a possibilidade de partilha de bens em caso de dissoluÇÃo de casamento com o pacto de separaÇÃo...
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UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO
FACULDADE DE DIREITO “LAUDO DE CAMARGO”
NÚCLEO DE PESQUISA
A POSSIBILIDADE DE PARTILHA DE BENS EM CASO DE
DISSOLUÇÃO DE CASAMENTO COM O PACTO DE SEPARAÇÃO DE
BENS
Antonieta Maria de Carvalho Almeida Prado
Ribeirão Preto
dezembro/2006
1
ANTONIETA MARIA DE CARVALHO ALMEIDA PRADO
A POSSIBILIDADE DE PARTILHA DE BENS EM CASO DE
DISSOLUÇÃO DE CASAMENTO COM O PACTO DE SEPARAÇÃO DE
BENS
Monografia apresentada como exigência parcial
para a obtenção do título de Bacharel em Ciências
Jurídicas da Universidade de Ribeirão Preto –
UNAERP.
Orientadores: Prof. Sebastião Donizete Lopes dos
Santos.
Prof. Dr. Paulo Roberto Colombo
Arnoldi.
Ribeirão Preto
dezembro/2006
2
Almeida Prado, Antonieta Maria de Carvalho
Possibilidade de partilha em caso de dissolução de casamento com
pacto de separação de bens / Antonieta Maria de Carvalho Almeida Prado.
Ribeirão Preto, 2006.
50 p.
Orientadores: Prof. Sebastião Donizete Lopes dos Santos
Prof. Dr. Paulo Roberto Colombo Arnoldi.
Monografia Jurídica (conclusão de curso), Direito, Universidade de
Ribeirão Preto, UNAERP, 2006.
1. Considerações gerais sobre o casamento. 2. Regime de Bens –
considerações gerais e alternativas. 3. União Estável e seus efeitos
patrimoniais. 4. Possibilidade de Partilha em caso de dissolução de
casamento com pacto de separação de bens.
3
Dedico este trabalho,
À meu pai, cuja eterna memória sempre honrarei e respeitarei, chorando sua
ausência...
À minha mãe, porto seguro, cujo amor incondicional me permite a certeza de
poder recorrer, sempre, nos momentos mais difíceis e que sempre está do meu
lado, e quem me apoiou espiritual, moral e financeiramente, permitindo que eu
pudesse chegar até este momento...
À minha irmã Alice, outra metade de meu ser, cujo amor e apoio me deram
forças para conseguir atravessar os piores momentos da minha vida e alcançar
o fim o túnel...
Ao meu irmão Edmundo, que apesar de distante, sempre velou por mim,
sofrendo calado por não poder me resgatar para o amor da minha família.
Às minhas sobrinhas, Ticiana, Marília e Nathália, cujo amor e amizade,
eternas, jamais serão desfeitas, ante os percalços do destino.
Às minhas amigas, cuja amizade se solidificou pela ausência, e em cujo seio
amigo fui bem recebida, sem sentir o lapso temporal que nos afastou...
À minha família, que me ensinou valores morais, que permitiram que eu não
desmoronasse em muitos momentos da minha caminhada nesta vida, e cuja
educação sólida, honrada e digna, permitiu que eu me tornasse a pessoa que
sou hoje, e conseguisse realizar, ainda que tarde, o maior sonho de minha vida
me graduando advogada.
À Cidinha Marques, amiga fiel e de todas as horas, cuja fortaleza de caráter
muitas vezes me amparou, dando-se forças para tomar decisões difíceis e
enfrentar com serenidade outras, com as quais não me conformava...
Aos meus padrinhos, Yara e Antônio Pessanha, cuja confiança e apoio me
incentivaram em momentos de incerteza.
4
Agradeço:
A Deus, a Jesus e a Nossa Senhora, cuja proteção em amparo
permitiu que eu chegasse onde cheguei e conseguisse realizar tudo o
realizei.
À minha família, sempre presente, com amor, carinho e apoio, me
incentivando a seguir adiante e conseguir chegar até o fim desta
jornada, sem a qual, certamente, eu não conseguiria.
À minha amiga de todas as horas, Leninha, que com sabedoria e
afeto, muitas vezes me fez ver que deveria mudar o curso do meu
caminho, e voltar-me para outra direção.
Ao meu professor, orientador no estágio no Ministério Público e da
monografia, Dr. Sebastião Donizete Lopes dos Santos, cuja bondade,
sensatez, equilíbrio e cautela no exercício de suas atribuições, me
fizeram ver o quanto é importante, e, verdadeiro sacerdócio, o
trabalho de um Promotor de Justiça, fazendo com que eu tivesse a
ousadia de pretender seguir tal carreira profissional, e, quiçá, com
semelhante desempenho e mérito.
Aos meus professores, que em deram orientação necessária e cujos
ensinamentos imprescindíveis utilizarei na minha vida profissional.
Aos meus colegas, de todas as classes por onde passei, que me
receberam com amizade e carinho, e dos quais sempre recebi uma
palavra de incentivo e apoio.
Aos funcionários de todos os setores da faculdade, que sempre me
receberam e atenderam com cordialidade e amizade, e com os quais
sempre pude contar em minhas necessidades.
À Rubinete, minha amiga e fiel escudeira, cujo apoio e companhia
foram vitais em momentos difíceis da minha vida.
A todos aqueles que no momento não dá para nomear, cuja amizade,
companhia e apoio me deram forças para renascer e ousar encarar a
vida nova que se descortinava para mim, sem medo e com ousadia de
querer ser sempre mais e melhor.
5
RESUMO
Analisando a “Possibilidade de partilha de bens em caso de dissolução de casamento com
pacto de separação de bens”, justificada pela controvérsia de regime de bens e situações
vivenciadas no casamento; utilizou-se o método analítico dedutivo, apoiado na doutrinas e na
jurisprudência, lançando luzes sobre controvertido tema. Há situações conjugais que
configuram verdadeira sociedade de fato, independentemente do regime de bens. Quando
elegem o regime de bens, o casal não vislumbra tal possibilidade. Na separação, fica difícil
determinar de quem foi o esforço na aquisição do patrimônio, geralmente contabilizado para o
homem. Especialmente nos casamentos anteriores às alterações constitucionais, quando a
realidade vivenciada permanece, apesar de alterado o ordenamento jurídico. Impossível
aceitar prevalência do regime pactuado, havendo interesses e esforços comuns, a permitir
injustiça e ilegalidade, quando o titular dos bens se locupleta em prejuízo do outro. A
jurisprudência reconhece o esforço comum. A lei proíbe o enriquecimento ilícito, permitindo
a analogia para preencher lacunas, onde ela é falha ou omissa, para evitar injustiças e
enriquecimento ilícito, quando ocorrer esforço comum e nos casos de casamento precedido de
união estável, cujo patrimônio comum, oriundo dessa união, é confundido com o adquirido,
posteriormente, por um dos cônjuges. São muitas as situações vivenciadas, mas,
especialmente nestas, a jurisprudência e a doutrina poderiam contribuir mais. Sugere-se,
especialmente para casamento com separação de bens, precedido de união estável, edição de
lei obrigando os contraentes a formalizarem a ruptura da união estável com partilha de bens
obrigatória, como requisito para a habilitação do casamento e formalização do pacto
antenupcial, sob pena de anulação deste, ficando submetidos ao regime da comunhão parcial
de bens. Para os casos em que é obrigatória a separação de bens, edição de norma mantendo o
disposto na Súmula 377, com a comunicação dos aqüestos, sem a necessidade de prova do
esforço comum.
Palavras-chaves: casamento, separação, regime de bens, locupletamento ilícito, partilha de
aqüestos.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 07
METODOLOGIA ..................................................................................................................... 11
CAPÍTULO I - CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O CASAMENTO E O REGIME DE
BENS ............................................................................................................. 12
1.1 A evolução histórica da família e do casamento ................................................................ 12
1.2 O direito de família no Brasil ............................................................................................. 15
CAPÍTULO II - REGIME DE BENS – CONSIDERAÇÕES GERAIS E ALTERNATIVAS
.......................................................................................................... ...........17
2.1 Conceito e regras gerais ..................................................................................................... .17
2.2 Alternativas de regimes de bens .........................................................................................19
2.2.1 Regime da comunhão parcial (arts. 1.658 a 1.666) ......................................................... 19
2.2.2 Regime da comunhão universal (arts. 1.667 a 1.671) ..................................................... 19
2.2.3 Regime da participação final nos aqüestos (art. 1.672 a 1.686) ...................................... 20
2.2.4 Regime da separação de bens .......................................................................................... 20
2.2.4.1 Regime da separação convencional ou absoluta de bens (art. 1.687 e 1.688) .............. 20
2.2.4.2 Regime da separação legal ou obrigatória de bens (art. 1.641) .................................... 21
2.3. A dissolução do vínculo matrimonial ................................................................................ 22
2.3.1 Reflexos do regime de bens na dissolução do casamento .............................................. 23
2.4 Os direitos sucessórios do cônjuge sobrevivente ............................................................... 23
CAPÍTULO III – A UNIÃO ESTÁVEL E SEUS EFEITOS PATRIMONIAIS ..................... 26
3.1 Conceito, evolução histórica e os direitos patrimoniais decorrentes .................................. 26
3.2 Os direitos sucessórios do cônjuge sobrevivente ............................................................... 32
CAPÍTULO IV - POSSIBILIDADE DE PARTILHA EM CASO DE DISSOLUÇÃO DO
CASAMENTO COM PACTO DE SEPARAÇÃO DE BENS .................... 33
4.1 A separação de bens e o direito á meação à luz da Súmula 377......................................... 33
4.2 A sociedade de fato, o esforço comum e a possibilidade de partilha ................................. 35
4.3 A proibição do enriquecimento ilícito ................................................................................ 42
4.4 A união estável seguida de casamento com separação de bens .......................................... 45
4.4.1 O pacto de separação de bens não pode anular tacitamente os direitos adquiridos durante
a união estável .......................................................................................................................... 48
4.4.2 Os bens adquiridos na vigência do casamento por separação de bens, mas em sub-
rogação a bens advindos da União Estável ............................................................................... 52
4.5 Aquisições em conjunto ..................................................................................................... 55
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 59
7
INTRODUÇÃO
Este trabalho monográfico objetiva analisar o tema “Possibilidade de partilha de
bens em caso de dissolução de casamento com pacto de separação de bens”, cuja justificativa
se deve a situações vivenciadas pelas pessoas, que muitas vezes mantém relacionamentos
divergentes dos parâmetros que a lei aponta como o que deva ser seguido, uma vez que as
relações humanas são motivadas por sentimentos e emoções e não pela razão e interesses
extra-afetivos.
No momento em que elegem um regime de bens, os nubentes não têm noção do
que poderá acontecer durante os anos de vida em comum, dos acontecimentos e situações que
podem impulsionar o casal a vivenciar dentro do casamento, situação diversa da que foi
pactuada.
