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Saúde em Debate
ISSN: 0103-1104
revista@saudeemdebate.org.br
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Brasil
Pereira Fodra, Rosita Emilia; da Costa Rosa, Abílio
Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS ad): análises dos discursos e da
prática no contexto da Reforma Psiquiátrica e atenção psicossocial
Saúde em Debate, vol. 33, núm. 81, enero-abril, 2009, pp. 129-139
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Rio de Janeiro, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406341772014
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ARTIGO ORIGINAL / ORlGINALARTlCLE
Centro de Aten<;ao Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS ad):
análises dos discursos e da prática no contexto da Reforma
Psiquiátrica e aten<;ao psicossocial
CAPS ad: analyses o/the speeches andpractices in the context o/PsychiatricReform andpsychosocial attention
Rosita Emilia Pereira Fodra I
Abílio da Costa Rosa 2
129
I Médica psiquiatra; Mestre em
psicologia pela Universidade Estadual
Paulista (UNESP), Assis (SP);
médica psiquiatra do Centro de
Atenc;:áo Psicossocial (CAPS) Crianc;:a e
Adolescente, Londrina (PR).
rositafodra@hotmail.com
2 Professor assistente; Dolltor em
psicologia da graduac;:áo e pós
graduac;:áo da UNESP, Assis (SP).
abiliocr@assis.unesp.br
RESUMO O presente artigo tem como objetivo a leitura das configura~óes
e a análise dos discursos e da prática de um Centro de Aten~áo Psicossocial
Álcool e Drogas (CAPS ad), em um município de médio porte, no Estado do
Paraná. Foram utilizadas, como pautas para a investiga~áo as prerrogativas do
Ministério da Saúde, as perspectivas da RefOrma Psiquiátrica e os princípios do
CAPS ad Para o processo investigatório, escolheu-se a observa~áo participante e
o grupo de discussáo, por permitir a cria~áo de um campo dialético, a fim de
obter conhecimento e desenvolver a reflexáo crítica sobre os saberes e as práticas
existentes. Os resultados das análises revelam a identidade do CAPS adesua lógica
como enunciado universal e suas práxis.
PALAVRAS-CHAVE: Centros de Aten~áo Psicossocial; Saúde Mental;
alcoolismo; Drogas.
ABSTRACT The objective ofthis article is the reading ofthe configurations and
the analysis ofthe speeches and practices in a Psychosocial Care Center Alcohol
and Drugs (CAPS ad), in an average city of the State ofParaná, BraziL The
prerogatives ofthe Health Department, theperspectives ofthe Psychiatric RefOrm
and the principIes of CAPS ad have been used as guidelines for the inquiry. In
the investigating process, two techniques ofinquiry were chosen: the participant
observation and the group ofdiscussion, for permitting a dialectic field in order
to obtain knowledge and to develop critical reflection on the existing knowledge
andpractices. The results ofthe analyses disclosed on the identity ofthe CAPS ad
and its logic as universal statement and its praxis.
KEYWORDS: PsychosocialMental Care Centers; Mental Health; Alcoholism;
Drugs.
SalÍde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 129-139, jan.labr. 2009
130 FODRA, R. E. p.; ROSA, A. C. • Centro de Aren,áo Psicossocial Alcool e Drogas (Caps adl: análises dos discursos e da prárica no contexto da Reforma Psiquiárrica eatenc;áo psicossocial
INTRODU<;ÁO
Este artigo é o resultado de urna pesquisa de disser
ta<;:ao de mestrado, realizada em um Centro de Aten<;:ao
Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS ad), credenciado
pelo Ministério da Saúde (MS), em um município de
médio porte, no Estado do Paraná. O objetivo deste
trabalho foi realizar a leitura das configura<;:óes e análi
ses dos discursos e das práxis adotadas pela institui<;:ao,
considerando o campo dos profissionais, da popula<;:ao
usuária e o Projeto Institucional.
Para substituir as interna<;:óes psiquiátricas,
em 2002 o MS criou portarias (portaria 336/2002,
189/2002) para o credenciamento e o financiamento de
servi<;:os de Saúde Mental, tendo a aten<;:ao psicossocial
e o seguimento dos princípios da Reforma Psiquiátrica
como base para cuidados.
A partir da cria<;:ao desses novos servi<;:os, ocorre
um processo de transforma<;:ao na Saúde Mental, por
meio da constru<;:ao de novas práticas diferenciadas das
tradicionalmente instituídas, com relevancia para o CAPS
ad, que se destaca por sua nova experiéncia no complexo
campo da assisténcia ao consumo de drogas no país.
