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ALAN GRUBA BARBOSA
AMAR COMO DEUS QUER: AS PRÁTICAS DE PERDÃO EM CURITIBA NO SÉCULO XVIII.
CURITIBA 2008
ALAN GRUBA BARBOSA
AMAR COMO DEUS QUER: AS PRÁTICAS DE PERDÃO EM CURITIBA NO SÉCULO XVIII.
Trabalho de conclusão de curso apresentado a disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica, ofertada pelo Departamento de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Sob a orientação da professora Doutora Maria Luiza Andreazza.
CURITIBA 2008
Agradeço em especial à Irene, minha mãe, por tudo que tem feito por mim, à Maria Luiza, minha professora, pela orientação e pela paciência,
e a todos aqueles que, de alguma forma, tornaram isso possível.
SUMÁRIO
Intodução...............................................................................................................................
Capítulo I...............................................................................................................................
Capítulo II..............................................................................................................................
Capítulo III............................................................................................................................
Conclusão..............................................................................................................................
Referências Bibliográficas....................................................................................................
Anexos...................................................................................................................................
INTRODUÇÃO
Ainda não me lembro muito bem, estava no começo do meu terceiro semestre
no decorrido curso de história quando resolvi enfrentar uma disciplina intitulada “Tópicos
Especiais de História Social”1.
Não fosse pela minha imaturidade acadêmica e pela falta de reflexões construtivas
e coerentes talvez pelo meu espírito e estado de aparência puramente perdido nas aulas e
no curso, principalmente e não somente, a professora que regia tal disciplina ofertou-me a
participar de um grupo de pesquisa no Centro de Documentação e Pesquisa de História dos
Domínios Portugueses - CEDOPE, um laboratório de pesquisa dentro do Departamento de
História da Universidade Federal do Paraná.
Era a oportunidade de me tornar realmente um cientista e por em prática
algumas teorias e métodos aprendidos até então nas reflexões em sala de aula e nas
discussões e debates teóricos e metodológicos.
Logo após um período inical de aprendizado de leitura de registros manuscritos
do século XVIII, focalizei, por intermédio da mesma professora da disciplina de tópicos e
minha tutora no CEDOPE, sendo patrocinado por uma bolsa CNPq/PIBIC2, uma temática:
estudar as relações sociais por meio de transições de terras na Freguesia de Santo Antonio
da Lapa setecentista.
Em decorrência desta pesquisa e da oportunidade de participar de um grupo
integrado do CEDOPE, participei do grupo encarregado de digitalizar os 40 primeiros
livros de registros do 1.º Tabelionato de Notas de Curitiba3.
Ainda me lembro bem, era uma quinta-feira, o trabalho pela manhã daquele dia
estava próximo ao seu término, o cheiro exalado pela costela assada do ‘Restaurante do
Gaúcho’, na praça XV de Novembro, já pairava pelas ventas; e entre uma
folheada/foto/folheada/ e outra, deparo-me com um documento denominado: “Escriptura
publica de amor e perdam em graça”. Superada a curiosidade de saber do que se tratava tal
1 Ofertada pela DEHIS/UFPr; no 1.º semestre de 2003. Sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Andreazza. 2 Bolsa iniciada em novembro de 2003 e terminada em agosto de 2004 Junto ao CNPq -Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – e PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica. 3 Grupo responsável pela digitalização: Adriano Lima, Alan Gruba, Bruno Zorek, Fernando Kowalski e Milton Stanczski; com a orientação dos professores cedopianos: Antonio César de Almeida Santos, Magnus Roberto de Mello Pereira, Maria Luiza Andreazza, Sergio Odilon Nadalin e Jose Roberto de Braga Portella. Parceria entre CEDOPE – DEHIS/UFPr e 1.ª Tabelionato de Notas de Curitiba Giovanetti. Material atualmente disponível em mídia digital no CEDOPE.
escrito, as linhas e folhas que se seguiam explicavam do que aquilo se tratava. Porque uma
pessoa teria o trabalho de ir a um cartório e registrar por escrito seu perdão e amor para
com seu próximo e o que isso significaria na Curitiba setecentista.
Depois de uma rápida busca entre as folhas do mesmo livro, encontrei mais três
escrituras de amor e perdão. Com uma bravia empolgação, tentei transcrever as páginas
dessas escrituras para melhor saciar minha curiosidade. A princípio, não passei disso e
voltei aos meus estudos de sociabilidade lapiana e deixei de lado as histórias dos perdões,
como “algo engraçado que achei”.
Encerrada a pesquisa na bolsa e em tempos depois, vi-me diante uma disciplina
denominada “Metodologia da História II”4, cujo desfecho tratar-se-ia de um projeto para
uma monografia. Idéias não me faltavam mas eu precisava escolher uma fonte que
escapasse das minhas limitações e conseguisse exercitar reflexões, pensamentos, tempo e
palavras com o intuito de escrever uma monografia.
Com uma releitura com pouco mais de atenção das escrituras de perdão, minha
professora orientadora e eu nos deparamos com um tipo muito incomum de fonte na
história, bem como para a historiografia brasileira. Dando com meus botões perguntei-me:
porque não contar essas desculpas históricas na conclusão do curso de graduação.
Pois bem, as curiosidades e indaganções levantadas da leitura das escrituras de
amor e perdão transformaram-se na primeiras problemáticas da pesquisa:
− Qual era a estrutura jurídico-administrativa no Reino de Portugal na primeira
metade do século XVIII;
− Quem fabricava uma escritura pública;
− Qual era a função de um tabelião na estrutura administrativa;
− Que importância havia um documento lavrado e registrado por um tabelião;
− Porque as pessoas se prestavam a tornar suas desculpas públicas;
− O que elas estariam perdoando;
− Quem estava envolvido nessas histórias;
− O que era entendido o mundo social das escrituras de perdão; e
− outros apontamentos que passaram e passam ao longo do trabalho.
Em torno da bibliografia pertinente, procurei não seguir apenas uma conrrente
ou escola historiográfica. As diversas referências sobre a temática aparecem conforme as
necessidades de abordagens. No que se refere as possibilidades de abordagem que
4 Ofertada pela DEHIS/UFPr; no 2.º semestre de 2005. Sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Andreazza.
acompanha a temática - do perdão público como instrumento de interferência e resolução
de casos conflituosos de relações sociais e do funcionamento da máquina administrativa do
reino, tanto julgadora quanto punitiva ou branda – a contribuição da formação do Reino de
Portugal, o trabalho fora dividido em três capítulo para uma melhor compreensão do tema.
Num primeiro momento busquei exibir a estrutura jurídico-administrativa de
Portugal no Antigo Regima, ou como se dava a representatividade régia nos domínios
ultramarinos, ora pela imposição da justiça ora pela extensa burocracia do Estado
Moderno. O rei como representante mázimo de justiça e honra era o único capaz de
legitimar as arbitrariedades existentes nas diversas esferas sociais, designando assim,
agentes que o representariam nas mais distantes terras do Império lusitano. Para fina da
pesqeuisa, destacou-se o ofício do tabelião de notas, o qual tinha a função de registrar os
contratos particulares, concedendo-lhes fé pública, ou seja, legitimando os contratos
particulares.
Na segunda parte, tem-se um levantamento, ainda que berve e resumidamente,
da história do perdão no ocidente, pautado na idéia da construção do conceito de
misericórdia dentro de uma sociedade cristã. No sentido religioso, o perdão não era visto
como uma opção, mas sim como um imperativo, dada a associação da clemência superior,
seja relacionada ao rei ou a um perdão por um igual, pelo amor ao próximo, do tipo
propagado por Jesus Cristo.. Transplantado à esfera jurídica e social, tornou-se um recurso
hábil, pois poderia salvar a pele de um condenado. Bem como as sociedades européias
modernas incorporaram essa prática de perdão civil.
O terceiro capítulo é composto, basicamente, das fontes: 20 escrituras públicas
de amor e perdão encontradas nos 20 primeiros livros de notas, compando assim, o recorte
cronológico de 1721 a 1752 da pesquisa e inserindo questões como a questão da honra e
das querelas pessoais. Dando suporte para a questão da justiça pessoal em relação a justiça
régia, oficial.
Sendo assim, coloca-se o dito trabalho sobre o perdão em Curitiba na primeira
metade do século XVIII.
CAPÍTULO I
Sou legal eu sei,
agora só falta convencer a lei,
Sou real eu sei,
agora só falta, convencer o rei5.
Na Europa da Era Moderna, a concepção de gubernare
6 supera uma estrutura
feudal medieval, modificando as mentalidades, em especial a idéia do indivíduo e de seu
papel na vida dentro da sociedade, em decorrência, entre outros, dos fatores propostos por
Philippe Áries7:
− o papel do Estado e sua justiça;
− o desenvolvimento da alfabetização e a difusão da leitura; e
− as novas formas de religião.
Atentemos precisamente para um desses preceitos: o novo papel do Estado e
sua justiça, o que Ariès denominou o “ponto que não parou de se impor sob modos e meios
diferentes”8.
A partir das ações exemplificadas e analisadas por novas teorias renascentistas,
foram dados novos entendimento no quesito de se governar, e ainda, de ser governando.
Aquilo que, para Michel Foucault, desenvolveu uma série de tratados que se apresentam
não mais como conselhos aos príncipes, nem ainda como ciência política, mas como uma
arte de governar; sucedeu entre o século XVI até o final do século XVIII e influenciou o
mundo ocidental como um todo9.
A arte de governar deu nova forma ao Estado, bem como as instituições que o
cercaram e legitimaram, pois passaram a interferir ativamento no âmbito social.
Desvinculou-se de um modelo clássico renascentista de governar10 e levando em conta as
5 BLINDAGEM. Blindagem. Trecho da música “Sou legal, eu sei”. Composição de Ivo Rodrigues e Paulo Leminski. LP lançado pela Gravadora Continental em 1981, e em CD pela Gravadora Warner/WEA em 1999. 6 Sobre a semântica de governar, apresentam-se os principais significados: regular, dirigir, administrar, reger, ter grande influência, encaminhar-se, ter mando ou poder de administrar e dispor, exercer autoridade, saber o que faz, entre outros. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3.ª Ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1999. Pág. 1000. 7 ARIÈS, Philippe. Por uma história da vida privada. IN: ARIÈS, P. & DUBY, G. História da Vida Privada. Vol. 3, Da Renascença ao século das Luzes. São Paulo : Companhia das Letras, 1991. Pp. 7-19. 8 Idem, p. 10. 9 FOUCAULT, Michel. Governabilidade. IN: FOUCAULT, Michel, Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1979. Págs. 277 – 295. 10 Leviatã e O Príncipe, respectivamente escritos de Thomas Hobbes e Nicole Maquiavel, ostentaram o desejo de uma unificação nacional para o bem estar e prosperidade social. Descrevendo que o objetivo do exercício do poder era manter, reforçar e proteger o principado, entendido não apenas como um
causas, geração e definição de um governo como sendo uma organização administrativa
hierárquica, tutora, que visava acabar com as pugnas e as desordens. O Estado poderia ser
entendido como fonte de resolução das desarmonias entre os seus pupilos, mandadora da
soberania na esfera interna e responsável pela paz e prosperidade, ou ainda quando a
guerra faz-se justa, sempre em prol da vida comunitária.
O sistema administrativo desse Estado era composto por um corpo de
instituições, públicas e privadas, responsáveis capazes de ofertar sustentabilidade a
determinados serviços essenciais. As instituições políticas seriam as instituições criadas
pelo poder soberano do Estado, sendo assim, todos eles teriam natureza legítima. Já as
privadas seriam constituídas pelos próprios súditos entre si ou pela autoridade de um
estrangeiro. Entre essas instituições privadas, haviam os sistemas legítimos e os
ilegítimos. Legítimos eram ditos os permitidos pelo Estado e ilegítimos todos os outros
considerados clandestinos.
No caso do Estado moderno lusitano, a autoridade real era a base legitimadora
na representação de autoridade legal. Desde a precoce formação com a revolução de 1383-
85, quando surge a dinastia de Avis (1385-1580); até suas reafirmações perante as
reformas e as retomadas do trono com o fim da União Ibérica,. o assentamento da coroa
passou por inúmeros obstáculos que transformaram em arcabouço para sua
sustentabilidade: as guerras com os Reinos de Castela e Aragão, a conquista de Ceuta dos
mouros e as fronteiras do além-mar, tornaram desafio e fortalecimento do povo, da Coroa e
de um Estado como todo. O sentimentalismo de ‘nação portuguesa’ era ainda
demasiadamente vulnerável frente aos desafios das conquistas extra- territoriais, dado um
momento de transformação da monarquia agrária local para um vasto império moderno. O
Estado moderno aflorara num mundo ainda feudal, arcaico, onde cidade e campo eram
polarizados pela propriedade territorial e corporativa e se identificavam numa ordem
patriarcal e moralista. O Estado ganhara substâncias setoriais, atuando sobre a esfera das
liberdades públicas, das liberdades, do livre contrato, da livre concorrência, da livre
profissão, opostos, todas, aos monopólios e concessões reais. Seria o Estado Moderno que
visa suprir as chamadas super-estruturas – aflorações sociais, jurídicas e administrativas –
e a incapacidade da própria infra-estrutura11.
conjunto constituído por súditos e territórios. Um principado objetivo teria uma relação do príncipe com o que ele possui, ou seja, a arte de governar era a arte de manipular as relações de força que permitiram ao príncipe fazer com que seu principado, com relação intrínseca de súditos e territórios, possa ser protegido para o bem comum. 11 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São
Neste caso, parte-se da premissa que o Estado era uma empresa de titularidade
Rex, ou seja, o rei intervém licitamente na forma direta ou indireta em tudo que for ou
estiver em seus domínios, como um pai que cuida da família. Ainda lembrando Maquiavel,
o príncipe seria aquele que dirige o Estado, num sistema patrimonial de direito, privilégios
e obrigações que prendiam os servidores numa rede patriarcal, na qual eles representavam
a extensão da casa do soberano12.
A precoce formação nacional, a centralização do poder real e o desafio da
exploração de terras no além-mar criaram na sociedade portuguesa peculiaridades, as quais
caracterizaram, em sua forma de viver e de sentir a vida13, a organização dos domínios
sobre territórios em um exemplo de concomitância de legalidade e burocracia. no século
XVIII.
Teoricamente, nada poderia escapar dos olhos vigilantes do rei. Olhos atentos
aos seus negócios, mantendo rédeas curtas e focalizadas em seu interesse. As garras reais,
ou seus tentáculos, tentavam abraçar as várias facetas do Império.
O Estado patrimonial de estamento14, que se projeta de cima para baixo,
pretendia acabar, ou reduzir substancialmente, os métodos e práticas de poderes paralelos,
delimitando em 'raias permitidas', esferas de atuação e respeitando os campos do controle
real, dever-se-iam obedecer às regras fixadas pela leis do reino, havendo assim, uma
tendência à burocracia com uma reorganização administrativa, política e social. Assim
sendo, legitimar o Estado e suas instituições que o cercavam era levá-las aos domínios dos
interesses reais, seja impondo-se pela justiça, pelo poder militar ou pela regulamentação
das atividades econômicas.
No topo da sociedade hierarquizada, o rei era o chefe de guerra, juiz supremo e
escolhido por Deus para o cargo. Era dele a última palavra nas decisões e quem moldava as
relações políticas e jurídicas.
Essa configuração encontrava paralelo no corpo humano, pois conforme os
teóricos da época, a posição dos orgãos e as suas funções estavam definidas por natureza
social, como um corpo que para seu perfeito funcionamento, necessita de todas as partes
em harmonia. Assim, nessa sociedade corporativa, era da natureza das coisas que os
Paulo : 2001. 12 MAQUIAVEL, Nicolae. O Príncipe. São Paulo : Abril Cultural, 1973. 13 Parafraseando HESPANHA, Antonio Manuel. As Estruturas políticas em Portugal em Época Moderna. IN: TENGARRINHA, José (Org.). História de Portugal. São Paulo: Edusc, 2002. Pág. 117 e seguintes. 14 Estado patrimonial de estamento é um conceito analisado profundamente por FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001.
súditos seguissem os ditames dos governantes, que estes tivessem que governar em vista
do bem comum, modelando as relações sociais e políticas de acordo com os impulsos de
suas vontades como um elemento autodeterminado e dinâmico. As instituições legitimadas
pelo rei eram como um braço desse corpo, com muitas armas e músculos, que coibiam e
regulavam as infrações nanas suas colônias. O centro supremo das decisões, das ações
temerárias, cujo êxito gerariam e comandariam um reino era o cérebro e o coração da
sociedade corporativa: o rei. Pois “entre o rei e os súditos não há intermediários: um
comanda e todos obedecem”15. A rebeldia contra a palavra derradeira era considera traição
ou qualquer ato contrário era dito ilegítimo, ilícito e anti natural.
Analogicamente, a moeda, padrão de todas as coisas, medida de todos os
valores, poder sobre os poderes, torna a América aberta ao progresso do comércio, com a
renovação das bases de estrutura social, política e econômica. Comparando com a
estabilidade das leis escritas, a intenção era a mesma: para um peso, uma medida. Assim
como a moeda visava padronizar um valor econômico aos produtos, as leis tornavam iguais
os súditos do rei16.
O aparelho público da fazenda, justiça, o militar e a administração eram
preferencialmente, destinados à aristocracia. Cargos de alferes-mor, mordomo-mor perdem
relevo nos registros onde se lavraram e registraram ditos régios por um pessoal cada vez
mais numeroso de: clérigos, notários, tabeliães de corte, escrivães e escribas. As decisões
do rei faziam fé só depois de redigidas e o direito, promulgado pelo mesmo, torna-se
direito escrito, anulando o direito costumeiro medieval17. O acréscimo da idéia de regular
as relações jurídicas por meio de normas fixas gerais e não regras maleáveis caso a caso,
coincidem com o aumento da autoridade absoluta. O soberano passa da função de árbitro
dos dissídios, de fonte das decisões para o papel de chefe de governo e chefe de Estado18:
diante dele não há pessoas mais qualificadas pela tradição, pelos títulos, apenas súditos
abstratos e cobertos pela competência jurídica.
Na arquitetura administrativa baseada na decadência do poder local e no
progressivo desenvolvimento da autoridade do rei, deixa de prescindir dos recursos
privados, em diversos níveis e instâncias, considerados os parceiros da empresa 15 FOUCAULT, Michel. Governabilidade. IN: FOUCAULT, Michel, Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1979. p. 288. 16 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001. 17 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001. 18 MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Do Espírito das Leis. São Paulo : Abril Cultural, 1985.
colonizadora19. Não importasse a distância entre essas terras longíquas e o centro do
grande Império, o que interessava para a coroa era a fidelidade para com o rei e a
submissão perante suas mandamentos, que podem ser entenditas também como ordens,
leis, decretos, etc.
Na verdade, as leis fundamentais (a “constituição”) de uma sociedade (de um reino) dependeriam tão pouco da vontade como fisiologia do corpo humano ou a ordem da natureza. Não era, de fato, a vontade humana – nem dos governantes, nem a dos governados – que definia o que era justo ou injusto, o que era lícito ou ilícito, o que era politicamente possível ou impossível estavam definidos numa ordem do mundo anterior e superior à vontade dos homens, mesmo dos monarcas. O indivíduo não estava, assim, na origem da constituição política ou da organização social; era esta, pelo contrário, que lhe atribuía um determinado papel social ou um certo conjunto de direitos e deveres.
20
A corte real se comunica com seus súditos por meio de regulamentos. O direito
articula-se no Estado de estamento cimentando interesses, expressando sua doutrina prática
e sua ideologia.
Abrangentemente, a idéia da promulgação de leis era manter um ‘padrão’, uma
ordem lógica dentro de uma estrutura determinada social. A noção de um Estado mais
atuante, mediador das relações entre os indivíduos, modernizante, sistematizado, ganha
cada vez mais significância depois da mudança das mentalidades, provocadas,
principalmente com a inserção da escrita.
Sendo assim, fazia-se necessário a divulgação das leis
(...) a publicação das leis eram feitas na chancelaria da Corte, em Portugal; quando se tratasse de resoluções havidas em Cortes era também freqüente pedirem os procuradores dos conselhos treslado ou cópia daquelas que lhe interessassem; enfim, no desejo de garantir um mais efetivo conhecimento das leis, no Reino, ordenava-se que os tabeliões as deviam registrar nos seus livros e lê-las, no tribunal do conselho, geralmente uma vez por semana, durante período, em muitos casos, era de um ano.
21
A criação e proliferação de uma variedade muito grande de leis durante os
séculos XIII e XIV fez com que no início do século XV torna-se útil uma legislação que
sistematizasse as diversas leis existentes. Na necessidade que foi, de certa forma,
premeditada com a criação de um novo conjunto de leis, associando ao crescente domínio
do mundo letrado, visto então como algo superior.
Dom Afonso V promulga, em 1446 ou 1447, não se sabe ao certo, as
19 VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil colonial (1500 – 1808). Rio de Janeiro : Objetiva, 2001. 20 HESPANHA, Antônio Manuel. As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna. IN: TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal. São Paulo : Edusc, 2002. Pág. 118. 21 MARQUES, Mário. História do direito português: medieval e moderno. Lisboa : Almedina, 2002. Pág. 171 e 173.
Ordenações Afonsinas, constituíndo o mais antigo código europeu. Depois, em 1521, por
ordem de Dom Manuel I, foram publicadas as Ordenações Manuelinas e em seguida as
Ordenações Filipinas22 que passou a entrar em vigor no ano de 1603, durante a união das
Coroas Ibéricas (1580 - 1640). Essas últimas ordenações tentavam diminuir os artifícios
que as leis facultavam, regulamentando as taxas, prescrevendo penalidades por má conduta
e malversação e além disso controlando, em amplos aspectos, a vida cotidiana.