Nenhum casamento é constituído nos moldes de uma empresa, contabilizando os
ativos e passivos, os lucros, as fontes de onde vieram os recursos, mantendo assim, o
patrimônio contabilizado e individualizado.
O objetivo principal do casal é a construção da família, onde ocorre a comunhão
de corpos, almas, interesses e objetivos.
O casamento é união, unificação, e não separação, cisão, de modo que a situação
patrimonial não deve diferir da situação afetiva; se o casal se une para formar um todo dentro
do ponto de vista emocional e afetivo, não pode ater-se diferentemente na situação laboral e
patrimonial.
Na maioria dos casos fica difícil determinar com o esforço de quem foi adquirido
um bem patrimonial, pois se não obtido com esforço direto, pode ter sido obtido por esforço
indireto, uma vez que a ajuda de um pode possibilitar que o outro reúna condições financeiras
para poder adquirir um patrimônio.
Pode também ocorrer que a ajuda intelectual, o trabalho e esforços comuns sejam
contabilizados somente em nome de um dos cônjuges, geralmente o homem, que sempre foi
tido como cabeça de casal.
8
Ainda que atualmente a lei despreze este pensamento, igualando homens e
mulheres em direitos e obrigações, o fato é que, na prática, isso não ocorre com todos os
casais, especialmente nos casamentos anteriores, realizados antes destas alterações, onde o
costume na nossa sociedade apontava o homem como chefe da família e seu provedor,
gerindo também os seus negócios.
Tal comportamento, já solidificado ao longo dos anos, não se altera em função da
mudança de entendimento do legislador, e por mais que este busque promover leis que
indiquem maior equilíbrio na relação conjugal, as situações já estabelecidas permanecem.
Nestes casos, a alteração da legislação, indicando a igualdade entre os atores da
relação matrimonial, pouco interfere, porque aquela situação já estabelecida permanece de
fato, alterando-se apenas o ordenamento jurídico que a regula, e não a realidade vivenciada.
Ou seja, alteram-se os efeitos, mas não o fato.
Em tais situações, a legislação se torna insuficiente, abrindo espaço para a
injustiça e a ilegalidade ante as situações vivenciadas de fato, permitindo que aquele que
detém a titularidade se locuplete dos bens adquiridos pelo esforço comum, em prejuízo do
outro, que acaba por ficar desguarnecido em seus direitos diante da situação criada.
Esse trabalho aponta as lacunas que existem na lei, os casos em que a lei deixa
desabrigados certos direitos relevantes dos cônjuges.
Quando uma das partes da relação matrimonial se ampara na legislação, visando
obter beneficio em prejuízo da outra parte, que também colaborou com trabalho ou capital
para que o patrimônio pudesse ser adquirido, não sendo sopesados os esforços comuns,
surgem a injustiça e a possibilidade de ocorrer o enriquecimento ilícito.
Dentro de um relacionamento conjugal, podem existir muitas situações que
acabem caracterizando-se em comunhão de esforços e resultados (sociedade de fato),
independentemente do regime de bens eleito, uma vez que no casamento, os cônjuges
comungam interesses e sentimentos, tornando-se indivisível o aspecto material e emocional,
enquanto propósito de vida.
Posteriormente, na dissolução do vínculo matrimonial, seja de forma consensual
ou litigiosa, impossível aceitar-se a prevalência do regime de bens eleito pelo pacto
antenupcial, quando a vida conjugal se entrelaça com o trabalho, interesses e esforços
comuns, onde há a participação conjunta na aquisição do patrimônio titularizado em nome de
um só dos cônjuges.
O quadro se torna mais grave nos casamentos precedidos pela união estável, uma
vez que nestes casos, há uma situação patrimonial pré-existente, regulada pela comunhão
9
parcial de bens, e o posterior regime, diverso do precedente, se contrapõe com o regime de
bens anterior.
Nestes casos pode ocorrer confusão no patrimônio advindo da união estável e o
patrimônio adquirido na vigência da separação de bens.
O fato é que ninguém se preocupa em dissolver a união anterior, já constituída,
para depois criar outra situação juridicamente diversa. Simplesmente sai de uma situação para
a outra sem observar-se e respeitar-se os direitos patrimoniais já existentes.
Também, é possível que a eleição da separação de bens seja feita com a intenção
de retirar de um cônjuge o direito adquirido no período de união estável.
Como na ocasião do casamento, os cônjuges estão envolvidos sentimentalmente
com outras questões e objetivos, não se preocupam em separar a situação patrimonial
existente da que será criada, permitindo que o patrimônio comum, fruto da união estável se
misture com o patrimônio individual, posterior ao casamento, possibilitando que um cônjuge
possa vender bens comuns do casal e adquirir outros em seu lugar, desviando, sub-
repticiamente, para o seu nome próprio, caracterizando assim o prejuízo de um e o
locupletamento e o enriquecimento sem causa daquele que amealhou para si o patrimônio
comum.
Casos como estes podem acontecer, e, o cônjuge prejudicado fica totalmente
descoberto em seus direitos, uma vez que o novo Código Civil suprimiu a obrigatoriedade da
outorga para a alienação de bens imóveis dos casado pelo regime da comunhão convencional
de bens.
Dessa forma, o cônjuge que, agindo de má-fé, vender os bens do patrimônio
comum, advindos da união estável e adquirir outros em seu nome próprio, poderá deles se
desfazer sem o conhecimento do outro. Este, quando vier a ter conhecimento da situação,
poderá estar totalmente descoberto em seus direitos, sem ter como reaver os bens que tinha
antes do casamento, advindos da união estável, uma vez que pode não existir mais bens que
compensem o seu prejuízo.
Nestas situações, a jurisprudência tem se posicionado de modo a valorizar o
esforço comum, considerando as particularidades de cada caso; o nosso ordenamento jurídico
proíbe o enriquecimento ilícito e alicerça os Princípios Gerais do Direito, especialmente a
isonomia, a eqüidade e a boa fé, e, onde a lei é falha, ou omissa, permite que se use da
analogia para preencher as lacunas.
E pela analogia pode-se estender os direitos assegurados pela Súmula 377 do
Supremo Tribunal Federal, que possibilita a partilha dos aqüestos no casamento com
10
separação legal de bens, para o casamento com pacto de separação de bens, desde que haja o
esforço comum, uma vez que, neste caso, o pacto contratado se aditou, se alterou durante a
sua vigência, ainda que de forma tácita.
Apesar de não haver grande atenção da jurisprudência e da doutrina, entende-se
que, no caso que se apontou, do casamento precedido de união estável, permitem que haja
uma confusão entre os bens advindos desta união anterior e os bens adquiridos pela vigência
do casamento, possibilitando que se conclua pela possibilidade de se comunicarem os
aqüestos, ainda que o regime do casamento seja o da separação, uma vez que os bens foram
adquiridos em sub-rogação a bens comuns, já existentes.
Para melhores efeitos didáticos, este trabalho será dividido em quatro capítulos. O
primeiro apresentará considerações gerais sobre o casamento. O segundo tratará do regime de
bens, apresentando as considerações gerais e alternativas. O terceiro capítulo discorrerá sobre
a união estável e seus efeitos patrimoniais. O quarto capítulo abrangerá todas as
possibilidades em que pode ocorrer a partilha em caso de dissolução do casamento com pacto
de separação de bens, trançando paralelos entre os casamentos com separação obrigatória e os
casamentos com separação por convenção antenupcial, e ainda os casamentos precedidos por
período de união estável, destacando situações em que direitos adquiridos não estão
amparados por previsão legal ou entendimento jurisprudencial.
11
METODOLOGIA
Para a realização deste trabalho foram realizadas pesquisas bibliográficas na
doutrina, e, na jurisprudência pátria.
Utilizou-se o método analítico dedutivo, utilizando-se de interpretação de leis, de
jurisprudência, dos Princípios Gerais de Direito e do nosso ordenamento jurídico,
especialmente na Constituição Federal de 1988, nos Código Civil e Processual Civil vigente.
Utilizou-se também da analogia, especialmente onde há lacunas, partindo-se do
geral para o particular, chegando-se à idéia central do trabalho, atingindo-se o caso especifico
da possibilidade de partilha de bens em casamentos realizados com separação de bens,
quando ocorre a sociedade de fato, atingida através do labor e do esforço comum, e também
quando ocorre a confusão dos patrimônios advindos de anterior união estável.
Procedimento de análise: para elaboração do presente estudo foi feita pesquisa na
doutrina e jurisprudência, cujo material foi lido, analisado, interpretado, discutido, elaborada
a primeira versão do trabalho, que, após sua revisão, chegou-se a esta versão final em forma
sistematizada.
12
CAPÍTULO I
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A FAMÍLIA E O CASAMENTO
1.1 A evolução histórica da família e do casamento
Não se sabe como surgiu a família, porém ela aparece como um núcleo social dos
mais importantes, haja vista que agrega pessoas que se unem com o objetivo de incrementar
um relacionamento pessoal e as pessoas advindas desta associação.
Ao passo que a instituição do casamento surge da necessidade de se regular as
relações inter-pessoais e as obrigações decorrentes do momento em que a família surge como
uma realidade.
O estudo do casamento e sua importância para o direito se fazem necessários a
partir de sua análise desde a antiguidade até nossos dias, de modo que se possa ter uma visão
ampla e atual, abrangendo aspectos sociais, morais, culturais, sopesando os costumes
tradicionais e modernos, entre as diversas relações havidas no decorrer dos anos, e que
contribuíram para a instituição do casamento, e as obrigações decorrentes deste, nos moldes
que se apresenta hoje.
A instituição familiar romana foi a principal influência para a formação das
famílias ocidentais, inclusive a brasileira, que se formou à sua semelhança, à semelhança do
direito canônico e do direito português.
A família na antiga Roma tinha uma acepção ampla, estabelecida como unidade
jurídica, econômica e religiosa, fundada na autoridade soberana de determinado chefe, o
“pater familias”, e de cunho patriarcal.
O pai era o chefe supremo, possuindo amplo poder de mando sobre a vida e a
morte da mulher, dos filhos, dos netos, dos agregados e dos escravos, exercendo, ainda, todos
os poderes sobre os bens móveis ou imóveis da família, além de funcionar como um
13
sacerdote, decidindo sobre a religião, as cerimônias e os cultos a serem ministrados na
residência familiar1.
O “pater familias” exercia sobre os filhos direito de vida e de morte (ius
vitae ac necis). Podia, desse modo, vendê-los, impor-lhes castigos e penas
corporais e até mesmo tirar-lhes a vida. A mulher era totalmente subordinada
à autoridade marital e podia ser repudiada por ato unilateral do marido.2
O “pater” possuía autoridade total sobre sua esposa, seus descendentes não
emancipados e suas mulheres, e também sobre o patrimônio, que era familiar.
