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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DOS
PARÂMETROS PARA ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA
POLÍTICA DE SAÚDE EM PERNAMBUCO.
LEILA MARÇAL BENÍCIO TEIXEIRA
RECIFE 2012
LEILA MARÇAL BENÍCIO TEIXEIRA
AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DOS
PARÂMETROS PARA ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA
POLÍTICA DE SAÚDE EM PERNAMBUCO.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco para obtenção do título de Mestre em Serviço Social.
Orientadora: Profª. Ana Cristina de Souza Vieira
RECIFE 2012
Catalogação na Fonte
Bibliotecária Rejane Ferreira dos Santos, CRB4-839
T266a Teixeira, Leila Marçal Benício Avaliação do processo de implementação dos parâmetros para atuação
de assistentes sociais na política de saúde em Pernambuco / Leila Marçal
Benício Teixeira. – Recife: O Autor, 2012.
108 folhas : il. 30 cm.
Orientador: Prof. Dra. Ana Cristina de Souza Vieira.
Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de
Pernambuco. CCSA, 2012.
Inclui referências.
1. Política de saúde. 2. Serviço social. I. Vieira, Ana Cristina de Souza
(Orientadora). II. Título.
362 CDD (22.ed.) UFPE (CSA 2014 – 155)
LEILA MARÇAL BENÍCIO TEIXEIRA
AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DOS PARÂMETROS PARA ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA POLÍTICA DE SAÚDE EM
PERNAMBUCO
ATA DE APROVAÇÃO: 14/09/2012
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Profª Drª Ana Cristina de Souza Vieira
(Orientadora)
_____________________________________________
Profª Raquel Cavalcante Soares
(Examinadora Externa)
_______________________________________________
Profª Drª Valdilene Pereira Viana Schmaller
(Examinadora Interna)
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais por me conduzirem na vida a partir de valores éticos e de justiça social e me encaminharem ao mundo dos estudos.
A Marcus pela paciência desprendida nos momentos de minhas angústias, sempre apoiando e incentivando à minha produção. Ainda, pelo entendimento do que não pudemos vivenciar juntos durante esse período, mas que só foi adiado para momentos futuros.
A Daniel e Felipe pela compreensão da ausência de todos os inúmeros momentos em que, apesar de necessário, não foi possível estarmos juntos. Não tenham dúvida do meu amor por vocês, meus filhos.
À Ana Vieira pela dedicação e compromisso permanentes durante todo o percurso desse estudo. Por acreditar na minha capacidade de superação dos obstáculos (muitas vezes mais do que eu mesma). Mais que uma orientadora, você foi uma amiga leal, não deixando de estar atenta às minhas possibilidades e aos meus limites, sendo uma pessoa decisiva na conclusão desse trabalho.
À Raquel Soares e Alexandra Ximenes pelas ricas contribuições na qualificação do meu projeto de pesquisa, realizadas de forma tão precisa e ao mesmo tempo tão delicada.
Aos professores da Pós-Graduação que contribuíram com a minha formação profissional, abrindo novas possibilidades de reflexão sobre o meu estudo.
À equipe de Serviço Social do IMIP pelo entendimento da minha ausência, me deixando livre para produzir e tocando os nossos projetos profissionais de maneira séria e comprometida. Em especial à Adriana Luna e à Juliana Alves, por me substituírem tão bem nas atividades de coordenação.
À Luciana Espíndola e Mayara Mendes pela disponibilidade na execução do grupo focal e ajuda valiosa na realização desse trabalho, através da escuta qualificada e das pertinentes sugestões.
À Mônica Regina, Carla Cassiane, Fabiana Costa, Marina Assunção, Juliana Renara e Heloísa Bandeira, por fazerem parte do grupo focal piloto, como experimento desse estudo, contribuindo para o aperfeiçoamento do mesmo.
Às assistentes sociais, companheiras de luta profissional que fizeram parte do grupo focal, trazendo subsídios para a minha pesquisa, cujos nomes não serão referidos com o objetivo de preservar o anonimato. Meu carinho e admiração.
A todos os amigos que estiveram comigo nesse percurso me apoiando e me incentivando em toda essa trajetória.
Aos usuários, fonte de inspiração de toda a minha trajetória profissional e acadêmica, o meu mais profundo respeito.
RESUMO
Tendo por objetivo uma melhor definição das atribuições do assistente
social que trabalha na saúde devem incorporar na sua prática profissional, a partir de uma reflexão crítica e, desta forma, planejar a sua intervenção criando estratégias que se contraponham ao modelo neoliberal vigente, o conjunto CFESS/ CRESS publicou os Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Saúde (2010). Porém, mesmo após a criação do referido documento, tem-se observado a continuidade de demandas ao assistente social não condizentes com os princípios defendidos pelo Projeto Ético-Político do Serviço Social. Dessa forma, o presente estudo tem por objetivo geral realizar uma avaliação de como os Parâmetros vêm sendo implementados em Pernambuco e de que forma ele tem se constituído como elemento fundamental para uma prática profissional condizente com os seus objetivos profissionais, reconhecendo os limites e possibilidades de sua efetivação.
Inicialmente foi realizado um estudo sobre a saúde pública no Brasil, apresentando os avanços da política de saúde no período de redemocratização pelo qual o país passou na década de 1980, e de como o modelo neoliberal vem repercutindo na saúde pública, de forma cerceadora de direitos, até os dias atuais. Esse trabalho mostra ainda quais as repercussões da atual configuração da saúde na prática profissional do assistente social, ressaltando o retorno de práticas conservadoras no exercício profissional do assistente social na saúde.
A partir da utilização da técnica de grupo focal realizada com seis assistentes sociais que atuam na saúde em Pernambuco foi realizada uma avaliação de como os Parâmetros para a atuação de assistentes sociais na política de saúde têm sido implementado, trazendo reflexões sobre o direcionamento da profissão em Pernambuco, na referida área. PALAVRAS-CHAVE: Política de Saúde, Serviço Social, Parâmetros.
ABSTRACT
With the objective to better define the responsibilities of the social worker
who works in health services must incorporate into their professional practice, from a critical and planning your intervention strategies to counter the prevailing neoliberal model, the set CFESS / CRESS published the Parameters for performance of social workers in health policy (2010). But even after the creation of the document, there has been continuity of the social demands inconsistent with the principles espoused by the Project Ethical-Political of Social Work. Thus, the present study aims to conduct a general assessment of how the Parameters are being implemented in Pernambuco and how this document has constituted an essential element for professional practice consistent with their professional goals, recognizing the limits and possibilities of its effectiveness.
Initially a study about public health services in Brazil, with the advances in health politics in the period of democratization in the 1980s, and how the neoliberal model has repercussions on public health, restricting rights until the present day. This work also shows the repercussions of the current configuration of professional practice in health services, underscoring the return of conservative practices in the professional practice of social workers in health.
From the use of the technique of focus group with six social workers who work in healthcare in Pernambuco was an assessment of how the Parâmetros for practicing social workers in health politics have been implemented, bringing thoughts about the direction of the profession at Pernambuco, in that area. KEYWORDS: Health Politics, Social Service, Parameters.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................11
CAPÍTULO 1 - A Saúde Pública no Brasil no Contexto Neoliberal
...........................................................................................................................16
1.1 - O desmonte da política social na contrarreforma do Estado.....................16
1.2 O sucateamento da saúde pública hoje.......................................................20
1.3 O controle social como ferramenta de garantia de direitos no
SUS....................................................................................................................31
.
CAPÍTULO 2 - O rebatimento da nova configuração da saúde pública na
prática do Serviço Social: a reatualização do velho e a incorporação do
novo...................................................................................................................38
2.1 - A construção do projeto ético-político do serviço social............................38
2.2 A prática profissional do assistente social ante às novas investidas
neoliberais .........................................................................................................42
2.3 - O Serviço Social na saúde e a construção dos Parâmetros para a Atuação
do Assistente Social na Política de Saúde........................................................51
CAPÍTULO 3 - Avaliação dos Parâmetros para a atuação do assistente social
na Política de Saúde de
Pernambuco.......................................................................................................56
3.1 - A política de saúde atual......................................................................63
3.2 - Serviço Social e saúde..........................................................................68
3.3 - Atuação do assistente social na saúde.................................................75
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................98
REFERÊNCIAS...............................................................................................102
ANEXOS..........................................................................................................107
11
INTRODUÇÃO
Esta dissertação, elaborada durante o Curso de Mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE,
se refere à implementação dos Parâmetros para atuação de assistentes sociais
na política de saúde, no estado de Pernambuco.
O presente estudo parte das observações da prática profissional e das
discussões de assistentes sociais que trabalham neste setor no referido estado
e participam das reuniões da Comissão de Seguridade Social no Conselho
Regional de Serviço Social – CRESS 4ª região, problematizando a prática e
propondo ações coletivas.
A fim de compreender os motivos do contexto que se estabelece na política de
saúde atual, repercutindo em novas exigências ao assistente social, faz-se
necessário a compreensão histórico-processual da realidade, entendendo os
determinantes estruturais e conjunturais que os condicionam.
A política de saúde, compreendida como política pública de Seguridade Social
obteve, no marco legal, grandes avanços durante o período de redemocratização
do país, mais notadamente no final da década de 1970 e na década de 1980
(momento de grande efervescência política). Essas conquistas foram fruto da
organização coletiva de sujeitos sociais que discutiam sobre as condições de
vida da população, com destaque para profissionais de saúde, o movimento
sanitário, partidos políticos de oposição e os movimentos sociais urbanos,
contribuindo significativamente para a ampliação do debate sobre a saúde
brasileira a toda sociedade civil, propondo não somente um Sistema Único de
Saúde, mas a Reforma Sanitária, conforme aponta Bravo (2006).
Um dos espaços de grande relevância no debate sobre a saúde no Brasil foi a
8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, que teve como temas
centrais “A saúde como direito inerente à personalidade e à cidadania,
Reformulação do Sistema Nacional de Saúde e Financiamento setorial”.
Tais discussões levaram à elaboração de um documento com reivindicações a
serem introduzidas na pauta da Assembleia Constituinte. Dentro de um processo
de grandes disputas políticas entre as forças que apoiavam a Reforma Sanitária
12
e os grupos empresariais, foram aprovadas na Constituição (1988) importantes
conquistas para a população1, como direito universal à saúde e o dever do
Estado na garantia do mesmo, ações e serviços de saúde considerados de
relevância pública, constituição de um Sistema Único de Saúde (com rede
hierarquizada, regionalizada, descentralizada, de atendimento integral, com a
participação da comunidade), participação da rede privada de forma
complementar e proibição do comércio de sangue e seus derivados, tais como
Bravo (2006) assinala.
Após a conquista formal desses direitos, na década de 1990 o país iniciou um
processo de profundas transformações de ordem política e econômica,
redirecionando o papel do Estado, a partir das propostas neoliberais, trazendo
um impacto significativo à implementação das garantias sociais presentes na
Constituição Federal.
Essas propostas tinham como objetivo principal a abertura do mercado ao setor
privado para a o estabelecimento de novas possibilidades de obtenção de lucro
em face da crise estrutural vivenciada pelo capital. Com esse intento, o Estado
estabeleceu medidas relacionadas às políticas sociais de caráter privatista, de
focalização (através da ênfase em políticas não universalizantes), restringindo
os direitos conquistados com grande dificuldade no plano formal. A política de
saúde pública também sofreu os impactos do neoliberalismo, observando-se o
sucateamento dos serviços públicos paralelo ao incentivo do Estado aos setores
privados, a exemplo do financiamento de instituições de saúde privada com o
orçamento público.
Nos anos 2000, o país viveu momentos de grande esperança de uma guinada
política para o favorecimento da classe trabalhadora, através da vitória nas
eleições presidenciais de um representante desse seguimento popular. Porém,
tal expectativa não aconteceu, verificando-se uma continuidade no governo Lula
da Silva de ações voltadas para o mercado.
Na saúde pública assistiu-se a novas formas de sua mercantilização, através da
abertura de parcerias público-privadas ao gerenciamento dos serviços,
apresentando o discurso de que a administração pública se fazia ineficaz. Em
1 Embora a maioria das reivindicações tenha sido garantida, existiram vários cortes no texto original do documento encaminhado à Assembléia Constituinte.
13
nome da eficiência, possibilita-se estabelecer uma série de medidas que
impactam negativamente na qualidade da atenção oferecida aos usuários (com
ênfase em ações de caráter assistencial e emergencial, não priorizando um
atendimento aprofundado nos determinantes do adoecimento da população) e
nas relações de trabalho do profissional de saúde (através de contratação sem
concursos públicos, de vínculos trabalhistas frágeis, redução de quadro
funcional, entre outros problemas).
No governo Dilma Roussef, presencia-se uma continuidade das propostas
orientadas ao mercado, com a abertura de novas instituições públicas
gerenciadas pelo setor privado e a falta de investimento em medidas que
incorporem os princípios do SUS, conforme pensado no Movimento de Reforma
Sanitária.
Apesar do enfraquecimento dos movimentos sociais que vem ocorrendo no país,
algumas forças de oposição a esse modelo de saúde incorporado pelo governo
vêm resistindo, a exemplo do Conselho Nacional de Saúde, que apesar das
diferentes posições políticas que se confrontam internamente, vem mantendo
um posicionamento hegemônico que se contrapõe aos ideários neoliberais.
Outros movimentos de combate às novas configurações da saúde vêm
paulatinamente surgindo, como a Frente contra a privatização da saúde,
alimentando a luta pelo SUS de qualidade.
A atual configuração da saúde traz novas equisições aos profissionais, incluindo
o assistente social. Requisições estas que pretendem responder aos interesses
do capital, mencionados anteriormente.
No intuído de realizar uma prática condizente com os princípios do Projeto Ético-
Político, que se contrapõem à lógica da política de saúde atual, o Conselho
Federal de Serviço Social – CFESS elaborou um documento intitulado
Parâmetros para a atuação de assistentes sociais na política de saúde que
respalda o fazer profissional do assistente social voltado aos interesses da
classe trabalhadora.
O documento realiza um resgate da luta pela construção e legalização do
Sistema Único de Saúde - SUS universal, equânime, integral e participativo,
através do Movimento de Reforma Sanitária, na década de 1980, explicitando a
relevância que os movimentos sociais tiveram nas conquistas obtidas nesse
campo. Menciona a importância do afinamento da prática do assistente social
14
com o projeto Ético-Político e seus aportes teóricos e legais, fala das
competências e atribuições do assistente social e sinaliza um conjunto de ações
com o objetivo de orientar este profissional na realização das suas atividades.
Os Parâmetros constituem um documento de extrema relevância aos assistentes
sociais para o embasamento das suas atividades profissionais, fornecendo a
possibilidade de facilitar o desempenho destas.
Porém, passados dois anos da sua elaboração, faz-se necessário avaliar a
implementação deste documento, em Pernambuco, identificando as demandas
que são postas ao Serviço Social no contexto atual e relacionando estas
demandas com as referências para a intervenção profissional presentes nos
Parâmetros. É imperativo ainda identificar e analisar as dificuldades e estratégias
desta implementação. E este é o objetivo deste estudo.
Para fins de obtenção dos dados, foi realizada a técnica de grupo focal e
posteriormente uma análise qualitativa dos dados, comparando as falas dos
participantes, identificando as diferenças e semelhanças existentes nas opiniões
obtidas, buscando formular explicações para estes pontos comuns e
divergentes, conforme descrito minunciosamente no 3º capítulo deste trabalho.
O estudo está organizado em capítulos que se relacionam entre si, mantendo a
coerência do texto.
No 1º capítulo encontra-se os aspectos conjunturais das políticas públicas,
incluindo a saúde e sua relação com a estrutura social.
O 2º capítulo apresenta o rebatimento que a configuração da saúde atual impõe
ao Serviço Social, ao mesmo tempo que identifica aspectos contraditórios do
Projeto Ético Político do Serviço Social ante a esta política de saúde e algumas
estratégias de enfrentamento, como a elaboração dos Parâmetros.
O 3º capítulo é composto pelo desenho da pesquisa, apresentando os objetivos
e métodos do estudo, assim como a avaliação da implementação dos
Parâmetros para a atuação do assistente social na política de saúde de
Pernambuco.
15
Na conclusão deste estudo encontra-se os principais achados e algumas
reflexões para proposições futuras.
16
CAPÍTULO 1 - A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL NO CONTEXTO
NEOLIBERAL
1.1 - O desmonte da política social na contrarreforma do Estado.
Desde 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e
posteriormente, de forma mais acelerada nos governos Lula da Silva e Dilma
Roussef, o Brasil vive alguns momentos de grandes reformas2 orientadas para o
mercado, desprezando as conquistas3 obtidas no terreno das políticas sociais
indicadas na Constituição de 1988. Configurou-se, paulatinamente, em um
estado máximo para o mercado e mínimo para os trabalhadores.
Behring (2003), ao realizar uma análise das políticas sociais, observa que desde
a década de 1990, no governo de FHC, o Brasil presencia o desmonte e a
destruição do Estado brasileiro numa espécie de transformação do mesmo para
a adaptação passiva ao capital, implementando reformas com o argumento de
que o problema está localizado no Estado e por isso se faz necessário reformá-
lo para as novas requisições, havendo com isso uma forte tendência à
desresponsabilização pelas políticas sociais (em nome da qual se faria a
reforma).
2 Na verdade o termo reforma foi utilizado de forma imprópria já que este representava qualquer mudança sem se importar com o sentido, as consequências sociais e sua direção sócio-histórica, como sempre foi utilizado pela esquerda que lutava por direitos para a classe trabalhadora, sendo muitas vezes o seu movimento comandado pela social-democracia. Esta, no entanto, se afastou cada vez mais desta luta, aproximando-se dos ideais neoliberais passando a trair as suas próprias reformas adotando políticas neoliberais em vários países. Desta forma, no Brasil pode se falar de uma contrarreforma em curso entre nós, retirando, porém, a possibilidade de reformas mais profundas que visem de fato os interesses da classe trabalhadora, segundo aponta Behring (2003).
3 Tais conquistas foram fruto de lutas sociais realizadas na década de 1980, no chamado período de redemocratização, quando movimentos sociais se organizaram, contestando a política existente no país num período de fim do regime autocrático pós-64. Um dos movimentos de maior relevância nessa época foi o da Reforma Sanitária, que discutia um projeto democrático e participativo para a saúde pública.
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A política social foi capturada pela lógica da adequação ao novo contexto, daí
decorre o trinômio do neoliberalismo para as políticas sociais: privatização
(repassando a responsabilidade de execução das políticas públicas para o setor
privado, propiciando um lugar lucrativo para o capital), focalização (através de
ações pontuais e compensatórias) e descentralização (desresponsabilização do
Estado), em detrimento da universalização destas políticas.
Tudo isso ocorre justamente num período em que a resistência das forças
políticas de esquerda se encontra fragilizada, principalmente o movimento dos
trabalhadores em função do desemprego, precarização e flexibilização das
relações de trabalho e dos direitos, trazendo impactos desastrosos para a
sociedade brasileira, dramatizando as expressões da questão social4.
Outro aspecto de relevância existente nas políticas neoliberais, iniciado na era
FHC foi a regulamentação do terceiro setor para a execução de políticas públicas
combinado com o serviço voluntário que desprofissionaliza a intervenção através
do trabalho não remunerado, tendência esta que vem sendo amplamente
difundida na saúde, com os hospitais filantrópicos.
A vitória de Lula da Silva nas eleições presidenciais reavivou as esperanças das
camadas populares em todo o país, pois pela primeira vez o Brasil teria um
presidente advindo da classe operária e das lutas sindicais, conforme aponta
Bráz (2004).
No entanto, essas expectativas foram frustradas, já que se observou uma
continuidade dos parâmetros macroeconômicos do governo de FHC, trazendo
impactos importantes para a população.
O governo Lula, seguindo a linha do governo anterior, reduziu os gastos com as
políticas sociais, centrando as suas ações em políticas focalizadas, a exemplo
4 De acordo com Iamamoto (2003, p.27), questão Social é o “conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”.
18
da criação do Programa Bolsa-Família5, tendo como objetivo o combate à
miséria, através da unificação de todos os programas sociais e a criação de um
cadastro único de beneficiários. Vale ressaltar que o referido Programa mostra-
se insuficiente aos seus propósitos, já que não foi associado a outras políticas
sociais (BEHRING, 2004).
Outro ponto de análise importante que revelou perdas à população no governo
Lula foi a reforma da Previdência Social, com ações restritivas de direitos
anteriormente conquistados pela população.
A proposta da reforma tributária (elaborada ainda no governo Lula) traz
consequências diretas ao financiamento das políticas sociais, quebrando a
garantia de benefícios e programas sociais e serviços públicos, sendo
comprometida a capacidade de financiamento da Seguridade Social.
Bravo e Menezes (2011) indicam que no governo Lula, apesar de ter havido um
aumento dos canais de participação, esta ficou reduzida à estratégia de
governabilidade. Presenciou-se também um forte desrespeito à autonomia da
sociedade civil.
No governo Dilma Roussef, presenciamos cortes orçamentários, restrição de
investimentos públicos e privatização em vários setores, a exemplo de
aeroportos e do petróleo. O que se verifica é que o atual governo não tem
priorizado o social, assim como, o governo anterior. Ao contrário, percebe-se um
direcionamento ainda maior relacionado a manutenção do modelo econômico.
Outros aspectos relevantes no governo Dilma, segundo Bravo e Menezes
(2011), é a crescente insatisfação de grupos sociais, ocorrendo várias
manifestações em todo o país por melhores condições de trabalho, contra
aumento de passagens de ônibus, pela melhoria da qualidade da educação e da
saúde, contra a privatização de setores públicos.
A política social no contexto do capitalismo em sua fase madura não é capaz de
reverter este quadro. Contudo, levar as políticas sociais ao limite de cobertura
5O Programa Bolsa-Família se constitui um programa de governo, não havendo nenhuma garantia da sua permanência, já que não se trata de um direito legalmente conquistado.