Com o estudo realizado no CAPS ad, foram efetua
das a leitura e a análise das configura<;:óes da institui<;:ao,
de maneira que foi obtido o conhecimento do discurso
como o enunciado universal e as singularidades tradu
zidas pela práxis.
Assim sendo, esta pesquisa, ao apresentar o conhe
cimento da realidade concreta de um CAPS, pretende
ser importante para a visibilidade do servi<;:o perante
a comunidade, para os profissionais do servi<;:o, que
possuem papel ativo na institui<;:ao, para outros pro
fissionais de Saúde Mental do município e para os
SalÍde em Debate, Río de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 129-139, jan.labr. 2009
usuários da institui<;:ao que, seguramente, sao atores
sociais na transforma<;:ao do processo de constru<;:ao
de urna nova prática.
Um breve histórico sobre o CAPs ad
Em 1997, o município criou esse servi<;:o com o
nome de Unidade de Internamento Comunidade Te
rapéutica para atender crian<;:as e adolescentes usuários
de substancias psicoativas, tendo o recurso da interna
<;:ao no local como tratamento formal na institui<;:ao,
baseado-se nos moldes da Comunidade Terapéutica.
No entanto, nao funcionou por quase dois anos, tendo
em vista as repercussóes da Reforma Psiquiátrica no
município, que já contava com dois servi<;:os de Saúde
Mental e cujo direcionamento caminhava numa nova
linha de aten<;:ao. Somente em 1999, foi aberto para
funcionar como comunidade terapéutica sem inter
namento, sob a dire<;:ao da Associa<;:ao Metodista de
Assisténcia Social, pertencente aIgreja Metodista. No
ano de 2000, iniciou o atendimento para crian<;:as e
adolescentes usuários de substancias psicoativas em
situa<;:ao de risco pessoal e social, com o nome de Co
munidade Terapéutica Usina da Esperan<;:a. As a<;:óes
eram destinadas para crian<;:as e adolescente usuárias
de drogas e em situa<;:ao de risco pessoal e social em
sua grande maioria.
Em 2001, o servi<;:o volta para a responsabilidade
do município, assumido por duas secretarias municipais:
a da Saúde e da A<;:ao Social. Houve urna 'revitaliza<;:ao'
do local, que passou a se chamar Comunidade Terapéu
tica Espa<;:o vida. A institui<;:ao funciono u nos moldes
teóricos-práticos de urna comunidade terapéutica,
porém, sem internamento no local, atendendo crian<;:as
e adolescentes do município, usuárias de drogas e em
riso social e pessoal.
No ano de 2003, a institui<;:ao foi designada a pres
tar atendimento apopula<;:ao moradora de rua, envolvida
FODRA, R. E. p.; ROSA, A. C. • Centro de A[en,áo Psicossocial Alcool e Drogas (Caps ad): análises dos discursos e da prá[ica no contex[o da Reforma Psiquiá[rica e 131acencrao psicossocial
com uso de álcool e outras drogas. Essa popula<;:ao era
constituída quase exclusivamente por adultos e resultou
na ocupa<;:ao gradativa e abrigamento dessa popula<;:ao,
descaracterizando a fun<;:ao inicial de atendimento ex
clusivo a crian<;:as e adolescentes.
Em 2004, a parceria com a Secretaria de A<;:ao
Social é desfeita, devido a impasses na gestao, conflitos
ideológicos e éticos, relacionados ao tratamento e ao
controle social. A administra<;:ao da institui<;:ao ficou
exclusivamente com a Secretaria de Saúde a partir desse
ano. Em 2005, a institui<;:ao retomou sua fun<;:ao original
de atender crian<;:as e adolescentes, deixando de prestar
atendimento aos moradores de rua.
Nesse mesmo ano, a institui<;:ao foi cadastrada
pelo MS para atuar como um centro de auxílio e
recupera<;:ao para usuários de álcool e outras drogas, e
passou a se chamar CAPS ad - Espa<;:o vida, atendendo
pessoas aClma de 12 anos. (PRO]ETO PEDAGOGICO,
2006-2007, p. 10-11).
METODOLOGIA
Esta é urna pesquisa qualitativa e, para tal, recorreu
se ametodologia do raciocínio dialético. Para o proce
dimento da pesquisa em campo, foram utilizadas duas
técnicas de investiga<;:ao - a observa<;:ao participante e o
grupo de discussao, por se constituírem como métodos
dialéticos bem conhecidos e utilizados em pesquisas
qualitativas. Recorreu-se também ao documentário da
institui<;:ao, o Projeto Institucional para compor a orga
niza<;:ao, as normas e a identidade da institui<;:ao.
