compêndio de ensaios jurídicos: temas de direito do patrimônio cultural - v. 01, n. 06
Post on 12-Jan-2016
12 Views
Preview:
DESCRIPTION
TRANSCRIPT
TAUÃ LIMA VERDAN
RANGEL
COMPÊNDIO DE ENSAIOS
JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO
DO PATRIMÔNIO CULTURAL
V.
01
N.
06
COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS:
TEMAS DE DIREITO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL
(V. 01, N. 06)
Capa: Cândido Portinari, Café (1938).
ISBN: 978-1517027674
Editoração, padronização e formatação de texto
Tauã Lima Verdan Rangel
Projeto Gráfico e capa
Tauã Lima Verdan Rangel
Conteúdo, citações e referências bibliográficas
O autor
É de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui
apresentados. Reprodução dos textos autorizada
mediante citação da fonte.
A P R E S E N T A Ç Ã O
Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por
meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de
pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em
trabalhar, academicamente, determinados assuntos.
Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo
dogmático. É possível, à luz da tradicional visão
empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual
não se incluem somente as instituições legais, as ordens
legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados
tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das
mencionadas instituições, ordens e decisões,
materializando, comumente, uma “meta direito”. No
Direito, a construção do conhecimento advém da
interpretação de leis e as pessoas autorizadas a
interpretar as leis são os juristas.
Contudo, o alvorecer acadêmico que é
presenciado pelos Operadores do Direito, que se
debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a
conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando
as experiências empíricas e o contorno regional como
elementos indissociáveis para a compreensão do Direito.
Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento
jurídico como algo dogmático, buscando conferir
molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos
científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios
Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade
interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e
inquietações produzida durante a formação acadêmica do
autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática
de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca
trazer para o debate uma série de assuntos
contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.
Boa leitura!
Tauã Lima Verdan Rangel
5
S U M Á R I O
Anotações introdutórias à proteção do patrimônio
cultural imaterial: a preservação do meio ambiente
cultural como mecanismo para salvaguarda da
identidade nacional ............................................................. 06
Singelos comentários ao Estatuto dos Museus: painel
advindo da Lei nº 11.904/2009 ............................................ 43
Análise jurídica do Sistema dos Museus: singelos
apontamentos à Lei nº 11.904/2009 (Estatuto dos
Museus) ................................................................................ 81
Anotações à Lei nº 11.906/2009: breves comentários ao
Instituto Brasileiro de Museus ........................................... 110
Comentários ao Inventário Nacional dos Bens Móveis
Integrados (INBMI) para a salvaguarda e proteção do
patrimônio cultural ............................................................. 158
6
ANOTAÇÕES INTRODUTÓRIAS À PROTEÇÃO DO
PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL: A
PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE CULTURAL
COMO MECANISMO PARA SALVAGUARDA DA
IDENTIDADE NACIONAL
Resumo: O conjunto de manifestações culturais,
enquanto patrimônio imaterial de uma população,
encontra-se estritamente atrelado à liberdade e à
essência da vida humana, pode ser considerado no
plano jurídico como bem cultural que confere
concreção aos direitos humanos e como axioma de
sustentação do patrimônio cultural. Trata-se de uma
estrutura que robustece os laços de identificação de
um determinado grupo populacional. Ora, não é
possível olvidar, em razão da dinamicidade da vida
contemporânea, tal como a difusão de informações e
assimilação de valores diversificados, que o
patrimônio cultural imaterial é constantemente
recriado pelas comunidades e grupos, em razão da
influência do ambiente, das interações com a natureza
7
e com a história. À sombra do pontuado, a utilização
da língua consiste no exercício dos direitos culturais
linguísticos, contrapartida dos direitos oriundos da
liberdade de expressão e comunicação, tal como a
substancialização do bem cultural intangível,
notadamente por meio das formas de expressão. Desta
feita, em decorrência do assinalado, o patrimônio
cultural imaterial se apresenta como elemento
estruturante da diversidade característica de uma
população. Ora, o Texto Constitucional conferiu o
assinalou que o tratamento da cultura e dos bens
culturais deflui dos elementos que sustentam o
Estado brasileiro como Estado Democrático de
Direito.
Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural. Tutela
Jurídica. Patrimônio Cultural
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica do Direito Ambiental; 2 Meio
Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Inaugurais; 3 Singelos Comentários ao Patrimônio
Cultural Imaterial; 4 Anotações à Proteção do
Patrimônio Cultural Imaterial: A Preservação do Meio
Ambiente Cultural como Mecanismo para
Salvaguarda da Identidade Nacional
8
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO
AMBIENTAL
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não
mais subsiste uma visão arrimada em preceitos
estagnados e estanques, alheios às necessidades e às
diversidades sociais que passaram a contornar os
Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,
infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável
que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em
decorrência dos anseios da população, suplantados em
uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
9
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”1. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural e robusta dependência das regras
consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo
primevo é assegurar que não haja uma vingança privada,
afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore
priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião
(“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar
que se concretize um cenário caracterizado por aspecto
caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 25 mai.
2013.
10
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”2. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 13 mar. 2014.
11
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”3. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
3 VERDAN, 2009, s.p.
12
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”4. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
4 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 25 mai. 2013.
13
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade5. Ora,
daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária”6.
5 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 6 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
14
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.
15
essencialmente inexaurível7.
“Têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”8. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e
tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução
e concretização dos direitos fundamentais..
7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 25 mai. 2013. 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
16
2 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Em sede de comentários introdutórios, cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído por
bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que
a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada pela
natureza, como localização geográfica e clima. Com
efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa
interação entre homem e natureza, porquanto aquele
constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o
resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos”9. Desta maneira, a proteção do patrimônio
9 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
17
cultural se revela como instrumento robusto da
sobrevivência da própria sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”10. Quadra anotar, por imperioso, que os bens
compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem
tanto realizações antrópicas como obras da Natureza;
preciosidades do passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 25 mai. 2013, p.
15-16. 10 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
18
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
19
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”11. Esses aspectos
11 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
20
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial
transmite-se de geração a geração e é constantemente
recriado pelas comunidades e grupos em função de seu
ambiente”12, decorrendo, com destaque, da interação com
a natureza e dos acontecimentos históricos que
permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200013,
que institui o registro de bens culturais de natureza
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 25 mai.
2013. 12 BROLLO, 2006, p. 33. 13 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.
21
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo14, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio.
Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por
Fiorillo15, que os bens que constituem o denominado
patrimônio cultural consistem na materialização da
história de um povo, de todo o caminho de sua formação e
reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o
condão de substancializar a identidade e a cidadania dos
indivíduos insertos em uma determinada comunidade.
Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural,
conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente
humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza,
sendo dotado de valor especial, notadamente em
decorrência de produzir um sentimento de identidade no
14 BROLLO, 2006, p. 33. 15 FIORILLO, 2012, p. 80.
22
grupo em que se encontra inserido, bem como é
propiciada a constante evolução fomentada pela atenção
à diversidade e à criatividade humana.
3 Singelos Comentários ao Patrimônio Cultural
Imaterial
Tal como pontuado alhures, a cultura
apresenta como traços estruturantes elementos
espirituais e materiais, intelectuais e afetivos, os quais
caracterizam uma sociedade ou, ainda, um grupo social
determinado, compreendendo, também, as artes e as
letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os
sistemas de valores, as tradições e as crenças. Neste
passo, é possível evidenciar que, em sede de meio
ambiente cultural, o conjunto de elementos que dá azo ao
patrimônio imaterial se apresenta como um dos mais
relevantes traços caracterizadores da identidade de uma
população, não somente para a presente e as futuras
gerações, viabilizando a compreensão da humanidade e
toda a sua evolução histórica. Com efeito, é possível
trazer à colação, com o escopo de robustecer as
ponderações estruturadas, o conteúdo do preâmbulo da
Convenção sobre a proteção e a promoção da Diversidade
23
das Expressões Culturais da Unesco:
Considerando que a cultura assume formas
diversas através do tempo e do espaço, e que
esta diversidade se manifesta na
originalidade e na pluralidade das
identidades, assim como nas expressões
culturais dos povos e das sociedades que
formam a humanidade,
Reconhecendo a importância dos
conhecimentos tradicionais como fonte de
riqueza material e imaterial, e, em
particular, dos sistemas de conhecimento
das populações indígenas, e sua
contribuição positiva para o
desenvolvimento sustentável, assim como a
necessidade de assegurar sua adequada
proteção e promoção [...]
Reconhecendo que a diversidade das
expressões culturais, incluindo as
expressões culturais tradicionais, é um fator
importante, que possibilita aos indivíduos e
aos povos expressarem e compartilharem
com outros as suas idéias e valores, [...]
Tendo em conta a importância da vitalidade
das culturas para todos, incluindo as
pessoas que pertencem a minorias e povos
indígenas, tal como se manifesta em sua
liberdade de criar, difundir e distribuir as
suas expressões culturais tradicionais, bem
como de ter acesso a elas, de modo a
favorecer o seu próprio desenvolvimento16.
Ao lado disso, o conjunto de manifestações
culturais, enquanto patrimônio imaterial de uma
16 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre a
proteção e a promoção da Diversidade das Expressões
Culturais. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em
25 mai. 2013.
24
população, encontra-se estritamente atrelado à liberdade
e à essência da vida humana, pode ser considerado no
plano jurídico como bem cultural que confere concreção
aos direitos humanos e como axioma de sustentação do
patrimônio cultural. Trata-se de uma estrutura que
robustece os laços de identificação de um determinado
grupo populacional. Ora, não é possível olvidar, em razão
da dinamicidade da vida contemporânea, tal como a
difusão de informações e assimilação de valores
diversificados, que o patrimônio cultural imaterial é
constantemente recriado pelas comunidades e grupos, em
razão da influência do ambiente, das interações com a
natureza e com a história. À sombra do pontuado, a
utilização da língua consiste no exercício dos direitos
culturais linguísticos, contrapartida dos direitos oriundos
da liberdade de expressão e comunicação, tal como a
substancialização do bem cultural intangível,
notadamente por meio das formas de expressão17.
17 Neste sentido: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS.
Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural
Imaterial. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em
25 mai. 2013: “Artigo 2: Definições: Para os fins da presente
Convenção: 1. Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as
práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto
com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes
são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos,
os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio
cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de
25
Desta feita, em decorrência do assinalado, o
patrimônio cultural imaterial se apresenta como
elemento estruturante da diversidade característica de
uma população. Ora, o Texto Constitucional conferiu o
assinalou que o tratamento da cultura e dos bens
culturais deflui dos elementos que sustentam o Estado
brasileiro como Estado Democrático de Direito. Em razão
disso, é possível afirmar a discussão alicerçada na
diversidade cultural, e, por extensão, nos direitos e bens
culturais desta decorrentes, tem seu alicerce nos
dispositivos constitucionais, já que o sistema jurídico
consagra um Estado de direito cultural e indica a
construção de um Estado Democrático Cultural. Quadra
pontuar que o traço cultural democrático é estabelecido
constitucionalmente, notadamente: (i) pelos artigos que
versam acerca da cultura, sobre a necessidade de
respeito à diversidade cultural brasileira e sobre a
importância da tutela dos bens culturais que são bastiões
geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza
e de sua história, gerando um sentimento de identidade e
continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à
diversidade cultural e à criatividade humana. Para os fins da
presente Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio
cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos
internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos
de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos, e do
desenvolvimento sustentável”.
