultaram registros e relatos das observações” (SANGER, 2003, p. 15), como
“observação-itinerante” (BARCELLOS, 2007, p. 71) ou como “observação direta”
(NASCIMENTO, 1999, p. 14). Observe o que destaca Nascimento (1999, p. 14):
A leitura de documentos, a convivência com coordenadores,
professores e alunos, a observação direta e as entrevistas realizadas
com as principais lideranças dos Cursos Pré-Vestibulares Populares,
forneceram elementos importantes e fundamentais para a análise. Das
22
entrevistas utilizamos os fragmentos mais expressivos.
Além da observação, a análise de documentos, entrevistas e/ou questionários
também aparece combinado, nesses estudos, ao uso de métodos quantitativos. É o caso
de Nascimento (2009, p. 44-45), que produziu sua pesquisa “por meio do perfil
estatístico (quantitativo) e de entrevistas (qualitativas) versando sobre a trajetória de
jovens de camadas populares na sua aspiração à educação superior”. É também o caso
de Silva (2006, p. 66), que associa métodos quantitativos e qualitativos diversos:
As técnicas de pesquisas utilizadas neste estudo de campo foram as
mais usuais nos estudos de natureza qualitativa, embora tenhamos
também recorrido a dados estatísticos como fonte para as análises.
Empregou-se os métodos de análise documental, entrevistas coletivas
por meio de grupo focal e aplicação e análise de questionários.
Diferentemente dos demais, o trabalho de Barrouin (2012) é o único que não
utiliza documentos, entrevistas e/ou questionários, estando situado apenas na área da
pesquisa-intervenção. Nela, a cartografia de Deleuze & Guattari (1995) é a principal
referência metodológica, sendo utilizada a produção audiovisual de um documentário
envolvendo os sujeitos pesquisadores e pesquisados, conforme evidenciado abaixo:
O método da cartografia e as discussões sobre o lugar da imagem
técnica no contemporâneo (JOBIM E SOUZA, 2011; GODINHO,
2011) são as principais referências para nossa construção
metodológica. A cartografia nos guiou pelas diferentes experiências
no campo dos pré-vestibulares comunitários, até a definição da
Associação Mangueira Vestibulares como campo de pesquisa. Já as
considerações sobre a importância das imagens na contemporaneidade
motivaram a criação de uma narrativa audiovisual sobre a dimensão
política desse movimento social, construindo um documentário
coletivamente com os sujeitos da pesquisa na intenção de ampliar o
debate para além dos limites da academia (BARROUIN, 2012, p. 6).
Quanto ao segundo aspecto por meio do qual percebemos semelhanças e
distinções entre os trabalhos investigados – qual seja, o embasamento teórico –, há uma
interessante diversidade na apropriação de conceitos e de autores. A dissertação de
Nascimento (1999), por exemplo, apresenta e discute os conceitos de ‘democracia’,
23
‘cidadania’, ‘autonomia’, ‘identidade’ e ‘interculturalismo’, dialogando com autores
como Castoriadis (1987, 1992, 1997), Oliveira (1991, 1994, 1995), McLaren (1997),
Amorim (1995), Benevides (1994), Ferreira (1995), Frigotto (1995), Gentili (1995),
Gohn (1992, 1997) e Gramsci (1995). Já a dissertação de Sanger (2003), ao abordar os
conceitos de ‘raça’, ‘racismo’, ‘preconceito’ e ‘ação afirmativa’, dialoga com os
referenciais teóricos de Munanga (1996) e Guimarães (2000) e se aproxima de
Valeriano (2006), uma vez que a mesma também se utiliza da noção de ‘ação
afirmativa’, aliando-a aos conceitos de ‘cidadania’ e ‘inclusão’ por meio do diálogo com
Freire (1996), Munanga (1986), Nascimento (1999) e Ribeiro (2000).
Em outro conjunto de textos, a dissertação de Santos (2007) emprega os
conceitos de ‘intelectual orgânico’ e ‘política de reconhecimento’, dialogando,
respectivamente, com Gramsci (1968) e Taylor (1994, 1995). Já a dissertação de
Saffiotti (2008) trabalha com os conceitos de ‘memória’, ‘cultura de resistência’, ‘ação’
e ‘comportamento’, dialogando com Benjamim (1993, 1994), Bosi (1994, 2003),
Thompson (2002) e Queiroz (1983, 1988). A dissertação de Nascimento (2009), por sua
vez, ao utilizar os conceitos de ‘juventude’, ‘condição juvenil’ e ‘trajetória-tentativa’, no
diálogo com Bourdieu (2007), Abramo (1997), Touraine (1994) e Guimarães (2006), se
aproxima da dissertação de Corrêa (2011), que se embasa em Bourdieu & Passeron
(2008) ao operar com os conceitos de ‘volume e composição de capital (cultural,
econômico, social, simbólico)’, ‘poder’, ‘reprodução social’ e ‘regulação social’.
Em um terceiro conjunto de estudos, a questão do sujeito é abordada mais
centralmente por meio dos conceitos como, por exemplo, ‘subjetivação’,
‘contemporaneidade’ e ‘alteridade’, que são apropriados por Barcellos (2007) no
diálogo com Certeau (2004). Ela também se destaca na dissertação de Barrouin (2012),
que utiliza os conceitos de ‘tensionamento do sistema educacional’ (SANTOS, 2005),
‘agenciamentos coletivos de enunciação’ (GUATTARI & ROLNIK, 1980),
‘subjetividade política’ (CASTRO, 2008a) e ‘revolução silenciosa’ (DAUSTER, 2004).
Por fim, em um último movimento, Silva (2006) aborda os conceitos de ‘alfabetismo’
ou ‘letramento’ tomando como referência Chassot (2000), Soares (1996) e Graff (1990).
Em uma análise mais geral, evidenciamos que os trabalhos aqui investigados
conversam mais com autores com os quais o campo do Currículo dialoga no país do que
com os próprios curriculistas brasileiros. A dissertação de Nascimento (1999), por
exemplo, conversa com McLaren & Gutierre (1996) quando expõe que o
multiculturalismo crítico está comprometido, acima de tudo, com a questão ética da
24
solidariedade dos grupos culturalmente dominados. Esse mesmo trabalho também
conversa com Silva (1996a) ao defender que a presente ofensiva neoliberal necessita ser
vista como uma luta para criar as próprias categorias, noções e termos por meio dos
quais se pode definir a sociedade e o mundo. Ele conversa, ainda, com o conceito de
‘intelectual’ de Gramsci (1995), para quem o mesmo tem papel essencial na
organização da cultura, em um movimento semelhante ao que é feito por Santos (2007)
quando igualmente conversa com Gramsci (1968), entendendo que o ‘intelectual
orgânico’ é aquele que luta pela construção e consolidação do domínio de um grupo
social sobre outro ou, ainda, pela emancipação de grupos sociais dominados.
Já a dissertação de Valeriano (2006) dialoga com a concepção de ‘educação
cidadã’ de Paulo Freire (1996) para uma melhor reflexão sobre a importância
emancipatória e socialmente transformadora do trabalho desenvolvido pelo Pré-
Vestibular Social da ONG Educafro. A dissertação de Barcellos (2007), por sua vez,
conversa com os conceitos de ‘táticas’ desenvolvidos por Certeau (2004), para o qual,
em meio a um espaço visível, controlado, regrado e planejado, coexistem ‘maneiras de
fazer’ criativas dos sujeitos nele inseridos. Já Barrouin (2012) dialoga com o conceito
de ‘subjetividade capitalística’ de Guattari (2007), apontando para a existência de forças
hegemônicas que, amparadas pelos meios de comunicação de massa, influenciam os
processos de subjetivação dos indivíduos, normatizando condutas e formas de existir.
Por fim, evidenciamos que um conjunto significativo dessas produções dialoga
com Pierre Bourdieu. A dissertação de Nascimento (2009), por exemplo, dialoga com
Bourdieu (2007) ao abordar as diferenças de condições entre classes sociais, diferenças
essas potencializadas pela luta de concorrência por qualificação verificadas nas
trajetórias escolares de estudantes de origens sociais distintas. Já a tese de Silva (2006)
conversa com a teoria da reprodução de Bourdieu & Passeron (1975), segundo a qual a
função da escola tem sido de manter e perpetua a estrutura social e suas desigualdades,
conferindo privilégios a determinados grupos sociais em detrimento de outros. Também
a dissertação de Corrêa (2011) conversa com Bourdieu & Passeron (2008) por meio da
teoria da reprodução, explicitando os mecanismos perversos e obscurecidos de
desigualdade reproduzidos pelo sistema escolar, os quais possibilitam, dentro da escola,
a legitimação de diferenças de origem social, cultural e econômica, por meio de
classificações de empenho. Conversando especificamente com Bourdieu (2008), o
mesmo trabalho aborda o conceito de volume de capital (cultural, econômico, social,
simbólico), que marca a posição relativa das classes no espaço social e influencia a
25
trajetória e o desempenho dos estudantes, mas que, no sistema escolar brasileiro, não é
considerado como critério de avaliação dos resultados dos estudantes.
Tomando como referência a análise das dez produções aqui realizada, em meio
ao levantamento inicial que produzi e no qual encontrei setenta e oito pesquisas, pude
verificar que a produção acadêmica brasileira relativa a esse tema, apesar de pequena, é
significativa e se localiza em diversos programas de pós-graduação do país.
Relativamente aos trabalhos aqui analisados, posso afirmar que, de modo geral, o
presente estudo apresenta similaridades com os trabalhos já realizados sobre o tema,
uma vez que se apoia em uma perspectiva crítica de currículo e investe na associação de
documentos e entrevistas como fontes privilegiadas de estudo. Entretanto, encontrei
poucos trabalhos que focam na disciplina escolar Biologia que é ministrada em Pré-
Vestibulares sociais. Essa pode ser considerada uma das principais dissemelhanças entre
a minha pesquisa e a majoritária produção acadêmica sobre o tema, na medida em que,
à luz das teorias curriculares, busco pesquisar esse componente curricular em meio às
lutas sociais mais amplas pela equidade social, luta esta legitimada pelos princípios que,
de certo modo, sustentam a criação dos Pré-Vestibulares Sociais.
No que diz respeito a trabalhos que articulam reflexões sobre Pré-Vestibulares
Sociais e a disciplina escolar Biologia, consta, dentre as produções aqui analisadas, a
tese de doutorado de Silva (2006), que busca investigar em que medida o ensino de
Biologia contribui para o desenvolvimento do alfabetismo científico nos Pré-
Vestibulares Sociais. Este trabalho dialoga de modo estreito com minha dissertação por
questionar em que medida os programas de vestibular influenciam os currículos dos
Pré-Vestibulares Sociais, o que evidencia uma preocupação relativa ao currículo de
Biologia tanto dos Pré-Vestibulares Sociais quanto dos programas de vestibular,
característica comum aos dois trabalhos. Entretanto, Silva (2006) defende que a
influência dos programas de vestibular tende a ofuscar parcialmente o objetivo de
transformação social que caracteriza dos Pré-Vestibulares Sociais, pensamento que se
diferencia de minha dissertação, pois considero que a tentativa de corresponder às
demandas dos programas de vestibular compõe o arsenal de ferramentas que servem à
luta mais ampla pela transformação social através da distribuição social do
conhecimento.
Tomando a disciplina escolar Biologia como eixo analítico por meio do qual
reflito acerca dos Pré-Vestibulares Sociais, destaco o quanto o referencial teórico aqui
adotado constitui um importante aspecto que confere uma especificidade a esse estudo.
26
Afinal, diferentemente dos trabalhos aqui analisados, minha pesquisa se alicerça, em
especial, nas tradições disciplinares propostas por Goodson (2001) e ressignificadas por
autores brasileiros como Ferreira (2005, 2012 e 2013) e Gomes (2008, 2012 e 2013). A
ideia é entender como os padrões de evolução sócio-histórica da disciplina escolar
Biologia influenciaram as suas funções e posições nos Pré-Vestibulares Sociais,
transcendendo uma visão disciplinar a-histórica ou, como Goodson (2001) chamava a
atenção, ultrapassando a visão das disciplinas como sendo monólitos homogêneos,
desinteressados, baseados em uma sequência lógica de conteúdos, sem disputas e/ou
jogos de interesses. É nesse movimento que o presente estudo se insere em meio às
produções do NEC/UFRJ.
I. 2. Sobre a inserção desse estudo no NEC/UFRJ
Como já anteriormente explicitado, esse trabalho foi produzido no Grupo de
Estudos em História do Currículo, que é parte do Núcleo de Estudos de Currículo da
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NEC/UFRJ). O
NEC/UFRJ foi criado em 1992, no âmbito do Programa de Pós Graduação em
Educação da instituição (PPGE/UFRJ), acompanhando a intensificação, a partir da
década de 1990, dos estudos sobre a História do Currículo. Entretanto, já no final da
década de 1980, pesquisadores do que seria o NEC/UFRJ, sob a coordenação do
Professor Antônio Flávio Barbosa Moreira, deram início aos primeiros estudos que
buscavam compreender, a partir de perspectivas históricas, o desenvolvimento do
campo do currículo no Brasil.4Atualmente, sob a orientação de pesquisadores como Ana
Maria Monteiro, Carmen Teresa Gabriel, Marcia Serra Ferreira e Maria Margarida
Gomes, entre outros, o NEC/UFRJ vem se consolidando como um grupo de pesquisa
especialmente interessado nas disciplinas e conhecimentos acadêmicos e escolares.
Tomando o meu especial interesse pela História do Currículo e das Disciplinas,
parto do levantamento realizado por Fonseca (2013), ao qual somei os títulos dos
trabalhos de Fonseca (2014) e Lucas (2014), para destacar as produções – sete teses e
dezessete dissertações – que foram elaboradas no âmbito do NEC/UFRJ, nos últimos 10
anos, relacionadas a essa temática:
4 As informações sobre o Núcleo de Estudos do Currículo (NEC/UFRJ) aqui presentes foram retiradas do
homepage da Faculdade de Educação da UFRJ http://www.educacao.ufrj.br/nec e da tese de doutorado
de Fonseca (2014).
27
Quadro 2 – Dissertações e teses produzidas no NEC/UFRJ
Tipo Ano Título Autor
Tese 2005 A história da disciplina escolar ciências no Colégio
Pedro II (1960-1980). Marcia Serra Ferreira
Tese 2009
O currículo da disciplina escolar História no
Colégio Pedro II – a década de 1970, entre a
tradição acadêmica e a tradição pedagógica: a
História e os Estudos Sociais.
Beatriz Boclin Marques
dos Santos
Tese 2010
A história do currículo da Licenciatura em Química
da UFRJ: tensões, contradições e desafios dos
formadores de professores (1993-2005).
Elisa Prestes Massena
Tese 2011 Conhecimento e poder na história do pensamento
curricular Brasileiro. Lisete Jaehn
Tese 2012
A disciplinarização da música e a produção de
sentidos sobre educação musical: investigano o
papel da ABEM no contexto da lei. Nº
11.769/2008.
Silvia Garcia Sobreira
Tese 2013 Currículo de Geografia: analisando o conhecimento
escolar como discurso. Carolina Lima Vilela
Tese 2014
A disciplina acadêmica Didática Geral na
Faculdade Nacional de Filosofia (1939-1968):
arqueologia de um discurso
Maria Verônica
Rodrigues da Fonseca
Dissertação 2002
Entre o Ensino e a Assistência os dilemas das
disciplinas de propedêutica clínica e de medicina
interna I da faculdade de medicina da UFRJ.
Francisco Sérgio Strauss
Vasques
Dissertação 2002
História da Disciplina Didática Geral em um Escola
de Formação de Professores: (re)apropriação de
discursos acadêmicos nas décadas de 1980 e 1990.
Josefina Carmen Diaz de
Mello
Dissertação 2003 A Disciplina Psicologia e a Formação de
Professores- Uma Análise Sócio- histórica. Claudio Ramos Peixoto
Dissertação 2008 Sob o Nome e a Capa do Imperador: a criação do
Colégio Pedro II e a construção do seu currículo.
Fernando de Araújo
Penna
Dissertação 2008
Entre Especialistas e Docentes: Percursos
Históricos dos Currículos de Formação do
Pedagogo na FE/ UFRJ.
Maria Verônica
Rodrigues da Fonseca
Dissertação 2008
Políticas Curriculares para a Formação de
Professores em Ciências Biológicas: investigando
sentidos de prática.
Letícia Terreri Serra
Lima
Dissertação 2009
Sentidos de prática na formação de professores:
investigando a reforma curricular da licenciatura
em história da FAFIC - RJ, nos anos 2000.
Marcele Xavier Torres
Dissertação 2009 O Ensino de Sociologia no Colégio Pedro II (1925 -
1941).
Jefferson da Costa
Soares
Dissertação 2009 Educação ambiental na escola: Diálogos com as
disciplinas escolares Ciências e Biologia.
Cecilia Santos de
Oliveira
Dissertação 2009 Investigando Ações de Educação Ambiental no
Currículo Escolar.
Lucimar Bezerra
Araruna
Dissertação 2010
Investigando a Disciplina Escolar Educação
Ambiental em Armação de Búzios, RJ: entre
histórias e políticas de currículo.
André Vitor Fernandes
dos Santos
Dissertação 2011
Currículo de Ciências (1950/70): influências do
professor Ayrton Gonçalves da Silva na
comunidade disciplinar e na experimentação
didática.
Daniela Fabrini Valla
Dissertação 2011
Modernização e retórica evolucionista no currículo
de Biologia: Investigando livros didáticos das
décadas de 1960/70.
Diego Amoroso
Gonzalez Roquette
28
Dissertação 2011 Sentidos de Prática em Currículo de Curso de
Pedagogia.
