autonomia e consentimento esclarecido

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Health & Medicine

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AUTONOMIA E CONSENTIMENTO ESCLARECIDO

Professor: Gerson de Souza enf.gerson@hotmail.com

Autonomia significa autodeterminação, autogoverno, o poder da pessoa humana de tomar decisões que afetem sua vida, sua integridade físico-psíquica, sua relações sociais. Refere-se à capacidade do ser humano de decidir o que é “bom”, o que é seu “bem-estar”, de acordo com valores, expectativas, necessidades, prioridades e crenças próprias.

LIBERDADE DE ESCOLHA!!

A pessoa autônoma é aquela que tem liberdade de pensamento, livre de coações internas ou externas, para escolher entre as alternativas que lhe são apresentadas (liberdade de decidir e optar). Para que exista uma ação autônoma é necessária a existência de alternativas de ação, pois se existe apenas uma alternativa de ação, um único caminho a ser seguido, uma única forma de algo ser realizado, não há exercício da autonomia.

ALTERNATIVAS

Além da liberdade de optar, a ação autônoma também pressupõe liberdade de ação, requer que a pessoa seja capaz de agir conforme as escolhas feitas e as decisões tomadas.

Da beneficência à autonomia.

A compreensão da autonomia na relação entre profissionais de saúde – pacientes, está condicionada pela concepção do processo saúde-doença. Enquanto a doença era percebida como fruto de magia, de pecado, fruto das circunstâncias extra-humanas, ou seja, as práticas de cura não observavam a autonomia do indivíduo. Ficava-se nas mãos das divindades, mágicos, feiticeiros, simpatias e benzeções, tinham como função o restabelecimento da “ordem natural” desequilibrada pela doença.

A atual compreensão do caráter biopsíquico-social do binômio saúde-doença contribuiu para a ampliação da manifestação autônoma da vontade individual.

A conquista do respeito à autonomia é um fenômeno histórico bastante recente, que vem deslocando, pouco a pouco, os princípios da beneficência e da não maleficência como prevalentes nas ações de assistência à saúde.

Liberdade de escolha.

A partir dos anos 60, movimentos de defesa dos direitos fundamentais da cidadania e, especificamente, dos reivindicativos do direito à saúde e humanização dos serviços de saúde, vêm ampliando a consciência dos indivíduos da sua condição de agentes autônomos.

No Brasil, desde a década de 80, códigos de ética profissional vem tentando estabelecer uma relação entre seus pacientes, na qual o princípio da autonomia tende a ser ampliado.

Fundamentos da autonomiaCertamente não se pode esperar que a autonomia individual seja total, completa. Autonomia não significa individualismo, pois o homem vive em sociedade e a própria ética é um dos mecanismos de regulação das relações sociais entre os homens, visando garantir a coesão social e a harmonia entre os interesses individuais e coletivos.

Na assistência à saúde, o princípio da autonomia requer que o indivíduo, que esteja sadio ou doente, não se entregue inteiramente aos profissionais de saúde, não renuncie a uma parcela sempre maior de sua liberdade em troca de uma parcela menor de sua própria saúde.

O respeito pela autonomia da pessoa conjuga-se com o princípio da dignidade da natureza humana. Respeitar a pessoa autônoma pressupõe a aceitação do pluralismo ético-social, característico de nosso tempo; é reconhecer que cada pessoa possui pontos de vista e expectativas próprias quanto a seu destino, e que é ela quem deve deliberara e tomar decisões seguindo seu próprio plano de vida e ação, embasada em crenças, aspirações e valores próprios.A dor, o sofrimento e a doença, são da própria pessoa e que violar a autonomia significa tratar as pessoas como meios e não como fins em si mesmas.

