artigo da disc. etnicidade
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS - ICS
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ANTROPOLOGIA
ÂNDERSON BARBOSA DA SILVA
SITUANDO OS ÍNDIOS JIRIPANKÓ
MACEIÓ-AL
2013
ÂNDERSON BARBOSA DA SILVA
SITUANDO OS ÍNDIOS JIRIPANKÓ
Artigo apresentado ao programa de pós-graduação
em Antropologia, da Universidade Federal de Alagoas, como requesito parcial para obtenção de
nota da disciplina Etnicidade e Identidade
Social.
Professores: Evaldo Mendes, Claudia Mura e
Jordânia Araújo
.
MACEIÓ-AL
2013
SITUANDO OS ÍNDIOS JIRIPANKÓ
A aldeia indígena Jiripankó esta localizada no município de Pariconha-AL, situado na
mesorregião do alto sertão alagoano, ocupa uma área de 250 hectares1 compreendida através
da união das comunidades do Ouricuri, Figueiredo, Serra do Perigoso e Volta do Moxotó,
reside um total de 400 famílias distribuídas nessas aldeias, com população de 2.270
habitantes2
Os índios do sertão alagoano, entre eles o povo Jiripankó, fazem parte de um
movimento de diáspora e resistência de povos da etnia Pankararu de Brejo dos Padres, Estado
de Pernambuco. Povo que passou por um processo de diáspora inaugurado por volta de 1850,
com a promulgação de leis públicas criadas para “organizar” a questão fundiária no território
brasileiro, segundo cunha apud Arruti (2004a), com a lei das terras de 1850, que inaugura
uma política ainda mais agressiva em relação aos aldeamentos. Em 1872 ocorre a
concretização desse processo com a extinção dos aldeamentos da Província, onde essas terras
foram sendo incorporados ao domínio público. Esses locais constituíam-se territórios
tradicionais, ocorrendo com isso a desestruturação das organizações sociais, políticas,
culturais e étnicas desses povos, entende-se que território representa o acondicionamento, a
legitimação e a organização do contexto social, político, cultural e étnico de toda e qualquer
sociedade.
É o que ocorreu com os Pankararu, que tiveram suas terras repartidas, na região do
"Brejo", em linhas de lotes distribuídos entre posseiros, assim, esse período ficou conhecido
na memória dos índios como tempo das “linhas”, modo como foi dividido esses lotes. Esses
índios partem de suas terras tradicionais, em busca de outro lugar que ofertem melhores
condições, que atendam suas necessidades territoriais.
E nesse contexto que alguns índios partem de Brejo dos Padres e se estabelecem em
terras alagoanas, passando a conviverem entre a população local, servindo de mão de obra nas
fazendas locais. A formação dos Jiripankó sempre foi marcada pela luta em busca da terra, do
reconhecimento étnico e da tradição. Arruti chama esse processo de etnogênese, “processo de
autoatribuição do rótulo de índio por grupos, até determinado momento, eram tomados
indistintamente como sertanejos ou caboclos.” (2004b, p. 01).
Esses indivíduos sempre se reconheceram como indígenas, apesar de, em certos casos
haver a negação dessa identificação, por receio da sociedade que reprimia o ser “diferente”,
1 Segundo dados do Instituto socioambiental (ISA), com referência da FUNAI/SEII - 2011. 2 Segundo Cícero Pereira dos Santos, em entrevista em 2012.
estes, através dos mais velhos, se autoidentificavam e cultuavam essa pertença, porém sem
uma especificidade étnica, ou seja, sem um etnônimo historicamente reconhecido. A “busca
pelo etnônimo” (AMORIM, 2010) representa a busca de uma identidade que vem de seus
ancestrais, chamada de identidade coletiva, que os reconhecem como pertencentes a uma
etnia. Sendo assim, essa identidade funciona como o “atestado de pertença” que é a principal
característica de comprovação etnológica, fundamental para qualquer busca pelo
reconhecimento dos povos.