A pesquisa dialética pretende conhecer e compre
ender o movimento institucional, as rela<;:óes interpro
fissionais, as implica<;:óes terapeuticas e o movimento
dos sujeitos que recebem a aten<;:ao. Esses fatos vao
representar a práxis institucional, na qual se observa as
rela<;:óes entre a teoria e a prática. Para Kosik (2002),
esse conhecimento é
a apropriaráo do mundo pelo homem através dosentido subjetivo e sentido objetivo, essa atividade doconhecimento sensível (subjetivo) ou racional (objetivo) é baseada na práxis humana. (p. 28).
Os sujeitos sociais da pesquisa foram constituídos
pelos profissionais e pelos usuários, que, de livre escolha,
concordaram em participar do estudo. Como premissa,
considerou-se que esses sujeitos apresentassem um sa
ber concreto sobre a institui<;:ao e pudessem contribuir
para as transforma<;:óes. A pesquisa teve dura<;:ao de
oito meses, de outubro de 2006 a junho de 2007, com
freqüencia semanal na institui<;:ao.
Pensando na dinámica e na complexidade do campo
social pesquisado, o método qualitativo, por suas próprias
características, permite aos sujeitos desenvolverem urna
rela<;:ao ativa na busca do conhecimento, das constru<;:óes
e das transforma<;:óes da realidade. Pensou-se que a impor
táncia da pesquisa, para o CAPS ad, está na possibilidade
de transformar a sua realidade concreta, direcionando-o
para urna prática na totalidade psicossocial.
O conhecimento institucional iniciou-se a partir
da inser<;:ao da pesquisadora na institui<;:ao, vivenciando
e participando de forma ativa a práxis do cotidiano e a
inclusao aconteceu em todos os espa<;:os de atividades e
sociais presentes. Pela observa<;:ao participante, foi pos
sível presenciar e vivenciar as atividades e rela<;:óes nas
oficinas terapeuticas e artesanais, nos grupos sociais e
psicoterapeuticos, nas reunióes de saída, nos momentos
de refei<;:óes e nas festividades locais. A ampla partici
pa<;:ao implicou na cria<;:ao de redes de sociabilidades e
confian<;:a que só trouxeram benefício apesquisa. Isso
faz com que o resultado do "conhecimento seja profun
damente marcado pelas características do processo de
intera<;:ao entre investigador e a realidade pesquisada"
(VASCONCELOS, 2002, p. 182).
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A realiza<;:ao do grupo de discussao foi outro recurso
de procedimento investigatório que utilizou a comunica
<;:ao e expressao grupal na constru<;:ao do conhecimento
existente na institui<;:ao. A prática grupal possibilitou a
cria<;:ao de um campo dialético para o desenvolvimento
das diversas formas de discussóes e reflexóes sobre os
discursos e a práxis do estabelecimento.
O processo de constru<;:ao do grupo de discus
sao foi no sentido de criar um campo dialético para
produzir diálogo entre as instancias de saber/poder,
no compartilhamento nas reflexóes críticas, na trans
forma<;:ao e na produ<;:ao de sentido e conhecimento.
Esse processo, vivenciado pelo grupo como produtor
de conhecimento, foi denominado de "grupo de in
tercessao", porque o andamento metodológico foi se
aproximando, em sua vertente dialética, ao método
descrito por Costa-Rosa como "método intercessor"
(COSTA-RoSA; STRINGHETA, 2007).
O grupo de intercessao, como instrumento de in
vestiga<;:ao, juntamente com a observa<;:ao participante
foram valiosos na apropria<;:ao do campo dialético, na
cria<;:ao de espa<;:os interativos e enriquecidos com a
alteridade própria das rela<;:óes humanas.
RESULTADOS E DISCUSSÓES
Procurou-se analisar o CAPS ad, neste momento
da pesquisa, conforme ele se organiza como urna
institui<;:ao pública de saúde, que funciona de acordo
ou nao com as novas disposi<;:óes estabelecidas pela
Política Nacional de Saúde Mental. Para tal análise e
entendimento, recorreu-se aos documentos existentes
representado pelo Projeto Institucional, a observa
<;:ao participante e o grupo de discussao, que foram
denominados de grupo de intercessao. Desta forma,
apreendeu-se a realidade da institui<;:ao.
