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A PROVA BRASIL NO COTIDIANO ESCOLAR
Luciane Szatkoski – SME/Jacareí
Resumo:
O presente artigo tem por objetivo apresentar alguns resultados obtidos na pesquisa de
mestrado realizada no ano de 2013 sobre como a Prova Brasil está inserida no cotidiano
de uma escola de ensino fundamental I. Os dados aqui apresentados se referem à
concepção de quatro professoras acerca das avaliações externas e sobre as influências da
Prova Brasil na matriz curricular do 5º ano. Vale destacar aqui, que a Avaliação
Nacional do Rendimento Escolar – Anresc, ou Prova Brasil – foi criada em 2005 como
um exame complementar ao Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica),
implementado em 1995 e que produz estratos amostrais de desempenho dos sistemas e
redes de ensino. A Prova Brasil tem como prioridade evidenciar os resultados de cada
unidade escolar da rede pública de ensino e tem caráter censitário. Por outro lado, com os
objetivos de “a) contribuir para a melhoria da qualidade de ensino, redução de
desigualdades e democratização da gestão do ensino público” e “b) buscar o
desenvolvimento de uma cultura avaliativa que estimule o controle social sobre os
processos e resultados do ensino” (BRASIL, 2008), a Prova Brasil se firma como política
marcante na escola pública e, portanto, se faz necessário o debate acerca dos resultados,
para que não se crie dentro da escola uma cultura de avaliação com fins em si mesma. A
hipótese desta pesquisa é que não há debate no interior da escola sobre as avaliações
externas e, portanto as práticas pedagógicas e o currículo assumem um caráter mais
técnico. Essa pesquisa teve como procedimentos metodológicos a entrevista semi-
estruturada com quatro professoras de 5° ano e a análise documental. Os resultados da
coleta de dados são apresentados através da análise das respostas das professoras segundo
os assuntos de interesse: currículo, compreensão sobre a Prova Brasil e trabalho
pedagógico.
PALAVRAS-CHAVE: Prova Brasil; Cotidiano escolar; práticas pedagógicas.
Partindo do pressuposto que as professoras de 5º ano seriam os sujeitos mais
indicados para contribuir com essa pesquisa porque são elas que articulam currículo,
prática pedagógica e efetivam as políticas de avaliação no interior da sala de aula,
utilizou-se como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada e a análise
documental.
A análise documental teve como objetivo conhecer o que dizem os documentos
oficiais do MEC no que diz respeito às avaliações externas e os documentos da Secretaria
de educação que são específicos da formação dos professores de 5º ano, currículo da série,
orientação para as escolas e professores sobre Prova Brasil.
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EdUECE - Livro 300737
Para a realização da entrevista elaborou-se um roteiro que contemplasse perguntas
sobre a compreensão das professoras sobre a Prova Brasil, os conteúdos curriculares da
série e sobre o seu próprio trabalho pedagógico em relação à Prova Brasil.
A Prova Brasil
Na década de 1990 surge, no Brasil, uma ampla política de avaliação em larga
escala. A experiência precursora foi o SAEB, “justificado pela necessidade de produzir
informações para subsidiar análises sobre os impactos das políticas adotadas, em termos
de equidade e eficiência”. (BONAMINO, 2002, p. 78)
A partir de 2005 o SAEB passou a ser composto por duas avaliações: a avaliação
denominada Avaliação Nacional da Educação Básica – Aneb – que é realizada por
amostragem e seu foco está nas gestões dos sistemas educacionais e o alcance dos seus
resultados não pode ser divulgado nem por município nem por escola; pela Prova Brasil.
A Prova Brasil, de natureza censitária, expande a divulgação dos resultados por
municípios e escolas.
Os documentos oficiais tanto do SAEB, quanto da Prova Brasil, associam o
desempenho dos estudantes em Língua Portuguesa e Matemática à qualidade da educação
escolar.