19
numa agenda de luta dos trabalhadores é tarefa de todos os que têm
compromissos com a emancipação política e a emancipação humana, tendo em
vista elevar o padrão de vida das maiorias e suscitar necessidades mais
profundas e radicais.
20
1.2 - O sucateamento da saúde pública hoje.
Tendo em vista o sucateamento das políticas sociais vivenciado nos dias atuais,
observamos que a política de saúde pública não se distancia deste contexto,
pelo contrário, a saúde nos últimos anos vem sendo um campo de profundos
conflitos e contradições, em que se difunde massivamente a expansão do
mercado em decorrência dos projetos que vêm favorecendo o capital e
minimizando cada vez mais as ações voltadas para atender aos interesses da
classe trabalhadora.
A dificuldade de implementação do SUS vem ocorrendo desde o início da
contrarreforma neoliberal na década de 1990 e, segundo analisa Soares (2010),
piorando no governo Lula pela forma precarizada e fragmentada como as
políticas sociais têm sido tratadas, pela facilidade de aprovar deliberações
devido ao alto índice de aceitação do seu governo pela população, pelo
transformismo de lideranças que anteriormente assumiam uma defesa dos
princípios defendidos pelo Movimento de Reforma Sanitária, modificando essa
posição de acordo com conveniências político-partidárias, pela continuidade da
política econômica conservadora, pela centralidade da política de assistência
social restritiva (não universal) e focalizada prioritariamente nos programas de
transferência de renda.
Ao realizar uma análise da saúde no primeiro mandato do governo Lula,
verificou-se que esta política continuou separada da assistência social e da
previdência, visto que não ocorreu uma valorização da seguridade social.
Bravo (2006) assinala a existência de uma expectativa de fortalecimento do
Projeto de Reforma Sanitária, elaborado nos anos 1980 e antagônico ao projeto
privatista, vinculado ao mercado.
O atual governo, entretanto, apesar de explicitar como desafio a incorporação da agenda ético-política da reforma sanitária, pelas suas ações, tem mantido a polarização entre os dois projetos. Em algumas proposições, procura fortalecer o primeiro projeto e, em outras, mantém o segundo projeto, quando as ações enfatizam a focalização e o desfinanciamento (BRAVO: 2006, p.102).
21
A autora aponta ainda os aspectos inovadores da política de saúde em relação
ao governo FHC, assim como os aspectos que demonstram uma continuidade
do modelo voltado para o capital, a saber:
Aspectos inovadores: retorno da discussão da concepção de Reforma Sanitária,
escolha de profissionais comprometidos com essa luta (da Reforma Sanitária)
para ocupar o segundo escalão do Ministério da Saúde, convocação
extraordinária da 12ª Conferência da Saúde e sua realização (que apesar da
grande expectativa, não avançou no fortalecimento da Reforma Sanitária nem
da Seguridade Social, além de suas deliberações não influenciarem na
elaboração das diretrizes a serem seguidas na Política de Saúde), participação
do Ministério da Saúde nas reuniões do Conselho Nacional de Saúde, escolha
de representante da Central Única dos Trabalhadoras - CUT para gerenciar a
Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Saúde e modificações na
estrutura organizativa do referido Ministério (com a criação da Secretaria de
Gestão do Trabalho em Saúde, tendo em vista enfrentar o problema de recursos
humanos no SUS; da Secretaria de Atenção à Saúde para unificar as ações de
atenção básica, ambulatorial e hospitalar; e a Secretaria de Gestão Participativa
para fortalecer o controle social e a comunicação com os outros níveis de
governo e a sociedade e realizar as conferências de saúde).
Aspectos de continuidade (da política de saúde do governo FHC): ênfase na
focalização (a exemplo da centralidade do Programa de Saúde da Família – PSF,
não sendo contemplados os princípios da universalidade nem da integralidade
na forma como o mesmo foi inicialmente estruturado), na precarização e
terceirização dos recursos humanos (com a ampliação da contratação de
agentes comunitários de saúde6 e de outras categorias profissionais não
regulamentadas), no desfinanciamento da saúde (principal problema, associado
ao gasto social do governo que foi determinante para o sucateamento da política)
6 Apesar da profissão de Agentes Comunitários de Saúde haver sido regulamentada, não existe uma definição das suas atribuições. Além disso, a sua contratação ocorre sem a existência de concurso público, com base em indicações político-partidárias.
22
e na falta de vontade política para tornar viável a Seguridade Social (com as
políticas de saúde, previdência social e assistência social desarticuladas).
Assim, fazendo uma breve avaliação de como se deu a política de saúde no
primeiro mandato do governo Lula, Bravo (2006, p.106-107) sinaliza que
Não obstante ter conseguido alguns avanços, o SUS real está muito longe do SUS constitucional. Há uma enorme distância entre a proposta do movimento sanitário e a prática social do sistema público de saúde vigente. O SUS foi se consolidando como espaço destinado aos que não têm acesso aos subsistemas privados, como parte de um sistema segmentado. A proposição do SUS inscrita na Constituição de 1988 de um sistema público universal não se concretizou.
Em nome do desenvolvimento, o governo Lula cria programas na saúde como o
Pacto pela Saúde (2006) que engloba os programas Pacto pela Vida, Pacto pelo
SUS e Pacto de Gestão. Em 2007, cria o Mais Saúde, que constitui o PAC
(Programa de Aceleração do Crescimento) da Saúde.
O segundo mandato do governo Lula não apresentou compromisso com a
Reforma Sanitária, apesar do Ministro escolhido, José Gomes Temporão, haver
participado, na década de 1980, da elaboração do referido Projeto,
demonstrando a sua mudança de posicionamento frente aos direcionamentos
político-partidários atuais, afirmando haver um tensionamento entre o ideário do
Projeto da Reforma Sanitária da década de 1980 e do Projeto real em
construção, assim como aspectos culturais e ideológicos em disputa, conforme
apontam Bravo e Menezes (2011).
Desta forma, conforme afirma Soares (2010), verifica-se na saúde brasileira a
existência de projetos distintos em disputa: o projeto da reforma sanitária, o
projeto privatista e ainda um terceiro projeto, com fortes traços do privatista – o
do SUS possível.
O projeto da reforma sanitária foi construído pelos movimentos sociais na época
da redemocratização e trazia uma proposta de ruptura com o modelo de saúde
vivenciado no país, voltado apenas para o trabalhador contribuinte, sem
participação da população nas decisões de gerenciamento da saúde. Esse
23
projeto consolidou direitos com a conquista e implementação de um Sistema
Único de Saúde - SUS universal, integral, resolutivo, equânime e participativo
presente na Constituição de 1988 e regulado através das leis 8.080 (1990) e
4.182 (1990).
O projeto privatista veio atender aos interesses do capital, de forma mais
explícita, a exemplo da expansão dos planos de saúde, do crescimento das
indústrias farmacêuticas e das construções de grandes complexos hospitalares
privados.
O projeto do SUS possível foi impulsionado principalmente pelo transformismo
de lideranças dos trabalhadores que passaram a defender posições coerentes
com o neoliberalismo e interesses do grande capital de maneira camuflada,
pregando uma falsa modernização e aperfeiçoamento do SUS.
Apesar de o ministro Temporão ter trazido para o debate questões polêmicas
como a legalização do aborto, restrições de publicidade relacionadas às bebidas
alcoólicas, restrições de farmácias com algumas medidas de quebra de patente
relacionada a um medicamento de tratamento à AIDS, não avançou no
fortalecimento da concepção de Seguridade Social nem no desenvolvimento da
Política de Recursos Humanos.
Tendo por objetivo impulsionar as reformas relacionadas ao gerenciamento e
apresentando o discurso que o problema da saúde era a incompetência das
instituições públicas em gerenciar seus serviços, o governo cria um novo modelo
de gestão para a rede pública de hospitais - o Projeto das Fundações Estatais
de Direito Privado7, Lei 92/2007 através do qual possibilita esse tipo de
instituição administrar as instituições públicas, conferindo ao setor privado a
autonomia na decisão dos gastos públicos, como descreve Bravo e Menezes
(2011).
7 Apesar do projeto das Fundações haver sido fortemente relacionado à saúde pública, a intenção do governo era de atingir todas as áreas que não fossem exclusivas do Estado, a saber: saúde, educação, ciência e tecnologia, cultura, meio ambiente, desporto, previdência complementar, assistência social, dentre outras.
24
Esse projeto vai radicalmente de encontro aos princípios e diretrizes defendidos
pelo Movimento de Reforma Sanitária da década de 1980 e do que foi legalmente
aprovado na Constituição Federal8 (1988), após vários anos de luta coletiva para
a obtenção desses direitos duramente conquistados.
A proposta descaracteriza o SUS constitucional nos seus princípios fundamentais e todas as proposições que o Movimento Popular pela Saúde e o Movimento de Reforma Sanitária sonharam construir em suas lutas desde meados dos anos setenta. Substitui-se o interesse público por interesses particularistas numa privatização perversa do Estado brasileiro, o que infelizmente não é novidade na cena pública nacional. Todas essas modificações, entretanto, são ancoradas em valores que foram resignificados, como a democracia, a qualidade, a transparência, a eficiência e a eficácia (Bravo e Menezes: 2011, p.21).
A proposta do projeto das fundações traz a defesa de questões extremamente
afinadas com o projeto neoliberal, demonstrando a continuidade do movimento
de contrarreforma do Estado, tal como assinalam Bravo e Menezes (2011):
• Contratação de pessoal pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT,
• Não existência de conselhos gestores nas instituições, mas de conselhos
curadores (não defendendo, desta forma, o controle social),
• Desconsideração da luta em defesa do Plano de Cargos, Carreira e
Salário dos trabalhadores de saúde (criando Plano dessa natureza por
Fundações),
• Desprezo às proposições da 3ª Conferência Nacional de Gestão do
Trabalho e Educação na Saúde, de 2006.
Bravo e Menezes (2011) ressaltam que os movimentos sociais não se
apresentaram acomodados com essas proposições, traçando estratégias de
defesa do SUS público, Estatal, Universal e de Qualidade, se manifestando
contrários às Fundações. Ainda na 13ª Conferência Nacional de Saúde foi
reprovada essa forma de gestão, o que aponta para algumas questões
importantes como a necessidade de aprovação do PLP 01/2003 da Câmara dos
8 Já assinalado anteriormente, no item 1.1 desse estudo.
25
Deputados (atual Emenda Constitucional nº 29), que trata do financiamento da
saúde.
Negando as indicações da referida Conferência, o ministro continuou
defendendo o Projeto das Fundações, que foi aprovado em vários Estados, a
partir de 2007, inclusive em Pernambuco. Em 2009, a proposta das Fundações
Públicas de Direito Privado foi reapresentada ao Congresso Nacional, em caráter
de urgência.
As prioridades da saúde no segundo mandato do governo Lula, de acordo com
Bravo e Menezes (2011), ocorreram basicamente em quatro áreas: a Estratégia
de Saúde da Família, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU, a
ampliação da atenção em saúde bucal e o Programa Farmácia Popular.
Esta última prioridade viabilizou o acesso da população a medicamentos
vendidos a baixo custo, sendo realizada inicialmente para essa finalidade a
abertura de farmácias estatais gerenciadas através da Fundação Oswaldo Cruz
ou da parceria com estados e municípios. Num segundo momento, o Programa
ampliou o número de farmácias para o referido atendimento, através do
credenciamento de farmácias privadas, chegando a mais de seis mil
estabelecimentos em 2008. Tal programa colide com as diretrizes do SUS que
prevê atendimento integral à saúde, incluindo a assistência farmacêutica. Outro
problema é a parceria público-privada, com a estratégia utilizada a partir de 2006,
com o Estado subsidiando as farmácias comerciais, reforçando o caráter
privatista da saúde.
As autoras apontam um aspecto relevante a ser ressaltado no segundo mandato
do governo Lula de que, embora os movimentos sociais tenham se posicionado
contrários às investidas neoliberais presentes, foi observado um afastamento de
parte destes do referencial teórico embasado na teoria social crítica, tão presente
nas reflexões do Movimento de Reforma Sanitária dos anos 1980, o que se
apresenta como um retrocesso na luta pela saúde pública e de qualidade.
Observam-se produções teóricas que apresentam reflexões sobre promoção da
saúde, cuidado e auto-cuidado, humanização, problemas do cotidiano, sem
trazer a perspectiva de totalidade social, de historicidade, nem as categorias
26
presentes na luta de classe. Há nos textos uma certa responsabilização do
indivíduo pela sua saúde, retirando o encargo do Estado.
Vale ressaltar que alguns sujeitos permaneceram na direção da teoria social
crítica, se opondo de forma mais radical ao movimento de privatização existente,
denunciando as perdas sofridas nos últimos anos, a exemplo das principais
questões levantadas pela Plenária Nacional de Conselhos de Saúde, conforme
Bravo e Menezes (2011) apontam:
• Desestruturação da rede de atenção primária;
• Não regulamentação da Emenda Constitucional nº 29 (que trata do
subfinanciamento da saúde);
• O avanço da privatização do SUS em detrimento do serviço público
eminentemente estatal;
• A precarização dos serviços públicos e das relações de trabalho (baixos
salários, grandes diferenças salariais, sem a incorporação de um Plano
de cargos, carreiras e salários para os profissionais do SUS).
A referida Plenária se posicionou também radicalmente contrária ao Projeto de
Lei n 92/2007 que cria as Fundações Públicas de Direito Privado.
As Organizações Sociais (OSs) têm se espraiado em todo o país, dando a
possibilidade de instituições privadas gerenciarem os serviços públicos de
saúde, assim como tem acontecido com o Projeto das Fundações. Esse tipo de
gestão (por OSs) vem se difundindo em Pernambuco de forma acelerada nos
últimos anos, tendo atualmente 04 hospitais e 12 Unidades de Pronto-
Atendimento sendo geridos por essa modalidade.
No último dia do seu mandato (31/12/2010), o governo Lula apresentou a Medida
Provisória (MP) 520, que autoriza o poder executivo a criar a Empresa Brasileira
de Serviços Hospitalares (EBSERH), tendo por objetivo restaurar os Hospitais
Universitários (HUs) federais, a partir da gestão privada.
No governo Dilma Roussef, embora ainda no seu discurso de posse a presidente
tenha se manifestado a favor da consolidação do SUS, afirmando ser esta uma
das suas prioridades de governo, o que se verifica é a continuidade de medidas
favoráveis ao mercado. Neste mesmo discurso a presidente indica ainda que
27
fará parcerias com o setor privado na área da saúde pública (BRAVO E
MENEZES: 2011).
O ministro da saúde indicado, Alexandre Padilha sinaliza que as suas prioridades
serão a garantia do acesso dos usuários aos serviços e o atendimento de
qualidade, defendendo que a saúde ocupe o lugar central na agenda do
desenvolvimento.
Dentre as ações desenvolvidas por esse governo encontram-se: a atenção à
saúde da mulher e da criança, através da implantação da Rede Cegonha,
atenção ao tratamento de câncer de mama e de colo uterino, a oferta de
medicamentos para o controle da hipertensão e diabetes, através do Programa
“Aqui tem Farmácia Popular”, combate à dengue, enfrentamento do crack e
outras drogas, luta antimanicomial.
Algumas questões polêmicas vêm sendo tratadas como a realização de um
diagnóstico para a melhoria da gestão, promovido pela Gerdau (empresa
privada) e o título de “Parceiro da Saúde“ dado ao Mac Donald`s, demonstrando
a afinidade do governo com o mercado.
Outra ação desenvolvida foi a criação de Unidades de Pronto-Atendimentos –
UPAs em todo o Brasil, desenvolvendo ações emergenciais, de média
complexidade, reforçando aqui o modelo de saúde hospitalocêntrico, voltado
para as ações curativas, em detrimento da atenção básica com enfoque de
prevenção à saúde.
O mesmo traz como desafios a regulamentação da Emenda Constitucional nº
29, a definição de regras claras ao financiamento da saúde e a necessidade de
aprimorar a gestão, ficando claro que esse aperfeiçoamento se daria através das
Parcerias Público-Privadas (PPPs), representando a continuidade de
desconstrução de princípios e diretrizes do SUS realizada também no governo
Lula.
Tem-se visto a ampliação dos modelos de gestão que privatizam a saúde como as Organizações Sociais (OSs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), Fundações Estatais de Direto Privado e os problemas que estas ocasionam
28
para os trabalhadores da saúde e usuários (BRAVO E MENEZES: 2011, p.23).
Correia (2011) apresenta alguns argumentos que justificam o posicionamento
contrário a esses novos modelos de gestão, a saber:
• Integra o processo de contrarreforma do Estado, direcionando este para
a racionalização dos gastos sociais e para o fortalecimento do setor
privado, na oferta de bens e serviços coletivos;
• Privatiza o que é público, demonstrando as novas investidas do capital
que, não satisfeito apenas com o livre mercado da saúde, busca, por
dentro do Estado, se apropriar dos recursos destinados à política pública
de saúde;
• Ameaça os direitos sociais garantidos legalmente através dos serviços
sociais públicos. Um exemplo do grande risco que os novos modelos de
gestão trazem para a saúde pública relaciona-se à tendência de
diminuição da oferta de serviços à população, visto que, como as
Organizações Sociais trabalham por contrato de metas, se houver uma
demanda maior do que se estabeleceu na contratualização, estas podem
vir a serem negadas, pois para os serviços privados, o lucro está acima
de qualquer necessidade das pessoas. Outro exemplo que reflete os
prejuízos aos direitos sociais relacionados à saúde, tão arduamente
garantidos é a permissão da venda de 25% dos leitos de hospitais
públicos de alta complexidade de São Paulo geridos por OSs para
pacientes particulares e de convênios médicos privados, através da Lei nº
1.131/2010, conhecida como “Lei da Dupla Porta”, que contraria a
legislação do Sistema Único de Saúde, já que a Constituição Federal (no
seu artigo nº 19, inciso 1) e a Lei Orgânica da Saúde nº 8080/90 (nos
artigos 24 a 26) só admitem a prestação de serviços privados para a
saúde pública como atividade fim, de forma complementar, e não
substitutiva como vem acontecendo nesses novos modelos de gestão. A
Constituição Federal (1988) também afirma a responsabilidade do Estado
ante aos serviços de saúde.
29
Observa-se que é inconstitucional e ilegal as formas de terceirização dos serviços de saúde propostas, já que a Constituição Federal, em seu atr. 196, estabelece que a saúde seja “direito de todos e dever do Estado”, o que impede o Estado de se desresponsabilizar da prestação desses serviços, restando ao setor privado o papel apenas de complementariedade (CORREIA: 2011, p.46).
• Prejudica aos trabalhadores com a eliminação de concursos públicos,
favorecendo práticas clientelistas; com a flexibilização dos vínculos, não
assegurando todos os direitos trabalhistas e previdenciários; com a
concessão de servidores públicos do Estado (mesmo concursados) para
realizarem a sua prática profissional em entidades privadas através do
contrato por OSs; com a incorporação de contratos de trabalho das pela
CLT (forma possível de contratação nas Fundações) ao invés do Regime
Estatutário, apontando para a quebra da estabilidade; com o
enfraquecimento da organização do trabalhador que não se reconhece
enquanto categoria de funcionário público; com o abandono do projeto de
um Plano de Cargos, Carreiras e Salários único para os servidores
públicos.
• Limita o controle social e propicia o desvio de recursos públicos. As OSs
não são obrigadas a realizarem licitações para a compra de material e
cessão de prédios, o que se mostra ilegal. Assim, o descontrole sobre os
recursos públicos repassados para as OSs é tão grande que os estados
e municípios encontram dificuldades nas auditorias públicas de verificar
se tais recursos estão sendo gastos adequadamente.
Em todos os estados e municípios onde esse tipo de gestão já foi instalado existem denúncias de desvios de recursos públicos sendo investigadas pelo Ministério Público Estadual e/ou pelo Ministério Público Federal (CORREIA: 2011,p.46).
Outro ponto relevante sobre os recursos públicos repassados para as
gestões privadas é que o seu progressivo aumento demonstra que o
argumento de que os novos modelos de gestão garantiriam o
enxugamento do dinheiro público é um engodo.
Por ter se esgotado o prazo para a votação da Medida Provisória nº520 (que
trata da possibilidade dos Hospitais Universitários serem gerenciados por uma
empresa privada), o governo recolocou a questão da EBSERH como Projeto de
30
Lei (PL) nº 1749/2011, mantendo a proposta em quase sua originalidade,
segundo Bravo e Menezes (2011).
Numa análise minimalista sobre o desempenho do governo Dilma em relação à
saúde pública pode-se apontar que vem sendo mantidas estratégias neoliberais,
havendo um direcionamento à privatização, focalização e cooptação dos
movimentos sociais.
Bravo e Menezes (2011) apontam algumas dificuldades existentes na saúde
pública atual que se distancia cada vez mais da construção e consolidação dos
princípios da reforma sanitária, construídos na década de 1980, a saber: a lógica
macroeconômica atual de valorização do capital financeiro e subordinação da
política social à mesma, a inviabilização da seguridade social, o
subfinanciamento da saúde e as distorções dos gastos públicos, a não
concretização da universalização da saúde, a precarização das relações de
trabalho, os poucos resultados do controle e participação social, a ênfase do
modelo de saúde curativo, o modelo de gestão vertical, burocratizado,
terceirizado, o avanço da privatização através das PPPs, a falta de prioridade na
atenção básica.
A política de saúde conforme se apresenta na atualidade possui grandes
limitações que desencadeiam em um nó cada vez mais difícil de desatar: o do
adoecimento da população sem uma perspectiva de melhoria do quadro, muito
menos de resolução/ superação do problema.
31
1.3 - O controle social como ferramenta de garantia de direitos no SUS.
Uma das alternativas para o enfrentamento de todas essas questões que se
apresentam na atualidade em relação à política de saúde é o fortalecimento do
controle social.