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o CAPs ad e a virtualidade do Projeto Institucional
O Projeto Institucional atual do CAPS ad recebe a
denomina<;:ao de Projeto Pedagógico e foi elaborado por
sua equipe, após o credenciamento pelo MS, em 2005.
Ele se constitui como o documento mais formal, repre
sentativo e organizador da institui<;:ao, determinando
os eixos de orienta<;:ao teórico-prático que definirao os
servi<;:os aos profissionais, usuários sociedade. Trata-se
de um documento de inten<;:óes e de propostas, e a
virtualidade assinalada é a possibilidade de existir como
tal ou nao, ou mesmo modificar-se.
O Projeto Pedagógico (2006-2007) define o CAPS
ad como um servi<;:o de saúde aberto de base comunitá
ria, cujas propostas surgem impulsionadas pelo:
movimento da luta antimanicomial e utilizando asperspectivas da reduráo de danos, em que ocompromisso e o dever com a sociedade é tornar-se um centro dereftréncia nas questóes relacionadas a álcool e drogas,promovendo a saúde dos usuários através de uma visáobio-psico-social-espiritual. (p. 9).
Aqui cabe mencionar que a visao bio-psico-social
parte da concep<;:ao global do sujeito biológico, psico
lógico e social. A equipe incluiu o religioso como parte
da espiritualidade do sujeito de livre manifesta<;:ao e
estimulado dentro do CAPS ad. Obteve-se a informa<;:ao
que os coordenadores que elaboraram o Projeto Pedagó
gico foram pessoas com vivencias religiosas importantes
e que acharam necessário acrescentar esse conteúdo no
cotidiano do CAPS ad. Também nao se pode esquecer a
origem do servi<;:o como Comunidade Terapeutica e a
importancia dada ao aspecto religioso cristao.
Os objetivos do CAPS ad estao assim assinalados em
seu Projeto Institucional:
• promover a intersetorialidade por meio da
articula<;:ao com a sociedade civil, governamental,
nao-governamental, com a universidade, organiza<;:óes
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comunitárias e com todas as redes de servi<;:os, com a
finalidade de melhorar a qualidade de vida dos usuários
do CAPS ad;
• promover aten<;:ao integral;
• proporCiOnar espa<;:o de acolhimento e con
vivéncia em grupo, nas oficinas terapéuticas, oficinas
operativas, grupos terapéuticos, terapia comunitária,
grupos de apoio, gera<;:ao de renda, assembléias e outras
estratégias de inclusao social;
• trabalhar a preven<;:ao voltada para as questóes
do uso de álcool e drogas e diminuir os riscos de infec
<;:óes e outras doen<;:as;
• buscar aluz da Reforma Psiquiátrica a redu<;:ao
de leitos hospitalares;
• promover e proteger a saúde de maneira in
tegral, partindo da necessidade de urna mudan<;:a no
paradigma de 'doentes' para novos cidadaos de direito.
o referencial teórico é variado, e como nao há um
eixo teórico específico, nem urna prática direcionadora
única, e baseia-se no acolhimento e cuidado, tendo o
vínculo como instrumento fundamental do trabalho
diário. No Projeto Institucional, sao citados os concei
tos de Piaget, da psicanálise, da dinamica de grupos,
da Reforma Psiquiátrica e da aten<;:áo psicossocial, da
pedagogia e religiosos.
o CAPs adpela observariio participante
O CAPS ad é um servi<;:o de saúde que funciona
num modelo terapéutico-educativo, porque suas ques
tóes pedagógicas estao amplamente citadas no Projeto
Institucional e nas a<;:óes cotidianas da equipe de for-
ma bastante visíve1. Também apresenta pretensóes de
constituir-se como servi<;:o aberto, pois há restri<;:óes
quando os usuários estao sob efeito de drogas e isso é
ao fato de nao existir no local tratamento para desin
toxica<;:ao e nem o profissional médico (no período da
pesquisa). Existe ainda urna base comunitária deficiente,
levando em considera<;:ao as diretrizes ministeriais e os
preceitos da Reforma Psiquiátrica e aten<;:ao psicossocial
destinadas a esses servi<;:os. A transforma<;:ao em servi<;:o
aberto com base comunitária esbarra na trajetória do
CAPS ad, que funcionou baseado no modelo tradicio
nal conferido pelos fundamentos teóricos e práticos da
Comunidade Terapéutica. No histórico, encontra-se o
relato dafinalidade inicial do tratamento: interna<;:ao aos
moldes de comunidade terapéutica e tem como meta
para o éxito do tratamento a obten<;:ao da abstinéncia
e o isolamento. Esta é urna premissa do paradigma
psiquiátrico clássico e sabe-se o quanto influenciou a
sociedade e o mundo 'psi'.