A legislação era necessária para estabelecer os ordamentos capazes da
efetivação do domínio régio, o que garantiria a ordem social. O estatuto da organização
político-administrativa do reino, com a especificação das atribuições dos delegados do rei,
não estava apenas voltada a aqueles devotados à justiça, senão dos ligados à corte e à
estrutura local. As ordenações não regulavam e não disciplinavam as relações jurídicas
individuais, apenas levava em conta a harmonia dos interesses em conflito.
As ordenações preocupam-se também com as atribuições dos cargos públicos,
inclusive os militares e municipais, os bens e privilégios da Igreja, os direitos do rei e da
administração fiscal, a jurisdição dos donatários e as prerrogativas dos fidalgos.
Em se tratando da colônia brasileira, a constante disputa com os espanhóis e
outros povos que habitavam ou tentavam explorar os domínios no Novo Mundo, fez com
que a constante guerra e a cada conquista o alargamento do território constituíssem a base
real, física e tangível sobre o que assentou o poder da Coroa23. A primeira responsabilidade
do rei para com seus súditos, tanto das colônias quanto da metrópole, era a justa promoção
da lei. Estatutos individuais e/ou regionais podiam ser injustos, mas a lei, base mesma da
sociedade, era, por definição, boa e única legítima.
Em lugar do ajustamento, em troca de concessões, o soberano corrigia as
distorções com a espada, a sentença e a punição. O Novo Mundo, descoberto no outro lado
do Atlântico, seria um território a moldar na forma dos padrões ultramarinos e não um
mundo novo a criar por si só. “A característica jurídica do primitivo sistema colonial
brasileiro decorre, portanto, da sua própria natureza de instituição anacrônica, imperfeita e
22 As Ordenações Filipinas consistem em cinco livros. O Livro Primeiro definia as atribuições, direitos e deveres dos magistrados e funcionários do Judiciário. O Livro Segundo enfeixa as normas regulando as relações entre Igreja e Estado, as atribuições do fisco e os privilégios da nobreza. O Livro Terceiro refere-se ao processo civil e criminal, movimentado tão-somente pelo impulso das partes, baseado no princípio dispositivo, com procedimento em forma escrita, desenvolvendo-se em fases rigidamente distintas. O Livro Quarto trata do direito de família, direito das coisas, das obrigações e das sucessões. O Livro Quinto restringe-se especificamente à matéria penal. 23 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001.
artificialmente implantada em terras do novo mundo”24.
O feixe do direito público de qualquer espécie podia ser revogado, sem quebra
da fé ou da palavra régia, dado que o direito português também entendia ser privativo do
rei o poder de gerir a administração e a justiça.:
Se por um lado teríamos a figura do Rei como símbolo principal de justiça e sombriedade, não é estranho notar algumas dissipâncias entre suas instituições de controle. Orgãos que seriam criados com a finalidade de ajudar na fiscalização e regência podiam desempenhar papel dissonante na administração. Tanto na parte de juristas e letrados as Ordenações deviam valer para todos igualmente, das cortes ou de qualquer cargo, tanto como para cidadãos comuns.
25
A delegação de poderes era o método mais apropriado, dito pelo poder central,
para o domínio do Novo Mundo. Para os negócios da fazenda e da justiça, com regimentos
particulares, o rei criou o ouvidor-mor e o provedor-mor, com atribuições específicas, não
subordinadas ao governador.
Durante as rápidas transformações americanas e conduzindo o reino para se
ajustar à realidade metropolitana, destacam-se os cargos legítimos, assim esboçados num
organograma da administração portuguesa no século XVIII26:
24 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001. 25 Título homônimo de HESPANHA, Antônio Manuel. As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna. IN: TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal. São Paulo : Edusc, 2002. Pág. 117-181. 26 FERREIRA, João Paulo Hidalgo. Nova História integrada. Campinas : Companhia da Escola, 2005. p. 198.
FONTE: SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1985. Depois da restauração da coroa portuguesa, em 1640, e o ciclo do ouro nas
regiões centrais da colônia brasileira, no fim do século XVII, emergem as medidas
centralizadoras e controladoras de Portugal. As minas aceleraram a economia americana e
um desafio às rédeas do soberano, rédeas ainda mais firmes e curtas. O Estado estava
fascinado pela arrecadação dos tributos e quintos, a sua sagrada parte nos metais. As casas
de fundição funcionavam como mecanismos fiscalizadores da produção do ouro, mas,
concomitantemente, a indisciplina e fraude da atividade exploradora das minas colocava,
por vezes, em xeque a capacidade da administração metropolitana portuguesa.27
Os paulistas eram animosos, mas peça de exploração fundamental no Brasil
meridional. O rei queria súditos e não senhores; soldados e não caudilhos. Com isso, temos
na figura dos bravos e aventureiros bandeirantes paulistas, misturados aos indígenas, aos
escravos africanos e aos menos numerosos ainda portugueses que por aqui estiveram,
virem a formar a sociedade dos trópicos as pessoas a serem moldados, quem deveriam
respeitar e reconhecer o poder superior metropolitano. 27 BICALHO, M.; FRAGOSO, J.; GOUVEIA, M. de F. (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa. Século XVI – XVIII. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001.
Municípios e vilas demonstravam-se de grande valia para a propagação do
poder real, uma vez que a metrópole entendia as dificuldades de impor sua justiça assim
como crescimento demográfico e econômico da colônia brasileira. Os termos e comarcas
se dividem para otimizar a propagação das ordens régia e sua justiça. Por várias vertentes
da colônia descem as garras da administração colonial, cortadas nos conselhos do reino,
sem respeito pelas peculiaridades que as terras tropicais exigiam. A ordem pública
portuguesa mantinha-se nos alvarás, regimentos e ordenações, pois estes representavam o
único poder legal, relativo ao rei28.
Depois do vice-rei e do capitão-general e governador, o município torna-se o
terceiro elo da administração colonial regulada pelas Ordenações. O que se buscava era
uma subordinação, por meio de compromisso dos municípios, sobre influência
administrativa da centralização monárquica.
Os perigos oferecidos nos primeiros séculos de colonização, da natureza e dos
índios, fizeram o povoamento do sertão uma ramificação moral, política, econômica e
teológica. Por muito tempo foram os jesuítas considerados os promotores da lei. Ora como
agente mediador da luta entre índios e brancos ora como pregador da palavra de Deus e do
rei.
O sentido de justiça divina, tanto eclesiástica quanto civil29 estava de certa
forma presente desde os escritos bíblicos, na origem, onde Deus teria ordenado o rei para
conservar a ordem existente:
...e assim, era da natureza das coisas que os súditos seguissem os ditames dos governantes, que estes tivessem que governar em vista do bem comum, que a mulher obedecesse ao marido, que o casamento fosse monogânico e indissolúvel, que os poderosos protegessem os mais fracos, que o amigo ou parentes se favorecessem mutuamente. Os juristas - que, então, eram aqueles que pensavam a organização política – identificavam a justiça com o respeito por estes equilíbrios sociais.
30 A coroa estabelecia-se nos conceitos de divindade provindos da mentalidade
medieval. Era sua obrigação a regularização sistemática do reino e seus reinados. Fato este
modificado devido: as expansões marítimas a partir do século XV; a conquista de novos
domínios extra territoriais e o contato com outos povos.
28 MELLO, Magno Antonio Correia de. Burocracia, modernidade e reforma administrativa. Brasília : Brasília Jurídica, 1996. 29 OLIVEIRA E SILVA, Ana Luiza de. Acusações de feitiçaria em processos dos tribunais da Inquisição. Portugal, 1680-1740. Monografia de conclusão do curso de História, apresentada à Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2004. Pág. 1. 30 HESPANHA, Antônio Manuel. As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna. IN: TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal. São Paulo : Edusc, 2002. Pág. 118.
Em suma, as leis fundamentais (a “constituição”) de uma sociedade (de um
reino) dependeriam tampouco da vontade como fisiologia do corpo humano ou a ordem da
natureza. Não era, de fato, a vontade humana – nem dos governantes, nem a dos
governados – que definia o que era justo ou injusto, o que era lícito ou ilícito, o que era
politicamente possível ou impossível: estavam definidos numa ordem do mundo anterior e
superior à vontade dos homens, mesmo dos monarcas. O indivíduo não estava, assim, na
origem da constituição política ou da organização social; era esta, pelo contrário, que lhe
atribuía um determinado papel social ou um certo conjunto de direitos e deveres.31
Em todo caso, todas as Ordenações do Reino foram concebidas a partir do
Direito Romano, do Direito Canônico, de concordatas celebradas entre representantes da
Igreja Católica e reis de Portugal, das Sete Partidas, de costumes antigos da Península
Ibérica e dos foros locais32.Caberia ao rei a funcionalidade de um árbitro de justiça, entre
as várias fontes de direito, assim como criador do Direito, pois tende a moldar seu poder à
sua imagem e semelhança e conseqüentemente corrigir maus costumes ou considerados
menos convenientes, substituindo-os por instituições legítimas de dirieto comum. O poder
da Igreja passa a ser contrastado e não raro são os choques com as Justiças do Rei. A
política oficial do rei continua sendo a do reconhecimento do direito canônico, mas na
prática, tende a afastá-lo33.
Essas modifiações no direito nunca tiveram a intenção de rompimento dos
laços já bem estabelecidos entre a coroa e o papado de Roma. Pelo contrário, nitidamente
percebe-se o apoio de uma instituição em outra. Segundo Oliveira e Silva34,
Portugal abrigou diversos tipos de instituições e instâncias de poder. A mais óbvia e primeira a saltar aos olhos é a monarquia absoluta, (...), mas o fato de haver um poder central e ‘absoluto’ não impedia que houvesse outras instituições que também exercessem o poder. Dada a existência de outras esferas de atuação, tais como as finanças, o âmbito militar e a administração da justiça, outras instituições foram criadas e passaram a desempenhar seus papéis. Contudo, pode-se dizer que tais órgãos eram “braços” do poder centralizado, o que reitera a amplitude do poder real.
O fato é que as leis escritas e a designação do rei eram árbitros supremos e
31 HESPANHA, Antônio Manuel. As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna. IN: TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal. São Paulo : Edusc, 2002. Pág. 119. 32 Portugal. Ordenações Filipinas. Código Filipino, ou, Ordenações e Leis do Reino de Portugal : recopiladas por mandado d’el-Rei D. Filipe I. Ed. fac-similar da 14ª. ed., segundo a primeira, de 1603, e a nona, de Coimbra de 1821 / por Cândido Mendes de Almeida. - - Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. Introdução. Pág. XVII. 33 MARQUES, Mário. História do direito português: medieval e moderno. Lisboa : Almedina, 2002. Págs. 171 e 172. 34 OLIVEIRA E SILVA, Ana Luiza de. Acusações de feitiçaria em processos dos tribunais da Inquisição. Portugal, 1680-1740. Monografia de conclusão do curso de História, apresentada à Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2004. Pág. 6.
excluvisos de justiça. Os duelos e justiças particulares, por exemplo, já estavam abolidas e
eram vistos como retrógrados e atrasados, Portugal manteve-se preocupado com relação a
esse tipo de prática social nas suas colonias. A ação da justiça das terras longínquas, mais
especificamente no território meridional da colônia brasileira35, era um desafio para a
sustentação hegemonica da coroa.
As condições e funções tradicionais do Tribunal em Portugal, e posteriormente
a Relação da Bahia, se concentraram como dever principal no seu papel de impor as leis e
de tribunal de justiça. Embora o tribunal fosse uma pessoa jurídica, muitas de suas
transações eram efetuadas por seus membros individualmente. O ouvidor geral, o provedor
dos defuntos e o juiz para os interesses da Coroa tinham as competências próprias ao cargo
acrescida da competência de recurso e podiam decidir causas sem a ajuda de outros
magistrados da corte. Dado o caso que o ouvidor tinha por dever suprimir e instaurar
processos contra o crime.
Os homens que preenchiam os cargos governamentais no império português
tinham experiências sociais e ocupacionais muito variadas. Nobres, clérigos, contadores,
todos tinha cargos administrativos e todos poderiam ser chamados de burocratas,
considerando a coroa única fonte legitimadora. A burocracia judicial tinha como
organização de cargos ocupados por magistrados cujas vidas, status e planos estavam
ligados ao governo. A natureza dessa burocracia e a ascensão dos magistrados como poder
político continuaram as mesmas com a reforma na estrutura judicial portuguesa na União
Ibérica em 1580, durante a qual foi criada a primeira Relação da Bahia (1609-1626), e as
funções, procedimentos, ações e impacto reais sobre condições locais. Logo após sua
abolição temporária, a Relação ressurge e serve como exemplo de um dos mais altos níveis
de burocracia profissional36.
Na utilização do modelo de desenvolvimento rígido e sua aplicação no
contexto do império colonial, a administração passa por mudanças constantes e grande
flexibilidade, principalmente nos aspectos racionais e das relações pessoais. A Relação da
Bahia participava da administração política da colônia desde quando a tradição quanto às
circunstancias que a permitiam atuação, ganhando importância no aspecto de Tribunal.
35 NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: ocupação do território, população e migrações. Curitiba : SEED, 2001. Principalmente ao tratarmos da questão da importância do espírito aventureiro dos bandeirantes paulistas em relação a abrir caminhos, povoar novas terras, migrar, enfim, tornar útil grande parte das terras coloniais. 36 O estudo de Schwartz teça um panorama significativo sobre este abrangente tema. SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: a suprema corte da Bahia e seus juízes . 1609 - 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979.
A história do impacto da burocracia sobre o Brasil colonial é uma história dos
objetivos múltiplos e muitas vezes divergentes do governo metropolitano, dos interesses
coloniais e dos próprios funcionários régios como indivíduos ou grupo. Cada repartição
burocrática procurava tomar conta e posse de recursos ou vantagens para si,.passadas por
seus próprios sucessos e fracassos.
A lista de banimentos republicada por Charles Boxer37, indica o predomínio de
negros e mulatos entre os acusados sentenciados pelo tribunal colonial, homens
marginalizados pela sociedade e forçados pelas várias formas de discriminação e pressão
social a um comportamento fora dos limites aceitáveis. Muitas vezes escravos eram usados
para praticar as vinganças de seus donos e quando pegos, tinham que agüentar o peso da
culpa. Poucas vezes os donos dos escravos ou administrados intercediam por seus
subordinados. A impressão gerada de uma sociedade atacada pela praga da violência e um
semi-mundo de ladrões, batedores de carteiras e assassinos. O costume de andar armado,
próprio das regiões de fronteira e a natureza dos colonizadores complicavam ainda mais
esse quadro, além dos problemas habituais da justiça. A lâmina afiada geralmente acertava
as diferenças38. Os crimes passionais e de violência originados por defesa à honra eram
freqüentes. O ‘desejo da mulher do próximo’, pecados da avareza e da inveja, citado no
decálogo, podia ser uma afronta gigantesca e era subentendido como um convite à guerra.
Ao se misturar com outros mandamentos, a destruição da honra – herdados dos pais –
deixava as atitudes protetoras dos portugueses para com suas mulheres quase legendárias,
visto que mulheres européias eram figuras raras nas terras do além-mar.
A Coroa colocava como primeiro dever do Tribunal a proteção legal dos
interesses reais e a imposição das leis39. Quando a situação ou evento era esperado, era
fácil para os desembargadores fazerem com que as leis fossem obedecidas, protegerem os
interesses reais e concordarem com as instruções. Acontecimentos extraordinários
deixavam a maioria dos órgãos administrativos do governo colonial temporariamente
paralisado devido a sua inflexibilidade e falta de habilidade para improvisar. A situação
difusa entre as funções administrativas e judiciais contribuía para o agravamento dos
serviços reais. A Coroa considerava os magistrados funcionários leais e dignos de
confiança, além de uma fonte de informações cuja opinião em assuntos locais sempre
37 BOXER, Charles. Portuguese Society in the tropics: the Municipal councits of Goa, Macao, Bahia and Luanda. 1510 - 1800. Madison : Milwaukee; Univ. of Wisconsin, 1965. Pp. 197 – 208. 38 ANASTASIA, Carla Maria Junho. A Geografia do crime: violência nas Minas setecentistas. Belo Horizonte : Editora UFMG, 2005. 39 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: a suprema corte da Bahia e seus juízes. 1609 - 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979. Pp. 123 – 125.
levaria em consideração os interesses em questão. Havia solidariedade entre
desembargadores e as elites colonias, muito deles, veiculavam com eficiência os interesses
dos poderosos locais, no julgamento de questões estratégicas como a interpretação de
cartas de doação, a revogação de sesmarias, a instituição, sucessão ou desmembramento de
proprieade vinculada - morgados e capelas.
Como a Coroa já previamente sabia, as pressões sociais e econômicas sobre
seus representantes e as ligações com a sociedade criavam ou distorciam os objetivos
específicos dos sancionados pelas normas burocráticas. Para e por isso, as legislações
referentes à magistratura profissional foi projetada para organizar o comportamento desses
dentro de padrões que seriam úteis para alcançar os fins administrativos propostos pelo rei.
O alto escalão esperava que a vida de um funcionário real fosse marcada por grande
sobriedade, e adjetivos como “sério, grave, capaz e prudente”40. Os esforços eram
múltiplos para assegurar a lealdade, imparcialidade e a eficiência administrativa,
principalmente nos cargos de relevância que representavam a autoridade do rei, como por
exemplo: juízes, desembargadores e demais cargos do judiciário41. A meta era evitar aquilo
que Stuart Schwartz chamou de ‘abrasileiramento da burocracia’.42
A administração se caracterizou pela delegação dos poderes: político-militar,
fiscal e judicial. Embora em muitos casos, cada um possuía sua organização, funcionários,
regulamentos e padrões, as relações, tensas por vezes, entre as autoridades eram descritas
nas Ordenações43. Segundo Schwartz “os padrões e objetivos conflitantes em um só ou
entre os diferentes órgãos administrativos resultavam na constante consulta a Lisboa e aos
desejos do rei expressos através de seus conselhos. Este sistema causava demora
burocrática e acirrava a competição administrativa, mas também conservava as rédeas do
governo colonial nas mãos do rei e de seus conselheiros metropolitanos”.44Na colônia, o
governador-geral era o representante direto da coroa e o comandante supremo da colônia.
Ele reunia o comando administrativo e militar dentro da colônia junto com a Relação.
Tendo em vista sua posição de poder, prestígio e o lugar na hierarquia governamental,
40 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: a suprema corte da Bahia e seus juízes. 1609 - 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979. Pág. 138. 41 Ficava claro quanto as intenções da Coroa ao conceder muitos favores e recompensas a obediência às normas burocráticas estabelecidas. 42 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: a suprema corte da Bahia e seus juízes. 1609 - 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979. Pp. 251-286 43 Como por exemplo a competência e as relações entre autoridade civil e eclesiástica que estavam definidas no Livro II das Ordenações Filipinas. 44 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: a suprema corte da Bahia e seus juízes. 1609 - 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979. Pág. 154.
mantinha os olhos atentos à sempre presente ameaça estrangeira e interessava-se na
conquista das terras, deixando a justiça e outros direitos civis de lado.
A hierarquia da justiça real no império português, moldado ainda em 1580,
abrangia em todo o seu território ultramarino45: Na primeira instância, em solo brasileiro,
os ouvidores de cada capitania; depois como segunda instância o ouvidor geral e a
Relação. Já em terras européias, a Casa da Suplicação e o Desembargo do Paço eram os
últimos degraus antes da intervenção, dificilmente requisitada ou mesma atendida pelo rei.
Com a restauração terminada em 1668, Portugal tem seu reconhecimento
independente da Espanha e volta a controlar por inteiro e com autonomia seus domínios.
Com isso, dava-se o ressurgimento da Relação, para fazer imperar de uma vez a lei e
ordem colonial. Durante o período da Restauração, foi criado um órgão para assumir os
controles civis e militares coloniais: o Conselho Ultramarino46.
“Ser governado era ser cada vez mais operado, notado, registrado, recenseado, tarifado, selado, medido, cotado, avaliado, patenteado, autorizado, rotulado”. O texto original diz: “(...) Ser governado era ser guardado à vista, inspecionado, espionado, dirigido, legislado, regulamentado, identificado, doutrinado, aconselhado, controlado, avaliado, pesado, censurado, comandado(...)”.47
Entendendo por burocracia o modo de administração em que os assuntos são
resolvidos por um conjunto de funcionários sujeitos a uma hierarquia e regulamento
rígidos, desempenhando tarefas administrativas e organizativas e também pela tendência
rotineira da centralização do poder decisivo; sendo composto por classes de funcionários
públicos e privados legítimos e, em especial, os funcionários do Estado48. No Antigo
Regime português, essa burocracia caracterizou, assim, por ter influências passionais.
A fonte dessa burocracia era o Estado que se tornou possível o controle e
administração de um número cada vez maior de setores da vida social, aumentando o seu
aparato pessoal e as suas funções e regulamentações dentro das relações pessoais. Na
sociedade corporativa da colônia dos trópicos, a população mesclou as relações pessoais e
a burocracia.