Quando comunidades veem condições política e histórica, além da experiência de
algumas outras comunidades que conseguiram o reconhecimento oficial ao buscar por esse
etnônimo, também partem para essa busca. Nesse sentido, Eric Wolf nos lembra que “os
Estados-nação e os agrupamentos étnicos não somente se multiplicaram, como ocorre um
fenômeno estranho e diferenciador: as reivindicações de autonomia e soberania são
apresentadas e defendidas em termo de parentesco” ( 2003, p.244)
É nesse contexto que os sertanejos de Alagoas vão em busca da tradição, das origens,
com o parentesco, com o tronco velho Pankararu, que pudesse legitimar a identidade desses,
já que se consideravam-se “ponta de rama” desse “tronco velho” (ARRUTI, 2004a). Essa
legitimação era necessária para a busca pelo reconhecimento.
Os troncos mais velhos servem como reserva de memória, de cultura e de
religiosidade – trazendo em si um passado real ou imaginado, que passa a fazer parte
do presente, o informa, o justifica, e o organiza -, e não apenas como lembrança ou resgate. Essa relação é traduzida pela metáfora vegetal que fala do progressivo e
ramificado crescimento de um mesmo ser, que se amplia e nesta ampliação vai
dando origem a novas partes de si, natural e inevitavelmente mais distantes e mais
frágeis com relação às heranças dos antepassados, mas ainda fazendo parte da
mesma realidade. (ARRUTI, 2004, p. 33)
Essa busca pelo tronco velho funcionou como base formadora histórica, consistente
nas experiências, nas tradições e nos rituais, elementos que deram sustentação e afirmação
desse povo perante os órgãos oficiais de proteção e tutela, como também, para a sociedade
envolvente. A própria nomeação da aldeia Jiripankó, ocorreu pelo etnônimo formador da
etnia, Segundo Arruti (2004a) o povo Pankararu, formou-se a partir dos povos “Pancarú
Geritacó Cacalanco Umã Canabraba Tatuxi de Fulô”. Assim, pela tradição, por pertencerem
a mesma árvore do tronco Pankararu, os Jiripankó pode ser nomeado com esse nome, com
base nos Geritacó. Segundo Genésio Miranda, cacique da aldeia, “como nós somos da
descendência Pankararu, tivemos direito a um desses nomes, aí registramos Jiripankó [...]”
fato presente também na oralidade desse povo.
Essa busca pelo reconhecimento, faz parte de um movimento dos povos indígenas
ocorrido em todo o Brasil, em busca da delimitação das “fronteiras étnicas” (BART, 2000)
que forneça meios para a busca dos direitos e garantias promulgadas na Constituição Federal
de 1988. Os grupos étnicos possuem padrões valorativos que os definem em quanto tal, e a
forma como cada grupo ou cada um irá se portar em contato com outros grupos, na interação
interétnica, com o intuito de adquirir visibilidade e dialogar com outro. No entanto esses
padrões não são fixos, podem mudar e ressignificar-se em outro momento, conforme o
contexto social (BART, 2000). Bart não chega a um conceito do que seria grupo étnico, mas
chega a conclusão de que é através do conflito que se formam esses grupos sócias, atenta que
a formação de grupos étnicos e a delimitação de suas fronteiras devemos olhar para o nível:
micro, as experiências, a formação das identidades, interações interpessoais e o conflito;
médio, os empreendimentos, a retórica da etnicidade, lideranças e a construção de
estereótipos; e macro, seria as políticas estatais, as leis, que garantem os meios legais.
É nesse contexto, com a experiência que buscaram o reconhecimento, com interações
com demais grupos, conflitos de diversas ordens, a afloração de uma retórica da etnicidade e
com políticas estatais que garantem o reconhecimento, nasce a etnia indígena Jiripankó, que
com o reconhecimento, pode lutar por um território, espaço necessário para perpetuação de
sua cultura, de sua crença e de seus rituais.
O TORÉ: SÍMBOLO DA REIVINDICAÇÃO
Nessa busca pelo reconhecimento étnico, o toré se popularizou em todo o Nordeste,
como uma dança, como um símbolo de identidade, religião, cultura e principalmente, como
requesito essencial para o reconhecimento por parte dos órgãos indigenistas, como o SPI
(Serviço de Proteção ao Índio) órgão que atuou nesse reconhecimento. Ocorreu assim, uma
certa elevação do toré, seja consciente ou inconscientemente, como ritual padrão de todo o
nordeste.