A reflexao do histórico, percebe-se que a institui<;:ao
serviu de abrigamento para moradores de rua e usuários
de drogas, na tentativa de retirar essas pessoas dessa
condi<;:ao. Isso ocorreu devido apressao sofrida pela
Secretaria de A<;:ao Social por membros da comunidade.
Este problema foi resolvido, aparentemente, naqueles
quase dois anos em que o servi<;:o operou como local
de tratamento e abrigo. Esta a<;:ao, juntamente com os
propósitos iniciais de recolher para o servi<;:o, crian<;:as e
adolescentes em situa<;:ao de risco pessoal e social, con
figuro u o perfil da clientela atual do CAPS ad.
Os discursos construtivos do CAPs ad: o grupo de
intercessiio
Nas discussóes no grupo de profissionais, o con
texto da Reforma Psiquiátrica, em seus princípios que
direcionam para urna aten<;:ao antimanicomial, na qual
a desinstitucionaliza<;:ao é o eixo central conceitual e
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134 FODRA, R. E. p.; ROSA, A. C. • Centro de Aren,áo Psicossocial Alcool e Drogas (Caps adl: análises dos discursos e da prárica no contexto da Reforma Psiquiárrica eatenc;áo psicossocial
prático capaz de provocar rupturas na hegemonia tra
dicional, nao existe como prodw;:ao de conhecimento
coletivo capaz de transformar e construir novas práticas.
Os profissionais falam da desospitaliza<;:ao como urna
medida favorável a mudan<;:a do modelo psiquiátrico
hospitalod~ntrico, por considerar a existencia, no hos
pital psiquiátrico, dos pontos mais negativos e visíveis
de urna institui<;:ao total como: isolamento, exclusao,
falta de humanidade no tratamento, violencia e in
capacita<;:ao. Encontram muita dificuldade em atingir
o propósito de transforma<;:ao do modelo tradicional
em psicossocial, tendo em vista urna série de fato res
relacionados a própria equipe, a gestao pública, aos
servi<;:os públicos e privados e a popula<;:ao em geral,
pois os princípios da Reforma Psiquiátrica ainda nao se
constituem como um fato de consenso social.
A hospitaliza<;:ao é bastante utilizada e aceita pela
popula<;:ao e por alguns profissionais do próprio CAP5
ad. Neste servi<;:o, ainda nao é possível o tratamento
de usuários de álcool e outras drogas sem o recurso da
interna<;:ao hospitalar, a qual, no município, é realizada
pelo hospital psiquiátrico local. Embora sua utiliza<;:ao
seja condenada por parte da equipe, por ser desumana
e violenta, ela ainda nao estabeleceu estratégias de subs
titui<;:ao, permanecendo o hospital psiquiátrico como
urna necessidade no município.
Na pesquisa, nao foram encontradas, de modo
preciso, práticas mais eficientes para tornar esse CAP5 ad
um novo dispositivo de saúde totalmente atinente com
os preceitos teóricos e práticos da Reforma Psiquiátrica
e de acordo com as diretrizes do MS.
Os princípios psicossociais do CAPs ad
O tema psicossocial está associado ao da Reforma
Psiquiátrica e, no servi<;:o pesquisado, os profissionais
conseguem visualizá-Io como urna transforma<;:ao na
prática da aten<;:ao em Saúde Mental. No entanto, esse
SalÍde em Debate, Río de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 129-139, jan.labr. 2009
tema vem sendo pouco elaborado e atravessado por ou
tras constru<;:óes mais consistentes e evidentes no local,
principalmente o social, o pedagógico e o religioso. As
questóes sociais sao tratadas como prioridades e falam
de inclusao social, porém, muitas vezes, o que conse
guem está no campo do assistencialismo. A pedagogia
é um saber bastante utilizado nas práticas diárias e os
profissionais sao mencionados no Projeto Institucional
(p. 57) como educadores e os usuários como educandos.
No texto do projeto (p. 5S), está assim mencionado: "a
aprendizagem e a constru<;:ao da autonomia acontece
durante todo tempo... nas mínimas a<;:óes do cotidiano".
]á o espa<;:o da religiosidade é para assegurar um direito,
mas que está restrito somente nas manifesta<;:óes cristás.
Dentro do CAP5 ad, a equipe considera pertinente esta
prática, por achar que indica um campo de acolhimento
das necessidades dos usuários. No projeto (p. 54), essa
prática é citada "como instrumento de regenera<;:ao e
reinser<;:ao social na vida do usuário".