Em suas primeiras edições, 2005 e 2007, a Prova Brasil examinou todos os alunos
das escolas da zona urbana, em turmas que tivessem mais de 20 alunos matriculados e em
2009, amplia-se para as escolas da zona rural, também em turmas que tenham mais de 20
alunos matriculados.
A Prova Brasil é realizada a cada dois anos, fornecendo as médias de desempenho
para o Brasil de todas as escolas participantes, portanto permite que haja comparação
entre as unidades de ensino, muito embora cada escola ou município tenha características
e particularidades peculiares.
As áreas priorizadas pela Prova Brasil, são Língua Portuguesa (com foco na
leitura) e Matemática (com foco na resolução de problemas). Cada uma dessas áreas
possui uma Matriz de referência que indica as habilidades/ competências que serão
avaliadas nas provas.
Juntando a média de desempenho dos alunos nessa avaliação mais o fluxo escolar
(passagem dos alunos pelas séries sem repetir, avaliado pelo programa Educacenso)
(BRASIL, 2008), que são dois conceitos importantes para a qualidade educacional obtêm-
se o IDEB. O Brasil, atualmente, tem como objetivo atingir nota seis (06) no IDEB até
2022, índice este que corresponde à qualidade de ensino nos países desenvolvidos.
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EdUECE - Livro 300738
Considerando a existência da Matriz de Referência, a Prova Brasil se restringe ao
domínio de algumas competências por parte dos alunos. Isso pode induzir a uma ênfase
na aprendizagem do que “cairá” na prova oficial, aprendizagem esta desvinculada de uma
formação geral dos alunos, ou seja, a Prova Brasil é uma avaliação normativa. Como
propõe Afonso (2005, p. 34):
A avaliação normativa parece ser, portanto, a modalidade de avaliação
mais adequada quando a competição e a comparação se tornam valores
fundamentais em educação. Nesta modalidade de avaliação, os
resultados quantificáveis (por exemplo, os que se referem ao domínio
cognitivo e instrucional) tornam-se mais importantes do que os que se
referem a outros domínios ou outras aprendizagens.
Desta forma, a Prova Brasil teria se tornado um dispositivo de padronização e
controle do trabalho docente e da prática pedagógica e a medida do desempenho dos
estudantes nos exames, o principal recurso de avaliação da qualidade das escolas.
A compreensão das professoras sobre a Prova Brasil
Durante a entrevista, quando questionadas sobre o que pensavam sobre a Prova
Brasil, as professoras responderam que:
Eu caracterizo em duas colunas. O que tem de bom e o que poderia ser
melhorado. É bom saber, é um indicador, precisa ter um indicador […]
Tem a necessidade porque eu percebo que os conteúdos eles não tem
um monitoramento. Essa planilha que existe é X. E porque não tem
planilha de história, geografia e ciências? Não é importante saber onde
se está?[…] Não é importante saber de onde você veio e pra onde vai?
Importante é você saber ler, escrever e fazer conta?[…] Então eu acho
que a Prova Brasil é um indicador da área de português e matemática
[…] ela não deixa ninguém pensar. (Professora 1)
Ela vem dizer que a educação tá uma vergonha, sinceramente. Eu falei
no conselho, quando dizem pra nós que somos professores que
antigamente se aprendia o que a gente entende disso? Entende que os
professores não ensinam. Não é verdade? (Professora 2)
Para acrescentar não vejo uma coisa assim tão…, chega a atrapalhar
um pouco o trabalho porque a criança tem muita dificuldade nesse
negócio de gabarito. Então quando a gente mais rala é agora em agosto
pra dar conta da Prova Brasil. Mas as habilidades tão dentro também.
Eu acho pros alunos depois pra fazer um vestibular é bom. (Professora
3)
Eu não gosto desses métodos de aferição da maneira como eles são
colocados porque da maneira como é colocado é muito superficial, não
contempla as realidades de uma avaliação. Aí você tem que fazer
treinamentos que eu sou contra. […] Eu acredito que é mais um
instrumento de aferição pra colocar uma nuvem nos olhos das pessoas.