O inspetor regional do SPI Raimundo Dantas Carneiros, ante ao avanço
indígena e acompanhando a sugestão de Carlos Estevão de oliveira, institui a
performance do Toré como critério básico do reconhecimento da remanescência indígena, tornando então expressão obrigatória da
indianidade no Nordeste. Encarado como uma espécie de rito sumário na
legitimação da presença do SPI, o toré é incorporado por Raimundo Dantas Carneiros ao rito mais largo que vem marcar a criação de espaços tutelares
abertos pela atuação do órgão: dançar o toré, hastear a bandeira e cantar o
hino nacional. (ARRUTI, 2004a, p.256).
Esse inspetor do SPI, usa como modelo o toré dos índios fulni-ô, assim começou uma
elevação, uma busca, por essa dança, essa se tornou exigência de indianidade, para busca de
reconhecimento por esse órgão indigenista no Nordeste. Muitos grupos, praticavam essa
danças, dançavam durante os rituais, nas festa e comemorações, mas não conheciam com a
designação de toré, mas com a chegada desses órgãos indigenistas tiveram que renomeá-las
como toré. Ocorrendo assim uma popularização desse termo em todo o nordeste, até mesmo
grupos emergentes que tinham “perdido”os laços com essa dança, vão em busca das origens,
para reatar essa ligação cultural e religiosa, fortificando cada vez mais a etnia.
O serviço e seus serventuários tiveram de começar a lidar com situações
inusitadas para a autoimagem do órgão e se viram na necessidade, até então não experimentada, de decidir se os grupos que eles estavam acostumados a
identificar como caboclos eram realmente índios. Na falta de sinais
diacríticos mais evidentes, ou de qualquer preparação antropológica de seus funcionários, a solução do órgão repetiu a sua natureza burocrática,
estabelecendo um critério fixo, de observação direta e imediata e de fácil
apreensão. Com isso o grupo que não possuísse o toré entre seus rituais
arriscava-se a não ser reconhecido, levando a que em muitos casos, eles procurassem aprendê-lo com grupos do tronco velho. (ARRUTI, 1995, p.
41)
Assim, a ação do SPI e de seus inspetores, de estabelecer um critério fixo, o toré, para
decidir sobre a indianidade dos grupos indígenas do Nordeste, atenuo-se por uma falta de
preparação antropológica, um meio mais fácil de identificar os mesmos. Política esta, que
busca encontrar traços que liguem a tradição, a ancestralidade, presentes até hoje nesses
processos.
Mas o que é esse símbolo de reivindicação chamado de Toré? Grunevald (2005)
aponta para as múltiplas incertezas do toré, pois esse termo carrega em si múltiplos
significados, representa a brincadeira, tradição, religião, profissão. Grunevald faz apanhado
geral de pesquisadores que citam o toré, que apresentam seus múltiplos sentidos, como a
dicotomia de toré público e privado, o uso da jurema, o toré como símbolo de reivindicação, o
sincretismo, toré como religião.
A grande difusão nordestina do toré, não quer dizer que ele se apresenta de forma
única, pois, cada grupo estabeleceu um regime próprio de características, com múltiplos
sentidos. Considerando, além de outras coisas, a formação desse ritual, pela hibridação de
culturas e diversas manifestações religiosas, como indígenas, afro-brasileiras e caboclas,
como o Catimbó. Segundo Albuquerque,
O principal elemento-personagem „cultural‟ do complexo ritualístico dos povos
indígenas do nordeste é o toré. O toré é uma performance estético-político-religiosa que aparece no quadro da antropologia brasileira dentro do campo da etnologia dos
povos indígenas do nordeste brasileiro. (2011, p.201)
O Toré pela sua importância e relevância, carrega em sua essência, todo um jogo de
performance, uma “teia de significados” significados (GEERTZ, 2008) , levando em conta a
ocasião e o público presente. Tem característica estética (dança, pinturas corporais,
vestimentas e adereços) por “embelezar” o ritual, tornando interessante sua observância. Tem
característica de brincadeira, usado principalmente nos fins dos rituais, como forma de
comemoração do objetivo alcançado, enquanto o ritual é restrito aos xamãs e praias, o toré é a
parte onde a comunidade participa. Político, por servir de divulgação da cultura indígena, até
mesmo como “atrativo turístico” ou para reivindicar algo, junto órgãos oficiais, quando
executados em público. E religioso por ser um ritual que traz consigo toda uma crença, em
torno de um sagrado, de um plano espiritual. Arruti (2004b) acrescenta o toré como “máquina
de Guerra‟, símbolo de mobilização, no contexto das lutas fundiárias, da legitimação da terra.