“Em Roma, a família era também centrada no matrimônio, que, por sua vez,
surgiu, como fato social, espelhando-se na “conventio in manus3” que se estabelecia por meio
da “confrarreatio, coemptio e usus4”
5.
As regras foram se amenizando com o tempo, e os romanos passaram a realizar
casamentos “sine manu” 6, e as necessidades militares influenciaram a criação de patrimônios
independentes para os filhos.
“Com o Imperador Constantino, a partir do século IV, instala-se no direito romano
a concepção cristã da família, na qual predominam as preocupações de ordem moral” 7
.
Aos poucos, e especialmente com a ascensão do Cristianismo, a família romana
vai evoluindo, restringindo-se a supremacia absoluta do homem perante a mulher e os filhos,
que passam a contar com certa autonomia de vontade, pois se igualam perante Deus, de modo
que a família passa a ser encarada como uma instituição divina.
O casamento romano era, inicialmente, baseado na affectio e na convivência e a
ausência de tais vínculos motivava a dissolução do casamento através do divórcio.
1 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável; requisitos e efeitos pessoais.
Manole, 2004, p. 8. 2 Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI: Direito de Família. Saraiva, 2005, p. 15.
3 Pela conventio in manus, a mulher e seu patrimônio passavam a pertencer e ser administrados pelo marido, era
o chamado manus maritalis. Apud RIBEIRO, Simone Clós César. As inovações do Direito de família,
disponível no site: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3192, acesso em 22/11/2006. 4 A confarreatio era a forma de união dos patrícios que permitia que os filhos nascidos dela participassem dos
cultos sacerdotais; era o matrimônio religioso celebrado na presença de testemunhas que perdurou até o Império
de Augusto. A coemptio era reservada aos plebeus e constituía-se numa espécie de casamento civil, segundo
Gaio, onde o pai vendia a filha para o futuro marido; um resquício dos costumes bárbaros sem qualquer cunho
religioso. O usus, era uma forma de usucapião em que o homem adquiria a posse da mulher após o prazo de um
ano de convivência desde que aquela não se ausentasse da casa por três noites consecutivas, usurpatio
trinoctium, o que impedia que se concretizasse a aquisição. Apud RIBEIRO, Simone Clós César. Op. Cit. 5 Cavalcanti, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável; requisitos e efeitos pessoais.
Manole, 2004, pág. 9 6 Pela conventio sine manus, a mulher continuava ligada à família de seu pai, não pertencendo ao marido, muito
comum após o século IV d.C. Apud RIBEIRO, Simone Clós César. Op. Cit. 7 Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Op. Cit., p 15.
14
Com a influência do Cristianismo, o casamento se torna um ato religioso, não
mais com conotação de pura expressão de vontades, mas como um sacramento, passando a ser
considerado um ato sagrado e indissolúvel, já que a união foi realizada por Deus.
“Durante a Idade Média, as relações de família regiam-se exclusivamente pelo
direito canônico, sendo o casamento religioso o único conhecido”. 8
No direito germânico, a família não se vinculava ao poder do chefe de família,
mas sim ao poder paternal, centralizador da família e este poder era fundado na compreensão,
nos sentimentos e na consangüinidade. À mulher era atribuída a organização doméstica e com
isso, adquiria grande destaque e respeito.
“O casamento civil surgiu, principalmente, com as reformas protestantes de
Lutero, que não eram contrárias à família como instituição social necessária, mas como
instituição religiosa e sacramentada pelo casamento religioso indissolúvel”9, porém o
casamento religioso permanece até à atualidade, sendo entendido como imprescindível para a
formação legítima da família perante Deus.
Com a revolução industrial, surge uma nova concepção de família, desaparecendo
a grande família, surgindo pequenos núcleos familiares em seu lugar. Isso ocorreu porque,
com o advento da industrialização, a mulher e os filhos passaram a contribuir para a economia
familiar com seu trabalho nas fábricas, não ocorrendo mais concentração da mão-de-obra
doméstica.
A partir do século XIX, a família passa por evoluções cada vez maiores, deixando
de ter apenas funções religiosas, econômicas e reprodutivas, para abranger as realizações do
próprio ser humano, como afeto, ajuda moral e psicológica entre seus membros.
A família deixa de ser um grupo unido por necessidades, especialmente
econômicas, privilegiando a independência entre seus membros.
O ambiente familiar torna-se centro de satisfação de suas aspirações pessoais, e
cada membro se encontra preparado para deixá-lo, caso não as encontre.
A família, na atualidade, passou por uma transformação tal que seus membros
ganharam maior independência e o direito de viverem suas próprias vidas, tanto em relação a
pais e filhos, quanto em relação a marido e mulher.
Somente em função das transformações históricas, sociais e culturais é que o
direito de família passa a se guiar por rumos próprios, adaptando-se à nova realidade,
8 Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI: Direito de Família. Saraiva, 2005, p.16.
9 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável; requisitos e efeitos pessoais.
Manole, 2004, p. 11.
15
perdendo o caráter religioso e dogmático, e predominando o caráter contratualista e a
liberdade de ser o casamento constituído, mantido ou desconstituído.
1.2 O direito de família no Brasil
No Brasil, o direito de família foi conceituado sob forte influência do direito
canônico, do direito romano, do direito germânico e do direito português, graças à nossa
colonização. Ressalte-se que as Ordenações Filipinas, nossa principal fonte, também teve
forte influência do direito canônico.
Durante a Monarquia e o Império, o casamento era regulado pelo direito canônico.
Houve dificuldades para se introduzir o casamento civil, reconhecido pelo Estado,
graças à forte resistência por parte da Igreja. Como o Império teve sérias divergências com o
Vaticano, por conveniências políticas, evitou-se o confronto com a Igreja.
Depois de proclamada a República, com a cisão ocorrida entre o Estado e a Igreja,
introduziu-se o casamento civil através do Decreto n° 181, de 24.1.1890. Atribuído a Ruy
Barbosa, este diploma legal tem grande importância histórica, pois marca a introdução do
casamento civil no Brasil, sendo a primeira lei a tratar da matéria.
E é somente a partir desta lei que o casamento civil passa a ser tutelado pelo
direito brasileiro, tanto que
já a Constituição Federal de 1891, apesar de não dedicar Capítulo especial à
família, reconheceu seus efeitos apenas no casamento civil. Por outro lado, a
Carta de 1934, dedicando capitulo próprio ao instituto, estabeleceu a
constituição da família brasileira pelo casamento civil indissolúvel. Portanto,
o casamento, por muito tempo era a única forma legítima para a constituição
da família. Esse princípio foi mantido nos textos constitucionais de 1937
(art. 124), 1946 (art. 163), 1967 (art.167) e 1969 (artigo. 175).10
O código civil de 1916 regulava a família constituída unicamente pelo casamento,
de forma hierarquizada, calcada na procriação, na obtenção e transmissão de patrimônio, com
uma família de valores tradicionais, e o homem, nos moldes patriarcais, exercendo a chefia da
sociedade conjugal.
Com a evolução social e os relacionamentos afetivos evoluindo além dos ditames
da lei instituída, surgiram-se novos elementos e vínculos afetivos compondo as relações
familiares, de tal modo que a atualização das normas jurídicas, dentro da realidade fática dos
10
Cavalcanti, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Op. Cit. p. 13.
16
relacionamentos familiares modernos, tornou-se necessária de modo a priorizar a valorização
da família sócio-afetiva atual.
Desse modo, a legislação vem, paulatinamente, evoluindo, de modo a adaptar-se
aos tempos modernos. E a primeira alteração de destaque ocorreu com o advento da Lei n°
6.515/77, Lei do Divórcio, traçando normas para a dissolução do casamento, cuja principal
conseqüência foi a quebra dos valores religiosos intrínsecos à indissolubilidade do casamento.
Com a Constituição Federal de 1988, a família continua a ser considerada a base
absoluta da sociedade, contando com a proteção do Estado, porém amplia situações de fato já
existentes, ao considerar também como entidade familiar a união estável entre um homem e
uma mulher, e família monoparental, aquela formada por um dos genitores e seus
descendentes11
.
A preocupação da Constituição Federal de 1988 é de proteger a família,
independentemente de ter sido ela constituída pelo matrimônio. Ela também iguala em
direitos e obrigações o homem e a mulher, equipara os filhos tidos fora ou dentro do
casamento, bem como os adotivos, dando forma mais atual e moderna ao nosso direito de
família.
O novo Código Civil de 2002 incorporou as modificações feitas pela Constituição
Federal, tratando da União Estável em capítulo próprio, separado daquele que trata o
casamento, reconhecendo tais relacionamentos como entidades familiares legítimas.
Ambos os ordenamentos têm papel importante para a adequação da família à nova
realidade social, criando-se um novo conceito de família baseado no afeto,
independentemente de como esta tenha sido formada.
É com esse sentido de família que se irá analisar os reflexos patrimoniais do
casamento ou da união estável.
11
Art.226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3° Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4° Entende-se também, como entidade familiar, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes.
17
CAPÍTULO II
REGIME DE BENS – CONSIDERAÇÕES GERAIS E ALTERNATIVAS
2.1 Conceito e regras gerais.
Regina Beatriz Tavares da Silva define Regime de bens como “o conjunto de
princípios e normas referentes ao patrimônio dos cônjuges, que regulam os interesses
econômicos oriundos do casamento”12
.
Carlos Roberto Gonçalves assim define regime de bens:
Regime de bens é o conjunto de regras que disciplina as relações econômicas
dos cônjuges, quer entre si, quer no tocante a terceiros, durante o casamento.
Regula especialmente o domínio e a administração de ambos ou de cada um
sobre os bens anteriores e os adquiridos na constância da união conjugal13
.
As normas referentes ao patrimônio são norteadas pelo principio da autonomia da
vontade, ou seja, os nubentes podem estabelecer livremente qual o regime de bens que
preferem para reger as relações patrimoniais entre si.
Referido autor esclarece que:
Todavia, esse diploma, além de facultar aos cônjuges a escolha dos aludidos
regimes, permite que as partes regulamentem as suas relações econômicas
fazendo combinações entre eles, criando um regime misto, bem como
elegendo um novo e distinto, salvo nas hipóteses especiais do art. 1.641, I a
III, em que o regime da separação é imposto compulsoriamente14
.
Esta liberdade na estruturação de regime de bens está condicionada a não se
estipular cláusulas que contrariem os princípios da ordem pública ou que contrariem a
natureza e os fins do casamento, bem como que contraponha disposição absoluta de lei.
12
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Regime da separação de bens convencional e obrigatória. In: Questões
Controvertidas no novo Código Civil. Vol. 2. Coordenação de Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método. 2004. p. 332. 13
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI: Direito de Família. Saraiva, 2005, p.382. 14
Idem, Ibidem.
18
Também, a estipulação do regime eleito deve ser feito através de pacto
antenupcial por escritura pública, e segundo o § 1° do art. 1.639, o regime de bens começa a
vigorar a partir da data do casamento.
Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, o casamento se regerá
pelo regime da comunhão parcial, por determinação do art. 1.640 do Código Civil. Por isso
este regime de bens também é chamado de regime legal ou supletivo.
Os casamentos celebrados na vigência do Código Civil de 1916, hoje revogado,
serão regidos por ele, ao teor do art. 2.039, de modo que os regimes de bens adotados
permanecem inalterados, bem como as regras que os estabelecem.
Os cônjuges poderão administrar livremente seus bens próprios, bem como
ingressar em juízo requerendo a desobrigação ou reivindicação de imóveis que eventualmente
tenham sido gravados ou alienados sem o seu consentimento, ou sem a devida supressão de
outorga.
A grande inovação que o Código Civil de 2002 traz é a possibilidade de alterar o
regime de bens eleito, ao contrário do código de 1916, que estabelecia que, uma vez celebrado
o casamento, o pacto adquiria o caráter da imutabilidade, não podendo ser alterado sob
quaisquer circunstâncias. O novo Código Civil possibilitou essa alteração, uma vez que a
autonomia da vontade norteia a livre escolha do regime de bens.
Ainda que inovadora, tal disposição não se constitui a regra, mas a exceção, pois a
mutabilidade somente poderá ser obtida em casos especiais, mediante sentença judicial, com
pedido motivado e, demonstrada e comprovada a procedência da pretensão, manifestada por
ambos os cônjuges, ressalvados os direitos de terceiros, conforme disposição do artigo. 1.639
do Código Civil. Essas medidas visam a proteção dos cônjuges.
Apenas a título de esclarecimento, os casamentos celebrados durante a vigência
do Código Civil de 1916, apesar de se regerem por suas normas, não estão impedidos de ter
seus regimes alterados, desde que presentes os requisitos exigidos pela lei atual.
Um exemplo dessa possibilidade está na decisão proferida pelo Excelso Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul:
2833 – REGISTRO CIVIL – REGIME DE BENS – ALTERAÇÃO –
REQUISITOS – CASAMENTO CELEBRADO SOB A ÉGIDE DO CC/16
– POSSIBILIDADE - O artigo. 2.039, constante das disposições finais e
transitórias do Código Civil em vigor, não impede a mudança de regime de
bens para casamentos celebrados na vigência do CC/16. Ao dispor que “o
regime de bens para casamentos celebrados na vigência do Código Civil
anterior (...) é o por ele estabelecido”, claramente visa a norma resguardar o
direito adquirido e o ato jurídico perfeito. Isso porque ocorreram diversas
modificações nas regras próprias de cada um dos regimes de bens
19
normatizados no Código de 2002 em relação aos mesmos regimes de bens
normatizados no CC/16, e, assim, a alteração decorrente de lei posterior viria
malferir esses cânones constitucionais15
.
Esse entendimento parece justo, principalmente por estar em consonância
com o princípio da equidade.
2.2 Alternativas de regime de bens
O regime de bens divide-se em legal e convencional, sendo o primeiro obrigatório
e o segundo aquele que as partes estipulam livremente.
O novo Código Civil brasileiro prevê e regulamenta apenas quatro regimes: o da
comunhão parcial (arts. 1.658 a 1.666); o da comunhão universal (arts. 1.667 a 1.671); o da
participação final nos aqüestos (art. 1.672 a 1.686), e o da separação de bens (art. 1.687 e
1.688).
2.2.1 Regime da comunhão parcial (arts. 1.658 a 1.666)
O regime da comunhão parcial é o regime que prevalece se não houver pacto
antenupcial, ou este for nulo ou ineficaz, razão pela qual também é chamado de regime legal
ou supletivo.
Ele estabelece a separação quanto aos bens que cada consorte possuía antes do
casamento e quanto aos que venham a ser adquiridos por causa alheia ao casamento, como
doação e sucessão, e estabelece também a comunhão para os bens adquiridos na constância do
casamento, a titulo oneroso.
Trata-se de um regime misto, formado em parte pelo da comunhão de bens e em
parte pelo da separação.
2.2.2 Regime da comunhão universal (arts. 1.667 a 1.671)
Já o regime da comunhão universal é o regime no qual se comunicam todos os
bens, atuais e futuros, ainda que adquiridos em nome de um só deles, salvo os excluídos pela
15
TJRS – AC 70010230324 – 7ª C. Cív. – Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos – DOERS 29.12.2004.
20
lei ou pela vontade dos nubentes, expressa em convenção antenupcial. Comunicam-se
também as dívidas posteriores, ou ainda bens recebidos por doação ou sucessão com a
cláusula de incomunicabilidade ou ainda os bens sub-rogados em seu lugar.
Neste regime, todos os bens são comuns, de propriedade e posse de ambos, e o
acervo de bens comuns permanece indivisível até a dissolução da sociedade conjugal.
Como se trata de regime convencional, deve ser estipulado em pacto antenupcial,
por escritura pública.
2.2.3 Regime da participação final nos aqüestos (art. 1.672 a 1.686)
O regime da participação final de aqüestos constitui inovação no nosso direito,
introduzido sob a influência da legislação dos países europeus.
É um regime híbrido, onde durante a vigência do casamento se aplicam as regras
da separação de bens, cada um possuindo seu patrimônio pessoal e dele dispondo livremente,
dependendo de outorga uxória ou marital para a oneração de imóveis e, por ocasião da
dissolução da sociedade conjugal, aplicam-se as regras da comunhão parcial, cabendo a cada
cônjuge a metade dos bens adquiridos a título oneroso pelo casal durante a constância do
casamento.
É um regime estipulado por convenção e, portanto, deve ser estipulado através de
pacto antenupcial.
2.2.4 Regime da separação de bens
O regime da separação de bens subdivide-se em dois: o regime da separação
convencional ou absoluta de bens e o regime da separação obrigatória de bens.
2.2.4.1 Regime da separação convencional ou absoluta de bens (art. 1.687 e 1.688)
O regime da separação convencional de bens é o regime onde cada cônjuge
conserva a plena propriedade, administração e fruição de seus bens, podendo aliená-los e
gravá-los livremente.
21
Por se tratar de regime convencional, deve ser estipulado através de pacto
antenupcial, por escritura pública.
Uma inovação introduzida pelo novo Código Civil é a dispensa da outorga para
alienação de imóveis para os casamentos realizados sob sua égide, ficando os cônjuges com a
possibilidade de disporem de seus bens livremente,
Porém, para os casamentos realizados na vigência do Código anterior, mantém-se
a exigência da outorga.
Em principio, ambos “são obrigados a contribuir para as despesas do casal, na
proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens”, mas podem estabelecer, no pacto
antenupcial, a quota de participação de cada um ou a sua dispensa, ou fixar normas para a
administração dos bens.
A jurisprudência tem admitido a comunicação dos bens adquiridos na constância
do casamento pelo esforço comum do casal, comprovada a existência da sociedade de fato.
Este assunto será melhor abordado adiante, já que é o tema central deste trabalho.
2.2.4.2 Regime da separação legal ou obrigatória de bens (art. 1.641)
O regime da separação legal é regime imposto pela lei, não havendo necessidade
de pacto antenupcial.
Em certos casos, a imposição da separação é por inobservância das causas
suspensivas da celebração do casamento, em outros casos, é evidente o interesse de proteger
certas pessoas, que poderiam ser vitimas de interesseiros, como os menores de 16 anos, os
maiores de 60 anos e todas as pessoas que dependerem de suprimento judicial para se
casarem.
O art. 1.52316
elenca as causas suspensivas e a inobservância delas torna o
casamento irregular, sendo imposto o regime da separação de bens como sanção.
A maior inovação do novo Código Civil diz respeito à possibilidade que o art.
1.523, parágrafo único, abre aos nubentes, de estarem solicitando ao juiz que não lhes sejam
16
Art. 1.523 – Não devem casar: I – o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer
inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; II – a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por
ser nulo ou anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; III – o
divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; IV – o tutor ou
curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados, ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou
curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.
22
aplicadas as causas suspensivas, de modo que, se relaxada a imposição da separação de bens,
fica possível a livre convenção do regime de bens.
2.3 A dissolução do vínculo matrimonial
A sociedade conjugal é estabelecida com objetivo de perenidade, para a vida toda.
Todavia, por certos vícios ou defeitos anteriores à sua constituição, ou por fatos naturais ou
voluntários, até mesmo pelo comportamento de um dos cônjuges, que não observam os
deveres impostos pelo casamento, a sociedade conjugal termina pela total impossibilidade de
sua manutenção.
O vínculo matrimonial desaparece pelas maneiras elencadas no art. 1.571 do
Código Civil, ou seja, pela morte de um dos cônjuges, pela nulidade ou anulação do
casamento, pela separação judicial, e pelo divórcio.
Entretanto, “a sociedade conjugal desaparece quando há separação judicial, pois
que a morte, a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio e o novo casamento do cônjuge
ausente tornam insubsistente o vínculo matrimonial” 17
.
O efeito dissolutivo do vínculo matrimonial ocorre com a morte e com o
divórcio. De forma que se pode afirmar que o casamento válido só se dissolve pela morte ou
pelo divórcio. A declaração de morte presumida se assemelha à morte do cônjuge.
Todavia, “as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução,
declaração de nulidade ou anulação do casamento” 18
, porém, nos dois últimos casos, como
seus efeitos retroagem à data da celebração do casamento, é como se as relações patrimoniais
não tivessem existido, não gerando nenhum efeito.
Nos casos de dissolução do casamento através de separação judicial ou divórcio,
as relações patrimoniais serão resolvidas judicialmente, ainda que de forma consensual,
através de homologação de acordo.
Não é necessário que a partilha seja feita na sentença homologatória, mas uma vez
cessado o vínculo matrimonial cessa o regime de bens, passando o patrimônio ainda não
partilhado não mais a se reger pelo regime de bens, mas pelo instituto do condomínio.
17
GIANILO, Wilson. Novo Código Civil explicado e aplicado ao processo, volume IV. São Paulo: Jurídica
Brasileira, 2006. p. 2823. 18
LOUREIRO, Luiz Guilherme. A atividade empresarial do cônjuge no novo código civil. In: Questões
Controvertidas no novo Código Civil. Vol. 2. Coordenação de Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método. 2004. p. 255.
23
Em caso de morte, primeiro se procederá à partilha do patrimônio comum do
casal, para depois se partilhar, entre os herdeiros, o patrimônio do de cujus, resultante da
meação e de outros bens próprios, que tiverem sido excluídos da meação. A herança do de
cujus será partilhada entre seus herdeiros e o cônjuge sobrevivente, conforme disposições
introduzidas pelo novo Código Civil. 19
2.3.1. Reflexos do regime de bens na dissolução do casamento
A dissolução do casamento válido ocorre pela separação, pelo divórcio e pela
morte.