26
dos grupos formadores da sociedade; e, (ii) pela
estruturação do Estado para a tutela dos valores
culturais com a colaboração da comunidade. Desta sorte,
conquanto o Texto Constitucional não apresenta uma
definição estanque do que é patrimônio cultural
brasileiro, dispõe que o seu tratamento deve se orientar
pelo respeito à diversidade e à liberdade e na busca da
igualdade material entre e para os grupos constituintes
da sociedade brasileira, maiormente os grupos
desfavorecidos histórica, social e economicamente.
4 ANOTAÇÕES À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL IMATERIAL: A PRESERVAÇÃO DO
MEIO AMBIENTE CULTURAL COMO
MECANISMO PARA SALVAGUARDA DA
IDENTIDADE NACIONAL
4.1 A Proeminência da Arte Kusiwa e Ritxòkò: A
Influência da Cultura Indígena
Como país dotado de um multiculturalismo
ímpar, o Brasil, por meio da Constituição Federal,
confere proteção ao pleno exercício dos direitos culturais,
garantindo, em consonância com a forma estabelecida no
27
§1º do artigo 21518, a tutela jurídica de toda e qualquer
manifestação vinculada ao processo civilizatório
nacional. Neste viés, essa concepção constitucional de
dimensão multicultural na estruturação e tutela do
patrimônio cultural brasileiro é sagrada pela
manutenção do liame existente entre sociedade-Estado
na materialização de tarefas de promovam tanto o
exercício dos mencionados direitos, tal como a proteção e
fruição dos bens culturais materiais e imateriais que lhe
conferem suporte. A cultura indígena apresenta
proeminência singular na constituição do meio ambiente
cultural, conferindo uma identidade complexa e
diversificada na formação do povo brasileiro, tanto é
assim que diversos são os exemplos de registros
imateriais que buscam salvaguardar o patrimônio
imaterial.
18 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013: “Art.
215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§1º- O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional”.
28
Fig. 01 – Iconografia Kusiwa: (a) anaconda ou moju; (b) composição
Kusiwa; (c) jiboia aramari; (d) panã (borboleta). Fonte: IPHAN/2013
Neste aspecto, é possível conceder destaque a
Arte Kusiwa, que compreende uma linguagem gráfica
dos índios Wajãpi do Amapá. Não se pode suprimir que a
linguagem kusiwa configura uma espécie de expressão
complementar aos saberes oralmente transmitido a cada
nova geração e compartilhados por todos os membros dos
grupos. É um conhecimento que se encontra,
principalmente, nos relatos orais que esse grupo
indígena, hoje com quinhentos e oitenta indivíduos,
29
continua a transmitir aos seus filhos e que explica como
surgiram as cores, os padrões dos desenhos e as
diferenças entre as pessoas. A arte gráfica e a arte verbal
dos Wajãpi lhes permite agir sobre múltiplas dimensões
do mundo: sobre o visível e sobre o invisível, sobre o
concreto e sobre o mundo ideal. Não se trata de um saber
abstrato, mas sim de uma prática permanentemente
interativa, viva e dinâmica:
A Arte Kusiwa - pintura corporal e arte
gráfica Wajãpi - foi o primeiro bem
registrado no Livro de Registro das Formas
de Expressão. Trata-se de um sistema de
representação, de uma linguagem gráfica
dos índios Wajãpi do Amapá, que sintetiza
seu modo particular de conhecer, conceber e
agir sobre o universo. O sistema gráfico
kusiwa opera como um catalisador da
expressão, de conhecimentos e de práticas
que envolvem desde relações sociais,
crenças religiosas e tecnologias até valores
estéticos e morais. O excepcional valor
dessa forma de expressão está na
capacidade de condensar, transmitir e
renovar, através da criatividade dos
desenhistas e dos narradores, todos os
elementos particulares e únicos de um
modo de pensar e de se posicionar no
mundo próprio dos Wãjapi do Amapá. [...] A
arte Kusiwa se expressa em desenhos e
pinturas de corpos e objetos, a partir de um
repertório definido de padrões gráficos e de
suas variantes, que representam, de forma
sintética e abstrata, partes do corpo ou da
ornamentação de animais, como sucuris,
jibóias, onças, jabotis, peixes, borboletas, e
30
objetos, como limas de ferro e bordunas.
Com denominações próprias, os padrões
gráficos podem ser combinados de muitas
maneiras diferentes, que não se repetem,
mas são sempre reconhecidos pelos Wajãpi
como Kusiwa. Trata-se de um acervo
cultural que se transforma de forma
dinâmica, através da inclusão de novos
elementos, do desuso de alguns ou da
modificação, através de suas variantes, de
outros19.
Via de consequência, são reconhecidos aos
índios suas línguas, como, com clareza solar, dicciona a
redação do artigo 231 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 198820, sendo certo que a
existência de idioma oficial apontado não tem o condão
de obstar a utilização de sistema de representação
empregados como meio de comunicação dos índios e de
suas comunidades em face das relações e direitos
assegurados a brasileiros e estrangeiros residentes no
País. Em sede de anotações introdutórias, as Ritxòkò –
na condição de expressão artística e cosmológica do Povo
19 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.
20 Idem. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013: “Art.
231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras
que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
31
Karajá – constituem uma referência cultural robusta
para o Povo Karajá, representando, muitas vezes, a
única fonte de renda das famílias. Com efeito, “a
confecção dessas figuras de cerâmica, denominadas na
língua nativa de ritxòkò (na ala feminina) e/ou ritxòò (na
ala masculina), é uma atividade exclusiva das mulheres
e envolve técnicas e modos de fazer considerados
tradicionais e transmitidos de geração em geração”21.
Ao lado disso, as bonecas do Povo Karajá
expressam importantes aspectos da identidade do grupo,
tal como simbolizam diferentes planos da sua estrutura
sociocosmologia. Ora, desbordando de meros lúdicos
objetos, as ritxòkòs são consideradas representações
imagéticas que compreendem significados sociais
profundos, por meio dos quais se reproduz o
ordenamento sociocultural e familiar dos Karajá. Com
motivos rituais, mitológicos, da vida cotidiana e da
fauna, as bonecas Karajá são importantes instrumentos
de socialização das crianças que, brincando, se veem
nesses objetos e aprendem a ser Karajá. Trata-se, neste
aspecto de instrumento que permite o desenvolvimento e
o fortalecimento da identidade, desde tenra idade, de
21 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.
32
uma população específica que, em razão de aspectos
complexos, encontram liames comuns e que permitem a
afirmação de cultura própria. Como bem destaca Fiorillo,
“destina-se a satisfazer suas necessidades dentro de um
padrão cultural vinculado à sua dignidade”22.
Fig. 02. Bonecas Karajá
em processo de moldagem.
Fonte: IPHAN/2013
Fig. 03. Comércio de
Artesanato Indígena.
Fonte: IPHAN/2013.
Ademais, a pintura e a decoração das
cerâmicas estão associadas, de maneira respectiva, à
pintura corporal dos Karajá e às peças de vestuário e
adorno consideradas tradicionais. Neste passo,
indicativos de categorias de gênero, idade e estatuto
22 FIORILLO, 2012, p. 536.
33
social, a pintura e os adereços complementam a
representação figurativa das bonecas, que identificam
então “o Karajá” homem ou mulher, solteiro ou casado,
com todos os atributos que “a cultura” cria para
distinguir convencionalmente essas categorias. “O
processo (criativo) de produção das ritxòkò ocorre por
meio de um jogo de elaboração e variação de formas e
conteúdos determinado por uma série de fatores, como a
experiência, a habilidade técnica”23, tal como a
preferência estética da ceramista pela combinação dos
motivos temáticos e dos diversos padrões de grafismo
aplicados, a função do objeto, o acesso às matérias-
primas e a disponibilidade de recursos financeiros para a
compra de materiais, a exigência do mercado interno e/ou
externo às aldeias, entre outros.
4.2 O Tambor de Crioula e o Jongo: A contribuição
da Cultura Africana na Constituição da Cultura
Brasileira
Outra robusta contribuição para a construção
da cultura brasileira, diversificando o seu leque de
incidência e fortalecendo sua diversidade, resulta da
influência da culta africana, por meio dos negros
23 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.
34
traficados que foram trazidos para trabalhar como
escravos. Dentre as manifestações culturais, é possível
mencionar o “Tambor de Crioula” que ocorre em grande
parte dos Municípios do Estado do Maranhão,
compreendendo uma dança circular feminina, canto e
percussão de tambores. “Dela participam as coreiras ou
dançadeiras, conduzidas pelo ritmo intenso dos tambores
e pelo influxo das toadas evocadas por tocadores e
cantadores, culminando na punga ou umbigada – gesto
característico, entendido como saudação e convite”24. É
possível sustentar que o “Tambor de Crioula”, enquanto
patrimônio imaterial cultural, inclui-se entre as
manifestações do que se convencionou de denominar
“samba”, decorrentes, em sua gênese, do batuque, tal
como o jongo no Sudeste, o samba de roda no Recôncavo
Baiano, o coco no Nordeste e algumas espécies de samba
carioca. Identifica-se, além de sua origem comum, traços
confluentes na polirritmia dos tambores, no ritmo
sincopado, dentre os fundamentais movimentos
coreográficos e na umbigada.
O Tambor de Crioula é praticado livremente,
seja como divertimento ou em devoção a São Benedito,
não tendo local definido, nem época fixa de apresentação,
24 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.
35
embora se observe uma maior ocorrência desse evento
durante o Carnaval e nas manifestações de Bumba-meu-
boi. Trata-se de um referencial de identidade e
resistência cultural dos negros maranhenses, que
compartilham um passado comum. Os elementos rituais
do Tambor permanecem vivos e presentes, propiciando o
exercício dos vínculos de pertencimento e a reiteração de
valores culturais afro-brasileiros. Ao lado disso, “o bem
que compõe o chamado patrimônio cultural traduz a
história de um povo, a sua formação cultural e, portanto,
os próprios elementos identificadores de sua cidadania”25,
o que estrutura o corolário essencial ao norteamento da
República Federativa do Brasil.
O jongo, por sua vez, é constituído percussão
de tambores, dança coletiva e práticas de magia, sendo
praticado nos quintas das periferias urbanas e em
algumas comunidades rurais no sudeste brasileiro.
“Acontece nas festas de santos católicos e divindades afro-
brasileiras, nas festas juninas, nas festas do Divino, no
13 de maio da abolição da escravatura”26. Trata-se de
uma forma de louvação aos antepassados, consolidação
de tradições e afirmação de identidades, encontrando
suas raízes nos saberes, ritos e crenças dos povos
25 FIORILLO, 2012, p. 534.
26 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.
36
africanos, especialmente os de língua bantu. São
sugestivos dessas origens o profundo respeito aos
ancestrais, a valorização dos enigmas cantados e o
elemento coreográfico da umbigada. Em terras
brasileiras, essa forma de manifestação cultural
consolidou-se entre os escravos que trabalhavam nas
lavouras de café e cana-de-açúcar, na região sudeste,
fundamentalmente no vale do Rio Paraíba.