Penetrar no segredo do toré não tem sido tarefa ainda pretendida pelos etnógrafos
que se lamentam ao comentar que se esbarram neles. Pode-se supor a existência de
possíveis hieráquias de conhecimento ou até mesmo da dissimulação que o próprio
segredo opera a fim de criar o fato do conteúdo exclusivo do grupo étnico. (GRUNEVALD, 2005).
Para os estudos etnográficos, toré não é um tema fácil, não houve um torezeiro que
escrevesse sobre ele, os detentores dessa cultura, tentam a todo custo privar esses
conhecimentos para seus parentes, negando acesso para os demais, por isso, estudar a cultura
indígena, é trabalhar com “indícios” (GINZBURG, 1990), pistas, dessa cultura.
Existe uma dicotomia nessas sociedades entre rituais público e privados, onde nesse privado a
uma exclusividade indígena. Nesse caso o trabalho do etnólogo é um trabalho dito “pelas
beiradas”. Nesse sentido há um largo campo de pesquisas de elementos característicos no
estudo do toré, como o estuda da dança, performance, da etnicomusicologia, coreografia,
instrumentos musicais, plantas usadas nos rituais (etnobotânicos), etc.
Para fim de conclusão, vimos que o toré além de ser um símbolo de reivindicação,
apresenta múltiplos sentidos e significados: brincadeira, tradição, religião, política, máquina
de guerra. Tem-se a certeza que esses só são alguns dos sentidos que esse termo representa, e
um deles é a ligação desse com um mundo espiritual e sagrado, tomo as palavras de Arruti, “
quando pajé pankararu era solicitado a ensinar o toré em outras aldeias, o seu trabalho não se
resumia a aulas de coreografia. Ensinar o toré significa „dar a semente‟ da aldeia, „ensinar o
caminho até os encantados‟[...]” (1995, 42). Dar a semente significa entregar a cultura, a
região e a crença, fortalecer os laços com o mundo sagrado, manter essa relação constante.
REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE, Marcos Alexandre dos Santos. O Regime Imagético Pankararu.
(Tradução Intercultural na Cidade de São Paulo). Apresentada como tese de Doutorado em
Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina. 2011.
AMORIM, Siloé Soares de. Os Kalankó, Karuazu, Koiupanká e Katokinn: Resistência e
Ressurgência indígena no alto sertão Alagoano. Apresentada como Tese de Doutorado em
Antropologia Social, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010.
ARRUTI, José Maurício A. “A árvore Pankararu: fluxos e metáforas da emergência
étnica no sertão do São Francisco”. In: A viagem da volta: etnicidade, política e
reelaboração cultural no Nordeste indígena, João P. de Oliveira (org.), 2ª. ed., Contra Capa
Livraria / LACED, 2004, (pp. 231-279).
ARRUTI, José Maurício. A produção da alteridade: o Toré como código das conversões
missionárias e indígenas. VIII Congresso luso-afro-brasileiro de Ciências Sociais. A questão
social no novo milênio. Coimbra, Portugal, 2004.
ARRUTI, José Mauricio. Morte e vida do Nordeste Indígena: a emergência étnica como
fenômeno histórico regional. In Estudos Históricos, Rio de Janeiro (vol. 8, n. 15), 1995.
BARTH, Fredrik. “Os grupos étnicos e suas fronteiras”; “A identidade Pathan e sua
manutenção”. In Tomke Lask (org.), O guru, o iniciador e outras variações antropológicas.
Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000, (pp. 25-68; 69-94)
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. 1. Ed., 13º reimpr. Rio de Janeiro: LTC,
2008.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. 1ª reimpressão. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
GRÜNEWALD. Rodrigo de Azevedo. As múltiplas incertezas do Toré. GRÜNEWALD,
Rodrigo de Azevedo (org). Toré: regime encantado do índio do nordeste. Fundação Joaquim
Nabuco, Editora Massangana, Recife, 2005.
WOLF, Eric. “Etnicidade e nacionalidade”, in Antropologia e poder, Bela Feldman-Bianco e
Gustavo Lins Ribeiro (org.). Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, Editora Unicamp, 2003 ( pp. 243-251.)
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