Maria da Conceição
Maggioni Poppe
Dissertação 2012 Currículo de Ciências: investigando sentidos de
formação continuada como extensão universitária.
Karine de Oliveira
Bloomfield Fernandes
Dissertação 2013 Sentidos de Educação Física Escolar nos currículos
de Pedagogia da UFRJ (1992-2008)
Marcelo da Cunha
Mattos
Dissertação 2014
Formação de professores de Ciências e Biologia nas
décadas de 1960/70: entre tradições e inovações
curriculares
Mariana da Costa Lucas
Desse total, sete dissertações e três teses se aproximam de maneira mais estreita,
quanto à temática, ao presente trabalho, uma vez que refletem sobre seus objetos de
estudo à luz da história do currículo, alicerçando-se em autores comuns à minha
dissertação, como Goodson (1995, 1997 e 2001) e Chervel (1990). São elas: as teses de
Ferreira (2005), Jaehn (2011) e Fonseca (2014); as dissertações de Lima (2008),
Oliveira (2009), Santos (2010), Valla (2011), Roquette (2011), Fernandes (2012) e
Lucas (2014). A seguir, descrevo sucintamente cada um desses trabalhos, abordando
seus respectivos objetivos, metodologias e resultados, com vistas a justificar a opção
que fiz em dialogar mais centralmente com tais produções do NEC/UFRJ.
No que se referem às teses, Ferreira (2005) teve por objetivo investigar os
mecanismos que propiciaram estabilidades e modificações no currículo, nos conteúdos e
nos métodos de ensino da disciplina escolar Ciências, ministrada nas quatro últimas
séries do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II, no período de 1960 a 1980. Para
realizar essa tarefa, a autora realizou análise de documentos e entrevistas com
profissionais da referida instituição. Os resultados dessa pesquisa apontaram para a
presença dos catedráticos como um importante mecanismo estabilizador da disciplina
estudada, enquanto a ausência de espaço físico próprio, o caráter generalista, as
mudanças das maneiras de recrutamento docente e o fim das cátedras, foram alguns dos
fatores que colaboram para as renovações curriculares da disciplina escolar.
Em diálogo com Ferreira (2005), Jaehn (2011) investigou as diferentes formas
da relação entre conhecimento e poder na história do pensamento curricular brasileiro,
no período que compreende a década de 1920 até a primeira década de 2000. Para tanto,
realizou pesquisa bibliográfica e documental, a partir da qual evidenciou concepções de
currículo que se sucederam ao longo do período analisado: controle social até a década
de 1970; controle social dialético na década de 1980 e até meados da década de 1990; e
regulação social a partir da a partir da segunda metade da década de 1990. Também
nesse diálogo, Fonseca (2014) produziu um estudo arqueológico sobre a história da
disciplina acadêmica Didática Geral, entre 1939 e 1968, na Faculdade Nacional de
29
Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Investigando documentos curriculares, a autora indicou a emergência da
Didática Geral buscando responder às demandas de um novo modelo de escolarização
em face da nova organização política e econômica brasileira dos anos de 1930 a 1950.
Fonseca (2014) investigou a história da disciplina acadêmica Didática Geral na
Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil, no período
compreendido desde 1939 a 1968, de modo a tentar compreender a prática discursiva
que, gerada em torno desta disciplina, colaborou para que esta fosse considerada central
na formação inicial de professores, em nível superior, no Brasil. Para tanto, a autora
analisa documentos do chamado currículo escrito, tais como: ementas, programas,
resoluções, pareceres, e outros documentos de cunho geral, elaborados na própria
instituição, bem como leis, relatórios, estatutos, manifestos de grupos acadêmicos,
livros editados com a finalidade didática e outros materiais didáticos diversos guardados
em arquivos e produzidos ao longo do período estudado. Os resultados desta pesquisa
apontam que três enunciados, já presente nos anos de 1920 e 1930, possibilitaram uma
construção discursiva acerca da disciplina Didática como saber necessário ao professor
– a centralidade da aprendizagem, a cientificidade da educação e a formação docente em
nível universitário.
No caso das dissertações, Lima (2008) tem por objetivo compreender os
processos de produção e materialização das políticas de currículo para a formação
docente, em especial, nos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas de três
universidades públicas do Rio de Janeiro, focalizando como os sentidos de prática que
são construídos nesses processos. Para tanto, realiza a análise de documentos, como as
legislações elaboradas pelo Conselho Federal de Educação e documentos curriculares de
três cursos oferecidos no estado do Rio de Janeiro (UERJ, UFF e UFRJ), além de
depoimentos concedidos por professoras da referida disciplina. Os resultados desse
estudo apontam que a construção dos sentidos de prática está relacionada a processos de
recontextualização por hibridismo que aconteceram no passado e que continuam
acontecendo atualmente, os quais envolvem a hibridização entre tradições e inovações.
Oliveira (2009) e Santos (2010) estiveram, em suas dissertações, especialmente
interessados na disciplinarização da Educação Ambiental nos currículos escolares.
Oliveira (2009), por exemplo, buscou compreender os processos de inserção da
Educação Ambiental na escola por meio das disciplinas escolares Ciências e Biologia.
Analisando publicações dos Encontros de Ensino de Biologia realizados no Rio de
30
Janeiro e coletando depoimentos de quatro professores das referidas disciplinas, autores
de tais publicações, seus resultados indicaram que uma Educação Ambiental
tipicamente escolar vem sendo produzida nas disciplinas Ciências e Biologia, fortalece
tanto a primeira, que encontra espaço curricular para o seu desenvolvimento, quanto as
últimas, que se fortalecem por meio da inserção de questões sociais em seu currículo.
Santos (2010), por sua vez, objetivou compreender o conjunto de processos que levaram
à emergência da disciplina escolar Educação Ambiental no município de Armação dos
Búzios, RJ, ocorrida entre 2006 e 2008. Analisando documentos escritos e depoimentos
de profissionais que trabalharam na Secretaria Municipal de Educação no período, seus
resultados apontaram para as inúmeras razões que, somadas, contribuíram para a
emergência da disciplina escolar Educação Ambiental no citado município, sendo a
principal delas o fato de a organização disciplinar ter se imposto como uma forma
hegemônica de controlar o tempo e o espaço escolar.
Valla (2011) teve como objetivo compreender como a experimentação didática
foi introduzida nos currículos escolares, investigando a história da disciplina escolar
Ciências nos anos de 1950/70, e, mais especificamente, o ensino experimental e as
ações de um importante ator social do período: o professor Ayrton Gonçalves da Silva.
Analisando textos e materiais didáticos produzidos por esse professor, seus resultados
indicaram que o contexto histórico da Guerra Fria e, especialmente, o financiamento
estadunidense de projetos para a melhoria do ensino de Ciências em países do bloco
capitalista, propiciaram o desenvolvimento da experimentação didática nos currículos
escolares da época. Roquette (2011), investigando o mesmo período, analisou como
uma coleção de livros didáticos brasileiros de Biologia incorporou as mudanças que
ocorriam nas Ciências Biológicas e no seu ensino no âmbito do movimento renovador.
O autor constatou a presença de três fatores que, no material investigado, puderam
modernizar a disciplina escolar Biologia: um discurso relacionado aos avanços
tecnológicos e ao surgimento de novas técnicas; a matematização das Ciências
Biológicas, aspecto ligado, principalmente, aos adventos da Genética; e a presença de
uma retórica evolucionista marcada, especialmente, pelo uso da teoria da Evolução.
Fernandes (2012) objetivou investigar o percurso sócio-histórico inicial do
Projeto Fundão Biologia, visando compreender os sentidos de formação continuada de
professores que vieram sendo produzidos nos anos de 1980, em articulação com as
ações de extensão universitária realizadas nesse projeto. Para tanto, o trabalho realiza
análise de documentos do acervo do Projeto Fundão Biologia e entrevistas com
31
professoras/coordenadoras do mesmo. Os resultados dessa pesquisa apontam que o
Projeto Fundão associou metodologias ‘inovadoras’ ao uso do ‘método científico’ como
método de ensino, além de hibridizar sentidos de formação continuada que atendiam às
necessidades de ‘treinamento em serviço’ do SPEC/PADCT/CAPES e,
simultaneamente, satisfaziam os interesses da sua própria equipe. Por fim, Lucas (2014)
investigou os sentidos de conhecimento produzidos na Licenciatura em Ciências
Biológicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em meio à reforma
curricular que o curso passa, no final dos anos 1960, quando deixa de ser oferecido pela
Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) e passa a fazer parte do Instituto de Biologia
(IB) como curso de Ciências Biológicas. Também se valendo de documentos e
entrevistas, seus resultados indicam uma mescla de discursos naturalistas e
modernizadores do conhecimento biológico, que foi sendo regulado por um caráter
prático que constitui tanto a formação de professores quanto o ensino na área.
Lucas (2014) investiga os sentidos de conhecimento produzidos no curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
durante o período em que deixa de ser oferecido pela Faculdade Nacional de Filosofia
(FNFi) como curso de História Natural e passa a fazer parte do Instituto de Biologia
(IB) como curso de Ciências Biológicas. Para tanto, vale-se da análise de documentos
como a legislação do período, assim como documentos históricos e curriculares,
produzidos em meio à reforma do curso, além de três entrevistas semiestruturadas. Os
resultados dessa pesquisa apontam o caráter prático como uma regularidade presente na
formação de professores na área nas décadas de 1960/70, o que indica uma
ressignificação de lógicas tradicionais.
No quadro a seguir, organizo as produções anteriormente analisadas, resumindo
suas metodologias, seus principais conceitos e referências bibliográficas:
Quadro 3 – Trabalhos do NEC/UFRJ mais fortemente relacionados ao meu estudo
Estudo Metodologia Principais
Conceitos Principais referências bibliográficas
FERREIRA, M. S. A
história da disciplina
escolar ciências no
Colégio Pedro II
(1960-1980). UFRJ,
2005.
Análise
documental
e entrevistas.
Tradição
inventada,
status,
finalidades de
ensino,
documento,
estabilidade e
mudança e
mercado de
identidade
social
Chervel (1990), Julia (2001 e 2002),
Santos
(1990 e 1994), Goodson (1983a, 1983b,
1988,
1990, 1994, 1995a, 1995b, 1996, 1997,
1998, 1999 e 2001), Warde e Carvalho
(2000), Moreira (1994), Macedo (2001),
Goff (1996),
Thompson (1992), Lopes (1990, 1998,
1999, 2000) e Prins (1992)
JAEHN, L. Análise Controle social, Bourdieu (1983, 2008, 2009 e 2010),
32
Conhecimento e poder
na história do
pensamento curricular
Brasileiro. UFRJ, 2011.
documental. controle social
dialético,
regulação social
e campo social.
Chervel (1990 e 1999), Ferreira (2005),
Ferreira e Gomes (2000), Ferreira e
Moreira (2001), Ferreira e Jaehn (2010),
Goodson (1990, 1995, 1997, 1999, 2001
e 2008), Lopes (1999, 2007b e 2008),
Lopes e Macedo (2002, 2005 e 2007a),
Macedo (1996, 1997, 2002, 2004 e
2006), Moreira (1990, 1994, 1995, 1998,
2002a, 2002b, 2003, 2007, 2008, 2009a,
2009b, 2010a e 2010b) e Popkewitz
(1997, 2001 e 2008).
FONSECA, M. V. R.
A disciplina acadêmica
Didática Geral na
Faculdade Nacional de
Filosofia (1939-1968):
arqueologia de um
discurso. UFRJ, 2014.
Análise
documental.
Discurso,
enunciado,
estabilidade e
mudança,
derivação
discursiva,
regularidade
discursiva e
comunidade
disciplinar.
Chervel (1990), Ferreira (2005, 2007,
2008 e 2013), Foucault (2009 e 2012),
Goodson (1997, 2001, 2005, 2007a e
2007b), Lopes (2000, 2006, 2008 e
2009), Moreira (2004, 2005 e 2006),
Popkewitz (1997, 2001 e 2010).
LIMA, L. T. S.
Políticas Curriculares
para a Formação de
Professores em
Ciências Biológicas:
investigando sentidos
de prática. UFRJ, 2008.
Análise
documental
e entrevistas.
Recontextuali-
zação e
hibridismo.
Lopes (2002b, 2004b, 2005, 2006a,
2006b), Ferreira (2003a, 2003b, 2005a,
2005b e 2006) Elisabeth Macedo (2003,
2006a, 2006b), Gabriel et al. (2008) e
Stephen Ball (1992, 1995, 1998, 2001,
2004) e Goodson (1995 e 1997)
OLIVEIRA, C. S.
Educação ambiental na
escola: Diálogos com
as disciplinas escolares
Ciências e Biologia.
UFRJ, 2009.
Análise
documental
e entrevistas.
Tradições
disciplinares,
seleção,
transformação,
disciplinariza-
ção e relações
de poder.
Goodson (1995 e 1997), Juliá (2002),
Santos (1990), Ferreira (2005), Selles &
Ferreira (2005) e Bourdieu (1983).
SANTOS, A. V. F.
Investigando a
Disciplina Escolar
Educação Ambiental
em Armação de Búzios,
RJ: entre histórias e
políticas de currículo.
UFRJ, 2010.
Análise
documental
e entrevistas.
Status social,
recontextualiza-
ção e
hibridismo.
Ball (1992 e 2001), Chervel (1990),
Ferreira (2005 e 2007), Juliá
(2002), Goodson (2008), Lopes (2002 e
2008), Macedo e Lopes (2002) e Selles e
Ferreira (2005)
VALLA, D. F.
Currículo de Ciências
(1950/70): influências
do professor Ayrton
Gonçalves da Silva na
comunidade disciplinar
e na experimentação
didática. UFRJ, 2011.
Análise
documental
Documento,
status social e
mercado de
identidade
social.
Goodson (1995 e 1997), Ferreira (2005,
2007a e 2007b), Burke (1992) e Goff
(1996)
ROQUETTE, D. A. G.
Modernização e
retórica evolucionista
no currículo de
Biologia: Investigando
livros didáticos das
décadas de 1960/70.
UFRJ, 2011.
Análise
documental
Tradições
disciplinares e
status social.
Goodson (1995, 1997 e 2001) e Ferreira
(2005, 2007a e 2007b)
33
FERNANDES, K. O.
B. Currículo de
Ciências: investigando
sentidos de formação
continuada como
extensão universitária.
UFRJ, 2012.
Análise
documental
e entrevistas.
Comunidade
disciplinar,
comunidade
epistêmica,
recontextualizaç
ão e hibridismo.
Goodson (1995 e 1997) e Ferreira (2005
e 2007) com Ball
(1992 e 2001) e Lopes (2002, 2004, 2005
e 2006).
LUCAS, M. C.
Formação de
professores de Ciências
e Biologia nas décadas
de 1960/70: entre
tradições e inovações
curriculares. UFRJ,
2014.
Análise
documental
e entrevistas.
Regime de
verdade,
documento e
discurso.
Ferreira (2005, 2013, 2014), Foucault
(2010 e 2012), Goodson (1995, 1997,
2001, 2007) e Popkewitz (1997, 2001,
2008).
Um primeiro aspecto que chama a atenção é que todas essas produções se valem
de análise documental, entendendo por documento curricular um amplo espectro de
textos, que vão desde legislações oficiais até publicações acadêmicas – tais como as que
foram publicadas em anais de eventos como a Reunião da ANPEd ou os Encontros
Nacionais de Ensino de Biologia – e didáticas – tais como livros didáticos e materiais de
ensino –, além de acervos diversos, de caráter institucional ou pessoal, aqui
representados, respectivamente, pelo Projeto Fundão Biologia e pelo professor Ayrton
Gonçalves da Silva. Entretanto, boa parte dos trabalhos (FERREIRA, 2005; LIMA,
2008; OLIVEIRA, 2009; SANTOS, 2010; FERNANDES, 2012; LUCAS, 2014) optou
por combinar a análise documental com entrevistas com atores relacionados ao objeto
de seus respectivos estudos. Em certos casos, a ideia foi a de que o uso combinado
dessas fontes pôde auxiliar os autores na investigação dos “processos que levaram à
constituição dessa disciplina escolar [a disciplina escolar Ciências], incluindo as ações
produtoras desse material cultural, isto é, os conflitos, as disputas e as negociações
envolvidas na ‘implementação’ da mesma nas escolas do município.” (FERNANDES,
2012, p. 8). Em outros, a ideia é combinar fontes diversas “a partir da fabricação de uma
lente teórica que se pauta em duas perspectivas de História do Currículo: a história
social de Ivor Goodson e a epistemologia social de Thomas Popkewitz” (JAEHN, 2011,
34
p. 6). Para Lucas (2014, p. 29), o trabalho que realiza com as fontes de estudo a
identifica do seguinte modo:
Como uma pesquisadora bricoleur, ou seja, como uma espécie de
“organizadora” de diferentes perspectivas, com o objetivo de situar os
‘sujeitos’ de minha pesquisa em meio a textos reflexivos. Nesse
sentido e para alcançar os objetivos deste estudo, utilizo uma
variedade de estratégias, de métodos e de materiais empíricos, de
forma que seja possível “encaixar” a pesquisa em uma situação
específica e complexa e podendo, desse modo, criar algo ‘novo’.