Trata-se de uma espécie de comunicação
desenvolvida no contexto da escravidão e que serviu
também como estratégia de sobrevivência e de circulação
de informações codificadas sobre fatos acontecidos entre
os antigos escravos por meio de pontos que os capatazes e
senhores não conseguiam compreender. Ao lado disso, em
razão do cenário em que essa modalidade de
manifestação floresceu, é possível verificar que esteve em
uma dimensão marginal, no qual os negros falam de si,
da comunidade em que se encontram inseridos, por meio
de crônica e da linguagem cifrada. Nesta esteira, o jongo
também é conhecido pelos nomes de tambu, batuque,
tambor e caxambu, oscilando da comunidade em que é
praticado. Cuida destacar que o jongo é executado por
meio do toque de tambores, sendo formada uma roda de
dançarinos que cantam em coro, respondendo ao solo de
um deles. Além disso, os tambores e os batuqueiros estão
37
circundando a roda ou mesmo próximo dela, havendo
uma pluralidade de maneiras de se dançar o jongo. São
várias as maneiras de se dançar o jongo, sendo que
sozinhos ou em pares os praticantes vão ao centro da
roda, dançam até serem substituídos por outros
jongueiros. Muitas vezes nota-se, no momento da
substituição, o elemento coreográfico da umbigada. Ora,
“para que um bem seja considerado como patrimônio
histórico é necessária a existência de nexo vinculante com
a identidade, a ação e a memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira”27.
4.3 O Samba de Roda do Recôncavo Baiano
Como uma manifestação musical, coreográfica,
poética e festiva, dotada de importância e significância
da cultura brasileira, o samba de roda baiano tem seus
primeiros registros datados de 1860, inclusive com as
características e aspectos estruturantes existentes até
hoje. Presente em todo o estado da Bahia, ele é
especialmente forte e mais conhecido na região do
Recôncavo, a faixa de terra que se estende em torno da
Baía de Todos os Santos. “O Samba de Roda traz como
suporte determinante tradições culturais transmitidas
27 FIORILLO, 2012, p. 535.
38
por africanos escravizados e seus descendentes”28. Insta
salientar que o samba de roda baiano inclui, com aspecto
estruturante, o culto aos orixás e caboclos, o jogo da
capoeira e a chamada comida de azeite, subsistindo uma
harmonia entre a herança negro-africana e aspectos
provenientes da culta portuguesa, a exemplo de
instrumentos musicais, tal como à própria língua
portuguesa nos elementos de suas formas poéticas. Ao
lado disso, o samba de roda pode ser realizado em
associação com o calendário festivo, tal como as festas de
São Cosme e Damião, em setembro, ou mesmo a festa da
Boa Morte, em Cachoeira, no mês de agosto. Todavia, é
possível que a manifestação cultural seja realizada em
qualquer momento, como uma diversão coletiva.
Apenas para rememorar, “as formas de
expressão, assim como manifestações das culturas
populares bem como dos grupos participantes de nosso
processo civilizatório nacional, estão tutelados pelo meio
ambiente cultural no plano constitucional”29. A
manifestação cultural em comento consiste em uma
expressão musical possui inúmeras variantes, que podem
ser divididas em dois tipos principais: o samba chula,
cujo similar na região de Cachoeira chama-se
28 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013. 29 FIORILLO, 2012, p. 536
39
“barravento”, e o samba corrido. Historiadores da música
popular consideram o Samba de Roda baiano como uma
das fontes do samba carioca que, como se sabe, veio a
tornar-se, no decorrer do século XX, um símbolo
indiscutível de brasilidade. A narrativa de origem do
samba carioca remete à migração de negros baianos para
o Rio de Janeiro ao final do século XIX, que teriam
buscado reproduzir, nos bairros situados entre o canal do
Mangue e o cais do porto, seu ambiente cultural de
origem, onde a religião, a culinária, as festas e o samba
eram partes destacadas. “O Samba de Roda é uma das
jóias da cultura brasileira, por suas qualidades
intrínsecas de beleza, perfeição técnica, humor e poesia, e
pelo papel proeminente que vem desempenhando nas
próprias definições da identidade nacional” 30.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
30 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.
40
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.
_______. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000.
Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.
_______. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.
_______. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.
_______. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 25 mai. 2013.
_______. Tribunal Regional Federal da Segunda
Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 25
mai. 2013.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 25 mai. 2013.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
41
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito
Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000
Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Editora Impetus, 2004.
ORGANIZAÇÃO DAS NACÕES UNIDAS. Convenção
sobre a proteção e a promoção da Diversidade das
Expressões Culturais. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em 25 mai. 2013.
_______. Convenção para a Salvaguarda do
Patrimônio Cultural Imaterial. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em 25 mai. 2013.
SÃO PAULO (ESTADO). Secretaria Estadual de
Cultura. Disponível em: <http://www.cultura.sp.gov.br>.
Acesso em 25 mai. 2013.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental
Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
SOARES, Inês Virgínia Prado. Cidadania Cultural e
Direito à Diversidade Linguística: A Concepção
Constitucional das Línguas e Falares do Brasil como
Bem Cultural. Revista Internacional Direito e
Cidadania. Disponível em: < http://www.reid.org.br>.
Acesso em 25 mai. 2013.
THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
42
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 25 mai. 2013.
43
ANOTAÇÕES INTRODUTÓRIAS À PROTEÇÃO DO
PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL: A
PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE CULTURAL
COMO MECANISMO PARA SALVAGUARDA DA
IDENTIDADE NACIONAL
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise do Estatuto dos Museus, instituído pela Lei nº
11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Cuida salientar que
o meio ambiente cultural é constituído por bens
culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar
que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada
pela natureza, como localização geográfica e clima.
Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma
intensa interação entre homem e natureza, porquanto
aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e
44
percepção são conformadas pela sua cultural. A
cultura brasileira é o resultado daquilo que era
próprio das populações tradicionais indígenas e das
transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se
analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo
macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,
abstrato, fluído, constituído por bens culturais
materiais e imateriais portadores de referência à
memória, à ação e à identidade dos distintos grupos
formadores da sociedade brasileira. O conceito de
patrimônio histórico e artístico nacional abrange
todos os bens moveis e imóveis, existentes no País,
cuja conservação seja de interesse público, por sua
vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou
por seu excepcional valor artístico, arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Estatuto dos
Museus. Tutela Jurídica.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Singelos Comentários ao Estatuto dos
Museus: Painel advindo da Lei nº 11.904/2009
45
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
46
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”31. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
31 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 13
mar. 2015, s.p.
47
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”32. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
13 mar. 2015.
48
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”33. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
33 VERDAN, 2009, s.p.
49
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”34. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
34 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 13 mar. 2015.
50
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade35·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”36.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
35 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 36 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
51
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível37.
37 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
52
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”38. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015. 38 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
53
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198139,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
39 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
54
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”40.
Nesta senda, ainda, Fiorillo41, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
40 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 41 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
55
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal42.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
42 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar.
2015.
56
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”43.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198844 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
43 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 44 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
57
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade45.
45 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
58
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
59
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
60
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
61
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
62
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”46. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
46 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 13 mar. 2015, p.
15-16.
63
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”47. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
47 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
64
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
65
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”48. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
48 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 13 mar.
2015.
66
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”49, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200050,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo51, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,
segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo52, que
os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
49 BROLLO, 2006, p. 33. 50 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015. 51 BROLLO, 2006, p. 33. 52 FIORILLO, 2012, p. 80.
67
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. Necessário se
faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto
seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado
de valor especial, notadamente em decorrência de
produzir um sentimento de identidade no grupo em que
se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à
criatividade humana.
4 SINGELOS COMENTÁRIOS AO ESTATUTO DOS
MUSEUS: PAINEL ADVINDO DA LEI Nº
11.904/2009
Em um primeiro momento, cuida anotar que a
Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 200953, que institui o
Estatuto de Museus e dá outras providências, estabelece,
em uma concepção jurídica, que são considerados museus
as instituições sem fins lucrativos que conservam,
53 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Institui o
Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
68
investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins
de preservação, estudo, pesquisa, educação,
contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor
histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer
outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da
sociedade e de seu desenvolvimento. Igualmente, para a
aplicação da legislação supramencionada, serão
consideradas as instituições e os processos museológicos
voltados para o trabalho com o patrimônio cultural e o
território visando ao desenvolvimento cultural e
socioeconômico e à participação das comunidades. Ao
lado disso, são princípios fundamentais que nortearão a
atuação dos museus: (i) a valorização da dignidade
humana; (ii) a promoção da cidadania; (iii) o
cumprimento da função social; (iv) a valorização e
preservação do patrimônio cultural e ambiental; (v) a
universalidade do acesso, o respeito e a valorização à
diversidade cultural; (vi) o intercâmbio institucional.
A Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 200954
(Estatuto dos Museus), traz ainda, em conformidade com
as características e o desenvolvimento de cada museu, a
possibilidade de existir filiais, seccionais e núcleos ou
54 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Institui o
Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
69
anexos das instituições. Nos termos do diploma
supramencionado, considera-se como filial os museus
dependentes de outros quanto à sua direção e gestão,
inclusive financeira, mas que possuem plano museológico
autônomo; como seccional a parte diferenciada de um
museu que, com a finalidade de executar seu plano
museológico, ocupa um imóvel independente da sede
principal; como núcleo ou anexo os espaços móveis ou
imóveis que, por orientações museológicas específicas,
fazem parte de um projeto de museu. Ademais, poderá o
Poder Público estabelecer mecanismos de fomento e
incentivo visando à sustentabilidade dos museus
brasileiros. Assentado na proeminência do patrimônio
cultural, os bens culturais dos museus, em suas diversas
manifestações podem ser declarados como de interesse
público, no todo ou em parte. Consideram-se bens
culturais passíveis de musealização os bens móveis e
imóveis de interesse público, de natureza material ou
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência ao ambiente natural, à
identidade, à cultura e à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira. Será declarado
como de interesse público o acervo dos museus cuja
proteção e valorização, pesquisa e acesso à sociedade
70
representar um valor cultural de destacada importância
para a Nação, respeitada a diversidade cultural,
regional, étnica e linguística do País.
O Estatuto dos Museus estabelece,
oportunamente, que a codificação não se aplica às
bibliotecas, aos arquivos, aos centros de documentação e
às coleções visitáveis. Ao lado disso, são consideradas
coleções visitáveis os conjuntos de bens culturais
conservados por uma pessoa física ou jurídica, que não
apresentem as características previstas no artigo 1º do
diploma legal multicitado, e que sejam abertos à
visitação, ainda que esporadicamente. Dicciona a
legislação que são considerados museus públicos as
instituições museológicas vinculadas ao poder público,
situadas no território nacional. Incumbirá ao Poder
Público firmar um plano anual prévio, de modo a
garantir o funcionamento dos museus públicos e permitir
o cumprimento de suas finalidades. Os museus públicos,
ainda consoante disposição do Estatuto dos Museus,
serão regidos por ato normativo específico. É vedada a
participação direta ou indireta de pessoal técnico dos
museus públicos em atividades ligadas à comercialização
de bens culturais. Atividades de avaliação para fins
comerciais serão permitidas aos funcionários em serviço
71
nos museus, nos casos de uso interno, de interesse
científico, ou a pedido de órgão do Poder Público,
mediante procedimento administrativo cabível.