O servi<;:o foi criado para responder as necessidades
da sociedade local quanto as questóes do uso de álcool e
outras drogas. Urna equipe multiprofissional foi organi
zada para realizar as atividades terapeuticas necessárias a
situa<;:ao clínica e social daquele grupo específico. Segun
do os dados obtidos com os profissionais, esse servi<;:o
baseou-se em cinco princípios psicosssociais:
• no acolhimento, que siginifica acolher o sujei
to usuário de drogas ou álcool em suas necessidades e
demandas em sentido amplo;
• no cuidado, que será a maneira como tratarao
as situa<;:óes apresentadas levando em conta a dimensao
da subjetividade;
• a constru<;:ao do vínculo com o usuário, de
modo a tomar a clínica sob transferencia como a entende
a psicanálise freudiana (no caso em análise constatou-se
FODRA, R. E. p.; ROSA. A. C. • Centro de Arenyáo Psicossocial Álcool e Drogas (Caps ad): análises dos discursos e da prárica no conrexro da Reforma Psiquiárrica e 135arenyao psicossocial
que estes processos podem ser atravessados ou mesmo
confundidos por, e com, entendimentos cristaos do
cuidado e do vínculo);
• a escuta psicoterapéutica, que visa expressar a
dimensao inconsciente das problemáticas;
• a inclusao social, que visa o retorno dos sujeitos
a vida social produtiva, e também o tratamento seu seu
afastamento do contexto em que vivem.
Mesmo a equipe falando de sua implica<;:ao no
processo psicossocial, foi apontado que o trabalho
terapéutico ainda é conduzido em bloco, nao-voltado
as particularidades e as singularidades de cada um dos
usuários do servi<;:o e nao tem clareza de como estabelecer
um plano terapéutico individual que possa envolver a
equipe e o usuário no processo.
No acolhimento, é realizada a triagem. Os profis
sionais comentaram nao saber muito bem diferenciar
os dois procedimentos e sentem dificuldade, porque
acolher é diferente de triar e a confusao também se dá
pela contradi<;:ao presente nos termos.
] á a prática da maternagem é bastante utilizada.
No discurso dos profissionais, ela deriva da psicanálise
e é usada como um recurso psicossocial para aumentar
a autonomia e facilitar a inc1usao social dos usuários.
Essa prática pode se apresentar com duas faces opostas:
a dependéncia e a exc1usao. Na verdade, os usuários
sao considerados pouco capazes de gerir suas vidas,
por isso precisam construir autonomia por meio da
maternagem.
Os membros da equipe relatam que aprenderam
sobre o CAP5 ad com a prática, no cotidiano do servi<;:o,
e nos encontros providenciados pela Secretaria de Saúde.
No entanto, nao tiveram capacita<;:áo e nem supervisao,
e suas reivindica<;:óes, nesse sentido, até o momento, nao
foram atendidas pelo gestor. Fizeram ainda alguns cursos
e capacita<;:óes específicas, porém com recursos próprios.
Entretanto, nem todos os profissionais podem dispor de
recursos financeiros para essa finalidade.
O tema aten<;:ao psicossocial como um modo de
aten<;:ao, proposto por Costa-Rosa, nao aparece no
discurso da equipe, embora, conste, na bibliografia,
referéncia ao autor. Quanto as categorias desenvolvidas
pelo autor para urna análise paradigmática da aten<;:ao
psicossocial institucional, serio explicitados, abaixo,
dados encontrados na pesquisa:
• concep<;:ao do objeto: é visto no paradigma psi
quiátrico clássico como processo saúde-doen<;:a. Como
exemplo de a<;:óes desse paradigma no CAP5 ad, tem-se,
a interna<;:ao psiquiátrica, que é um recurso freqüente
de tratamento instituído no local. Existe concomitante
mente um olhar da equipe para a existéncia-sofrimento,
como concep<;:ao do objeto proposto as institui<;:óes de
saúde que se encontram no paradigma psicossocial, mas
a resposta é centrada no tradicional;
• modo de organiza<;:ao das rela<;:óes intrainsti
tucionais e interinstitucionais: o poder decisório entre
a equipe já caminha na dire<;:ao da horizontaliza<;:ao,
porém, nao estendido aos usuários, aos familiares e a
comunidade. Os usuários tém participa<;:ao na equipe,
mas é de forma indireta, como reivindica<;:óes, ainda
caracterizando urna rela<;:ao verticalizada;
• modo da rela<;:ao da institui<;:ao com a clientela
e a popula<;:ao: é o articulador da práxis dentro do CAP5
ad e dá visibilidade a sua práxis no território. Os signi
ficantes e as representa<;:óes sociais referem-se ao servi<;:o,
na maioria das vezes, como um local de tratamento para
pessoas excluídas e também marginalizadas. Muitas ve
zes, a popula<;:ao e a a<;:ao social procuram o servi<;:o com
a inten<;:ao de obter interna<;:áo no hospital psiquiátrico,
em comunidades terapéuticas c1ássicas ou abrigamento,
SalÍde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 129-139, jan.labr. 2009
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para alguém encontrado na rua, considerando o serviyo
como depositário e supridor de necessidades sociais. A
interlocuyao com o território para estabelecimento de
urna instancia de diálogo e escuta é um desafio.