CASO 01Homem de 47 anos, empresário, é levado ao pronto socorro da clínica “X”, após acidente de carro. No estabelecimento foi constatada a existência de uma fratura óssea na perna direita que requeria cirurgia corretiva e, também a existência de sangramento moderado, que lhe causara queda nos níveis pressóricos.A equipe médica propõe transfusão sanguínea para o restabelecimento da pressão arterial, mas o paciente se recusa a aceitar o procedimento, afirmando ser adepto da corrente religiosa denominada “Testemunhas de Jeová”.O paciente afirma que conhece os riscos de sua recusa e que assinará documento desresponsabilizando a equipe médica e a clínica. Durante a noite, o paciente é sedado e se ministra sangue, evitando que seus pacientes ou seus familiares tenham conhecimento.

CASO 02Um escritor é atingido por uma doença degenerativa grave, cujo prognóstico de vida, se não receber tratamento adequado, deve ficar em torno de 2 ou 3 anos. Seguindo a orientação médica o escritor toma os medicamentos recomendados e inicia a escrita do livro que ele considera que será sua obra prima. Infelizmente, o medicamento deixa-o obnubilado, dificulta sua concentração intelectual e sua criatividade literária decai significativamente. O escritor coloca-se diante de um dilema, deve continuar a tomar os medicamentos e prolongar sua vida ou deve deixá-los e assim poder escrever seu livro?

Competência e autonomia reduzidaO ser humano não nasce autônomo, torna-se autônomo, competente para decidir, e para isto interferem variáveis estruturais biológicas, psíquicas e socioculturais. Porém, existem pessoas que, de forma transitória ou permanente, tem sua autonomia reduzida, como crianças, os deficientes mentais, as pessoas em estado de transtorno mental agudo, indivíduos sob intoxicação exógena, sob efeito de drogas, pessoas em coma, pessoas em quadro demencial avançado.

AUTONOMIA REDUZIDA

A avaliação da competência de uma pessoa para tomar decisões é uma das mais complexas questões éticas impostas aos profissionais de saúde, pois desordens emocionais ou mentais, e mesmo alterações físicas, podem comprometer a apreciação e a racionalidade das decisões reduzindo a autonomia do paciente, dificultando sobremaneira o estabelecimento de limites precisos de capacidade individual de compreensão, de liberação, de escolha moral.

Mesmo os indivíduos considerados incapazes para tomar certas decisões ou campos de atuação EX: pacientes com diagnóstico de transtorno mentais, não o são para tomar decisões em todos os assuntos. O julgamento de competência deve ser dirigido a cada ação particular e não a todas as decisões que a pessoa deva tomar em sua vida

CASO 03Em um hospital dia, especializado nos cuidados com pacientes sofrendo de transtornos mentais, a equipe de enfermagem encontra-se diante de um usuário do serviço, de 25 anos, cujo diagnóstico médico revela ser psicose maníaco-depressiva, que se recusa a receber os medicamentos a ele prescrito e quer deixar a unidade (alta a pedido), alegando que, nas outras ocasiões que recebera a mesma medicação, tivera sintomas gastrintestinais. A enfermagem alertou o médico responsável pelo paciente, mas este reafirma ser este o medicamento indicado para o tratamento do paciente.

Muitas vezes contrapondo-se á autonomia dos indivíduos, os profissionais de saúde são guiados pelos princípios éticos da beneficência e da não-maleficência. O Princípio da Beneficência é o que estabelece que devemos fazer o bem aos outros, independentemente de desejá-lo ou não. É importante distinguir estes três conceitos. Beneficência é fazer o bem, Benevolência é desejar o bem e Benemerência é merecer o bem.

Os princípios da beneficência e da não maleficência são justificados, em determinadas ocasiões, por preservarem a pessoa de causar um dano a si mesma, e assim poder ser restaurada a autonomia.