(Professora 4)
Podemos perceber que as professoras têm consciência do que é a Prova Brasil no
que se refere a ser apenas um indicador de algumas habilidades dos alunos, com exceção
da Professora 2, que se mostrou mais preocupada com a aprovação dos alunos sem terem
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EdUECE - Livro 300739
as habilidades mínimas de leitura e escrita. É importante salientar que na Rede Municipal
de educação de Jacareí não há progressão continuada. Mas a preocupação com a
defasagem na aprendizagem também aparece nas falas das outras professoras.
“Eu tenho 27 alunos, 07 sabem ler e escrever e as quatro operações,
olha lá.” (Professora 1)
“Aqueles que não estão com dificuldades em português e matemática
entendem melhor. Os outros não conseguem resolver operações,
alguns não sabem ler. E a gente sente que a maior dificuldade em
resolver a Prova Brasil o que é? Eles não conseguem ler, aí não
conseguem fazer nada.” (Professora 2)
“Tem criança no 5° ano que não sabe ler e escrever, infelizmente.”
(Professora 3)
“A dificuldade que eu tenho é trabalhar o conteúdo de 5º ano nessa
turma, porque os alunos estão chegando muito fracos.” (Professora 4)
Como um dos modos de obtenção do IDEB é o fluxo escolar, pode-se questionar
se a passagem dos alunos pelas séries não estaria acontecendo de forma indiscriminada
para que os índices não abaixem.
Os modelos de responsabilização adoptados tenderão também a
condicionar as modalidades de avaliação que servirão para verificar os
resultados dos sistemas educativos. Assim, por exemplo, a preparação
que os alunos deverão efectuar, tendo em conta a exigência de uma
comprovação bem sucedida das suas aquisições acadêmicas e do seu
nível de conhecimentos, não significa, necessariamente, que essa
preparação resulte numa aprendizagem real e efectiva. (AFONSO,
2005, p. 47)
Portanto, percebe-se que o Ideb não induz à equidade dentro de uma mesma escola
e apesar de ser o indutor da comparação entre escolas e sistemas, as professoras
entrevistadas não sabiam qual era o IDEB da escola pesquisada e que, naquele espaço
educativo, não havia a divulgação dos resultados pela gestão, Secretaria de Educação do
município ou pelos próprios professores.
Um dos objetivos da Prova Brasil, segundo o discurso oficial, é o de apontar os
problemas da educação básica, para o direcionamento na formulação de políticas públicas
educacionais e consequentemente para a melhoria do sistema público educacional
brasileiro. Contudo, a realidade apresentada é de que os avanços esperados em termos da
aprendizagem escolar encontram-se estagnados.