Outro aspecto refere-se às escolhas teóricas dos trabalhos analisados nesta seção,
que dialogam, preferencialmente, com a História do Currículo – Ivor Goodson e Marcia
Serra Ferreira – e, em certos casos, com as Políticas de Currículo (Stephen Ball). De
modo geral, posso afirmar que eles dialogam com a leitura que Ferreira (2005) faz das
noções formuladas por Goodson (1996 e 1997) de estabilidade e mudança, de inovação
curricular e de comunidade disciplinar, entendendo-as como “tradições inventadas” que
mesclam finalidades de ensino acadêmicas, utilitárias e pedagógicas. Em certos casos,
tais noções se deslocam em meio ao diálogo que as Políticas de Currículo fazem com
perspectivas discursivas que repensam a produção de políticas para além do Estado
(LIMA, 2008; SANTOS, 2010; FERNANDES, 2012) ou, então, mais recentemente,
com uma abordagem discursiva para a História do Currículo (LUCAS, 2014). Todas
essas leituras me ajudaram a produzir um objeto de estudo que, em perspectiva crítica e
também no diálogo com Goodson (1995 e 1997) e Ferreira (2005), toma como fontes de
estudo documentos curriculares variados e entrevistas semiestruturadas com diferentes
atores sociais – coordenadora, professores e alunos – envolvidos com o PVS/CEDERJ.
I. 3. Sobre o ensino de Biologia
Nesta seção, pesquisei trabalhos relacionados ao ensino de Biologia a partir da
consulta ao banco de teses e dissertações da CAPES e da Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações (BDTD), utilizando, como critério de busca, o descritor ‘ensino
de Biologia’, além de cruzá-lo com os termos ‘currículo’ e ‘pré-vestibulares sociais’. No
primeiro caso – isto é, na pesquisa realizada no banco de teses e dissertações da CAPES
–, encontrei o seguinte resultado: quatrocentos de dois (402) trabalhos relacionados ao
descritor ‘ensino de Biologia’, dos quais cinquenta e um (51) foram obtidos por meio do
35
cruzamento dos termos ‘ensino de Biologia’ e ‘currículo’, e nenhum (00) trabalho
resultou da articulação dos termos ‘ensino de Biologia’ x ‘pré-vestibulares sociais’. No
segundo caso – qual seja, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
(BDTD) –, encontrei quatrocentos e quarenta e um (441) trabalhos relacionados ao
descritor ‘ensino de Biologia’, dos quais sessenta (60) trabalhos foram obtidos por meio
do cruzamento dos termos ‘ensino de Biologia’ e ‘currículo’ e, assim como na busca no
Portal da CAPES, o cruzamento dos termos ‘ensino de Biologia’ x ‘pré-vestibulares
sociais’ não resultou em qualquer (00) trabalho encontrado.
A partir de uma análise dos estudos encontrados, verifiquei que o campo de
estudos sobre o ensino de Biologia é amplo, apresentando uma grande diversidade de
temas, tais como: questões relacionadas à didática, como ludicidade, argumentos,
explicações, uso de experiências de laboratório, museus científicos e projetos
interdisciplinares; questões relacionadas à educação à distância e ao uso de tecnologias
da informação; estudos de temas específicos em biologia, como corpo, vida, evolução,
citologia e história da biologia; formação docente; currículo; avaliação da
aprendizagem; educação inclusiva; estudos envolvendo os discentes; ciência, tecnologia
e sociedade; a própria pesquisa sobre o ensino de biologia etc. Apesar disso, pesquisas
que relacionam o ensino de Biologia ao tema do vestibular tem campo de estudos
reduzido, o que se reduz mais ainda quando focalizamos os Pré-Vestibulares Sociais.
Tomando como referência esses aspectos, dentre o universo de trabalhos,
selecionei seis estudos que apresentam relação mais direta com meu trabalho, uma vez
que tais trabalhos se dedicam a refletir sobre a gama de relações de influência existentes
entre o Ensino Médio, os exames vestibulares e os cursos de Ciências Biológicas, além
de analisar a comunidade disciplinar relativa ao ensino de Biologia. Um deles aborda a
produção das políticas de currículo em Biologia (BUSNARDO, 2010), enquanto os
cinco restantes abordam a relação entre o ensino de Biologia e os vestibulares (SETTIN,
2004; SILVA, 2007; SANTOS, 2008; RIBEIRO, 2011; SILVA, 2011). Coloco esses
trabalhos em diálogo com dois textos constituintes de livro sobre a pesquisa em ensino
de Ciências no Brasil: o de Ferreira (2007a), que trata de reflexões teórico-
metodológicas que podem colaborar com a investigação da história da pesquisa em
ensino de Ciências no Brasil, e o de Maldaner (2007), que aborda o funcionamento do
Ensino Médio no Brasil.
Dentre as produções que relacionam ensino de Biologia e os vestibulares, a
dissertação de Settin (2004) teve por objetivo avaliar um curso de aprofundamento, à
36
distância, em conteúdos de Biologia do Ensino Médio para pré-vestibulandos, no que
diz respeito à sua contribuição para o desenvolvimento intelectual dos alunos e à
utilização de ferramentas de comunicação digital (em especial o e-mail e os grupos de
discussão pela internet) no processo de ensino-aprendizagem. Para tanto, o trabalho
analisou documentos pertinentes ao curso, além de produzir e aplicar questionários
junto aos estudantes. Os resultados dessa pesquisa apontam que o curso contribuiu para
o aprofundamento de conteúdos de Biologia cobrados no vestibular, mas abordados de
maneira incipiente pelo currículo do Ensino Médio. Além disso, a pesquisa indica que
as ferramentas de interação digital contribuíram significativamente para a leitura, a
fixação de informação, o desenvolvimento de habilidades de pesquisa e a capacidade
crítica dos alunos envolvidos.
A dissertação de Silva (2007), por sua vez, se propôs a investigar as mudanças
provocadas nos vestibulares da Universidade Federal do Ceará ao longo de 26 anos,
assim como as suas repercussões no Ensino Médio desse Estado. Para isso, realizou
entrevistas semiestruturadas com presidentes e vice-presidentes da comissão
coordenadora do vestibular da referida universidade e de professores elaboradores das
provas de Biologia. Também realizou análise documental de provas de vestibular e de
editais de convocação do vestibular da instituição que foram produzidos no recorte
temporal da pesquisa. Na análise, Silva (2007) conclui que o sistema de acesso à
universidade tem influência inegável no Ensino Médio, tanto no que se refere aos
conteúdos quanto no seu enfoque epistemológico. Já a dissertação de Santos (2008) teve
por objetivo analisar as avaliações que foram empregadas pelos professores de ensino
médio na disciplina escolar Biologia, quando é abordado o tópico Biologia Celular,
traçando um paralelo entre tais avaliações e os conteúdos de outras de âmbito mais
geral, com destaque para o Concurso Vestibular da UNICAMP e o Exame Nacional do
Ensino Médio – ENEM. Para tanto, a pesquisa realizou análise documental de livros e
de planos de ensino, além de entrevistas semiestruturadas com professores do Ensino
Médio do município de Campinas. Seus resultados indicaram uma estreita relação de
influência entre os exames vestibulares (UNICAMP) e o ENEM com os exercícios dos
livros didáticos e a forma de estabelecer os conteúdos das provas usadas nas escolas.
Nesse mesmo grupo de trabalhos – ou seja, nas produções encontradas que
relacionam o ensino de Biologia e os exames vestibulares –, a dissertação de Ribeiro
(2011) igualmente focou nos conteúdos de Biologia Celular investigando os que foram
ministrados nos cursos de Biologia em Instituições de Ensino Superior do Estado de São
37
Paulo. A ideia foi relacioná-los com o desempenho dos estudantes em avaliações de
âmbito nacional, sugerindo eventuais relações desse desempenho com diferentes
parâmetros ligados à infraestrutura da instituição, ao corpo docente da mesma e às
condições socioeconômicas dos participantes. Para tanto, aplicou questionários aos
estudantes e analisou documentos relacionados à Biologia Celular das provas para
egressos de Cursos de Biologia aplicadas durante a vigência do Exame Nacional de
Cursos (Provão), entre 2000 e 2003, bem como a do Exame Nacional do Desempenho
de Estudantes (ENADE) de 2005 e 2008. Os resultados dessa pesquisa indicaram que há
um melhor desempenho dos alunos nas instituições com as seguintes características:
naquelas com vestibulares mais concorridos, que têm professores trabalhando em regime de
Dedicação Integral e, via de regra, que tem boas instalações laboratoriais e que incentiva a
participação em atividades de caráter extraclasse. Já a dissertação de Silva (2011) escolheu,
assim como Santos (2008), investigar o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM –,
problematizando se a matriz curricular do mesmo reflete o que a comunidade escolar do
Ensino Médio do município de Santa Maria, RS, entende que deva ser estudado na
disciplina escolar Biologia. Para isso, o trabalho empregou questionários e analisou
documentos. Os resultados desse trabalho indicam que a referida comunidade escolar
aprova que os conteúdos listados na matriz curricular do ENEM sejam estudados na
disciplina escolar Biologia do Ensino Médio. Além disso, foi verificada uma diferença na
valorização dos conteúdos por diferentes tipos de escolas e estudantes, uma vez que os
alunos de escolas particulares atribuíram maior valor a conteúdos clássicos em detrimento
de questões sociais. Nas escolas federais, diferentemente, observou-se uma valorização
geral de conteúdos, tanto dos clássicos quanto daqueles envolvidos em questões sociais.
A dissertação de Busnardo (2010) – a única analisada que aborda a produção
das políticas de currículo em Biologia – objetivou investigar a produção de políticas de
currículo pela comunidade disciplinar do ensino de Biologia. Para isso, analisou
documentos curriculares pertinentes ao nível médio no âmbito federal – os Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEm), as Orientações
Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN+) e
as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (OCNEM) – e realizou
entrevistas com professores e pesquisadores reconhecidos nessa comunidade disciplinar
que participaram da elaboração dos documentos supracitados. Os resultados dessa
pesquisa apontaram que, mesmo em governos diferentes, representantes das
comunidades disciplinares podem se manter atuantes no contexto de produção de textos
38
das políticas e produzir sentidos e significados semelhantes nas políticas.
Escolho colocar esses trabalhos em diálogo com dois textos publicados em livro
da área, um voltado para os estudos históricos e outro para o Ensino Médio. O primeiro
(FERREIRA, 2007a) tem por objetivo colaborar com os estudos sobre a história da pesquisa
em ensino de Ciências no Brasil, que inclui as disciplinas escolares Biologia, Ciências,
Física e Química. Em especial, o trabalho apresenta contribuições no que diz respeito a
possibilidades de embasamento teórico e ferramentas metodológicas. Para isso, se reporta a
estudos que apresentam como objeto a disciplina escolar Ciências. Os resultados dessa
pesquisa apontam que, apesar de as contribuições teórico-metodológicas de autores da
História do Currículo e da Historiografia contemporânea serem tão importantes quanto as
dos autores dos estudos sobre Disciplinas escolares, os estudos históricos têm tido pouco
espaço nas pesquisas em ensino de Ciências. Além disso, o trabalho evidencia que a
concepção histórica contribui para ampliar a compreensão das principais tendências teórico-
metodológicas pertinentes à pesquisa em ensino de Ciências. Já o segundo (MALDANER,
2007) se propõe a problematizar as principais concepções sobre o Ensino Médio no Brasil,
que são a de formação técnica e de trampolim para o Ensino Superior, defendendo que o
localizemos com parte da Educação Básica para todas as pessoas. Para tanto, o trabalho se
vale da análise de documentos oficiais, em especial os Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio (PCNEM). Seus resultados apontam para uma proposta de
desenvolvimento de um novo currículo na Área das Ciências da Natureza e suas
Tecnologias em sucessivas Situações de Estudo (SE), a partir das quais ocorre a evolução
da capacidade de pensamento abstrato sobre o mundo, e, por conseguinte, da competência e
da criatividade da criação/recriação cultural que caracteriza cada momento histórico.
No quadro a seguir, assim como nas demais seções deste capítulo, abordo as
produções analisadas, definindo suas respectivas metodologias, seus principais
conceitos e suas principais referências bibliográficas:
Quadro 4 – Trabalhos relacionados ao Ensino de Biologia
Estudo Metodologia Principais Conceitos Principais referências
bibliográficas
SETTIN, I. C. Elaboração,
aplicação e avaliação de
um curso à distância para
pré-vestibulandos com
ênfase no ensino de
Biologia. Dissertação de
mestrado. Universidade
Estadual de Campinas,
2004.
Análise
documental e
questionários.
Interação,
interatividade,
cooperação e
colaboração.
Francisco (2001), Piletti
(1997), Ribeiro (1981), Zotti
(2004), Ribeiro (1981),
Ghiraldelli (1990), Perrenoud
(1999), Santos (1988),
Romanelli (2002), Moore
(1993), Niskier (1999), Alves
(2001), Kenski (2003),
Oliveira (2003), Belloni
(1999), Lévy (1999) e Saul
39
(2000).
SILVA, J. E. M. Vestibular
na UFC: Implicações para
o Ensino Médio – Um
estudo de caso a partir das
mudanças realizadas de
1978 a 2004. Universidade
Federal do Ceará, 2007.
Análise
documental e
entrevistas.
Fonte, documento,
arte de dividir,
homem culto e status.
Ludke e André (1986), Andre
(2000), Bogdan (1994), Biklen
(1994), Gamboa (2002),
Santos (2002), Richardson
(1999), Nogueira (1968),
Queiroz (1982), Romanelli
(1998) e Saul (2001).
SANTOS, J. S. Avaliação
dos conteúdos de biologia
celular no Ensino Médio:
Estudo de caso sobre a
prática docente e sua
relação com exames de
ingresso no ensino
superior. Universidade
Estadual de Campinas,
2008.
Análise
documental e
questionários.
Variáveis afetivas,
reconhecimento,
transposição e
predição.
André (2005), Yim (2005),
Amorim (1995), Bol e Strage
(1996), Kitchen (2007), Gama
(1993), Palmero (2003),
Soncini e Castilho (1991),
Freitas (2002) e Luckesi
(2003).
RIBEIRO, V. K.
Abordagem dos conteúdos
de Biologia Celular em
cursos de Ciências
Biológicas e sua relação
com as avaliações
nacionais. Universidade
Estadual de Campinas,
2011.
Análise
documental.
Reconstrução, práxis,
valor, afastamento
padronizado.
Sobrinho (2000, 2003 e 2008),
Vigotsky (1987), Lopes
(2008), Luckesi (1995),
Zambelli (1997), Johnson e
Wichern (1998), Johnson e
Myklebust (1987) e Gramsci
(1978).
SILVA, C. B. Percepções
sobre a matriz curricular
do ENEM para a
disciplina Biologia nas
escolas de Santa Maria.
Universidade Federal de
Santa Maria, 2011.
Análise
documental e
e
questionários.
Currículo escolar,
teoria técnica, teoria
prática e teoria
crítica.
Rey (2009), Menezes (2002),
Kemmis (1988), Silva (2002),
Pacheco (2001), Saviani
(1980), Hornburg e Silva
(2007), Teixeira (1976),
Krasilchik (2004) e Taglieber
(1984).
BUSNARDO, F. M. G. A
comunidade disciplinar de
ensino de Biologia na
produção de políticas de
currículo. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro,
2010.
Análise
documental e
entrevistas.
Interdisciplinaridade,
status,
recontextualização,
hibridismo e
hegemonia.
Lopes (1999, 2000, 2001 e
2002), Lopes e Macedo (2002,
2004, 2005, 2006 e 2010)
Goodson (1997 e 1999),
Laclau (2001, 2005 e 2006),
Ball (1989, 1992, 1994, 2000
e 2001)
FERREIRA, M. S. Como
investigar a história da
pesquisa em ensino de
Ciências no Brasil?
Reflexões teórico-
metodológicas. In:
NARDI, R. (org.). A
pesquisa em Ensino de
Ciências no Brasil: alguns
recortes. 2007a.
Análise
documental.
Perspectivas sócio-
históricas,
História das
Disciplinas Escolares,
História do Currículo,
comunidade
disciplinar.
Ferreira (2004 e 2005),
Ferreira e Moreira (2001),
Lemgruber (1999 e 2000),
Young (1989), Goodson
(1995, 1996 e 1997), Levi
(1992) e Macedo (2001).
MALDANER, O. A.
Situações de estudo no
ensino médio: nova
compreensão de educação
básica. In: NARDI, R.
(org.). A pesquisa em
Ensino de Ciências no
Brasil: alguns recortes.
2007a.
Análise
documental.
Interdisciplinaridade,
movimentos mentais
e conceito.
Vigotski (1996, 1998 e 2001),
Morin (2001, 2002 e 2003),
Maldaner (2003), Zanon
(2004), Schon (1987) e Araújo
(2005)
40
Os trabalhos anteriormente listados possuem aproximações com o meu próprio
estudo que se referem a escolha das fontes de estudo. Afinal, todos os textos se valem
da análise de documentos a fim de coletar informações para suas respectivas pesquisas.
Entretanto, pude verificar a associação da análise documental com a realização de
questionários em Settin (2004), Santos (2008) e Silva (2011), e com a realização de
entrevistas em Silva (2007). No primeiro caso, a justificativa para o uso combinado de
documentos e questionários refere-se, por exemplo, a análise de documentos
curriculares como “os conteúdos dos livros, os seus exercícios, e os planos de ensino
dos professores”, que foi associada ao uso de “questionários, os quais abordaram um
conjunto de questões que visou mostrar a forma como o professor encara o processo
ensino/aprendizagem e como a avaliação se insere nesse contexto” (SANTOS, 2008, p.
1). No segundo caso – isto é, no texto que associa a análise documental ao uso de
entrevistas –, Silva (2007, p. 27) destaca o seguinte:
Fez-se a escolha de entrevistas como mecanismo de recuperação da
memória do vestibular através de seus atores. A análise documental foi
necessária para que dela tivéssemos a cronologia das mudanças
ocorridas ao longo destes 29 anos que foram pesquisados.