Os letrados e a magistratura colonial continuavam sob controle do Desembargo
45 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: a suprema corte da Bahia e seus juízes . 1609 - 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979. 46 “Estabelecido em 1642, o Conselho Ultramarino continuou como importante órgão do
governo até o século XIX”. SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: a suprema corte da Bahia e seus juízes. 1609 - 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979. Pág. 192. 47 Fernando Pinéccio em KAFKA, Franz. O Processo. São Paulo : Hemus, 1969. Em que seu personagem, K., acaba pela burocracia que envolve o processo, ainda que relacionado a representação de justiça e todo o aparato que lhe cerca. 48 http://www.achegas.net/numero/vinteeoito/trotta_28.htm. Visitado em 24 de abril de 2008.
do Paço. As despesas de seu incipiente burocrático tendo todos incipientes funcionários
públicos proviam a casa real das arrecadações nos mais distantes lugarejos. Os impostos
locais estabelecidos, as multas na quantidade dos delitos passíveis dessa pena, constituíam
receita considerável. Era um modo del' Rei, ou pelo menos seus representantes, estarem
presente nas diversas e mais distantes regiões do vasto império portugues. Desde o começo
da colonização brasileira, a Igreja católica tomara grande parte dessa responsabilidade de
registros e reguladora moral da sociedade. Com a signitiva relevância que as terras no
Brasil passam a ganhar com a descobertas de ricas jazidas de ouros nas minas gerais, a
colonia brasileira, bem como todo o império, estariam sujeitos a receber algumas
transformações na estrutura político-administrativa. O comando da economia e da
administração deveria concentrar-se nas zelosas e ciumentas mãos ávidas de lucros e de
pensões do estamento burocrático. Para conservar o já tradicional edifício do governo
português, o cordão umbilical da metrópole com a colônia e combater o contrabando,
fraude, sonegação de imposto e especulação, exigiam providencias. Muitas dessas
desagradam muita gente, mas em contrapartida, num quadro geral, ajudou a colônia.
As vilas que modelaram a organização jurídica no Brasil possuíam dentro delas
os capitães-mor e governadores cujos cargos eram relativos nas terras que descobrissem,
bem como para criar e nomear tabeliães e mais oficiais de justiça necessários, atuando
como célula irradiadora49 que pertence a um corpo, determina suas funções em prol de algo
único, maior e insolúvel, Portugal não buscava o reflexo de suas instituições na América
como uma suposição nova de um reino velho, mas sim um prolongamento das suas
instituições, armadas de poderes para transpor, do alto, por obra da moldura jurídica, a vida
política e social. Para isso, as obras da lei e o dogma punitivo faziam-se necessários para o
desenvolvimento da governabilidade já previamente definido.
O pelourinho50 simbolizava o núcleo legal: instrumento e símbolo da
autoridade, coluna de pedra ou de madeira que servia para atar os desobedientes e
criminosos, para o açoite ou o enforcamento. Com o pelourinho se instalava a alfândega e
a igreja, que indicavam a superioridade do rei, cobrador de impostos, ao lado do padre,
vigiando as consciências. Com as vilas se instaurava, no litoral e no sertão, a palavra
49 MACHADO, Brasil P. Esboço de uma sinopse da história regional do Paraná. História: Questões e Debates, 8. (14/15): 177 – 205. Jul – Dez. 1987. 50 A ausência do pelourinho no Brasil evidenciava o desrespeito pela lei e a desordem que continuavam a caracterizar a sociedade brasileira. Para tantos, os crimes cometidos por funcionários avarentos, caçadores de fortunas, aventureiros, marginais e demais criminosos em Portugal levavam ao exílio no Brasil.
rígida, inviolável e hierática das Ordenações51. A colonização e a conquista do território
avançam pela vontade da burocracia, expressa na atividade legislativa e regulamentar.
A fundação da vila servia para lembrar a autoridade da Coroa, empenhada em
substituir a força dos patriarcas pela justiça régia. As câmaras se converteram em órgãos
auxiliares de administração e departamentos executivos da rede burocrática que envolvia o
império. O ouvidor-mor cuidaria da justiça, com alçada sujeita aos recursos de Lisboa.
Contemplava-se a obra de incorporação e absorção dos assuntos públicos da colônia a
autoridade real, por meio de seus agentes diretos. As distâncias grandes e as comunicações
difíceis deixavam, nas dobras do manto de governo, muitas energias soltas, que a Coroa,
em certos momentos, reprimirá drasticamente, e, em outros, controlará pela
contemporização. A rede oficial não cobrirá todo o mundo social, inaugurando um
dualismo de forças entre o Estado e a vida civil. Por essa via, a sua moldura, ora rígida ora
flutuante, a Coroa dominou, controlou e governou suas conquistas através de seus agentes.
As atribuições públicas dos capitães se incorporam no sistema do governo-
geral, fiscalizados por um poder mais alto, em assuntos militares, da fazenda e da justiça.
A instituição, no seu lado particular, prolongou-se até o século XVIII, quando o fracasso
das capitanias. O instrumental de controle, de comando e de governo devia ser
reformulado, guardado o objeto que inspiraram o plano ineficaz, ferido na turbulência, na
inaptidão de consolidar a segurança interna e externa.
O capitão-geral podia criar vilas, nomear ouvidores, dar tabelionatos tanto de
notas como judiciais de atribuições amplas, ele agia em nome do rei, sujeito
implicitamente aos seus ditames, como de depreende ao limitar os negócios do rei dos
seus, quer na justiça, no comércio e no regime fiscal. É o contexto geral da estrutura de
governo, plantada, desenvolvida e fixada desde a dinastia de Avis. As fundações de vilas
agregavam em um núcleo a vigilância das atividades comercias e estruturavam o interesse
fiscal. Somando-se a isso a preocupação com a defesa e o reflexo da organização
administrativa que precedia ao fluxo das populações52.
O impulso português de legalizar todas as ações refletiu possivelmente na
importância dos cargos de registros. Na categoria dos intermediários entre magistrados e as
partes em litígio, os escrivães tinham uma função de tomar decisões, com o poder de
apressar ou retardar o litígio, sendo assim, muito mais que simples anotadores de
51 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001. 52 NADALIN, Sérgio O. Paraná: ocupação do território, população e migrações. Curitiba : SEED, 2001.
documentos legais. A dependência de declarações, testemunhos, questionários e
depoimentos escritos emprestaram grande importância ao cargo de escrivão. A venda ou
concessão de tais cargos não era de forma alguma diferente da tendência geral
administrativa européia.
Os tabeliães eram designados pela Coroa e o número de cargos limitado. O
desejo de formalizar e legitimar todos os tipos de ações públicas particulares cevou a uma
grande procura de escriturários legais licenciados. À medida que aumentava o número de
processos, aumentava também a necessidade de tabeliães. Muitos desses escriturários não
tinham a mínima competência, constantemente agüentavam o peso das reclamações
coloniais.
O legalismo formalístico, a constante necessidade de documentos reconhecidos
e a onipresença do tabelião e do administrador do governo tinham sido usados para
caracterizar a presente forma de governo no Brasil como sendo um estado cartorial.
Tabeliães vinham praticando suas profissões desde antes da chegada da Relação, mas a
presença desta criou novas oportunidades para o grupo.
Desde o início do século XVIII que a propriedade de todos os ofícios de justiça
(notários e escrivães, nomeadamente) estava à disposição das elites econômicas das
colônias Os cargos régios eram apenas uma das vias que as elites locais usavam para
colonizar a administração Uma maneira singular da população brasileira, residente
enraizada e socialmente bem estruturada, combinar interesses sociais e poderes
administrativos. Em contrapartida, a criação do conselho ultramarino visava um maior
controle dos assuntos colonias de natureza civil e militar, gerando, na medida do possível,
um processo normatizador.
Em cada povoação, os tabeliães pagavam, pelo exercício do cargo, uma
anuidade53. Pensões dos tabelionatos, da justiça civil, juntamente com as dízimas
eclesiásticas e os impostos sobre movimentação comercial eram as principais rendas
colhidas para o tesouro da coroa. A criação de rendas de seus bens, envolvia o patrimônio
particular, manipulava o comércio para sustentar o séqüito e garantia a segurança de seu
predomínio54.
A responsabilidade do notário ou registrador era o pilar do sistema registral,
53 Destas semelhanças são as disposições no estatuto da Covilha, segundo o qual se cobrava das mulheres mundanas em soldo cada mês, pelo direito de exercerem a profissão. FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001. 54 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001.
cabendo ser responsável direto por todos os atos praticados no cartório. Quando se
reconhece uma firma, autentica-se um documento, lavra-se uma escritura, registra-se um
imóvel, notifica-se uma pessoa, protesta-se um título, outorga-se uma procuração pública,
em todos estes atos, muito além do carimbo do cartório, agrega-se a este documento uma
espécie de seguro, baseado na responsabilidade e fé pública do Tabelião...
“e essa responsabilidade, que garante efetivamente a segurança jurídica e econômica dos atos praticados em cartório, é decorrência direta e imediata da autonomia e independência dos notários e registradores, que exercem a atividade em caráter privado por delegação do poder do rei”,
Posto que garantia eficiência dos serviços e efetividade da responsabilidade do
Tabelionato. Além do mais, asseguram ao Estado a mais eficiente e segura estrutura de
fiscalização dos contratos particulares.
Nessa cultura político-administrativa, os documentos escritos eram decisivos
para certificar matérias, desde o estatuto pessoal aos direitos e deveres patrimonias; como:
cartas régias de doação ou de foral, as concessões de sesmarias, a constituiçção e tombo
dos morgados, as vendas e partilhas de propriedades, requerimentos de graça régias, a
concessão de mercês, autorização diversas, processos e decisões judiciais. Tudo isso devia
constar de documento escrito, arquivado em cartórios que se tornavam nos repositórios da
memória jurídica, social e política da colônia
As funções públicas se diferenciam por competências, fundadas na distinção
básica da administração pública. A supremacia encarrega, sob a presidência do soberano,
de administrar, distribuir justiça e definir as leis. Sendo que Deus teria depositado na figura
do Rei a representação máxima de justiça e honra55, e somente da linhagem institucional
derivada dele era legítimo atuar. Pensando nisso, o tabelião de notas estaria investido numa
atribuição homogênica isto é, o cargo e função dos notários, ou qualquer dentro da
administração, eram também, de certa forma, os do Rei. Estado de oferta assim: unidade,
alma e energia ao Império Português, o funcionário era o outro eu do rei, um outro eu
muitas vezes extraviado da fonte de seu poder.
A investidura em muitas funções públicas tinha como condição essencial que o
candidato fosse “homem fidalgo, de “sangue limpo” ou de “boa linhagem”.O aparelho
administrativo era muito, em alguns aspectos, débil. A esta fragilidade estava relacionada
com a falta de recursos financeiros e humanos da coroa, o deficiente conhecimento
55 Idéia provida do Direito Divino e a herança dos tronos pela linhagem familiar. MARQUES, Mário. História do direito português: medieval e moderno. Lisboa : Almedina, 2002. Em especial os capítulos intitulados: “Período de influência do direito divino” e “Período de influência do direito comum”.
territorial e as demoradas comunicações internas – más estradas e deficiente serviço de
correios - não era bastante suficiente para melhorar o aparelho burocrático.
Para Schwartz, o governo e a sociedade no Brasil colonial estruturaram-se a
partir de duas premissas básicas interligadas entre si: a administração controlada e dirigida
pela metrópole, caracterizada pelas normas burocráticas e relações impessoais, amarrando
os indivíduos e os grupos às instituições políticas do governo formal; e por outro lado, o
fenômeno descrito do “abrasileiramento da burocracia”, onde existia uma teia de relações
interpessoais baseadas no interesse, parentesco ou objetivos comuns, que não menos
formal, mas não detinha o reconhecimento oficial.
O caminho da administração e da política estaria esboçado se um soberano
pudesse conduzi-la livremente, embora a “justiça não tivesse senhores” e o monarca
reservasse para si “a maior justiça”. Pensando nisso, remito-me a questão da arte de
governar, da mudança de visão dos governantes para com seus governados56, onde se
encontraria a necessidade de conhecer o que, aquilo ou quem se estava governando. Além
da tentativa de tornar presente o poder real em todas as terras, pessoas e coisas. Aliada a
isso, a estrutura hierárquica e a noção de sociedade corporativa contribuem para
entendermos as tensões existentes entre o que era a prática corriqueira ou apenas um
discurso normativo teórico.Do senhor virtual do território eleva-se o Estado, em nome do
Pai, Filho, Espírito Santo, e, por que não, do Rei.
Amém.
56 Ver FOUCAULT, Michel. Governabilidade. IN: FOUCAULT, Michel, Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1979. Págs. 277 – 295.
CAPÍTULO II
... Perdoai-nos as nossas ofensas
Assim como nós perdoamos
a quem nos tem ofendido.
Como mostrado no capítulo anterior, o sistema jurídico-administrativo do
Império Portugês passava a transitar pelo decurso da sua burocratização de forma passional
e legal durante o Antigo Regime. Posto que a transferência da responsabilidade de poder
era derivada exclusivamente do rei, seus agentes, direta ou indiretamente, faziam-se valer
da justiça régia e oficial como instrumento de controle social. Sendo assim, o entendimento
do conceito de perdão no mundo ocidental e de questões mais pontuais, como costume da
violência e justiça, formam o foco deste capítulo, dada ainda a monopolização da resolução
das querelas pessoais, dos processos judiciais e a relação do perdão e a justiça secular nas
sociedades do Antigo Regime.
Desde o mundo antigo, a vingança era vista como uma virtude e o perdão como
um sinal de fraqueza. A maneira habitual de proceder diante uma querela pessoal era a
prática do costume do “olho por olho, dente por dente”, da defesa da honra só poderia ser
lavada com o sangue daquele que a difamou. Durante os duelos particulares, a demostração
de vocação para a contenda tinha o propósito de demonstração de força e respeito,
habilidade com as armas e destreza diante do inimigo simbolizavam astúcia pessoal e
significavam de grande valia social. O que estava em jogo era o poder de manter-se
respeitado perante sua sociedade e pelos seus antagonistas.
Entretanto, com o cristianismo enraizado na Idade Média exaltam-se as
faculdades da misericórdia e do amor ao próximo. A pregação do amor por Jesus Cristo
contestava, em vários momentos, a lei do talião:
“vocês ouviram o que foi dito aos antigos: 'não mate! Quem matar será condenado pelo tribunal'. Eu, porém, lhes digo: todo aquele que fica com raiva do seu irmão, se torna réu perante o tribunal. Quem diz ao seu irmão: 'imbecil', se torna réu, quem o chama de 'idiota', merece o fogo do inferno. Portanto, se você for até o altar para levar sua oferta, e aí se lembrar de que o seu irmão tem alguma coisa contra você, deixe a oferta aí diante do altar, e vá primeiro fazer as pazes com seu irmão; depois volte para apresentar sua oferta. Se alguém fez alguma acusação contra você, procure logo entrar em acordo com ele, enquanto estão a caminho do tribunal; senão o acusador entregará você ao juiz, o juiz entregará ao guarda, e você irá para a prisão.”
57
Mesmo ofendido e inocente, um discípulo de Jesus deveria ter a coragem de
dar o primeiro passo para a reconciliação, pois havendo um simples ofensa, havia uma
57 Como descrita na passagem do Primeiro Livrinho: Justiça do reino, em Mateus 5:21-25. In: Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo : Paulus, 1996. Pág. 1243
culpa e um julgamento. Os ensinamentos descritos pelos apóstolos podem ilustrar a idéia
de justiça e perdão que permeiam a fé cristã58. A finalidade era demonstrar um conceito
inovado e vigorado pelo catolicismo no sentido de buscar uma reconciliação dos atos
humanos perante Deus, propagando a libertação, e não o conformismo, a alienação e a
vingança.
“Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. Felizes os aflitos, porque possuirão a terra. Felizes os os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os que são misericordiosos, porque encontrarão misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”
59
Não é a toa que temos na figura de Jesus de Nazaré o descobridor do papel do
perdão na esfera dos negócios humanos60. Foi sua pregação de reciprocidade ao outro que
podemos associar com a idéia de amor perante ao seu semelhante, “eu vos deixo apenas um
mandamento: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”61, ao seu próximo; cuja
conseqüência levaria a conquista da graça e misericórdia divina e a absolvição dos atos e
pecados carnais, possibilitando aos homens acalçarem o Reino de Deus, o paraíso, após a
reconciliação de seus pecados. Superando a vingança ou até mesmo uma “justa” punição
com uma atitude nova, o perdão, eliminando o círculo eterno e infernal da violência.
“Vocês ouviram o que foi dito: 'olho por olho e dente por dente!' Eu, porém, lhes digo: não se vinguem de quem fez o mal a vocês. Pelo contrário: se alguém lhe dá um tapa na face direita, ofereça também a esquerda! Se alguém fa zum processo para tomar de você a túnica, deixe também o manto! Se alguém obriga você a andar um quilômetro, caminhe dois quilômetros com ele”
62.
O espírito caridoso era dito, segundo Santo Agostinho: “a graça e confissão
para com Deus são devidas ao perdão das ações más e indginas dos humanos”63. Se o
modelo a ser seguido era Jesus Cristo e amar o próximo era perdoá-lo, falar era bem mais
fácil que praticar, ainda mais quando nos casos envolvidos estavam circunstâncias sócio-
familiares. Nada no mundo obrigava as pessoas a amar seus semelhantes, que não existia
58 Dita como tal segundo Lucas XI, versículos 1-4 e Mateus VI, versículos 7-15. Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo : Paulus, 1996. Págs. 1328 e 1245. Assim como nas orações “Credo”, “Ave Maria” e “Salve Rainha” também remetem a idéia submissão dos pecadores diante um Ser superior. 59 Mateus 5: 3-8. Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo : Paulus, 1996. p. 1242. 60 ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Lisboa : Forense, 1983. Pág. 250. Sobre a Irreversibilidade e o Poder de Perdoar, assim como a Imprevisibilidade e o Poder de Prometer. 61 O propósito do novo mandamento era gerar uma comunidade que oferecesse uma alternativa de vida digna e liberdade perante a morte e a vingança. João 13:34-35. Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo : Paulus, 1996. Págs. 1375. 62 Mateus 5:38-41. Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo : Paulus, 1996. Pág. 1244. 63 Santo Agostinho. Confissões. São Paulo : Nova Cultural, 2000. Livro II – Sobre os pecados da infância. Capítulo 7, O perdão. Págs. 72-73.
nenhuma lei natural ordenando ao homem que amasse a humanidade, que se o amor havia
reinado sobre a terra, era devido não a lei natural, mas unicamente a crença das pessoas na
sua imortalidade. O perdão relacionava-se com o divino, e do ponto de vista humano, era
quase impossível.
No decorrer da Idade Média européia, a Igreja Romana, na figura do Papa64,
vê-se na função de desempenhar esse papel de intermediária na relação de Deus com a
sociedade, tornando-se legitimadora do perdão divino e espiritual,
[...] acredito que sejam boas, porque, se Deus pôs um homem em seu lugar, que é o papa, e mandou perdoar, isto é bom, porque é como se recebêssemos de Deus, já que são dadas por seu representante
65.
Pois se a essencia da religião cristã consiste em perdoar o próximo para ser
perdoado por Deus, então a “lei do pedrão” era assim discutida por um pobre moleiro no
século XVI:
‘ Lei do perdão’,(...). A uma certa altura, porém, não se escondia que a ‘lei do perdão’ podia ser interpretada de maneira exclusivamente humana, colocando, portanto, ‘em perigo’ o culto a Deus: ‘O perdoar é um remédio tão grande e poderoso que Deus, ao fazer essa lei, pôs em perigo toda a fé que a ele se deve e até mesmo parece uma lei feita pelos homens, em nomes de todos os homens, através da qual se diz abertamente que Deus não considera as injúrias que lhe fazemos, ainda que sejam tantas, desde que entre nós nos amemos e perdoemos. E de fato, se essa lei não desse a quem perdoa a graça de sair dos pecados e de ser homem de bem, poderia julgar-se que essa lei não fosse lei de Deus para governar os homens, e sim, unicamente, lei dos homens que, para viver em paz, não se preocupam com delitos ou pecados que são cometidos em segredo, de acordo ou de modo que não disturbem a paz e o viver do mundo. Mas, vendo que quem pela honra de Deus perdoa obtém o que deseja de Deus e que é de Deus o favorito, tornando-se apto só para as obras boas, fugindo das ruins, as pessoas confirmam e reconhecem a bondade de Deus conosco’. Portanto, apenas a intervenção sobrenatural da graça divina impede que se assuma o núcleo da mensagem de Cristo (a ‘lei do perdão’) como vínculo puramente humano, político66.
Em se tratando da mentalidade de um leigo, acusado de heresia e blasfêmia
pela inquisição, era a noção que uma sociedade construída com fortes conceitos católicos
que se permeava a idéia do perdão:
Eu peço em nome da paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, que não se declare a minha sentença com ira e injustiça, mas com amor, caridade e misericórdia. Os senhores sabem que Nosso Senhor Jesus Crsito foi misericordioso e perdoou e perdoará sempre: perdoou Maria Madalena, que foi pecadora, perdoou São Pedro, que o negou, perdoou o ladrão, que
64 Por ter dado tal poder de perdoar e a justiça e misericórdia do Reino era inseparável da misericórdia, a apresentação do poder de perdoar foi entregue à comunidade da Igreja. Mateus 9: versículos 1-13. Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo : Paulus, 1996. Pág. 1249. Ainda sobre a justiça na bíblia, ver Provérbios, II. O caminho da justiça: o justo e o injusto. Capítulos. 10-22. Idem. p. 841-850. 65 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo : Companhia das Letras, 1987. Pág. 76. 66 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo : Companhia das Letras, 1987. Pág. 99 – 101.
tinha roubado, perdoou os judeus, que o cricificaram, perdoou São Tomé, que duvidou do que viu e quis tocar. Dessa forma eu acredito firmemente que ele me perdoará e terá misericórdia de mim
67.
O que Domenico Scandella, o Menocchio estudado por Ginzburg, foi forçado a
entender a Igreja Romana uma intituição legítima para consentir o perdão na Península
Itálica do século XVI, a Europa Moderna, a partir de então, passava a presenciar as tensões
entre católicos e protestantes, e os verdadeiros cristãos deveriam seguiam o padrão dos Dez
Mandamentos e dos Sete Pecados Capitais como verdadeiras vontades de Deus.