Segundo Menezes (2012), uma das conquistas no plano formal de grande
relevância ocorrida através da Constituição Federal (1988) foi a ampliação do
modelo de democracia, com proposta de participação da sociedade na esfera
pública.
A participação social se mostra como um elemento primordial para a preservação
dos direitos sociais, construção da cidadania e fortalecimento da sociedade civil
e tem como uma de suas expressões a ideia desta sociedade controlando o
Estado, através da fiscalização deste, para o impedimento dos da sua
transgressão frente às políticas sociais.
Segundo a autora, a concepção de controle social como mecanismo de
participação da população na elaboração, implementação e fiscalização das
políticas sociais tem como marco o processo de redemocratização da sociedade
brasileira, através do aprofundamento das reflexões sobre a democracia. O
controle social corresponde a um direito conquistado a partir da Constituição
Federal (1988), sendo garantidas duas instâncias formais: os conselhos e as
conferências9.
Os conselhos constituem espaços de participação da sociedade nas decisões
do Estado, contribuindo para a democratização da relação Estado-sociedade.
São órgãos políticos formais de controle social que integram representantes dos
setores organizados da sociedade civil, sendo, desta forma, um campo de
confronto de ideias e interesses10, conforme afirma Menezes (2012).
9 Apesar de existir outros espaços de controle social não inscritos nessa legislação.
10 Segundo a perspectiva Gramsciana. Alguns autores entendem esse como um espaço de consensos, não levando em conta a correlação de forças existentes. Há autores que consideram
32
Os conselhos de saúde se configuram como espaços deliberativos, de caráter
permanente e paritário, compostos por representantes dos trabalhadores da
saúde, de gestores, dos prestadores públicos e privados e dos usuários, tendo
por objetivo discutir, elaborar e fiscalizar a política de saúde em cada uma das
esferas de governo, estabelecendo parâmetros para o governo, decidindo o que
deve ser realizado e avaliando essas realizações (idem).
Observam-se no contexto atual alguns obstáculos ao funcionamento dos
conselhos, relacionados a uma cultura política, historicamente estabelecida no
país, de impedimento da criação de espaços de participação na gestão das
políticas sociais, sendo constatado o predomínio da burocracia, práticas políticas
de favor, patrimonialistas, de cooptação da população, populistas e clientelistas.
Essas características advêm do autoritarismo do Estado brasileiro, do distanciamento da sociedade civil organizada dos partidos e da falta de articulação da sociedade civil na atualidade causada pelas modificações na forma de produção e gestão do trabalho frente às novas exigências do mercado (BRAVO, 2006).
Como já mencionado, a troca de favores existente em alguns conselhos de
saúde é um fato nos dias atuais, sendo observada entre todos os seus membros,
segundo Pereira Neto11. Tem como objetivo a obtenção de ganhos individuais,
através de benefícios pecuniários ou de outra ordem para si, seus familiares,
amigos e/ou protegidos, fugindo assim dos reais propósitos destes órgãos da
garantia de conquistas coletivas. Segundo o autor
o que parece haver é uma troca recíproca de favores entre as partes envolvidas: o “político”, o representante do usuário e o cidadão. Todos os três vivem em constante negociação visando atender seus interesses e satisfazer suas necessidades particulares(2012,p.113).
Essa constatação coloca em xeque o controle social na saúde, permitindo o
questionamento sobre os conselhos serem de saúde ou de favores.
o conselho como espaço de cooptação da sociedade civil por parte do poder público, havendo ainda os que não aceitam esse espaço.
11 O autor tem com base de dados uma pesquisa realizada com um número limitado de conselheiros, não sendo os resultados possíveis de generalização, embora traga reflexões relevantes a respeito do assunto tratado.
33
O autor levanta a possibilidade de algumas causas dessa situação: o
enfraquecimento dos movimentos sociais, perceptível nos últimos anos e a
cultura da impunidade pela utilização do que é público para uso privado que
historicamente assola o país, fator este demonstrado pela forma natural como
essa troca de favores é realizada nos conselhos, demonstrando a banalização
da execução dessas práticas.
Bravo e Menezes (2012), a partir de pesquisa realizada no estado do Rio de
Janeiro, indicam ainda a despolitização de alguns desses espaços, trazendo
uma perspectiva de apatia dos movimentos sociais e participação destes de
forma colaboracionista, limitando as possibilidades de mudanças.
No entanto alguns desses espaços se mostram em outra direção. O Conselho
Nacional de Saúde - CNS vem se posicionando em defesa da saúde pública aos
moldes de como esta foi idealizada pelo Movimento de Reforma Sanitária, se
constituindo em um espaço de luta pelo SUS e de resistência ante às reformas
neoliberais defendidas pelo governo12, como a mercantilização dos serviços
públicos, a exemplo dos novos modelos de gestão da saúde pública, conforme
aponta Correia em relação à época do governo Lula:
Pode-se afirmar que o sentido político predominante no Conselho Nacional de Saúde foi o de defesa do SUS e de seus princípios e de resistência às orientações do Banco Mundial para a política de Saúde brasileira, demonstrando que os interesses das classes subalternas se sobrepuseram sobre os demais nesse espaço, durante o período estudado (2005,p.294).
Este Conselho atualmente, dentre os conselhos de política e de direito, é o que
tem mais elaborado propostas em defesa dos direitos sociais, muito embora não
tenha conseguido avançar em bandeiras de âmbito mais geral como na garantia
da Seguridade Social, nem realizado uma articulação mais expressiva com os
12 Embora o Ministro Alexandre Padilha tenha sido eleito presidente do Conselho Nacional de Saúde (o que foi considerado um retrocesso, visto que a sua tendência é de não se confrontar com o governo, do qual ele faz parte).
34
conselhos estaduais e municipais, fundamental para o enfrentamento ante às
investidas neoliberais.
Apesar deste importante posicionamento do Conselho Nacional de Saúde, os
conselhos não podem ser supervalorizados, nem subvalorizados. São
fundamentais para as políticas sociais, precisando, entretanto, que sejam
consideradas as várias arenas de conflitos em que se travam a disputa pelo
poder no país (MENEZES, 2012).
O outro espaço formal de controle social, conforme citado anteriormente é o das
conferências, coordenadas pelos conselhos. Em 2011, a 14ª Conferência
Nacional de Saúde teve como tema “Todos usam o SUS! SUS na Seguridade
Social – Política Pública, Patrimônio do Povo Brasileiro”, onde os delegados
rejeitaram, em maioria arrebatadora, todas as formas de privatização da saúde.
A Conferência afirmou o desejo da maioria da população brasileira da garantia
do acesso universal, equânime e integral aos serviços de saúde, com gestão
direta do Estado. Defendeu o aumento do financiamento para o SUS solicitando,
em caráter de urgência, a regulamentação da Emenda Constitucional nº 29,
assim como a destinação de 10% da Receita Corrente Bruta para a saúde e,
principalmente, que esses recursos sejam aplicados na ampliação da rede
pública em todos os níveis de atenção à saúde, com instalações, equipamentos,
medicamentos e assistência farmacêutica essencialmente pública.
A referida Conferência defendeu ainda a realização de concursos públicos, a
definição de pisos salariais e de Planos de Cargos e Salários para todos os
trabalhadores, assim como melhores condições de trabalho. Fez a defesa ainda
da efetivação de serviços de saúde mental na lógica da Reforma Psiquiátrica
Antimanicomial, rejeitando a internação compulsória e as comunidades
terapêuticas, assim como outras propostas em prol do fortalecimento do SUS,
conforme defendido pelo Movimento de Reforma Sanitária, dos anos de 1980.
Um fato ocorrido ao final da Conferência foi a apresentação de uma “carta
síntese” pelo Governo Federal ao final da plenária, que não traduziu o teor
político das conferências e lutas travadas no cotidiano pelos militantes, usuários
e trabalhadores da saúde, com a finalidade de demonstrar um falso consenso,
excluindo importantes pontos em que o governo foi derrotado, como a defesa do
35
SUS 100% público e estatal e a rejeição de todas as formas privadas de gestão.
Esta atitude revela, mais uma vez, o desrespeito do governo ao controle social.
Ressalta-se que o produto da Conferência foi apresentado no seu relatório final,
estando documentados todos os posicionamentos definidos (FRENTE
NACIONAL CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA SAÚDE, 2012).
Tal situação ocorrida demonstra mais uma vez a arena de conflitos e
contradições em que se constituem os conselhos, existindo uma série de
desafios a serem realizados, conforme aponta Correia (2012):
• Manutenção da Independência e autonomia dos movimentos perante a
gestão;
• Fortalecimento dos movimentos sociais;
• Construção da autonomia dos conselhos e conferências ante ao poder
executivo;
• Criação de uma articulação entre os vários conselhos (gestores,
estaduais e municipais, com agenda única para o enfrentamento dos
determinantes das expressões da questão social);
• Articulação das deliberações dos conselhos, suas denúncias e lutas em
torno dos direitos sociais com as diversas instâncias, na perspectiva de
efetivação do controle social;
• Articulação dos conselhos com a sociedade para o fortalecimento e
representatividade de seus membros e para evitar a cooptação destes
pela burocracia estatal;
• Criação de espaços alternativos de controle social, envolvendo os setores
da sociedade representantes dos interesses dos grupos sociais
subalternos;
• Inserção de uma agenda de luta e proposições relacionadas às políticas
públicas, estatais, universais e de qualidade, articuladas à transformações
na sociedade.
Embora sejam estratégicos na defesa das transformações políticas e sociais,
podendo provocar modificações importantes na relação entre Estado e
sociedade, os conselhos não se apresentam como os únicos espaços de
controle social. É necessária a articulação das forças políticas que representam
36
os interesses das classes subalternas tendo em vista um projeto societário que
se oponha aos interesses do capital.
De acordo com Menezes, pode-se afirmar que
Nessa direção, reafirma-se que os conselhos junto com os movimentos sociais e os partidos políticos podem contribuir na formação de uma vontade coletiva hegemônica que relaciona-se diretamente à reforma intelectual e moral para a construção de um novo projeto societário, sem dominação econômica, social e política (2012,p.270).
Tem-se observado que, assim como alguns conselhos de saúde, outros
movimentos de resistência pela defesa de uma saúde pública universal e de
qualidade vêm se organizando coletivamente, tais como movimentos estudantis,
entidades de representação de profissionais de saúde, sindicatos, partidos
políticos, entre outros, que vem realizando conferências, seminários, fóruns, atos
públicos, a partir de pautas de luta, obtendo resultados relevantes no cenário da
saúde, coforme aponta Bravo e Menezes (2011).
O desafio posto na atual conjuntura que tem por objetivo superar as profundas desigualdade sociais existentes em nosso país e que foram aprofundadas no governo Lula da Silva é um amplo movimento de massas que retome as propostas de superação da crise herdada e avance em propostas concretas (BRAVO E MENEZES: 2012,p.278).
Ressalta-se que o aprofundamento das desigualdades sociais também se
perpetua no governo Dilma Roussef.
Um desses movimentos de grande repercussão surgido em 2010 e que vem até
os dias atuais mantendo a resistência, não se deixando abater diante das
investidas neoliberais é a Frente Nacional contra a Privatização da Saúde, tendo
por objetivo defender o SUS público, estatal, sob a administração direta do
Estado, gratuito e para todos; lutar contra a privatização da saúde e defender a
reforma sanitária formulada nos anos de 1980 (FRENTE NACIONAL CONTRA
A PRIVATIZAÇÃO DA SAÚDE, 2011). O referido movimento tem realizado
37
diversas ações, mobilizando a criação de Fóruns de Saúde em vários estados e
municípios. Esse movimento se opõe às Organizações Sociais (OSs) e é
contrário à procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº
1923/98, que se opõe à Lei nº 9637/98 que cria as Organizações Sociais.
Considera-se, portanto, na atual conjuntura, fundamental a articulação nacional através da frente entre os diversos fóruns de saúde com vistas à construção de um espaço que fomente a resistência às medidas regressivas quanto aos direitos sociais e contribua para a construção de uma mobilização em torno da viabilização do Projeto de Reforma Sanitária construído nos anos oitenta no Brasil tendo com horizonte a emancipação humana (BRAVO E MENEZES: 2011, p. 26).
38
CAPÍTULO 2 - O REBATIMENTO DA NOVA CONFIGURAÇÃO DA SAÚDE
PÚBLICA NA PRÁTICA DO SERVIÇO SOCIAL: A REATUALIZAÇÃO DO
VELHO E A INCORPORAÇÃO DO NOVO.
2.1 - A construção do projeto ético-político do serviço social.
As novas configurações que as políticas sociais, incluindo a saúde pública
vivencia na contemporaneidade incidem diretamente na prática profissional do
assistente social. Elas estão relacionadas às novas formas de investidas do
capital perante a sua crise estrutural de, não apenas criar possibilidade de
ampliar seus lucros através do mercado privado, como também de expandir os
seus negócios para as áreas tradicionalmente operacionalizadas através de
políticas públicas, tal como vem ocorrendo.
A repercussão desse novo contexto no Serviço Social se expressa tanto através
das difíceis condições de trabalho que o assistente social, assim como toda a
classe trabalhadora, vivencia, como também na relação direta com o usuário que
necessita dessas políticas públicas devastadas pela sua mercantilização.
Nesse contexto, o assistente social necessita, antes de tudo, de se apropriar dos
fundamentos da sua profissão, através da apreensão do Projeto Ético-Político
do Serviço Social, hegemônico na categoria, compreendendo todo o processo
histórico e político da sua construção, assim como as suas principais bandeiras
de luta hoje traçadas, a fim de buscar estratégias para a implementação do
mesmo no seu cotidiano profissional.
De acordo com Netto (2006), a construção do Projeto ético-Político do Serviço
Social inicia-se na transição das décadas de 1970 e 1980, período de relevância
para o Serviço Social no Brasil pelo enfrentamento e denúncia do
conservadorismo profissional. A crítica e recusa desse conservadorismo
constituem as raízes do novo Projeto Ético-Político.
Segundo o autor, o início da década de 1980 foi marcado pelo ressurgimento de
demandas democráticas e populares reprimidas que trouxeram à tona a
39
exigência de profundas transformações políticas e sociais. A luta pela
democracia na sociedade brasileira encontrou eco no corpo profissional, criando
um quadro necessário para romper com o quase monopólio do conservadorismo
do Serviço Social. Assim, a derrota da ditadura foi a primeira condição – condição
política – para a construção de um novo projeto profissional.
Nem todo o corpo profissional se comportou igual, mas os segmentos
democráticos se mobilizaram fortemente, alguns se vinculando ao movimento
dos trabalhadores, conseguindo instaurar o pluralismo político na profissão (um
marco destas mobilizações foi o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
- CBAS, conhecido como “Congresso da Virada”). Pela primeira vez, no interior
do corpo profissional, havia projetos societários diferentes daqueles que
correspondiam ao interesse das classes dominantes (idem).
A abertura de cursos de pós-graduação em Serviço Social, nas décadas de 1970
e 1980 (no Brasil nos anos seguintes), abriu caminho para a produção de
conhecimentos na área de Serviço Social, formando uma massa crítica
considerável. A acumulação teórica incorporou vertentes críticas
(destacadamente inspiradas na tradição marxista) compatíveis com a ruptura do
conservadorismo profissional, conforme assinala Netto (2006).
O autor mostra que nas décadas de 1980 e 1990, as modalidades prático-
interventivas tradicionais foram sendo modificadas e foram surgindo novos
campos de intervenção, legitimados tanto pela produção do conhecimento,
quanto pelo reconhecimento profissional dos usuários. Essa ampliação dos
campos de intervenção se deu também e, sobretudo, pela conquista de direitos
cívicos e sociais ligados a diversas categorias sociais que acompanhou a
abertura democrática na sociedade brasileira.
Um momento basilar para a formação do projeto ético-político do Serviço Social
no Brasil foi o Código de Ética Profissional (1993), coroando o rompimento com
o conservadorismo na explicitação do compromisso profissional com a classe
trabalhadora. Ele possui a liberdade como valor central, daí o seu compromisso
com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais.
Vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem
social, sem exploração/ dominação de classe, etnia e gênero. Defende
40
intransigentemente os direitos humanos e o pluralismo e repudia qualquer forma
de preconceito. Posiciona-se a favor da equidade, da justiça social, da
universalização dos bens e serviços. A ampliação e a consolidação da cidadania
são entendidas como garantia dos direitos civis, políticos e sociais das classes
trabalhadoras. Declara-se democrático, sendo a favor da socialização da
participação política e da socialização da riqueza socialmente produzida.
Defende o compromisso com a competência profissional, a partir do
aperfeiçoamento profissional. Preocupa-se com a qualidade dos serviços
oferecidos aos usuários e com a necessidade de articulação com os segmentos
de outras categorias profissionais que compartilham de propostas similares e
com os movimentos sociais que se solidarizam com a luta geral dos
trabalhadores.
O projeto ético-político do Serviço Social se consolidou na década de 90,
conquistando sua hegemonia, não podendo afirmar, entretanto, que ele esteja
consumado ou que seja o único no corpo profissional. A hegemonia conquistada
foi impulsionada por dois elementos: o crescente envolvimento do corpo
profissional nos espaços de discussões e nos eventos profissionais e o fato das
suas linhas fundamentais estarem sintonizadas com as linhas dos movimentos
das classes trabalhadoras (NETTO, 2006).
Nessa mesma época, o neoliberalismo irrompia no país, freando o movimento
democrático e instaurando a liquidação dos direitos sociais, a privatização do
Estado, o sucateamento dos serviços públicos, através de uma política macro-
econômica que penaliza a classe trabalhadora até os dias atuais (Idem).
Por possuir posicionamentos tão antagônicos ao neoliberalismo, o projeto ético-
político do Serviço Social vem sofrendo sérias ameaças. Do ponto de vista
neoliberal, o mesmo é visto como um atraso. A preservação e o aprofundamento
deste projeto depende não só do corpo profissional, mas do fortalecimento do
movimento democrático e popular, tão enfraquecido nos últimos anos.
41
2.2 - A prática profissional do assistente social ante as novas investidas
neoliberais.
Para se falar dos desafios postos ao Serviço Social, é necessário entender as
condições objetivas e subjetivas que se colocam no cotidiano da prática
profissional do assistente social na atualidade, apreendendo as determinações
sócio-históricas que influenciaram e influenciam a implementação do Projeto
Ético-Político Profissional, numa sociedade onde as relações sociais são
fundadas na exploração do trabalho e na permanente reprodução da
desigualdade social.
O sistema do capital, perante a sua atual crise, vem encontrando saídas para a
sua reprodução, recompondo o seu processo de acumulação através de um
novo arranjo nas relações entre o Estado, a sociedade e o mercado.
Para Mota (2012, p.35)
O que está posto no horizonte é uma nova cultura social e moral por parte da burguesia que se expressa tanto na participação do setor privado na implementação de políticas sociais, como na desresponsabilização parcial do Estado, particularmente por meio de estratégias “contrarreformistas” no âmbito da Seguridade Social, da Habitação Popular e da Educação, isto para falar apenas dos mais destacados.
O que se assiste no cenário contemporâneo brasileiro é um conjunto de
intenções restritivas ao social e de ampliação da lucratividade do setor privado,
a partir da desresponsabilização do Estado em assegurar a proteção social
através da implementação das políticas sociais formalmente garantidas. Essas
intenções se traduzem em várias tendências presentes nos dias atuais,
conforme aponta Mota (2006):
• Regressão das políticas públicas redistributivas em prol de políticas
compensatórias de combate à pobreza, de caráter seletivo e temporário;
• Privatização e mercantilização dos serviços sociais, com a existência da
figura do cidadão-consumidor, serviços de proteção básica para o
cidadão-pobre e programas sociais de exceção para o cidadão-miserável;
42
• Incorporação de novos protagonistas na efetivação de ações próprias do
Estado, tais como empresa socialmente responsável, voluntariado,
empreendedores sociais, entre outros;
• Despolitização das desigualdades sociais de classe, através do discurso
de inclusão social dentro do sistema;
• A incorporação de políticas de emprego e renda, como uma modalidade
de atendimento às necessidades imediatas dos trabalhadores em
substituição a outras como o caso do seguro-desemprego e das garantias
sociais e trabalhistas que marcam o trabalho protegido.
Segundo Montaño apud Guerra (2007), as novas investidas do capitalismo têm
provocado alterações significativas no mundo do trabalho que se traduzem nas
particularidades históricas do Serviço Social, redimensionando as políticas
sociais como espaço de atuação dos assistentes sociais, decorrentes de novas
e mais complexas relações entre Estado e sociedade civil, de onde advêm novas
formas de enfrentamento da questão social, como por exemplo, medidas focais
e paliativas de combate à pobreza, estabelecimento de redes de proteção social,
crescimento do terceiro setor e práticas voluntárias e voluntaristas. Este contexto
forja novas formas de sociabilidade e vê no capitalismo, o único modo de vida
em sociedade.
De acordo com Santos (2010), na atualidade todo esse processo de exploração
e desigualdade se agudiza em forma de desemprego, condições de trabalho
precárias, várias formas de violência, criminalização dos movimentos sociais e
de suas lideranças, criminalização da pobreza, e outras expressões da questão
social.
Para Guerra,
O que se pode apreender da maneira como a chamada questão social está sendo enfrentada é que o Estado, paralelamente à assistencialização das políticas sociais, de um lado, e da mercantilização e privatização do outro, adota medidas repressivas de criminalização da pobreza e dos movimentos sociais (2010, p.723).
43
As novas configurações que as políticas sociais assumem na atualidade
requerem do profissional, mais especificamente do assistente social, uma
postura profissional de flexibilização e adaptação a esse novo contexto, postura
essa muitas vezes antagônica às diretrizes apontadas no Projeto Ético-Político
do Serviço Social.