Relativamente ao embasamento teórico dos trabalhos analisados nesta seção, os
diálogos com o campo do Currículo aparecem fortemente nas produções de Busnardo
(2010) – que dialoga com Ivor Goodson e Stephen Ball, assim como com as brasileiras
Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo – e Ferreira (2007a), que dialoga
preferencialmente com Ivor Goodson, além de Michael Young e Elizabeth Macedo. As
demais produções tangenciam esse debate ao dialogarem (ou não) com autores do
campo em meio a uma série de outros autores, tais como: André (2000 e 2005), que
aparece em Silva (2007) e Santos (2008); Vygotsky (1987, 1996, 1998 e 2001), que é
utilizado por Ribeiro (2011) e Maldaner (2007); Romanelli (1998 e 2002) e Saul (2000
e 2001), autores com os quais Settin (2004) e Silva (2007) dialogam. Nessa produção,
os diálogos com Ivor Goodson são os que mais me interessam, uma vez que, em meu
estudo, opero com diversas noções produzidas por ele. É exatamente sobre elas que me
debruço no próximo capítulo, que se refere aos referenciais teórico-metodológicos.
41
CAPÍTULO II
Referenciais teórico-metodológicos
Neste capítulo, apresento o quadro teórico-metodológico no qual se alicerça o
presente estudo, cuja noção de currículo se caracteriza por uma abordagem atenta à
construção histórica curricular e, mais especificamente, à História das Disciplinas
Escolares, considerando, conforme Goodson (1995, p. 120), que as disciplinas não
representam “entidades monolíticas, mas amálgamas mutáveis de subgrupos e
tradições”. Em diálogo com esse autor, Ferreira (2005) destaca que “a construção das
disciplinas escolares não se dá [...] de modo consensual, mas é fruto de disputas que
ocorrem dentro e fora dos sistemas escolares, envolvendo poder, controle, negociações e
alianças entre indivíduos e entre grupos distintos” (CUBAN, 1992 apud SANTOS,
1994). Afinal, de acordo com Goodson (1997, p. 43), elas são construídas “social e
politicamente e os atores envolvidos empregam uma gama de recursos ideológicos e
materiais à medida que prosseguem as suas missões individuais e coletivas”.
A emergência da História das Disciplinas Escolares se dá no âmbito da Nova
Sociologia da Educação, movimento que se desenvolve no final da década de 1960,
tendo como referência a publicação do livro Knowledge and Control: New Directions
for the Sociology of Education, organizado por Michael Young (1971), que inaugurou
uma linha de pesquisa atenta aos “processos especificamente educacionais do currículo
e da pedagogia” (FERREIRA, 2005, p. 14 apud YOUNG, 1989). Entretanto, as
pesquisas sócio-históricas no campo do Currículo apenas se desenvolveram na década
de 1980, quando sociólogos e historiadores ingleses, franceses e estadunidenses
produziram trabalhos sobre a História do Currículo a partir de referenciais teórico-
metodológicos diversificados. Conforme Bittencourt (2003), a incorporação dessa
preocupação histórica sobre o currículo remete ao final da década de 1970 e início da
década de 1980, pois foi nesse momento que ocorreram mudanças no processo de se
raciocinar sobre a escola, que passa a ser pensada como um espaço de reprodução e, em
especial, de produção de conhecimento. A partir disso, as disciplinas escolares passaram
a ganhar dimensão de objeto, a fim de que se compreendesse a escola através de seus
próprios processos internos, isto é, com o intuito de possibilitar que se abrisse a ‘caixa
preta’ da escola (FONSECA, XAVIER, VILELA & FERREIRA, 2013).
42
No Brasil, os estudos em História do Currículo tiveram início apenas no final da
década de 1980, fomentados pelo surgimento de diversas reformas curriculares
resultantes do processo de redemocratização do país. Tais estudos procuraram dialogar,
inicialmente, com duas vertentes internacionais da História do Currículo: a vertente
francesa, cujos principais representantes são André Chervel e Dominique Julia; e a
vertente inglesa, tendo Ivor Goodson como principal referência teórico-metodológica. A
partir da década de 1990, uniu-se a essas duas vertentes uma terceira, estadunidense,
representada por Thomas Popkewitz. A construção de referenciais embasados por essas três
vertentes possibilitou uma diversificação das concepções teórico-metodológicas dos
trabalhos dedicados ao campo da História do Currículo. É nesse contexto que, desde os anos
de 1990, o Núcleo de Estudos de Currículo da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(NEC/UFRJ) vem produzindo conhecimento na área, intensificando cada vez mais os
diálogos do campo com a História da Educação e a Historiografia contemporânea.
Especificamente quanto à produção de Ivor Goodson – a que se tornou a mais
conhecida e utilizada no Brasil –, Jaehn & Ferreira (2012) destacam que esta se insere em
uma perspectiva educacional crítica, de aproximação neomarxista. Em consonância com
essa perspectiva, o referido autor desenvolve uma visão crítica do currículo, defendendo a
existência de uma estreita relação entre os processos de seleção, organização e distribuição
do conhecimento e as formas de controle social. Goodson argumenta, então, em favor de
que mobilizações pertinentes à visão crítica da educação poderiam transformar o cenário
social, em especial “quanto ao acesso desigual ao conhecimento entre classes sociais
distintas” (JAEHN & FERREIRA, 2012, p. 259). É nesse contexto que escolho dialogar
de modo preferencial com esse autor, entendendo que as suas produções contribuem
para a ampliação de nossas reflexões acerca dos mecanismos que permeiam as
desigualdades de acesso ao nível superior por alunos oriundos de camadas
socioeconômicas diferentes. De igual modo, elas fomentam a problematização da
construção dos currículos nos diferentes espaços relativos ao objeto analisado, o que
possibilita relacionar a distribuição do conhecimento com lutas sociais mais amplas.
Tal abordagem está associada a uma perspectiva crítica, a qual considera o
currículo uma construção sócio-histórica resultante de disputas por poder travadas entre
diferentes atores sociais capazes de influenciar a elaboração curricular (FONSECA,
XAVIER, VILELA & FERREIRA, 2013). Entendo, ao lado de Ferreira (2005 e 2007b),
que tal concepção sócio-histórica do currículo possibilita a valorização tanto das
influências que venceram tais disputas e se mantiveram no currículo quanto daquelas
43
que foram silenciadas durante o processo de construção do mesmo. Essa noção de
currículo se contrapõe, portanto, às abordagens curriculares das décadas de 1950 e
1960, cuja atenção era voltada para aspectos estruturais do currículo, destacando a
influência de fatores externos às instituições escolares.
Diante dessa contextualização da noção de currículo com a qual o presente
estudo trabalha, busco dialogar com autores do campo do Currículo que investem em
pesquisas de caráter sócio-histórico, em especial, Ferreira (2005, 2007a, 2007b e 2013);
Fonseca, Torres, Vilela & Ferreira (2013); Gomes (2009); Gomes, Selles & Lopes
(2013); Jaehn & Ferreira (2012) e Vasconcelos & Gomes (2013), além das produções de
autores como Ivor Goodson (1995, 1997 e 2001), referência na área de História do
Currículo no Brasil. De igual modo, busco, fundamentado nestes autores, refletir sobre
as minhas escolhas metodológicas e o uso de certas fontes de estudo.
II. 1. Diálogos com a História do Currículo
Considerando a hipótese de que as diferenças do índice de acesso ao ensino
superior por alunos de distintas classes sociais, assim como a consequente demanda por
Pré-Vestibulares Sociais, sejam influenciadas pelos currículos que têm sido oferecidos a
alunos de camadas de menor poder socioeconômico, interessa-me analisar
historicamente o currículo da disciplina escolar Biologia, considerando-o como um
resultado decorrente de um conjunto de condições socioeconômicas amplas e de
disputas por status, território e poder, em que alguns conhecimentos se tornaram
hegemônicos enquanto outros foram silenciados. Para realizar essa tarefa, busco
dialogar com autores como Goodson (1995, 1997 e 2001) e alguns de seus
interlocutores no Brasil (FERREIRA, 2005, 2007a, 2007b e 2013; GOMES, 2009;
GOMES, SELLES & LOPES, 2013; JAEHN & FERREIRA, 2012; VASCONCELLOS
& GOMES, 2013), os quais me auxiliam a descontruir e a reestruturar uma visão
cronologicamente uniformizada das disciplinas escolares, desnaturalizando os currículos
presentes de modo a não considerá-los como produções estáticas e portadores de alguma
espécie de ‘essência’. Tal perspectiva, na abordagem adotada por Ferreira (2005 e
2007b), está em consonância com uma noção de história que:
De acordo com Burke (1992), contraria a história tradicional nas
seguintes ações: ao desconfiar da objetividade dos fatos históricos,
problematizando tanto as fontes quanto a própria escrita da história; ao
44
abandonar a narrativa dos acontecimentos e, sob influência de outras
ciências sociais, investir em uma análise que coloca os fatos históricos
em uma perspectiva relacional e contextual; e, por fim, ao ampliar os
materiais de estudo para além dos documentos escritos, possibilitando
a produção de uma ‘história vista de baixo’ que se volta para as visões
e as experiências de pessoas comuns (FERREIRA, 2007b, p. 455).
Nesse estudo, interessa-me produzir uma espécie de ‘história vista de baixo’
voltada para, como já destacado, o modo como a seleção e organização dos
conhecimentos escolares em Biologia participa das lutas mais amplas em torno da
distribuição social do conhecimento. Nesse movimento, em conformidade com Jaehn &
Ferreira (2012), considero que a História do Currículo se compõe articuladamente com
outras vertentes do conhecimento – como a Sociologia do Currículo, a Epistemologia
Social e a História Cultural e Social –, de maneira que tais áreas se inter-relacionam e
produzam estudos que se constituem como híbridos culturais. Para Fonseca, Xavier, Vilela
& Ferreira (2013), a produção em História das Disciplinas tem sido gestada no âmbito de
diferentes “comunidades disciplinares” – no sentido proposto por Goodson (1996 e 1997)
– que disputam o próprio significado desse tipo de pesquisa em campos teóricos distintos:
Assim, sejam mais fortemente filiadas à Sociologia do Currículo,
sejam mais estreitamente relacionadas à História da Educação,
entendemos que as produções em história das disciplinas estão em
constante diálogo com e contra os discursos legitimadores dessa
temática em ambos os campos. Afinal, para Bourdieu (1983), não
existem escolhas – tais como métodos, campo da pesquisa, lugar de
publicação, entre outros – que não estejam relacionadas ao interesse
pelo reconhecimento dos pares, bem como a uma opção
estrategicamente orientada vislumbrando grandes lucros. Portanto, em
síntese, compreendemos que pensar a produção recente em história do
currículo e das disciplinas acadêmicas e escolares significa considerar
os recursos ideológicos e materiais empregados pelos diferentes
sujeitos e subgrupos na busca por hegemonia entre campos científicos
– a Sociologia do Currículo e a História da Educação –, com
produções que obedecem aos padrões elaborados em cada um deles, e
que são legitimadas cientificamente por pesquisadores cuja autoridade
passa pelos espaços ocupados e pelo poder de avaliar e de legitimar a
atividade dos seus pares (FONSECA, XAVIER, VILELA &
45
FERREIRA, 2013, p. 201).
Entendendo, portanto, a História das Disciplinas no âmbito de lutas sociais mais
amplas entre campos e comunidades disciplinares, busco compreender o currículo da
disciplina escolar Biologia sendo produzido e disputado sócio-historicamente, em
espaços institucionais distintos, tal como o PVS/CEDERJ, em meio a outras disciplinas
escolares e as diversas finalidades da escolarização. A ideia é articular explicações
sociais mais amplas com aquelas de natureza curricular mais localizadas, de maneira a
possibilitar uma análise histórica da disciplina escolar em questão, investigando “a
apreensão de aspectos antes não observados – as ações menos significativas e mais
localizadas -, permitindo que fenômenos já considerados suficientemente descritos
possam ser novamente interpretados” (FERREIRA, 2007b, p. 458).
Em seus escritos sobre a trajetória histórica de diferentes disciplinas escolares –
dentre as quais as disciplinas escolares Ciências e Biologia –, Goodson (1995) propõe
que tais processos podem ser estudados por meio de três conclusões gerais, a partir das
quais busco refletir sobre o meu objeto de estudo. São elas:
A primeira conclusão é que as matérias não constituem entidades
monolíticas, mas amálgamas mutáveis de subgrupos e tradições que,
mediante controvérsia e compromisso, influenciam a direção de
mudança. Em segundo lugar, o processo de se tornar uma matéria
escolar caracteriza a evolução da comunidade, que passa de uma
comunidade que promove objetivos pedagógicos e utilitários para uma
comunidade que define a matéria como uma disciplina acadêmica
ligada com estudiosos de universidades. Em terceiro lugar, o debate
em torno do currículo pode ser interpretado em termos de conflito
entre matérias em relação a status, recursos e território (GOODSON,
1995, p. 120, grifo do autor).
Como destacado, a primeira conclusão geral do autor defende que as disciplinas
são formadas por um conjunto de diversos elementos, subgrupos e tradições, os quais
influenciam a constituição das mesmas, assim como suas possíveis mudanças. Isso
permite que o currículo seja compreendido como “uma invenção de tradições e
subculturas disciplinares” (JAEHN & FERREIRA, 2012, p. 459), com Goodson (1995,
p. 27) adotando a expressão “tradição inventada”, original de Hobsbawm (2008), para
dizer que “a elaboração de currículo pode ser considerada um processo pelo qual se
46
inventa tradição”. Além disso, ao abordar a história curricular das disciplinas nesse
caminho, Goodson (1995, 1997 e 2001) destaca a ideia de uma constante mudança
curricular, sugerindo a ocorrência de um padrão de transformações sofrido pelas
disciplinas, o que aponta para uma trajetória disciplinar iniciada por uma condição não
integrada no currículo, seguida pela agregação de objetivos utilitários, e, por fim,
consolidada por um processo de ‘academização’, caracterizado, especialmente, pela
valorização do abstrato e do rigor científico. De acordo com essa perspectiva, o padrão
de transformações supracitado “possui estreita relação com as disputas por recursos
materiais e por um interesse na constituição de uma carreira profissional de maior
prestígio” (FERREIRA, 2005, p. 18), fazendo com que os atores sociais envolvidos
formem uma “comunidade disciplinar”, a qual designa um conjunto de sujeitos e de
subgrupos que, em meio às disputas por hegemonia, organizam um campo disciplinar.
Goodson (1997) enfatiza, então, que os estudos históricos no campo do
Currículo devem atentar tanto para as influências dessa “comunidade disciplinar”
quanto para as do contexto social mais amplo sob o qual o currículo é produzido. Tal
preocupação é também evidenciada por Ferreira (2005, p. 19), para quem:
De acordo com Santos (1990), existem inúmeros aspectos que
interferem nas mudanças curriculares: os denominados pela autora de
“fatores internos” dizem respeito às condições de trabalho na própria
área disciplinar– tais como o surgimento de diferentes grupos de
liderança intelectual, a criação de centros acadêmicos de prestígio
atuando na formação de seus profissionais, a organização de
associações profissionais e a política editorial na área, para dar alguns
exemplos –, enquanto os “fatores externos” não se encontram
diretamente relacionados à área disciplinar, mas à política educacional
e aos contextos econômico, social e político mais amplos.
Investigando o ensino secundário inglês, Goodson (2001) destaca que, já no
século XIX, os currículos produzidos com o objetivo de preparar para a vida
profissional e acadêmica eram destinados às classes média e alta, ao passo que as
escolas elementares que educavam a maioria dos alunos acentuavam uma formação de
direcionamento prático. Para o autor, portanto, os currículos encontram-se relacionados
com a origem social e com os destinos ocupacionais dos alunos, promovendo distintas
tradições que vão sendo mais ou menos destinadas a grupos de estudantes com perfis
47
socioeconômicos diferenciados.
Nessa perspectiva, os currículos são produtores de diferenciações sociais entre
os estudantes, definindo quem sabe e quem não sabe, quem é mais ou menos inteligente,
quem pode e quem não pode prosseguir os estudos. Eles também produzem
diferenciações entre os professores das variadas disciplinas escolares que, participando
de certas comunidades disciplinares – Matemática, Biologia ou Educação Física, para
dar alguns exemplos –, promovem algumas tradições curriculares “em busca de status,
recursos e território” (GOODSON, 1995, p. 120). Nesse caso, tal promoção está
intimamente relacionada aos interesses materiais e de carreira, o que significa que
currículos voltados para a vida profissional e acadêmica possuem um status mais
elevado quando comparados a currículos que servem a uma formação vocacional não
profissional. Citado por Goodson (2001, p. 178), Eggleston (1977, p. 25) afirma o
seguinte sobre a educação secundária inglesa do século XIX:
Uma característica nova e importante que viria persistir, neste período,
foi a redefinição do conhecimento de status elevado como não tendo
utilidade imediata numa vocação ou ocupação. Nessa altura, o estudo
das matérias clássicas passou a ser considerado, essencialmente, como
um treino da mente. O fato de um rapaz poder ser poupado ao trabalho
o tempo suficiente, que lhe permitisse isto, era visto como uma
demonstração não só do status elevado do próprio conhecimento, mas
também, do status do seu receptor – a marca de um “gentleman” , não
de um trabalhador.
A partir dessa análise histórica, Goodson (2001) define três tradições
disciplinares: (i) a tradição acadêmica, que se presta à preparação dos alunos de classes
médias e altas para a vida profissional e acadêmica, de status elevado; (ii) a tradição
utilitária, que está relacionada “com as vocações não profissionais em que a maioria das
pessoas trabalha durante grande parte de sua vida adulta e que, para além das
competências básicas da enumeração e da literacia, inclui a educação comercial e a
técnica” (GOODSON, 2001, p. 179) de status baixo; (iii) a tradição pedagógica,
também de status baixo, caracterizada como uma abordagem educativa centrada na
criança, “não considerando a tarefa da escola como uma preparação para a ‘escala’ das
profissões e da academia ou como a aprendizagem de um trabalho vocacional,
considerando-a, sim, como uma forma de ajudar as ‘inquirições’ e ‘descobertas’ da
48
própria criança, defendendo, para isso, a utilização de métodos ativos” (GOODSON,
2001, p. 180).