A Secretaria de Educação de Jacareí organizou encontros de formação para os
professores de 5º ano sobre a Prova Brasil. Esses foram organizados em quatro encontros
para Língua Portuguesa e sete encontros para Matemática. Sobre essas formações as
professoras respondem que:
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EdUECE - Livro 300740
Não fui participar, eu faltei, mas as meninas estavam reclamando que
o B. tá sonhando, ele tá fora da sala de aula assim como a L. Eu acho
que eles estão no papel deles, eles têm que pedir isso pra ver se
conseguem isso e dentro da sala eu consigo isso, entendeu? Então a
Luciane diz: Vamos fazer uma revisão de texto. A criança não sabe
escrever. Eu tenho aluno na minha sala, chegou final de abril pra mim,
e ele não conhece as vogais a, e i, o, u. Não sabe número. Então eles
não tem noção da clientela que nós temos. (Professora 1)
Ainda não fui. (Professora 2)
Comecei agora. Já fui em 2 encontros de matemática e um de português
na secretaria. Coisa que não tinha antes, agora é pra Prova Brasil que
nós estamos estudando. A gente deixa de fazer um HA aqui por semana
e vai à secretaria, eu e a outra professora pra ter a formação. Uma
segunda de matemática e na outra língua portuguesa. O de matemática
eu não gostei muito porque tinha muita informação que não dá pra dar
pra criançada em relação à geometria principalmente. Eu que tenho
problema sério com geometria porque eu fui muito mal ensinada e o
que estão ensinando eu não estou gostando porque não vou conseguir
passar pra criançada. Então a gente vem com tarefa pra aplicar em
sala de aula, depois a gente debate como foi. O legal é que elas tão
aceitando nossa opinião. Porque de repente jogaram a geometria, mas
a criançada não sabe o que é 2x2 no 5º ano. Tem criança no 5º ano que
não sabe ler e escrever, infelizmente a realidade é
diferente.(Professora 3)
Começou agora uma formação na secretaria. Como ta começando é
difícil dizer pra você o que eu acho. No ano passado não teve porque
não teve Prova Brasil. Eu não gostei no sentido de como foi iniciado
matemática. Eu acho que o conceito de formação da Prova Brasil,
devia ser pensado lá atrás. Vamos formar os professores a partir do 1º
ano de maneira bem suave, com foco na Prova Brasil, então eu
trabalho aqui em 2013 com foco em 2015 a Prova Brasil, aí sim eu
colho os resultados. De maneira como você pegar junho começar uma
formação pra novembro aplicar a prova. (Professora 4)
Nota-se que as estratégias utilizadas não contrariam o que as professoras precisam
para melhorar ou aperfeiçoar seu trabalho pedagógico, mas a preocupação com as
Matrizes de Referência da Prova Brasil deixam em segundo plano questões urgentes a
serem resolvidas como, por exemplo, a defasagem na aprendizagem dos alunos, que
parece ser a grande aflição das professoras.
O currículo imposto pela Prova Brasil
A concepção de currículo é abrangente, não se restringindo aos conhecimentos
transmitidos. Quando tratamos de currículo supomos também que este se trata das
experiências vividas na escola, a organização escolar, o conjunto das matérias, os
conhecimentos culturais dos diferentes grupos presentes no espaço escolar (pais, alunos,
professores, funcionários), a matriz curricular, as indicações metodológicas adotadas no
desenvolvimento dos conteúdos, a avaliação, etc.
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Na proposição de uma avaliação externa como a Prova Brasil, há a validação de
um currículo prescrito através das Matrizes Curriculares, que são seguidas e disseminadas
nas escolas.
O currículo prescrito para o sistema educativo e para os professores,
mais evidente no ensino obrigatório, é a sua própria definição, de seus
conteúdos e demais orientações relativas aos códigos que o organizam,
que obedecem às determinações que procedem do fato de ser um objeto
regulado por instâncias políticas e administrativas. (SACRISTÁN,
2000, p.109)
Partindo desse pressuposto, a avaliação externa implica em modificações no
currículo escolar, pois nota-se que o trabalho pedagógico vem sendo modificado, ou seja,
a Prova Brasil impõe aos professores um trabalho diferenciado em prol dos alunos se
saírem bem nos testes. Mesmo as professoras que se mostram contrariadas com a maneira
pela qual a Prova Brasil interfere no cotidiano escolar, acabam treinando seus alunos e
trabalhando as questões da prova em aula.