No que concerne ao regime aplicável, a criação
de museus por qualquer entidade é livre,
independentemente do regime jurídico estabelecidos no
Estatuto dos Museus. Ao lado disso, a criação, a fusão e a
extinção de museus serão efetivadas por meio de
documento público. A criação, a fusão ou a extinção de
museus deverá ser registrada no órgão competente do
poder público. Os museus poderão estimular a
constituição de associações de amigos dos museus,
grupos de interesse especializado, voluntariado ou outras
formas de colaboração e participação sistemática da
comunidade e do público. Os museus, à medida das suas
possibilidades, facultarão espaços para a instalação de
estruturas associativas ou de voluntariado que tenham
por fim a contribuição para o desempenho das funções e
finalidades dos museus. Os museus poderão criar um
serviço de acolhimento, formação e gestão de
voluntariado, dotando-se de um regulamento específico,
assegurando e estabelecendo o benefício mútuo da
instituição e dos voluntários. A denominação de museu
estadual, regional ou distrital só pode ser utilizada por
72
museu vinculado a Unidade da Federação ou por museus
a quem o Estado autorize a utilização desta
denominação. Por derradeiro, a denominação de museu
municipal só pode ser utilizada por museu vinculado a
Município ou por museus a quem o Município autorize a
utilização desta denominação.
As entidades públicas e privadas de que
dependam os museus deverão definir claramente seu
enquadramento orgânico e aprovar o respectivo
regimento. Todo museu deverá dispor de instalações
adequadas ao cumprimento das funções necessárias, bem
como ao bem-estar dos usuários e funcionários. Compete
à direção dos museus assegurar o seu bom
funcionamento, o cumprimento do plano museológico por
meio de funções especializadas, bem como planejar e
coordenar a execução do plano anual de atividades. Os
museus garantirão a conservação e a segurança de seus
acervos, sendo que cada museu deverá elaborar
programas, normas e procedimentos de preservação,
conservação e restauração, em conformidade com a
legislação vigente. Aplicar-se-á o regime de
responsabilidade solidária às ações de preservação,
conservação ou restauração que impliquem dano
irreparável ou destruição de bens culturais dos museus,
73
sendo punível a negligência. Os museus devem dispor
das condições de segurança indispensáveis para garantir
a proteção e a integridade dos bens culturais sob sua
guarda, bem como dos usuários, dos respectivos
funcionários e das instalações, sendo que cada museu
deve dispor de um Programa de Segurança
periodicamente testado para prevenir e neutralizar
perigos. É facultado aos museus estabelecer restrições à
entrada de objetos e, excepcionalmente, pessoas, desde
que devidamente justificadas.
As entidades de segurança pública poderão
cooperar com os museus, por meio da definição conjunta
do Programa de Segurança e da aprovação dos
equipamentos de prevenção e neutralização de
perigos. Os museus colaborarão com as entidades de
segurança pública no combate aos crimes contra a
propriedade e tráfico de bens culturais. O estudo e a
pesquisa fundamentam as ações desenvolvidas em todas
as áreas dos museus, no cumprimento das suas múltiplas
competências. O estudo e a pesquisa nortearão a política
de aquisições e descartes, a identificação e caracterização
dos bens culturais incorporados ou incorporáveis e as
atividades com fins de documentação, de conservação, de
interpretação e exposição e de educação. Os museus
74
deverão promover estudos de público, diagnóstico de
participação e avaliações periódicas objetivando a
progressiva melhoria da qualidade de seu funcionamento
e o atendimento às necessidades dos visitantes. Os
museus deverão promover ações educativas,
fundamentadas no respeito à diversidade cultural e na
participação comunitária, contribuindo para ampliar o
acesso da sociedade às manifestações culturais e ao
patrimônio material e imaterial da Nação. Os museus
deverão disponibilizar oportunidades de prática
profissional aos estabelecimentos de ensino que
ministrem cursos de museologia e afins, nos campos
disciplinares relacionados às funções museológicas e à
sua vocação.
As ações de comunicação constituem formas de
se fazer conhecer os bens culturais incorporados ou
depositados no museu, de forma a propiciar o acesso
público, bem como regulamentará o acesso público aos
bens culturais, levando em consideração as condições de
conservação e segurança. Os museus deverão elaborar e
implementar programas de exposições adequados à sua
vocação e tipologia, com a finalidade de promover acesso
aos bens culturais e estimular a reflexão e o
reconhecimento do seu valor simbólico. Os museus
75
poderão autorizar ou produzir publicações sobre temas
vinculados a seus bens culturais e peças publicitárias
sobre seu acervo e suas atividades, sendo que: (i) serão
garantidos a qualidade, a fidelidade e os propósitos
científicos e educativos do material produzido, sem
prejuízo dos direitos de autor e conexos; e (ii) todas as
réplicas e demais cópias serão assinaladas como tais, de
modo a evitar que sejam confundidas com os objetos ou
espécimes originais. A política de gratuidade ou
onerosidade do ingresso ao museu será estabelecida por
ele ou pela entidade de que dependa, para diferentes
públicos, conforme dispositivos abrigados pelo sistema
legislativo nacional. Os museus caracterizar-se-ão pela
acessibilidade universal dos diferentes públicos, na
forma da legislação vigente. As estatísticas de visitantes
dos museus serão enviadas ao órgão ou entidade
competente do poder público, na forma fixada pela
respectiva entidade, quando solicitadas. Os museus
deverão disponibilizar um livro de sugestões e
reclamações disposto de forma visível na área de
acolhimento dos visitantes.
Os museus deverão formular, aprovar ou,
quando cabível, propor, para aprovação da entidade de
que dependa, uma política de aquisições e descartes de
76
bens culturais, atualizada periodicamente. Os museus
vinculados ao Poder Público darão publicidade aos
termos de descartes a serem efetuados pela instituição,
por meio de publicação no respectivo Diário Oficial. É
obrigação dos museus manter documentação
sistematicamente atualizada sobre os bens culturais que
integram seus acervos, na forma de registros e
inventários, sendo que: (i) o registro e o inventário dos
bens culturais dos museus devem estruturar-se de forma
a assegurar a compatibilização com o inventário nacional
dos bens culturais; e (ii) os bens inventariados ou
registrados gozam de proteção com vistas em evitar o seu
perecimento ou degradação, a promover sua preservação
e segurança e a divulgar a respectiva existência Os
inventários museológicos e outros registros que
identifiquem bens culturais, elaborados por museus
públicos e privados, são considerados patrimônio
arquivístico de interesse nacional e devem ser
conservados nas respectivas instalações dos museus, de
modo a evitar destruição, perda ou deterioração. No caso
de extinção dos museus, os seus inventários e registros
serão conservados pelo órgão ou entidade sucessora.
A proteção dos bens culturais dos museus se
completa pelo inventário nacional, sem prejuízo de
77
outras formas de proteção concorrentes. Entende-se por
inventário nacional, em consonância com a Lei nº
11.904, de 14 de janeiro de 200955 (Estatuto dos Museus),
a inserção de dados sistematizada e atualizada
periodicamente sobre os bens culturais existentes em
cada museu, objetivando a sua identificação e proteção. O
inventário nacional dos bens dos museus não terá
implicações na propriedade, posse ou outro direito real. O
inventário nacional dos bens culturais dos museus será
coordenado pela União. Para efeito da integridade do
inventário nacional, os museus responsabilizar-se-ão
pela inserção dos dados sobre seus bens culturais. Os
museus facilitarão o acesso à imagem e à reprodução de
seus bens culturais e documentos conforme os
procedimentos estabelecidos na legislação vigente e nos
regimentos internos de cada museu. A disponibilização
de que trata este artigo será fundamentada nos
princípios da conservação dos bens culturais, do interesse
público, da não interferência na atividade dos museus e
da garantia dos direitos de propriedade intelectual,
inclusive imagem, na forma da legislação vigente. Por
fim, em consonância com o Estatuto dos Museus, os
55 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Institui o
Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
78
museus garantirão a proteção dos bens culturais que
constituem seus acervos, tanto em relação à qualidade
das imagens e reproduções quanto à fidelidade aos
sentidos educacional e de divulgação que lhes são
próprios, na forma da legislação vigente.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de
2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
79
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
__________. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009.
Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em
13 mar. 2015.
__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
__________. Tribunal Regional Federal da Segunda
Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 13
mar. 2015.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 13 mar. 2015.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais. Disponível em:
80
<www.tjmg.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito
Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000
Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Editora Impetus, 2004.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível
em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.
Direito Constitucional Ambiental: Constituição,
Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental
Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
81
ANÁLISE JURÍDICA DO SISTEMA DOS MUSEUS:
SINGELOS APONTAMENTOS À LEI Nº 11.904/2009
(ESTATUTO DOS MUSEUS)
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise jurídica do sistema dos museus, instituído
pela Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído
por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles
que possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar
que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada
pela natureza, como localização geográfica e clima.
Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma
intensa interação entre homem e natureza, porquanto
aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e
percepção são conformadas pela sua cultural. A
cultura brasileira é o resultado daquilo que era
próprio das populações tradicionais indígenas e das
82
transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se
analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo
macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,
abstrato, fluído, constituído por bens culturais
materiais e imateriais portadores de referência à
memória, à ação e à identidade dos distintos grupos
formadores da sociedade brasileira. O conceito de
patrimônio histórico e artístico nacional abrange
todos os bens moveis e imóveis, existentes no País,
cuja conservação seja de interesse público, por sua
vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou
por seu excepcional valor artístico, arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Sistema dos
Museus. Tutela Jurídica.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Análise Jurídica do Sistema dos
Museus: Singelos Apontamentos à Lei nº 11.904/2009
(Estatuto dos Museus)
83
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
84
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”56. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
56 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 13
mar. 2015, s.p.
85
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”57. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
57 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
13 mar. 2015.
86
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”58. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
58 VERDAN, 2009, s.p.
87
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”59. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
59 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 13 mar. 2015.
88
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade60·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”61.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
60 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 61 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
89
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível62.
62 Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
90
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”63. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015. 63 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
91
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198164,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
64 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
92
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”65.
Nesta senda, ainda, Fiorillo66, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
65 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 66 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
93
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal67.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
67 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar.
2015.
94
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”68.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198869 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
68 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 69 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
95
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade70.
70 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
96
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
97
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
98
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
99
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
100
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”71. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
71 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 13 mar. 2015, p.
15-16.
101
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”72. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
72 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
102
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
103
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”73. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
73 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 13 mar.
2015.
104
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”74, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200075,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo76, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,
segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo77, que
os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
74 BROLLO, 2006, p. 33. 75 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015. 76 BROLLO, 2006, p. 33. 77 FIORILLO, 2012, p. 80.
105
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. Necessário se
faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto
seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado
de valor especial, notadamente em decorrência de
produzir um sentimento de identidade no grupo em que
se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à
criatividade humana.