A fim de relacionar o panorama teórico das tradições disciplinares definidas por
Goodson (2001) e o campo empírico desta pesquisa, defendo que o currículo da
disciplina escolar Biologia do PVS/CEDERJ se localiza na articulação entre a tradição
acadêmica, na medida em que busca preparar o público discente para os exames de
acesso ao ensino superior e, por conseguinte, contribuir para o seu desenvolvimento
profissional e acadêmico, e as tradições utilitárias e pedagógicas, utilizando
determinados conteúdos e métodos para o ensino de finalidades igualmente voltadas
para o valor social e/ou pedagógico dos conhecimentos escolares em Biologia.
Entretanto, é importante destacar que, especificamente, a aproximação teórica
entre os Pré-Vestibulares Sociais e as tradições acadêmicas evidencia descontinuidades
contextuais e históricas, especialmente em relação ao público-alvo que frequenta o Pré-
Vestibular Social, que é de menor alcance socioeconômico, diferentemente do público-
alvo dos currículos de tradição acadêmica da Inglaterra do século XIX, que pertencia às
classes sociais média e alta. Assim, nesse contexto, a apropriação dos princípios da
tradição acadêmica por parte dos Pré-Vestibulares Sociais se configura em um
mecanismo de minimização das desigualdades sociais entre estudantes de origens
socioeconômicas diferentes, no que diz respeito ao acesso ao ensino superior.
De modo geral, a função de um Pré-Vestibularse encontra entre as disciplinas
ensinadas na escola e o exame para ingresso no ensino superior. De acordo com
Goodson (2001), a conexão entre as disciplinas ensinadas e os exames externos foi
estabelecida, em sua versão atual, com o nascimento do School Certificate, na
Inglaterra, em 1917. Desde então, o embate acerca do currículo do ensino secundário
começou a assemelhar-se à condição contemporânea, ao focalizar a definição e a
avaliação do conhecimento examinável. No contexto analisado pelo autor, o School
Certificate tornou-se a principal preocupação das escolas que se prestavam às elites
inglesas e confirmou que os conteúdos acadêmicos dominariam o calendário escolar.
Dessa forma, os exames externos – e, analogamente, o currículo dos programas dos
exames brasileiros voltados para o ingresso no ensino superior – influenciam fortemente
os currículos das disciplinas ensinadas nos Pré-vestibulares, sociais ou não. Isso
significa que a seleção de conteúdos dos Pré-Vestibulares é interessada, privilegiando
conteúdos e finalidades acadêmicas em detrimento daquelas de caráter mais utilitário
e/ou pedagógico, o que será mais bem analisado no decorrer desse estudo.
49
Ainda tomando como precedente histórico a criação, em 1917, do School
Certificate, o exame de ação reguladora dos currículos de ensino secundário na
Inglaterra, podemos utilizar o estudo de Goodson (2001) para refletir acerca da
disciplina escolar Biologia em Pré-Vestibulares Sociais, ainda que guardando as
distâncias espaço-temporais. No caso inglês, configurou-se a necessidade de se ensinar
as disciplinas acadêmicas de uma forma e com o nível de exigência que garantissem o
sucesso no já referido exame. Uma consequência importante do aumento do nível de
exigência do ensino das disciplinas acadêmicas foi, nos anos que se seguiram a 1917, o
desenvolvimento da profissionalização dos professores, o que, por sua vez, culminou na
criação de cursos de formação especializados por disciplinas, a partir das quais os
docentes passaram a se considerar como membros de uma “comunidade disciplinar”,
contribuindo para a segregação entre os professores de disciplinas distintas do nível
secundário.
Essa identificação das disciplinas escolares e de seus profissionais com
“comunidades disciplinares” específicas fomentou a demanda por título e formação
adequadas, acompanhadas de uma organização departamental, o que fortaleceu a
importância do rótulo da disciplina como categoria do exame escolar, do título de grau
ou do curso de formação, do modo de identificação do professor pelos alunos, além da
posição hierárquica de status em relação às demais disciplinas. Dessa maneira, entende-
se que, no caso inglês, a disciplina à qual pertence o docente lhe fornece meios pelos
quais o seu salário e a sua estrutura de carreira é definida, o que reforça a luta por status
e recursos entre as disciplinas escolares. Conforme citação do autor, o Relatório
Norwood, de 1943, ao avaliar tal processo, expressou a seguinte preocupação:
As disciplinas têm-se tornado protetorados pertencentes aos
professores especialistas. Entre elas foram erguidas barreiras e os
professores têm-se sentido pouco qualificados ou pouco livres para
penetrarem nos domínios dos outros colegas. Os valores específicos
de cada disciplina têm sido acentuados, negligenciando-se os que são
comuns a várias ou a todas. O dia escolar acabou por se assemelhar a
uma “corrida dos 100 metros”, em que cada disciplina segue a sua
pista delimitada por uma linha. Entretanto, na nossa opinião, os alunos
correm o risco de serem esquecidos (apud GOODSON, 2001, p. 184).
Entendo que, de certo modo, a estrutura do Pré-Vestibular Social questiona
50
certos valores que compõem as “comunidades disciplinares”, na medida em que, nesse
modelo, em termos gerais, o rótulo de “disciplina” não é tão rígido quanto ao “grau” ou
ao “curso de formação” específicos. Afinal, analisando o quadro de tutores que
lecionam a disciplina escolar Biologia no PVS/CEDERJ, constatamos que eles provém
de diversos cursos no âmbito da área biomédica (como a Medicina e a Nutrição, além,
obviamente, da própria Biologia – Licenciatura e/ou Bacharelado). Entretanto, torna-se
interessante observar que, em sala de aula, a ação de tais profissionais os insere e os
aproxima da comunidade disciplinar do ensino de Biologia, tornando-os parte das lutas
internas por significar o currículo desse componente curricular em um espaço particular
– o Pré-Vestibular Social – e um público específico.
II. 2. Metodologia
A fim de investigar a disciplina Biologia no PVS/CEDERJ, o presente trabalho
analisa depoimentos de atores envolvidos no PVS/CEDERJ – coordenadores da
disciplina escolar Biologia, tutores dessa mesma disciplina escolar e ex-alunos, que
também são ex-alunos do Ensino Médio da SEEDUC/RJ –, além de documentos
relativos, direta ou indiretamente, ao Pré-Vestibular Social aqui investigado. Nesse uso
combinado de depoimentos e documentos, busco problematizar a noção de fonte, que,
por poder ser das mais diversas, merece, aqui, ser destacada e definida. Em
conformidade com a noção de currículo como uma construção sócio-histórica, o
presente trabalho considera suas fontes como resultados não concluídos, decorrentes de
questões epistemológicas e inúmeros embates envolvendo relações de poder. Tal
perspectiva permite ampliar as informações sobre o objeto analisado, na medida em que
traz à luz a possibilidade de triangulação entre as fontes, o que, por sua vez, demanda
um olhar cauteloso sobre ambas. Afinal, assim como os documentos podem
desconsiderar, em menor ou maior proporção, as ações humanas, de forma análoga, os
depoimentos podem nos direcionar para informações que desconsiderem as estruturas
sociais mais amplas. Sobre essa mesma questão, Ferreira (2005, p. 67), em um profícuo
diálogo com Antônio Flávio Moreira (1994), destaca que:
Esse uso combinado de materiais escritos e orais como fontes em
estudos históricos no campo do Currículo pode nos alertar para os
perigos tanto das explicações que desconsideram a força das
limitações estruturais como daquelas que secundarizam as ações
humanas.
51
Ao longo dessa análise, conforme supracitado, tanto os depoimentos quanto os
documentos são tomados como construções sociais, produtos de embates entre atores
que buscam legitimar certas visões do passado. No que se refere, especificamente, aos
documentos, interessa-me trata-los como “monumentos”, no sentido proposto por Le
Goff (1996), como produtos sociais gerados a partir de relações de poder, o que,
segundo Ferreira (2005, p. 72), costuma ser pouco abordado em estudos sobre a história
do ensino de Ciências no país. Nessa perspectiva, segundo Le Goff (1996, p. 548):
O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades
históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente –
determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um
documento-verdade. Todo o documento é mentira. Cabe ao historiador
não fazer o papel de ingênuo.
A metodologia do presente trabalho se apropria do conceito de
“construcionismo social” desenvolvido por Goodson (1995), o qual se refere à
associação entre as condições político-sociais em que são produzidos os currículos e as
históricas pessoais e profissionais dos sujeitos envolvidos na produção curricular. De
acordo com Jaehn & Ferreira (2012, p. 260-261), esse programa de pesquisa:
Prevê uma análise que combina tanto a construção prescritiva e
política dos currículos quanto suas negociações no âmbito da prática.
Segundo afirmação do próprio autor, o que se deseja é a constituição
de uma “história de ação dentro de uma teoria de contexto”
(GOODSON, 1995, p. 72), focalizando aspectos relacionados às
histórias de vida e às carreiras dos indivíduos, que influenciam a
constituição de grupos como, por exemplo, as profissões ou as
disciplinas acadêmicas e escolares. As transformações que as relações
entre esses indivíduos ou grupos sofrem ao longo do tempo também
são foco desta perspectiva de estudo. Assim, estabelecendo
interligações entre o individual e as estruturas sociais, Goodson (1995,
p. 74) elabora um tipo de análise na qual busca “desenvolver um
entendimento cumulativo dos contextos históricos nos quais está
inserido o currículo contemporâneo”.
Nesse diálogo com Goodson (1995), estou especialmente interessado nas
relações que se estabelecem entre conhecimento e poder, , atentando para as influências
52
macrossociais na constituição do currículo, o que implica na concepção de que as tais
relações produzem controle social. Sob tal perspectiva, considero a importância de
pensar os depoimentos coletados e os documentos investigados em meio à relações de
poder que os constituíram, utilizando a divisão dos mesmos em três níveis, conforme
formulados por Macedo (2001) e descritos por Ferreira (2005). São eles:
(1o) aqueles que foram produzidos no próprio momento histórico a ser
estudado, englobando desde materiais que nos permitem entender os
contextos macrossociais até aqueles mais vinculados tanto à
instituição focalizada quanto ao próprio currículo e seus atores; (2o) os
documentos posteriormente produzidos, recuperando algo de
considerável importância histórica por meio de trabalhos críticos, de
tentativas analíticas ou de materiais comemorativos; e (3o) os relatos
orais que são produzidos a posteriori, com uma explícita
intencionalidade de pesquisa. Os dois primeiros níveis incluem tanto
os textos oficiais quanto os materiais produzidos no interior da própria
instituição investigada, fazendo parte do chamado currículo escrito
(FERREIRA, 2005, p. 68).
Tomando como referência esses três níveis, investigo as seguintes fontes de
estudo, considerando, como recorte temporal analisado, os períodos de planejamento e
de aulas ministradas no PVS/CEDERJ no ano de 2013: (a) o conteúdo programático de
Biologia do edital de 2013 do ENEM, as apostilas da disciplina escolar Biologia
utilizadas em 2013 no PVS/CEDERJ e o modelo de planejamento das aulas de Biologia
ministradas em 2013 no PVS/CEDERJ; (b) o modelo de relatório sobre as aulas dadas
no PVS/CEDERJ; e (c) entrevistas com professores, coordenadores e ex-alunos, atores
sociais envolvidos na orientação, no planejamento e na execução das aulas de Biologia
no PVS/CEDERJ. Destaco que, conforme colocado anteriormente, tais ex-alunos do
PVS/CEDERJ são também ex-alunos do Ensino Médio da SEEDUC/RJ.
Compreendendo que tais documentos constituem um testemunho dos conflitos e
disputas que envolvem as decisões e ações curriculares, baseio-me em Goodson (2001)
e Ferreira (2005) para ratificar a importância de estudos sobre o currículo escrito.
Considerando que o currículo é resultante de “múltiplas influências – incluindo
embates e disputas decisivas na definição de quais conteúdos, métodos e objetivos são
legítimos” (GOMES, SELLES & LOPES, 2013, p. 479), busco analisar as fontes de
estudo supracitadas de maneira a não naturalizá-las, na medida em que, apoiando-me
53
em uma abordagem sócio-histórica, procuro sistematizar manutenções e ausências
existentes no currículo do PVS/CEDERJ. Para tanto, na tentativa de se articular
embasamento teórico e metodologia, os documentos aqui analisados são tratados “de
forma a articular relacionalmente a teoria e análise” (NUNES, 1985 apud GOMES,
SELLES & LOPES, 2013), levando em conta continuidades e distinções entre o
currículo de Biologia do PVS/CEDERJ e o currículo mínimo da disciplina escolar
Biologia da SEEDUC/RJ, buscando compreender, entre estes currículos, padrões de
estabilidade e mudança curricular (GOODSON, 1997). Para Ferreira (2005, p. 19):
Essa forma de entender as disciplinas escolares nos permite refletir,
por exemplo, sobre as razões de muitas propostas curriculares
construídas a partir de objetivos supostamente mais integrados
acabarem se estruturando também de modo disciplinar, não se
constituindo como alternativas concretas de mudança curricular. Isso
se deve, em grande parte, à estabilidade desse modelo de organização
curricular – a organização disciplinar –, que foi produzido com base
nos vários embates que se vêm estabelecendo entre as comunidades
disciplinares e os grupos sociais externos a elas. Afinal, Goodson
(1999, p. 115) destaca que “a disciplina se coloca como um arquétipo
da divisão e fragmentação do conhecimento dentro da nossa
sociedade”, encerrando um conjunto de debates e de conflitos que
extrapolam o âmbito de disciplina escolar específica, dizendo respeito
também aos objetivos mais amplos da escolarização.
No que se refere, especificamente, aos depoimentos coletados, considero,
conforme Goodson (1997 apud GOMES, SELLES & LOPES, 2013) destaca, que as
estabilidades e modificações em um padrão disciplinar demandam consentimento dos
atores sociais que exercem influência nos espaços nos quais a disciplina escolar é
construída e/ou ressignificada. Desse modo, o presente trabalho destaca o valor das
entrevistas com professores de Biologia, coordenadores de Biologia e ex-alunos do
PVS/CEDERJ e, simultaneamente, do Ensino Médio da SEEDUC, no sentido de
ampliar a compreensão de possíveis fatores que vêm, sócio-historicamente,
influenciando os padrões de estabilidade e mudança observados nos documentos. Nesse
movimento, ao analisar ambas as fontes já citadas, estive atenta tanto as informações
escritas quanto as que se situam nas ‘entrelinhas’, procurando evidenciar e considerar as
omissões e seleções que permeiam os documentos e as entrevistas analisadas.
54
CAPÍTULO III
Análise das fontes
No presente capítulo, tenho por objetivo dialogar com as fontes de estudo
utilizadas neste trabalho, buscando evidenciar tanto os resultados obtidos quanto os
mecanismos de análise das mesmas. Como já destacado no Capítulo II, essas fontes
podem ser divididas em três grupos: (a) um primeiro, voltado para os documentos
produzidos no próprio momento histórico investigado, quais sejam, o conteúdo
programático de Biologia do edital de 2013 do ENEM, as apostilas e o modelo de
planejamento das aulas da disciplina escolar Biologia utilizados em 2013 no
PVS/CEDERJ; (b) um segundo, com documento com fins analíticos, que é o modelo de
relatório sobre as aulas dadas no PVS/CEDERJ; e (c) um terceiro, com entrevistas
produzidas a posteriori, com uma explícita intencionalidade de pesquisa, com
professores, coordenadores e ex-alunos, atores sociais envolvidos na orientação, no
planejamento e na execução das aulas de Biologia no PVS/CEDERJ.
Para realizar essa tarefa, organizei o capítulo em duas seções. Na primeira delas,
busco analisar documentos cujas informações curriculares me permitiram refletir sobre
as relações entre o conjunto de conteúdos de Biologia empregados com os alunos de
Ensino Médio das escolas estaduais de ensino básico do Rio de Janeiro, o conjunto de
conteúdos de Biologia oficialmente exigidos pelo ENEM e o conjunto de conteúdos de
Biologia abordados no PVS/CEDERJ. Na segunda seção, dedico-me à análise dos
depoimentos recolhidos para este trabalho, buscando: (i) apresentar os sujeitos
entrevistados e suas respectivas posições; (ii) destacar aspectos recorrentes e peculiares
nas falas dos entrevistados; (iii) compreender como esses sujeitos participam da
comunidade disciplinar do ensino de Biologia. Em ambas, busco estabelecer relações
entre as fontes e o embasamento teórico abordado no capítulo anterior, com vistas a
entender que conteúdos de Biologia os professores têm privilegiado, quais as formas de
organização e seleção dos mesmos, como os critérios utilizados dialogam com as
tradições curriculares da área e, em especial, como todo esse processo se presta às lutas
mais amplas em torno da distribuição social do conhecimento.
III. 1. Disciplina escolar Biologia: o PVS/CEDERJ entre currículos oficiais
A fim de problematizar os conteúdos da disciplina escolar Biologia abordados no
55
PVS/CEDERJ, busco relacionar o currículo vigente em 2013 com aqueles que
compõem o currículo mínimo dessa disciplina escolar na Secretaria de Educação do
Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC), assim como o programa contido no edital do
ENEM, ambos vigentes também em 2013. Ao analisar dissemelhanças e
correspondências entre os três currículos supracitados, investigo possíveis lacunas no
currículo mínimo da SEEDUC em relação ao programa do edital do ENEM, de modo a
contribuir para uma reflexão consistente acerca de como o PVS/CEDERJ procura
preencher essas possíveis lacunas por meio da construção de seu próprio currículo.