Nos casos de separação e divórcio, a partilha de bens seguirá o regime de bens
adotado, e, independentemente de ter sido contenciosa ou consensual, deverá ser homologada
judicialmente, protegendo-se, assim, as partes de possíveis situações de fraude ou dolo.
Quando a dissolução se der pela morte de um dos cônjuges, incluindo-se em igual
situação o companheiro, deverá ser primeiramente feita a meação dos bens, caso o regime não
seja o da separação de bens, para depois se partilhar o quinhão correspondente ao de cujus
entre seus herdeiros e seu cônjuge ou companheiro, observando-se as disposições com relação
ao regime de bens e aos quinhões correspondentes ao cônjuge sobrevivente e ao companheiro,
regulados de forma diversa.
Quando ocorrer de o casamento ser regido pela separação de bens convencional
ou legal, havendo o esforço comum, para se pleitearem direitos oriundos da conjugação de
esforços dos cônjuges, haverá necessidade de se promover ação para declaração da existência
de sociedade de fato e dissolução desta, ou se habilitar nos autos de inventário, reclamando a
partilha dos aqüestos, comprovando-se ou não o esforço comum, dependendo do caso,
especialmente quando for separação obrigatória de bens.
2.4 Os direitos sucessórios do cônjuge sobrevivente
Inovação introduzida pelo novo Código Civil é a possibilidade de estar o cônjuge
sobrevivente concorrendo com os herdeiros na sucessão do cônjuge falecido.
19
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Op. Cit., p. 256.
24
Tal possibilidade está regulada pelos arts. 1.82920
e seguintes do novo Código
Civil e constitui grande avanço no Direito de Família, uma vez que o legislador se preocupou
em amparar o cônjuge sobrevivente.
Tal situação ocorria porque o cônjuge não concorria na sucessão do de cujus, e
com a morte, muitas vezes ficava em total desamparo, enquanto os bens do cônjuge falecido
eram partilhados entre sua família. Família, que muitas vezes mal o conhecia, não convivia
com ele, muito menos vivenciou ou dividiu com o cônjuge sobrevivente as angústias e
tristezas de uma doença prolongada, as vigílias e as atenções que o falecido recebeu do seu
consorte.
Quando o regime não era da comunhão total, podia acontecer de o cônjuge viver
durante sua vida inteira uma situação econômica e, quando morresse seu cônjuge, ver-se, de
uma hora para outra, em uma situação diversa, muitas vezes vindo a passar por dificuldades
financeiras, ficando totalmente despojado dos bens que usufruía e gozava durante o
casamento.
Realmente era uma situação injusta, uma vez que depois de se partilhar uma vida
inteira de dedicação, amor, e fidelidade, o cônjuge ficava alijado da sucessão e impedido de
usufruir daqueles bens que sempre estiveram à sua disposição.
Para se ter direito a sucessão o cônjuge não pode estar separado judicialmente ou
separado de fato por mais de 2 anos, salvo se ficar provado que a impossibilidade de
convivência se deu sem a culpa do cônjuge sobrevivente. Assim determina o art. 1.830.
O novo Código Civil modificou a ordem de vocação hereditária, atribuindo
direitos ao cônjuge em concorrência com descendentes, se casado no regime
separação convencional de bens, e no regime da comunhão parcial de bens,
neste último caso se o falecido deixar bens particulares (art. 1.829, inc. I); o
cônjuge também concorre com os ascendentes do falecido,
independentemente do regime de bens (art. 1.829, inc. II). Ainda foi
atribuída ao cônjuge a posição de herdeiro necessário (art. 1.845)21
.
Assim, o cônjuge casado no regime da separação convencional de bens passa
a concorrer com os descendentes do falecido, cabendo-lhe quinhão igual ao
dos que sucederem por cabeça, sendo que sua quota não poderá ser inferior à
quarta parte, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer (art. 1.819,
20
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido pelo
regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no
regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares:
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
II – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais. 21
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Regime da separação de bens convencional e obrigatória. In: Questões
Controvertidas no novo Código Civil. Vol. 2. Coordenação de Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método. 2004. p. 338.
25
inc. I, e 1.832); estas regras não se aplicam ao cônjuge casado pelo regime
da separação obrigatória de bens22
.
Está excluído da sucessão o cônjuge casado pelo regime da comunhão total de
bens, uma vez que este já tem garantida a meação de todos os bens do casal, o cônjuge casado
pelo regime da separação obrigatória ou legal de bens, e pelo regime da comunhão parcial de
bens, quando o autor da herança não tenha deixado bens particulares, ou seja, aqueles que não
se comunicam pelo casamento.
Se o falecido não tiver descendentes ou ascendentes, o cônjuge sobrevivente terá
direito a totalidade da herança, independente do regime de bens (Art. 1.829, inc. III e 1.838).
22
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Regime da separação de bens convencional e obrigatória. In: Questões
Controvertidas no novo Código Civil. Vol. 2. Coordenação de Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método. 2004. p. 338.
26
CAPÍTULO III
A UNIÃO ESTÁVEL E SEUS EFEITOS PARTRIMONIAIS
3.1 Conceito, evolução histórica e os direitos patrimoniais decorrentes
A união entre o homem e a mulher, sem casamento, hoje é reconhecida como
união estável. Durante longo período, esta união era tida como concubinato.
Edgar Moreira Bitencourt transcreve a lição de ERRAZURIS23:
A expressão concubinato, que em linguagem corrente é sinônima de união
livre, à margem da lei e da moral, tem no campo jurídico mais amplo
conteúdo. Para os efeitos legais, não apenas são concubinos os que mantêm
vida marital sem serem casados, senão também os que contraíram
matrimônio não reconhecido legalmente, por mais respeitável que seja
perante a consciência dos contraentes, como sucede com o casamento
religioso; os que celebram validamente no estrangeiro um matrimônio não
reconhecido pelas leis pátrias, e ainda os que vivem sob um casamento
posteriormente declarado nulo e que não reunia as condições de ser putativo.
Os problemas do concubinato incidem, por conseguinte, em inúmeras
situações, o que contribui para revesti-los da máxima importância24
.
A união livre propiciava maior facilidade para o descumprimento dos deveres
conjugais, já que estes não eram obrigatórios por lei, podendo ser rompidos tais vínculos a
qualquer instante, independente do tempo de sua duração. Com isso, o concubino abandonado
ficava desamparado legalmente, sem direito a qualquer indenização pela ruptura.
A ruptura da relação concubinária, seja por mútuo consentimento ou de forma
unilateral acabava criando grandes injustiças para um dos parceiros, uma vez que os bens
amealhados pelo esforço comum geralmente eram adquiridos em nome de um em prejuízo do
outro.
23
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol. VI. Direito de Família. São Paulo: Saraiva,
2005. p.530. 24
BITENCOURT, Edgar Moreira. Apud, GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 530.
27
Desta feita, acabou por ser entendimento jurisprudencial que a ruptura da união
more uxório acarretava reflexos de ordem patrimonial, o que ficou sacramentado com a
edição da Súmula 380, ao traçar a seguinte orientação: “Comprovada a sociedade de fato entre
concubinos, é cabível sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo
esforço comum.”
A expressão “esforço comum” ensejava dúvidas de interpretação na
jurisprudência. Entendia uma corrente que a concubina só teria direito à
participação no patrimônio formado durante a vida em comum se concorrera
com o seu esforço, trabalhando lado a lado com o companheiro na atividade
lucrativa. Decisões havia, por outro lado, entendendo que concorria
igualmente para o enriquecimento do concubino a mulher que se atinha aos
afazeres domésticos, propiciando-lhe o necessário suporte de tranqüilidade e
segurança para o desempenho de suas atividades profissionais.
A última corrente, mais liberal e favorável à concubina, acabou encontrando
ressonância no Superior Tribunal de Justiça, que proclamou a distinção entre
a mera concubina e a companheira com convivência more uxório, para
reconhecer o seu direito de participar do patrimônio deixado pelo
companheiro, mesmo que não tenha exercido atividade econômica fora do
lar.25
Passou a ser entendimento desta Egrégia Câmara:
Constatada a contribuição indireta da ex-companheira na constituição do
patrimônio amealhado durante o período de convivência “more uxório”,
contribuição consistente na realização das tarefas necessárias ao regular
gerenciamento da casa, aí incluída a prestação de serviços domésticos,
admissível o reconhecimento da existência da sociedade de fato e
conseqüente direito à partilha proporcional26
.
As restrições do Código Civil passaram a ser aplicadas apenas aos casos de
concubinato adulterino, chamado também de concubinato impuro.
Concubinato impuro. Relacionamento com homem casado. Impossibilidade
de a união ser convertida em casamento. Pretensão da companheira à
partilha de bens ou indenização pelo tempo em que as partes mantiveram
relacionamento. Inadmissibilidade. Intel. do § 3° do art. 226 da CF27
.
Estando o companheiro casado, mantendo outra família e outra sociedade
conjugal, tal relacionamento não era amparado pela legislação ou pela jurisprudência, ficando
à margem do amparo judicial.
Contudo, passaram a decidir os Tribunais que o concubino que se separasse de
fato, desfazendo-se, assim, a sociedade conjugal, ainda que permanecesse casado, e passasse a
viver more uxório com outra mulher, estaria vivendo em concubinato puro, ou em união
25
GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit, p.532. 26
REsp.183.718-SP, 4ª T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 1° -10-1998. 27
TJSP, RT, 817/238.
28
estável, num enfoque atual e mais moderno, sendo a esta união garantidos os direitos
atribuídos à relação concubinária.
Esclarecedora a decisão de que traça as diferenças entre uma relação e outra:
O cônjuge adúltero pode manter convívio no lar com a esposa e, fora, com
outra mulher, como pode também se separar de fato da esposa, ou desfazer
desse modo a sociedade conjugal, para viver more uxório com a outra. Na
primeira hipótese, o que se configura é um concubinato, segundo o seu
conceito moderno, e obviamente a mulher é concubina; mas, na segunda
hipótese, o que se concretiza é uma união de fato (assim chamada por lhe
faltarem as justas nuptiae) e a mulher merece ser havida como companheira;
precisando melhor a diferença, é de se reconhecer que, no primeiro caso, o
homem tem duas mulheres, a legítima e a outra; no segundo, ele convive
apenas com a companheira, porque se afastou da mulher legítima, rompeu de
fato a vida conjugal28
.
A alicerçar tal entendimento é o julgado:
Convivência entre homem e mulher que se iniciou quando o companheiro
ainda era casado. Caracterização de concubinato impuro que não gera
qualquer direito ou dever entre os conviventes. Reconhecimento da união
estável, no entanto, a partir do momento em que o concubino se separou
judicialmente de sua esposa, assumindo publicamente o relacionamento com
sua companheira como se casados fossem29
.