CASO 04Um enfermeiro, na unidade de emergência, depara-se com uma mulher, de 35 anos de idade, desacompanhada, que apresenta cefaléia, vômitos e febre alta, tendo sido diagnóstica pela equipe médica como apresentando quadro clínico de meningite meningocócica. A paciente apresenta-se confusa, grita muito, emite palavras desconexas e diz não querer receber por via endovenosa, a medicação prescrita, deseja ir para sua casa.

Quando a autonomia de um paciente encontra-se reduzida, por causas permanentes ou transitórias, os princípios éticos devem ter prioridade, nas situações de autonomia reduzida cabe a terceiros, familiares, ou mesmo os profissionais de saúde, decidirem pela pessoa não autônoma.

Menor, portador de leucemia, internado em hospital para tratamento, apresenta quadro de anemia intensa e sinais de insuficiência cardíaca. A equipe médica prescreve transfusão sanguínea, mas os pais recusam tal procedimento. Com a piora do quadro clínico da criança, mesmo contrariando a vontade da família, os médicos em consonância com a direção do estabelecimento, decidem ministrar sangue à criança.

As crianças ainda estão desenvolvendo as condições necessárias para agirem autonomamente. Tem sua autonomia ainda reduzida. Ética e legalmente, durante este período de vida, requerem proteção de terceiros, pais ou responsáveis que assumam a responsabilidade por decisões que as afetem ou venham a afetar.

Limites da autonomia: A autonomia não deve ser convertida em direito absoluto, pois poderia levar a um automismo social; seus limites devem ser dados pelo respeito à dignidade e à liberdade dos outros e da coletividade. A decisão ou ação de pessoa, mesmo que competente, que possa causar dano a outra (s) pessoa (s) ou à saúde pública, poderá não ser validada nem ética nem legalmente.

Deve-se ainda salientar que a autonomia do paciente, não sendo um direito moral absoluto, poderá vir a se confrontar com a do profissional de saúde. Este pode por razões éticas, a denominada “cláusula de consciência”, se opor aos desejos do paciente de ver realizados, certos procedimentos, tais como técnicas de reprodução assistida, eutanásia ou aborto, mesmo que haja amparo legal ou deontológico para tais ações.

Adolescência e autonomia:Segundo a OMS, a adolescência está compreendida dos 10 aos 20 anos de idade, porém, no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal nº 8.069, de 13/07/1990, a limita ao período de 12 a 18 anos incompletos.O limite superior da adolescência estabelecido pelo Estatuto foi determinado mais em virtude dos limites legais impostos pela legislação penal do que por motivações biológicas e/ou psíquicas.

Ainda em termos legais, cabe lembrar que as normas do Direito Civil brasileiras consideram os adolescentes, até 16 anos, como absolutamente incapazes, e de 16 a 18 anos, como relativamente incapazes para a prática de determinados atos jurídicos da esfera civil.

CASO 05:O gerente da Unidade Básica de Saúde é procurado por um adolescente, de 14 anos, desacompanhado dos pais ou responsáveis, deseja se consultar no programa de saúde mental da UBS, pois ouvira falar por amigos de sua qualidade. Diz ser usuário de drogas. Mas quer garantia que o serviço não comunique o fato a seus pais.

Principalmente nos estabelecimentos situados em regiões periféricas, é significante o número de crianças e adolescentes que , em virtude das condições socioeconômicas de suas famílias, se dirigem aos serviços desacompanhados, sem a presença dos pais ou responsáveis. Isso resulta em difíceis questões éticas para os profissionais de saúde que cm eles se relacionam, tais como:

I. Quando e em quais condições se pode atender adolescentes desacompanhados sem a permissão dos seus pais ou responsáveis?

II. Em quais condições os adolescentes podem tomar decisões sobre atos a serem praticados em relação à sua integridade físico-psíquica sem ser necessária a permissão dos pais ou responsáveis?