Ressalto, de antemão, que o currículo mínimo da Secretaria de Educação do
Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) já se relaciona com o currículo do ENEM, na
medida em que propõe uma conformidade curricular com os exames nacionais:
Sua finalidade é orientar, de forma clara e objetiva, os itens que não
podem faltar no processo de ensino-aprendizagem, em cada disciplina,
ano de escolaridade e bimestre. Com isso, pode-se garantir uma
essência básica comum a todos e que esteja alinhada com as atuais
necessidades de ensino, identificadas não apenas nas legislações
vigentes, Diretrizes e Parâmetros Curriculares Nacionais, mas também
nas matrizes de referência dos principais exames nacionais e estaduais
(Currículo Mínimo. Ciências e Biologia. Página 2).
Iniciando a análise, destaco que o Currículo Mínimo propõe a seguinte
orientação curricular, em termos de “habilidades e competências” com foco na temática
“Biotecnologia”, para o terceiro bimestre do terceiro ano do Ensino Médio:
Habilidades e Competências.
Foco: Biotecnologia.
- Conhecer a natureza dos projetos genomas, em especial aqueles
existentes no Brasil, e sua importância para o homem e o ambiente.
- Perceber a importância da ética na utilização de informações
genéticas na promoção da saúde humana.
- Identificar as técnicas moleculares utilizadas na detecção e
tratamento de doenças, assim como os testes de DNA, sua importância
e abrangência e os custos envolvidos.
No que se refere a esse mesmo tema – a “Biotecnologia” –, o programa da
disciplina escolar Biologia que se encontra no edital do ENEM de 2013 explicita, como
56
requisito de conhecimento, a necessidade do aprendizado sobre células-tronco,
clonagem, tecnologia do DNA recombinante, determinação de paternidade e
investigação criminal. Essas são temáticas específicas que, embora implicitamente
contidas nos temas gerais do Currículo Mínimo, não são claramente citadas neste,
fazendo com que sua abordagem dependa da seleção promovida por cada professor
durante a composição do conjunto de temas específicos pertencentes ao tema geral
“Biotecnologia”, condição admitida pelo próprio ideário do Currículo Mínimo. Afinal:
O Currículo Mínimo visa estabelecer harmonia em uma rede de ensino
múltipla e diversa, uma vez que propõe um ponto de partida mínimo –
que precisa ainda ser elaborado e preenchido em cada escola, por cada
professor, com aquilo que lhe é específico, peculiar ou lhe for
apropriado (Currículo Mínimo. Ciências e Biologia. Página 2).
De maneira análoga, ao orientar o conteúdo da disciplina escolar Biologia a ser
ministrado no quarto bimestre da primeira série do Ensino Médio, o Currículo Mínimo
de 2013 da SEEDUC foca em uma outra temática – a “Diversidade dos Seres Vivos” –,
abordando-a, também, de modo relativamente generalista:
Habilidades e Competências.
Foco: Diversidade dos seres vivos.
- Reconhecer a diversidade de seres vivos no planeta, relacionando
suas características aos seus modos de vida e aos seus limites de
distribuição em diferentes ambientes, principalmente os brasileiros.
- Associar os processos genéticos à grande diversidade de espécies no
planeta.
Ao tratar desse mesmo tema – a “Diversidade dos Seres Vivos” –, o programa da
disciplina escolar Biologia que se encontra no edital do ENEM de 2013 expõe mais
detalhadamente que subtemas o estudante precisaria dominar como requisito para um
desempenho satisfatório no referido exame. Assim, ao abordar essa temática, o edital do
ENEM de 2013 fornece orientações mais especificas quando comparado ao Currículo
Mínimo da SEEDUC, enfatizando o estudo sobre vírus, sobre os seres procariontes e
eucariontes, seres autótrofos e heterótrofos, seres unicelulares e pluricelulares, tipos de
ciclo de vida, além das mutações gênicas e cromossômicas, que, dentre outros, são
processos específicos que contribuem para o entendimento da diversidade biológica.
Esse aspecto chama novamente a atenção para a abordagem generalista do Currículo
57
Mínimo de 2013 da SEEDUC, quando comparada à abordagem da disciplina escolar
Biologia que aparece no conteúdo programático do edital do ENEM de 2013.
O estudo das relações dos seres vivos entre si e com o meio ambiente é
defendido, em ambos os documentos, de modo semelhante ao já analisado. Afinal, o
Currículo Mínimo de 2013 da SEEDUC, no que se refere a disciplina escolar Biologia,
orienta, para o primeiro e o segundo bimestres da terceira série do Ensino Médio, o
estudo da integração “Humanidade e ambiente” e dos “Ecossistemas”, indicando, à
exceção do estudo dos Ciclos Biogeoquímicos, abordagens relativamente gerais da
temática Ecologia:
1º Bimestre.
Habilidades e Competências.
Foco: Humanidade e ambiente.
- Identificar critérios utilizados como indicadores sociais e de
desenvolvimento humano e analisar de forma crítica as consequências
do avanço tecnológico sobre o ambiente.
- Analisar perturbações ambientais, identificando agentes causadores e
seus efeitos em sistemas naturais, produtivos ou sociais.
- Reconhecer a importância dos ciclos biogeoquímicos para a
manutenção da vida, identificando alterações decorrentes de ações
antrópicas e suas consequências.
- Avaliar métodos, processos ou procedimentos utilizados no
diagnóstico e/ou solução de problemas de ordem ambiental
decorrentes de atividades sociais e econômicas.
2º Bimestre.
Habilidades e Competências.
Foco: Os ecossistemas.
- Identificar a importância dos diferentes grupos funcionais e suas
interações na manutenção dos ecossistemas.
- Reconhecer padrões em fenômenos e processos fundamentais em sua
organização.
- Reconhecer a importância do fluxo de energia para a vida e a ação de
agentes ou fenômenos que podem causar alterações nesse processo,
indicando mecanismos de obtenção, transformação e utilização de
energia pelos seres vivos, considerando aspectos biológicos, físicos ou
químicos.
58
Porém, o programa da disciplina escolar Biologia do Edital do ENEM de 2013
orienta o estudo de temas específicos dentro do mesmo tema geral – a Ecologia –, tais
como: fatores e abióticos dos ecossistemas, habitat, nicho ecológico, teia alimentar,
sucessão ecológica, efeito estufa, desmatamento, erosão, poluição da água e do solo.
Além desses aspectos, que se referem às diferenças encontradas na seleção e na
organização dos conteúdos relativos a temáticas semelhantes – a “Biotecnologia”, a
“Diversidade dos Seres Vivos”, a “Humanidade e ambiente” e os “Ecossistemas” – no
Currículo Mínimo da SEEDUC e no Edital do ENEM de 2013, outros temas que estão
presentes na disciplina escolar Biologia no primeiro documento curricular não
apresentam clara correspondência com o que aparece no segundo. Este é o caso, por
exemplo, do tema Imunologia, que, no programa do edital do ENEM de 2013, é
abordado envolvendo o estudo de conteúdos como antígenos e anticorpos, grupos
sanguíneos, transplantes e doenças autoimunes. Tais assuntos estão, no entanto, ausentes
no Currículo Mínimo que é apresentado para a disciplina escolar Biologia da SEEDUC,
denunciando que, além das diferenças de abordagens de temas semelhantes, ocorrem
também distinções no que diz respeito a temas abordados e não abordados pelos dois
currículos aqui analisados, o que produz uma espécie de ‘hiato’ entre tais currículos.
Pude verificar que, em termos gerais, o Currículo Mínimo que é apresentado
para a disciplina escolar Biologia da SEEDUC aborda os conteúdos de ensino por meio
da designação de temas gerais, sem, no entanto, listar conhecimentos específicos. Essa
configuração vai de encontro ao que é apresentado no programa do ENEM que é
apresentado para o ano de 2013, o qual aborda a disciplina escolar Biologia por meio de
temas específicos que, comparados com a generalização que aparece na organização do
Currículo Mínimo da SEEDUC, podem ou não ser abordados pelo professor em sua
prática docente, autonomia esta, inclusive, defendida oficialmente no documento:
O Currículo Mínimo visa estabelecer harmonia em uma rede de ensino
múltipla e diversa, uma vez que propõe um ponto de partida mínimo –
que precisa ainda ser elaborado e preenchido em cada escola, por cada
professor, com aquilo que lhe é específico, peculiar ou lhe for
apropriado (Currículo Mínimo. Ciências e Biologia. Página 2).
Além do exposto, o Currículo Mínimo da SEEDUC também defende a
minimização das orientações curriculares e a ampliação da autonomia docente, sob a
59
justificativa de maior adaptação à realidade regional dos educandos. Esse é um aspecto
que, apesar de fazer sentido em meio à lógica no qual é apresentado, não corresponde à
realidade curricular de um exame de caráter nacional, como é o caso do ENEM.
Observe o que é dito no documento curricular da SEEDUC:
Lembramos que estabelecer esse tipo de currículo básico para todas as
escolas da rede estadual do Rio de Janeiro não significa
homogeneização cultural; ao contrário, por ser mínimo, possibilita ao
professor fazer escolhas mais adequadas à diversidade cultural dos
alunos e à realidade de cada escola, já que terá espaço em seu plano de
ensino para inserir os temas que considerar necessários para
aprofundá-lo ou ampliá-lo, considerando a particularização por região
ou mesmo a individualização por turma (Currículo Mínimo. Ciências
e Biologia. Página 3).
Retomando a discussão sobre os ‘hiatos’ que são produzidos na disciplina
escolar Biologia tal como a mesma aparece no Currículo Mínimo da SEEDUC –
informando as escolas de Ensino Médio do Estado do Rio de Janeiro – e nas formas de
ingresso no ensino superior – aspecto aqui abordado por meio no Edital do ENEM de
2013 –, entendo que esta se insere em meio aos debates mais amplos em torno da
distribuição social do conhecimento, tais como formulados por curriculistas como
Goodson (1995, 1997 e 2001). Afinal, para o autor, como apontado no Capítulo II, existe
uma estreita relação entre os processos de seleção e de organização dos conhecimentos
escolares e uma distribuição mais ampla do conhecimento, o que interfere nas formas de
controle social. Isso significa que, em um contexto de Currículo Mínimo, já estamos
produzindo diferenciações que nos colocam e nos posicionam nas disputas sociais mais
amplas.
É nesse contexto que investigo o material didático voltado para a disciplina
escolar Biologia que é utilizado pelo PVS/CEDERJ no ano de 2013, com o propósito de
elucidar em que medida esse currículo procura suprir as ‘lacunas’ existentes entre os
documentos anteriormente analisados: o Currículo Mínimo de Biologia da SEEDUC e
os conteúdos de Biologia do programa do ENEM de 2013. Nesse movimento, busco
constatar que conteúdos de Biologia do programa do ENEM 2013 não são abordados no
Currículo Mínimo, mas constam nas apostilas da disciplina escolar Biologia do
PVS/CEDERJ utilizada no ano de 2013, conteúdos estes os quais localizo, inclusive,
quanto ao módulo e ao capítulo da apostila no qual se encontram.
60
No que diz respeito aos conteúdos da disciplina escolar Biologia listados no
programa do ENEM 2013 e que não constam no Currículo Mínimo do Ensino Médio
estadual, estes estão presentes na apostila de Biologia do PVS/CEDERJ:
Teia alimentar (Módulo 1. Capítulo 7);
Fatores bióticos e abióticos (Módulo 1. Capítulo 8);
Nicho ecológico e hábitat (Módulo 1. Capítulo 8);
Dinâmica das populações (Módulo 1. Capítulo 8);
Noções sobre células-tronco (Módulo 2. Capítulo 3);
Antígenos e anticorpos (Módulo 2. Capítulo 4);
Transplantes (Módulo 2. Capítulo 4);
Identificação genética dos indivíduos (Módulo 2. Capítulo 5).
Além desses, existem conteúdos de ensino da disciplina escolar Biologia listados
no programa do ENEM 2013 que não constam no Currículo Mínimo para o Ensino
Médio das escolas básicas estaduais, assim como igualmente não constam na apostila de
Biologia do PVS/CEDERJ. São eles:
Histologia animal e vegetal;
Clonagem;
Tecnologia do DNA Recombinante;
Aplicações da Biotecnologia à determinação de paternidade e investigação
criminal;
Grupos sanguíneos (Sistema ABO e Fator Rh);
Doenças autoimunes;
Aconselhamento genético.
Ainda que essa listagem de conteúdos de ensino presentes no edital do ENEM de
2013 e ausentes do Currículo Mínimo para o Ensino Médio da SEEDUC e, em certos
casos, da apostila de Biologia do PVS/CEDERJ não me permita compreender todos os
dilemas envolvidos na distribuição social do conhecimento, ela me fornece interessantes
‘pistas’ para entender os currículos como construções sócio-históricas que, de acordo
com Goodson (1995, 1997 e 2001), são elaboradas por atores e grupos que, em
comunidades disciplinares, disputam status, recursos e território. Compreendendo que,
em certa medida, os conteúdos de Biologia do PVS/CEDERJ se situam em uma espécie
61
de ‘hiato’ existente entre o Currículo Mínimo de Biologia do Ensino Médio da
SEEDUC e o programa do ENEM, busco trazer elementos para problematizar a questão
de como a seleção e a organização dos conhecimentos escolares em Biologia participam
das lutas mais amplas em torno da distribuição social do conhecimento.
Em uma análise que triangula três documentos curriculares distintos para pensar
a questão anteriormente levantada, considero que o currículo de Biologia do
PVS/CEDERJ ocupa parcialmente as ‘lacunas’ curriculares existentes entre os dois
outros currículos analisados, o que pode ser visto como um importante mecanismo de
luta por uma distribuição socialmente mais justa do conhecimento. Ressalto que o
PVS/CEDERJ é voltado para estudantes cujo perfil é caracterizado por limitações
socioeconômicas e pouco acesso a capital cultural.
A participação da disciplina escolar Biologia do PVS/CEDERJ nas lutas por
uma distribuição socialmente mais justa do conhecimento é evidenciada, por exemplo,
nos modos de abordagem dos assuntos em seu material didático específico, que se
caracteriza pelo desejo de uma construção de maiores diálogos com os alunos,
estimulando o desenvolvimento de habilidades como a leitura de gráficos e
interpretação de charges e fotografias, valorizando os conhecimentos que este traz da
sua vivência, e, consequentemente, estimulando a autoconfiança e a participação desse
aluno nas aulas. Com tal intenção, o material didático de Biologia do PVS/CEDERJ
propõe atividades que, ao serem respondidas a partir da mediação do tutor, o estudante
consegue unir a sua maneira de ver o mundo a um acervo novo de conhecimentos, ao
mesmo tempo em que desenvolve habilidades e competências cognitivas necessárias
não somente à resolução de provas de vestibular, como também à reflexão sobre a sua
própria trajetória. Um exemplo dessa questão aparece a seguir, em um exemplo de
exercício que aborda a temática “dinâmica das populações” a partir de um gráfico e nele
são propostas quatro atividades, assim enunciadas:
Atividade 1: Descreva, de modo sucinto, as variações que ocorrem
com a população de lebres ao longo do tempo de observação. Não
precisa detalhar ano a ano, apenas identificar e descrever o padrão de
variação existente – se houver algum.
Atividade 2: Faça o mesmo para a população de linces.
Atividade 3: Reflita e proponha uma hipótese que relacione as
variações nos tamanhos das populações das duas espécies.
Atividade 4: Proponha uma explicação para a variação na população
62
de lebres, que não considere a população de linces.
A preocupação com a formação do aluno do PVS/CEDERJ me remete às
tradições curriculares propostas por Goodson (2001), e, mais especificamente,
representa uma articulação entre três tradições: a acadêmica, a utilitária e a pedagógica.
É sobre esse aspecto que me detenho na próxima seção do presente capítulo.
III. 2. Sujeitos, tradições curriculares e comunidade disciplinar
Nesta segunda seção, analiso os depoimentos de atores cujas trajetórias estão
estreitamente relacionadas ao PVS/CEDERJ: dois tutores de Biologia (tutor A e tutor
B), dois ex-alunos (aluno D e aluno E), e um coordenador da disciplina escolar Biologia
(coordenador C). Tal análise foi feita tomando como referência os seguintes aspectos:
(a) aspectos relativos à seleção e organização dos conteúdos; (b) aspectos relativos à
distribuição social do conhecimento; e (c) aspectos relacionados à comunidade
disciplinar do ensino de Biologia, em especial a participação dos tutores nesta. Nela,
procuro explicitar características dos entrevistados quanto às suas concepções de
currículo, às relações com a construção do currículo, aos conteúdos que são mais ou
menos privilegiados ao longo de suas aulas, aos conteúdos que não são abordados nas
suas aulas, e às características do PVS/CEDERJ que o diferenciam de outros pré
vestibulares. A essas características, busco incorporar minhas interpretações sobre
como, a partir de suas abordagens, os professores mesclam as tradições utilitárias,
pedagógicas e acadêmicas, conforme descritas por Ivor Goodson (2001).
63
De acordo com os depoimentos analisados, a seleção dos conteúdos de Biologia
do PVS/CEDERJ é definida, principalmente, de modo a contemplar um conjunto de
conhecimentos que permitam aos alunos resolverem as questões propostas nas provas
de vestibular, em especial a prova do ENEM, o que me parece indicar, da parte dos
sujeitos entrevistados, uma concepção de currículo como um guia de preparação dos
alunos para a vida profissional e acadêmica, de status elevado. Essa concepção está
estreitamente relacionada à tradição disciplinar acadêmica proposta por Goodson
(2001), a qual, no contexto do PVS/CEDERJ, assume outros contornos, uma vez que se
volta para a preparação de alunos de classes sociais menos favorecidas, e não para a
preparação de alunos das classes média e alta, com a finalidade de torna-los aptos à vida
acadêmica e profissional (GOODSON, 2001). Nesse contexto, são valorizados, em
especial, conteúdos relacionados à Ecologia, aos Impactos Ambientais, à Evolução
Biológica, à Fisiologia Humana e ao Metabolismo Energético; ao passo em que foram
excluídos do currículo da disciplina escolar Biologia do PVS/CEDERJ conteúdos
voltados ao ensino de Histologia Animal e Vegetal, Fisiologia Vegetal e Embriologia.