De acordo com Guerra (2010), como a ideia central é a expansão do capital em
detrimento das políticas públicas, um dos problemas que o assistente social se
depara em sua prática profissional é a quantidade reduzida de profissionais em
relação à demanda para a realização das atividades (que acontece objetivando
enxugamento da máquina, e com isso a redução dos custos), fazendo com que
não haja tempo suficiente para o profissional realizar um atendimento mais
aprofundado e de melhor qualidade13.
Na imediaticidade do cotidiano no qual o assistente social atua, as intervenções
são realizadas de formas pontuais, não buscando a essência dos fatos que se
apresentam, realizando uma intervenção focalizada na aparência (a exemplo de
uma usuária que procura o Serviço Social a fim de obter orientações sobre
acesso ao tratamento de saúde por se encontrar com o braço quebrado. Numa
atuação profissional não aprofundada o assistente social poderia deixar de
perceber os determinantes que levaram a usuária à situação de saúde em que
se encontra, como a possibilidade da mesma estar sendo vítima de violência
doméstica, ter sofrido um acidente de trabalho por falta de equipamentos de
proteção necessário, por ter caído em esgoto a céu aberto na frete de sua casa,
entre outras possibilidades. O exemplo evidencia situações muito mais
complexas e intervenções que extrapolam a política de saúde requerendo um
acompanhamento mais duradouro e respostas intersetoriais).
Essa intervenção a partir da aparência faz com que muitas vezes o usuário
necessite buscar suas próprias soluções para suas necessidades e, quando este
não possui as condições objetivas e/ou subjetivas para este fim, acaba sendo
13 Um dos princípios básicos previsto no Código de Ética do Assistente Social (1993) é o de fornecer ao
usuário um atendimento de boa qualidade. Ao realizar um atendimento de qualidade inferior, o
profissional está cerceando um direito garantido legalmente.
44
culpabilizado pelo seu próprio fracasso retirando a responsabilidade do Estado
no suprimento dessas necessidades (um exemplo dessa circunstância são as
situações de negligências contra crianças e adolescentes cujos pais são
considerados culpados por não proverem as necessidades materiais dos seus
filhos quando, em muitas situações, os mesmos não possuem as condições
econômicas para suprir tais necessidades por motivo de desemprego ou falta de
inserção em programas assistenciais).
Um outro aspecto que se apresenta à prática do assistente social relaciona-se
a escala de trabalho para o cumprimento de carga horária por plantões, fazendo
com que haja uma falta de continuidade do atendimento do profissional que deu
início ao mesmo (já que estes plantões são intercalados por períodos de
descanso – dias ou turnos, de acordo com as leis trabalhistas), acarretando
numa ausência de profissional de referência para o usuário e na fragmentando
da ação. Por mais que se construam instrumentos para superar essa dificuldade,
através de livro de passagem de plantão, há aspectos da intervenção que se
perdem (a exemplo de uma usuária que é acompanhada em um Centro de
Referência de Assistência Social – CRAS sem a continuidade do seu
atendimento pelo mesmo profissional, precisando recomeçar o seu
acompanhamento todas as vezes que retorna ao referido equipamento social).
Guerra (2010) sinaliza que uma das demandas solicitadas ao assistente social
pela instituição é a realização de práticas de caráter fiscalizatório, tendo por
objetivo conferir se o usuário se enquadra nos critérios de acessibilidade do
serviço, como é o caso do Benefício de Prestação Continuada – BPC ou se ele
se encontra adequadamente em condições objetivas e subjetivas para a sua
permanência na instituição (como vestuário adequado e estado de sobriedade).
Para a instituição, é necessário preservar a sua imagem a fim de adquirir maior
credibilidade das suas ações, mesmo que para isso seja necessário regular ou
até tirar do local os usuários que não estejam de acordo com a ordem
estabelecida pelo serviço. Esse tipo de prática se confronta não só com os
princípios éticos profissionais14do assistente social, como também com a Própria
14 O Código de Ética do Assistente Social (1993) assinala em seus princípios o repúdio a qualquer tipo de
descriminação.
45
Constituição Federal (1988), que determina a igualdade de todas as pessoas,
sem que haja qualquer forma de discriminação.
A autora sinaliza ainda para as requisições institucionais, presentes
principalmente na área da saúde mental, para que o assistente social realize
uma prática ligada à subjetividade, através de intervenções de ordem
terapêuticas ou clínicas, a fim de prover uma adaptação de comportamento ou
amenizar conflitos. Tal indicação segue a linha da adaptação ao contexto e do
conformismo, sendo contrária aos princípios do Serviço Social na sua defesa e
luta pela melhoria das condições de vida da classe trabalhadora.
Guerra (2010) ressalta que a crise do capital impõe cada vez mais metamorfoses
no mundo do trabalho, que exige um perfil profissional capaz de lidar com a
desvalorização e superexploração da força de trabalho para a continuidade da
reprodução ampliada deste capital, mediante altas taxas de desemprego.
O sistema do capital requer um trabalhador que se adapte a esses processos de
precarização, às frequentes perdas de qualidade no trabalho e que esteja flexível
às mudanças que se façam necessárias, se convertendo num empresário de si,
transferindo para este a responsabilidade pela manutenção do seu emprego.
Segundo Guerra (2010),
Com o exercício profissional dos assistentes sociais não poderia ser diferente. Esse tem na flexibilização uma forma de precarização do seu trabalho tanto como segmento da classe trabalhadora quanto como profissional que atua no âmbito dos serviços, das políticas e dos direitos sociais. A precarização do exercício profissional se expressa por meio de suas diferentes dimensões: desregulamentação do trabalho, mudanças na legislação trabalhista, subcontratação, diferentes formas de contrato e vínculos que se tornam cada vez mais precários e instáveis, terceirização, emprego temporário, informalidade, jornadas de trabalho e salários flexíveis, multifuncionalidade ou polivalência, desespecialização, precariedade dos espaços laborais e dos salários, frágil organização profissional, organização em cooperativas de trabalho e outras formas de assalariamento disfarçado, entre outras.
46
Ainda outra dificuldade que a autora observa para o assistente social (como para
outros profissionais também) é o aumento de profissionais com mais de um
vínculo empregatício ocasionado pelo sucateamento das condições salariais,
conforme descrito anteriormente, fazendo com que este tenha uma jornada de
trabalho muito extensa (e dessa forma desgastante). Em muitas vezes
acumulam trabalhos relacionados a duas ou mais políticas sociais.
Mais uma forma de precarização das condições de trabalho encontrada por
Guerra (2010) é a terceirização travestida de assessoria e empreendedorismo,
sem nenhum tipo de proteção social.
Essas diferentes formas de contratação fragmentam a categoria e desagregam
a equipe profissional, num universo em que coexistem contratos sob
modalidades diferenciadas e diferentes salários para profissionais com
atividades similares.
Outra exigência observada na atualidade é a obrigatoriedade do cumprimento
de metas quantitativas, dando prioridade ao esforço individual ante ao empenho
da equipe, levando ao comprometimento da qualidade dos serviços prestados e
à competitividade entre o grupo, assim como um desgaste físico e mental cada
vez maior. (Guerra, 2010).
Essa precarização do trabalho, com demandas não condizentes com os
objetivos profissionais e péssimas condições de atuação levam muitas vezes o
assistente social ao adoecimento.
Dessa forma pode-se observar que as novas formas de produção e reprodução
do capital se expressam em várias dimensões da prática profissional do
assistente social. Essas modalidades passam a exigir do profissional novas
requisições técnicas, éticas e políticas.
As condições objetivas e subjetivas impostas pelo capital à classe trabalhadora
e à vida social são determinações que definem o modo de ser e de viver das
pessoas. No entanto não se pode deixar de reconhecer as contradições que
estão postas no cotidiano, dando possibilidades, a partir de uma reflexão crítica
da realidade por parte da classe trabalhadora, de se construir estratégias para o
47
enfrentamento dessas expressões da questão social que estão postas na cena
contemporânea, como assinala Santos (2010).
É no reconhecimento das contradições presentes na sociedade que se encontra
a possibilidade de materialização do Projeto Ético-Político do Serviço Social.
Diante desse contexto, o projeto social crítico, atualmente hegemônico entre os
assistentes sociais, aparece como uma possibilidade dos profissionais tomarem
consciência dos fundamentos sobre os quais a prática profissional se
desenvolve, de imprimirem qualidade técnica às suas ações com uma direção
crítica clara em defesa dos direitos sociais e humanos e adotarem estratégias de
aliarem-se às lutas dos trabalhadores em oposição à barbárie capitalista.
Para realizar uma prática profissional comprometida com os interesses da classe
trabalhadora, faz-se necessário o aprofundamento técnico-operativo, teórico-
metodológico e ético-político, assim como uma postura investigativa pautada na
busca constante do conhecimento da realidade, procurando ir além da
aparência, transcendendo a mera cotidianidade. É necessário compreender a
sociedade capitalista para além de sua aparente neutralidade, suposta liberdade
e igualdade de condições, como assinala Guerra (2007).
Mota coloca como uma das principais estratégias para a implementação do
Projeto Ético-Político do Serviço Social a ampliação das construções teóricas na
linha do pensamento crítico.
É nesta encruzilhada que se reivindica a necessidade de fortalecimento do pensamento crítico, particularmente no que tange à relação entre questão social, Serviço Social e Projeto ético-político profissional. Daí decorre a necessidade de se fortalecer o núcleo teórico, estratégico e político do Serviço Social, não restringindo sua ação profissional e intelectual aos limites da intervenção possível. Se, em determinadas conjunturas, não é possível avançar no plano prático operativo, certamente o será no plano intelectivo, de modo a se construírem aportes teóricos e propostas estratégicas e táticas que fortaleçam as práticas sociais e profissionais (2012, p.37-38).
Para Guerra (2007), é fundamental, numa concepção crítica, entender as
instituições nas quais os assistentes sociais desenvolvem a sua prática
profissional como um espaço de mediação, percebendo que as singularidades
48
presentes nas demandas só se explicam a partir de referências à totalidade
social, que é a sociedade burguesa. Neste sentido, o assistente social deverá
apanhar as contradições do real, captando as suas possibilidades de
intervenção.
Para Iamamoto, uma das estratégias relacionadas à universalização das
políticas públicas está em promover articulação política com a sociedade civil
organizada tendo em vista o fortalecimento e mobilização dos sujeitos coletivos.
Assim, coloca a importância de “reassumir o trabalho de base, de educação,
mobilização e organização popular, que parece ter sido submerso do debate
profissional ante o refluxo dos movimentos sociais” (2004, p.23).
Behring e Boschetti (2007) compartilham da mesma idéia da necessidade de
articulação e fortalecimento dos movimentos sociais, acrescentando mais dois
caminhos: a necessidade de uma visão histórico-processual da realidade,
conhecendo os limites e as possibilidades de modificação que estão postos; e o
reconhecimento do Estado e da sociedade como espaços contraditórios onde o
assistente social pode intervir no seu cotidiano profissional.
De posse de um projeto que clarifique os objetivos e valores profissionais, que
tenha um referencial teórico-metodológico que permita fazer a crítica do
cotidiano, da ordem burguesa e dos fundamentos conservadores que persistem
na profissão, que orienta para uma direção social em favor da classe
trabalhadora, o assistentes social está apto a ocupar os espaços de trabalho,
visando à implementação e ampliação dos direitos numa perspectiva de
universalização, democratizando o acesso pela via da informação, a fim de
fortalecer os sujeitos coletivos, pesquisando e conhecendo os sujeitos que
demandam as ações profissionais, estabelecendo alianças com eles e
conquistando legitimidades a partir destes, estabelecendo o compromisso com
as denúncias e efetivando um trabalho de organização popular. Desta forma é
possível falar em competência profissional (Guerra, 2007).
É mister pensar nessas estratégias não somente de forma individual, procurando
efetivá-las no cotidiano profissional dos vários espaços sócio-ocupacionais,
assim como no coletivo da categoria.
49
Ao refletir sobre direcionamentos estratégicos que se fazem necessários para se
contrapor às demandas que o novo contexto neoliberal impõe, na direção da
implementação do Projeto Ético-Político do Serviço Social percebe-se que eles
precisam ser concretizados em todas as políticas sociais, inclusive na política de
saúde.
50
2.3 - O serviço social na saúde e a construção dos parâmetros para a
atuação de assistentes sociais na política de saúde.
Tendo por objetivo uma melhor definição das atribuições que o assistente social
que trabalha na saúde deve incorporar na sua prática profissional, a partir de
uma reflexão crítica e, desta forma, planejar a sua intervenção criando
estratégias que se contraponham ao modelo neoliberal vigente, o conjunto
CFESS/ CRESS publicou os Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais
na Política de Saúde (2010).
Esse documento aponta as diversas dimensões profissionais impactadas pela
nova configuração da política de saúde ao Serviço Social (a saber: nas
condições de trabalho, na formação profissional, nas influências teóricas, na
ampliação da demanda, e na relação com os demais profissionais e movimentos
sociais). Fala das modificações pelas quais a profissão passou a partir da década
de 1980, representando a intenção de ruptura com o conservadorismo e sua
aproximação com a teoria marxista.
Ressalta a problemática do retorno de práticas conservadoras no exercício
profissional do assistente social na saúde, a partir do modelo neoliberal, com o
discurso da dicotomia entre teoria e prática, descrença nas políticas públicas e
construção de um saber específico da área, que se afasta da formação do
Serviço Social15, sendo realizadas, desta forma, atividades inadequadas aos
objetivos profissionais como seleção socioeconômica dos usuários, atuação
psicossocial com aconselhamento, ação fiscalizatória aos usuários dos planos
de saúde, assistencialismo, predomínio de práticas individualizantes, entre
outras.
15 O Serviço Social na saúde passa pela compreensão dos determinantes sociais, econômicos e culturais que interferem na saúde, procurando estratégias político institucionais para o enfrentamento dessas questões (CFESS, 2010).
51
Alertando para a possibilidade preocupante do Serviço Social não cair na
armadilha do possibilismo, flexibilizando os princípios defendidos pelo Projeto
Ético Político e pelo Projeto da Reforma Sanitária, o referido documento sinaliza
algumas competências profissionais do assistente social que atua na saúde,
como: articulação com o movimento dos trabalhadores e usuários na luta pela
implementação do SUS, conhecimento da realidade dos usuários e seus
determinantes sociais, possibilidade de acesso dos usuários aos serviços de
saúde, propriedade em desenvolver atuação interdisciplinar, estímulo à
intersetorialidade das políticas de seguridade social, construção de espaços que
garantam a participação da população e dos trabalhadores da saúde nas
decisões, qualificação permanente, assessoria aos movimentos sociais e
conselhos.
Os Parâmetros (2010) indicam ainda a proximidade dos princípios e aportes
teóricos do Projeto Ético Político do Serviço Social com os do Projeto da Reforma
Sanitária e descrevem as ações dos assistentes sociais como sendo de caráter:
socioassistencial, de articulação com a equipe de saúde, socioeducativo, de
mobilização, participação e controle social, de investigação, planejamento e
gestão e de assessoria, qualificação e formação profissional.
Porém, mesmo após a criação do referido documento, tem-se observado a
continuidade de demandas não condizentes com o exercício profissional,
relatadas em reuniões regulares da Comissão de Seguridade do CRESS 4ª
Região16 e observadas no âmbito do cotidiano profissional.
Dessa forma, faz-se necessário avaliar como vêm sendo implementados os
Parâmetros, quais as dificuldades encontradas, e de que maneira eles têm se
constituído como elementos fundamentais para uma prática profissional
condizente com os objetivos profissionais, reconhecendo os limites e
possibilidades de sua efetivação.
16 Composta por assistentes sociais que atuam nos três eixos desta política (saúde, assistência Social e Previdência), que se reúnem sistematicamente para discutir assuntos de relevância no contexto da profissão.
52
Ao referir os impactos gerados pelo contexto da saúde pública atual na prática
profissional do assistente social é necessário entender não somente o processo
de modificação que a profissão perpassou e quais práticas persistem em nosso
cotidiano profissional que ainda possuem vestígios de um modelo conservador,
como também perceber o contexto histórico em que estamos inseridos e que nos
impõe novas demandas.
Desta forma, conforme afirma Iamamoto
é necessário transpor o universo estritamente profissional, isto é, romper com uma visão endógena da profissão, prisioneira em seus muros internos. E buscar entender como essas transformações atingem o conteúdo e direcionamento da própria atividade profissional, as condições e relações de trabalho na qual se realiza; como afetam as atribuições, competências e requisitos da formação do assistente social (2006,p.167).
O primeiro impacto com que o assistente social se depara no novo contexto da
saúde, conforme analisado no capítulo 1 desta dissertação, deve-se ao
sucateamento das relações de trabalho. Com os novos modelos de gestão a
partir da parceria público-privada (PPP) torna-se possível a contratação de
profissionais sem concurso público, privilegiando os acordos políticos locais
através de indicações. Em algumas instituições é realizado um processo de
seleção simplificada, sem haver, contudo nenhuma gerência e fiscalização dos
critérios elegidos. Assim sendo, não se tem a garantia de profissionais críticos
atuantes nessas instituições, tão indispensáveis para a reflexão e proposições
de estratégias de ações contra o modelo neoliberal que se confronta com os
interesses da classe trabalhadora, para quem deve trabalhar o assistente social.
A fim de apresentar eficiência na gestão, as instituições tendem a solicitar a
intervenção profissional com enxugamento de custos e isso recai em poucos
profissionais para atender às demandas, e assim na superexploração do
trabalho e comprometimento na qualidade do serviço prestado. A esse
profissional, segundo aponta Soares (2010) “cabe toda a responsabilidade pelo
bom atendimento e, caso ele não se enquadre no serviço”, as portas estarão
reabertas para a sua substituição. A oferta de trabalho tem aumentado para o
53
assistente social, pois novos serviços (principalmente na média e alta
complexidade) são abertos, mas estes não conseguem atender à classe
trabalhadora que adoece cada vez mais pela falta de condições que a
desigualdade social e a pobreza advinda do sistema lhe impõe, sendo a saúde
o escoadouro desse público que procura o profissional de Serviço Social de
forma emergencial.
Outro impacto de relevância, conforme analisa Soares (2010), é o lugar de
prioridade que a assistência oferecida ao usuário e a emergência têm assumido
frente às demandas postas ao Serviço Social na saúde, fruto de uma política
social que prioriza ações focalizadas apenas para os mais pobres, através de
programas assistenciais. Segundo a autora
Assim, mesmo tendo incorporado ao longo de sua trajetória histórica outras competências que extrapolam a assistência propriamente dita, o assistente social tem sido comumente requisitado a priorizar o espaço da assistência numa política cujo conteúdo assistencial, fragmentado e focalizado tem sido uma de suas tendências mais presentes (2010,p.353).
Essa prioridade de práticas assistenciais e emergenciais tem se constituído um
retrocesso para o Serviço Social, retomando velhas intervenções existentes
desde a época do conservadorismo, impedindo a realização de outras atividades
de aprimoramento profissional necessárias a um atendimento de qualidade.
Ainda de acordo com Soares (2010), foi identificado que os assistentes sociais
que trabalhavam em instituições gerenciadas por organizações sociais (OSs) ou
por fundações eram requisitados a prestar assessoria, divulgar as normas,
rotinas, benefícios e vantagens desse modelo, numa espécie de propaganda do
mesmo.
Mais um impacto às demandas do Serviço Social é a função de gerenciamento,
assessoria ou encaminhamento para as ouvidorias. De forma contraditória ao
objetivo do controle social, tem muitas vezes servido de espaço de conformação,
de individualização das queixas, não dando a oportunidade de coletivizar as
54
reivindicações nos espaços existentes para esse fim, como os conselhos,
conferências e movimentos sociais.
Impacto significante é o da nova estruturação das emergências com modelo de
classificação de risco que traz como principal objetivo o de priorizar o
atendimento do usuário com situação de maior gravidade. Aparentemente tal
modelo apresenta-se lógico e coerente. Contudo, o que se observa na essência
é que nem todos os usuários têm a garantia de atendimento na rede, já que esta
é insuficiente para atender toda a demanda. O assistente social é chamado a
intervir nesses espaços servindo de mediador de conflitos. Para a instituição, é
o profissional que tem a capacidade de dizer que o usuário não terá os seus
direitos constitucionais garantidos, de forma gentil e educada.
Os desafios impostos ao assistente social são inúmeros. Inicialmente se faz
necessária uma qualificação teórico-metodológica, ético-política e técnico-
operativa, conforme aponta Iamamoto (2006), que o torne capaz de perceber a
essência de todas as transformações que vem passando a saúde pública para
pensar em estratégias de enfrentamento contra a ordem burguesa que se
entranha no cotidiano. Posteriormente é necessário perceber as contradições
existentes e explorá-las. Ocupar espaços de luta coletiva através dos conselhos
de saúde e de movimentos sociais, fortalecendo-os. Por fim, acreditar que essa
luta é apenas transitória e que não acaba nessa ordem vigente.
55
CAPÍTULO 3 - AVALIAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DOS PARÂMETROS
PARA A ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA POLÍTICA DE SAÚDE.
Apesar da construção dos Parâmetros para a atuação de assistentes sociais na
política de saúde, em 2009, que traça um direcionamento profissional com base
nos princípios éticos e políticos do Serviço Social, tem sido observado na prática
profissional, que os assistentes sociais são comumente solicitados a
desempenharem atividades não condizentes com os objetivos e princípios
profissionais. Observa-se que algumas dessas ações são desempenhadas pelo
assistente social e outras são negadas, a muito custo, por esse profissional. É
como se o assistente social tivesse de constantemente estar afirmando e
reafirmando seu papel junto às instituições, quer aos gestores, quer aos
profissionais de outras categorias, quer aos próprios usuários. Outra
preocupação com a intervenção profissional são as demandas que são
legítimas, mas não chegam até o assistente social, ficando dessa forma o
usuário sem o atendimento que necessita. Observa-se ainda nesse cotidiano
profissional que algumas atribuições pertinentes ao assistente social não são
realizadas pela inexistência de condições objetivas para a realização destas,
como tempo insuficiente, falta de local adequado, entre outras.