III. Quando a revelação de informações, a pedido dos menores, pode ser sonegada aos pais ou responsáveis?

IV. Como se portar quando houver conflitos entre os desejos dos adolescentes e as decisões paternas?

PATERNALISMO: Entendemos paternalismo como sendo a interferência com a liberdade de um indivíduo eticamente capacitado para tomada de decisões, mediante uma ação beneficente justificadas por razões referidas exclusivamente ao bem estar, às necessidades da pessoa que está sendo coagida, e não por interesses terceiros, do próprio profissional de saúde ou mesmo interesses da sociedade.

“homem de 67 anos, metalúrgico em atividade laboral, após exames realizados em ambulatório médico da empresa, teve diagnosticado câncer pulmonar, em estágio avançado. O profissional de saúde, considerando o caso de mau prognóstico, não revela os resultados ao paciente, apesar do questionamento deste e, dois dias depois, telefona e informa membros da família, porque considerava que as informações poderiam trazer danos psicológicos ao paciente, aumentando seu sofrimento”.

O profissional não revelou a existência da doença, temendo causar sofrimentos psíquicos ao paciente, portanto a ação do ponto de vista do médico, visava o bem do paciente, objetivava não causar danos. porém, a ação do profissional foi de cunho paternalista, pois o idoso era pessoa autônoma, competente para decidir. Não se deve confundir beneficência com paternalismo, pois este último conceito significa contrariar direito de uma pessoa autônoma, competente, escolher o que é melhor para si.

Para que um componente seja considerado paternalista é necessário que se guie por certas premissas. O profissional de saúde deve acreditar que sua ação é benéfica à outra pessoa e não a ele próprio ou terceiros e que sua ação envolve uma violação de regra moral. Deverá também, não ter, no passado, no presente, ou mesmo, em futuro próximo, o consentimento da outra pessoa, que deve ser competente para tomar decisões.

Como exemplos de atos paternalistas podem ser citados a utilização de placebos, a sonegação da verdade à pessoa autônoma e o não requerimento de consentimento para o ato a ser praticado para evitar danos psicológicos.Há posicionamentos éticos opostos, conflitantes, em relação à validade do paternalismo nas ações de saúde. De um lado, posicionam-se os defensores da tese que o paternalismo deva ser considerado uma usurpação do direito moral que tem o paciente de decidir o que é melhor para seus próprios interesses.

De outro lado, há os que o consideram como uma ação necessária empreendida pelo profissional de saúde no interesse daquele a quem presta assistência. É justificada nas relações terapêuticas, por considerarem que, em razão da natureza das doenças, sempre ocorre um comprometimento da autonomia do paciente. Neste entender, a conduta paternalista acabaria restaurando nos indivíduos as condições adequadas de compreensão, deliberação e tomada de decisão.

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Nas ações de assistência à saúde, nas pesquisas realizadas com seres humanos, nas ações quotidianas, e não somente em circunstâncias limítrofes que envolvam nascimento e morte, a pessoa autônoma tem o direito de consentir ou recusar o que lhe é proposto, tanto para atos de caráter preventivo quanto para ações curativas, que venham afetar sua integridade físico-psíquica ou social.

O consentimento deve ser “livre, esclarecido, renovável e revogável”. Deve ser dado livremente, , consequentemente, não pode ser obtido mediante práticas de coação física, psíquica ou moral, ou por meio de simulação ou práticas enganosas, ou quaisquer outras formas de manipulação impeditivas da livre manifestação da vontade pessoal. Livre de restrições internas, causadas por distúrbios psicológicos, e externas, por pressão de familiares, amigos e principalmente dos profissionais de saúde.

Aceita-se que o profissional exerça ação persuasiva, mas não a coação ou a manipulação de fatos ou dados. Persuasão, entendida como a tentativa de induzir alguém por meio de apelos à razão para que livremente aceite crenças, atitudes, valores, intenções ou ações advogadas pela pessoa que persuade. Já, a manipulação é a tentativa de fazer com que a pessoa realize o que o manipulador pretende, desconhecendo oque ele intenta.

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