“Eu acho que a gente trabalha a serviço de. Antes eu trabalhava a
aprendizagem dos meus alunos e ia seguindo os conteúdos, e era aquilo
que eu tinha que minimamente preencher. Agora não, agora eu tenho
que trabalhar a serviço da Prova Brasil. Eu tenho que trabalhar
questões da Prova Brasil, eu tenho que trabalhar diagramação, o
formato. (Professora 1)
“Só os conteúdos a seguir que a gente recebe e aí a gente ta
trabalhando mais em cima daquilo. E agora a gente vai trabalhar mais
em cima das habilidades relacionadas à Prova Brasil.” (Professora 2)
“Antes dava pra aprofundar mais com a criançada de 5° ano, agora ta
muito defasado. A gente tem que passar o conteúdo porque vai cair na
Prova Brasil e a gente não tem tempo então a gente acaba dando uma
pincelada muito rápida.” (Professora 3)
“As pessoas focam naquelas questões que é uma coisa que não muda e
infelizmente o professor acaba focando só naquilo”. (Professora 4)
De acordo com a fala das professoras entrevistadas fica claro como a prática
pedagógica do 5° ano subordina-se à Prova Brasil, no ano em que ela é realizada. A
avaliação atua como uma pressão modeladora da prática curricular, ligada a outros
agentes, como a política curricular, o tipo de tarefas nas quais se expressa o currículo e o
professorado escolhendo conteúdos ou planejando atividades. (Sacristán, 2000)
Uma das professoras evidenciou, durante a entrevista, que os alunos mais fracos
são retirados da sala no dia da prova:
“Geralmente a gente faz um acordo, a gente não pode pedir pra faltar,
mas também não precisa entrar na sala, porque daí não vai subir
nunca, né? Não sabe ler, não sabe escrever, não sabe nada, aquele
aluno não participa”.(Professora 3)
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A esse respeito vale salientar aqui que:
Os alunos com problemas de comportamento, ou com dificuldades de
aprendizagem, tenderão assim a ser excluídos de algumas escolas
porque podem afectar a imagem social destas organizações ou, ainda,
porque podem sobrecarregar os recursos humanos e materiais
disponíveis. Deste modo, o aumento da competição escolar,
acompanhada da publicação de indicadores de rendimento ou quaisquer
outros, tenderá a afectar a definição dos objetivos da escola…
(AFONSO, 2005, p. 90 Grifos do autor)
Assim, a avaliação externa, não proporciona a tão divulgada melhoria na
qualidade do sistema educacional, ao contrário, aumenta a desigualdade através de uma
exclusão intraescolar.
Nenhuma das professoras sabe ao certo de quais concepções a matriz curricular é
desenvolvida, acreditando que um grupo de especialistas da secretaria municipal de
educação elege quais conhecimentos farão parte da mesma. O que se verifica é que a
organização curricular não conta com a participação dos professores, mesmo
considerando que são eles os dirigentes do processo pedagógico. Nas palavras de Gimeno
Sacristán (2000):
A ordenação e a prescrição de um determinado currículo por parte da
administração educativa é uma forma de propor o referencial para
realizar um controle sobre a qualidade do sistema educativo. O controle
pode ser exercido, basicamente, por meio da regulação administrativa
que ordena como deve ser a prática escolar, ainda que seja sob a forma
de sugestões, avaliando essa prática do currículo através da inspeção
ou por meio de uma avaliação externa dos alunos como fonte de
informação. (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 118. Grifos do autor).
Atualmente o que norteia a escolha dos conteúdos que serão trabalhados com o 5º
ano é uma planilha que é enviada para as escolas bimestralmente onde estão os conteúdos
a serem trabalhados e que seguem basicamente a Matriz de Referência da Prova Brasil.
A cada conteúdo trabalhado em sala de aula, a professora avalia o aluno colocando um X
se a habilidade/descritor foi desenvolvida pelo aluno.
Comparando as planilhas enviadas às escolas com as Matrizes de Referências da
Prova Brasil, é notável que o currículo prescrito na Rede Municipal de Educação de
Jacareí está reduzido, incorporando todos os descritores exigidos pela Prova Brasil, com
pequenos acréscimos de outros conteúdos.