Apesar das diferenças religiosas e sociais com a Europa, o conceito de perdão
cristão foi o mesmo transplantado à América colonizada, visto a transposição de valores
europeus na colônia brasileira. Por um lado, a Igreja detinha o papel de conceder a
misericórdia divina pelos pecados da alma e o perdão não era uma opção mas um
imperativo; do outro lado, rei toma para si a incumbêmcia de gozar das prerrogativas do
perdão secular, considerando ele como referência da justiça para todos os reforços da
soberania68. Permitido pela lei civil e natural, apenas Sua Majestade detinha o poder de
remissão dos crimes mundanos.
Sendo assim, a prática da justiça particular perdia notoriedade com a
intervenção da justiça régia. Os códigos penais surgidos na Europa ocidental davam um
panorama das transformações punitivas ocorridas na Idade Moderna, coincidindo com os
“novos projetos para a justiça tradicional, reformas, novas teorias da lei e do crime, nova
jurisdição moral e política, supressão dos costumes e redação de códigos modernos”69.
A nova era para a justiça penal estaria voltada para as mãos dos soberanos.
Justiça essa que assumia a parte da violência que estava ligada ao seu exercício e/ou ao seu
poder de reconciliação. O julgamento do que era passível de ser punido ou absolvido
transbordava as questões pessoais. A estabilidade das leis escritas descrevia os crimes e
delitos e suas respectivas punições, bem como suas prerrogativas de anistia, graça ou
indulto. O objetivo era alterar as noções e práticas das justiças particulares, colocava-se
então vinculada a imagem de um criminoso como sendo em um ser capaz de viver
respeitando a legislação régia, seja pela força da uma condenação, seja pela concessão e
reconhecimento do perdão a seu(s) crime(s).
67 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo : Companhia das Letras, 1987. Pág. 173. 68 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. p. 19. 69 Nessa época que foi distribuída na Europa e na América a economia do castigo. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, 1987. Pág. 11.
A transformação nos métodos e modos de punir passa pelo entendimento da
compreensão da alma do criminoso70. O perdão como instrumento, ou melhor, recurso
jurídico como veremos adiante, remota muito antes dessas modificações penais do século
XVIII. Desde o século XIV têm-se registrado a graça régia como um meio de comutação
de penas, do perdão para determinados delitos sendo possível na medida em que o monarca
era o juíz supremo do reino.
Para o Império Português, ao conceder o perdão, o monarca estaria fazendo
justiça ou corringindo uma injustiça caso fosse necessária sua intervenção, conforme as
leis cristãs. As cartas de perdão surgidas, talvez durante o reinado de D. Pedro I71, foram
vulgarizando-se lentamente. A corriqueira reintegração de delinguentes deixa de ser
exceção e passa a ser regra dos menos afortunados da sociedade corporativa hierarquizada,
normalmente os camponeses lusitanos, que chegam a pedir clemência por crimes
cometidos e monopolizam alguns livros da chancelaria, durante os reinados de D. Afonso
V e D. João II72. De acordo com os interesses régios e variando de monarca para monarca,
por vezes o perdão tornou-se uma prática rotineira, eliminando o caráter excepcional. Com
o pedido aceito, o rei dirige uma carta constituída da titulatura e saudações habituais,
depois resume a história de um ou vários delitos que teve conhecimento através de uma
súplica feita pela pessoa acusada. Segundo Luís Miguel Duarte, as cartas de perdão
retomam quase ipsis verbis o texto das súplicas. Então, pode-se prever que os relatos dos
fatos criminosos espostos nas cartas de perdão eram o mesmo dos pedidos endereçados ao
rei73.
Com os apontamentos de Duarte sobre a atuação das várias justiças dentro da
metrópole portuguesa na segunda metade do século XV, pode-se constatar que desde o
referido perídodo as tradições das agressividades diretas entre as pessoas já ganhavam
intensa solidariedade e respostas das justiças do rei, seja na intervenção justa da
suplicação, seja num ato punito exemplar. O autor analisou ainda um dado interessante, o
que o mesmo denominou lei térmica da criminalidade de Portugal: nas regiões do sul
dominavam os crimes contra as pessoas nas estações de maior calor, enquanto ao norte, na
70 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, 1987. p. 18-9. 71 DUARTE, L. DUARTE, Luís Miguel. História de morte e vida há quinhentos anos. http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4262.pdf. Em 01 de novembro de 2008. p. 89. 72 DUARTE, Luís Miguel. Justiça e Criminalidade no Portugal Medievo (1459 – 1481). Vol. I,. Porto, 1993. 73 DUARTE, Luís Miguel. História de morte e vida há quinhentos anos. http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4262.pdf. Em 01 de novembro de 2008.
estação fria, dominavam os crimes contra a propriedade74.
No 'calor' das histórias, Natalie Davis dedica um capítulo inteiro de sua
brilhante obra sobre o perdão na justiça francesa do século XVI75, onde a raiva e a legítima
defesa serviriam de atenuantes para os crimes cometidos pela 'bílis quente'.
As exploões de raiva não eram suficiente para o perdão, mas sua solicitação era
mais plausível. Na Inglaterra do século XIII, os perdões eram concedidos de duas formas:
“perdões de graça”, outorgados a critérios do rei e quase sempre mediante um pagamento
ou em consideração por serviços militares prestados ou futuros, e os “perdões de fato”,
dado a pedido de um indivíduo epor recomendação de um júri, quando o homicídio era
legalmente desculpável76.
Agir de forma legalmente desculpável era quando o crime fosse decorrente de
um ato de legítima defesa ou acidental, sendo coibido as ações premeditadas e dolosas.
Surgia então a distinção dos crimes doloros e culposos, onde, por via de regra, só os
culposos poderiam ser extendidos a análise das chancelarias e as cortes supremas.
O rei poderia compreender a morte de uma pessoa na seqüência de uma
discussão mais do que um roubo de gado ou um fogo posto, dado que o criminoso deveria
argumentar que fora dominado mais pela raiva do que pela razão, sendo assim, o rei podia
considerar os crimes mais perigosos para a estabelidade social.
O perdão das partes significava o perdão das vítimas ou dos familiares de até
qaurto grau77. Eram nessas declarações públicas que se registrava qualquer tipo de
condição para o perdão. Como muitas das agressões e pancadarias terminavam com
ferimentos no corpo e na reputação, caberiam aos menbros familiares decidirem qual seria
uma condição, ainda que mínima, para a realização do perdão. Nos casos dos camponeses
interioranos de Portugal, muitos deles tratavam de questões de honra, de precedência, de
virtude das murelhes de família ou da afirmação da virilidade própria,
“pois esta gente nervosa, amendrontada, profundamente insegura, reagia demasiado
74 DUARTE, Luís Miguel. Crimes na Serra. In: Jornadas Históricas do Concelho de Gouveia. Gouveia, 22-24 de março de 2001. p. 81-2. 75 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. Em especial o capítulo 2, intitulado: A raiva e a legítima defesa. 76 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. Apud: BEATTIE, M. Crime and the courts em England 1660 – 1800. Princeton : New Jersey, 1986. Ainda sobre o perdão na corte inglesa, destacam-se os estudos de HAY, Douglas. Property, authority, and the criminal law. In: _. Albion's fatal tree: crime and society em Eighteenth-Century England. Nova York, 1975; e LANGBEIN, John H. Albion's fatal flaw. Past and Presente, 98 (fev. 1983): 96-120. 77 DUARTE, Luís Miguel. Crimes na Serra. In: Jornadas Históricas do Concelho de Gouveia. Gouveia, 22-24 de março de 2001.p. 81-102.
depressa e quase sempre por excesso; à rápida tempestade seguia-se uma não menos rápida bonança, mas muitas vezes o mal estava feito”
78.
As explosões de raiva e crimes cometidos no 'calor das emoções' não eram
restritivas aos casos popularescos, haviam os famosos da literatura, como por exemplo os
ódios antigos, que por vezes explodiam em violência, entre jovens de Verona do conto
Romeu e Julieta de William Shakespeare79. Em ambos casos de violência, histórias
camponesas ou conto de famílias nobres e até mesma literárias80, conservaram certas
ligações com tradições de honra familiar, com um mundo tempestuoso que girava ao redor
das pessoas imprevisíveis na passagem da mentalidade medieval para a moderna.
A prórpia confusão entre o amor e o ódio variava de formas, dimensões e
manifestações nas sociedades do Antigo Regime. O perdão praticado entre uma pessoa
próxima ou ainda por um parente era fruto das intensas relações de sentimentos que
estavam expostos os indivíduos. Como Duarte demostra nas situações bárbaras e cômicas
que ocorriam nos açougues medievais onde ocorriam discussões e pendêmcias sociais. Em
quando a alusão ao rei não era apenas nos casos de justiça social particular,
“as ordenações do reino eram taxativas: quem precisava de ajuda gritava Aqui d'El Rei, pois chamava por outro e significava reconhecer que, neste local e nessa data, o rei e os seus homens podiam salvá-lo, ou simplesmente os populares de bem que aos gritos deviam sair de casa e acudir a quem assim chamava”
81.
Uma forma ou de outra, a esfera de poder régio pode ser encontrada em
qualquer forma de solução de querelas, seja na prevenção da violência ou na remissão de
um crime.
Nas súplicas endereçadas ao rei pode-se conjecturar a interferência de uma
pessoa entre a relação do suplicante e o suplicador. Esse intermediário, normalmente um
tabelião, advogado ou procurador, dominavam como se deveria compor uma carta de
perdão endereçada ao rei, seu teor, como tratar o soberano, como expor o caso, que provas
juntar, que formulários seguir82.
Logo após resumido a história de quem pede, o pedido de perdão desenrolan-se
78 DUARTE, Luís Miguel. Crimes na Serra. In: Jornadas Históricas do Concelho de Gouveia. Gouveia, 22-24 de março de 2001. p. 85. 79 Exemplificado como tal por DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. p. 108-115. 80 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. 81 DUARTE, Luís Miguel. Crimes na Serra. In: Jornadas Históricas do Concelho de Gouveia. Gouveia, 22-24 de março de 2001. p. 98. 82 DUARTE, Luís Miguel. História de morte e vida há quinhentos anos. http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4262.pdf. Em 01 de novembro de 2008. p. 89.
segundo um estrutura-tipo, com partes diversas, cada qual com propriedades que exigem
uma interpretação particular.
Tanto as cartas de perdão francesas analisadas por Davis e as portuguesas
analisadas por Duarte, trazem, de certa forma, marcas gerais sobre o perdão como
dispositivo judírico na Europa tardo-medieva e moderna: redigidas na voz passiva, trazem
a noção que ninguém rouba, ataca ou mata as pessoas, elas que faziam-se roubadas,
atacadas ou mortas; havia ainda a desqualificação da vítima e a segregação do réu de suas
faculdades mentais, da sua razão; junto com o reconhecimento da autoridade da coroa, a
legitimação e o respeito peranto o soberano; e para finalizar, a menção do pedido “à honra
da morte e paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo”.Tudo isso era para criar uma contexto
difuso em que o crime aconteceu e ainda para tentar diluir a gravidade das ofensas.
Na Europa do séculos XV até o XVIII, a disputa dentre dos corpos sociais
eram praticamente constantes. Na medida em que aproximamos reflexões para o foco da
pesquisa, visualiza-se um Reino Portugês moldado pela violência e pela misericórdia,
constituía o cenário de sociabilidades, promovia laços fraternais e estreitava as relações
entre seus membros e entre estes e a comunidade83.
Dentre das histórias de violência no mundo ocidental, as cartas de perdão tem
sido valiosas fontes históricas. Prova disto são os inúmeros estudos84 que delas partem para
ilustrar o quadro de violência que permeava as sociedades do Antigo Regime. Para o caso
português, as práticas do perdão civil também contribuem de grande valor para as pesquisa
sobre violência, justiça e configurações sociais85.
83 ARAÚJO, M. M. L.de. “As misericórdias portuguesas enquanto palcos de sociabilidades no século XVIII”. In: História: Questões & Debates, Curitiba , nº. 45, 2006. p. 155-176. 84 DELUMEAU, Jean. A confisão e o perdão. São Paulo : Companhia das Letras, 1991; e para citar alguns mencionados por Paulo Drumond Braga: MUCHEMBLED, Robert. Le temps des Supplices. De l' Obéissance ous les Rois Absolus. XV – XVIII Sièle. Paris : Armand Colin, 1992; GAUVARD, Claude, De Grace Especial. Crime, ètat et Societé em France à la Fin du Moyen Âge. Vol. I. Paris : Sorbornne, 1991; CASTAN, Nicole, “La justice expéditive”. In: Annales, Économies, Sociétés, Civilisations, 31º. ano, nº. 2. Paris :Armand Colin, 1976; FARGE, Arlette e ZYSBERG, André. “Les théâtres de la violence à Paris ae XVIII sièle”. In: Annales, Économies, Sociétés, Civilisations, 31º ano, nº. 2. Paris :Armand Colin, 1976; FURET, Claude, “Douais au XVI sièle: une sociabilité de l' agression”. In: Revue d' Historie Moderna e Contemporaine. Tomo 21, fasc. 3. Paris, 1974; MUNOZ, Isabel Perez. Pecar, Delinquir y Castigar. El Tribunal Eclesiastico de Coria em los Siglos XVI y XVII (Cáceres). Institución Cultural El Brocense, Deputación Provincial de Cáceres, 1992; RUBLACK, Ulinka. The Crimes of Women in Early Modern Germany. Oxford : Clarendon Press, 2001; GARNOT, Benoît. Justice et Societé em France aux XVI, XVII et XVIII siècles. Paris : Ophrys, 200; BEATTIE, J. M. Policing and Punishing in London. 1660-1750. Urban Crime and the Limits os Terror. Oxford : Oxford University Press, 2001. 85 Os clássicos: DUARTE, Luís Miguel. Justiça e Criminalidade no Portugal Medievo (1459-1481). Lisboa : Fundação Caloustre Gulbenkian, Fundação para a Ciência e Tecnologia, 1999; e HESPANHA, Antonio Manuel. “A punição e a graça”. In: MATOSO, José (dir.) & HESPANHA, Antonio Manuel (coord.).História de Portugal, vol IV (O Antigo Regime). Lisboa : Estampa, 1993. Os mais específicos: DRUMOND BRAGA, Isabel M. R. “A criminalidade em Portalegre no reinado de D. João III:
A ligação entre os portugueses e a instituição real investia-se pelas diversas
esferas do poder, e talvez a mais siginificativa dava-se pela justiça. Tanto o poder de punir
como a oportunidade do perdão, traziam a exclusividade da justiça ao patrono português.
Seja na perspectiva da metrópole ou em realidades mais distantes, como os povoamentos
em áreas afastadas do centro do poder na África, Ásia e Brasil, o rei fazia-se representado
nas obras e ações de seus agentes. O perdão de um juiz ordinário, juiz de paz, de um
ouvidor ou capitão-mor poderia ser entendido como um desdobramento da vontade régia.
Ainda que,
“se, ao ameaçar punir (mas punindo efetivamente, muito pouco), o rei, se afirmava como justiceiro, dando realização a m tópico ideológico essencial no sistema medieval e moderno de legitimação do poder, ao perdoar, ele cumpria um outro traço da sua imagem – desta vez como pastor e como pai – essencial também à legitimação. A mesma mão que ameaçava com castigos impiedosos, prodigalizava, chegado o momento, as medidas de graça. Por esta dialética do terror e da clemência, o rei constituía-se, ao mesmo tempo, em senhor da Justiça e mediador da graça. Se investia no temor, não investia menos no amor. Tal como Deus, ele desdobrava-se na figura do Pai justiceiro e do Filho doce e amável”
86.
O poder real lusitano sobre as redes de sociabilidades assemelhavam-se ao
controle de um pai sobre família87. Assim como era dever de um chefe familiar coibir atos
que pudessem desonrar o nome da família e educar seus descendentes dando-lhes o
exemplo a ser seguido; o rei passa a ser referência à norma do grande império com um
todo, sendo coercitivo e/ou misericordioso quando proveitoso.
Por parte dos 'filhos do rei', a clemência significava a exclusão da punibilidade
delitos e perdões”. In: A Cidade, nova série, nº. 8. Portalegre, 1993; Id. “Os estrangeiros e a justiça portuguesa durante o século XVI (1521-1578)”. In: Arquivos do Centro Cultural Caloustre Gulbekian, vol. XXXVII. Lisboa-Paris, Fundação Caloustre Gulbekian, 1998; Id. Um espaço, duas Monarquias (Interrelações na Península Ibérica no Tempo de Carlos V). Lisboa : Hugin Editores, Universidade Nova de Lisboa, Centro de Estudos Históricos, 2001; DRUMOND BRAGA, Paulo. “Perdões concedidos a moradores em Évora no reinado de D. João IV”. In: Congresso de História no IV Centenário do Seminário de Évora. Actas, vol. I. Évora : Instituto Superior de Teologia, Seminário Maior de Évora, 1994; Id. “Perdões concedidos a moradores em Setúbal no reinado de D. João IV”. In; Homenaje al Professor Carlos Posac Mon, tomo II. Ceuta : Instituto de Estudios Ceutíes, 1998; Id. “Os perdões de D. Antonio, Prior do Crato”. Brigantia, vol. XIX, nº. 3-4. Bragança : Assembleia Distrital, Julho-Dezembro de 1999; Id. “A madeira e o perdão régio (1642-1704)”. In: Islenha, nº. 28. Funchal : Direcção Regional dos Assuntos Culturais, Janeiro-Junho de 2001; Id. Do crime ao perdão régio (Açores, séculos XVI-XVIII). Ponta Delgada : Instituto Cultural de Ponta Delgada, 2003; AMADO, Janaína. “Crimes domésticos. Criminalidade e degredo feminino em Portugal no século XVIII”. In: Mare Liberum, nº. 17. Lisboa : Comissão Nacional para as comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Junho de 1999; CARDIM, Pedro António Almeida. O poder dos afectos. Ordem amorosa e dinâmica política no Portugal do Antigo Regime. Dissertação apresentada à Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Lisboa, 2000; DUARTE ALVES, Dina Catarina. Violência e perdão em óbitos (1595-1680). Dissertação de Mestrado em História Moderna apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coimbra, 2003. 86 HESPANHA, Antonio Manuel. “A punição e a graça”. In: MATOSO, José (dir.) & HESPANHA, Antonio Manuel (coord.).História de Portugal, vol IV (O Antigo Regime). Lisboa : Estampa, 1993. p. 248. 87 FOUCAULT, Michel. Governabilidade. IN: FOUCAULT, Michel, Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1979. p. 277 – 295.
dos crimes cometidos. A fuga dos suplícios repousava na idéia da salvação de uma pena
corporal, quase sempre, dolorosa e cruel. Visto que a cadeia, ou melhor, a restrição da
liberdade individual, era considerada apenas uma condição transitória, temporária entre o
momento da denúncia e a apuração do julgamento, as sentenças em si beiravam entre o
ressarcimento dos danos, os banimentos e as penas físicas – da morte, galerias, açoite,
confissão pública – tudo variava de acordo com os costumes, da natureza dos crimes, dos
status dos condenados88.
Para o Império Português, as condutas ilegais deveriam ganhar aspectos
imorais, dada a divulgação das novas normas de conduta, dos novos códigos de honra, das
diretrizes marcada no Concílio de Trento, tentavam confinar e pacificar populações que
estavam no limiar da violência89.
As relações sociais portuguesas, baseadas na honra e na força, mostravam
características que tendiam a ser violentas e passionais. Essas características eram
expressadas pelas 'armas' que se poderia utilizar contra o inimigo, que vão desde uma arma
de fogo até uma agressão verbal. Após a imposição das intituições e leis régias, essas
armas ganhariam novas formas de ataque e defesa, como por exemplo as armas jurídicas.
O refúgio do perdão pode ser entendido como uma dessas novas armas criadas a partir de
aparatos legais que serviam como opção aos delinqüentes receosos do poder punitivo do
soberano. Assim, no final das contas, as armas gerais que deveriam prevalecer nos trâmites
eram as armas do mando del' Rei.
Ao conceder o perdão a um indivíduo, o rei nunca deveria ir contra os
interesses dos que haviam sido vitimados pela ação criminosa, sendo assim, só poderia
perdoar se o réu tivesse previamente obtido o perdão da parte ofendida. Pois então, antes
da clemência do rei, os agressores da lei deveriam desculpar-se perante as vítimias ou
parentes delas.
No vasto território do Império lusitano, para o perdão particular ganhar
legitimação era obrigado o registro por escrito e dotado de fé pública, para isso, utilizaram-
se os tabelionatos de notas para publicar esses contratos particulares de concessão do
perdão. Sendo assim, deveriam passar por todos os requisitos necessários para a
investidura do tabelião e/ou escrivão para serem registrados nos livros de notas.
88 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópólis : Vozes, 1987. p. 30. 89 BRAGA, Paulo Drumond. “Mulheres violentas e mulheres vítimas de violência (Portugal, séculos XVI e
XVII)”. Texto apresentado ao Seminário Fazendo Gênero 8 – Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, agosto de 2008. Seminário Temático 60, disponível em http://www.fazendogenero8.ufsc.br/sts/ST60/Paulo_Drumond_Braga_60.pdf.
Para a colônia brasileira colocavam-se as regras do perdão civil dentro das
escrituras públicas de amor e perdão, ou seja, dentro da ordem hierárquica, burocrática e
institucional da administração do Reino de Portugal. Nessas circunstâncias, a
institucionalização do perdão registrou casos onde as justiças régias ganhavam armas
legais diante das querelas pessoais, moldando assim um quadro da representatividade da
justiça e honra real dentro das sociabilidades locais, bem como a atuação dos atores
sociais, suas particularidaes e suas naturezas. Sendo asim, a 'regra do perdão' era a mesma
tanto na metrópole quanto na colônia.
CAPÍTULO III
Essa família é muito unida,
e também muito ouriçada,
brigam por qualquer razão,
mas acabam pedindo perdão90
.