Partindo dessas observações da prática profissional, comum a espaços de
atuação do assistente social na política de saúde, esta categoria vem procurando
refletir coletivamente sobre as causas e os impactos dessas problemáticas,
buscando estratégias de enfrentamento dessas situações. Um dos espaços
onde vem acontecendo debates sobre a prática do assistente social na política
de saúde em Pernambuco é a Comissão de Seguridade Social do CRESS 4ª
região, que acontece uma vez a cada mês na sede do referido órgão, sendo
todos os assistentes sociais inscritos, convidados a participarem das discussões.
No entanto, apesar dessas reuniões serem apropriadas para essas reflexões,
verifica-se a necessidade de uma sistematização dos principais pontos
abordados para a realização de uma análise mais aprofundada dando a
possibilidades de proposições futuras.
56
Portanto, tendo os Parâmetros sido construídos há cerca de dois anos e tomando
como ponto de partida a prática do assistente social na política de saúde no
contexto atual, entendemos a relevância da realização de uma avaliação sobre
a implementação deste referido documento, objetivo deste estudo.
Para fins didáticos faz-se necessário apresentar alguns elementos que
compõem o desenho deste estudo, facilitando a compreensão dos passos
realizados para a obtenção e análise dos resultados.
OBJETIVOS
• Geral: Avaliar a implementação dos Parâmetros para Atuação de
Assistentes Sociais na Política de Saúde em Pernambuco no contexto
atual.
• Específicos:
o Identificar as demandas que chegam ao serviço social dos serviços
de saúde em Pernambuco.
o Analisar a relação das demandas ao Serviço Social com as
referências para a intervenção profissional presentes nos
Parâmetros para atuação de assistentes sociais na política de
saúde.
o Identificar e analisar as dificuldades e estratégia, na relação com
as condições objetivas da instituição e da política de saúde, bem
como do próprio Serviço Social, de implementação dos
Parâmetros.
METODOLOGIA
Foi realizada uma avaliação do processo de implementação dos Parâmetros
para atuação de assistentes sociais na política de saúde em Pernambuco após
os dois anos da publicação do referido documento. Sua realização ocorreu numa
57
abordagem qualitativa, sem preocupação com a generalização dos resultados,
dando a possibilidade de identificar e aprofundar os elementos considerados
relevantes.
A Avaliação de Processo, segundo Aguilar e Ander-egg (1994) fornece
informações sobre o andamento do programa. Seu objetivo básico é avaliar as
mudanças situacionais, saber até que ponto se está cumprindo e realizando o
programa de acordo com a proposta inicial. Permite fazer juízo sobre os
pressupostos em que se apoia a formulação do programa e tomar a decisão de
continuar ou não o mesmo ou redefinir os objetivos e metas.
Sulbrandt (1993) ressalta a possibilidade de, através da avaliação de processo,
conhecer os mecanismos pelos quais o programa está tendo êxito ou
fracassando, identificando as estratégias que possam ser tomadas a respeito.
Carvalho (2000) indica a necessidade de examinar, na avaliação de processo,
outras variáveis do tipo organizacional, social e cultural que afetam
consideravelmente a execução do programa.
A análise da implementação dos Parâmetros para atuação de assistentes sociais
na política de saúde em questão pode fornecer explicações sobre os sucessos
e fracassos existentes, assim como indicar reflexões sobre as novas estratégias
a serem tomadas.
Como forma de obter os dados necessários para a análise, foi realizado um
grupo focal com assistentes sociais que atuam na política de saúde em
Pernambuco que participaram das discussões realizadas pela Comissão de
Seguridade Social e/ou antiga Comissão de Saúde do CRESS 4ª região.
A pesquisa foi aprovada em Comitê de Ética e teve a anuência formal da gestão
do CRESS para a realização da mesma, sendo solicitada a utilização das
instalações físicas do referido Conselho para a realização do grupo focal.
A composição do grupo foi formada seguindo os critérios estabelecidos para a
aplicação da técnica de grupo focal onde, segundo Barbour (2009), os membros
deverão ter algo em comum (assistentes sociais que trabalham na política de
saúde em Pernambuco, no atendimento ao SUS) com experiências ou
perspectivas variadas para fomentar o debate (profissionais de instituições
diferentes). Desta forma, a escolha dos membros se deu de forma intencional. O
motivo da escolha desses sujeitos ocorreu pelo conhecimento dos mesmos em
58
relação ao tema abordado tanto pela experiência profissional, quanto pelas
reflexões coletivas a partir das reuniões da Comissão acima citada. Foram
selecionados assistentes sociais que atuam em instituições de saúde com
diferentes perfis, como tipo de complexidade (alta ou média)17 e de gestão
(pública ou privada)18.
A caracterização das instituições cujos assistentes sociais pesquisados atuam
permitiu uma maior compreensão em relação às respostas dadas. Estes
profissionais foram identificados por nomes de flores, como forma de preservar
o anonimato dos mesmos, ao mesmo tempo em que facilita o entendimento e
análise dos dados.
Identificação dos sujeitos pesquisados (fictícia):
o Magnólia: atua em instituição pública, da esfera administrativa
federal, que atende à alta complexidade, hospital-escola.
o Margarida: atua em instituição pública, da esfera administrativa
estadual, que atende à alta complexidade, hospital-escola.
o Rosa: atua em instituição pública, da esfera administrativa
estadual, que atende à alta complexidade.
o Violeta: atua em instituição da esfera administrativa estadual, que
atende à média complexidade em saúde mental.
o Acácia: atua em unidade gerenciada por Organização Social, da
esfera administrativa estadual, que atende à média complexidade.
o Dália: atua em unidade gerenciada por Organização Social, da
esfera administrativa estadual, que atende à média complexidade.
17 A escolha dos assistentes sociais que atuam na política de saúde na alta e média complexidade deve-se ao número reduzido de assistentes sociais que atuam na atenção básica em Pernambuco.
18 Diante da nova configuração da saúde pública de Pernambuco, descrita no capítulo 2 desse estudo, verificou-se a pertinência de ter assistentes sociais que atuam em instituições com esses dois tipos de gestão fazendo parte do grupo focal.
59
Tendo também como objetivo facilitar a discussão durante o grupo focal, foi
elaborado um guia de tópicos (roteiro), com breves questões (em anexo). Os
assuntos foram agrupados de acordo com os tópicos presentes nos Parâmetros,
a saber: ações socioassistenciais; ações de articulação com a equipe de saúde;
ações socioeducativas; ações de mobilização, participação e controle social;
ações de investigação, planejamento e gestão; ações de assessoria,
qualificação e formação profissional.
Quanto a operacionalização do grupo focal, inicialmente, foi formada a sua
composição, sendo realizado contato prévio para verificar a aceitação dos
membros em participarem da sessão, tendo sido também antecipadamente
escolhidos e contactados o colaborador (que se encarregou de fazer as
anotações necessárias) e o observador (responsável por resolver qualquer
questão de ordem doméstica, livrando o moderador dessa função).
O moderador, responsável por estimular a discussão nas sessões, perceber os
consensos, explicar, interpretar as mensagens, incentivar a conclusão das
sentenças, explorar as divergências de opiniões, buscar esclarecimentos, a fim
de obter o material de análise necessário, segundo Barbour (2009), foi a própria
pesquisadora.
Foi agendada a data para a sessão, com duração de quatro horas e reservada
a sala, nas instalações do CRESS 4ª região, por ser um local de fácil acesso
para os participantes, onde o silêncio, a privacidade e a confidencialidade foram
garantidos.
Para facilitar a captação do que foi discutido, utilizou-se recurso de gravação. O
gravador foi colocado em uma mesa central. A sala foi preparada com
antecedência de 02 horas, sendo retirada da mesma qualquer material que
pudesse influenciar os participantes. Esta proporcionou conforto suficiente
(cadeiras cômodas, ar refrigerado, etc.) facilitando o aproveitamento da sessão.
Os participantes foram identificados por crachás, promovendo uma melhor
interação entre eles.
No início do grupo, foi realizada uma rodada de apresentações dos participantes,
além de explicações sobre o propósito do grupo, instruções de funcionamento e
60
concordância de todos sobre a confidencialidade. Nesse momento foram
preenchidos e assinados pelos participantes o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
O roteiro foi composto por questões abertas, tendo sido utilizadas intervenções
para a obtenção de maiores explicações sobre os tópicos abordados e fazendo
com que o participante expandisse seu comentário.
Embora o colaborador tenha realizado o registro necessário, o moderador
também fez algumas anotações que julgou pertinentes, registrando suas
observações imediatas sobre a discussão do grupo logo após o término deste,
incluindo suas impressões sobre os tópicos, participantes mais engajados e
outros aspectos relevantes.
O colaborador realizou a transcrição. Nesta, foi contidas as formas de linguagem
verbal ou não-verbal, como entonações, pausas, linguagem corporal.
Foi realizada uma análise qualitativa dos dados, comparando os comentários
dos participantes, procurando identificar as diferenças e semelhanças existentes
nas opiniões evidenciadas e buscando formular explicações para estes pontos
comuns e divergentes.
A análise das informações colhidas foi dividida em três tópicos básicos: a política
de saúde atual, serviço social e saúde e a atuação do assistente social na política
de saúde.19
Já na análise dos dados obtidos, foi verificada a inexistência de registro da
referida Comissão sobre as reuniões existentes (como livro de pautas e atas)
dificultou a escalação dos assistentes sociais que iriam participar da pesquisa,
sendo necessário a ajuda de participantes para se obter essa informação.
Durante a formação do grupo, verificou-se a ausência de grande parte dos
assistentes sociais que atuam na política de saúde nas reuniões da Comissão,
identificando-se a dificuldade destes em participar de atividades que extrapolem
19 A referida divisão foi realizada por questões didáticas, com o propósito de facilitar o entendimento sobre o assunto, embora os subitens elencados estejam permanentemente atrelados.
61
os limites institucionais, o que representa uma perda em termos da construção
coletiva e atualização profissional20.
Outro aspecto relevante foi a dificuldade de encontrar assistentes sociais com
disponibilidade para participar da pesquisa, seja pela falta de tempo pelos vários
vínculos empregatícios necessários à sobrevivência pela condição dos baixos
salários oferecidos, seja pela fragilidade desses vínculos, havendo uma
dificuldade de autorização por parte das instituições empregadoras.
Estando o grupo formado por seis assistentes sociais, identificou-se ainda a
existência de outro elemento que revelava a heterogeneidade do grupo
elencado: as diferenças de tempo de formação profissional entre eles, com a
presença de assistentes sociais advindas da graduação com diferentes
currículos com embasamento mais crítico ou não21, conforme apontado na
seguinte fala:
“a gente vem de uma formação que estudou caso, grupo e comunidade, então vem numa história de formação e de prática profissional como o desejo de estar bem guiada e orientada pelo projeto ético-político profissional, buscando uma direção social-crítica da nossa prática” (Magnólia).
Apesar desta diferença foi observado uma preocupação com a atualização profissional.
20 Foram contatados 09 assistentes sociais que atuam na política de saúde, mas nunca participaram das reuniões da Comissão de Seguridade Social do CRESS 4ª região.
21 Apesar da heterogeneidade da graduação, identificou-se formas de atualização profissional por parte das assistentes sociais advindas de outras grades curriculares, revelando o compromisso com a formação permanente.
62
3.1 - A política de saúde atual.
Nos dados obtidos através do grupo focal realizado encontramos a relevância
que o grupo pesquisado mostra relacionada à concepção que os Parâmetros
trazem da saúde pública vinculada aos propósitos das antigas bandeiras de luta
do movimento de reforma sanitária, iniciado nos fins da década de 1970 e início
da década de 1980, para a construção de um sistema único de saúde gratuito,
integral, equânime, de qualidade, com a participação da população nas suas
decisões e não de uma saúde pública com traços privatistas que acomete o país
nos dias de hoje, mais notadamente Pernambuco. Nessa concepção, os
Parâmetros definem com clareza a sua defesa intransigente dos interesses da
classe trabalhadora, apesar de todas as investidas que o capital tem realizado
em relação à política de saúde, conforme os relatos descritos a seguir: “o que
tem de significativo, apesar de que a gente tem também outro referencial, que é
a Lei que regulamenta a profissão, é que os Parâmetros trazem a concepção de
saúde do SUS e da reforma sanitária” (Rosa).
.
A gente ainda vê que é um processo que vai continuar, que são as saídas de hoje, dentro dos marcos da Reforma Sanitária, dentro dos marcos da saúde como direito, apesar de todas as ofensivas que querem destruir isso, a gente conseguiu construir um referencial (Magnólia).
.
A maior preocupação que a saúde pública traz hoje às assistentes sociais
pesquisadas é a sua privatização através das Parcerias Público-Privadas –
PPPs, que vem se espraiando em Pernambuco, colocando nas mãos dos
setores privados a gestão dos serviços públicos, acarretando assim, o
sucateamento das condições de trabalho ( com vínculos frágeis, ingresso sem
concurso público, decisões verticalizadas), a continuidade de distorções nos
gastos públicos, a pouca participação da população nas decisões políticas, entre
outras perdas apontadas no capítulo 1, recuperando a lógica do máximo para o
capital e mínimo para o social (NETTO, 1996).
63
O grupo pesquisado menciona como um dos entraves vivenciados na saúde
pública atual, a existência do terceiro setor nos serviços públicos, demandando
ações inapropriadas ao assistente social. O terceiro setor se coloca como mais
uma forma de privatização dos serviços, onde o estado ao invés de oferecer a
assistência que o usuário necessita, repassa essa incumbência às instituições
prestadoras de serviços cujo objetivo único é, na maioria das vezes, a obtenção
de lucro mesmo que, do ponto de vista legal, muitas das entidades não tenham
fins lucrativos.
Apesar das investidas neoliberais vivenciadas na política de saúde atual, é
possível afirmar alguns aspectos positivos existentes durante as últimas
décadas, a exemplo da ampliação e melhoria da qualidade da atenção básica,
trazendo novas possibilidades de articulação com a rede de serviços que
anteriormente não existia, como os Programas de Saúde da Família - PSF, os
Núcleos de Atenção à Saúde da Família – NASF e os Centros de Referência da
Assistência Social - CRAS. Vale ressaltar que embora se verifique tais avanços
na atenção básica, ainda há muitos entraves na efetivação dessa rede que
precisam ser superados, a exemplo do sucateamento desses equipamentos
sociais, com instalações físicas precárias, número de equipamentos insuficiente,
número de profissionais insuficiente.
A esse respeito Albuquerque (2011) refere que em relação à Atenção Básica em
Saúde – ABS, no Brasil, em 2002, havia 16 mil equipes implantadas em mais de
quatro mil municípios, apresentando uma cobertura de mais de 50 milhões de
pessoas. Até fevereiro de 2011, haviam sido implantadas 31.883 equipes de
saúde da família, em 5.290 municípios (do total de 5.564 municípios brasileiros),
com cobertura populacional de aproximadamente 62,8% (BRASIL, 2011b). Em
Recife, a autora assinala que no período de 1994 a 2000, o município do Recife
contava com 27 equipes de saúde da família, distribuídas em 16 unidades. De
2001 até 2004, houve um aumento de 611% passando de 27 equipes para 192,
elevando a cobertura populacional de 6,5% para 45%, sendo atendidas pela ESF
aproximadamente 660 mil pessoas (Recife, 2005). No final de 2008 havia 240
equipes implantadas, com 113 equipes de saúde bucal, perfazendo uma
cobertura de, aproximadamente, 54% da população, ou seja, em torno de 840
mil pessoas eram assistidas pela ESF.
64
Segundo a autora, Recife, em 2011 apresentava um total de 2.982 trabalhadores
de saúde que compõem as equipes de saúde da família e o PACS, o que refletia
uma quantidade significativa de profissionais atuando na ESF; embora, ainda
respondesse por uma cobertura inferior a 60% da população residente,
demonstrando-se não haver universalidade do acesso e sim seletividade
(focalização), em detrimento da proposta de universalização previsto pelo SUS.
Foi observado ainda excesso de trabalho, sendo desenvolvido de forma
individualizada, não havendo canais de participação e de comunicação entre
eles, com alguns profissionais se mostrando apáticos/acomodados,
desmotivados e muitas vezes submissos e dependentes de outros profissionais.
Os salários se apresentavam diferenciados, com todos os vencimentos
diferentes, inclusive no mesmo nível de instrução (Idem).
Outra preocupação frequente relacionada à atenção básica é a pouca atuação
na prevenção, mantendo-se o foco nas ações curativas.
Ao vivenciar uma melhoria na atenção básica relacionada à cobertura oferecida
à população, mas com lacunas na sua qualidade, verifica-se um movimento de
aumento de demanda para a média e alta complexidade sem condições de
abarcá-la. Ao não conseguir atender a demanda que chega à instituição, o
assistente social é chamado para resolver esse impasse, conforme aponta uma
assistente social pesquisada:
Tem muito ainda que ser feito na atenção básica, mas a atenção básica com todas as suas dificuldades, ela avançou hoje mais do que o que a gente vem vendo na média e na alta complexidade. E essa atenção básica tem gerado uma demanda para a sequência da assistência, que vai cair na gente. E essa demanda, e essa oferta reduzida de serviços é que gera um tensionamento, e esse tensionamento, dependendo do local que a gente esteja dentro do hospital, o assistente social é reconhecido como aquele que vai administrar essa questão (Magnólia).
O Ministério da Saúde tem implantado o Sistema de Classificação de Risco nos
serviços públicos, inclusive em Pernambuco. A essência do sistema segue uma
lógica coerente, priorizando o atendimento ao usuário com maior gravidade e
encaminhando para os níveis de menor complexidade as demandas que não
65
necessitam de um serviço de maior complexidade, realizando-se a referência e
a contra-referência. No entanto, o que presencia-se atualmente são serviços
com demandas excessivas, sem condições de atender aos usuários que chegam
e sem ter para onde referenciá-lo. Em algumas situações, o que se observa é a
existência de marcação administrativa, sem classificação de risco, reforçando
uma política do favor. As instituições que atendem aos outros níveis de
complexidade também encontram-se superlotadas e sucateadas, ficando o
usuário sem o atendimento que legalmente lhe é de direito.
A demanda excessiva é outro dado apontado pelo grupo pesquisado. A grande
quantidade de atendimentos deveria ser equiparada ao número de profissionais
contratados, mas essa não vem sendo a lógica do novo modelo de saúde
pública. Tal dado tem a ver com a precarização das condições de trabalho e
afeta diretamente o usuário que tem a qualidade do seu atendimento
comprometida ou, em algumas situações, o atendimento negado. É repassada
toda a responsabilidade da qualidade do atendimento ao profissional de saúde,
sem verificar as condições oferecidas a ele para a efetivação da assistência. “O
problema é a precarização do Serviço, é a sobrecarga de trabalho dos
profissionais, o número de leitos que cada profissional precisa dar conta. O
chamado se vira nos 30”. (Margarida). É o enxugamento da máquina estatal para
diminuir os custos e apresentar eficiência, às custas da qualidade do serviço
oferecido.
No tocante a gestão das instituições, foi apontada a elaboração das decisões,
sem possibilidade de diálogo crítico, diferentemente das práticas gerenciais
adotadas em gestões anteriores. Há, no plano formal de alguns serviços, o
indicativo da construção de um planejamento institucional formulado através de
um colegiado, mas o que se tem verificado é que as ações não são discutidas
democraticamente, conforme as determinações pelo SUS.
Em poucos serviços existem conselho gestor, construídos com muita dificuldade,
num processo de avanços não linear. Apesar de representar uma possibilidade
de construção de um controle social foram apontados vários percalços que
demonstram a dificuldade de aprovação dos indicativos apontados em um
momento onde a política de saúde não prioriza a participação popular, de acordo
66
com o que estabelece a lei n 4.182, de 1990, que trata do controle social na
saúde.
Uma das assistentes sociais que participou do grupo focal relatou a intenção da
formação de um conselho gestor na instituição em que atua, através da
elaboração de um projeto para esse fim, não sendo viabilizado pela falta de
interesse por parte da gestão em proporcionar um espaço para o controle social,
cerceando a participação dos usuários nas decisões da mesma.
A estagiária que eu tinha de Serviço Social ela fez um projeto de intervenção, foram oficinas de sensibilização ao controle Social com funcionários e usuários e familiares para construção do conselho gestor. Foi todo realizado o projeto, foi feito uma ata de solicitação à instância do distrito para construção do Conselho Gestor e a ideia se perdeu porque o distrito não constituiu, não operacionalizou a eleição para que o conselho gestor fosse construído (Violeta).
Outra característica do modelo de saúde atual apontada é o foco quase exclusivo
na assistência, não sendo priorizadas as ações de ensino pesquisa e extensão,
tão importantes no processo de aperfeiçoamento da prática profissional. Essas
atividades são desempenhadas com muita dificuldade, sem o necessário
incentivo para a sua realização. No novo modelo, prevalece o que é aparente, o
que demonstra superficialmente uma eficácia, sem que haja uma análise mais
aprofundada dos impactos que a nova configuração tem causado na população.
67
3.2 - Serviço Social e saúde.
As assistentes sociais que participaram do grupo focal afirmaram ter o
conhecimento de todo o conteúdo presente nos Parâmetros, sendo o referido
documento considerado um instrumento de grande relevância na prática
profissional, como forma de nortear as ações do cotidiano de trabalho na saúde.
Essas profissionais vêm estudando o documento, tendo por objetivo o
aprimoramento da prática através da implementação de novas estratégias frente
aos entraves vivenciados nos dias atuais na política de saúde.
Vale ressaltar que foi unânime a percepção de que os Parâmetros têm ajudado
na prática profissional do assistente social, embora se saiba da existência de
profissionais que se mostram contrários à construção de parâmetros para outras
políticas, com o discurso de que o documento em questão não se constitui uma
“receita de bolo”, algo definitivamente pronto para ser seguido ao pé da letra.