Outro ponto que chama a atenção é que essas planilhas são entregues aos
professores bimestralmente, impedindo que os mesmos tenham noção da continuidade
dos conhecimentos que deverão ser desenvolvidos por seus alunos. Ademais, as planilhas
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EdUECE - Livro 300743
só existem para as disciplinas de Português e Matemática, clarificando que são prioritárias
no âmbito da sala de aula, por se tratarem das disciplinas cobradas pela Prova Brasil.
Quando perguntado às professoras se estas sabem se as Matrizes de Referência da
Prova Brasil estariam contempladas no currículo, três professoras disseram que “não
sabiam” e apenas uma respondeu que:
“Eu acredito que sim porque além do número da habilidade tem uma
letrinha: descritor 16, descritor..., então esses indicadores são
indicadores de que tá em algum outro ligar também. Na HA falam
descritor da Prova Brasil, mas eu nunca li o documento onde estão.”
(Professora 1)
Na análise das planilhas fica evidenciado que o currículo prescrito contempla os
conhecimentos exigidos na Prova Brasil. Na entrevista, as professoras comprovam que
houve modificações curriculares em função da Prova Brasil:
“Sim, porque elas estão lá. Antes não tinha essa letrinha D, essa coisa
descritor, descritor...” (Professora 1)
“Eu acho que não, né?” (Professora 2)
“Esse ano os conteúdos foram montados bem em cima da Prova Brasil,
foi bem elaborado. Eles mandam o conteúdo depois vem a planilha pra
gente preencher o que os alunos atingiram ou não. Uma vez a cada
bimestre a gente entrega a planilha.” (Professora 3)
“O grande problema é que um ano é de um jeito e no outro é de outro.
Não há necessidade de focar aquilo em detrimento de outras coisas. O
grande problema é que treina-se e mais nada.” (Professora 4)
Ao mesmo tempo em que participam de formações na Secretaria Municipal de
Educação para a realização da Prova Brasil com ênfase nos descritores e habilidades que
caem nesta prova, a serem desenvolvidas com os alunos, as professoras trabalham
questões da Prova Brasil em sala de aula, realizam simulados com os alunos e
demonstram uma grande preocupação com o nível de conhecimentos deles, as professoras
entrevistadas não se sentem pressionadas a elevar o nível do IDEB da escola. Isso
evidencia que
[…] a prática docente tem reguladores externos aos professores,
embora atuem por meio deles configurando a forma que o exercício de
sua prática adota. Esta não pode ser explicada pelas decisões dos
professores, pois se produz dentro de campos institucionais e de
códigos que organizam o desenvolvimento do currículo com o qual
toda a prática pedagógica está tão diretamente envolvida. A
estruturação ou forma do currículo e seu desenvolvimento dentro de
um sistema de organização escolar modelam a prática profissional do
professor, configuram um tipo de profissionalização institucional e
curricularmente enquadrada. (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 87)
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Segundo as professoras, na própria escola, durante as Horas Atividade (HA) não
há nenhum tipo de debate a respeito da Prova Brasil, as orientações pedagógicas ficam
limitadas à preocupação com a elevação do IDEB e se restringem aos conselhos de classe
do 5º ano em que somente participam as professoras dessa série, a orientadora pedagógica
e a diretora da escola.
Quando perguntadas se trabalham com seus alunos questões da Prova Brasil
percebe-se que essa prática faz parte do planejamento escolar das professoras, com maior
ou menor intensidade.
“Preparo. Com modelos das provas anteriores. Eu acho que a cada 15
dias. Umas duas vezes por bimestre eu faço provas com questões da
Prova Brasil.” (Professora 1)
“Trabalho. Eu vejo as atividades que tem, explico melhor, dou a
definição, dou bastante atividades pra eles”. (Professora 2)
“Sim. Todos os dias. Hoje dou uma folha de Língua portuguesa, explico
pra no final, disso tudo ensinar o que é pior: o preenchimento do
gabarito. A prova bimestral é só com questões da Prova Brasil”.