4 ANÁLISE JURÍDICA DO SISTEMA DOS
MUSEUS: SINGELOS APONTAMENTOS À LEI Nº
11.904/2009 (ESTATUTO DOS MUSEUS)
Cuida anotar que a Lei nº 11.904, de 14 de
janeiro de 200978, que institui o Estatuto de Museus e dá
outras providências, introduziu no ordenamento jurídico
o Sistema de Museus, que é uma rede organizada de
instituições museológicas, baseado na adesão voluntária,
78 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Institui o
Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
106
configurado de forma progressiva e que visa à
coordenação, articulação, à mediação, à qualificação e à
cooperação entre os museus. Os entes federados
estabelecerão em lei, denominada Estatuto Estadual,
Regional, Municipal ou Distrital dos Museus, normas
específicas de organização, articulação e atribuições das
instituições museológicas em sistemas de museus, de
acordo com os princípios dispostos neste Estatuto. A
instalação dos sistemas estaduais ou regionais, distritais
e municipais de museus será feita de forma gradativa,
sempre visando à qualificação dos respectivos
museus. Os sistemas de museus têm por finalidade: (i)
apoiar tecnicamente os museus da área disciplinar e
temática ou geográfica com eles relacionada; (ii)
promover a cooperação e a articulação entre os museus
da área disciplinar e temática ou geográfica com eles
relacionada, em especial com os museus municipais; (iii)
contribuir para a vitalidade e o dinamismo cultural dos
locais de instalação dos museus; (iv) elaborar pareceres e
relatórios sobre questões relativas à museologia no
contexto de atuação a eles adstrito; (v) colaborar com o
órgão ou entidade do poder público competente no
tocante à apreciação das candidaturas ao Sistema
Brasileiro de Museus, na promoção de programas e de
107
atividade e no acompanhamento da respectiva execução.
O Sistema Brasileiro de Museus disporá de um
Comitê Gestor, com a finalidade de propor diretrizes e
ações, bem como apoiar e acompanhar o desenvolvimento
do setor museológico brasileiro. O Comitê Gestor do
Sistema Brasileiro de Museus será composto por
representantes de órgãos e entidades com
representatividade na área da museologia nacional. O
Sistema Brasileiro de Museus tem a finalidade de
promover: (i) a interação entre os museus, instituições
afins e profissionais ligados ao setor, visando ao
constante aperfeiçoamento da utilização de recursos
materiais e culturais; (ii) a valorização, registro e
disseminação de conhecimentos específicos no campo
museológico; (iii) a gestão integrada e o desenvolvimento
das instituições, acervos e processos museológicos; (iv) o
desenvolvimento das ações voltadas para as áreas de
aquisição de bens, capacitação de recursos humanos,
documentação, pesquisa, conservação, restauração,
comunicação e difusão entre os órgãos e entidades
públicas, entidades privadas e unidades museológicas
que integrem o Sistema; (v) a promoção da qualidade do
desempenho dos museus por meio da implementação de
procedimentos de avaliação.
108
Constituem objetivos específicos do Sistema
Brasileiro de Museus: (i) promover a articulação entre as
instituições museológicas, respeitando sua autonomia
jurídico-administrativa, cultural e técnico-científica; (ii)
estimular o desenvolvimento de programas, projetos e
atividades museológicas que respeitem e valorizem o
patrimônio cultural de comunidades populares e
tradicionais, de acordo com as suas especificidades; (iii)
divulgar padrões e procedimentos técnico-científicos que
orientem as atividades desenvolvidas nas instituições
museológicas; (iv) estimular e apoiar os programas e
projetos de incremento e qualificação profissional de
equipes que atuem em instituições museológicas; (v)
estimular a participação e o interesse dos diversos
segmentos da sociedade no setor museológico; (vi)
estimular o desenvolvimento de programas, projetos e
atividades educativas e culturais nas instituições
museológicas; (vii) incentivar e promover a criação e a
articulação de redes e sistemas estaduais, municipais e
internacionais de museus, bem como seu intercâmbio e
integração ao Sistema Brasileiro de Museus; (viii)
contribuir para a implementação, manutenção e
atualização de um Cadastro Nacional de Museus; (ix)
propor a criação e aperfeiçoamento de instrumentos
109
legais para o melhor desempenho e desenvolvimento das
instituições museológicas no País; (x) propor medidas
para a política de segurança e proteção de acervos,
instalações e edificações; (xi) incentivar a formação, a
atualização e a valorização dos profissionais de
instituições museológicas; e (xii) estimular práticas
voltadas para permuta, aquisição, documentação,
investigação, preservação, conservação, restauração e
difusão de acervos museológicos.
Poderão fazer parte do Sistema Brasileiro de
Museus, mediante a formalização de instrumento hábil a
ser firmado com o órgão competente, os museus públicos
e privados, instituições educacionais relacionadas à área
da museologia e as entidades afins, na forma da
legislação específica. Terão prioridade, quanto ao
beneficiamento por políticas especificamente
desenvolvidas, os museus integrantes do Sistema
Brasileiro de Museus. Os museus integrantes do Sistema
Brasileiro de Museus colaboram entre si e articulam os
respectivos recursos com vistas em melhorar e
potencializar a prestação de serviços ao público. A
colaboração supracitada traduz-se no estabelecimento de
contratos, acordos, convênios e protocolos de cooperação
entre museus ou com entidades públicas ou privadas. Os
110
museus integrados ao Sistema Brasileiro de Museus
gozam do direito de preferência em caso de venda judicial
ou leilão de bens culturais, respeitada a legislação em
vigor. O prazo para o exercício do direito de preferência é
de quinze dias, e, em caso de concorrência entre os
museus do Sistema, cabe ao Comitê Gestor determinar
qual o museu a que se dará primazia. A preferência só
poderá ser exercida se o bem cultural objeto da
preferência se integrar na política de aquisições dos
museus, sob pena de nulidade do ato.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de
2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
111
__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
__________. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009.
Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em
13 mar. 2015.
__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
__________. Tribunal Regional Federal da Segunda
Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 13
mar. 2015.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 13 mar. 2015.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
112
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais. Disponível em:
<www.tjmg.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito
Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000
Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Editora Impetus, 2004.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível
em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.
Direito Constitucional Ambiental: Constituição,
Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental
Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
113
ANOTAÇÕES À LEI Nº 11.906/2209: BREVES
COMENTÁRIOS AO INSTITUTO BRASILEIRO DE
MUSEUS
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise do Instituto Brasileiro de Museus, criado pela
Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009. Cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído
por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles
que possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar
que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada
pela natureza, como localização geográfica e clima.
Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma
intensa interação entre homem e natureza, porquanto
aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e
percepção são conformadas pela sua cultural. A
cultura brasileira é o resultado daquilo que era
114
próprio das populações tradicionais indígenas e das
transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se
analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo
macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,
abstrato, fluído, constituído por bens culturais
materiais e imateriais portadores de referência à
memória, à ação e à identidade dos distintos grupos
formadores da sociedade brasileira. O conceito de
patrimônio histórico e artístico nacional abrange
todos os bens moveis e imóveis, existentes no País,
cuja conservação seja de interesse público, por sua
vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou
por seu excepcional valor artístico, arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Museus.
Instituto Brasileiro de Museus.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Ponderações ao Estatuto dos Museus;
5 Anotações à Lei nº 11.906/2009: Breves Comentários
ao Instituto Brasileiro de Museus
115
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
116
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”79. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
79 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 23 jul.
2015, s.p.
117
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”80. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
80 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
23 jul. 2015.
118
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”81. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
81 VERDAN, 2009, s.p.
119
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”82. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
82 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 23 jul. 2015.
120
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade83·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”84.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
83 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 84 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
121
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível85.
85 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
122
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”86. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 23 jul. 2015. 86 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
123
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198187,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
87 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
124
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”88.
Nesta senda, ainda, Fiorillo89, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
88 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 89 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
125
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal90.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
90 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
126
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”91.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198892 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
91 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 92 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
127
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade93.
93 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
128
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
129
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
130
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
131
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
132
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”94. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
94 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 23 jul. 2015, p.
15-16.
133
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”95. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
95 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
134
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
135
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”96. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
96 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 23 jul.
2015.
136
grupos em função de seu ambiente”97, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200098,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo99, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,
segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo100,
que os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
97 BROLLO, 2006, p. 33. 98 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015. 99 BROLLO, 2006, p. 33. 100 FIORILLO, 2012, p. 80.
137
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. Necessário se
faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto
seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado
de valor especial, notadamente em decorrência de
produzir um sentimento de identidade no grupo em que
se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à
criatividade humana.
4 PONDERAÇÕES AO ESTATUTO DOS MUSEUS
Em um primeiro momento, cuida anotar que a
Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009101, que institui o
Estatuto de Museus e dá outras providências, estabelece,
em uma concepção jurídica, que são considerados museus
as instituições sem fins lucrativos que conservam,
investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins
de preservação, estudo, pesquisa, educação,
contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor
101 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Institui o
Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
138
histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer
outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da
sociedade e de seu desenvolvimento. Igualmente, para a
aplicação da legislação supramencionada, serão
consideradas as instituições e os processos museológicos
voltados para o trabalho com o patrimônio cultural e o
território visando ao desenvolvimento cultural e
socioeconômico e à participação das comunidades. Ao
lado disso, são princípios fundamentais que nortearão a
atuação dos museus: (i) a valorização da dignidade
humana; (ii) a promoção da cidadania; (iii) o
cumprimento da função social; (iv) a valorização e
preservação do patrimônio cultural e ambiental; (v) a
universalidade do acesso, o respeito e a valorização à
diversidade cultural; (vi) o intercâmbio institucional.
A Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009102
(Estatuto dos Museus), traz ainda, em conformidade com
as características e o desenvolvimento de cada museu, a
possibilidade de existir filiais, seccionais e núcleos ou
anexos das instituições. Nos termos do diploma
supramencionado, considera-se como filial os museus
dependentes de outros quanto à sua direção e gestão,
102 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Institui o
Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
139
inclusive financeira, mas que possuem plano museológico
autônomo; como seccional a parte diferenciada de um
museu que, com a finalidade de executar seu plano
museológico, ocupa um imóvel independente da sede
principal; como núcleo ou anexo os espaços móveis ou
imóveis que, por orientações museológicas específicas,
fazem parte de um projeto de museu. Ademais, poderá o
Poder Público estabelecer mecanismos de fomento e
incentivo visando à sustentabilidade dos museus
brasileiros. Assentado na proeminência do patrimônio
cultural, os bens culturais dos museus, em suas diversas
manifestações podem ser declarados como de interesse
público, no todo ou em parte. Consideram-se bens
culturais passíveis de musealização os bens móveis e
imóveis de interesse público, de natureza material ou
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência ao ambiente natural, à
identidade, à cultura e à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira. Será declarado
como de interesse público o acervo dos museus cuja
proteção e valorização, pesquisa e acesso à sociedade
representar um valor cultural de destacada importância
para a Nação, respeitada a diversidade cultural,
regional, étnica e linguística do País.
140
O Estatuto dos Museus estabelece,
oportunamente, que a codificação não se aplica às
bibliotecas, aos arquivos, aos centros de documentação e
às coleções visitáveis. Ao lado disso, são consideradas
coleções visitáveis os conjuntos de bens culturais
conservados por uma pessoa física ou jurídica, que não
apresentem as características previstas no artigo 1º do
diploma legal multicitado, e que sejam abertos à
visitação, ainda que esporadicamente. Dicciona a
legislação que são considerados museus públicos as
instituições museológicas vinculadas ao poder público,
situadas no território nacional. Incumbirá ao Poder
Público firmar um plano anual prévio, de modo a
garantir o funcionamento dos museus públicos e permitir
o cumprimento de suas finalidades. Os museus públicos,
ainda consoante disposição do Estatuto dos Museus,
serão regidos por ato normativo específico. É vedada a
participação direta ou indireta de pessoal técnico dos
museus públicos em atividades ligadas à comercialização
de bens culturais. Atividades de avaliação para fins
comerciais serão permitidas aos funcionários em serviço
nos museus, nos casos de uso interno, de interesse
científico, ou a pedido de órgão do Poder Público,
mediante procedimento administrativo cabível.