Existe um grande equívoco em afirmações dessa natureza, já que é a construção
teórica que respalda a prática e esta dá subsídios à construção de novas
proposições teóricas. Negar esse processo dialético significa ir de encontro ao
aperfeiçoamento. Negar o movimento é se colocar aprisionado a padrões pré-
estabelecidos. “É mais uma questão de mostrar que essas são as nossas ações
em saúde, que essas são as questões, que a gente se norteia por essas e essas
visões, por esses e esses caminhos” (Acácia).
Na pesquisa realizada foi identificada pelas assistentes sociais a relevância do
processo de construção do referido documento, a partir de uma ação coletiva
coordenada pelo conjunto CFESS/ CRESS que possibilitou o envolvimento de
toda a categoria profissional, realizada através de várias discussões
descentralizadas nacionalmente e do Seminário Nacional de Serviço Social na
Saúde, ocorrido em 2009, em Recife22, totalizando aproximadamente 5.700
assistentes sociais envolvidos no processo de elaboração do documento
(CFESS, 2009). Essa construção coletiva representa a intenção do conjunto em
dar um direcionamento às ações da prática profissional na saúde.
22 Parte das assistentes sociais pesquisadas participou do referido Seminário.
68
Apesar dos encontros descentralizados para a elaboração dos Parâmetros terem
iniciado a partir de 2008, algumas assistentes sociais informaram haver
participado anteriormente de reuniões da Comissão de Saúde23, ainda na
década de 1990, com o objetivo de sistematizar a prática profissional na política
de saúde em Pernambuco. Esse dado revela ser esta uma preocupação mais
antiga que veio tornando-se cada vez mais necessária no decorrer da história24,
fazendo parte, atualmente, de um processo de maturação na perspectiva da
direção social crítica, conforme aponta o Projeto Ético-Político do Serviço Social.
“foi uma construção que nasceu dos atores que estavam naquelas unidades de
saúde. Elas foram fazendo uma massa critica que foi materializada nos
parâmetros” (Rosa).
...na hora que a gente vai conseguir materializar uma luta que vem se arrastando há tanto tempo, em algo concreto que está ajudando... isso é uma vitória muito grande, é um contentamento muito grande, de a gente estar materializando naquele documento, uma luta que não é de hoje. Esses Parâmetros a gente não pode esquecer, que é fruto de uma construção social da profissão (Magnólia).
Vale ressaltar que o documento em tela não se esgota em si, devendo ser
implementado de acordo com o processo histórico que a profissão passa e à luz
de uma leitura crítica da realidade, levando-se em consideração todos os
elementos que interferem na prática profissional. Segundo as assistentes sociais
pesquisadas, os Parâmetros não têm uma proposta normativa. A sua
materialização dependerá da perspectiva teórica do assistente social que se
refletirá no concreto do cotidiano, cabendo ao profissional se apropriar das
dimensões técnico-operativa, teórico-metodológica e ético-política como forma
23 Atual Comissão de Seguridade Social.
24 Cabe aqui relembrar que o Serviço Social vem historicamente precisando reafirmar constantemente os seus objetivos profissionais desde a época da reconceituação, após o seu rompimento com o conservadorismo. No entanto, o contexto neoliberal agudizou essa necessidade pela posição política assumida pelo estado ser cada vez contraditória aos interesses da classe trabalhadora, e assim, aos princípios e diretrizes do Serviço Social, conforme já apontado no capítulo 1.
69
de aperfeiçoamento profissional e afinamento com o Projeto Ético-Político do
Serviço Social, conforme aponta Iamamoto (2006).
Uma das características notória dos Parâmetros é que apesar dele traçar
diretrizes que norteiam a prática do assistente social na política de saúde, ele
serve de referência para direcionar também as intervenções do profissional nos
demais campos de atuação, já que a sua elaboração não se detém somente à
especificidade da saúde, possuindo diretrizes que se coincidem com as do
projeto hegemônico da categoria.
Embora hegemônico, a perspectiva social crítica não é unânime nos espaços
profissionais da saúde, conforme indicaram as assistentes sociais pesquisadas.
No entanto, existe um esforço coletivo de aperfeiçoamento profissional que
instigam aos demais assistentes sociais refletirem sobre a forma como cada um
está desenvolvendo a sua prática, tendo em vista os interesses da classe
trabalhadora.
Tem aquelas colegas que pelo engajamento político, pelo compromisso com o projeto ético-político profissional terminam sendo as que levantam mais a bandeira, tem outras que não, que foram oriundas de outra formação profissional que faziam uma leitura diferente do que a gente tem hoje. Vocês estão vivendo uma geração diferente. Então as colegas mais antigas que fizeram uma formação de Serviço Social diferente, uma construção de Serviço Social diferente, elas ainda têm muito do conservador presente, mas não quer dizer que não estão querendo se atualizar, até mesmo porque o grupo como está muito alimentado de um outro olhar, de um outro conhecimento, então termina levando a outra, mas não é homogêneo não (Magnólia).
O que se sobressai é sim um esforço de seguir na direção social-crítica, um esforço da gente estar buscando a capacitação para estar se atualizando, um esforço para a gente estar tentando compreender os limites da nossa prática para além do individuo (Magnólia).
Outro aspecto discutido foi que, apesar de existirem nos espaços de atuação
profissional, assistentes sociais que vieram de uma formação com currículos
diferentes, existe uma intenção de atualização por parte das assistentes sociais
mais antigas, como forma de buscar desenvolverem uma prática coerente com
70
o Projeto Ético-Político atual. “Eu trabalhei com três códigos de ética, então eu
consigo ver esse sujeito que me foi posto quando eu estava na graduação, e
hoje como ele tá inserido pela nossa categoria” (Rosa).
Uma preocupação que apareceu no grupo focal foi a formação acadêmica
realizada através do ensino a distância, sem a possibilidade de uma debate mais
aprofundado, e faculdades particulares sendo abertas sem nenhum afinamento
da grade curricular com os princípios do Projeto Ético-Político atual, visando
exclusivamente o lucro. Essas formas de ensino vem se espraiado
paulatinamente no Serviço Social.
Segundo Silva (2011), no início dos anos 2000, 46 cursos de nível superior
passaram a ser ofertados na modalidade à distância, totalizando cerca de 29.702
matrículas. Em 2009, a quantidade desses cursos multiplicou-se para 843,
alcançando o contingente de 838.125 matrículas, ofertadas por instituições
predominantemente privadas. Segundo a autora, em 2009 o Serviço Social
ocupa o terceiro lugar em número de matrícula de cursos à distância no país,
ficando atrás apenas dos cursos de pedagogia e administração.
Tudo Isso faz com que esses profissionais necessitem de um esforço individual
maior para traçar as suas ações pautadas nos Parâmetros. A realidade que está
posta desafia constantemente a uma desconstrução da nossa prática. Para
continuarmos resistindo, persistindo nos propósitos que a profissão nos norteia
faz-se necessário uma formação sem interferências ideológicas relacionadas a
interesses que se mostram antagônicos à qualidade do ensino.
Contraditoriamente a esse movimento de atualização por parte das assistentes
sociais mais antigas existem assistentes sociais jovens que assumem uma
postura de acomodação frente à expansão das investidas do capital e aumento
da desigualdade social que só poderá ser superada em outra ordem vigente.
Não podemos deixar de realizar uma leitura crítica da realidade, percebendo os
limites que o sistema nos impõe. Mas, assim como afirma Iamamoto (2004)
precisamos reconhecer as possibilidades de atuação que estão postas nos
nossos espaços profissionais, reconhecendo a contradição existente a cada
momento, seja no atendimento individual, seja na construção de alianças, seja
no movimento da categoria, seja na luta mais ampla em prol da classe
71
trabalhadora. “Nem o otimismo da vontade, nem o pessimismo da razão”
(Gramsci apud Iamamoto, 2008).
Outra dificuldade que as assistentes sociais pesquisadas apontaram frente à
implementação dos Parâmetros relaciona-se com a precariedade das condições
de trabalho e a fragilidade do trabalhador não concursado, que vê seu emprego
ameaçado caso se oponha a lógica vigente, perfil este que vem se ampliando
rapidamente nesse novo modelo de gestão da saúde pública, conforme indicado
no item 3.1. “a determinação da nossa profissão não vem só pelo trabalhador. A
gente também tem que dar resposta para o capital. Esse é o grande desafio da
gente, e a nossa grande dificuldade” (Magnólia).
Os Parâmetros vêm sendo utilizado como instrumento de barganha,
potencializando a argumentação frente às instituições para a construção de
novas estratégias de intervenção.
O gestor e outros profissionais de outras profissões querem impor a gente, assistente social, passam uma atribuição que não é nossa competência... Então os Parâmetros são muito importantes mesmo nesse debate: “não, mas aqui eu tenho como provar que eu não posso fazer isso, que não é atribuição da gente” (Dália).
As assistentes sociais pesquisadas informaram não terem participado de
nenhuma reunião ou evento para a discussão dos Parâmetros após a sua
elaboração, muito embora tenham relatado estarem constantemente se referindo
ao documento no cotidiano profissional, já que o mesmo contempla as ações e
o direcionamento da profissão de Serviço Social. “ele dá um norte, ele serve de
prumo, caminho, ele abre estradas menos sofridas do que foi antes, quando a
gente não tinha os Parâmetros” (Rosa). A ausência em discussões envolvendo
a temática deve-se à falta de tempo para a participação em reuniões e eventos,
pela ênfase maior nas práticas assistenciais e emergenciais solicitadas pelas
instituições empregadoras.
Em relação à prática realizada nos serviços de saúde pelo assistente social,
verifica-se uma possibilidade de desenvolver um trabalho mais aprofundado,
72
ampliando a qualidade do serviço oferecido, nos ambulatórios e enfermarias.
Nestes locais há um trabalho de equipe, coletivo, mais horizontal. Os assistentes
sociais conseguem participar de todos os momentos da assistência ao usuário:
do planejamento, da intervenção e da avaliação das ações, desde a admissão,
até a alta hospitalar do usuário, praticando-se uma abordagem integral, com
enfoque coletivo, de equipe, em conformidade com os princípios do SUS.
Porém, o que se tem observado é a expansão da contratação do assistente
social plantonista, como forma de enxugamento do quadro de profissionais,
precarizando a assistência ao usuário através de intervenções mais pontuais e
menos aprofundadas, já que o assistente social plantonista não poderá realizar
o acompanhamento diário do usuário assistido. A lógica da produtividade é a que
prevalece, existindo em alguns serviços o monitoramento do tempo de
atendimento do profissional para cada usuário, negando a necessidade muitas
vezes de um nível de aprofundamento da intervenção que vai desde o
conhecimento da realidade social que permeia o usuário, elaboração de laudos
e pareceres, discussão com a equipe técnica para o planejamento coletivo das
ações, articulação com outros equipamentos sociais, entre outras ações.
Outro aspecto negativo relacionado à modalidade de trabalho por plantão é a
fragmentação da equipe. Os assistentes sociais não se reúnem nos seus
espaços profissionais pela incompatibilidade de horários de trabalho. Muitos
assistentes sociais plantonistas têm mais de um vínculo empregatício para suprir
as necessidades materiais devido aos baixos salários25, inviabilizando reuniões
sistemáticas com a equipe em outros horários. Apenas uma das assistentes
sociais afirmou haver reunião semanal com a equipe de assistentes sociais. A
maioria relatou que as reuniões acontecem mensalmente ou de forma
extraordinária. O que tem ocorrido é o desenvolvimento de atividades não
planejadas coletivamente e a inexistência de um único direcionamento da equipe
frente aos embates provocados pela gestão das instituições para a incorporação
de atividades não condizentes com os objetivos profissionais do assistente
social, fragilizando ainda mais as relações de trabalho. A reunião se mostra como
uma das estratégias de maior relevância para o fortalecimento da equipe e a
25 Conforme apontado no item 3.1.
73
implementação de ações que possuam o mesmo direcionamento do Projeto-
Ético-Político do Serviço Social.
Uma estratégia que tem sido adotada em serviços que possuem poucos
assistentes sociais lotados em enfermarias é o trabalho com protocolos para
determinados perfis de usuário como violência contra crianças e adolescentes,
contra a mulher, contra o idoso, onde todos os assistentes sociais podem atuar
sem que seja necessário estar acompanhando permanentemente o usuário,
seguindo as diretrizes indicadas nos protocolos. Esse tipo de ação é realizada
como paliativo pela falta de um profissional permanente para realizar um trabalho
mais aprofundado, interferindo na qualidade da assistência oferecida tanto para
aqueles usuários que procuram espontaneamente ou é encaminhado por outro
profissional da equipe para as intervenções a serem realizadas pelo assistente
social, como para os usuários cuja a necessidade de intervenção do assistente
social nem chegou a ser percebida por outros, ficando desta forma o usuário sem
o atendimento que necessita.
74
3.3 - Atuação do assistente social na saúde.
De acordo com os Parâmetros, buscou-se no grupo focal identificar as
atribuições e competências gerais do assistente social, assim como as ações
que estão sendo realizadas que competem e que não competem a esse
profissional inserido na política de saúde.
Dentre as ações que são demandadas ao assistente social e que são
reconhecidas pelos Parâmetros (2010) como específicas do Serviço Social
encontram-se:
A garantia do acesso aos Serviços Institucionais, orientando o usuário sobre as
formas e possibilidades de atendimento.
• Orientações sobre os programas e benefícios da seguridade social, de
acordo com a possibilidade de inserção, informando o usuário sobre as
condicionalidades e locais de acesso do mesmo.
• Articulação com os serviços existentes no território, encaminhamento
para a rede de referência socioassistencial e de saúde como Secretarias
de Saúde para acesso aos serviços existentes como o TFD, PSF, NASF,
CRAS, Conselho Tutelar, outro serviço de saúde cujo usuário será
transferido, a fim de dar prosseguimento às intervenções já realizadas
pelo Serviço Social.
• Orientações e encaminhamentos relacionados à situação de violência
contra a criança, adolescente, mulher e idoso para os serviços da rede
socioassistencial e de apoio a essas realidades, de acordo com cada
situação apresentada. “A gente termina sendo um agente que vai garantir
o acesso a esses serviços” (Rosa).
• Encaminhamentos às instâncias judiciais nos casos da violação dos
direitos do usuário, como delegacias e coordenadorias especializadas,
ministério público, entre outros.
Todas essas orientações e encaminhamentos são realizados de acordo com a
realidade do usuário, identificando suas necessidades e os determinantes destas
a fim de estabelecer uma intervenção adequada.
75
O assistente social é muitas vezes solicitado a realizar tarefas de caráter
estritamente administrativo que são demandadas ao Serviço social, já que não
há funcionário destacado para responder especificamente a elas, conforme
descritas a seguir:
• Entrega de crachás para a identificação de pessoas que transitam no
hospital e não fazem parte do corpo funcional, tais como visitantes dos
usuários, representantes de laboratórios, profissionais de outros serviços
que integram a rede de atendimento ao usuário (de saúde,
socioassistencial, jurídica ou educacional), entre outros.
• Localização de usuário para verificar se ele foi admitido na instituição, em
que enfermaria se encontra ou se já recebeu alta hospitalar. Essa
informação é frequentemente solicitada pela família que não sabe o
destino do seu parente. Como não há um sistema de cadastro adequado,
cabe ao funcionário realizar contatos telefônicos com todos os setores
existentes. A gestão do hospital entende que na falta de um profissional
contratado para essa finalidade, o assistente social deveria executar a
referida atividade.
• Organização do livro de remoção e transferência de usuários para outros
serviços de saúde, através de uma relação diária composta dos locais
onde os usuários deverão ser levados pelo motorista da instituição para a
realização de exames e tratamentos complementares ou para serem
transferidos para outros serviços.
• Solicitação de ambulância às esferas públicas para remoção e
transferência quando esse serviço não é realizado com o transporte do
próprio hospital ou em situação de alta hospitalar do usuário, retornando
o mesmo ao seu destino de origem.
• Realização de contatos com funcionários da instituição de destino do
usuário, para os casos em que o mesmo necessite realizar o
procedimento de saúde em outro estado, por motivo da inexistência do
tratamento indicado na sua localidade. Para esses casos o usuário será
transferido através do Programa de Tratamento Fora Domicílio – TFD
interestadual. É solicitado ao assistente social assegurar a hospedagem
do usuário e do seu acompanhante (quando assegurado legalmente o
76
direito a este) na localidade onde a intervenção de saúde será realizada,
sendo necessário o contato prévio com o assistente social do serviço que
receberá o usuário ou com hospedarias e pensões em caso dele não ser
internado imediatamente a sua locomoção. A secretaria estadual de
saúde, ao autorizar a realização do procedimento em outro estado,
deveria se responsabilizar pela garantia da permanência do usuário (e
seu acompanhante) na localidade indicada, sabendo que, a falta de
alojamento para estes, impossibilitará a realização do tratamento.
• Fornecer declarações de comparecimento dos usuários na Instituição
para fins trabalhistas ou qualquer outra situação em que o mesmo tenha
que comprovar a sua permanência no serviço. Tal documento deveria ser
fornecido por qualquer profissional que realizasse algum tipo de
atendimento, seja o médico, o assistente social, o psicólogo, ou qualquer
outro funcionário.
• Orientações sobre o preenchimento do termo de responsabilidade pela
desistência do tratamento clínico pelo usuário. Quando o adulto, em plena
consciência, deseja interromper o seu tratamento por não se sentir
satisfeito com a assistência oferecida ou por qualquer outro motivo, ele
necessita assinar um documento afirmando que apesar de haver sido
informado dos riscos que sofrerá pelo desligamento do seu tratamento ele
decidiu interrompê-lo. Como as orientações sobre os riscos clínicos só
podem ser fornecidas pelo médico, este profissional seria o mais indicado
a realizar tal atividade. No entanto, o médico ao justificar excesso de
trabalho em relação ao tempo disponível, pelo reduzido número de
profissionais dessa categoria contratatos, não prioriza a referida atividade,
sendo a função repassada ao assistente social, sem que haja uma
explicação consistentes para tal.
• Diante da situação de falecimento do usuário existe em algumas
instituições um Programa de estímulo à doação de órgãos e tecidos, com
uma equipe técnica formada para realizar todo o processo de intervenção
necessário, desde o contato com os familiares da pessoa falecida,
fornecendo as informações necessárias e sensibilizando-os à doação, até
os contatos com as instituições competentes que farão a retirada dos
órgãos e conduzirão os mesmos para serem posteriormente
77
transplantados. Porém, em algumas instituições onde não existe essa
equipe especializada a equipe de saúde do próprio serviço fornece
informações sobre a doação de córneas e, no caso a família autorizar a
doação, é realizado o preenchimento de Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido – TCLE para a realização do referido procedimento. Essas
instituições de saúde têm demandado ao assistente social a
responsabilidade desse processo, por não haver outro profissional para
realizar a atividade no serviço.
• Procura de macas retidas em outros serviços é solicitada ao assistente
social. Quando o usuário necessita ser transferido para outra instituição,
essa ação é comumente realizada através de ambulância própria do
serviço de origem. O que tem ocorrido frequentemente é uma
superlotação das instituições que não comportam a quantidade de
usuários, não possuindo acomodações suficientes para receber o usuário
transferido. Para que os mesmos não sejam deixados em cadeiras, ou até
mesmo no chão, muitas vezes esses serviços retêm a maca da
ambulância pela qual ele ingressou, deixando o usuário nessas
acomodações. Assim o transporte retorna ao seu serviço sem a maca,
sendo solicitado ao assistente social procurar o referido equipamento.
• Providencia de cadeiras para os acompanhantes. O direito ao
acompanhante para os usuários crianças, adolescentes, idosos e
pessoas com deficiência nos serviços de saúde é garantido por lei, de
acordo com as legislações específicas de cada um desses segmentos,
cabendo às instituições proporcionar as condições adequadas
necessárias à permanência dos mesmos durante todo o processo de
internação do usuário. O Ministério da Saúde inclusive garante o repasse
aos serviços do recurso gasto com o acompanhante. No entanto, o que
tem sido observado é a falta de condições adequadas a essa
permanência em relação à alimentação, espaços físicos que comportem
o acompanhante, locais para repouso como cadeiras ou camas. Quando
existem cadeiras ou camas são em quantidade reduzida ou estão
danificadas. Habitualmente é solicitado ao assistente social providenciar
essas instalações, procurando nas outras enfermarias, negociando o
empréstimo desta a outros setores.
78
• Preenchimento da APAC, (guia de acompanhamento da internação do
usuário) que deve ser encaminhada à secretaria de saúde do estado. A
princípio este documento deveria ser preenchido pelo médico pelo tipo de
informações clínicas solicitadas (incluindo o Código de Informação da
Doença – CID). No entanto esse problema, apesar de já haver sido
problematizado pela assistente social26não é resolvido pela gestão. Um
aspecto aqui presente que merece relevância é a relação de poder que o
médico exerce em relação aos demais membros da equipe, relação essa
reforçada pela gestão que, ao repassar uma atribuição específica de um
profissional a outro, não reconhece horizontalmente a importância de
todas as categorias profissionais presentes numa equipe de saúde.
Todas essas atividades não são reconhecidas pelos Parâmetros como
atribuições do assistente social. Observa-se desta forma que as instituições têm
demandado a esse profissional uma intervenção com um direcionamento
divergente dos princípios e diretrizes apontados pelo Projeto Ético-Político do
Serviço Social. Vale ressaltar que a maioria dessas demandas inadequadas ao
assistente social tem sido problematizada pelas equipes de Serviço Social, que
têm realizado várias estratégias de negá-las, se utilizando, inclusive, dos
Parâmetros como instrumento de barganha.