Neste momento, considero importante direcionar a atenção para quem são os
sujeitos entrevistados e quais as respectivas posições das quais os mesmos estão se
expressando. Com esse intento, ressalto que tanto a entrada no PVS/CEDERJ quanto a
preocupação dos dois tutores entrevistados em relação à aprovação do aluno do
PVS/CEDERJ esbarram em características de suas próprias trajetórias. Para ambos os
tutores – tutor A e tutor B –, é significativo o sentimento de identificação entre as suas
trajetórias e aquelas dos alunos do PVS/CEDERJ, todas marcadas pela sensação de
dificuldade de acessar uma vaga no Ensino Superior por limitantes socioeconômicos –
como baixa renda, distância e baixo capital cultural – e pela demanda por incentivo,
conforme evidenciado nos três fragmentos transcritos a seguir:
No Ensino Médio, a gente não tinha um incentivo para procurar fazer
o vestibular, só quem tinha alguma influência de fora que mostrasse o
caminho. Então, no Ensino Médio, além do ensino não ser direcionado
para o vestibular, não acontece nem um encaminhamento para fazer as
provas. O jovem de hoje tem acesso a muitas coisas, então ele tenta
ocupar o seu tempo com outras coisas. Então, se não tiver alguém para
ajudar, dar um toque nele, no sentido de despertar, ele não procura
garantir o seu futuro (Trecho de depoimento do aluno D).
64
Eu acho a proposta do PVS/CEDERJ muito interessante, pois são
alunos de baixa renda, alunos que muitas vezes não têm todas as
disciplinas na escola, não têm um ensino regular de boa qualidade, e
querem. E, se existe uma coisa que tem que se valorizar é o querer do
indivíduo. E querer é poder. Porque quando você quer, se determina e
se esforça, o querer te incentiva a correr atrás, e correr atrás faz você
obter o êxito. E foi assim que eu obtive o êxito de passar para
medicina, pois muitos não acreditaram em mim, mas eu tive um pai
que acreditou em mim, eu tive professores que acreditaram em mim, e
isso fez a diferença. E eu gosto de incentivar os sonhos alheios, pois
um dia, um professor, incentivando o meu sonho, acreditando que ele
poderia se tornar realidade, que foi o ponto de partida para ele se
tornar (Trecho de depoimento do tutor A).
A questão social é o meu principal foco de interesse, porque dar
oportunidade a pessoas que não têm condições de alcançar o objetivo
de passar no vestibular foi o que me levou a permanecer no
PVS/CEDERJ. E eu também tenho uma estória parecida com a dos
alunos, vim de escola pública, de uma família que, mal ou bem,
trabalhou, sofreu para pagar, com desconto, um pré vestibular, e eu
estudando por conta própria consegui entrar na universidade. Então, a
gente sabe o quanto é sofrido, o quanto é difícil. Eu me lembrando das
pessoas que conviveram comigo no Ensino Fundamental e no Ensino
Médio, são raríssimas aquelas que chegaram ao nível superior. Que
tenha chegado ao Ensino Superior público, das pessoas que eu
conheço, que tenho contato, ninguém, só eu. Então, quando eu
conheci o PVS/CEDERJ, eu vi que era uma oportunidade de pessoas
com uma estória similar ou pior que a minha terem essa oportunidade
de entrar na universidade (Trecho de depoimento do tutor B).
Mesmo não evidenciando uma identificação pessoal com a trajetória da maior
parte dos alunos do PVS/CEDERJ, o coordenador da disciplina escolar Biologia do
PVS/CEDERJ também explicita um interesse pessoal pelo combate às desigualdades
socioeconômicas e culturais que o PVS/CEDERJ tenta travar, conforme o trecho
transcrito a seguir:
Me interessa o fato de que se trata de uma iniciativa do Estado voltada
65
para uma faixa da população que dificilmente tem acesso à
universidade. Eu sempre trabalhei em escola pública. Minha
motivação para abraçar esses projetos, essas iniciativas, tem a ver com
o serviço público, com aquilo que eu acho que o Estado deve oferecer
à população, principalmente em áreas que estão fechadas à população
menos favorecida (Trecho de depoimento do coordenador C).
Dessa maneira, a seleção dos conteúdos de Biologia mais abordados, dentro da
concepção dos dois tutores e do coordenador entrevistados, obedece, primordialmente,
ao critério de aumentar a possibilidade de acesso do aluno de baixa renda à
universidade. Entretanto, para o tutor A, além desse critério, a carência que a maior
parte dos alunos apresenta em um ou outro conteúdo específico também condiciona uma
abordagem mais aprofundada de alguns assuntos em detrimentos de outros, conforme
exemplifica o trecho seguir:
Aí eu dou privilégio, por exemplo, ao conteúdo sobre genética, que,
apesar de não ser a matéria mais frequente, cai nas provas, e quando
cai, faz diferença para o aluno, e o aluno geralmente não tem contato
nenhum com genética durante o Ensino Médio. Outro tema: célula. O
aluno não sabe o que é uma célula, o que é uma organela celular. E é
uma matéria bastante frequente. Então, apesar de não haver um
capítulo específico sobre célula no material didático do
PVS/CEDERJ, dentro das aulas, eu vou abordando aquilo que é
interessante, eu tomo essa liberdade. Eu dou o conteúdo que somos
orientados a dar, mas eu vou inserindo observações, detalhes que,
ainda que não estejam na apostila, são relevantes para a prova e,
muitas vezes, o aluno não apresenta um conhecimento prévio. Os
sistemas eu também valorizo muito, pois os alunos também têm
muitas dificuldades. Ecologia, que é uma das matérias que mais caem
no vestibular, sempre caem questões de ecologia, e os alunos não tem
muita noção, então é uma aula que eu tenho todo um carinho para dar,
geralmente faço em Datashow, para ilustrar (Trecho de depoimento do
tutor A).
É importante pontuar que a seleção de conteúdos feita pela coordenação de
Biologia e trabalhada pelos tutores de Biologia do PVS/CEDERJ é também
consequência da noção curricular desses atores, que, no caso do PVS/CEDERJ,
66
concebem o currículo como um programa regido, primordialmente, por influências
externas, como os conteúdos mais frequentes das provas de vestibular e as trazidas
pelos alunos que chegam ao PVS/CEDERJ, conforme evidencia o trecho a seguir:
É até difícil você falar, em termos acadêmicos, em currículo, quando
se diz respeito a um Pré Vestibular. Porque os conteúdos abordados
por um Pré Vestibular são pautados externamente. Quando o ENEM
passa a fazer parte do vestibular, ele passa a discriminar. Mas, mesmo
assim, ele se pauta pelo currículo das escolas. E aí, você tem um
conflito entre o que a universidade quer e o que a escola pode fazer.
Então, o ENEM tenta pautar o currículo das escolas, conseguindo
parcialmente. O estado não alcança isso esse currículo satisfatório. E o
pré vestibular vem para tapar o buraco daquelas escolas que não
conseguem alcançar isso. Então, nós não temos um currículo pré
concebido, nós não temos uma articulação no sentido acadêmico de
currículo, nós fazemos uma série de recortes sobre aquilo que mais cai
nas provas, e é assim que todos pré vestibulares funcionam (Trecho de
depoimento do coordenador C).
Quanto à organização dos conteúdos de Biologia do currículo do PVS/CEDERJ,
o principal aspecto considerado como responsável pela ordem dos assuntos dispostos no
material didático de Biologia do PVS/CEDERJ é uma preocupação com a formação dos
alunos. De acordo com o coordenador C, por exemplo, a presença de assuntos como
noções gerais de Bioquímica Celular, Evolução Biológica e Fisiologia Humana são
essenciais para que o aluno do PVS/CEDERJ solidifique conceitos básicos, os quais o
permitirão aprender conteúdos mais aprofundados sobre os mesmos assuntos, os quais
são tratados nos capítulos posteriores. Observe:
A ênfase que nós da Biologia optamos por dar foi na formação mais
do que na informação. Com o tempo, nós fomos pensando: “Qual é a
linha mestra da Biologia?”. Evolução é importante. Não dá para você
abordar uma série de temas da Biologia, sem pensar no aspecto
evolutivo. Então, nossos primeiros materiais tinham uma parte sobre
célula: núcleo, hereditariedade, divisão celular, metabolismo celular.
Então, nós organizamos os módulos de maneira que o módulo 1 seja
fundamental. No módulo 2, os dez primeiros capítulos são
fundamentais. Os outros, como nós mesmos dizemos, são capítulos de
aprofundamento, que se remetem aos capítulos anteriores. Então, nós
67
não esperamos que sejam dadas aulas sobre esses capítulos (Trecho de
depoimento do coordenador C).
A preocupação com a formação dos alunos do PVS/CEDERJ como um dos
principais fatores condicionantes da organização curricular dos conteúdos também
aparece nos depoimentos dos tutores entrevistados, conforme os dois trechos a seguir:
O PVS/CEDERJ trabalha com alunos de baixa renda, oriundos, em
maioria, da rede pública de ensino, alunos que vêm com déficits desde
o Ensino Fundamental. Então é preciso ter essa preocupação com a
formação deles, pois não adianta colocar as matérias que mais caem
no vestibular, e não me preocupar com o fato de que ele não tem base
nenhuma. Então, há essa preocupação, sim, de dar uma base inicial
para o aluno. Eu entendo o PVS/CEDERJ como uma porta de entrada
para o aluno, para ele ver que pode estudar, e que, principalmente por
vontade e iniciativa própria, ele pode passar no vestibular (Trecho de
depoimento do tutor A).
Então, os meus alunos saem da aula com a noção de Biologia não só
como conteúdo para passar numa prova, mas também com uma visão
de como viver bem, como ter uma boa relação com o planeta. Uma
questão para a vida, mesmo (Trecho de depoimento do tutor B).
A coexistência, por parte do coordenador e dos tutores entrevistados, de uma
preocupação em facilitar o acesso do aluno do PVS/CEDERJ à universidade e da
atenção em contribuir para um aprimoramento da formação desses alunos, parece
representar, dentro da disciplina escolar Biologia, um movimento que busca mesclar as
tradições acadêmica – na medida em que o prepara para a vida profissional e acadêmica
–e utilitária – por colaborar para o seu desenvolvimento no que diz respeito a
competências relativas à sua vida prática e à sua visão de mundo (GOODSON, 2001).
Quanto aos materiais utilizados para a seleção e a abordagem dos conteúdos de
ensino, assim como para privilegiar mais alguns conteúdos em detrimento de outros, os
depoimentos divergem significativamente. Preocupado com a formação dos alunos e
aproximando a produção do material didático a aspectos relativos à sua própria
trajetória acadêmica, o coordenador C analisa e utiliza, além das provas de vestibular,
documentos originais sobre experimentos que permitiram a descoberta do conhecimento
68
abordado na aula, como mostra o trecho a seguir:
Para a seleção de temas, nós vemos aquilo que os vestibulares estão
cobrando, pelas provas e conteúdos programáticos, e baseados na
experiência que nós temos com o Ensino Médio. Nós pensamos sobre
o que é significativo para aquele aluno, naquele contexto, para aquele
objetivo. Para a construção do material, nós, muitas vezes,
pesquisamos os artigos originais dos experimentos que resultaram na
descoberta daqueles conhecimentos (Trecho de depoimento do
coordenador C).
No que concerne aos tutores, esses analisam e utilizam, além do material
didático produzido pela equipe de coordenação de Biologia do PVS/CEDERJ, provas
anteriores de vestibular e livros didáticos de autores legitimados pelo meio docente,
conforme explicitam os dois fragmentos a seguir:
Eu consulto livros de Biologia que são conceituados em Ensino
Médio, como o da Sônia Lopes. Consulto também as provas
anteriores, para me direcionar sobre o que eu posso ou não apresentar
pelas frequências (Trecho de depoimento do tutor A).
Eu estou sempre atento às provas, pela prática de dar aula para o
terceiro ano. Eu tenho uma experiência com os livros didáticos, já
experimentei muitos, e me servem até hoje de apoio para aprofundar
os temas que eu considero importantes. Um exemplo de autor que eu
gosto é o Amabis (Trecho de depoimento do tutor A).
Quanto à preocupação de tornar o ensino de Biologia no PVS/CEDERJ uma
ferramenta de distribuição social do conhecimento, os tutores e o coordenador
consideram, em seus depoimentos, significativamente a situação desigual de acesso a
um ensino médio de qualidade, à qual está exposta a maior parte dos alunos do
PVS/CEDERJ, como relata os dois seguintes trechos:
Nós lidamos com meninos que, por mais que tenham capacidade,
potencial, ao longo da sua escolaridade boa parte deles não teve
oportunidade de desenvolver esse potencial. E ao concorrer com
alunos oriundos de escolas particulares, se eles não desenvolverem,
em um curto período de tempo certas capacidades, hábitos,
“sacações”, habilidades, eles não vão conseguir concorrer (Trecho de
69
depoimento do coordenador C).
Eu tento puxar mais pelas matérias que são mais cobradas e as
matérias que os alunos têm maior deficiência, que eles não tiveram
contato no Ensino Médio. Eu sempre trabalhei muito com esquema de
aula-extra, porque aqui eu tenho um cronograma de aulas a seguir,
então eu não posso me dar o privilégio de selecionar as matérias que
eu acho que são mais relevantes, que têm maior frequência nas provas
de vestibular. Porém, eu posso dar aula-extra, depois do horário, sem
vínculo com o projeto (Trecho de depoimento do tutor A).
A noção de acesso desigual ao conhecimento e a consequente demanda por
estratégias que busquem amenizar essas diferenças também são refletidas pelos alunos,
como evidencia os dois fragmentos abaixo:
Eu entrei no PVS/CEDERJ porque queria conquistar uma vaga na
faculdade. Sabia que era muito concorrido e eu tinha que ter um bom
preparo além do que eu tinha. O preparo que eu tinha não me
proporcionava a realização do meu sonho (Trecho de depoimento do
aluno D).
Eu percebi que quando eu fosse disputar uma vaga com alunos de
outras escolas, principalmente as escolas particulares, eu iria ter uma
certa desvantagem. E eu achava que o tempo de estudo das escolas
estaduais era muito curto, de sete da manhã até meio-dia é pouco. Eu
via que alguns alunos estudavam de sete da manhã até às três da tarde,
e depois faziam intensivo até as cinco da tarde (Trecho de depoimento
do aluno E).
A fim de analisar o conjunto de aspectos que caracterizam o grupo de tutores da
disciplina Biologia do PVS/CEDERJ, recorro ao conceito de comunidade disciplinar de
Goodson (2001), que defende a ideia de que uma consequência importante do aumento
do nível de exigência do ensino das disciplinas de caráter acadêmico foi a
profissionalização dos professores, os quais passaram a se considerar como membros de
uma comunidade disciplinar específica. Essa profissionalização desenvolveu-se
acompanhada de uma demanda por formação específica que diferenciasse e legitimasse
cada comunidade disciplinar. A partir desse apoio teórico, buscarei, a seguir, traçar
70
similaridades e dissemelhanças entre o conceito de comunidade disciplinar definido por
Goodson (2001) e o grupo de tutores de Biologia do PVS/CEDERJ, procurando
evidenciar as especificidades desse grupo.
Diferentemente do que Goodson (2001) coloca, os tutores da disciplina escolar
Biologia do PVS/CEDERJ não apresentam, necessariamente, uma única formação
específica. Dessa maneira, além dos tutores provenientes da Licenciatura em Ciências
Biológicas, há inúmeros casos, entre os tutores de Biologia do PVS/CEDERJ, de tutores
oriundos de outros cursos da área Biomédica diferentes da Biologia, como Medicina e
Nutrição. Essa flexibilidade do rótulo de comunidade disciplinar caracteriza uma das
especificidades desse grupo de tutores, e pode ser evidenciada pelo trecho a seguir,
retirado do depoimento do tutor A, que cursa o 11º período de Medicina:
Eu não faço licenciatura nem bacharelado em Biologia. Faço
Medicina. Mas sempre gostei de ensinar, sempre gostei de passar
conhecimento. Porque passando conhecimento, eu aprendia mais, eu
conseguia fixar mais o meu conhecimento, então era algo que me dava
prazer (Trecho de depoimento do tutor A).
Outro aspecto que também caracteriza o grupo de tutores de Biologia do
PVS/CEDERJ, diferenciando-o da concepção usual de quem são os membros da
comunidade disciplinar tal como proposta por Goodson (2001), é o fato de que muitos
desses tutores, tanto os oriundos da Licenciatura em Ciências Biológicas quanto os
provenientes de outros cursos, ainda são graduandos. Esse aspecto vai de encontro à
demanda por uma comprovada formação específica observada na formação de uma
comunidade disciplinar tradicional, e corrobora para a função de que, de acordo com a
proposta da coordenação de Biologia, o PVS/CEDERJ é também um espaço de
formação tanto para alunos quanto para os tutores, como mostra o trecho a seguir:
O PVS/CEDERJ é, sobretudo, um espaço de formação. Achamos que
é essencial considerar que os alunos necessitam de formação antes da
informação. E é um espaço de formação também para o tutor, que
está, a cada aula, avaliando seus resultados, sua retórica, suas
estratégias, enfim, avaliando a sua prática. E isso nós compartilhamos
não só através da leitura dos relatórios mas também através das
capacitações (Trecho de depoimento do coordenador C).