Desde o reinado de D. Pedro I, nas chancelarias régias da Baixa Idade Média
portuguesa há muitas cartas de perdão, algumas delas lotam livros de registro já nos
reinados de D. Afonso V e de D. João II91. Por meio de uma carta de remissão, ratificada
por uma corte legal, o predão real impedia que a pessoa fosse executada, recebesse as
penalidades e também impedia ou limitava o confisco real de bens que aompanhavam a
pena, “além de perdoar o ato [...], e cancelava toda penalidade, multa, e prejuízo corporal,
criminal ou civil que pudesse dela resultar [...], e restaurava ao requerente sua boa
reputação e seus bens”92. As cartas analisadas por Natalie Davis geralmente eram redigidas
por causa de uma morte, não premeditados, não intencionais, em legítima defesa, ou de
alguma forma justificáveis ou desculpáveis pela lei, mas ainda encontram-se falso
testemunho, roubos, receptação de bens roubados, defloração de virgens, participação em
tumultos contra impostos, resistência a funcionários reais e heresia, entre outros. Os casos
deviam ser adequados ao perdão, fazer-se por merecer a misericórdia real a qualquer crime
cometido, desde que fosse solicitada e se mostrassem envergonhados, arrependidos quando
buscada por seus pecados.
As histórias a serem perdoadas eram contadas a um notário real e a seus
funcionários, a fim de se tornarem legais, ainda deveriam ser lidas na presença das partes
envolvidas e caso fosse, de um chanceler ou de um de seus representantes, como o
mantedor dos selos da coroa, que no caso das escrituras públicas, de um ouvidor.
Informações gerais sobre os caminhos legais para o perdão parecem ter sido
amplamente difundidas entre os aldeões europeus dada sua proximidade com os reis. Os
detalhes das leis e os princípios da moralidade organizavam, ainda que de forma nebulosa,
os acontecimentos relatatos nas escrituras de perdão, pode-se até deduzir uma pintura de
um quadro geral do estado da justiça criminal. O 'pedir misericórdia' era algo de legítimo
direito do camponês, mas não só a esse setor social se restringia, em todos os estratos
90 NOBRE, Dudu. A Grande Família. Trecho da música “A Grande Família”. Composição de Dudu Nobre. CD 'Moleque Dudu' lançado pela BMG Brasil em 2001. 91 DUARTE, Luís Miguel. Justiça e Criminalidade no Portugal Medievo (1459 – 1481). Vol. I,. Porto, 1993. p. 33 e seguintes. 92 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. p. 21.
sociais o perdão tinha o poder de desfigurar uma situação trágica e embora a posição era
levada a crer nas questões de honra pessoal, qualquer um poderia exibir ao notário, ao rei e
ao juiz um ato perdoável.
Dentro do processo do perdão, as exigencias do que era desculpável passa por
parcialidades e incertezas morais. Apesar de todas as leis do reino, muitas vezes a obtenção
da graça era visto como um mero favor do rei e não era levado em conto o seu poder
vinculado e discricionário, outras vezes os perdões eram concedidos sem justiça.
A tragicomédia do perdão e da reconciliação pacífica podia prometer o rei e
seus Estados no uso da misericórdia “na justa ocasião e da acordo com a ele, seja ele
perdoado de crimes graves não premeditados ou em legítima defesa.
Acerca dos mitos populares europeus, a Legenda Dourada era a mais
respeitada nas execuções. O assassinato premediatado era um crime capital e dado sua
punição, se o condenado sobrevivesse à execução, todos consideravam como perdão de
Deus para o crime ou como revelação divina acerca da inocência do acusado, a decisão do
Senhor sobrepunha sobre à do rei e o propósito era que quando Deus ouvia, Ele sabia o
momento certo de perdoar.93
Nas histórias dos casos de perdão contadas ao secretário, ao escrevente, ao
chefe de petições, ao chanceler, ao rei, ao conselho secreto, ao juiz e ao carcereiro;
repetidos, questionadas e reafirmados em diferentes jurisdições, circulando e sendo
avaliados no meio social dos requerentes e das vítimas, os relatos faziam parte de um
manancial de onde as pessoas podiam derivar, como desejassem, um sermão, uma lição de
moral. Nem toda a gratidão de um requerente e a misericórdia do rei garantiam um final
convicente, mas eram indícios obrigatórios para se chegar a um. A autodefesa ou a desefa
da honra poderia exigir uma caracterização digna de um conto literário ou policial e tudo
isso era visto com muita peculiaridade por um bom juiz, cuja perplexidade da função
aumentava com as leis contraditórias e o jogo ambíguo dos advogados. Apesar da
subjetividade que o conceito era entendido no mundo moderno ocidental, a honra era
ligada a consciência do indivíduo, a fama perante a sociedade e sua infâmia poderia ser
percebido como uma morte social. Nesse sentido, a briga social e moral pela honra
dependia da capacidade de calar, geralmente pela força, aqueles que poderiam causar a
desonra94. As desculpas quando apresentadas em nome da honra, tomam a forma de uma
93 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. p. 98-9 94 PERISTIANY, J. G. Honra e Vergonha: valores das sociedades mediterrâneas. Lisboa :
negação da intenção de ofender. A falta dessa intenção reduzia a gravidade do insulto,
facilitando as desculpas e reduzindo a humilhação.
Temendo o rigor da justiça, pedem perdão, afim de obter a graça e a
misericórdia reais, em vez do rigor da justiça, visto que o caso ocorreu numa explosão de
raiva súdita e violenta, literalmente a “bílis quente”. Só o perdão real permite, que depois
da morte da vítima, a história termine em paz.95
Os procedimentos de ratificação em uma corte regional transcorriam muitas
vezes em presença de parentes do falecido; quando os procedimentos ocorriam em um
tribunal parlamentar de uma cidade distante do local do crime, uma cópia da carta de
remissão era encaminhada aos parentes, e mandava-se buscar suas respostas e as respostas
das testemunhas.
Além disso, através das cartas pessoais endereçadas ao rei, o dircurso era
intencional para justificar ou dar coerências às ações das histórias nelas contidas. A
desordem ou a violência era situações clássicas em que se podia requerer um pedido de
perdão, que era concedido por um homicídio não intencional, durante um jogo ou em um
ambiente festivo, por exemplo96.
Para Natalie Davis,
O mundo das cartas de remissão é um mundo de raiva, um mundo do inesperado. Um mundo onde o rei, não o Senhor, é quem perdoa, e, embora o príncipe sejo um servo de Deus, as fontes da ação nem sempre eram interpretadas de maneira estritamente cristã. As ações repentinas de um requerente nunca eram obra da providência ou d e pecados que ele cometera, mas eram sempre errôneas, não merecidas ou acidentais. E os estados de espírito atribuídos a si mesmo por aquele que busca o perdão podiam ser avaliado de diferentes formas [...]. Tanto pela lei divina com pela lei civil, proteger a própria vida ou a de um vizinho constituía uma exceção legítima ao mandamento divino de não matar, embora a lei canônica recomendasse a fuga quando possível [...]. No entanto, segundo os ensinamentos católicos a ira, fosse gradual ou repentina, era um dos Sete Pecados Capitais, e a vingança e o homicídio eram seus frutos característicos97.
Essa súbita explosão de raiva era avaliada suas cistuntâncias e podia permitir
que o rei cedesse clemência, no âmbito religioso, era apenas mais um pecado que tinha de
ser perdoado. Muitas das histórias contadas nas cartas e nas escrituras de perdão tentavam
passar a fama de boa reputação e honesta conversação do réu, nenhum requerente atribuiria
a si mesmo um temperamento colérico, pois isso sugeriria que ele teria dado início à Fundação Calouste Gulbenkian, 1988. 95 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. p. 54. 96 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. p. 57-8. 97 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. p. 62-3.
violência.
Entre as obrigações e deveres dos funcionários notarias, descritas e reguladas
pelas Ordenações Filipinas e pelo regimento próprio dos tabeliães, constava-se: “a todolos
Taballiaães e Escripvães em todolos contrautos e escripturas, que fezerem, ponham Anno
do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo, as si como ante soyam a poer Era de
Cesar, e esto lhes manda que façam as si, sob pena de privaçom dos Officio”98. Com
quanto deveriam colocar, nos instrumentos, o dia, a hora e o lugar em que tivessem sido
feitos, os nomes das pessoas que neles intervieram e o objeto de que tratavam, tudo isso
por extenso, e não abreviamente, sem entrelinhas nem raspaduras.
Passando por uma gradativa evolução das Ordenações Afonsinas e Manuelinas,
a disciplina dos requisitos da escrituração pública se fazia pelas Ordenações Filipinas era.
derivada do ramo do direito cujo âmbito se baseava no direito civil, no direito processual
civil e dentro da organização judiciária. No direito civil português, das Ordenações
Filipinas, continha dois elementos básicos: a legislação nacional, fruto das idéias, opiniões
e costumes da população em diferentes épocas99; e a Romana, considerada o Direito
Comum100. O Direito civil, comercial e o penal eram muito mais evidente que o direito
administrativo. Sendo assim, sobre as escrituras públicas recaiam o ofício dos tabeliães,
que teriam que trazer para a sua esfera de competência a regulamentação dos negócios
jurídicos de que participassem os titulares. Das queixas que se faziam contra os tabeliães
por não cumprirem muitos dos preceitos que lhes disciplinam o ofício, “determinou-lhes
jurassem cumprir os deveres do cargo, que declarou quais fossem e a pena para as
transgressões de suas normas era a de morte”101.
Era uma disciplina estruturada com o ofício e de formalidades essenciais, como
por exemplo as escrituras: “que forem no Reyno [...], registrem nas em papel e leam sse
ante perdante as testemunhas ante que essas escripturas seiam fectas e assinaadas em guisa
que sabham hi a verdade as testemunhas quando comprir”.
Logo, para a uma escritura ser considerada verdadeira e válida era preciso que
98 RIBEIRO, João Pedro. Dissertações Cronológicas e Críticas sobre a História e Jurisprudência Eclesiástica e Civil de Portugal. Vol. II. Lisboa. pp. 2, 23-6. 99 As Ordenações como fonte de estudo e organização do Código Civil. PIERANGELI, José Henrique (org.). Códigos penais do Brasil: evolução histórica. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2001. Não é estranho encontrar referência a elas no vigente Código Civil Brasileiro, conforme a lei N.º 10.406 de 11 de janeiro de 2002. 100 MARQUES, Mário. História do direito português: medieval e moderno. Lisboa : Almedina, 2002. Em especial o capítulo intitulado “Período de influência do direito comum”. Pp. 113-8. 101 TELLES, José Homem Correa. Manual do Tabelião ou Ensaio de Jurisprudência Euremática. Lisboa : Impressão Régia, 1823. As Ordenações Filipinas tambám trazem consigo algumas penas “Dos que fazem Scripturas falsas, ou usão dellas”. Título LIII.
esteja revestida das solenidades que a lei ordenava, tais eram102:
− conter o dia, mês e ano;
− declaração da cidade, vila ou lugar e casa;
− declaração se conhecem as partes ou se conhecidas as testemunhas do contrato ou
de outras, que devem ser dignas de fé, e assinadas as escrituras;
− cópia de procuração ou procurações, se o contrato for tratado entre pessoas que se
diziam ser procuradores de outros;
− declaração de ter sida lida o contrato depois de escrito perante as partes e duas
testemunhas;
− ressalvada das emendas, entre linhas, ou palavras riscadas antes das assinadas;
− assinadas das partes outorgantes ou de uma pessoa a seu rogo, e de duas
testemunhas pelo menos; e
− que a escritura se faça nas notas, e não em papel avulso.
Era essa a disciplina dos requisitos das escrituras públicas brasileiras no
período em que foi colônia portuguesa. O conteúdo era expressado pelo tabelião conforme
suas disposições. Em qualquer cidade, vila ou lugar onde houvesse um Tabelião de Notas,
faziam-se valer suaa funções propriamente ditas: o tabelião deveria ficar disponível pela
manhã e pela tarde, guardar bem os livros de notas, firmar contratos entre particulares,
fazer testamentos, registrar vendas, escambos, aforamentos, obrigações, arrendamentos,
entre outros, dotando-os de sua fé pública103. Nos contratos particulares firmavam a
composição das escrituras de perdão, que continham um esquema já previamente
estabelecido e deveria ser seguido rigorosamente pelo tabelião ou por seu escrivão:
Saibão quantos esta virem, etc.E por elle dito F. perante mim e testemunhas abaixo
assignadas foi dito que de sua propria e livre vontade e por amor de Deos perdoa a N. a
injuria que este lhe fez espancando-o e ferindo-o, e por esta céde e desiste da accusação
intentada, e de todo o direito e acção de lhe pedir indemnização das perdas, damnos, e
dores que lhe causou; e ha por bem que S. Magestade lhe perdoe também a pena publica,
que pelas Leis lhe possa ser imposta. De tudo mandou fazer esta escritura; que depois de
por mim lhe ser lida e por elle outorgada, eu Tabellião a estipulei e aceitei em nome do
dito N. por estar absente. Testemunhas presentes F. e F. Etc.104
Nas terras da Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, desde a 102 ALVES, José Carlos Moreira. Os requisitos da escritura pública no direito brasileiro.
www.presidencia.gov.br/ccivil_033/revista/rev_48/pantea.htm. 103 Dos Tabeliães das Notas. Título LXXVIII das Ordenações Filipinas. In: Portugal. Ordenações Filipinas. Código Filipino, ou, Ordenações e Leis do Reino de Portugal : recopiladas por mandado d’el-Rei D. Filipe I. Ed. fac-similar da 14ª. ed., segundo a primeira, de 1603, e a nona, de Coimbra de 1821 / por Cândido Mendes de Almeida. - - Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. 104 Minuta e apontamentos sobre as escrituras de perdão retirados de TELLES, José Homem Correa. Manual do Tabelião ou Ensaio de Jurisprudência Euremática. Lisboa : Impressão Régia, 1823.
década de 1690, a instituição para oferecer serviços notariais estava a disposição da
população105. Com isso, inúmeros casos de prestação de serviço deveria ser de
responsabilidade do tabelião, ou escrivão oficial, designado o agente legítimo para aquele
ofício.
Essas escrituras poderiam corresponder as ditas súplicas, que como igualmente
ocorria na metrópole, tinha o intuito de tornar pública as desculpas apresentadas entre
pessoas que por algum motivo tinham violados regras morais de sociabilidades.
As vinte escrituras públicas de amor e perdão utilizadas na presente pesquisa,
mostram a relação dos moradores de Curitiba e região da primeira metada do século XVIII
às questões de violência social e as justiças régias. Seguem os casos que aparecem nos
livros de notas entre os anos de 1721 e 1752.
A primeira escritura tem data de 07 de agosto de 1721 e tem a função de
registrar o perdão que Vicência de Veras e sua filha Ana de Veras davam a Joaão do
Couto. “em casa e moradas de Vicência de Veras”, o tabelião reconhecidas as duas
outorgantes por serem moradoras conhecidas na Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais
de Curitiba e que “por elas ambas juntas, e cada uma em solidão” prestavam perdão a
João doCouto, por terem “ciência certa que João do Couto não fez nem concorreu no
morte de sua filha e irmã Domingas de Veras”. faziam isso “por livres vontades e sem
constrangimento de pessoa alguma”. O que cabe ressaltar desta escritura, é um trecho que
coloca uma certa dúvida quanto relação a responsabilidade da morte de Domingas Veras,
mesmo assim, pois Vicência e Ana “perdoam de hoje para todo sempre toda a culpa que
dá tal morte lhe resultou tanto corporal como pecuniária, como com efeito logo
perdoarão, e se todavia pelo mesmo Rigor de justiça, ou por outra qualquer razão se
provasse, ou mostrasse concorrer por modo algum o dito João do Couto na dita morte
[Domingas de Veras] também lhe perdoavam como com efeito logo perdoarão toda a
culpa que dá tal morte lhe resultasse, o que faziam tanto pela certa ciência que do caso
tinham como pelo amor de Deus”. Sendo assim, a escritura segue com sua estrutura típica
de encerramento, convocando um pedido “às Justiças de Sua Majestade que Deus Guarde
que também perdoassem toda a culpa que dá dita lhe resultasse ao dito João, e em fé
assim o disseram e outorgaram”.
Algumas páginas depóis do mesmo livro de notas, mas quase seis anos mais
tarde, na data de 07 de agosto de ano de 1726, Miguel Fernanders de Siqueira, Salvador de
105 Visitado em 10 de novembro de 2008, o sítio http://www.1tabelionato.com.br.
Freitas, Vitória de Siqueira e Joana Gonçalves, perdoam Salvador de Melo do caso que
havia sucedido a Simão Fernandes. Porque Salvador de Melo “se queria por em livramento
(...) da sua vontade que se mostrasse livre”, o pai e irmãos de Simão deixam expressados a
“não vontade de acusar” e ainda que “perdoavam quando muito culpado estivesse pelo
amor de Deus e que prometiam em tempo algum de não ir contra este perdão que davam a
Salvador de Melo”.
Em ambos registros, citados acima, mostram uma situação peculiar: entre os
outorgantes das escrituras encontram-se mulheres que “não sabem ler nem escrever”,
sendo assim, fazia-se necessário o requerimento de uma assinatura de outrem conhecido e
de confiança que fizesse o rogo por elas.
A terceira escritura resgistra o perdão de Baltazar Carrasco do Reis, como pai,
e João Correa e José Correa, irmãos da defunta Maria Carrasco, para Nastácio Alves,
marido que foi da sua filha e irmã, e à Maria Pedrosa, por “não querer lhes acusar as
Justiças de Sua Majestade que Deus Guarde”, colocando a “condição que para efeito de
lhe valer este perdão seriam obrigados a pagar vinte e quatro mil reis a saber doze para
os Santos Lugares e doze para as almas cujo dinheiro constando estar pago sem quitação
(...) entregue ao tesoureiro desta Freguesia de Nossa Senhora da Luz de Curitiba”. No
momento da fabrização da escritura, Nastácio Alves e Maria Pedrosa encontravam-se
presos na cadeia da vila de Paranaguá e eram considerados os culpados da morte de Maria
Carasco dos Reis. Essa escritura datada em janeiro de 1727, não teve efeito, dada a
comprovação do não pagamento dos valores estipulados na escritura, porque qualquer
outro fator não seri, uma vez que as partes deixaram explícito no contrato: “em razão desta
escritura e suas livres vontades e sem constrangimento de pessoa alguma lhe faria bom o
dito perdão por suas pessoas e mais e mais herdeiros ascendentes e descendentes que após
eles vierem e não revogarem em tempo algum posto que sejam mortos eles outorgantes em
tempo algum e outro sim disseram que se porá a validade desta escritura”.
No próximo registro de perdão, somente com a vinda do ouvidor a Curitiba que
esclareceu quem foi o culpado da morte do defunto João Monteiro em julho de 1726. sendo
assim, Izabel da Veiga Leme, viúva de João, perdoa o forro Manoel Alvez, somente em
agosto de 1727, por somente agora ela saber que “trabalhou fatalmente na defesa do dito
seu marido e este não ficara culpado da dita devassa por se saber era sujeito muito amigo
e amigo de paz do dito defunto”, e que ela estava “certificada que o dito Manoel Alves não
foi o que fez a dita morte nem para ela concorreu em coisa alguma”, pois “todos sabem
que Francisco de Campos foi o agressor e culpado na causa da morte”. Para corrigir uma
injustiça Izabel da Veiga Leme pedia “às Justiças de Sua Majestade que Deus Guarde que
perdoe e neste caso a Real Justiça como também lhe perdôo todo o direito e ações que
contra ele e seus bens tinha e podia ter”, e denunciava e responsabilizava assim,
totalmente Francisco de Campos da condição que ficou viúva. Tendo um carácter
reparador, a escritura serviu como um remédio jurídico para a condenação penal descrita
no Livro V das Ordenações, com quanto Manoel Alves, um simples forro, poderia ter sido
sentenciado a ter as mãos decepadas e a morrer natural na forca106.
Num outro caso, José do Souto, morador da Vila de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba, perdoa seu filho Teodozio do Souto, também morador da vila, pelas
feridas causadas com uma faca de ponta e que por essas foi preso pela Ouvidoria Geral por
causa da referida agressão. Ao longo da escritura, o tablelião descreve a vontade de José de
expressar o “amor que tem pelo seu filho” e por ele não querer ser parte em coisa alguma
pois Deus Nosso Senhor o havia livrado das feridas da dita facada e estava são”. Neste
específico caso, pode-se pressumir que o pai não queria apenas livrar seu filho das
imputações penais descritas no Título XLI das Ordenações107, mas também restituir o
nome da família que foi manchado pelo caso perante a sociedade curitibana.
Há ainda o caso de Francisco Cubas que perdoa sua sogra Ana da Cunha de
Abreu pela ferida mortal de um tiro de espingarda que lhe fez na Vila de Jacareí, sendo que
a dita sogra estava “inocente no caso”, pois as “testemunhas serem poucos tementes a
Deus e não deporem seus juramentos com a ciência [?] devida”, e como foi divulgado
“não ser ela a que lhe mandou fazer tal delito pois sempre lhe quis muito amando-o como
seu próprio filho como é público e notório”. Tendo inocentado Ana da Cunha, Francisco
Cuba fez a escritura de perdão para que “as Justiças de Sua Majestade que Deus Guarde
lhe dê toda a liberdade”, ou seja, por em liberdade a dita sua sogra. A escritura ainda deixa
claro que ”do caso e somente é culpado Julio Cezar”.