Ao prolatar o acórdão a seguir, o Tribunal de Justiça de São Paulo nos permite
concluir que o óbice ocorreu porque este não se desligou da esposa, mantendo a condição de
casado, nem ao menos se separando de fato, a demonstrar sua intenção em formar uma nova
família com a companheira:
3121 – AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO,
COM PARTIHA DE BENS - Inadmissibilidade de ser acolhida a pretensão
devido a ser casado o companheiro da autora, condição que manteve até a
data da morte. Formação de concubinato impuro, não despontando sinais
indicadores de que seria para constituir família. Improcedência da ação que
se preserva. Não provimento30
.
O que precisa ficar demonstrado é a intenção de formar uma família. Assim
decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “Inexistência de provas de ser o companheiro
separado de fato. Inviabilidade de se reconhecer a união estável, sob pena de ofensa ao artigo.
226, § 3° da CF. Não provimento”31
.
Em igual sentido:
Não existindo prova de coabitação com o espírito de se formar uma família,
não é possível reconhecer uma sociedade que teria existido por prazo inferior
a três anos e com espaços intercalados por separação de corpos, para, com
28
RTJ,82/930. 29
TJMS, RT, 794/365. 30
TJSP – AC 192.043-4/8 – 4ª CDPriv. – Re. Des. Ênio Santarelli Zuliani – DOESP 13.09.2005. 31
TJSP – AC 178.959-4/5 – 4ª CDPriv. – Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani – j. 28.07.2005.
29
isso, reconhecer meação do valor da construção levantada em terreno de
propriedade de uma das partes. Não provimento. Lei n° 9.278/96, art. 1° 32
.
A relação concubinária, que era tida para todo relacionamento não sacramentado
pelo matrimônio, passa ao longo dos anos a ser aceita como família constituída fora do
casamento, até alcançar, o reconhecimento de entidade familiar, a partir da promulgação da
Constituição Federal.
A partir da Constituição Federal de 1988, a família havida fora do casamento
passa a ganhar novo status jurídico, ao ser denominada de união estável, sendo reconhecida
como entidade familiar em seu art.226 § 3, in verbis: “Para efeito da proteção do Estado, é
reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento.”
A primeira regulamentação que trata da união estável adveio da Lei n° 8.971, de
29 de dezembro de 1994, definindo como “companheiros” o homem e a mulher que
mantinham união comprovada, na qualidade de solteiros, separados judicialmente,
divorciados ou viúvos, por mais de cinco anos, ou com prole (concubinato puro).
Esta lei também instituiu ao companheirismo o regime de bens de comunhão dos
bens adquiridos na constância da união mediante esforço comum, ou a comunhão de aqüestos,
com o requisito de fazer prova do esforço comum.
A lei n° 9.278, de 10 de maio de 1996, alterou o conceito anterior de
companheiros, omitindo os requisitos de natureza pessoal, tempo mínimo de convivência e
existência de prole.
Preceituava o seu art. 1° que se considera entidade familiar à convivência
duradoura, pública e contínua de um homem e de uma mulher estabelecida com o objetivo de
constituição de família. Usou-se a expressão “conviventes” em substituição a
“companheiros”.
Assim, aquele relacionamento em que, apesar de casado, o companheiro esteja
separado de fato, convivendo como se casados fossem, com a intenção de formar outra
família, se integra ao conceito da união estável, juntamente com os relacionamentos onde os
parceiros, apesar de não estarem impedidos de se unirem legalmente, não o fazem por opção
pessoal.
Deste modo, infere-se que se exclui nesta lei o concubinato impuro, ou a relação
em que ocorra simultaneamente um casamento e uma união extramatrimonial.
32
TJSP – AC 262.617-4/2 – 4ª CDPriv. – Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani – j. 07.07.2005..
30
Ficando mantida como relação concubinária apenas aquela em havida em
relacionamentos extraconjugais, quando um dos parceiros ainda coabita com o seu cônjuge,
dele não se separou de fato, e não há entre os parceiros a intenção de se formar uma família.
Estabelece ainda, esta lei, em seu artigo 5°, a meação dos bens adquiridos a título
oneroso, durante a convivência, sendo estes considerados frutos do trabalho e da colaboração
de ambos, salvo por disposição em contrário, através de contrato; ou se os bens tivessem sido
adquiridos em sub-rogação a outros, anteriores à convivência.
Ficou desta forma, estabelecida a presunção de comunhão dos aqüestos dos bens
adquiridos a título oneroso na constância da sociedade conjugal, sendo desnecessária a prova
do esforço comum para haver a comunhão em partes iguais.
O direito à meação dos aqüestos é entendimento pacificado nos Tribunais de
Justiça:
EMENTA: UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. DIREITO À
MEAÇÃO. AÇÃO MOVIDA CONTRA A SUCESSÃO. As provas
testemunhais e documentais coligidas aos autos comprovam a união estável
havida entre a autora e o genitor dos réus e determinam o juízo de
procedência da demanda. Reconhecida a convivência, deve ser assegurado o
direito de meação à companheira, eis que superada a exigência do esforço
comum na aquisição do acervo. Apelo desprovido. 33
Em igual sentido é o entendimento pretoriano:
EMENTA; UNIÃO ESTÁVEL. DISSOLUÇÃO. PARTILHA DO
PATRIMÔNIO. REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. SÚMULA
N° 377 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES DA
CORTE.
1 – Não há violação do artigo. 535 do Código de Processo Civil quando o
Tribunal local, expressamente, em duas oportunidades, no acórdão da
apelação e no dos declaratórios, afirma que o autor não comprovou a
existência de bens da mulher a partilhar.
2 – As Turmas que compõem a Seção de Direito Privado desta Corte
assentaram que para os efeitos da Súmula n° 377 do Supremo Tribunal
Federal não se exige a prova do esforço comum para partilhar o patrimônio
adquirido na constância da união. Na verdade, para a evolução
jurisprudencial e legal, já agora com o art. 1.725 do Código Civil de 2002, o
que vale é a vida em comum, não sendo significativo avaliar a contribuição
financeira, mas, sim, a participação direta e indireta representada pela
solidariedade que deve unir o casal, medida pela comunhão da vida, na
presença em todos os momentos da convivência, base da família, fonte do
êxito pessoal e profissional de seus membros.
3.- Não sendo comprovada a existência de bens em nome da mulher,
examinada no acórdão, não há como deferir a partilha, coberta a matéria da
prova pela Súmula n° 7 da Corte.
4 – Recurso especial não conhecido. 34
33
TJRS, 7ª Câm. Civ., Ap.Cív. 70004064812, rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. 15.05.2002. 34
STJ, REsp 736627-PR, 3ª T., rel. Min. Eduardo Ribeiro, j.11-04-2006.
31
Esclarece-se que a colaboração dos conviventes para a aquisição do patrimônio
durante a vida em comum é presumida, invertendo-se o ônus da prova, para aquele que negar
a participação do outro na formação do patrimônio. 35
Com a promulgação do novo Código Civil, tais leis foram revogadas, quase que
totalmente, face às inovações que este trouxe em seu bojo.
A primeira e significativa inovação foi o reconhecimento da união estável no
Livro de Família, incorporando os princípios básicos das leis revogadas nos artigos 1.723 a
1.727, além de outras disposições esparsas em outros capítulos.
Também deixa de estabelecer período mínimo de convivência, ficando sua
caracterização em “outros elementos expressamente mencionados, “convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” 36
.
Com relação ao regime de bens, o novo Código Civil institui no seu artigo 1.725
37, o regime da comunhão parcial de bens para reger as relações patrimoniais decorrentes da
união estável.
Porém, com diferença, como ensina Guilherme Calmon Nogueira da Gama, que:
Tal dispositivo demonstra o coroamento de toda a evolução jurisprudencial e
legislativa a respeito do regime legal de bens no companheirismo. A própria
cláusula entre vírgulas, consistente na expressão “no que couber” é
emblemática a respeito do estágio atual do tema para evidenciar que há
muitas semelhanças, mas há diferenças entre o regime legal de bens no
casamento – a comunhão parcial de bens – e o regime legal de bens no
companheirismo – a comunhão de aqüestos, nos termos da interpretação
judicial ao acolher a orientação constante da Súmula 377 do Supremo
Tribunal Federal38
.
A alteração do principio da irrevogabilidade absoluta para a revogabilidade
relativa que passou a ser permitida nos regimes de bens no casamento, reflete no regime de
bens da união estável, ficando este sujeito aos mesmos ditames legais, de modo que os
companheiros podem alterar o regime de bens de sua relação, ainda que as alterações possam
ser feitas de forma menos rígida que no casamento, mas de forma escrita, resguardando os
interesses de terceiros, conforme a ressalva do artigo. 1.639, § 2° do Código Civil 39
.
35
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Regime legal de bens no companheirismo: o paradigma do
regime da comunhão parcial de bens. In: Questões Controvertidas no novo Código Civil. Vol. 3. Coordenação
de Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves. São Paulo: Método. 2004. p. 348 - 350. 36
Art. 1.723. Código Civil. 37
Artigo. 1.725 Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplicam-se às relações
patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. 38
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Op. Cit. p. 355. 39
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da.Op. Cit. P. 355.
32
3.2 Os direitos sucessórios do companheiro
O novo Código Civil ao reconhecer a união estável como entidade familiar, o fez
de forma tão ampla, que elevou os conviventes à situação idêntica dos cônjuges, garantindo-
lhes direitos na sucessão de seu companheiro.
O companheiro concorre à herança nas proporções ditadas pela lei, uma vez que já
tem reservada a sua meação. A concorrência independe da meação, que já está garantida pelo
art. 1.725.
A sucessão é matéria regulamentada pelo artigo 1.79040
, restringindo-se o direito a
sucessão, apenas, aos bens adquiridos a título oneroso durante a vigência da união estável. O Código Civil de 2002, no campo do direito sucessório, preserva a meação,
que não se confunde com herança, do companheiro sobrevivente, em razão
do regime da comunhão parcial de bens, nos termos do art. 1.725 do aludido
diploma. No tocante à herança, os direitos sucessórios limitam-se “aos bens
adquiridos onerosamente na vigência da união estável!, como preceitua o
art. 1.790, caput” 41
.
Os direitos sucessórios do companheiro se restringem a uma quota equivalente à
dos seus descendentes, se filhos comuns, ou à metade do que couber a cada um dos
descendentes exclusivos do autor, se somente concorrer com eles, ou a um terço dos bens, se,
concorrer com outros herdeiros, ascendentes ou colaterais. Porém, não havendo herdeiros
sucessíveis, o companheiro será herdeiro da totalidade da herança do de cujus. Conforme
disposto no art. 1.790, inc. I a IV42
.
40
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes ao do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um
daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a uma terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. 41
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI: Direito de Família. Saraiva, 2005, p. 559. 42
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI: Direito de Família. Saraiva, 2005, p. 559.