141
No que concerne ao regime aplicável, a criação
de museus por qualquer entidade é livre,
independentemente do regime jurídico estabelecidosno
Estatuto dos Museus. Ao lado disso, a criação, a fusão e a
extinção de museus serão efetivadas por meio de
documento público. A criação, a fusão ou a extinção de
museus deverá ser registrada no órgão competente do
poder público. Os museus poderão estimular a
constituição de associações de amigos dos museus,
grupos de interesse especializado, voluntariado ou outras
formas de colaboração e participação sistemática da
comunidade e do público. Os museus, à medida das suas
possibilidades, facultarão espaços para a instalação de
estruturas associativas ou de voluntariado que tenham
por fim a contribuição para o desempenho das funções e
finalidades dos museus. Os museus poderão criar um
serviço de acolhimento, formação e gestão de
voluntariado, dotando-se de um regulamento específico,
assegurando e estabelecendo o benefício mútuo da
instituição e dos voluntários. A denominação de museu
estadual, regional ou distrital só pode ser utilizada por
museu vinculado a Unidade da Federação ou por museus
a quem o Estado autorize a utilização desta
denominação. Por derradeiro, a denominação de museu
142
municipal só pode ser utilizada por museu vinculado a
Município ou por museus a quem o Município autorize a
utilização desta denominação.
As entidades públicas e privadas de que
dependam os museus deverão definir claramente seu
enquadramento orgânico e aprovar o respectivo
regimento. Todo museu deverá dispor de instalações
adequadas ao cumprimento das funções necessárias, bem
como ao bem-estar dos usuários e funcionários. Compete
à direção dos museus assegurar o seu bom
funcionamento, o cumprimento do plano museológico por
meio de funções especializadas, bem como planejar e
coordenar a execução do plano anual de atividades. Os
museus garantirão a conservação e a segurança de seus
acervos, sendo que cada museu deverá elaborar
programas, normas e procedimentos de preservação,
conservação e restauração, em conformidade com a
legislação vigente. Aplicar-se-á o regime de
responsabilidade solidária às ações de preservação,
conservação ou restauração que impliquem dano
irreparável ou destruição de bens culturais dos museus,
sendo punível a negligência. Os museus devem dispor
das condições de segurança indispensáveis para garantir
a proteção e a integridade dos bens culturais sob sua
143
guarda, bem como dos usuários, dos respectivos
funcionários e das instalações, sendo que cada museu
deve dispor de um Programa de Segurança
periodicamente testado para prevenir e neutralizar
perigos. É facultado aos museus estabelecer restrições à
entrada de objetos e, excepcionalmente, pessoas, desde
que devidamente justificadas.
As entidades de segurança pública poderão
cooperar com os museus, por meio da definição conjunta
do Programa de Segurança e da aprovação dos
equipamentos de prevenção e neutralização de
perigos. Os museus colaborarão com as entidades de
segurança pública no combate aos crimes contra a
propriedade e tráfico de bens culturais. O estudo e a
pesquisa fundamentam as ações desenvolvidas em todas
as áreas dos museus, no cumprimento das suas múltiplas
competências. O estudo e a pesquisa nortearão a política
de aquisições e descartes, a identificação e caracterização
dos bens culturais incorporados ou incorporáveis e as
atividades com fins de documentação, de conservação, de
interpretação e exposição e de educação. Os museus
deverão promover estudos de público, diagnóstico de
participação e avaliações periódicas objetivando a
progressiva melhoria da qualidade de seu funcionamento
144
e o atendimento às necessidades dos visitantes. Os
museus deverão promover ações educativas,
fundamentadas no respeito à diversidade cultural e na
participação comunitária, contribuindo para ampliar o
acesso da sociedade às manifestações culturais e ao
patrimônio material e imaterial da Nação. Os museus
deverão disponibilizar oportunidades de prática
profissional aos estabelecimentos de ensino que
ministrem cursos de museologia e afins, nos campos
disciplinares relacionados às funções museológicas e à
sua vocação.
As ações de comunicação constituem formas de
se fazer conhecer os bens culturais incorporados ou
depositados no museu, de forma a propiciar o acesso
público, bem como regulamentará o acesso público aos
bens culturais, levando em consideração as condições de
conservação e segurança. Os museus deverão elaborar e
implementar programas de exposições adequados à sua
vocação e tipologia, com a finalidade de promover acesso
aos bens culturais e estimular a reflexão e o
reconhecimento do seu valor simbólico. Os museus
poderão autorizar ou produzir publicações sobre temas
vinculados a seus bens culturais e peças publicitárias
sobre seu acervo e suas atividades, sendo que: (i) serão
145
garantidos a qualidade, a fidelidade e os propósitos
científicos e educativos do material produzido, sem
prejuízo dos direitos de autor e conexos; e (ii) todas as
réplicas e demais cópias serão assinaladas como tais, de
modo a evitar que sejam confundidas com os objetos ou
espécimes originais. A política de gratuidade ou
onerosidade do ingresso ao museu será estabelecida por
ele ou pela entidade de que dependa, para diferentes
públicos, conforme dispositivos abrigados pelo sistema
legislativo nacional. Os museus caracterizar-se-ão pela
acessibilidade universal dos diferentes públicos, na
forma da legislação vigente. As estatísticas de visitantes
dos museus serão enviadas ao órgão ou entidade
competente do poder público, na forma fixada pela
respectiva entidade, quando solicitadas. Os museus
deverão disponibilizar um livro de sugestões e
reclamações disposto de forma visível na área de
acolhimento dos visitantes.
Os museus deverão formular, aprovar ou,
quando cabível, propor, para aprovação da entidade de
que dependa, uma política de aquisições e descartes de
bens culturais, atualizada periodicamente. Os museus
vinculados ao Poder Público darão publicidade aos
termos de descartes a serem efetuados pela instituição,
146
por meio de publicação no respectivo Diário Oficial. É
obrigação dos museus manter documentação
sistematicamente atualizada sobre os bens culturais que
integram seus acervos, na forma de registros e
inventários, sendo que: (i) o registro e o inventário dos
bens culturais dos museus devem estruturar-se de forma
a assegurar a compatibilização com o inventário nacional
dos bens culturais; e (ii) os bens inventariados ou
registrados gozam de proteção com vistas em evitar o seu
perecimento ou degradação, a promover sua preservação
e segurança e a divulgar a respectiva existência Os
inventários museológicos e outros registros que
identifiquem bens culturais, elaborados por museus
públicos e privados, são considerados patrimônio
arquivístico de interesse nacional e devem ser
conservados nas respectivas instalações dos museus, de
modo a evitar destruição, perda ou deterioração. No caso
de extinção dos museus, os seus inventários e registros
serão conservados pelo órgão ou entidade sucessora.
A proteção dos bens culturais dos museus se
completa pelo inventário nacional, sem prejuízo de
outras formas de proteção concorrentes. Entende-se por
inventário nacional, em consonância com a Lei nº
147
11.904, de 14 de janeiro de 2009103 (Estatuto dos
Museus), a inserção de dados sistematizada e atualizada
periodicamente sobre os bens culturais existentes em
cada museu, objetivando a sua identificação e proteção. O
inventário nacional dos bens dos museus não terá
implicações na propriedade, posse ou outro direito real. O
inventário nacional dos bens culturais dos museus será
coordenado pela União. Para efeito da integridade do
inventário nacional, os museus responsabilizar-se-ão
pela inserção dos dados sobre seus bens culturais. Os
museus facilitarão o acesso à imagem e à reprodução de
seus bens culturais e documentos conforme os
procedimentos estabelecidos na legislação vigente e nos
regimentos internos de cada museu. A disponibilização
de que trata este artigo será fundamentada nos
princípios da conservação dos bens culturais, do interesse
público, da não interferência na atividade dos museus e
da garantia dos direitos de propriedade intelectual,
inclusive imagem, na forma da legislação vigente. Por
fim , em consonância com o Estatuto dos Museus, os
museus garantirão a proteção dos bens culturais que
constituem seus acervos, tanto em relação à qualidade
103 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Institui o
Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
148
das imagens e reproduções quanto à fidelidade aos
sentidos educacional e de divulgação que lhes são
próprios, na forma da legislação vigente.
5 ANOTAÇÕES À LEI Nº 11.906/2009: BREVES
COMENTÁRIOS AO INSTITUTO BRASILEIRO DE
MUSEUS
Tecidos estes comentários, cuida anotar que a
Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009104, foi responsável
por criar o Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM,
autarquia federal, dotada de personalidade jurídica de
direito público, com autonomia administrativa e
financeira, vinculada ao Ministério da Cultura, com sede
e foro na Capital Federal, podendo estabelecer escritórios
ou dependências em outras unidades da Federação. Ao
lado do exposto, é interessante destacar que, para os fins
da legislação em comento, são consideradas: (i) as
instituições museológicas: os centros culturais e de
práticas sociais, colocadas a serviço da sociedade e de seu
104 BRASIL. Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009. Cria o
Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, cria 425 (quatrocentos e
vinte e cinco) cargos efetivos do Plano Especial de Cargos da
Cultura, cria Cargos em Comissão do Grupo-Direção e
Assessoramento Superiores - DAS e Funções Gratificadas, no âmbito
do Poder Executivo Federal, e dá outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em 23 jul. 2015.
149
desenvolvimento, que possuem acervos e exposições
abertas ao público, com o objetivo de propiciar a
ampliação do campo de possibilidades de construção
identitária, a percepção crítica da realidade cultural
brasileira, o estímulo à produção do conhecimento e à
produção de novas oportunidades de lazer, tendo ainda
as seguintes características básicas: a) a vocação para a
comunicação, investigação, interpretação, documentação
e preservação de testemunhos culturais e naturais; b) o
trabalho permanente com o patrimônio cultural; c) o
desenvolvimento de programas, projetos e ações que
utilizem o patrimônio cultural como recurso educacional
e de inclusão social; e d) o compromisso com a gestão
democrática e participativa; (ii) bens culturais
musealizados: o conjunto de testemunhos culturais e
naturais que se encontram sob a proteção de instituições
museológicas; e (iii) atividades museológicas: os
procedimentos de seleção, aquisição, documentação,
preservação, conservação, restauração, investigação,
comunicação, valorização, exposição, organização e
gestão de bens culturais musealizados.
O IBRAM tem as seguintes finalidades: (i)
promover e assegurar a implementação de políticas
públicas para o setor museológico, com vistas em
150
contribuir para a organização, gestão e desenvolvimento
de instituições museológicas e seus acervos; (ii) estimular
a participação de instituições museológicas e centros
culturais nas políticas públicas para o setor museológico
e nas ações de preservação, investigação e gestão do
patrimônio cultural musealizado; (iii) incentivar
programas e ações que viabilizem a preservação, a
promoção e a sustentabilidade do patrimônio
museológico brasileiro; (iv) estimular e apoiar a criação e
o fortalecimento de instituições museológicas; (v)
promover o estudo, a preservação, a valorização e a
divulgação do patrimônio cultural sob a guarda das
instituições museológicas, como fundamento de memória
e identidade social, fonte de investigação científica e de
fruição estética e simbólica; (vi) contribuir para a
divulgação e difusão, em âmbito nacional e internacional,
dos acervos museológicos brasileiros; (vii) promover a
permanente qualificação e a valorização de recursos
humanos do setor; (viii) desenvolver processos de
comunicação, educação e ação cultural, relativos ao
patrimônio cultural sob a guarda das instituições
museológicas para o reconhecimento dos diferentes
processos identitários, sejam eles de caráter nacional,
regional ou local, e o respeito à diferença e à diversidade
151
cultural do povo brasileiro; e (ix) garantir os direitos das
comunidades organizadas de opinar sobre os processos de
identificação e definição do patrimônio a ser
musealizado.