Já Miguel Alz' de Farias perdoa seu irmão João Alz' Farias pelas pancadas e
feridas que lhe fez, de que em outro tempo tinha querelado, em janeiro de 1735, o
outrgante deixa expresso “o efeito do perdão para hoje e todo o sempre, para não acusar
mais em tempo nenhum; e a razão de lhe dar perdão por ser verdadeiro cristão temente a
106 Portugal. Ordenações Filipinas. Código Filipino, ou, Ordenações e Leis do Reino de Portugal : recopiladas por mandado d’el-Rei D. Filipe I. Ed. fac-similar da 14ª. ed., segundo a primeira, de 1603, e a nona, de Coimbra de 1821 / por Cândido Mendes de Almeida. - - Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. Título XLI. “Do scravo, ou filho, que arrancar arma contra seu senhor, ou pai”. p. 1190. 107 Portugal. Ordenações Filipinas. Código Filipino, ou, Ordenações e Leis do Reino de Portugal : recopiladas por mandado d’el-Rei D. Filipe I. Ed. fac-similar da 14ª. ed., segundo a primeira, de 1603, e a nona, de Coimbra de 1821 / por Cândido Mendes de Almeida. - - Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. Título XLI. “Do scravo, ou filho, que arrancar arma contra seu senhor, ou pai”. p. 1191.
Deus e às Justiças de Sua Majestade de que Deus Guarde”.
Na próxima escritura de perdão datada em novembro de 1735, foi registrado o
perdão de João da Silva Pinheiro e sua mulher Ignácia Gonçalvez de Aguiar a Salvador
Pais. Salvador que tinha “dado uma cutilada uma noite” em João da Silva, tinha sido
querelado e denunciado perante a Justiça de Sua Majestade, e o perdão serviria como um
contra-peso da querela registrada, caso o processo fosse posto em andamento.
Em outro registro de perdão, Francisca Leme, mulher bastarda, perdoa o
Capítão Amador Bueno da Rocha “por este ter dado umas pancadas e que por desencargo
de sua consciência declarava ela dita Francisca que das ditas pancadas não movera nem
andava pejada, e que somente levada da paixão o publicou afim de fazer agravante mais o
caso, o que por desencargo de sua consciência declarava ser falso”. Isso aos dezessete
dias do mês de junho de mil setecentos e quarenta anos do nascimento de Nosso Senhor
Jesus Cristo.
A escritura pública outorgada por Manoel da Costa Ferreira, visa o perdão a
Francisco da Silva, no último mês de 1740, pois Manoel “tinha querelado e denunciado
Francisco da Silva com o fundamento de que este não só lhe tinha dado umas cutiladas
mas também potenciosamente lhe tomara um pouco de gado vacum e cavalgaduras”.
Manoel da Costa Ferreira fora fazendeiro do Capitão Mor José de Góis e Morais e tinha
ficado com uma cabeças da sua partilha, já Francisco da Silva era o presente feitor das
fazendas e procurador bastante do capitão e não tinha conhecimento que Manoel tinha
ordem para levar gado e cavalos da fazendo do dito capitão-mor. Da querela, Manoel da
Costa Ferreira abriu denúncia contra Francisco da Silva, mas agora revogava a denúncia e
“rogava às Justiças de Sua Majestade que Deus Guarde não contendessem com o dito
Francisco, pois em sua consciência achava que a dita querela e denúncia fora dada mais
com paixão do que outra coisa, o qual Francisco aceitou o dito perdão ficando amigos
como de sempre foram”.
Um caso peculiar é a escritura feita por Feliciano, um natural do gentio da terra
da administração que foi de Amador Bueno da Rocha, do perdão a Amador da Veiga pelas
feridas que lhe tinha feito em uma noite no sítio de seu pai Antonio da Veiga Bueno,
partindo de sua “desencargo de sua consciência e amor de Deus”, Feliciano concedia o
perdão a Amador da Veiga porque da ferida não ficara com alguma lesão e por não ser
coisa de consideração nem perigo nem estivera doente da tal ferida e que fora
casualmente feita havendo umas razões (...), cuja ferida fora feita com uma faca de mesa”.
Amador Bueno da Rocha e Amador da Veiga eram irmão, e a querela ocorreu na fazendo
de Antonio Bueno da Rocha, pai de ambos. Visto isto e tomando os outros exemplos de
caso de perdão, pode-se perceber a proximidade entre as partes, muitas das escrituras de
perdão giram em torno de disputas sociais muito próximas, por vezes em ambientes
familiares.
A escritura outorgada por Brás Domingues Veloso e Manoel Borges visava o
perdão a Francisco Álvares Xavier das devassas levantadas por furtos que ele praticou na
vila, em meados do ano de 1747. francisco fora responsabilizado pelos crimes e somente
no ano seguinte lavrou-se o perdão, dada a comprovação que os objetos dos furtos, dois
cavalos no caso, foram devolvidos aos seus respectivos donos.
Em 1750, Manoel Correia de Castro e José Ribeiro da Cunha, presos na cadeia
da vila de Paranaguá, foram perdoados por João Simões da Silva e sua mulher Inácia
Correia de Castro, o perdão se deu para Manoel, sogro e pai dos outorgantes, por este “já
estava vivendo com eles em boa paz e sossego como Deus quer”, e para José com a
“condição de nunca mais assitir nem aparecer nesta Vila de Curitiba”, impostas as
prerrogativas, ressalvam a condição de paz que se estabelicia com o perdão:“para que
também se pusessem os sobreditos em paz com as justiças e fossem livres das culpas que
lhe tinham argüido”
Na escritura de perdão de João Simões da Costa a Pedro da Cruz Pereira, a
devassa ex ofício tinha se dado pela morte feita a um seu escravo, por nome de Manoel,
em a qual ficara culpado Pedro, “contudo, por ele outorgante vir no conhecimento da
verdade e saber que o sobredito Pedro da Cruz Pereira o matara em sua defesa natural
por saber ele outorgante de certo que o dito defunto seu escravo fizera toda a diligência
para o primeiro matar e a não lhe atirar e matar primeiro”. A defesa natural colocava o
atenuante necessário para a desistência de uma denúncia a para a concessão do perdão.
Algumas páginas adiante, no mesmo livro que a escritura referida acima,
encontramos o registro de perdão, amor e graça de Francisco da Silva a Manoel da Costa
Ferreira., isto porque havia uma querela entre as partes, por o dito Manoel ser acusado de
furtar uns animais e ter atirado em Francisco, este que vinha da fazenda chamanda São
Bento com sua família e criações de mudança para a fazenda chamada Cambejú. Então,
Francisco da Silva ”com falsas informações saiu ao encontro com os negros que tinha,
cego de paixão sem atender mais a coisa alguma tratou de impedir a jornada e com uma
espada larga lhe tirou bastantes golpes”. A disputa armada segue descrita na escritura
como uma querela antiga que as partes tinham “pelas cutiladas e feridas que Manoel da
Costa havia lhe dado”. Possibilitando o entendimento desta escritura de perdão como uma
apaziguamento da querela antiga entre Francisco da Silva e Manoel da Costa.
Outra função importante das escrituras de perdão era a possibilidade de
relaxamento de uma prisão, como no caso do Capitão Antonio da Silva Leme que foi
perdoado pelo Capitão João Carvalho de Assunção. Como o outorgante João percebe que
não foi Antonio o respónsável pela morte de seu filho, Manoel Carvalho da Luz, e sim os
seus administrados, conhecidos como Zidoro e Lauriano, se dispôs a registrar o perdão em
casas e moradas do tabelião, presente as testemunhas e legitimando a soltura do Capitão
Antonio da Silva Leme da cadeia da Vila de Curitiba.. A escritura que segue, tem a
'cláusula' ao Capitão Antonio de “pagar todas as custas assim presentes como futuras que
sobre a dita morte se tem feito e se fizerem, e outro sim de que havendo notícias certas que
os seus administrados malfeitores se acham pelo distrito desta comarca de ser obrigado a
entregá-los a Justiça de Sua Majestade”.
Algumas expressões utilizadas pelo tabelião de notas deixa claro a não
intenção do assassinato, da situação em que, de modo justificado e compreensível, o
requerente de inflamava e se enfurecia com a querela e no calor da disputa cometera o
crime. Foi o que aconteceu com João Carvalho Pinto, que cometeu a morte de João
Machado Fagundes . Sobre o caso, a mãe do defunto, Ana Maria de Siqueira, que foi pedir
às justiças de sua Majestade para não proceder contra João Carvalho Pinto. Nos registros é
encontrado nos seguintes termos: “no escritório de mim tabelião (...) apareceu presente
Ana Maria de Siqueira (...) e por ela me foi dito que ela estava inteirada de que o dito
João Carvalho Pinto quando fizera a morte do seu filho não fora por sua vontade, e só sim
levado de uma paixão (...), que o dito seu filho vinha a esta vila querelar (...) por motivo
com falsas informações”.
Ainda sobre o mesmo caso, Domingas Fernandes, viúva que ficou do defunto
João Machado Fagundes, concede o perdão ao mesmo João Carvalho Pinto, alegando os
mesmos argumentos prestados pela sua sogra.
Como o crime passível a ser atenuado era o mesmo da escritura anterior, a
distinção entre elas restringe-se apenas dos nomes das outorgantes. Além da mesma data e
local, 13 de junho de 1751 na Vila de Nossa Senhora dos Pinhais de Curitiba, percebe-se a
mesma pessoa, o licenciado Paulo da Rocha Dantas, assinando pelo rogo das duas, as
mesmas testemunhas, Capitão Antonio da Silva Leme e Manoel Vaz Torres e o igual
tabelião nas escrituras. Ana Maria de Siqueira e Domingas Fernandes, pedem ao rei, um
efeito de anulação de qualquer pena que possa ser posta ao assassino de seu ente querido:
“e pedem às Justiças de Sua Majestade que Deus Guarde que pela referida culpa não
procedam contra João Carvalho Pinto”.
As relações de parentesco dos outorgantes com a vítma eram fundamentais na
hora de registrar o perdão. Assim, em setembro de 1751, Matias Leite perdoa Antonio
Rodrigues das Santos pela morte feita a Domingos Leite Soares, primo por
consangüinidade do outorgante. Sendo assim, o tabelião descreveu na escritura: “Antonio
Rodrigues dos Santos tinha morto a Domingues Leite Soares a facadas uma noite estando
jogando ambos; e como este falecido era primo por consangüinidade dele outorgante, e o
caso foi sucedido acidentalmente e não caso pensado, da parte dele outorgante dava
perdão a Antonio por livre vontade sem constrangimento de pessoa alguma e sem mais
interesse só pelo amor de Deus”.
O último perdão levantado para a pesquisa é o registro que deu Antonio
Fernandes Nogueira a Paulo da Rocha Dantas, com data de 11 de julho de 1752, Antonio
alega “não querer acusar nem ser parte a Paulo da Rocha Dantas no livramento do crime
que lhe resultou por uma devassa que tirou o doutor ouvidor geral desta comarca da
fazenda que lhe faltou da sua loja, e por saber que o dito Paulo não tirara nada da
fazenda e a falta que achou ser de pouco valor lhe dava perdão”.
Apesar do conteúdo e vocabulário livres' em algumas partes, as escrituras de
amor e perdão detinham os requisitos formais de uma escritura pública. Disciplinada pelas
ditas Ordenações Filipinas e mesmo a prova pré-constituída – ad probationem tantum –
não se destina exclusivamente a existência do negócio jurídico no processo judicial, mas
em relação à escritura pública era mais vezes utilizadda como validação de um negócio
jurídico solene - ad solemnitatem – acentuando seu caráter de instituto de direito
material108.
Quando os outorgantes da escritura fossem desconhecidos do tabelião, este
deveria exigir que eles apresentassem testemunhas que lhes atestassem a identidade, e “os
instrumentos hão de ser feitos pelas notas lançadas nos livros, as quais devem ser lidas às
partes e confirmadas por elas”109.
Nos registros notoriais, o discurso era primeira pessoa do tabelião ou do
escrivão descrevia os personagens quanto sua origem e/ou filiação. Por conseguinte,
quando escrita por um outro autor que não o próprio requerente, não torna os personagens
secundários, pois o desejo e esperança do alcance da extinção, comutação ou redução da
108 ALVES, José Carlos Moreira. Os requisitos da escritura pública no direito brasileiro. ww.presidencia.gov.br/ccivil_033/revista/rev_48/pantea.htm. 109 TELLES, José Homem Correa. Manual do Tabelião ou Ensaio de Jurisprudência Euremática. Lisboa : Impressão Régia, 1823.
pena era a mesma.Para além da justiça, também a graça constituía um atributo real, que
permitia agir contra o direito. (dispensar a lei) em atenção a uma justiça superior e acima
daquela que estava contida no rigor do direito.A vice-realeza na colônia ganhou poderes
quase que reais: exercícios de atos de graça, concessão de mercês, dada de ofícios, outorga
de rendas, ou ainda perdão de crimes quando a jurisprudência permitia.
CONCLUSÃO
Que o perdão seja sagrado,
que a fé seja infinita,
Que o homem seja livre,
que a justiça sobreviva110
.
Com a pesquisa que se encerra com essas considerações, percebeu-se a
interferência do Estado e sua justiça no mundo social moderno. As demonstrações de uma
sociedade curitibana da primeira metade do século XVIII que procurava resolver tudo pela
força, mas que, estrategicamente, recorriam aos recursos legais para se livrar das
conseqüências de seus atos ou para preservar a honorabilidade familiar.
Em suma, as fontes utilizadas no trabalho permitiram demonstrar as histórias
de perdão, junto com as Ordenações Filipinas sugerem esclarecer como se davam os
recursos jurídico-administrativos do Estado Moderno português, bem como a atuação da
justiça régia e sua relação com o mundo social. Demonstrando assim, uma sociedade que
faziam seus casos de querelas perdoadas que chegaram aos olhos do rei, através das mãos e
ouvidos dos tabeliães, para terem reconhecimento legal de seus perdões.
Isto posto, as escrituras de perdão fazem pensar que a honra familiar estava
ligada a consciência do indivíduo, sua fama perante a sociedade e o seu descrédito poderia
ser percebido como uma morte social, nesse sentido, a briga social e moral pela honra
dependia da capacidade de calar, geralmente pela força, aqueles que poderiam causar a
desonra. O costume primitivo do “olho por olho, dente por dente” era levado em conta na
hora de resolver as querelas pessoais, mas quase sempre realizadas pelo calor das emoções,
por sentimentos e impulsos ou ainda em defesa da vida, as querelas resultariam em uma
agressão ou uma morte e um processo, visto assim, o perdão poderia ser encarado como
remédio restaurador da anormalidade da violência no âmito social.
Com as escrituras de amor e perdão, pode-se acentuar o 'bom cristão
curitibano', que sabe perdoar e ser justo, e ainda supor uma realidade entre a justiça local111
e a justiça central, onde o analfabetismo não impedia a familiarização com as formalidades
legais, nem fazia-se distinção entre ricos e pobres, apenas colocava em jogo a honra
pessoal e familiar e sua representação na sociedade e na justiça oficial do rei.
110 REIS, Sérgio. Bandeira do Divino Trecho da música “Bandeira do Divino”. Composição de Vitor Martins e Ivan Lins. CD lançado pela Gravadora Som Livre em 2003. 111 Nesse sentido, o trabalho de BORGES, Joacir Navarro. A justiça local - a ação judiciária da Câmara de Curitiba no século XVIII (1731-1752). Curitiba : Departamento de História da Universidade Federal do Paraná. Tese de doutorado, 2008; esclarece a nebulosa história da justiça curitibana setecentista.
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ANEXOS
As escrituras públicas de amor e perdão, sua localização conforme os livros de
notas, transcritas e revisadas112 que foram utilizadas na presente pesquisa:
Livro 03 - folhas 61, 61v e 62
Escritura de perdão que faz Vicência de Veras e sua filha Ana de Veras a João do
Couto
Saibam quantos este público instrumento de escritura de poder digo escritura
de perdão virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e
setecentos e vinte e um anos, aos sete dias do mês de agosto do dito ano nesta Vila de
Nossa Senhora da Luz dos Pinhais em casas de moradas de Vicência de Veras aonde eu
tabelião adiante nomeado fui sendo chamado e sendo aí achei presentes a dita Vicência de
Veras, e sua filha Ana de Veras, pessoas de mim reconhecidas serem as próprias e
moradoras nesta vila e por elas ambas juntas, e cada uma em Solidum me foi dito em
presença das testemunhas adiante nomeadas e assinadas, que elas de suas livres vontades,
sem constrangimento de pessoa alguma, e por ter ciência certa que João do Couto não fez
nem concorreu na morte de sua filha; e irmã Domingas de Veras, sem embargo de o
haverem culpado nela, o que seria por pessoas que lhe fossem mal afeitas, ou mal
informadas, e se por rigor de justiça ficou pronunciado na devassa que do caso se tirou lhe
perdoavam de hoje para todo sempre toda a culpa que dá tal morte lhe resultou tanto
corporal como pecuniária, como com efeito logo perdoarão, e se todavia pelo mesmo Rigor
de justiça, ou por outra qualquer razão se provasse, ou mostrasse concorrer por modo
algum o dito João do Couto na dita morte também lhe perdoavam como com efeito logo
perdoarão toda a culpa que dá tal morte lhe resultasse, o que faziam tanto pela certa ciência
que do caso tinham como pelo amor de Deus, somente, sem constrangimento de pessoa
alguma, mas sim de suas livres vontades. E pediam as Justiças de Sua Majestade que Deus
Guarde que também perdoassem toda a culpa que dá dita morte lhe resultasse ao dito João
do Couto: e em fé de que assim o disseram e outorgaram, mandaram ser feita esta escritura
nesta nota para dela se darem os traslados necessários, a qual escritura eu tabelião como
pessoa pública aceitei, e estipulei em nome dos ausentes a quem tocar possa sendo a tudo
112 As fontes encontram-se entre os vários documentos dos 20 primeiros livros de notas do 1.º Tabelionato de Notas de Curitiba – Giovanetti. Os livros ficam sob o poder e responsabilidade do tabelião, por meio do CEDOPE e do DEHIS/ UFPr, foi realizada a digitalização dos 40 primeiros livros de registro As 20 escrituras de amor e perdão que propõe o trabalho foram totalmente transcritas por mim e revisadas por Rosângela Ferreira dos Santos, CEDOPE-DEHIS/UFPR.
presentes por testemunhas João Rodrigues Teixeira, José de Paiva pessoas de mim
reconhecidas serem as próprias aqui assinadas, pelas outorgantes dizerem não sabiam
escrever rogaram ao Capitão José Nicolau Lisboa que presente estava por elas assinasse
que também assinou, e eu Gonçalo Soares Pais tabelião que a escrevi.
Assino a rogo das outorgantes Vicência de Veras e Ana de Veras: Jozeph Nicolao Lx.a
João Rois' Teix.ra
Jozeph de Paýva
Livro 03 - folhas 125v, 126 e 126v Escritura de perdão que faz Miguel Fernandes de Siqueira Salvador de Freitas
Vitória de Siqueira Joana Gonçalves a Salvador de Melo
Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão ou como em
direito mais lugar haja e melhor se possa chamar virem que no ano do nascimento de
Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e vinte e seis aos vinte e dois dias do mês de
abril nesta Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba em as casas e moradas de
Miguel Fernandes de Siqueira, aonde eu tabelião adiante nomeado fui sendo chamado e
sendo lá achei presentes o dito Miguel Fernandes de Siqueira Salvador de Freitas Vitória
de Siqueira Joana Gonçalves pessoas de mim reconhecidas serem as próprias e moradores
nesta dita vila e por eles juntos e cada um em Solidum em presença das testemunhas
adiante nomeadas e assinadas me foi dito que eles todos de suas livres vontades sem
constrangimento de pessoa alguma davam perdão a Salvador de Melo que também estava
presente do caso que havia sucedido a seu filho e Irmão Simão Fernandes e porque o dito
Salvador de Melo se queria por em livramento disseram que essa era sua vontade a que se
mostrasse livre e que eles o não queiram acusar nem essa fora nunca sua intenção porque
lhe perdoava quando muito culpado estivesse pelo amor de Deus e que prometiam em
tempo algum de não ir contra este perdão que davam a Salvador de Melo, e outro sim
disseram que querendo fazer não queriam ser ouvidos em juízo a tal acusação sobre
obrigação de suas pessoas e bens a fazer este dito perdão valido e valioso porque era assim
suas vontades próprias na forma sobreditas e dato caso que nesta escritura lhe falta alguma
solenidade para o dito efeito disseram que aqui as aviam por expressa e declaradas e
pediam as Justiças de Sua Majestade que Deus Guarde que também perdoassem toda a
culpa que a dita morte lhe resultaram ao dito Salvador de Melo: e em fé de que assim o
disseram e outorgaram mandaram ser feita esta escritura nesta nota para darem delas os
traslados necessários a qual escritura eu sobredito tabelião como pessoa pública aceitei
passar, a tudo estando presente por testemunha Sebastião Gonçalves Lopes Manoel da
Rocha pessoas de mim reconhecidas serem as próprias aqui assinadas que assinarão com
outorgante Miguel Fernandes de Siqueira e Salvador de Freitas e pelas outorgantes não
saberem ler nem escrever rogaram a Manoel Rodrigues da Mota que também presente
estava por elas assinasse que também assinou e eu Domingos Gonçalves Padilha tabelião
que a escrevi.