A partir da continuidade da análise dos depoimentos utilizados nesse estudo, o
71
interesse desse grupo academicamente heterogêneo de tutores em compor a comunidade
disciplinar que caracteriza a equipe de tutores de Biologia do PVS/CEDERJ se justifica
principalmente pela sensibilidade dos tutores e coordenadores à causa da desigualdade
de acesso educacional. Tal evidência sugere que essa sensibilidade, juntamente ao
consequente conjunto de esforços no sentido de democratizar o ensino de qualidade,
tornando-o mais acessível a estudantes de camadas menos favorecidas da população,
sejam alguns dos principais motivos para que, no âmbito do PVS/CEDERJ, o ensino da
disciplina Biologia se insira nas lutas pela distribuição social do conhecimento.
72
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na conclusão do presente trabalho, pretendo delinear o percurso por mim
desenvolvido na construção desta pesquisa, que teve por objetivo contribuir para a
compreensão de como a disciplina Biologia lecionada no Pré Vestibular Social do
CEDERJ participa das lutas mais amplas pela distribuição social do conhecimento. Para
tanto, exponho, a seguir, uma série consecutiva de passos que precedem e permeiam
toda a produção desta dissertação, passos que se iniciam pela minha trajetória como
professor de pré vestibulares sociais e como participante de um dos grupos de pesquisa
do Núcleo de Estudos do Currículo (NEC/UFRJ), passando para as escolhas do objeto
de pesquisa e das ferramentas teórico-metodológicas que caracterizaram a produção
inicial deste estudo. Após tratar desses momentos, faço uma análise de outros trabalhos
que apresentam aproximação temática com esta pesquisa, e, em seguida, a determinação
das fontes de estudo e das formas de análise que caracterizaram o desenvolvimento
desta dissertação. Por fim, verso sobre os resultados aos quais esta pesquisa chegou, de
maneira a reconhecer suas limitações e a importância da continuação deste estudo por
outros trabalhos.
A produção inicial deste trabalho, que abarca, em especial, o meu interesse pelo
tema tratado e a determinação do recorte espaço-temporal analisado, deveu-se a fatores
que influenciaram minha vida acadêmica e pessoal antes mesmo de meu ingresso no
curso de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade
de Educação da UFRJ. O primeiro fator que influenciou esta produção foi a minha ativa
participação, durante cerca de sete anos, no corpo docente de pré vestibulares sociais,
principalmente o Curso Pré Universitário de Nova Iguaçu – um curso pertencente à Pró
Reitoria de Extensão da UFRJ, o qual funcionava no Município de Nova Iguaçu – e o
Pré Vestibular Social do CEDERJ – um projeto pertencente à Secretaria de Ciência e
Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro, o qual funciona em diversas áreas ao longo de
todo o estado. Conviver nesses espaços me fez, mais do que lecionar acerca da
disciplina escolar Biologia, refletir sobre os possíveis motivos da necessidade de
existência de projetos como os pré vestibulares sociais, e, mais do que isso, me fez
pensar por que razões essa demanda provém de estudantes de perfil socioeconômico
bastante determinado.
A partir dessa vivência, desenvolvi, nos espaços dos pré vestibulares sociais em
73
que atuei, minha militância a favor de ações que buscassem reduzir as desigualdades
sociais entre estudantes de classes sociais distintas. E na medida em que, ao longo dos
anos, fui constatando de perto a eficácia dessas ações – ao ver centenas de alunos
socioeconomicamente desfavorecidos, oriundos de famílias sem qualquer histórico ou
perspectiva de vida acadêmica, ingressando em universidades de qualidade, e, com isso,
gerando exemplos simbólicos para outros estudantes de condições socioeconômicas
similares –, tive a necessidade de compreender mais amplamente como a disciplina
escolar que eu leciono – a Biologia – se insere nessas lutas amplas em prol de uma
distribuição mais justa do conhecimento.
Esta necessidade está estreitamente relacionada ao segundo fator que influenciou
a produção inicial deste trabalho. Refiro-me à minha aproximação com o campo do
Currículo, que se deu pelo meu ingresso no grupo de estudos do Núcleo de Estudos do
Currículo (NEC/UFRJ), mais especificamente no Grupo de Estudos em História do
Currículo, que é coordenado pela Prof.ª Dr.ª Marcia Serra Ferreira, minha orientadora
nesta dissertação. A aproximação com o campo do Currículo me apontou caminhos po
meio dos quais dos quais pude tentar compreender como os conteúdos da disciplina
escolar Biologia lecionados nos pré vestibulares sociais participam das lutas mais
amplas pela distribuição social do conhecimento. Estes caminhos me conduziram ao
estudo da História do Currículo, e, mais precisamente, das tradições disciplinares
propostas por Ivor Goodson (2001), que me auxiliaram na tentativa de entender os
precedentes de um cenário educacional caracterizado por profundas diferenças na
abordagem das disciplinas oferecidas para estudantes de camadas sociais distintas.
Desse modo, pude perceber que, desde a Inglaterra do século XIX, aos alunos de menor
poder aquisitivo, filhos de trabalhadores, era oferecido um conjunto de conhecimentos
relacionados à sua vida prática, configurando o que foi denominado por Goodson
(2001) de tradição utilitária. Ao passo que, aos estudantes oriundos de famílias de maior
poder aquisitivo, era oferecido um conjunto de conhecimentos cuja função principal era
prepara-los para a sua carreira acadêmica e profissional, configurando o que foi
denominado por Goodson (2001) de tradição acadêmica. O fato de um aluno de pré
vestibular social trazer diversas lacunas de conhecimento demanda uma preocupação,
por parte dos professores, no que diz respeito à abordagem das disciplinas, o que me
remeteu à terceira tradição disciplinar de definida por Goodson (2001), a tradição
pedagógica, a qual é centrada no aprendizado do estudante.
A partir dessa aproximação com o campo do Currículo, pude verificar que o
74
conceito de comunidade disciplinar de Goodson (2001) apontava importantes
características peculiares ao PVS/CEDERJ, uma vez que nos pré vestibulares sociais
nem sempre os profissionais são graduados em suas áreas de atuação. De acordo com
Goodson (2001), uma comunidade disciplinar demanda uma formação específica,
aspecto que não se verifica no PVS/CEDERJ, cujo corpo de tutores da disciplina escolar
Biologia é formado por graduandos e graduados em Biologia e em outras carreiras da
área Biomédica, como Nutrição e Medicina. Este aspecto me estimulou a investigar que
características seriam responsáveis por esses estudantes e profissionais formarem uma
mesma comunidade disciplinar. A partir da análise das fontes, a principal questão
comum a esses tutores é o interesse em diminuir as desigualdades educacionais de
acesso ao ensino superior por estudantes de diferentes perfis socioeconômicos, interesse
este que, na maioria dos casos, é fruto da identificação dos tutores – que, em muitos dos
casos, também são oriundos de camadas menos privilegiadas da população – com a
trajetória dos alunos.
O desenvolvimento desta pesquisa se inicia pela análise de trabalhos afins,
considerando que este estudo apresenta, quanto à sua proposta temática, ao seu
embasamento teórico e à sua metodologia, aspectos comuns a outros trabalhos. A partir
desta ideia, analisei outros estudos que abordam, isoladamente ou de maneira articulada,
os temas “pré vestibulares sociais”, “currículo” e “ensino de Biologia”. Ao analisar tais
trabalhos, levei em conta dois interesses: primeiramente, investigar como o meu estudo
se insere no conjunto de trabalhos com temáticas e propostas teórico-metodológicas
próximas às de minha pesquisa, buscando definir que semelhanças e que diferenças meu
estudo traz a esse conjunto de trabalhos; e buscar contribuições teórico-metodológicas.
O progresso deste trabalho também é fruto de um conjunto de escolhas sobre as
direções da análise de minha questão central. Esse conjunto de escolhas diz respeito,
primeiramente, à definição do objeto deste estudo, o PVS/CEDERJ, que, além de eu
conhecer bem por ter feito parte de seu corpo de tutores, é uma instituição
hierarquicamente organizada e que apresenta um currículo de Biologia materializado em
um material didático construído por uma coordenação específica e utilizado por todos os
tutores, o que me garante boas fontes de estudo.
Um segundo aspecto relacionado ao direcionamento desta pesquisa é a
determinação das fontes. A fim de tentar compreender as peculiaridades do objeto de
pesquisa, escolhi analisar, considerando o recorte temporal do ano de 2013, o Currículo
Mínimo de Biologia produzido pela SEEDUC, o programa relativo aos conteúdos de
75
Biologia do ENEM, e o material didático produzido pela coordenação de Biologia do
PVS/CEDERJ, além de depoimentos de alunos, tutores e coordenador de Biologia. Para
definir estas escolhas metodológicas, considerei a relação de complementariedade entre
essas duas fontes, na medida em que o material didático geralmente desconsidera a
ações humanas, assim como os depoimentos costumam se configurar como seleções das
informações pertinentes ao objeto de pesquisa.
Um terceiro aspecto concernente ao conjunto de escolhas que permearam o
desenvolvimento deste estudo foi o perfil de análise das fontes escolhidas.
Relativamente aos documentos, me interessou investigar quais eram os conteúdos da
disciplina escolar Biologia que, ao mesmo tempo, constavam no programa de Biologia
do ENEM mas não constavam no Currículo Mínimo de Biologia da SEEDUC, e mais
do que isso, quais destes conteúdos eram contemplados pelo currículo observado no
material didático de Biologia do PVS/CEDERJ, no sentido de compreender em que
medida esse o currículo de Biologia supre as possíveis ‘lacunas’ entre o Currículo
Mínimo de Biologia da SEEDUC e o programa de Biologia do ENEM.
Ainda sobre o perfil de análise das fontes, no que diz respeito às entrevistas,
preocupei-me em investigar a concepção de currículo dos entrevistados, quais os
conteúdos mais abordados, quais os conteúdos menos abordados, quais conteúdos não
são abordados, qual o pensamento dos entrevistados sobre a função do PVS/CEDERJ e
o que pode diferencia-lo de outros pré vestibulares, quais as especificidades da
comunidade disciplinar da qual fazem parte. A partir dessa preocupação, criei categorias
de análise para estudar os depoimentos. A primeira categoria de análise diz respeito à
organização, seleção e finalidades dos conteúdos de Biologia lecionados no
PVS/CEDERJ. A segunda categoria de análise diz respeito às noções de distribuição
social do conhecimento que influenciam as funções dos tutores. Por fim, a terceira
categoria de análise se configura acerca da comunidade disciplinar formada pelos
tutores de Biologia do PVS/CEDERJ, em especial, como os tutores percebem a sua
prática no âmbito de um pré vestibular social, e quais fatores influenciaram tais tutores a
fim de que se interessassem em compor esta comunidade disciplinar específica.
Os resultados das análises dos documentos e dos depoimentos recolhidos para
esta pesquisa apontam que o ensino da disciplina escolar Biologia lecionada no
PVS/CEDERJ se insere nas lutas mais amplas por uma distribuição social do
conhecimento. Isso ocorre na medida em que, curricularmente, os conteúdos de
Biologia abordados pelo PVS/CEDERJ ocupam parcialmente o ‘hiato’ existente entre o
76
Currículo Mínimo de Biologia da SEEDUC e o programa de Biologia do ENEM, por
abranger uma série parcial de conhecimentos que o Currículo Mínimo de Biologia da
SEEDUC não aborda, e que são demandados pelo programa de Biologia do ENEM.
Mais do que isso, os resultados deste estudo indicam que a comunidade disciplinar
formada pelos tutores de Biologia do PVS/CEDERJ, ao contrário de uma comunidade
disciplinar tradicional, não é caracterizada por uma formação específica, mas por um
conjunto de interesses que incluem o aprimoramento didático e a preocupação com a
formação do aluno. Os depoimentos mostraram que tal conjunto de interesses parte,
primordialmente, de um movimento em defesa de uma distribuição mais justa do
conhecimento e de uma identificação pessoal destes tutores com a trajetória dos alunos.
Assim, a análise dos depoimentos dos ex-alunos do PVS/CEDERJ aponta que esta
preocupação social é refletida pelos alunos, cujos depoimentos demonstram certa
consciência em relação às diferenças de abordagem, orientação e empenho didático
entre os profissionais de seu Ensino Médio e a figura do tutor de Biologia.
Para concluir estas considerações, ressalto que este trabalho não visa, em
hipótese alguma, esgotar o estudo realizado. Desse modo, defendo que um grande
número de questões pode ser levantado à luz desta temática, como, por exemplo, como
outros pré vestibulares sociais participam desta luta por uma distribuição igualitária do
conhecimento, que ferramentas didático-metodológicas são e/ou podem ser utilizadas no
processo de distribuição social do conhecimento, além de quais outros possíveis
precedentes influenciaram a distribuição do conhecimento necessário para o acesso ao
Ensino Superior no país. Termino, por fim, esta dissertação destacando que este estudo,
por tanger a desigualdade social através da distribuição do conhecimento, assunto ainda
muito mal resolvido no Brasil, necessita de continuidade em sua reflexão, o que sugere
o desenvolvimento de pesquisas futuras sobre a temática aqui abordada.
77
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Biológicas e sua relação com as avaliações nacionais. Tese de doutorado. Universidade
Estadual de Campinas, 2011.
ROQUETTE, D. A. G. Modernização e retórica evolucionista no currículo de Biologia:
Investigando livros didáticos das décadas de 1960/70. Dissertação de mestrado.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.
SAFFIOTTI, A. Crise e transformação: um estudo sobre a experiência de alunos de
baixa renda num Cursinho Popular. Dissertação de mestrado. Universidade de São
Paulo, 2008.
SANGER, D. S. Para além do ingresso na universidade – Radiografando os Cursos Pré-
Vestibulares para negros em Porto Alegre. Dissertação de mestrado. Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 2003.
SANTOS, A. V. F. dos. Investigando a disciplina escolar Educação Ambiental em
Armação dos Búzios, RJ: entre histórias e políticas de currículo. Dissertação de
mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010.
SANTOS, J. S. dos. Avaliação dos conteúdos de Biologia Celular no Ensino Médio:
Estudo de caso sobre a prática docente e sua relação com exames de ingresso no Ensino
Superior. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas, 2008.
SANTOS, L. L. C. P. História das disciplinas escolares: perspectivas de análise. Teoria e
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SANTOS, S. B. O Sentido Político do Pré-VestibularComunitário da Maré: Adesões e
resistências. Dissertação de mestrado. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2007.
SETTIN, I. C. Elaboração, aplicação e avaliação de um curso à distância para pré-
80
vestibulandos com ênfase no ensino de Biologia. Dissertação de mestrado. Universidade
Estadual de Campinas, 2004.
SIVA, C. B. Percepções sobre a matriz curricular do ENEM para a disciplina de
Biologia nas escolas de Santa Maria. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de
Santa Maria, 2011.
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caso a partir das mudanças realizadas de 1978 a 2004. Dissertação de mestrado.
Universidade Federal do Ceará, 2007.
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construção social de conceitos biológicos entre estudantes de cursos Pré-Vestibulares
Comunitários. Tese de doutorado. PUC-RIO, 2006.
TEIXEIRA, P. M. M. Pesquisa em ensino de Biologia no Brasil [1972-2004]: um estudo
baseado em dissertações e teses. Tese de doutorado. Universidade Estadual de
Campinas, 2008.
TERRERI, L. S. L. Políticas Curriculares para a Formação de Professores em Ciências
Biológicas: Investigando Sentidos de Prática. Dissertação de mestrado. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, 2012.
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Gonçalves da Silva na comunidade disciplinar e na experimentação didática.
Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.
81
ANEXO 1
Roteiro das entrevistas realizadas com coordenador de Biologia e tutores de Biologia
atuantes no PVS/Cederj 2013:
1- Como você veio atuar no PVS/CEDERJ? O que tem te interessado nessa experiência
profissional?
2- Que conteúdos de Biologia você privilegia no currículo dessa disciplina?
3- Que conteúdos de Biologia você aborda menos ou deixa de fora?
4- Que critérios você usa para selecionar quais conteúdos privilegiar e não privilegiar?
5- Que materiais você consulta para auxiliar nessas decisões?
6- Como você percebe a relação entre o currículo de Biologia elaborado no
PVS/CEDERJ e os exames pré-vestibulares?
7– Como você percebe a relação entre o currículo de Biologia elaborado no
PVS/CEDERJ e a formação dos alunos?
8– Como você percebe a relação entre o currículo de Biologia elaborado no
PVS/CEDERJ e o currículo oferecido pelo estado?
9– Como você percebe a relação entre o currículo oferecido pelo estado e os exames
pré-vestibulares?
10– Como você percebe, ao longo do ano, o papel das aulas de Biologia do
PVS/CEDERJ na reflexão dos alunos em relação às condições sociais em que estão
inseridos? Há algum exemplo de reflexão, vinda dos alunos, na tentativa de
problematizar as condições sociais que permeiam as suas trajetórias?
82
ANEXO 2
Roteiro das entrevistas realizadas com ex-alunos do PVS/Cederj 2013:
1-Quais fatores o levaram a buscar uma vaga no PVS/CEDERJ?
2- Que diferenças você percebe nas aulas de Biologia do PVS/CEDERJ em relação as
do Ensino Médio? Que aspectos são semelhantes?
3- A que você atribui essas diferenças e semelhanças?
4- Após concluir um ano de estudos no PVS/CEDERJ e, tendo feito os exames
vestibulares, como você percebe as contribuições das aulas de Biologia do
PVS/CEDERJ para os conhecimentos cobrados na prova do ENEM de seu ano de
vestibular? E o que faltou nessas aulas?
5- Você acha que as aulas do PVS/CEDERJ contribuíram para a sua reflexão atual sobre
as condições sociais em que está inserido? Em caso afirmativo, quais foram essas
contribuições?
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