O discurso das instituições é sempre o de que, como há poucos profissionais
para uma grande quantidade de demanda nos serviços, cada profissional fará
que realizar um pouco (ou muito) a mais do que as suas atribuições específicas
(para o qual o mesmo foi contratado). É uma forma de tentar sanar um problema
relacionado às mudanças ocorridas no trabalho a partir desse novo modelo de
saúde, com características privatistas onde, em nome da eficiência toma-se uma
série de medidas de redução de custos, a exemplo do enxugamento de gastos
com pessoal (redução de concursos públicos, contratação de profissionais
abaixo da necessidade).
O que se constata ainda é a falta de organização dos serviços em relação a
algumas atividades sem a delimitação de um setor responsável pelas mesmas,
26 Situação ocorrida com a assistente social que trabalha na saúde mental.
79
recaindo erroneamente como atribuições para o assistente social. A justificativa
que a gestão dos serviços aponta para essa distorção é de que essas atividades
são realizadas em prol do direito do usuário e o assistente social é o profissional
que irá garantir o acesso a esse direito. Assim, todas as lacunas existentes na
instituição, seja relacionadas à falta de organização da gestão, seja por falta de
profissionais para a realização das atividades, seja pela escassez de recursos
materiais, seja pela superlotação das instituições frente à má administração
pública da saúde, tudo passa a ser considerado pela gestão das instituições um
“problema social” e como tal deverá ser resolvido pelo assistente social.
Para a instituição esta estratégia de repasse de todas essas atividades ao
assistente social se mostra extremamente eficaz: ao mesmo tempo em que
enxuga a máquina administrativa, sem a contratação de profissionais específicos
para a realização de tais atividades, resolve as lacunas de ordem administrativa,
mesmo que parcialmente e de forma precarizada.
Em algumas situações o assistente social é convocado a responder demandas
que não se configuram como sendo da competência desse profissional, mas que
historicamente, foram realizadas por ele, sem problematizá-las, a exemplo da
marcação de consultas médicas para os usuários. Ao realizar práticas não
condizentes com os objetivos da profissão, esses profissionais acabam por
dificultar o processo de negação dessas atividades por outros assistentes
sociais, e consequentemente a implementação dos Parâmetros, existindo
sempre o discurso por parte da gestão das instituições de que em outro serviço
aquela atividade é realizada por um assistente social.
Algumas demandas que os usuários trazem ao assistente social advêm da
negação do acesso aos direitos, como a falta de acesso a consultas e
medicações causadas pela inadequação entre a procura e a oferta de serviços,
gerando uma demanda reprimida. Essa situação é comumente vivenciada nas
instituições de alta e média complexidade, pelas condições insuficientes dos
serviços (como o número de leitos e de profissionais reduzidos) e a ineficácia da
referência e contra-referência dos serviços da atenção básica que, ainda
vivenciam uma inadequação da assistência oferecida frente às necessidades da
80
população (número de serviços e funcionários insuficientes, falta de
equipamentos para o atendimento, entre outros).
Nessas situações, o assistente social é convocado pela instituição para ser o
mediador dos conflitos. Ele é solicitado a, da forma mais atenciosa possível,
informar ao usuário que ele não vai ser atendido, devendo, desta forma, procurar
outro serviço. Cabe salientar que as outras instituições também apresentam
deficiências, não sendo assim assegurado o atendimento através da rede
pública de serviços de saúde de Pernambuco.
Essa dificuldade de acesso aos serviços públicos recai em outra particularidade
existente na saúde do estado: os usuários que, não tendo mais nenhuma opção
garantida de acesso à saúde através do SUS, se vê obrigado a custear as
consultas e/ou serviços (como exames de sangue e de imagem), procurando
para isso a rede particular, tendo de pagar muitas vezes um valor alto pelo bom
atendimento ou, quando o custo deste não cabe no seu orçamento, paga-se
menos por um atendimento nem sempre bem referenciado. Cabe aqui observar
a existência e ampliação dos polos médicos em Pernambuco, com território
definido no bairro da ilha do leite onde observa-se a criação de grandes centros
empresariais de luxo, contraditoriamente em uma região cercada por
comunidades extremamente pobres27, ficando escancarado o retrato da
desigualdade social presente que incide diretamente na saúde da população. Os
usuários que têm dificuldades financeiras ficam sem o atendimento que
necessitam, aumentando a gravidade do processo de adoecimento. Ressalta-se
ainda que muitas destas instituições médicas privadas recebem ou receberam
recursos públicos para a implementação dos seus serviços, conforme aponta
Morais (2002) no quadro abaixo:
Tabela 1: Financiamento do BNDES para estabelecimentos de saúde privados
em Pernambuco (anos oitenta e noventa).
27 A Ilha do Leite é um bairro localizado na Região Político-Administrativa RPA 1 do Recife e se caracteriza pela expansão do polo médico e a de proximidade com comunidades pobres da cidade como dos Coelhos, Coque e Cabanga).
81
Hospital Número do projeto
Ano da Obtenção
Casa de Saúde e Maternidade Joaquim Figueiredo 12520 1985 450558 1995
*Centro Médico de Urgência de Boa Viagem **Centro Ortop.de Garanhuns 7028 1982 Clin. Ortopédica de Acidentados 534035 1997 *Clinica de Urgência de Piedade Clinica Santa Cecília 47295 1995 Clínica Santa Lúcia 184890 1990 *Clínica Uniplástica do Recife HEMOPE 115512 1987 HOPE 18824 1986 Hospital Albert Sabin 273481 1986
Hospital de Olhos do Recife
256617 1992 338499 1993 498618 1996 517690 1997 570733 1998/1999
Hospital Geral de Urgência 251219 1992 **Hospital Geral de Vitória 11450 1984
** Hospital Memorial de Arcoverde 428278 1994 479415 1996
Hospital Mulher (UNIMED) 477110 1995 *Hospital Nelson Chaves * Hospital Português
Hospital Progresso (SEMEPE) 9448
298115 1995 *Hospital Santa Catarina (SEMEPE) Hospital Vitória Régia 179330 1990
*IGASE - Golden - Med (Inst. Geral de Assist Social Evangélico)
IMIP 559095 1998 656003 1999
Instituto de Neurocirurgia e Neurologia do Recife
10729 13558 1985
441390 1994 Instututo de Olhos do Recife 2720988 1992 * NEFROCLÍNICA Pediatras Associados 536685 1997 Pronto Clínica Oftalmológica 4284 1983 *Prontolinda PRONTO-RIM 559195 1997
82
Santa Joana 355434 1994 São Lucas - Pronto Socorro Urológico 338497 1993
*Unicordis 1998 1999
UNIRIM 647340 1999 (1) Para os casos assinalados (*) estão disponíveis apenas os valores dos financiamentos,
não constando o número do projeto, tampouco o ano da obtenção. (2) Os duplamente assinalados (**) indica serviços localizados em cidades do interior do
Estado.
Um aspecto notório apresentado no grupo pelas assistentes sociais que atuam
em instituições gerenciadas por Organizações Sociais foi a proibição de
encaminhamentos dos usuários às ouvidorias ou a outras instâncias de controle
social, cerceando as possibilidades de dar visibilidade e resolução aos entraves
que os usuários vivenciam na negação dos direitos previstos pelo SUS, de
acordo com os princípios do Movimento de Reforma Sanitária. Ao invés de se
investir no controle social, o que se vê são ações que interrompem esse
processo e possibilitam um controle do usuário e dos trabalhadores por parte da
gestão. É o controle social às avessas.
Historicamente, a categoria controle social foi entendida apenas como controle do Estado ou do empresariado sob às massas. É nessa acepção que quase sempre o controle social é utilizado na Sociologia clássica, ou seja, no seu sentido coercitivo sobre a população. Entretanto, o sentido de controle social inscrito na Constituição, é o da participação da população na elaboração, implementação e fiscalização das políticas sociais (MENEZES: 2012, p.259).
Essas situações ocorrem por parte de gestores de instituições que atendem à
média complexidade, em particular das Unidades de Pronto-Atendimento –
UPAs, criadas em Pernambuco nesse novo modelo de gestão da saúde, com o
gerenciamento sendo realizado por organizações sociais.
Ainda como forma de controlar com maior eficácia as ações promovidas pelos
profissionais, a gestão de algumas UPAs tem restringido a elaboração de
materiais educativos pelo assistente social, solicitando que estes passem por
uma aprovação da organização social contratada para o gerenciamento das
unidades, com o discurso de que se faz necessário padronizar todo o material a
83
ser divulgado pela instituição. No entanto, o objetivo real é o de facilitar a
fiscalização frente às ações realizadas.
A incorporação das UPAs na atenção à saúde em Pernambuco trouxe alguma
melhoria para a população, uma vez que anteriormente havia menos serviços
descentralizados e os que já existiam apresentavam várias lacunas, conforme
apontado anteriormente. Além da precariedade da atenção à saúde nessas
localidades os serviços da rede socioassistencial que poderiam servir de suporte
a uma melhoria das condições de vida da população atendida também
funcionavam de forma insatisfatória (quando funcionavam).
Esses problemas por sua vez não foram resolvidos e como forma de obter uma
melhor aprovação perante a população foram criadas as UPAs a fim de diminuir
as falhas já existentes. Porém, a lógica dessas Unidades é de atendimentos
emergenciais, de atendimento às demandas mais imediatas, sem o
aprofundamento dos determinantes que levaram o usuário ao adoecimento,
aprofundamento este possível a partir da ampliação dos serviços ambulatoriais
que não vem sendo priorizada nesse novo modelo de gerenciamento da saúde.
Outro aspecto preocupante em relação à criação de UPAs em Pernambuco diz
respeito às interferências políticas por parte dos gestores locais, já que o
processo de gestão incorporado foi o de administração por organizações de
saúde, com a possibilidade de contratação de funcionários indicados inclusive
pela administração da localidade, sem concurso público, com vínculos
fragilizados e, dessa forma, com dificuldades desses profissionais se oporem a
práticas inapropriadas. Assim, observa-se em algumas UPAs o medo dos
assistentes sociais em se manifestarem contrários às demandas inadequadas
encaminhadas ao Serviço Social e serem demitidos, mesmo eles concordando
com as indicações que estão postas nos Parâmetros.
Eu acho que o debate vai para a precarização do trabalho. Como eu estou inserida em uma UPA, então as minhas colegas, algumas delas, o que eu percebo na conversa é que: “isso aí é muito bonito, a escrita é muito bonita, mas nunca vai acontecer e se a gente for brigar, a gente vai ser demitida”. Essa questão do trabalho precarizado, de que se você for argumentar, você
84
pode ser demitida a qualquer momento, então você vai pisando em ovos em tudo o que você for falar, em tudo o que você for fazer. Então, não é porque elas não achem que os Parâmetros estão certinhos, é que a gente queria fazer realmente o que está escrito ali, mas por precisar daquele vínculo acaba se submetendo a algumas questões que já estão impostas (Dália).
Outra demanda que é interpretada comumente pela gestão das instituições
como sendo do Serviço Social é a normatização dos usuários, a fim de ajustá-
lo, enquadrá-lo dentro do serviço, estabelecendo as regras e fiscalizando o seu
cumprimento, como vestuário adequado para transitar nas dependências da
instituição, organização dos acompanhantes que terão acesso às refeições,
fiscalização proibitiva de qualquer aproximação mais íntima por parte dos
usuários e acompanhantes, solicitação de silêncio aos usuários para a
manutenção da ordem e tranquilidade do serviço. Todas essas regras são
solicitadas a serem impostas ao usuário pelo assistente social, sem que haja
qualquer identificação dos determinantes das situações conflituosas. Muitas
vezes o usuário não segue as normas da instituição por falta de condições
econômicas, por incompatibilidade com a sua cultura, e até mesmo pela negação
dos seus direitos enquanto usuário do SUS pela própria instituição. Como
estratégia de se contrapor a essa atribuição que lhes é repassada, alguns
assistentes sociais têm utilizado espaços como reuniões de grupo que deveriam
servir para o repasse das normas e rotinas institucionais, para a discussão de
temas ligados à saúde e aos direitos.
Há instituições que demandam ao assistente social a responsabilidade de
autorizar a visita fora do horário regulamentar, sendo discutido com a gestão a
não atribuição do assistente social para realizar tal atividade, que passa a ser
desenvolvida pelos responsáveis pela portaria da instituição. Embora não se
traduza em uma atribuição do assistente social, verifica-se aí a oportunidade de
se quebrar as regras impostas pela instituição, identificando as dificuldades de
segui-las, favorecendo o acesso dos visitantes.
Frequentemente o assistente social é chamado para assumir um papel de
pessoa solidária ao sofrimento alheio, como representante da instituição, numa
perspectiva de caridade e assistencialismo. Ele é convocado a dar uma palavra
de consolo, a oferecer a ajuda, numa visão distorcida de humanização. É a
85
imagem da instituição que necessita ser preservada ante as suas próprias falhas.
“Hoje em dia o que sempre vem da gestão: espera-se que o assistente social
seja a missão humanizadora da unidade, aquele profissional que vai fazer com
que o usuário não saia indignado da UPA” (Acácia).
O usuário também é encaminhado ao Serviço Social quando está descontrolado
emocionalmente, representando mais uma demanda inadequada ao referido
setor. O assistente social reencaminha este usuário ao setor de psicologia,
informando aos demais membros da equipe as suas competências e atribuições,
mas logo que aparece outra demanda semelhante, é realizado o mesmo tipo de
encaminhamento.
Também foi identificado no grupo focal que pacientes que apresentam certas
características socialmente conflituosas são encaminhados ao Serviço Social
antes mesmo de ser identificada qualquer demanda a ser atendida. São
considerados os “pacientes problemáticos”, a exemplo de dependentes químicos
e moradores de rua, já que eles não seguem a ordem e os bons costumes da
sociedade, pois esta mesma tratou de excluí-los. Muitas vezes são considerados
perigosos, criminalizando-os de forma preconceituosa. Normalmente esse
usuário necessita de uma intervenção social como encaminhamentos à rede
socioassistencial e de saúde, mas essas ações não precedem o atendimento
clínico pelo qual ele procurou a instituição.
A esse respeito Guerra (2010) aponta que a criminalização da pobreza, a
exemplo da identificação do pobre como perigoso, sujeito à repressão e extinção
é um fenômeno que se apresenta no contexto atual, desqualificando e afastando
o mesmo da sua condição de cidadão com direitos garantidos.
Uma demanda que é habitualmente encaminhada ao Serviço Social, segundo
relatos no grupo focal, relaciona-se aos óbitos ocorridos nas instituições. É
solicitado ao assistente social comunicar o falecimento do usuário à família,
tarefa esta que deveria ser realizada por toda a equipe, cabendo ao médico
assistente prestar todas as informações sobre a situação clínica do usuário antes
do seu falecimento e ao assistente social exclusivamente prestar orientações
sobre benefícios assistenciais (tais como serviços gratuitos de sepultamento
através da prefeitura do município) e previdenciários (como pensão por morte).
86
Outra demanda ao Serviço Social relacionada aos óbitos nas instituições é a
liberação de uma guia de autorização de entrega dos corpos à funerária. Desta
forma, após o falecimento do usuário, a família é orientada a contratar um serviço
de funerária (público ou privado) para realizar o sepultamento. Quando a
funerária chega à instituição, ela é orientada a procurar o Serviço Social que,
após verificar a documentação apresentada lhe fornecerá uma autorização para
que ela receba do funcionário responsável o corpo a ser sepultado. Mais uma
vez a instituição, por não possuir um funcionário habilitado às demandas de
origem administrativa, designa essa função ao assistente social.
Uma reflexão pertinente na saúde hoje relaciona-se ao trabalho em equipe
multiprofissional. A maioria das ações realizadas atualmente é desenvolvida de
forma isolada, sem o aprofundamento das discussões a partir de uma interação
dos membros da equipe, através de reuniões ou visitas técnicas nas enfermarias
com todos os membros da equipe e com os usuários e seus acompanhantes.
As reuniões são realizadas na maioria das vezes com profissionais da mesma
profissão, não se discutindo os outros aspectos da vida do usuário para a tomada
de decisões sobre as estratégias de intervenção. As visitas ao leito são também,
na sua maioria, realizadas com uma só categoria profissional (normalmente pela
equipe médica) ou com algumas outras poucas, sendo ainda assim o diálogo
muito restrito. Os usuários são muitas vezes esquecidos nesse momento, não
havendo possibilidade de diálogo com o grupo que está lhe atendendo.
Algumas assistentes sociais que participaram do grupo focal informaram haver
um trabalho de equipe mais fortalecido nas enfermarias com projetos de
intervenção discutidos coletivamente, conforme apontado no item 3.2. Esse
espaço profissional permite um melhor entrosamento do grupo do que nos
serviços de emergência, já que nesse o atendimento se dá de maneira pontual,
não havendo tempo para um maior aprofundamento do atendimento.
Outro aspecto que interfere nas ações de equipe é a forma de contratação dos
profissionais como diaristas ou plantonistas. Observa-se a existência de uma
87
fragmentação maior nas discussões entre as equipes quando estas são
formadas por plantonistas28.
Sobre esse assunto, Guerra assinala:
A descontinuidade no/do exercício profissional, já que muitos trabalham em regime de plantão, incentiva intervenções pontuais, de caráter eventual, visando respostas imediatas, sem continuidade. Essa descontinuidade não permite a apreensão do processo no qual o exercício profissional se realiza, limitando o conhecimento da totalidade dos elementos que constituem a situação(2010,p.721).
A interação que a equipe tem está relacionada também com as alianças políticas
presentes mais em uns setores do que em outros. Nos setores em que as
relações de poder são mais horizontalizadas, há uma maior possibilidade de uma
construção mais coletiva.
Em alguns serviços é respeitada a alta social do usuário, ou seja, mesmo o
usuário estando em condições de alta hospitalar do ponto de vista clínico, só é
dado alta ao mesmo se o assistente social confirmar essa possibilidade do ponto
de vista social. Essa decisão evidencia a importância que algumas equipes dão
ao trabalho desenvolvido pelo assistente social, mas não demonstra a interação
dos seus membros na tomada de decisão de forma coletiva.
Em algumas instituições, mesmo não havendo assistente social lotado em
alguns setores, são reconhecidas por parte do restante da equipe as atribuições
desse profissional. Assim, ele é chamado para a realização das intervenções
sociais sempre que for reconhecida pela equipe essa demanda, como nos casos
de violência contra crianças e adolescentes.
No entanto, essas intervenções ainda assim são fragmentadas, umas vez que
nem todas as demandas pertinentes ao assistente social chegarão até ele pela
falta de conhecimento técnico suficiente por parte do restante da equipe, como
28 O que acontece com frequência nos serviços de emergência.
88
por exemplo, muitas vezes pode existir numa enfermaria uma situação de
possibilidade de acesso de um usuário a algum programa assistencial que um
médico ou enfermeiro desconhece e, desta forma, o assistente social não vai ser
chamado a intervir. Outro aspecto prejudicial nessa forma de atuação é que o
assistente social que não encontra-se vinculado permanentemente numa
enfermaria terá muito menos disponibilidade para o usuário procurá-lo quando
que necessitar da sua intervenção.
Nas UPAs existe uma tendência maior à fragmentação das ações em equipe,
não havendo uma ação conjunta entre as categorias profissionais, ocasionada
tanto pelas relações de poder estabelecidas, a exemplo de que é dado ao
enfermeiro, pelo cargo de gestão que lhe é proferido, a faculdade de opinar em
questões específicas das demais categorias profissionais, inclusive do Serviço
Social, indicando a estes o que eles podem ou não realizar de atividade dentro
da instituição, como também pela estrutura de contratação de plantão ser bem
maior, não existindo a identificação dos profissionais da equipe, além da
fragilidade do grupo de assistentes sociais não ter espaço de decisões coletivas,
conforme já indicado anteriormente. “Isso é teu, isso é meu...então cada um faz
o seu, cada um no seu quadrado (Dália).
Um ponto que aparece na pesquisa, mais especificamente relacionado à saúde
mental é que, apesar de todos os casos serem resolvidos em articulação com a
equipe, pela própria metodologia que a instituição propõe, há uma movimento
constante de negação da especificidade das profissões por parte de algumas
equipe, provocando distorções nos atendimentos. Configura-se uma estratégia
de construção de velhas práticas com nova roupagem como tendência de
adaptação à atual configuração da saúde, a exemplo da escassez de
profissionais, apontada anteriormente. Algumas equipes presentes na saúde
mental consideram o assistente social como um técnico de referência,
apresentando um discurso de promoção da interdisciplinaridade e retirando
deste a sua especificidade profissional. O modelo passado pela gestão é o de
que qualquer técnico de referência, inclusive o assistente social, pode realizar
todo tipo de atendimento de ordem psicológica e social. Existe uma tendência de
“psicologização” da prática, utilizando-se da tônica da subjetividade. “Em saúde
mental, você tem uma tônica forte nessa subjetividade, infelizmente, isso vem
89
sendo um entrave, na minha opinião, aqui em Recife, a uma direção crítica da
profissão” (Violeta).
Assim, o assistente social que atua na saúde mental tem dificuldade que o
usuário chegue até ele para que seja realizada a sua intervenção de acordo com
a necessidade apresentada. “Então é o tempo inteiro a sedução para mudar de
rota, todo dia você tem que dizer que é uma assistente social” (Violeta).
Outro ponto que indica essa distorção das atribuições em algumas equipes de
saúde mental é a atividade de articulação da instituição com as políticas e os
movimentos sociais ser direcionada aos redutores de danos ou à gerência e não
ao assistente social. Essas articulações são realizadas a partir de uma política
do favor, pelo conhecimento pessoal do profissional, com um enfoque
clientelista. Assim, o usuário é inserido nas políticas e programas sociais, não
por uma questão de direito ao acesso a estas, mas porque determinado
profissional o ajudou a inserir-se.
Todas as assistentes sociais pesquisadas relataram o entendimento de que as
ações de caráter educativo perpassavam toda a prática profissional do Serviço
Social, sejam nas ações individuais ou coletivas, voltadas aos usuários ou aos
profissionais e estudantes, de Serviço Social e de outras categorias, embora os
Parâmetros descrevam essas ações uma por uma com o objetivo de facilitar o
seu entendimento.