Miguel frz' de Seq.ra
Salvador de freitas
Assino a rogo das outorgantes; Vitória de Siqueira e Joana Gonçalves = Manoel Roiz' Da
Motta
Mano.el da Rocha
Livro 03 - folhas 154, 154v e 155
Escritura de perdão que dão os irmãos e pai da defunta Maria Carrasco a Nastácio
Alves e a Maria Pedrosa
Não teve efeito
Pacheco
Saibam quantos esta pública escritura de perdão virem que no ano do
nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e vinte e sete anos aos dois
dias do mês de janeiro do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de
Curitiba em pousadas de mim escrivão adiante nomeado apareceu presente João digo
presente Baltazar Carrasco dos Reis pai da defunta Maria Carrasco dos Reis e bem assim
João Correa e José Correa Irmãos da dita defunta todos pessoas moradoras desta vila e
pessoas reconhecidas de mim tabelião e por eles me foi dito em presença das testemunhas
adiante nomeadas e assinadas que eles todos de sua livre vontade sem ser por
constrangimento de pessoa alguma davam perdão a Nastácio Alves marido que foi da dita
defunta e a Maria Pedrosa ambos presos na cadeia da vila de Paranaguá e culpados na dita
morte por lhes não querer acusar as Justiças de Sua Majestade que Deus guarde com
condição que para efeito de lhe valer este perdão seriam obrigados a pagar vinte e quatro
mil reis a saber doze para os Santos Lugares e doze para as almas cujo dinheiro constando
estar pago sem quitação dos tesoureiros para esse efeito e deputados[?] se lhe valer o dito
perdão alias não constando estar satisfeito lhe não será de utilidade alguma a dita escritura
porque só por esse meio lhes perdoaria do dito delito pelo amor de Deus e prometiam-me
em nenhum tempo ir contra esta escritura e perdão feita por suas livres vontades sem a
condição acima declarada com declaração que os doze mil reis para as almas será entregue
ao tesoureiro delas desta Freguesia de Nossa Senhora da Luz de Curitiba e que desde agora
em razão desta escritura e suas vontades lhe faria bom o dito perdão por suas pessoas e
mais e mais herdeiros ascendentes e descendentes que após eles vierem e não revogarem
em tempo algum posto que sejam mortos eles outorgantes em tempo algum e outro sim
disseram que se porá a validade desta escritura faltasse algum ponto de direito[?] que aqui
os havia por postos e declarados em que pediam as Justiças de Sua Majestade lhe desse
todo inteiro cumprimento assim e da maneira que nela se contem de que de tudo mandaram
fazer esta escritura em que assinaram estando por testemunhas presentes José de Paiva e
José da Silva pessoas reconhecidas de mim tabelião Tomé Pacheco Abreu escrivão o
escrevi.
João Corea
Jozeph da Silva Neves
Jozeph de Pajva
Livro 03 – folhas 185v, 186 e 186v Escritura de perdão que dá Izabel da Veiga Leme: mulher que ficou do defunto João
Monteiro
Saibam quantos esta escritura de perdão virem que no ano do nascimento de
Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e vinte e sete aos oito dias do mês de Agosto
do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba em pousadas do
Capitão Manoel Picão de Carvalho onde eu tabelião fui e sendo aí achei presente Izabel da
Veiga Leme mulher que ficou de João Monteiro o qual Deus haja em glória e por ela me
foi dito em presença das testemunhas adiante nomeadas e assinadas que o ano passado a
tantos do mês de julho houve com o dito seu marido certos ressentimentos com Francisco
de Campos de que procedera haverem algumas facadas e de certas feridas que o dito seu
marido teve viera a morrer e tirando devassa do caso saiu o dito Francisco de Campos
culpado por ser o próprio ofensor e ocasião[?] da morte do dito seu marido e em se achar
presente Manoel Alves forro[?] que trabalhou fatalmente na defesa do dito meu marido
este não ficara culpado na dita devassa por se saber era sujeito muito amigo do dito defunto
e amigo da paz de que de tudo sou sabedora e todo este penou[?] e somente com a vinda do
ouvidor em correição nesta vila culpara ao dito Manoel Alves na dita morte sendo que
como dito tinha sabem todos que o dito Francisco de Campos foi o agressor e culpado na
causa de sua morte portanto por esta presente escritura e melhor via forma que posso
perdôo ao dito Manoel Alves a morte que maliciosamente se lhe argüiu que havia feito ao
dito meu marido João Monteiro e toda qualquer culpa que por respeito dela lhe podia e
pode ser dada pois estou certificada que o dito Manoel não foi o que fez a dita morte nem
para ela concorreu em coisa alguma mais antes se não fora ele que atalhara seria o dito
defunto morto logo em continente pelo que lhe estou muito agradecida e peço às Justiças
de Sua Majestade que Deus guarde que lhe perdoe e neste caso sua Real Justiça como
também lhe perdôo todo o direito e ações que contra ele e seus bens tinha e podia ter por
razão da dita causa de ficar culpado na dita devassa injustamente e por esta escritura me
obrigo a não ir contra este perdão em coisa alguma e somente denunciaria contra o dito
Francisco de Campos para que totalmente foi o que matou ao dito meu marido em
testemunho da verdade assim outorgou a dita escritura e me pediu a mim tabelião lhe
fizesse este instrumento por não se saber assinar a seu rogo assinou Euzébio Simões da
Cunha e por testemunhas que se acharam presentes o Capitão Manoel Ribeiro[?] de
Carvalho o Alferes Gaspar Carrasco dos Reis e André Ribeiro e eu Tomé Pacheco Abreu
escrivão o escrevi.
Assino a rogo da outorgante Izabel da Veiga Leme Euzébio Simoins e Cunha
Gaspar carrasco Dos Reis
Livro 03 – folhas 235 e 235v
Escritura de perdão que dá José do Souto a seu filho Teodozio do Souto a cerca de
um ferimento que o dito seu filho lhe fez com uma faca de ponta o qual foi remetido
preso para a Ouvidoria Geral desta comarca.
Saibam quantos este público instrumento de poderes e procuração digo esta
pública escritura de perdão de hoje para todo o sempre virem que no ano do nascimento de
Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e vinte e nove anos aos vinte e cinco dias do
mês de abril do dito ano nesta Vila de nossa Senhora da Luz de Curitiba em casas e
morados de mim tabelião adiante nomeado apareceu presente José do Souto morador desta
vila pessoa reconhecida de mim tabelião e por ele me foi dito em presença das testemunhas
adiante nomeadas e assinadas que ele por esta pública escritura, e de hoje e para todo o
sempre, perdoava de toda a sua livre vontade e sem constrangimento algum a seu filho
Teodozio do Souto pelo ferimento que o dito seu filho lhe havia feito com uma faca de
ponta da qual esteve em perigo de morte e como seu pai que era levado de amor que lhe
tem como filho não queria ser parte em coisa nenhuma pois Deus Nosso Senhor o havia
livrado da dita facada e estava são dela e com efeito pedia às Justiças de Sua Majestade
que Deus guarde em tudo houvesse por firme e valiosa e desse[?] vigor a este seu perdão
pelo qual espera de Deus Nosso o mesmo em suas culpas que contra [ileg.] tem
concorrido[?] e de como o disse e outorgou mandou fazer esta escritura nesta nota que
assinou com as testemunhas presentes Agostinho Correa Monteiro e José Fernandes da
Costa pessoas reconhecidas de mim tabelião Tome Pacheco Abreu que a escrevi.
Jozeph do Soutto
Agustinho Corea Montr.o
Jozeph frz’ da Costa
Livro 04 – folhas 27, 27v e 28 Escritura de perdão que dá Francisco Cubas a sua Sogra Ana da Cunha de Abreu
pelo ferido que lhe fez na vila de Jacareí
Saibam quantos esta pública escritura de perdão deste dia para todo sempre
virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e trinta
anos aos dezessete dias do mês de outubro de mil setecentos e trinta anos em casas e
moradas de mim tabelião adiante nomeado apareceu presente Francisco Cubas Furtado
morador na vila de Jacareí e ora instante nesta vila pessoa reconhecida de mim tabelião e
por ele me foi dito em presença das testemunhas adiante nomeadas e assinadas que ele
sendo ferido mortalmente de um tiro de espingarda na vila de Jacareí tirando-se devassa do
caso ex ofício da Justiça saiu pronunciada sua sogra Ana da Cunha de Abreu pelas
testemunhas serem pouco tementes a Deus e não deporem seus juramentos com ciência[?]
devida e porque está ele outorgante informado da verdade em como a dita sua sogra está
inocente de caso e somente é o culpado Julio Cezar e sem embargo do que havia ele
outorgante trazido uma precatória geral do Doutor Ouvidor Geral da Cidade de São Paulo
para serem presos os tais delinqüentes e com efeito está na cadeia a dita sua sogra. E
porque se divulgou não ser ela a que lhe mandou fazer o tal delito pois sempre lhe quis
muito amando-o como seu próprio filho como é público e notório e porque Deus não
prometa que estando ela inocente do caso venha a ter alguma moléstia com as Justiças de
Sua Majestade que Deus guarde ficando na consciência dele outorgante mal para com
Deus Nosso Senhor e temendo o castigo do céu que pela tal ocasião vinha a perecer a dita
sua sogra em seu credito e pessoa ele dito outorgante por esta pública escritura desiste da
acusação que por ele podia ter. E lhe não ser parte em coisa alguma mas antes às Justiças
de Sua Majestade que Deus guarde lhe dê toda a liberdade em razão de que não concorreu
para o tal malefício nem menos deu ajuda nem favor algum para tal se fazer. E só é
culpado o dito Julio Cesar por seu adversário e pouco temente a Deus. E outro sim disse
que se porá[?] até[?] a cidade desta dita escritura lhe faltasse algum ponto de direito que
aqui os há por posto e declarado e pede às Justiças de Sua Majestade que Deus guarde o
faça cumprir na forma que dito é e de como assim outorgou me pediu lhe fizesse esta
escritura estando por testemunhas presentes o Capitão Manoel da Rocha Carvalhais
Euzébio Simões e Cunha pessoas reconhecidas de mim tabelião Tomé Pacheco e Abreu
escrivão o escrevi.
Fran.co Cubas Furtado
Manoel da Rocha
Euzebio Simõins e Cunha
Não tem vigor algum esta escritura
por se ter desfeito o trato.
Pac.co
Livro 06 - folhas 96v e 97 Escritura de perdão que dá Miguel Alves/Álvares de Farias a seu Irmão João
Alves/Álvares de Farias das pancadas e feridas que lhe fez nele dito Miguel de Farias
Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão virem que
sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e trinta e
cinco anos aos treze dias do mês de janeiro do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da
Luz dos Pinhais de Curitiba em casas, e moradas de mim tabelião adiante nomeado
apareceu presente Miguel Alves/Álvares de Farias morador desta dita vila pessoa
reconhecida de mim tabelião e por ele me foi dito em presença das testemunhas adiante
nomeadas e assinadas que ele vinha a passar esta pública escritura de perdão que dava a
seu irmão João Alves/Álvares de Farias pelas pancadas, e ferimento que lhe fez, de que em
outro tempo tinha querelado, e como com efeito deu perdão de hoje para todo sempre; para
o não acusar mais em nenhum tempo; e a razão de lhe dar perdão era por ser verdadeiro
cristão temente a Deus e às Justiças de Sua Majestade de que Deus guarde, e disse mais
que nem ele nem seus herdeiros seriam ouvidos em juízo nem fora dele quando tornassem
por algum acidente quererem acusar ao dito seu irmão João Alves/Álvares de Farias pelas
ditas pancadas e ferimentos; pois se achava ele outorgante compreendido de o ter acusado
à justiça, e disse mais que se nesta escritura faltasse algum ponto por onde ficasse invalida,
aqui o havia por posto e declarado e de como assim o ter[?] por ser sua ultima vontade
pediu a mim tabelião lhe fizesse esta escritura nesta nota que aceitou em que se assinou
sendo presentes por testemunhas Guilherme Nogueira Passos e João da Silva Guimarães
pessoas reconhecidas de mim tabelião Antonio Alves/Álvares Freire escrivão o escrevi.
Miguel Alz de Farias
João da Silva guimarais
Guilherme Nogr.a
Livro 08 – folhas 133 e 133v Escritura pública que faz digo de perdão que dá João da Silva Pinheiro e sua mulher
Ignácia Gonçalves de Aguiar a Salvador Pais filho de Sebastião Pais de Almeida da
cutilada que lhe havia dado uma noite
Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão virem que no
ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e trinta e cinco anos
aos vinte e oito dias do mês de novembro do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Luz
dos Pinhais de Curitiba em casas e moradas de João da Silva Pinheiro onde eu escrivão
adiante nomeado fui vindo e sendo aí achei presente ao dito João da Silva Pinheiro e bem
assim sua mulher Ignácia Gonçalves de Aguiar e pelo dito João da Silva e dita sua mulher
me foi dito perante as testemunhas adiante nomeadas e assinadas, que ele dito João da
Silva Pinheiro dava perdão de hoje para todo sempre a Salvador Pais filho de Sebastião
Pais de Almeida da cutilada que lhe havia dado da qual tinha denunciado e querelado
perante a Justiça de Sua Majestade que Deus guarde e de hoje para todo sempre lhe dava
perdão o dito João da Silva Pinheiro e a dita sua mulher Ignácia Gonçalves de Aguiar para
nunca mais acusarem, nem denunciarem do dito Salvador Pais pela dita cutilada, e assim o
dito João da Silva como sua mulher lhe davam esse perdão de sua livre vontade sem
constrangimento algum só sim por amor de Deus por serem verdadeiros cristãos, e
disseram mais que se nesta escritura faltasse algum ponto por onde ficasse inválida [ileg.]
o havia por posto e declarado; e de como assim disseram e outorgaram me pediram lhe
fizesse esta escritura de perdão nesta nota que aceitaram em que se assinou o dito João da
Silva Pinheiro e por sua mulher se não saber assinar se assinou a seu rogo seu pai Diogo
Dias de Moura sendo presentes por testemunhas Antonio de Souza, e João Luiz de Siqueira
pessoas reconhecidas de mim tabelião Antonio Alves/Álvares Freire escrivão que a
escrevi.
João da Silva
Di.go dias de Moura
João Luis de Siq.ra
Antonio de Souza B.a
Livro 08 – folhas 45v e 46
Escritura pública de perdão que dá Francisca Leme mulher bastarda ao Capitão
Amador Bueno da Rocha
Saibam quantos este público instrumento de escritura pública virem que no ano
do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e quarenta anos aos
dezessete dias do mês de Junho do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba em casas e moradas de mim tabelião adiante nomeado apareceu
presente Francisca Leme mulher bastarda moradora desta vila e pessoa reconhecida de
mim tabelião pela própria aqui nomeada e por ela me foi dito em presença das testemunhas
adiante nomeadas e assinadas que por este instrumento de escritura pública dava de sua
livre vontade sem constrangimento de pessoa alguma perdão pelo amor de Deus ao
Capitão Amador Bueno da Rocha; por lhe ter este dado umas pancadas e que por
desencargo de sua consciência declarava ela dita Francisca Leme que das ditas pancadas
não movera nem andava pejada, e que somente levada da paixão o publicou afim de fazer
agravante mais o caso, o que por desencargo de sua consciência declarava ser falso, e que
assim para que Nosso Senhor lhe perdoasse os seus pecados perdoara ela dita Francisca
Leme ao dito Capitão Amador Bueno da Rocha, o que [ileg.] assim disse e de hoje em
diante dava todo o perdão de sua livre vontade só por amor de Deus, e de hoje em diante
não queria mais ser parte na dita causa o que tudo assim o disse que posto por fé e disse
mais que se nesta escritura faltasse algum ponto por onde ficasse inválida aqui o havia por
posto e declarado em fé de que assim o disse e outorgou me pediu lhe fizesse esta escritura
nesta nota que aceitou em que por não saber ler nem escrever rogou ao Licenciado
Alexandre Alves/Álvares de Araújo por ela assinasse sendo presentes por testemunhas
Luis Cardoso de Santiago e Domingos Gonçalves Padilha pessoas reconhecidas de mim
tabelião Antonio Alves/Álvares Freire escrivão que a escrevi.
Assino a rogo da outorgante Francisca Leme Alexandre Alz’ de Araújo
D.os Glz’ Padilha
Luis Cardozo S’tiago
Livro 08 – folhas 94, 94v e 95 Escritura de perdão que dá Manoel da Costa Ferreira a Francisco da Silva
Saibam quantos este público instrumento de escritura pública de perdão virem
que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e quarenta
anos aos catorze dias do mês de dezembro do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Luz
dos Pinhais de Curitiba em casas e moradas de mim tabelião adiante nomeado apareceu
presente Manoel da Costa Ferreira morador dos Campos Gerais distrito desta vila e pessoa
reconhecida de mim tabelião pelo próprio aqui nomeado e por ele me foi dito na presença
das testemunhas adiante nomeadas e assinadas que ele tinha querelado e denunciado de
Francisco da Silva com o fundamento de que este não só lhe tinha dado umas cutiladas mas
também potenciosamente lhe tomara um pouco de gado vacum e cavalgaduras que ele dito
outorgante Manoel da Costa Ferreira conduzia das fazendas do Capitão Mor José de Góis e
Morais de quem tinha sido fazendeiro e lhe ficavam de sua partilha e que sendo-lhe ao
encontro o dito Francisco da Silva de presente feitor das fazendas do dito Capitão Mor e
seu procurador bastante e supondo, que ele dito Manoel da Costa Ferreira lhe levava o dito
gado e cavalos sem ordem ou autoridade alguma e por ele dito Francisco da Silva lhe não
ter dado como procurador que era do dito Capitão Mor nem lhe constar que este lhe tivesse
dado se travaram de razões das quais resultaram o dito ferimento porem que conhecendo
ele dito outorgante a razão que o dito Francisco da Silva tinha para aquela desconfiança e
excesso de sua muito própria e livre vontade sem constrangimento de pessoa alguma e só
pelo amor de Deus lhe dava como logo deu perdão de hoje para todo sempre e que do dito
Francisco da Silva não queria coisa alguma antes rogava às Justiças de Sua Majestade que
Deus guarde não contendessem com o dito Francisco da Silva pois em sua consciência
achava que a dita querela e denuncia fora dada mais com paixão do que outra coisa que
tivesse e nesta forma em atenção de tudo lhe dava perdão de hoje para todo sempre o qual
Francisco da Silva aceitou o dito perdão ficando amigos como de sempre foram e como
assim o disse de tudo dou minha fé e me pediu lhe fizesse esta escritura pública nesta nota
que aceitou em que assinou sendo presentes por testemunhas o Capitão João de Araújo
Cavalheiro e Manoel Vaz Torres e Salvador Fernandes de Siqueira todos pessoas
reconhecidas de mim tabelião Antonio Alves/Álvares Freire escrivão que escrevi.
Manoel vas Torres
Manoel da Costa Ferr.a
João de Ar.o Cavalhr.o
Salvador Frz.’ de Siq.ra
Livro 12 - folhas 39v, 40, 40v e 41
Escritura de perdão que dá o administrado que foi de Amador Bueno da Rocha;
Amador da Veiga da ferida que este lhe fez
Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão que dá
Feliciano administrado digo da administração que foi de Amador Bueno da Rocha Amador
da Veiga virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e
setecentos e quarenta e seis anos aos trinta dias do mês de abril do dito ano nesta Vila de
Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba em casas da morada de mim escrivão
adiante nomeado apareceu presente Feliciano que foi da administração de Amador Bueno
da Rocha e por ele me foi dito em presença das testemunhas adiante nomeadas e assinadas
apareceu presente o dito Feliciano natural do gentio da terra da administração que foi de
[ileg.] Amador Bueno da Rocha pessoa reconhecida de mim tabelião ser o mesmo e por ele
me foi dito em presença das mesmas testemunhas adiante nomeadas e assinadas que ele
vinha dar perdão a Amador da Veiga Bueno de umas feridas que ele lhe tinha feito em uma
noite deu tudo no sítio de seu pai Antonio da Veiga Bueno e que muito de sua livre
vontade sem constrangimento de pessoa alguma dava o dito perdão só sim por desencargo
de sua consciência e amor de Deus porque ele dito Feliciano não tinha recebido dano
algum nem ficara com alguma lesão da tal ferida por não ser coisa de consideração nem
perigo nem estivera doente da tal ferida e que fora casualmente feita havendo umas razões
com ele dito Amador da Veiga [ileg.] repreensão que este lhe dera como administrado do
dito seu pai e seu irmão Amador Bueno da Rocha cuja ferida fora feita com uma faca de
mesa em que ele dito Feliciano mesmo se embaraçara que casualmente ficara ferido sem
que o dito Amador da Veiga lhe quisesse dar e porque esta era a mesma verdade e que para
se desencarregar lhe dava o dito perdão para que pudesse tratar de seu livramento de que
lhe não queria ser parte e de como assim o disse e outorgou pediu a mim tabelião lhe
fizesse esta escritura de perdão assinou e por não saber ler nem escrever pediu a Paulo da
Rocha Dantas que a seu rogo assinou em presença das testemunhas Joaquim Cardoso de
Leão e Domingos Cardoso de Leão e eu João de Barros da Rocha escrivão que a escrevi.
Assino a rogo do outorgante Feliciano Paulo da Rocha
Como testemunha Joachim Cardoso de Leão
Domingos Cardozo Leão
Livro 13 – folhas 33v, 34 e 34v Escritura pública de perdão que dá o Tenente Coronel Brás Domingues Veloso e
Manoel Borges de Sampaio a Francisco Álvares Xavier pelo crime que lhe resultou na
devassa que se tirou por furtos que faziam nesta vila
Saibam quantos este público instrumento de escritura pública de perdão virem
que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e quarenta e
oito anos aos vinte e um dias do mês de junho do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da
Luz dos Pinhais de Curitiba em casas e moradas de mim tabelião adiante nomeado aí
perante mim apareceram presentes o Tenente Coronel Brás Domingues Veloso e Manoel
Borges de Sampaio ambos moradores desta mesma vila e pessoas reconhecidas de mim
tabelião pelas próprias aqui nomeadas e por eles me foi dito em presença das testemunhas
adiante nomeadas e assinadas que à sua notícia viera que neste Juiz ordinário se tirara uma
devassa ex oficio o ano passado de mil e setecentos e quarenta e sete a respeito dos furtos
que se faziam nesta dita vila e que nela saíra culpado Francisco Álvares Xavier homem
solteiro e filho legitimo do defunto João Álvares de Crasto por ter furtado um cavalo do
dito Tenente Coronel Brás Domingues Veloso e outro cavalo ao dito Manoel Borges de
Sampaio e como assim o dito Tenente Coronel Brás Domingues Veloso como o dito
Manoel Borges de Sampaio tornarem a haver assim os ditos cavalos por razão de que
disseram eles outorgantes ambos juntos e cada um de per si que de hoje em diante para
todo o sempre perdoavam e com efeito deram perdão pelo amor de Deus sem mais
interesse algum ao dito Francisco Álvares Xavier assim eles outorgantes como seus
herdeiros ascendentes e descendentes e que não queriam ser partes ao dito Francisco
Álvares Xavier em coisa alguma e nem menos acusarem-no as Justiças de Sua Majestade
que Deus guarde por lhe terem perdoado pelo amor de Deus e de amor em graça e de como
assim disseram e outorgaram me pediram a mim tabelião lhe fizesse esta escritura de
perdão nesta nota que depois de por mim lhe ser lida aceitaram e disseram estava a seu
contento em que assinaram sendo presentes por testemunhas Antonio Álvares Freire e
Miguel Gonçalves Lima ambos moradores nesta mesma vila de Curitiba e pessoas
reconhecidas de mim tabelião João de Bastos Coimbra escrivão que a escrevi.