• modo dos efeitos ético-terapéuticos: com
respeito a possibilidade da clínica empreendida pelo
CAPS ad como fator de subjetivayao pelo processo
terapéutico, ela está voltada mais para responder as
demandas sociais. O processo terapéutico volta-se ainda
para o desenvolvimento de condiy6es de aptidao para
um condicionamento ao modelo socialmente aceito,
visando a mudanya de vida do usuário, como condiyao
para inclusao e pertencimento social.
Observou-se que, nas análises discursivas da equipe,
os enunciados teóricos nao mantém urna relayao de
proximidade com as práticas realizadas no cotidiano.
o CAPs ad e as diretrizes do Ministério da Saúde
A análise final foi focada a partir da Política de
Atenyao Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas,
que é a diretriz oficial do MS para o tema. O CAPS ad
é a principal estratégia de tratamento para usuários de
drogas, por se tratar de urna política muito importante
para o desenvolvimento do serviyo dentro de urna pers
pectiva de mudanya de modelo assistencial elaborada
pelo Estado.
A Política de Atenrao Integral a Usuários de Álcool e
outras Drogas
Os encarninhamentos das quest6es do álcool e das
drogas estao diretamente articulados com essa política,
que representa a lógica a ser construída nos CAPS ad,
por ele ser a principal estratégia de tratamento para
álcool e drogas. Segundo o MS, há, atualmente, no país,
SalÍde em Debate, Río de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 129-139, jan.labr. 2009
160 CAPS ad, sendo que 138 estao cadastrados (BRASIL,
2007, p. 36). Porém, as práticas desses serviyos ainda
nao sao suficientemente conhecidas. Por isso, com este
estudo, buscou-se trazer alguma visibilidade do tema
para a sociedade.
A política do MS afirma que os usuários de álcool
e outras drogas deverao ser assumidos por esse órgao
de modo integral e articulado, com ay6es de preven
yao, tratamento e reabilitayao. Estabelece ainda que
a estratégia de reduyao de danos seja a ferramenta, o
caminho, a direyao do tratamento para álcool e drogas.
A rede de serviyos de saúde e social deve se articular
com o CAPS ad e ser atinente com os novos rumos da
saúde. A intersetorialidade é um fator de conquista e
de desafios para a constituiyao da rede de apoio exis
tente no território. A atenyao integral é a proposta que
descentraliza as ay6es destinadas aos usuários de álcool
e outras drogas.
A reduyao de danos, como proposta, foi implantada
no serviyo há dois anos, em 2005, e faz parte da orga
nizayao institucional, mas como lógica de tratamento
e prevenyao carece de práticas. Os princípios dessa
estratégia sao pouco conhecidos e divulgados dentro
do próprio CAPS ad. Na comunidade, a situayao é bem
mais problemática, porque a reduyao se apresenta de
forma distorcida, em funyao de outras lógicas e práticas
tradicionalmente instituídas. No CAPS ad, encontra-se
isolada das demais estratégias de tratamento.
O território, como lugar de direito ao acesso de
recursos existentes, é carente de estruturas sociais, de
saúde e de política. Além disso, os serviyos comunitá
rios nao dao acesso aos usuários de drogas e nem aos
redutores de danos e, assim, o CAPS ad apresenta-se
praticamente isolado do seu território (que abrange
todo o município).
A atenyao integral nao pode ser exercida, os recursos
de atenyao extra-institucionais sao poucos, defasados
e nao estao atinados com a atual política nacional de
FODRA, R. E. p.; ROSA. A. C. • Centro de Arenyáo Psicossocial Álcool e Drogas (Caps ad): análises dos discursos e da prárica no conrexro da Reforma Psiquiárrica e 137arenyao psicossocial
saúde. Dessa forma, o CAPS ad mantém urna aten<;:ao
fragmentada, nao integral.