Compete, nos termos do artigo 4º da a Lei nº
11.906, de 20 de Janeiro de 2009105, ao IBRAM: (i) propor
e implementar projetos, programas e ações para o setor
museológico, bem como coordenar, acompanhar e avaliar
as atividades deles decorrentes; (ii) estabelecer e
divulgar normas, padrões e procedimentos, com vistas
em aperfeiçoar o desempenho das instituições
museológicas no País e promover seu desenvolvimento;
(iii) fiscalizar e gerir técnica e normativamente os bens
culturais musealizados ou em processo de musealização;
(iv) promover o fortalecimento das instituições
museológicas como espaços de produção e disseminação
de conhecimento e de comunicação; (v) desenvolver e
apoiar programas de financiamento para o setor
museológico; (vi) estimular, subsidiar e acompanhar o
desenvolvimento de programas e projetos relativos a
105 BRASIL. Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009. Cria o
Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, cria 425 (quatrocentos e
vinte e cinco) cargos efetivos do Plano Especial de Cargos da
Cultura, cria Cargos em Comissão do Grupo-Direção e
Assessoramento Superiores - DAS e Funções Gratificadas, no âmbito
do Poder Executivo Federal, e dá outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em 23 jul. 2015.
152
atividades museológicas que respeitem e valorizem o
patrimônio cultural de comunidades populares e
tradicionais de acordo com suas especificidades; (vii)
estimular o desenvolvimento de programas, projetos e
atividades educativas e culturais das instituições
museológicas; (viii) promover o inventário sistemático
dos bens culturais musealizados, visando a sua difusão,
proteção e preservação, por meio de mecanismos de
cooperação com entidades públicas e privadas; (ix)
implantar e manter atualizado cadastro nacional de
museus visando à produção de conhecimentos e
informações sistematizadas sobre o campo museológico
brasileiro; (x) promover e apoiar atividades e projetos de
pesquisa sobre o patrimônio cultural musealizado, em
articulação com universidades e centros de investigação
científica, com vistas na sua preservação e difusão.
Igualmente, ainda nos termos do artigo 4º da
Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009106, compete ao
IBRAM: (xi) propor medidas de segurança e proteção de
acervos, instalações e edificações das instituições
106 BRASIL. Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009. Cria o
Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, cria 425 (quatrocentos e
vinte e cinco) cargos efetivos do Plano Especial de Cargos da
Cultura, cria Cargos em Comissão do Grupo-Direção e
Assessoramento Superiores - DAS e Funções Gratificadas, no âmbito
do Poder Executivo Federal, e dá outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em 23 jul. 2015.
153
museológicas, visando manter a integridade dos bens
culturais musealizados; (xii) propor medidas que visem a
impedir a evasão e a dispersão de bens culturais
musealizados, bem como se pronunciar acerca de
requerimentos ou solicitações de sua movimentação no
Brasil ou no exterior; (xiii) desenvolver e estimular ações
de circulação, intercâmbio e gestão de acervos e coleções;
(xiv) estimular e apoiar os programas e projetos de
qualificação profissional de equipes que atuam em
instituições museológicas; (xv) coordenar o Sistema
Brasileiro de Museus, fixar diretrizes, estabelecer
orientação normativa e supervisão técnica para o
exercício de suas atividades sistematizadas; (xvi)
promover e assegurar a divulgação no exterior do
patrimônio cultural brasileiro musealizado, em
articulação com o Ministério das Relações Exteriores; e
(xvii) exercer, em nome da União, o direito de preferência
na aquisição de bens culturais móveis, prevista no art. 22
do Decreto-Lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937,
respeitada a precedência pelo órgão federal de
preservação do patrimônio histórico e artístico.
Nos termos do artigo 10 da Lei nº 11.906, de 20
de Janeiro de 2009107, constituem receitas do IBRAM: (i)
107 Ibid.
154
as dotações orçamentárias que lhe forem consignadas no
Orçamento Geral da União; (ii) os recursos provenientes
de convênios, acordos ou contratos celebrados com
entidades públicas nacionais, estrangeiras e
internacionais; (iii) as doações, legados, subvenções e
outros recursos que lhe forem destinados, as receitas
provenientes de empréstimos, auxílios, contribuições e
dotações de fontes internas e externas; (iv) o produto da
venda de publicações, acervos, material técnico, dados e
informações de emolumentos administrativos e de taxas
de inscrições em concursos; (v) a retribuição por serviços
de qualquer natureza prestados a terceiros; (vi) as
rendas de qualquer natureza, resultantes do exercício de
atividades que sejam afetas ou da exploração de imóveis
e acervos sob sua jurisdição; e (vii) os recursos de
transferência de outros órgãos da administração pública.
O patrimônio do IBRAM, em conformidade com o artigo
11 da Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009108,
constituir-se-á de: (i) bens e direitos transferidos em
decorrência do disposto no art. 8o da legislação em
108 BRASIL. Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009. Cria o
Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, cria 425 (quatrocentos e
vinte e cinco) cargos efetivos do Plano Especial de Cargos da
Cultura, cria Cargos em Comissão do Grupo-Direção e
Assessoramento Superiores - DAS e Funções Gratificadas, no âmbito
do Poder Executivo Federal, e dá outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em 23 jul. 2015.
155
comento; (ii) doações, legados e contribuições; (iii) bens e
direitos que adquirir; e (iv) rendas de qualquer natureza
derivadas de seus próprios bens e serviços
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de
2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
156
__________. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009.
Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em
23 jul. 2015.
__________. Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009.
Cria o Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, cria 425
(quatrocentos e vinte e cinco) cargos efetivos do Plano
Especial de Cargos da Cultura, cria Cargos em Comissão
do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS e
Funções Gratificadas, no âmbito do Poder Executivo
Federal, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br >. Acesso em 23 jul. 2015.
__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
__________. Tribunal Regional Federal da Segunda
Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 23
jul. 2015.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 23 jul. 2015.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
157
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais. Disponível em:
<www.tjmg.jus.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito
Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000
Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Editora Impetus, 2004.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível
em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.
Direito Constitucional Ambiental: Constituição,
Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental
Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 23 jul. 2015.
158
COMENTÁRIOS AO INVENTÁRIO NACIONAL DOS
BENS MÓVEIS INTEGRADOS (INBMI) PARA A
SALVAGUARDA E PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise do inventário nacional dos bens móveis
integrados (INBMI) e sua proeminência para a
salvaguarda do patrimônio cultural. Cuida salientar
que o meio ambiente cultural é constituído por bens
culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar
que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada
pela natureza, como localização geográfica e clima.
Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma
intensa interação entre homem e natureza, porquanto
aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e
159
percepção são conformadas pela sua cultural. A
cultura brasileira é o resultado daquilo que era
próprio das populações tradicionais indígenas e das
transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se
analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo
macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,
abstrato, fluído, constituído por bens culturais
materiais e imateriais portadores de referência à
memória, à ação e à identidade dos distintos grupos
formadores da sociedade brasileira. O conceito de
patrimônio histórico e artístico nacional abrange
todos os bens moveis e imóveis, existentes no País,
cuja conservação seja de interesse público, por sua
vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou
por seu excepcional valor artístico, arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Inventário
Nacional. Bens Móveis.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Comentários ao Inventário Nacional
dos Bens Móveis Integrados (INBMI) para a
salvaguarda e proteção do Patrimônio Cultural
160
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
161
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”109. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
109 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 22 ago.
2015, s.p.
162
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”110. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
110 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
22 ago. 2015.
163
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”111. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
111 VERDAN, 2009, s.p.
164
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”112. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
112 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 22 ago. 2015.
165
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade113·. Ora, daí
se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”114.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
113 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 114 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015.
166
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível115.
115 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
167
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”116. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 22 ago. 2015. 116 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
168
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981117,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
117 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre
a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015.
169
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”118.
Nesta senda, ainda, Fiorillo119, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
118 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.
São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 119 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
170
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal120.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
120 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 22 ago.
2015.
171
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”121.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 1988122 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
121 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 122 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
172
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade123.
123 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
173
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 22 ago. 2015.
174
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
175
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
176
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
177
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”124. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
124 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 22 ago. 2015, p.
15-16.
178
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”125. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
125 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
179
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
180
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”126. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
126 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 22 ago.
2015.
181
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”127, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de
2000128, que institui o registro de bens culturais de
natureza imaterial que constituem patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial e dá outras providências, consiste em
instrumento efetivo para a preservação dos bens
imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como
bem aponta Brollo129, em seu magistério, o aludido
decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais
de natureza imaterial que integram o patrimônio
cultural brasileiro, mas também estruturou uma política
de inventariança, referenciamento e valorização desse
patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado
por Celso Fiorillo130, que os bens que constituem o
denominado patrimônio cultural consistem na
127 BROLLO, 2006, p. 33. 128 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015. 129 BROLLO, 2006, p. 33. 130 FIORILLO, 2012, p. 80.
182
materialização da história de um povo, de todo o caminho
de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,
os quais têm o condão de substancializar a identidade e a
cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada
comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-
ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do
meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que
o caracteriza, sendo dotado de valor especial,
notadamente em decorrência de produzir um sentimento
de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem
como é propiciada a constante evolução fomentada pela
atenção à diversidade e à criatividade humana.
4 COMENTÁRIOS AO INVENTÁRIO NACIONAL
DOS BENS MÓVEIS INTEGRADOS (INBMI) PARA
A SALVAGUARDA E PROTEÇÃO DO
PATRIMÔNIO CULTURAL
De plano, cuida reconhecer que o artigo 216 da
Constituição da República Federativa do Brasil de
1988131 estabelece, de maneira exemplificativa, os
131 BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa
do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso
em 22 ago. 2015: “Art. 216. Constituem patrimônio cultural
183
institutos e procedimentos a serem empregados em sede
de tutela e salvaguarda do patrimônio cultural,
comportando o alargamento do rol posto no texto
constitucional. Nesta linha de exposição, quadra
ponderar que o instituto do inventário não possui
regulamentação infraconstitucional, de âmbito nacional,
que estipule normas concernentes aos seus efeitos. Ao
lado disso, não se pode olvidar que o Texto
Constitucional estabelece que é competência concorrente
da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal,
bem como dos Municípios dispor acerca de mecanismos
e instrumentos para proteger e salvaguardar o
brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de
expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as
criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos,
documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios
de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico. § 1º - O Poder Público, com a
colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio
cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,
tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento
e preservação. § 2º - Cabem à administração pública, na forma da
lei, a gestão da documentação governamental e as providências para
franquear sua consulta a quantos dela necessitem. § 3º - A lei
estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e
valores culturais. § 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural
serão punidos, na forma da lei. § 5º - Ficam tombados todos os
documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos
antigos quilombos”.