Bras Domingues vellozo
Manoel Borges de S. Paýo
Miguel Glz’ Lima
An.to Alvres F.e
Livro 14 - folhas 42v, 43, 43v e 44
Escritura de perdão que dá João Simões da Silva e sua mulher Inácia Correia de
Crasto e a seu sogro pai da dita sua mulher Manoel Correia de Crasto e a José
Ribeiro da Cunha preso na cadeia da vila de Paranaguá
Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão virem que
sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e cinqüenta
anos aos doze dias do mês de Janeiro do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba no escritório de mim tabelião adiante nomeado aí perante mim
apareceu presente João Simões da Silva morador desta mesma vila pessoa reconhecida de
mim tabelião pelo próprio aqui nomeado de que dou minha fé e por ele me foi dito em
presença das testemunhas adiante nomeadas e assinadas que ele tinha querelado e
denunciado no Juízo da Ouvidoria Geral desta Comarca de Paranaguá do seu sogro Manoel
Correa de Crasto e de sua filha Ignácia Correa de Crasto mulher dele dito João Simões e de
José Ribeiro da Cunha dizendo que uns e outros o queriam matar ou mandavam matar e
outras mais circunstancias que constam da mesma querela e denuncia que deles deu cuja
intentou e deu por informações que lhe davam algumas pessoas e porque hoje estava no
conhecimento de que tudo o que se lhe tinha dito e ele declarou na querela que tinha dado
contra os sobreditos conhecendo que sim dá este perdão pela falsidade com que foi argüida
a culpa lhe não pede a Deus perdoar e que tão informado estava de que tudo era falso o que
se lhe tinha dito contra a dita sua mulher e filhas digo sogro que já estava vivendo com eles
em boa paz e sossego como Deus quer e para que também se pusessem os sobreditos em
paz com as justiças e fossem livres das culpas que lhe tinha argüido sem constrangimento
de pessoa alguma lhe perdoava pelo amor de Deus e só afim de que Deus também lhe
perdoasse por também ser parte em acreditar tão levemente o que se lhe tinha dito com
declaração que o dito José Ribeiro da Cunha perdoava com condição de nunca mais assistir
nem aparecer nesta Vila de Curitiba e seu termo e de outra sorte havia por não dado o dito
perdão porque assim julgava e ser conveniente ao serviço de Deus e salvação das almas e
pedia às Justiças de Sua Majestade que Deus guarde assim o determinem com
cominação[?] de que obrando o dito o contrario por esse mesmo fato e motivo fique outra
vez incurso no mesmo crime e cumprindo a ação pedia as ditas justiças que dá sua parte
lhe perdoassem atendendo a falsidade da culpa e disse mais que se nesta escritura faltou
algum ponto ou cláusula de direito por onde ela ficasse inválida a que o houve por posto
expresso e declarado como já[?] deles fizesse expressa e declarada menção e de como ação
o dele e outorgou em fé e testemunho de tudo me pediu a mim tabelião lhe fizesse esta
escritura pública nesta nota que depois de por mim tabelião lhe ser lida o aceitou e disse
estava a seu contento que assinou com as testemunhas que presentes estavam Paulo da
Rocha Dantas e Antonio Álvares Freire ambos moradores nesta mesma vila e pessoas
reconhecidas de mim tabelião João de Bastos Coimbra escrivão que a escrevi.
Paulo da Rocha Dantas
João Simõens da S.a
An.to Alvres Freyre
Livro 14 – folhas 44v, 45 e 45v
Escritura de perdão que dá João Simões da Costa a Pedro da Cruz Pereira na forma
abaixo declarada
Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão virem que
sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e cinqüenta
anos aos dezesseis dias do mês de Janeiro do dito ano nesta Vila Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba no escritório de mim escrivão e tabelião adiante nomeado aí perante
mim apareceu presente João Simões da Costa morador no bairro de São José termo desta
mesma vila e pessoa reconhecida de mim tabelião pelo próprio aqui nomeado de que dou
minha fé e por ele me foi dito em presença das testemunhas adiante nomeadas e assinadas
que sem embargo que por parte da justiça se tirara devassa ex ofício pela morte feita a um
seu escravo por nome Manoel em a qual ficara culpado Pedro da Cruz Pereira contudo por
ele outorgante vir no conhecimento da verdade e saber que o sobredito Pedro da Cruz
Pereira o matara em sua defesa natural por saber ele outorgante de certo que o dito defunto
seu escravo fizera toda a diligencia para primeiro o matar e a não lhe atirar e matar
primeiro o dito Pedro Pereira sem duvida o matava lhe perdoa como com efeito por este
público instrumento de escritura de perdão lhe perdoava a dita morte sem interesse nem
constrangimento de pessoa alguma mas sim movido do amor de Deus e para que o dito
Pedro da Cruz Pereira se pusesse em paz com as Justiças de Sua Majestade que Deus
guarde e se livrasse da dita culpa pedia às mesmas justiças da sua parte lhe perdoassem
também por saber de certo como já disse que o dito Pedro da Cruz Pereira fizera a dita
morte em sua defesa natural e disse mais que para toda a validasse a dita escritura se nela
[ileg.] algum ponto ou cláusula de direito por onde ela ficasse inválida aqui o havia por
posto expresso e declarado como se dele fizesse expressa e declarada menção e em fé e
testemunho da verdade de que assim o disse e outorgou me pediu a mim tabelião lhe
fizesse esta escritura de perdão nesta nota e que depois de por mim tabelião lhe ser lida a
aceitou e disse estava a seu contento que assinou sendo a tudo presentes por testemunhas
Antonio Álvares Freire morador nesta mesma vila e o Sargento Mor Patrício da Silva
Chaves morador na vila de Paranaguá e de presente assistente nesta mesma Vila de
Curitiba e ambos pessoas reconhecidas de mim tabelião João de Bastos Coimbra escrivão
que a escrevi.
Joao’ Simois da Costa
An.to Alvres Freyre
Patr.o da S.a chaves
Livro 14 - folhas 53, 53v e 54 Escritura de perdão, e amor em graça que dá Francisco da Silva morador desta vila a
Manoel da Costa Ferreira morador no distrito da mesma
Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão e amor em
graça virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e
setecentos e cinqüenta anos ao primeiro dia do mês de março do dito ano nesta vila de
Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba no escritório de mim tabelião adiante
nomeado apareceram presentes Francisco da Silva morador desta mesma vila pessoa
reconhecida de mim tabelião pelo próprio aqui nomeado, e bem assim Manoel da Costa
Ferreira morador nos Campos Gerais distrito desta mesma vila e também pessoa
reconhecida de mim tabelião, e pelo dito Francisco da Silva foi dito em presença das
testemunhas adiante nomeadas, e assinadas que ele vinha dar perdão de sua livre vontade, e
amor em graça sem constrangimento de pessoa alguma senão por desencargo de sua
consciência cujo perdão desde logo dava como com efeito deu da querela que contra o dito
Manoel da Costa Ferreira tinha dado do furto de uns animais, e um tiro por quanto o dito
Manoel da Costa Ferreira não tinha furtado animais algum nem atirado tiro algum por sua
vontade nem dera causa para que entre eles houvesse desinsoins[?] algumas, por quanto
vindo do dito Manoel da Costa Ferreira da fazenda chamada São Bento com sua família e
criações de mudança para a fazenda chamada Cambejú, ele dito Francisco da Silva com
falsas informações lhe saiu ao encontro com os negros que tinha, e cego de paixão sem
atender mais a coisa alguma tratou de impedir a jornada, e com uma espada larga lhe atirou
bastantes golpes, e ferio ao dito Manoel da Costa na testa, e em uma mão, e sem duvida se
não atalhara e desviara, e rebatera os golpes com uma espingarda que trazia o acabaria de
matar, e andando nesta forma no dar de um golpe disparou a dita espingarda que lhe não
ofendeu o dito tiro, e claramente conheceu que o dito Manoel da Costa não concorreu para
o dito tiro com intenção senão ela por si se disparara porque se o dito tivesse vontade de o
matar o fizera por estarem perto um do outro, e assim também declarou o dito Francisco da
Silva que ele querelara do dito Manoel da Costa só afim de este lhe dar perdão da querela
que contra ele havia dado pelas feridas e cutiladas que lhe havia dado, e assim o declarava
por desencargo de sua consciência, e pedia às Justiças de Sua Majestade que Deus guarde
que pela referida culpa não procedam contra o dito porque de tudo está em inocente como
declarado tinha, e de como assim o disse me pediu a mim tabelião lhe fizesse esta escritura
pública de perdão nesta nota que depois de ser lida por mim tabelião disse que assim era
quanto nela se continha e assinou, sendo a tudo presentes por testemunhas Alexandre
Álvares/Alves de Araújo, e João de Araújo Cavaleiro todos moradores desta mesma vila e
pessoas reconhecidas de mim tabelião Manoel Borges de Sampaio que a escrevi.
Fran.co da Sylva
Allexandre Alz.’ de Ar.o
João de Ar.o Cavallr.o
Livro 14 - folhas 54 e 54v
Escritura pública de perdão e amor em graça que dá o Capitão João Carvalho da
Assunção ao Capitão Antonio da Silva Leme preso na cadeia desta vila
Saibam quantos este público instrumento de escritura pública de perdão, e
amor em graça virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de
mil e setecentos e cinqüenta anos aos cinco dias do mês de março do dito ano nesta vila de
Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba em o escritório de mim tabelião adiante
nomeado apareceu presente o Capitão João Carvalho da Assunção morador no distrito
desta mesma vila, e pessoa reconhecida de mim tabelião pelo próprio aqui nomeado, e por
ele me foi dito em presença das testemunhas adiante nomeadas, e assinadas que ele de sua
livre vontade, e sem constrangimento de pessoa alguma vinha dar perdão como com efeito
logo o deu ao Capitão Antonio da Silva Leme de hoje para todo o sempre de lhe ser parte
na morte que um seu administrado por nome Zidorio junto com um seu parceiro por nome
Lauriano fizeram a seu filho falecido Manoel Carvalho da Luz por estar inteirado que o
dito Capitão Antonio da Silva Leme não concorrera para ela, e só sim os ditos
administrados tinham feito a dita morte por sua vontade, e que para ela não concorreu o
dito Capitão Antonio da Silva, e pedia às Justiças de Sua Majestade que Deus guarde que
pela referida culpa não procedessem contra o dito Capitão Antonio da Silva Leme, com a
condição, e ajuste que será obrigado o dito Capitão Antonio da Silva Leme a pagar todas as
custas assim presentes como futuras que sobre a dita morte se tem feito e se fizerem, e
outro sim de que havendo noticias certas que os ditos seus administrados malfeitores se
acham pelo distrito desta comarca de ser obrigado a entregá-los a Justiça de Sua Majestade
que Deus guarde, que de outra sorte constando que os oculta ou lhe da algum favor lhe não
valerá este perdão mas antes lhe tornarei a ser parte, e de como assim o disse me pediu a
mim tabelião lhe fizesse esta escritura pública de perdão que depois de lhe ser lida por mim
tabelião disse assim era o conteúdo nela, e assinou sendo a tudo presente por testemunhas
Alexandre Álvares/Alves de Araújo, morador desta mesma vila, e José Jacome de Azevedo
morador no distrito da Vila de Paranaguá, e de presente nesta vila de Curitiba, todas
pessoas reconhecidas de mim tabelião Manoel Borges de Sampaio que a escrevi.
João Carv.o da SsupSsão
Jozeph jacome de Azevedo
Alexandre Alz’ de Ar.o
Livro 15 - folhas 18v, 19 e 19v
Escritura de perdão e amor em graça que dá Ana Maria de Siqueira Dona viúva a
João Carvalho Pinto morador desta vila de Curitiba
Saibam quantos este público instrumento de escritura pública de perdão e amor
em graça virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e
setecentos e cinqüenta e um anos aos treze dias do mês de junho do dito ano nesta Vila de
Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba no escritório de mim tabelião adiante
nomeado apareceu presente Ana Maria de Siqueira Dona viúva de presente assistente nesta
dita Vila de Curitiba mãe do defunto João Machado Fagundes pessoa reconhecida de mim
tabelião pela própria aqui nomeada de quem eu sobredito tabelião tomei outorga de que
dou minha e por ela dita Ana Maria de Siqueira me foi dito em presença das testemunhas
adiante nomeadas e assinadas que ela da sua parte vinha dar perdão de amor em graça de
sua livre vontade sem constrangimento de pessoa alguma senão por desencargo de sua
consciência cujo perdão desde logo dava como com efeito deu a João Carvalho Pinto
natural desta Vila de Curitiba filho de João Martins Leme e de sua mulher Catarina
Rodrigues Pinto da morte que o dito fez a seu filho João Machado Fagundes pela razão de
que ela dita Ana Maria de Siqueira estava inteirada de que o dito João Carvalho Pinto
quando fizera a dita morte ao dito seu filho não fora por sua vontade, e só sim levado de
uma paixão por ser lhe ter dito que o dito seu filho falecido João Machado Fagundes vinha
a esta vila querelar do dito João Pinto digo João Carvalho Pinto por cujo motivo com falsas
informações, e levado da sua paixão fizera a dita morte por cuja razão ela dita Ana Maria
de Siqueira disse que por desencargo de sua consciência lhe dava o dito perdão de amor em
graça, e pedia às Justiças de Sua Majestade que Deus guarde que pela referida culpa não
procedesse contra o dito João Carvalho Pinto, e de como assim o disse me pediu a mim
tabelião lhe fizesse esta escritura pública de perdão nesta nota que depois de lhe ser lida
por mim tabelião disse que assim era quanto nela se continha, e por ser mulher e não saber
ler nem escrever pediu que por ela a seu rogo assinasse o Licenciado Paulo da Rocha
Dantas sendo a tudo presentes por testemunhas o Capitão Antonio da Silva Leme, e
Manoel Vaz Torres todos moradores desta Vila de Curitiba e pessoas reconhecidas de mim
tabelião Manoel Borges de Sampaio escrivão que a escrevi.
Assino a rogo da outorgante Ana Maria Paulo da Rocha dantas
Manoel vas Torres
An.to da Silva Leme
Livro 15 – Folha 20, 20v e 21
Escritura pública de perdão e amor em graça que dá Domingas Fernandes viúva que
ficou do defunto João Machado Fagundes a João Carvalho Pinto todos moradores
desta Vila de Curitiba
Saibam quantos este público instrumento de escritura pública de perdão e amor
em graça virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e
setecentos e cinqüenta e um anos aos treze dias do mês de junho do dito ano nesta Vila de
Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba em o escritório de mim tabelião adiante
nomeado apareceu presente Domingas Fernandes viúva que ficou do defunto João
Machado Fagundes moradora desta Vila de Curitiba e pessoa reconhecida de mim tabelião
pela própria aqui nomeada de quem eu sobredito tabelião tomei outorga de que dou minha
fé, e por ela dita Domingas Fernandes me foi dito em presença das testemunhas adiante
nomeadas e assinadas que ela da sua parte vinha dar perdão de amor em graça, e de sua
livre vontade sem constrangimento de pessoa alguma senão por desencargo de sua
consciência, cujo perdão desde logo dava como com efeito deu a João Carvalho Pinto
natural desta Vila de Curitiba moço solteiro filho de João Martins Leme e de sua mulher
Catarina Rodrigues Pinta da morte que o dito fez a seu marido João Machado Fagundes
pela razão de que ela dita Domingas Fernandes estava inteirada de que o dito João
Carvalho Pinto quando fizera a dita morte ao dito seu marido não fora por sua vontade, e
só sim levado de uma paixão, por se lhe ter dito que o dito seu marido falecido vinha a esta
vila querelar do dito João Carvalho Pinto, por cujo motivo com falsas informações, e
levado de sua paixão fizera a dita morte, por cuja razão ela dita Domingas Fernandes disse
que por desencargo de sua consciência dava o dito perdão de amor em graça, e pedia às
Justiças de Sua Majestade que Deus guarde que pela referida culpa não procedam contra o
dito João Carvalho Pinto, e de como assim o disse me pediu a mim tabelião lhe fizesse esta
escritura pública de perdão e amor e graça nesta nota que depois de lhe ser lida por mim
tabelião disse que assim era o conteúdo nela, e por ser mulher, e não saber ler nem escrever
pediu que por ela a seu rogo assinasse sendo a tudo digo a seu rogo assinasse o Licenciado
Paulo da Rocha Dantas sendo a tudo presentes por testemunhas o Capitão Antonio da Silva
Leme e Manoel Vaz Torres todos moradores desta Vila de Curitiba e pessoas reconhecidas
de mim tabelião Manoel Borges de Sampaio escrivão que a escrevi.
Assino a rogo da outorgante Domingas Fernandes Paulo da Rocha dantas
Manoel vas Torres
An.to Da Silva Leme
Livro 15 - folhas 44v e 45
Escritura pública de perdão que faz Matias Leite a Antonio Rodrigues dos Santos
pela morte feita a Domingos Leite Soares primo por consangüinidade do outorgante
Saibam quantos este público instrumento de escritura pública de perdão de
amor em graça virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de
mil e setecentos e cinqüenta e um anos aos dezoito dias do mês de setembro do dito ano
nesta Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba em o escritório de mim
tabelião adiante nomeado aí apareceu presente Matias Leite morador desta mesma Vila de
Curitiba pessoa reconhecida de mim tabelião pelo próprio aqui nomeado, e por ele me foi
dito em presença das testemunhas adiante nomeados e assinadas, que por quanto Antonio
Rodrigues dos Santos tinha morto a Domingos Leite Soares a facadas uma noite estando
jogando ambos; e como este falecido era primo por consangüinidade dele outorgante, e o
caso foi sucedido acidentalmente, e não caso pensado, por cuja causa ele outorgante de sua
própria e livre vontade sem constrangimento de pessoa alguma, e sem mais interesse só
pelo amor de Deus dava perdão ao dito Antonio Rodrigues dos Santos, e com efeito deu o
dito perdão de hoje para todo o sempre para o não acusar em tempo algum, e nem lhe ser
parte pelo tal delito, e caso sucedido; e disse também que se nesta escritura de perdão
houvesse alguma clausula ou ponto de direito por onde ficasse invalida aqui o havia por
posto expresso e declarado, pois a sua vontade e só dar este perdão na forma atrás
declarada. E de como assim o disse e outorgou me pediu a mim tabelião lhe fizesse esta
escritura pública de perdão nesta nota que depois de por mim tabelião lhe ser lida aceitou,
e disse que estava a seu contento e por tal assinou sendo a tudo presentes por testemunhas
o Tenente Antonio de Oliveira de Assunção e o Alferes João Baptista Dinis todos
moradores desta Vila de Curitiba e pessoas reconhecidas de mim tabelião Manoel Borges
de Sampaio escrivão que a escrevi.
Mathias Leite Soares
An.to da Silva d'Ssumpção
João Bap.ta Diniz
Livro 15 - folhas 136, 136v e 137
Escritura pública de perdão que dá Antonio Fernandes Nogueira a Paulo da Rocha
Dantas
Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão virem que
sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e cinqüenta e
dois anos aos onze dias do mês de julho do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Luz
dos Pinhais de Curitiba no escritório de mim escrivão e tabelião adiante nomeado aí
perante mim apareceu presente Antonio Fernandes Nogueira morador nesta mesma vila e
pessoa reconhecida por mim tabelião digo de mim tabelião pelo próprio aqui nomeado e
por ele me foi dito em presença das testemunhas adiante nomeadas e assinadas que ele de
sua própria e livre vontade sem constrangimento pessoa alguma não queria acusar nem ser
parte a Paulo da Rocha Dantas no livramento do crime que lhe resultou por uma devassa
que a seu requerimento digo por uma devassa que tirou o doutor ouvidor geral desta
comarca da fazenda que lhe faltou da sua loja e por saber que o dito Paulo da Rocha lhe
não tirara nada da dita fazenda e a falta que achou ser de pouco valor lhe dava perdão
como com efeito lhe perdoava e perdoado tinha de hoje para todo o sempre o que fazia
para desencargo de sua consciência de amor em graça e pelo amor de Deus pedia às
Justiças de Sua Majestade que Deus guarde lhe perdoasse e a esta dessem inteiro
cumprimento na forma que nela se declara para que Deus também lhe perdoe tudo o que
entreveio[?] para o dito crime e de como assim o disse e outorgou[?] me pediu a mim
tabelião lhe fizesse esta escritura de perdão nesta nota que depois de por mim tabelião lhe
ser lida a aceitou e disse que estava a seu contento por muito bem a perceber a qual assinou
com as testemunhas que presentes estavam Amaro Fernandes da Costa e Manoel Borges de
Sampaio ambos moradores nesta mesma vila e pessoas reconhecidas de mim tabelião João
de Bastos Coimbra escrivão que a escrevi.
An.to Frz’ Nogr.a
Amaro frz’ da Costa
Manoel Borges de S. Paýo
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