Pode-se perceber que, no CAPS ad e no município,
as diretrizes do MS ainda se constituem como recomen
da<;:óes e o desafio é sua implanta<;:ao como eixo teórico
técnico da institui<;:ao que, nos enunciados, propóe-se
como um servi<;:o psicossocial.
CONSIDERA<;ÓES FINAIS
Ao realizar a leitura institucional e analisar as cate
gorias, as quais informaram o enunciado universal e as
particularidades compostas como singularidades deste
CAPS ad, pode-se avaliar que a falta de um embasamento
teórico único, norteador das práticas diárias, distanciam
o discurso das práticas, constituindo-se como fator que
dificulta o trabalho diário no servi<;:o.
A seguir, será exposto os fato res que, de maneira
direta, dificultam o funcionamento do CAPS ad e
sao impeditivos para ele se constituir num Centro
de Aten<;:ao Psicossocial nos princípios da Reforma
Psiquiátrica e aten<;:ao psicossocial e nas diretrizes da
política do MS:
• rede intersetorial nao-integrada entre si, no
território ou com o CAPS ad;
• território fragilizado por carencia de políticas
públicas e sem diálogo com o CAPS ad;
• ausencia de um eixo teórico e prático psicosso
cial, possibilitador de nova práxis institucional;
• discurso psicossocial fragmentado na institui<;:ao
e que, por isso, nao articula práticas cotidianas;
• rede básica de saúde e Programa Saúde da Famí
lia nao-articuladas de forma consistente com o CAPS ad
e despreparadas para participar da aten<;:ao integral dos
usuários de álcool e outras drogas, tal como preconiza
o Sistema Único de Saúde;
• ausencia de recursos substitutivos ao hospital
psiquiátrico;
• convivencia atualizada, no município, de a<;:óes
do paradigma psiquiátrico tradicional, representado
pela institui<;:ao fechada (o hospital psiquiátrico e suas
diversas representa<;:óes locais e de a<;:óes dos servi<;:os
abertos), representados pelos CAPS ad credenciados pelo
MS no município;
• falta de capacita<;:ao e supervisao para a equipe
dentro de um enfoque psicossocial;
• ausencia do profissional médico no local. Esta
ausencia ocorre quase sempre pela desistencia em prestar
assistencia no CAPS ad. A frustra<;:ao provocada pelo in
sucesso no tratamento nos moldes tradicionais, baseados
na cura, é um dos fatores de desistencia detectado;
• pouca autonomia da equipe quanto a decisóes
políticas locais;
• pouca participa<;:ao efetiva dos usuários da
institui<;:ao, em seus planos terapeuticos individuais;
• espa<;:os de decisóes políticas e assistenciais nao
estendidas aos usuários, familiares e aos componentes
comunitários do território;
• ausencia de maior integra<;:ao entre os CAPS ad
existentes no município, para que juntos, empreendam
SalÍde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 129-139, jan.labr. 2009
138 FODRA, R. E. p.; ROSA, A. C. • Centro de Aren,áo Psicossocial Alcool e Drogas (Caps ad): análises dos discursos e da prárica no contexto da Reforma Psiquiárrica eatenc;áo psicossocial
estratégias de supera<;:ao do paradigma psiquiátrico ainda
muito vigente no município.
o estudo empreendido sobre urna institui<;:ao especí
fica de Saúde Mental possibilitou a refiexao que estudar e
praticar a Saúde Mental, em tempos pós-modernos, nao
foi urna tarefa fácil, porém conduziu, de alguma maneira,
nao a um fim, mas arefiexao dos fenómenos sociais que
envolvem a problemática das drogas e das institui<;:óes de
tratamento. Os CAPS ad, em todo seu contexto complexo,
buscam se constituir como um novo lugar de tratamento
em vigencia, com os princípios da Reforma Psiquiátrica
e aten<;:ao psicossocial e em conformidade com as novas
diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental.
Ao repensar o presente estudo e o início de jorna
da no campo da análise, concluiu-se que nada pode se
constituir como urna verdade absoluta, que nao possa
ser contestada. Esse campo dialético fez aflorar a refiexao
sobre a sociedade e as drogas e seus usuários na micro
política do servi<;:o pesquisado. Este campo teve pouca
visibilidade e será importante que novos estudos surjam
para dimensionar essas particularidades e produzir novos
conhecimento e refiexóes. Este é um dos aspectos que
conferiram o caráter de continuidade a este estudo.
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