33
CAPÍTULO IV
POSSIBILIDADE DE PARTILHA EM CASO DE DISSOLUÇÃO DO
CASAMENTO COM PACTO DE SEPARAÇÃO DE BENS
4.1. A separação de bens e o direito à meação dos bens à luz da Súmula 377
O regime da separação obrigatória de bens é imposto como sanção pela
inobservância das causas suspensivas para a celebração do casamento, especialmente como
proteção para os nubentes menores de 16 anos (que necessitam de suprimento judicial) e os
maiores de 60 anos.
Este regime de bens é obrigatório, pois o legislador tenta prevenir direitos e
possíveis injustiças para com terceiros interessados, como ocorre nos casos dos casamentos
em que estão presentes as causas suspensivas (art. 1.523 C.C.), ou pretende defender
interesses dos envolvidos, quando maiores de 60 anos, que, no entendimento do legislador,
estão mais sujeitos a um casamento por interesse econômico.
A jurisprudência tem se manifestado que tal restrição “é incompatível com as
cláusulas constitucionais de tutela da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica e da
intimidade, bem como com a garantia do justo processo da lei, tomado na acepção substantiva
(CF, art. 1°, III, e 5°, I, X e LIV)”43
, conforme esclarece Carlos Roberto Gonçalves44
.
De igual forma é o entendimento da doutrina,
Francisco José Cahali, atualizando a obra de Sílvio Rodrigues pondera que a
restrição apontada se mostra atentatória da liberdade individual e que a tutela
excessiva do Estado sobre pessoa maior e capaz, decerto é descabida e
injustificável.
A jurisprudência, ao tempo do Código Civil de 1916, tendo constatado que o
regime da separação legal, ao contrário do que se imaginou o legislador, não
protegia devidamente as pessoas que deviam ser protegidas, passou a
43
TJSP, Ap. 7.512-4 –São José do Rio Preto, 2ª Câm., rel. Des. Cezar Peluso, j. 18-8-1998. 44
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI. Direito de Família. Saraiva, 2005. p. 382.
34
proclamar que, nesse regime, comunicavam-se os bens adquiridos a título
oneroso na constância do casamento, denominados aqüestos. O Supremo
Tribunal Federal editou, então, a Súmula 377, do seguinte teor; “No regime
de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do
casamento”.”45
.
Bem esclarece o Supremo Tribunal Federal sobre o entendimento sumulado:
A Súmula em apreço, nos termos vagos que se elaborou, não podia abranger
todas as hipóteses que a vida prática nos oferece. Ela só pode partir do
pressuposto que normalmente acontece. As relações jurídicas apresentam
facetas imprevisíveis. O enunciado da Súmula teve em mira, sem dúvida, a
existência de aqüestos, que procedessem do esforço conjugado dos nubentes,
da sua colaboração comum, do seu trabalho harmônico... O esforço comum,
é, pois o traço que imprime aos aqüestos a força de sua comunicabilidade46
.
Este é hoje entendimento comum do Superior Tribunal de Justiça: “A princípio,
essa Súmula foi aplicada de forma ampla, e posteriormente foi restrita somente para os bens
adquiridos pelo esforço comum, reconhecendo-se, assim, uma verdadeira sociedade de fato
entre os cônjuges”47
.
Esta corte reconheceu também ao cônjuge casado pelo regime da separação
convencional o direito à meação dos bens adquiridos pelo esforço comum, usando-se por
analogia os ditames da Súmula 377.
Assim é o entendimento jurisprudencial:
A circunstância de os cônjuges haverem pactuado, como regime de bens, o
da separação não impede que se unam, em empreendimento estranho ao
casamento. Isso ocorrendo, poderá caracterizar-se a sociedade de fato,
admitindo-se sua dissolução, com a conseqüente partilha de bens. O que não
se há de reconhecer é a existência de tal sociedade, apenas em virtude da
vida em comum, com o atendimento dos deveres que decorram da existência
do consórcio48
.
Igual entendimento tem a doutrina, assim, preleciona Washington de Barros
Monteiro:
Sob a inspiração do princípio que norteou a Súmula n. 380, a respeito do
concubinato, e a Súmula n. 377, sobre o regime da separação obrigatória,
que veda o enriquecimento ilícito, se provado que o cônjuge casado pelo
regime da separação convencional concorreu diretamente, com capital ou
trabalho, para a aquisição de bens em nome do outro cônjuge, é cabível a
atribuição de direitos àquele consorte49
.
45
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol. VI: Direito de Família. São Paulo, Saraiva,
2005. p.411. 46
STF, RE 64.236, 2ª T., rel. Min. Adalício Nogueira, j. 01-10-1968, in RT 47/337. 47
RSTJ, 39/413; RT, 691/194; RF, 320/84. 48
STJ, REsp 30.513-9-MG, 3ª T., rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 26-4-1994, in RT, 710/174. 49
MONTEIRO, Washington de Barros. Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol. VI:
Direito de Família. São Paulo, Saraiva, 2005. p.434.
35
Portanto, ainda que o regime de bens convencionado seja o da separação, admite-
se a comunicação dos bens adquiridos pelo esforço comum, desde que provado, através de
ação própria.
4.2 A sociedade de fato, o esforço comum e a possibilidade de partilha
Quando o casal se une em consórcio matrimonial acabam unindo, naturalmente,
seus interesses e objetivos, de modo que, com o passar do tempo, os interesses individuais
desaparecem, frente o interesse da família.
Não raro, casais durante a vigência do casamento passam a vivenciar uma
realidade diversa da que pactuaram na época do casamento, com a comunhão de interesses,
esforços, recursos financeiros e trabalhos em prol de um patrimônio comum, familiar, mas
ficavam impedidos de alterar o regime de bens eleito para um regime mais justo e condizente
com a realidade fática, porque se deparavam com a impossibilidade absoluta de alteração do
pacto.
A imutabilidade e irrevogabilidade do pacto, hoje já não mais taxativa e absoluta,
foi o grande empecilho para que se pudesse adequar o regime de bens com a realidade
vivenciada.
Hoje, a partir do novo Código Civil de 2002, apesar da possibilidade de alteração
do pacto antenupcial, ainda assim, há critérios para a admissibilidade de sua alteração, e a
mutabilidade só se torna possível após o trâmite judicial e permissão jurisdicional.
Ainda que o novo Código Civil tenha trazido grandes e importantes mudanças e
avanços, nossa legislação ainda manteve algumas falhas e lacunas. E a questão da comunhão
dos aqüestos, em razão do esforço comum, da sociedade de fato, em casamentos com
separação de bens, especialmente a separação convencional, é uma destas lacunas, uma vez
que nossa legislação nada prevê sobre a questão, restando apenas o amparo jurisprudencial.
Há de se lembrar que o novo Código Civil deixa claro que os casamentos
celebrados sob a égide do antigo código, ora revogado, continuam a se reger por ele,
especialmente no que diz respeito a regime de bens.
Dessa forma, também a jurisprudência amplamente editada sobre a matéria,
continua a gerar efeitos e a fornecer parâmetros e diretrizes para a defesa e reivindicação
desses direitos.
36
Após a edição do novo Código Civil de 2002, os julgados acompanharam o
mesmo entendimento, já pacificado nos Tribunais, ficando a declaração de sociedade de fato,
condicionada à prova do esforço comum, com a participação ocorrida com trabalho ou
recursos financeiros.
O novo código abrandou os rigores da imutabilidade e irrevogabilidade do regime
de bens, permitindo que a alterabilidade pudesse ser pleiteada e concedida judicialmente, uma
vez requerida de forma motivada e julgada procedente.
Tal flexibilidade ao permitir que atualmente os cônjuges alterem o regime de
bens, adequando-o à situação vivenciada, resolve as alterações de modo que não permitir para
ações que criaram per si, acompanhar as lacunas e omissões que a lei deixou.
Quando a separação de bens é obrigatória, a comunhão dos aqüestos é facilmente
admitida, conforme orientação dada pela Súmula 377, pela ocorrência do esforço comum.
Assim é o entendimento jurisprudencial: “só se justifica a comunhão de aqüestos,
no casamento realizado pelo regime legal da separação de bens, se adquiridos com o esforço
conjunto dos cônjuges”50
.
Igual é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de São Paulo:
“Comunicação dos bens adquiridos pelo esforço comum, mesmo na constância do casamento
celebrado no regime da separação de bens obrigatória (Súmula 377 do STF)”51
.
E mais, “... O Enunciado da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal deve
restringir-se aos aqüestos resultantes da conjugação de esforços do casamento, em exegese
que se aperfeiçoa à evolução do pensamento jurídico e repudia o enriquecimento sem
causa”52
.
A corroborar o entendimento de que é necessária a prova do esforço comum é o
julgado citado por Regina Beatriz Tavares da Silva:
“... „ os bens adquiridos posteriormente ao casamento só se tornam comuns
se se provar o esforço comum conjunto dos cônjuges na aquisição deles. A
comunicação se dá em razão da sociedade de fato entre os cônjuges. O
artigo. 259, assim, diz respeito somente à separação por convenção. Assim,
resumiu-se a quaestio no fato de que no regime da separação obrigatória de
bens, apenas estão sujeitos à comunhão os bens adquiridos pelo esforço
comum dos cônjuges, ajustando-se na mais hodierna jurisprudência, quando
50
TJDFT, DJU 05.11.1997, p. 26.827) 51
TJSP, Emb. Infrin. 079.669.4/7-02, 3ª Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Carlos Roberto Gonçalves, j. 21.03.2000. 52
TJSP, 6ª Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Antônio Carlos Marcato, j. 06.08.1998, JTJ 210/22. Apud SILVA,
Regina Beatriz Tavares da. Regime da Separação de bens convencional e obrigatória. In: Questões
Controvertidas no novo Código Civil. Vol. 2. Coordenação de Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método. 2004. p. 346.
37
tais esforços se apresentam nos autos devida e convincentemente
comprovados”53
.
Também, a privilegiar o esforço comum é entendimento do julgado: “... Tal
comunicabilidade de bens depende de comprovação do esforço comum na aquisição dos
aqüestos...”54
.
Tal entendimento tem sido unânime, a impedir que se perpetue a injustiça, ao
excluir da partilha o cônjuge que contribuiu para a formação do patrimônio. Assim são os
termos do seguinte Acórdão: “... ambos os cônjuges envidaram esforços para a constituição
do patrimônio do casal... Comprovado o esforço da autora... injusto seria alijá-la do direito a
parte do patrimônio do casal”55
.
Também é entendimento pretoriano de que “A Súmula 377 se aplica aos bens
adquiridos pelo esforço comum dos cônjuges”56
.
Apesar de que o entendimento jurisprudencial é de ser necessária a prova de
esforço comum para que sejam partilhados os aqüestos, há divergências, quando se trata de
regime de separação legal ou obrigatória, especialmente com relação à obrigatoriedade da
prova de esforço comum, pois há julgados que reconhecem a comunicabilidade de
patrimônio, independentemente tal prova. Nesse sentido são os acórdãos: STJ REsp
442165/RS. 4ª Turma. j.05.07.2002. rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar; STJ REsp. 1651/GO,
3ª Turma. J. 13.02.1990. rel. Min. Eduardo Ribeiro57
.