(Professora 3)
“Trabalho algumas vezes por semana”. (Professora 4)
Uma forte tendência é utilizar as Provas Brasil de anos anteriores e aplicá-las em
sala de aula até mesmo como instrumento de avaliação das aprendizagens dos alunos
durante o ano letivo. Isso ficou evidenciado quando na entrevista, as professoras
responderam se realizavam simulados com os alunos.
“Sim. Eu mesma preparo, são as provas bimestrais, né. Mas esse ano
em particular eu peguei uma turma terrível de comportamento e de
aprendizagem, entendeu? Não consigo cumprir os conteúdos. Por isso
eu acho que a secretaria tem que fazer apostila pra perceber quanto
tempo eu gasto com cada habilidade.” (Professora 1)
“Ainda não fiz mas vou fazer.” (Professora 2)
“Faço. Um por bimestre. A prova bimestral.” (Professora 3)
“Vou começar a fazer. Até o final do ano eu pretendo fazer atividades
semanais, eu quero que eles se acostumem com essa dinâmica de
pensar”. (Professora 4)
Por outro lado, quando perguntadas se houve diferença na aprendizagem de seus
alunos depois da implementação da Prova Brasil, respondem:
Eu não acho que acrescentou, eu acho que só mudou o foco. Ao invés
de eu ficar ensinando de uma maneira qualquer eu ensino fração,
visando que a formatação da Prova Brasil vai pedir aquilo, entendeu?
Não acho que mudou, eles mudaram o conteúdo para servir a Prova
Brasil. O conteúdo tá ali, de 5º ano mesmo, mas a formatação, o que
tem no livro, nos livros, nas atividades comuns que a gente dá, não é a
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formatação da Prova Brasil. As atividades não vêm naquela
formatação de colunas, com alternativas. Então você muda.
(Professora 1)
Não. De jeito nenhum. Acho que cada ano tá ficando pior. (Professora
2)
Deu uma melhorada. No meu caso, trabalho a Prova Brasil, eu xeroco
toda a prova anterior e vou trabalhando e assim, eu vejo mais
interesse, eles vão estudando mais, procurando saber mais, a prova
tem todo um interesse por trás também. (Professora 3)
Não acho. Acho que houve piora inclusive. Por exemplo, aqui em
Jacareí se você pegar o conteúdo do 5º ano do ano passado pra esse,
esse tá raso. Eu acho o conteúdo pouco, tudo bem que tem a forma que
você trabalha, mas ele tá muito raso. (Professora 4)
Percebe-se que a não participação das professoras na análise do currículo prescrito
faz com que elas se tornem meras reprodutoras de conhecimentos pré- estabelecidos por
técnicos da Secretaria de Educação. Segundo Gimeno Sacristán (2000):
A necessidade de entender o professor necessariamente como um
profissional ativo na transferência do currículo tem derivações práticas
na definição dos conteúdos para determinados alunos, na seleção dos
meios mais adequados para eles, na escolha dos aspectos mais
relevantes a serem avaliados neles e em sua participação das condições
de contexto escolar. O professor executor de diretrizes é um professor
desprofissionalizado.” (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 169)
Outro ponto em relação aos conteúdos a serem trabalhados em sala de aula por
exigência das Matrizes Curriculares da Prova Brasil é a falta de autonomia do professor
para decidir o que os seus alunos têm condições de aprender naquele momento, ou então
do próprio professor dominar estratégias e conhecimentos para poder desenvolver em
seus alunos as habilidades propostas.
Considerações finais:
Tendo em vista compreender qual é a percepção dos professores sobre a
Prova Brasil e sobre os resultados do Ideb e como essa compreensão se reflete no
currículo do quinto ano do ensino fundamental I, o estudo aqui apresentado identificou
que na escola pesquisada os professores são induzidos a definir sua metodologia de
trabalho a partir da lógica das avaliações externas. Essa indução se dá através da planilha
utilizada como currículo prescrito e das formações voltadas para os descritores da Prova
Brasil.