Reconhecem também os limites de uma prática educativa nas instituições de
saúde, na conjuntura atual, com a realização de ações mais pontuais, sem o
aprofundamento de temáticas trazidas pelo usuário de acordo com o seu
interesse e necessidade, já que esses espaços não favorecem a ampliação
dessa dimensão numa intenção emancipatória.
Algumas assistentes sociais apontaram a possibilidade de uma melhor qualidade
de uma prática educativa nas enfermarias, a partir de ações coletivas, com a
participação de outros membros da equipe interprofissional do que nos outros
espaços onde as intervenções acontecem de forma individualizada. Nesses
grupos são discutidos temas trazidos pelos próprios usuários ou pela equipe, de
relevância para os participantes como estatuto da criança e do adolescente,
90
violência contra a mulher, direitos do idoso, infecção hospitalar, acidentes
domésticos, entre outros.
Outra forma de desenvolvimento de práticas educativas apresentada foi a
utilização de vídeos educativos em sala de espera, possibilitando o repasse de
informações de interesse dos usuários. No entanto, de acordo com a tônica da
padronização das instituições gerenciadas por organizações sociais conforme já
descrito anteriormente, uma das assistentes sociais afirmou a proibição de
vídeos que não fossem indicados pela organização social contratada.
Em alguns serviços são realizadas práticas educativas com temáticas alusivas à
datas comemorativas do calendário estadual e/ou municipal, propiciando uma
reflexão e mobilização dos profissionais e usuários junto aos movimentos
sociais, a exemplo da mobilização no Dia da Mulher.
A dimensão de uma ação educativa através de atividades de grupos é distorcida
em alguns serviços, segundo o grupo pesquisado, mais especificamente na
saúde mental, negando-se a dimensão da reflexão e conscientização dos
usuários sobre a estrutura e conjuntura social, os determinantes da saúde, os
direitos legalmente garantidos aos usuários, a importância do controle social,
entre outros assuntos.
Outro ponto de questionamento é o trabalho de grupo, que em alguns serviços
é entendido como uma atividade lúdica, ou de inserção social, considerando-se
erroneamente que instalações de grupos operativos, oficinas de culinária e de
bijuterias são capazes de inserir o usuário dentro de um sistema que o exclui o
tempo todo, já que ele faz parte da superpopulação relativa.29Os assistentes
sociais são convocados a colaborar ou monitorar tais grupos pela gestão
considerá-los incentivadores da inserção social. Além do equívoco de que esses
cursos irão promover a inserção desses usuários, esses profissionais não
possuem necessariamente nenhuma aptidão técnica para o desempenho da
29 Trata-se de uma população excedente, formada por grupos amplos e heterogêneos – flutuante, latente, estagnada – que ultrapassa as necessidades médias da expansão do capital, tornando-se supérflua dentro da fábrica. É, pois, necessária à acumulação e ao desenvolvimento da riqueza no sistema capitalista (MARANHÃO, 2006).
91
função solicitada. Dessa forma, o assistente social acaba deixando de executar
as atividades que lhe competem, trazendo prejuízos aos usuários por estes
ficarem sem a intervenção especializada para o qual esse profissional está
habilitado.
O grupo pesquisado também referiu a dificuldade realizar uma articulação com
os movimentos sociais existentes, pela priorização das instituições às ações
emergenciais. Ao sair da instituição para promover uma maior aproximação com
outras instâncias de interesse do usuário, a gestão da instituição entende que o
assistente social deixará o usuário desassistido naquele momento. O que
importa à instituição é ter o profissional lá dentro, gerando atendimento,
produzindo. Essa lógica contribui para o isolamento das ações, perdendo a
dimensão da integralidade destas.
A mobilização social é reconhecida pelas assistentes sociais pesquisadas como
a atividade mais difícil de ser realizada, pela desmobilização dos movimentos
sociais na conjuntura atual30, embora seja reconhecida como uma das principais
estratégias para se construir uma saúde nos moldes do que foi proposto pelo
Movimento de Reforma Sanitária.
O caminho da saída é o caminho mais difícil da gente hoje, porque a gente tem visto na história o que é organização Social, é o controle Social que tem garantido avanços na consolidação dos direitos. E eu entendo que a gente tem essa dificuldade de estar atuando porque o cenário também é de negação da mobilização e da organização social. A dificuldade da gente no hospital é reflexo de toda uma conjuntura macro social, da inflexão dos movimentos sociais, da não participação dos grupos sociais organizados (Magnólia).
Há uma referência de incentivo ao usuário na sua inserção junto aos movimentos
sociais e órgãos de controle social, como conselhos gestores e conselhos de
direitos através da realização de grupos, democratizando as informações
necessárias à participação deste nesses espaços.
30 Conforme já assinalado no capítulo 3.
92
Ao ser discutida a atribuição das ouvidorias internas das instituições, esse setor
não foi identificado pelo grupo focal como espaço utilizado legitimamente como
controle social. Sabe-se que as respostas oferecidas pela ouvidoria se traduzem
muitas vezes em uma forma pacífica da instituição responder (ou não) às
inquietações dos usuários, sem problematizar e sem coletivizar as discussões,
não trazendo mudanças significativas para aquelas demandas referidas pelo
usuário.
Em estudo recente realizado no estado do Rio de Janeiro, Bravo e Menezes
(2012) ressaltam que um dos mecanismos para o enfraquecimento do controle
social por parte do governo tem sido o de incentivo da utilização de ouvidorias
para esse fim em substituição do espaço dos conselhos de saúde. Esse
mecanismo tem por finalidade possibilitar uma ilusão da participação (já que
esses espaços não são deliberativos), flexibilizar o controle democrático
existente e individualizar as questões.
Foi relatada ainda no grupo focal a participação de assistentes sociais em
espaços internos à instituição de organização social como Comissão Interna de
Prevenção de Acidentes – CIPA e conselho gestor. Nenhuma das assistentes
sociais participantes do grupo focal mencionou a participação de algum membro
do Serviço Social em movimentos sociais ou órgãos de controle social externo à
instituição, fato esse correspondente à dificuldade já apresentada anteriormente.
O que muitas vezes é apontado, de forma equivocada, como mobilização social
realizada pelas instituições são, na realidade, ações de encaminhamentos às
instituições de controle social ou instâncias jurídicas para a defesa do direito
negado a um usuário ou a um grupo reduzido. Essa atividade, embora
significativa, não se constitui mobilização social, conforme os moldes do
Movimento de Reforma Sanitária. Este indica uma luta coletiva em prol de um
segmento da população ou de toda a classe trabalhadora na garantia dos direitos
adquiridos legalmente e/ou na expansão desses direitos
Então, as saídas que a gente tem feito são essas que estão sendo apontadas, é uma mobilização institucionalizada, é uma mobilização pontual de agregar alguns usuários que estão reivindicando uma demanda pontual, resolveu aquilo ali morreu
93
a mobilização. Eu acho que não é esse sentido da mobilização que a gente está defendendo no Parâmetro não. Também não acho que o caminho da judicialização também é alternativa. A judicialização é a busca de interesses particulares e não é [mobilização social], entendeu? Mas é o que a gente tem feito (Magnólia).
A participação dos assistentes sociais na gestão das instituições tem sido quase
nula ou nenhuma, já que as preocupações da gestão pública hoje nem sempre
consideram os interesses da classe trabalhadora, interesses estes indicados
como prioridade no Projeto Ético-Político do Serviço Social e referenciado nos
Parâmetros e isso tem provocado barreiras no diálogo com a gestão. Assim, o
assistente social não é chamado a contribuir no planejamento da instituição,
cabendo exclusivamente a este o cumprimento do que já foi determinado.
“Planejamento e gestão a gente nem chega junto, as reuniões são: coordenador
de enfermagem, financeiro, médico e coordenação geral. Serviço Social, não”
(assistente social 5 participante do grupo focal).
Em gestões anteriores havia certa abertura por parte de algumas instituições em
o Serviço Social apresentar proposições ou discutir sobre o planejamento dos
serviços, tendo voz também para se manifestar contrário a alguns aspectos sem
que fosse cerceada a sua fala.
Há uma demanda bem marcada, e um reconhecimento dos gestores da importância do SS na elaboração da política institucional, e essa participação do SS (e eu estou lá há 8 anos) a gente viu que ela ganhou uma importância diferenciada em dois momentos bem marcantes, uma quando o gestor era uma pessoa que acumulava o entendimento da importância da política daquele hospital na formação para o SUS e direcionava o planejamento das ações do SUS, marcadamente pelos referenciais da Reforma Sanitária, então nesta ocasião, a direção tinha no SS um importantíssimo aliado, capaz de estar acumulando a discussão crítica do problema da saúde, pontuando, aliado como um parceiro importante na reconstrução de um modelo assistencial, e a gente era muito constante. Então, o SS nessa época tinha uma agenda semanal com a direção. Já mais recentemente, com essa nova política que a gente está vivendo hoje no hospital, com privatização, de desconstrução, de desmembramento da universidade, a lógica mercantilista, a direção já não conhece a gente como um aliado de peso. Pelo contrário, agora, até por conta da greve, a participação mais ativa da gente na greve, e os posicionamentos da gente mais firmes e públicos, eles pensam que a gente vai tumultuar o projeto deles (Magnólia).
94
Todas as assistentes sociais participantes do grupo focal mencionaram a
existência de sistematização da prática profissional do assistente social em seus
espaços de trabalho, mesmo que em algumas instituições essa atividade seja
realizada sem muito aprofundamento, através de relatórios técnicos. Há o
reconhecimento da relevância desta atividade por todas as equipes de Serviço
Social onde os membros do grupo focal atuam, pelo reconhecimento de que esta
traz elementos para a reflexão do fazer profissional e, consequentemente, uma
construção de novas estratégias de intervenção através da elaboração de ações
planejadas.
Apesar disto, em algumas instituições não há um planejamento das ações do
Serviço Social pela inexistência de tempo designado para a sua realização, já
que se observa a prioridade de ações de caráter emergencial por parte da
gestão, sendo solicitado ao assistente social que ele produza em larga escala,
em menos tempo, com o menor custo possível, como a nova configuração da
saúde aponta e sem que haja nenhuma problematização sobre esse assunto
nem o reordenamento adequado dessas ações.
A falta de planejamento dessas ações acarreta em mais precarização das
condições de trabalho, Em algumas instituições observa-se a existência de um
planejamento do serviço social, construído anualmente, que possibilita um
direcionamento das ações consonantes com o Projeto Ético-Político do Serviço
Social e com os Parâmetros, de forma mais organizada, dando mais
possibilidade de realização das ações estrategicamente pensadas.
No que se refere à formação profissional, todos os membros do grupo focal
informaram que não existia nenhum incentivo nem cobrança das gestões à
qualificação, ficando esta a depender do perfil de cada profissional ou da equipe
do Serviço Social. Apesar disto, foi observado que a maioria dos assistentes
sociais das instituições em que as assistentes sociais que participaram do grupo
focal atuam tem interesse na formação, sendo realizado um esforço individual e
coletivo para essa finalidade. A promoção e participação dos assistentes sociais
em congressos, seminários e outros eventos da categoria ou de temas
pertinentes à prática profissional, assim como a realização de cursos de pós-
95
graduação e capacitação revelam essa importância. Em uma das instituições o
Serviço Social criou uma comissão de formação com o objetivo de estímulo à
atualização do assistente social, através da promoção e participação do Setor
em cursos viabilizados pela instituição, após intensa reivindicação do mesmo.
Então tem um pacto entre a gente interno de apoio e solidariedade para as colegas fazerem mestrado, fazer especialização, capacitação e inclusive se protegendo das dificuldades institucionais. Então o hospital não libera o ponto vamos assim dizer e a gente segura a onda, “fulaninha”, vá que a gente segura o seu Serviço (Magnólia).
Nos hospitais-escolas observa-se também um incremento de atividades ligadas
à formação dos discentes através de atividades dirigidas por assistentes sociais
ou profissionais de outras categorias como seminários, rodas de conversa, clube
de revista31, entre outros. A preocupação com a formação dos alunos se faz
presente pelos assistentes sociais, no entanto, embora todos os profissionais,
de diferentes categorias, reconheçam o assistente social como o profissional
mais habilitado para realizar as discussões de forma mais crítica, não há outra
vez estímulo institucional na qualidade dessa atividade, postura esta
contraditória a uma instituição de ensino.
Em relação à assessoria profissional, algumas assistentes sociais informaram
que o Serviço Social das instituições em que trabalham é assessorado por
professores ou por outros assistentes sociais por uma decisão da própria equipe,
acreditando na importância de um direcionamento das atividades por
profissionais especializados, que possam contribuir com o aperfeiçoamento da
prática. Vale salientar que não foi relatada nenhuma proposta nem incentivo por
parte das gestões dos serviços para essa atividade, com exceção do serviço de
saúde mental que oferece a assessoria por parte de um profissional de
Psicologia.
Uma das assistentes sociais informou que a sua equipe costuma dar uma
espécie de assessoria a outras instituições de mesmo perfil, não sendo relatado
31 Grupo formado com a finalidade de discutir artigos científicos sobre determinada área.
96
porém, nenhuma programação para tal finalidade, nem discussões mais
aprofundadas, tratando-se de orientações mais pontuais. Em outras instituições
inexistem qualquer forma de assessoria.
97
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo foi projetado procurando conhecer como vem acontecendo o
processo de implementação dos Parâmetros para a Atuação de Assistentes
Sociais na Política de Saúde, em Pernambuco, após dois anos da sua
elaboração, a partir da observação de alguns obstáculos que se apresentam no
cotidiano profissional, de ordem estrutural, conjuntural e do âmbito da categoria
de assistentes sociais que dificultam a sua implementação.
Ressalta-se aqui a relevância do referido documento que tem se constituído
como um instrumento norteador de uma prática comprometida com os interesses
da classe trabalhadora, conforme as indicações do Projeto Ético-Político do
Serviço Social, trazendo em seu conteúdo, construído coletivamente, elementos
fundamentais a serem seguidos.
Às observações do cotidiano profissional somaram-se às informações obtidas
através da realização de um grupo focal com a participação de assistentes
sociais que atuam em diferentes instituições de saúde de Pernambuco, de níveis
de complexidade distintos (média e alta complexidade), que trouxe elementos
significativos para que pudéssemos traçar algumas reflexões relevantes sobre o
assunto.
Os assistentes sociais que participaram do grupo focal conhecem os
Parâmetros, havendo alguns que contribuíram com o seu processo de
elaboração, e ressaltaram a sua relevância para o direcionamento da prática
profissional, sendo utilizados inclusive como instrumento de negociação perante
as instituições. Constatam, entretanto, uma dificuldade de implementar as
orientações contidas no mesmo em seus espaços sócio-ocupacionais. Essas
dificuldades variam em maior ou menor grau de acordo com o perfil da instituição
em que o assistente social encontra-se inserido.
Um dos aspectos mais presente em todo o estudo são as repercussões que as
novas investidas do capital têm trazido para a cena contemporânea, através da
privatização dos serviços públicos, do sucateamento das relações de trabalho,
98
da mercantilização das políticas sociais, afetando diretamente o assistente
social, na sua condição de trabalhador que implementa as políticas sociais.
Na saúde tem sido observado um contexto semelhante ao de outras políticas
sociais, com particularidades que merecem atenção. Em todo o país e
notadamente em Pernambuco, além dos serviços públicos apresentarem-se
sucateados pela falta de investimento e enxugamento da máquina estatal, tendo
como objetivo a redução de gastos públicos (fato que vem sendo constatado em
todas as políticas públicas), o gerenciamento de instituições públicas de saúde
tem sido repassado ao setor privado.
Verifica-se um distanciamento cada vez maior da política de saúde na atualidade
com os princípios defendidos pelo Movimento de Reforma Sanitária, na década
de 1980 e legitimados através do Sistema Único de Saúde – SUS, como
universalidade, equidade, integralidade e participação social.
Segundo Soares (2010) a existência de três projetos em disputa na saúde - o
projeto privatista, voltado explicitamente ao mercado, o projeto da Reforma
Sanitária, voltado para atender aos interesses da população e o Projeto do SUS
possível, que aparece em cena mais recentemente e que possui fortes traços do
projeto filiado ao mercado -, com predominância desse último, tem rebatido tanto
nos profissionais como nos usuários da saúde. Os trabalhadores, inclusive os
assistente sociais, convivem atualmente com ausência de concursos públicos,
vínculos empregatícios frágeis, gerando instabilidade e falta de proteção social,
demandas excessivas pela redução/ não contratação de profissionais de acordo
com a demanda de usuários para o atendimento, entre outras dificuldades que,
em algumas situações, chegam a provocar o adoecimento dos mesmos.
Os usuários lidam constantemente com enormes filas para marcação de
consultas, alto tempo de espera para o atendimento, falta de medicamentos, falta
de profissional e/ou equipamentos necessários, não atendimento no serviço e
em outras instituições da rede, ocasionando, em algumas circunstâncias a piora
do estado de saúde.
Em relação às demandas encaminhadas ao Serviço Social, observa-se uma
prioridade nas de caráter assistencial e emergencial, seguindo a lógica da nova
99
configuração da saúde. A imediaticidade é a tônica da prática profissional
solicitada pelas instituições, sem que seja possível o aprofundamento do
atendimento com um acompanhamento voltado aos determinantes da demanda
inicial, às reais necessidades dos usuários dos serviços.
Outro aspecto que aparece na atualidade é a primazia da forma de contratação
por sistema de plantões, não possibilitando a continuidade do atendimento de
forma adequada, dificultando o trabalho em equipe e fragilizando o grupo em
relação aos tensionamentos realizados em prol da melhoria da qualidade de
trabalho e de atendimento.
Constatou-se ainda que os assistentes sociais não possuem tempo de trabalho
voltado para a qualificação profissional, necessitando realizar estratégias
individuais e/ou coletivas para tal atividade, mesmo nas instituições que também
executam atividades na área de ensino. A investigação segue esse mesmo
caminho.
Foi identificado que a gestão das instituições não tem dado abertura para a
discussão do seu planejamento com o Serviço Social, como acontecia
anteriormente em algumas instituições que possuíam uma administração com
maior afinidade com o Projeto da Reforma Sanitária. O direcionamento das
ações do Serviço Social é realizado, sem que haja nenhum incentivo por parte
da instituição quanto a sua implementação.
A mobilização social é reconhecida como a ação de maior relevância pelo
assistente social, por se tratar de uma saída para a construção de uma nova
forma de sociabilidade, sendo também a mais difícil de ser realizada, pois requer
tempo, organização dos usuários e profissionais, tão pouco valorizado ou
negado nos últimos tempos.
Verifica-se assim que os assistentes sociais têm encontrado um terreno pouco
fértil para o desenvolvimento da sua prática profissional com o direcionamento
do Projeto Ético-Político hegemônico, apesar do esforço permanente, havendo
porém possibilidades a serem trilhadas nas contradições que o cotidiano coloca.
100
Faz-se necessário buscar estratégias de fortalecimento do Projeto Ético-Político
e nesse cenário, a publicação dos Parâmetros constitui elemento importante
desse fortalecimento.
É estratégico construir mais espaços de discussão coletiva sobre essa prática
profissional e fortalecer os já existentes, como a Comissão de Seguridade do
CRESS.
A mobilização social precisa ser priorizada pelos assistentes sociais dentro dos
seus locais de trabalho e fora deles, como forma de intensificar a luta pela
garantia da implementação dos direitos já conquistados formalmente na saúde,
não perdendo a direção traçada em 1980 pelo Movimento de Reforma Sanitária.
Por fim, deve-se ter uma postura crítica e reflexiva sobre as situações adversas
que estão postas, procurando compreender os determinantes dessas situações,
tendo sempre uma visão histórico-processual da realidade, entendendo esta
dentro de uma totalidade. É fundamental o adensamento das construções
teóricas embasadas na teoria crítica que possam iluminar a prática profissional.
E esse trabalho se traduz em mais uma possibilidade dessa reflexão.
101
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ANEXO
ROTEIRO DA PESQUISA: Avaliação do processo de implementação dos
Parâmetros para atuação de assistentes sociais na política de saúde em
Pernambuco.
1. Vocês conhecem os Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na
Política de Saúde?
2. Já leram os Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política
de Saúde?
3. Já participaram de alguma reunião para a discussão dos Parâmetros para
Atuação de Assistentes Sociais na Política de Saúde?
4. O que mais chama a atenção dos assistentes sociais que trabalham na
sua unidade nos Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de
Saúde?
5. Quais as principais demandas dos usuários ao assistente social que atua
na saúde em Pernambuco no contexto atual?
6. Quais as principais demandas institucionais ao assistente social que atua
na saúde em Pernambuco no contexto atual?
7. Dentre as atribuições e competências elencadas nos Parâmetros para
Atuação de Assistentes Sociais na Política de Saúde, quais as ações que vocês
e seus pares executam e como elas vêm sendo implementadas, levando-se em
conta os seguintes tópicos:
o Ações socioassistenciais
o Ações de articulação com a equipe de saúde
o Ações socioeducativas
o Ações de mobilização, participação e controle social
o Ações de investigação planejamento e gestão
o Ações de assessoria, qualificação e formação profissional
8. Os assistentes sociais executam ações que não são reconhecidas como
atribuições da sua profissão? Por que as realizam?
9. Quais os fatores (internos e externos à instituição) que contribuem para a
implementação dos Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política
de Saúde?
10. Quais os fatores (internos e externos à instituição) que dificultam a
implementação dos Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política
de Saúde?
11. A elaboração dos Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na
Política de Saúde tem contribuído para o desempenho das atribuições dos
participantes nas prática profissional?
12. Já foi conversado com a direção da Instituição em que vocês trabalham
sobre os Parâmetros?
Se não, por quê?
Se sim, qual o impacto desta ação?
13. Os principais pontos nos Parâmetros são hegemônicos entre os
assistentes sociais da Instituição em que vocês atuam?
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