184
patrimônio histórico, cultural, artístico, turísticos e
paisagísticos.
Diante desse cenário, no qual se constata a
omissão da norma infraconstitucional federal em
estabelecer regramento que disponha acerca do
inventário, na condição de instituto protetivo do
patrimônio cultural, poderão os demais entes
federativos legislar sobre a proteção e preservação de
seus patrimônios culturais. Nesta senda, o inventário, na
condição de instrumento de preservação e salvaguarda
cultural, consiste na identificação das características,
particularidades, histórico e relevância cultural,
objetivando dispensar a proteção dos bens culturais
materiais, públicos ou privados, devendo-se, para tanto,
adotar, no que tange à execução, critérios técnicos
objetivos e alicerçados de natureza histórica, artística,
arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica.
Nesta toada, quadra primar que inventariar significa
descrever, de maneira minuciosa, a relação e conjunto de
bens culturais. “O inventário, na seara patrimonial, é
instrumento de conhecimento de bens culturais, seja
de natureza material ou imaterial, que subsidia as
políticas de preservação do patrimônio cultural”132.
132 CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como
185
Há que se destacar, assim, que o inventário
dos bens culturais implica no levantamento minucioso e
completo dos bens culturais, objetivando abarcar a
diversidade de patrimônio existente. Insta anotar que o
inventário é uma das atividades elementares para o
estabelecimento e priorização de ações dentro de uma
política volvida para a preservação e gestão do
patrimônio cultural, notadamente quando há que se
considerar que toda medida de proteção, intervenção e
valorização do patrimônio cultural reclama o prévio
conhecimento dos acervos existentes. Sobre a temática
colocada em exame, Marcos Paulo de Souza Miranda,
em seu magistério, explica:
Sob o ponto de vista prático o inventário
consiste na identificação e registro por
meio de pesquisa e levantamento das
características e particularidades de
determinado bem, adotando-se, para sua
execução, critérios técnicos objetivos e
fundamentados de natureza histórica,
artística, arquitetônica, sociológica,
paisagística e antropológica, entre outros.
Os resultados dos trabalhos de pesquisa
para fins de inventário são registrados
normalmente em fichas onde há a descrição
instrumento de preservação do patrimônio cultural: adequação e
usos (des) caracterizadores de seu fim. Revista CPC, São Paulo, n.
16, p. 119-135, mai.-out. 2013. Disponível em: <
http://www.revistasusp.com.br>. Acesso em 22 ago. 2015, p. 121.
186
sucinta do bem cultural, constando
informações básicas quanto a sua
importância histórica, características
físicas, delimitação, estado de conservação,
proprietário etc133.
A essência do inventário é o de apreciar o
bem, porquanto só se pode proteger aquilo que se
conhece fundamentando, inclusive, um posterior pedido
de tombamento. O pedido do tombado não é uma
consequência imediata, sendo possível, após o estudo
propiciado pelo instituto em comento, que determinado
bem não seja passível de tombamento, o que mostra a
incoerência de se atrelar ao inventário o efeito de
restrição da propriedade. Prima sublinhar que a ausência
de uma norma infraconstitucional regulamentadora do
instituto do inventário não obsta o Poder Público
utilizar-se de tal instrumento na condição de fonte de
conhecimento dos bens culturais alvos da
patrimonialização. De igual modo, é defeso falar em
produção da insegurança jurídica, eis que o inventário
encontra-se previsto constitucionalmente, afigurando-se
como prática corriqueira dos órgãos da preservação do
133 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como
instrumento constitucional de proteção ao patrimônio cultural
brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, 2008. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista>. Acesso em 22 ago. 2015.
187
patrimônio. “O que gerará turbulência no ofício dos
gestores do patrimônio é a previsível relutância dos
proprietários de imóveis a ser inventariados de abrir
suas portas para o levantamento de dados desse bem
cultural, o que já acontece com os proprietários de
imóveis tombados”134. Com propriedade, Miranda
apresenta a seguinte distinção:
O Inventário e o Tombamento não se confundem. Trata-se de instrumentos de efeitos absolutamente diversos, embora ambos sejam institutos jurídicos vocacionados para a proteção do patrimônio cultural. O inventário é instituto de efeitos jurídicos muito mais brandos do que o tombamento, mostrando-se como uma alternativa interessante para a proteção do patrimônio cultural sem a necessidade Administração Pública de se valer do obtuso e, não raras vezes, impopular instrumento do tombamento135.
Nesta linha, o tombamento, por mais que
ainda sobrepuje os demais instrumentos elencados como
mecanismos de preservação cultural, há muito não é
134 CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como
instrumento de preservação do patrimônio cultural: adequação e
usos (des) caracterizadores de seu fim. Revista CPC, São Paulo, n.
16, p. 119-135, mai.-out. 2013. Disponível em: <
http://www.revistasusp.com.br>. Acesso em 22 ago. 2015, p. 124-125. 135 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como
instrumento constitucional de proteção ao patrimônio cultural
brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, 2008. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista>. Acesso em 22 ago. 2015.
188
destinado apenas à excepcionalidade. Com efeito, cuida
pontuar que o inventário instrumentaliza o tombamento,
não podendo, portanto, ser com ele confundido, eis que
encerra aspectos característicos próprios. Ao lado disso,
os bens inventariados devem, imperiosamente, ser
conservados adequadamente por seus proprietários, eis
que ficam submetidos ao regime jurídico específico dos
bens culturais protegidos. Em igual sedimento, os bens
inventariados somente poderão ser destruídos,
inutilizados, deteriorados ou alterados por meio de prévia
autorização do órgão responsável pelo ato protetivo, que
deve exercer singular vigilância sobre o patrimônio
inventariado. Olender, ao esmiuçar o instituto em
comentário, explicita que:
Entendemos que, a partir do momento que, historicamente, o inventário se consolida, no Brasil, como aquilo que denominamos de “inventário de conhecimento ou de identificação” e que, nos últimos anos – principalmente a partir da própria atuação do poder judiciário – começa, concomitantemente, a ser utilizado como sinônimo daquilo que na França é denominado de “inventário suplementar” nos cabe, para não incorrermos em uma confusão que será bastante prejudicial para o desenvolvimento das políticas e das práticas de preservação do patrimônio em nosso país, partir para uma melhor denominação das ações hoje empreendidas com este nome. Penso que possuímos, neste caso, duas opções: 1) manter-se a
189
denominação de inventário para aquela ação que se já encontra há mais tempo consolidada e criando-se outra denominação para o citado “tombamento flexível”; ou 2) adjetivar, sempre, os dois tipos de inventário aqui apresentados, denominando-se aquele inventário que entendemos já consolidado como “inventário de conhecimento”, “inventário de identificação” ou “inventário de proteção” e o segundo tipo de “inventário para a preservação” (como faz a legislação baiana), ou “inventário de estruturação e de complementação” (como faz a gaúcha), ou algum outro termo que o diferencie do anterior. Só assim, poderemos contribuir para a resolução desta questão que, infelizmente, provoca um desacordo entre diversos e importantes agentes responsáveis pela preservação deste patrimônio136.
Cuida mencionar, assim, no processo de
preservação do patrimônio cultural, o instituto do
inventário, como parte dos procedimentos de análise e
compreensão da realidade, constitui-se na ferramenta
elementar para o conhecimento do acervo cultural e
natural. Ao lado disso, a realização do inventário com a
participação a comunidade proporciona não somente a
obtenção do conhecimento do acervo por ela atribuído ao
patrimônio, mas, ainda, o fortalecimento dos seus
vínculos em relação ao patrimônio. Verifica-se, assim,
136 OLENDER, Marcos. Uma “medicina doce do patrimônio”.
Vitruvius. a. 11, set 2010. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br>. Acesso em 22 ago. 2015.
190
que, mesmo não havendo disposição infraconstitucional
expressa sobre o instituto em comento, tal fato não
obstaculariza a utilização do instrumento em comento
pelo Poder Público, notadamente em decorrência da
proeminente atenção reclamada pela tutela e
salvaguarda de tal bem jurídico.
No que concerne ao Inventário Nacional dos
Bens Móveis Integrados, quadra anotar que consiste,
essencialmente, na documentação do acerco de bens
móveis e integrados a edificações religiosas tombadas em
órbita federal, considerando sua predominância no
conjunto dos monumentos do patrimônio cultural
brasileiro sob a fiscalização do IPHAN. Neste passo, o
inventário está voltado para a identificação de uma
razoável pluralidade de objetos da cultura material,
portadores de diferentes valores patrimoniais: histórico,
de antiguidade, artístico, rememorativo intencional,
social, de uso, simbólico. Abrange uma grande
quantidade de peças pertencentes a diferentes categorias
de bens móveis e integrados, em uso ou não, que vão
desde a pintura e a escultura, elementos arquitetônicos,
objetos de culto e indumentária, peças de mobiliário,
acessórios de mesa e objetos de iluminação, litúrgicos ou
não, até fragmentos remanescentes de peças antigas, que,
191
embora desagregados, são parte importante da história
do monumento ou da comunidade religiosa que o habita.
O INBMI apresenta especificidades
metodológicas e precisa, ao mesmo tempo, lidar com a
subjetividade dos responsáveis imediatos pelos acervos
em questão, que são, em geral, os únicos conhecedores da
existência das peças e os únicos capazes de lhes
franquear acesso. A metodologia de execução do INBMI
foi sendo modelada ao longo dos anos por sucessivas
gerações de técnicos, oriundos de diversos campos
disciplinares envolvidos no Projeto. Parte deste
conhecimento, produzido a partir das experiências
realizadas em diferentes cidades e estados do país, está
sistematizado no Manual de Preenchimento do INBMI e
no Tesauro para Bens Móveis e Integrados para uso do
Iphan (em várias versões e em constante atualização) e
mesmo em alguns estudos e artigos científicos sobre o
Projeto.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
192
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015.
__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de
2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015.
__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015.
__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015.
__________. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009.
Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em
22 ago. 2015.
__________. Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009.
Cria o Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, cria 425
(quatrocentos e vinte e cinco) cargos efetivos do Plano
Especial de Cargos da Cultura, cria Cargos em Comissão
do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS e
Funções Gratificadas, no âmbito do Poder Executivo
Federal, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br >. Acesso em 22 ago. 2015.
193
__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 22 ago. 2015.
__________. Tribunal Regional Federal da Segunda
Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 22
ago. 2015.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 22 ago. 2015.
CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como
instrumento de preservação do patrimônio cultural:
adequação e usos (des) caracterizadores de seu fim.
Revista CPC, São Paulo, n. 16, p. 119-135, mai.-out.
2013. Disponível em: < http://www.revistasusp.com.br>.
Acesso em 22 ago. 2015.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais. Disponível em:
194
<www.tjmg.jus.br>. Acesso em 22 ago. 2015.
MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como
instrumento constitucional de proteção ao patrimônio
cultural brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina,
2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista>. Acesso
em 22 ago. 2015.
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito
Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000
Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Editora Impetus, 2004.
OLENDER, Marcos. Uma “medicina doce do
patrimônio”. Vitruvius. a. 11, set 2010. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br>. Acesso em 22 ago. 2015.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível
em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 22 ago. 2015.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.
Direito Constitucional Ambiental: Constituição,
Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental
Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
195
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 22 ago. 2015.
top related