Cabe aqui retomar a informação de que o SAEB, inicialmente, era amostral
e, portanto não permitia a comparação entre alunos, escolas, municípios. A ideia era de
essa medida política visava integrar e compor dentre outros indicadores, evidências do
desempenho dos alunos. Os resultados permitiam a reformulação das políticas
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 300746
educacionais. O SAEB sofreu gradativamente reformulações e a primeira delas foi a
criação dos exames, não mais amostrais, por meio do seu desdobramento em Aneb e
Anresc.
A Prova Brasil passa a ter uma penetração no âmbito não só das gestões
municipais, mas das escolas propriamente ditas, o que o Saeb, na sua configuração inicial
não permitia. Então ela demarca uma alteração bastante substantiva, no sentido de que os
resultados tenham maior potencial de induzir alterações no trabalho escolar. Embora o
próprio Saeb tenha coleta de outras evidências além dos resultados de desempenho de
alunos é bom lembrar que isso não tem tido o devido tratamento no momento de discussão
da qualidade da educação básica.
Os dados apresentados comprovam a hipótese inicial deste trabalho de
que não há discussão, no interior da escola, a respeito da Prova Brasil, que assume um
caráter mais técnico, desencadeando o controle do currículo e das práticas pedagógicas.
A ênfase nos resultados dos desempenhos dos alunos, com aporte em
dados quantitativos interpretados, usualmente, de forma descontextualizada, sem análise
dos fatores que condicionam tal e qual resultado em cada contexto escolar, faz com que
os mesmo sejam apresentados à sociedade como prestação de contas, por parte do
governo, da qualidade da educação.
Ao lado disso, colocam-se todas as iniciativas de legitimação dessa noção
de produção da qualidade. A ideia de avaliação como sinônimo de provas e testes é
acolhida, aceita e reconhecida como um indicador de qualidade de educação. A
desejabilidade de currículos homogêneos traz a ideia de que o ensino será de melhor
qualidade na medida em que se cumprir um currículo pré-estabelecido no âmbito federal.
E, com isso, tem-se tido não só a indução à homogeneização, mas uma redução do
currículo. A matriz do Saeb passa a ser referência para pautar o que ensinar no interior
da escola. A própria noção de qualidade está circunscrita ao desempenho do aluno em
leitura, escrita e matemática.
Outro fato que as avaliações trazem e que se confirma claramente no
depoimento de pelo menos uma das professoras entrevistadas, é a da desigualdade,
levando à exclusão de determinados alunos com dificuldades de aprendizagem, proibindo
a participação nas provas para não comprometer os resultados da escola. E, com isso, a
noção de competição vai se introduzindo nas redes de ensino; uma noção de que
competição gera qualidade.
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EdUECE - Livro 300747
As políticas educacionais formuladas e incrementadas sob os auspícios da
classificação e seleção incorporam, consequentemente, a exclusão como inerente aos seus
resultados, o que é incompatível com o direito de todos à educação.
O debate no interior da escola deve ser resgatado. Quais são os valores
norteadores da ação educativa escolar? Que sociedade se quer? Que cidadãos
pretendemos formar? Somente irão se envolver na construção de perspectivas diferentes
de avaliação aqueles que tiverem projetos educacionais e sociais divergentes, ao contrário
disso.
Referências Bibliográficas:
AFONSO, Almerindo Janela. Avaliação educacional: regulação e emancipação: para
uma sociologia das políticas avaliativas contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2005.
BRASIL. Ministério da Educação. PDE: Plano de Desenvolvimento da Educação:
Prova Brasil: ensino fundamental: matrizes de Referência, Temas, Tópicos e
Descritores. Brasília, MEC, SEB; Inep, 2008.
GIMENO SACRISTÁN, J. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre:
Artmed, 2000.
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EdUECE - Livro 300748
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