Em igual sentido, privilegiando a contribuição indireta, por meio de auxilio do lar
é o julgado da 3ª Turma do STJ, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 15.02.2001,
REsp 208640/RS58
.
Quando o regime do casamento é o da separação convencional de bens, a situação
se complica, uma vez que, além da prova do esforço comum, é necessária propositura de ação
própria para que se reconheça a sociedade de fato, que acontece graças ao esforço comum,
com a conjugação de trabalho ou ativos financeiros, ou ainda com a formação de sociedade
fora do casamento.
A sociedade de fato ocorre quando os cônjuges contribuem com dinheiro ou
trabalho, incrementando os negócios do casal, propiciando progresso financeiro e aumento de
53
TJSP, 2ª Câm. Civ., Ap. Civ. 97.892-1, rel. Des. Munhoz Soares, j. 06-12-1988. Apud Op. Cit., p. 347. 54
TJRS, 8ª Câm. Civ., rel. Des.Elisei Gomes Torres, j. 16.02.1995. Apud Op. Cit., p. 347. 55
TJPA, RT 763/328. 56
STF, RE 89.480-2, 1ª T., rel. Min. Xavier Albuquerque, j. 19-10-1979, in RT 535/230. 57
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Regime da Separação de bens convencional e obrigatória. In: Questões
Controvertidas no novo Código Civil. Vol. 2. Coordenação de Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método. 2004. p. 347-348. 58
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Op. Cit., p. 347-348.
38
patrimônio, com aquisição de bens e valores financeiros, independente de qual dos cônjuges
detenha sua titularidade.
Esclarecendo os conceitos de sociedade de fato, é ensinamento de Regina Beatriz
Tavares da Silva:
Como já estabelecia o artigo. 1.363 do CC/1916, “celebram contrato de
sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços
ou recursos, para lograr fins comuns”. E dispõe o artigo. 981 do CC/2002
que “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se
obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade
econômica e a partilha, entre si, dos resultados, sendo que seu parágrafo
único estatui que “a atividade pode restringir-se à realização de um ou mais
negócios determinados”.
Ainda cabe citar o artigo. 986 do novo CC, que regulam a sociedade não
personificada, dispondo que são aplicáveis, no que forem com ela
compatíveis, as normas da sociedade simples. No art. 988 relevante regra é
estabelecida, já, já que preserva o patrimônio dos sócios de fato, bem como
os seus credores, nos seguintes termos: “Os bens e dívidas sociais
constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum”.
Também o artigo. 989 tem em vista a preservação dos interesses de terceiros,
dispondo que os bens sociais responde pelos atos de gestão praticados por
qualquer dos sócios.
Assim, para que haja comunicação patrimonial, em regime da separação
obrigatória de bens, é indispensável a prova de sociedade de fato, ou seja, do
ingresso de bens pertencentes ao outro cônjuge, com seu uso e gozo ou
cessão de direitos, ou da prestação efetiva de serviços não remunerados 59
.”
A sociedade de fato “é um conceito de Direito de Obrigações (arts. 1.363 e ss do
CC/1916 e 983 e ss do CC/2002) utilizado pela jurisprudência para o tratamento das uniões
fáticas, ao tempo em que não havia fundamento jurídico para afirmar-se nelas a existência de
uma família” 60
.
Atualmente, com o reconhecimento da união estável pela legislação, alçando-a a
entidade familiar devidamente reconhecida e normatizada, tal entendimento ficou restrito à
situações divergentes que não contam com o amparo legal, como ocorre no caso do casamento
realizado com separação de bens, em que há entre os cônjuges verdadeira sociedade de fato,
com a presença de interesses comuns bem como o efetivo esforço.
Carlos Roberto Gonçalves, dá grande esclarecimento ao lecionar que:
A Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal abriu a possibilidade de
amenizar o princípio da imutabilidade do regime legal do casamento, ao
proclamar que “no regime da separação legal de bens comunica-se os
59
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Regime da Separação de bens convencional e obrigatória. In: Questões
Controvertidas no novo Código Civil. Vol. 2. Coordenação de Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método. 2004. p. 349-350. 60
SANTOS, Luiz Felipe Brasil. União estável, concubinato e sociedade de fato: uma distinção necessária.
In: Questões Controvertidas no novo Código Civil. Vol. 3. Coordenação de Mário Luiz Delgado e Jones
Figueiredo Alves. São Paulo: Método. 2004. p. 234.
39
adquiridos na constância do casamento”. Permitiu, desse modo, que sejam
reconhecidos, no aludido regime, a colaboração e o esforço comum dos
cônjuges. No caso da separação convencional não basta, todavia, para que
ocorra a comunicação, a vida em comum, com o atendimento dos deveres
que decorram da existência do consórcio. É necessário que se unam em
empreendimento estranho ao casamento, como autênticos sócios61
.
Bem ensina Regina Beatriz Tavares da Silva, “no regime da separação
convencional de bens, desde que provada a conjugação de esforços, com capital ou trabalho, é
possível o reconhecimento de sociedade de fato entre os cônjuges”62
.
Esclarecendo a possibilidade de se reconhecer a sociedade de fato, em casamentos
com separação convencional de bens, é ensinamento de Regina Beatriz Tavares da Silva: Ainda é de salientar que, como decidiu o Supremo Tribunal Federal, 2ª
Turma, Recurso Extraordinário 80.496/São Paulo relator Ministro Thompson
Flores, j. 29.11.1977, RTJ 87/140, não cabe partilha de bens em fase de
execução, após a decretação da dissolução da sociedade conjugal em que o
regime de bens seja o da separação absoluta, sem prova da sociedade de fato.
Deste modo, este v. acórdão, costumeiramente citado para fortalecer a tese
contrária à demonstração da sociedade de fato entre cônjuges cujo regime de
bens é o da separação absoluta convencional, na verdade, ressalvou
expressamente “à recorrida o direito de acionar o recorrente para exigir a
partilha de bens porventura adquiridos na constância do casamento e
incorporados ao seu patrimônio, os quais teriam defluido do trabalho comum
de ambos (sociedade de fato)”, como se vê no referido voto do Ministro
Thompson flores. Do mesmo Acórdão consta relevante voto do Ministro
Moreira Alves, segundo o qual: “Admito sociedade de fato entre cônjuges
fora do lar. Se o marido é comerciante, e a mulher também, poderão
construir uma sociedade de fato... Para isso a mulher tem que contribuir na
proporção de seus rendimentos, e o homem também, consoante estabelece o
Código Civil”. Bem observou o Ministro Moreira Alves que inadmissível é
considerar a existência de sociedade de fato em casamento celebrado pelo
regime da separação convencional e absoluta de bens pela simples obrigação
de mútua assistência ou pelo trabalho dentro do lar. Ainda, deixou
consignado este Ministro que à época deste acórdão, considerava-se, no
então chamado concubinato, o trabalho dentro do lar ou esforço indireto
porque não havia, então, obrigação de mútua assistência entre os
denominados concubinários, o que não seria aplicável ao casamento63
.
Grande contribuição para o esclarecimento da matéria dá o acórdão exarado pela
1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Desembargador Mendes Pereira,
j. 19 – 04 – 1983, RT 578/67, ao decidir que:
Se o patrimônio do marido, ao tempo da separação (isto é, ao tempo em que
vigorou o regime da separação de bens) foi formado com o esforço comum,
resultado de dinheiro destinado pelos dois cônjuges, tem a mulher direito a
61
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI: Direito de Família. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 385. 62
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Op. Cit., p. 350. 63
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Regime da Separação de bens convencional e obrigatória. In: Questões
Controvertidas no novo Código Civil. Vol. 2. Coordenação de Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método. 2004. p. 351-352
40
parte dos bens, ainda que o regime matrimonial seja o da separação
absoluta64
.
Esse acórdão valoriza a participação da mulher que trabalha e, juntamente com o
marido, ainda que com rendimentos menores, contribui para a formação de uma poupança que
permita a aquisição de patrimônio imobiliário.
Relevante a observação feita por este acórdão ao esclarecer que:
Não se trata de mulher habituada a grandes gastos, de modo a consumir em
futilidades tudo o que ganhava, mas de pessoa de costumes moderados e
essencialmente dedicada à família, de modo que o que percebia, sem
exceção, era gasto na manutenção do lar, o que trouxe ao marido a
possibilidade de realizar economias para adquirir os referidos bens65
.
Assim, se um dos cônjuges carreia para o lar e a família, seus proventos,
provenientes de seu trabalho e de seus rendimentos, permitindo que o outro acumule e
entesoure em reservas pessoais os valores advindos de seu trabalho, justo será que se
partilhem todos os bens adquiridos, uma vez que aquele que economizou e adquiriu o fez
graças à colaboração do outro, que lhe proporcionou meios que permitisse a aquisição de tais
bens.
A jurisprudência entende que “se houve eventual contribuição em dinheiro de um
dos cônjuges na reconstrução e conservação de imóvel pertencente ao outro, justo se lhe
indenize” 66
.
O que não se tem por certo é reconhecer contribuição do cônjuge devido ao
cumprimento das obrigações decorrentes do casamento. Assim é o entendimento do Superior
Tribunal de Justiça: “o que não se há de reconhecer é a existência de tal sociedade, apenas em
virtude da vida em comum, com atendimento dos deveres que decorram da existência do
consórcio67
”.
Mais adiante, no mesmo citado decisum, o relator adverte que:
o importante é ter-se em conta que, havendo casamento, não será qualquer
união de esforços apta a levar a que se tenha como presente uma sociedade.
Dele resultam obrigações para ambos os cônjuges, de cujo atendimento não
poderá decorrer, por si, se reconheça existente uma associação de objetivos
econômicos. Assim, a mútua assistência, a vida em comum e o sustento da
família, a que o marido deve prover, com a colaboração da mulher. O
adimplemento desses deveres não constituirá base suficiente para afirmar-se
64
RT, 578/67. Apud SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Regime da Separação de bens convencional e
obrigatória. In: Questões Controvertidas no novo Código Civil. Vol. 2. Coordenação de Mário Luiz Delgado e
Jones Figueiredo Alves. São Paulo: Método. 2004. p. 351. 65
Idem, Ibidem. 66
TJRS, Ap. 598.010.791, 8ª Câm. Cív., rel. Des. Stangler Pereira, j. 27-8- 1998. 67
REsp 30.513-9-MG, 3ª T., rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 26-4-1994, in RT, 710/174. Apud GONÇALVES,
Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 385.
41
existir sociedade, a justificar partilha de bens. Sendo inerentes ao casamento,
não podem conduzir a que se pretenda deles derive comunhão de bens, que
os cônjuges acordaram excluir. Coisa diversa é a constituição de sociedade,
envolvendo relações outras que não aquelas que derivam de os interessados
terem se consorciado 68
.
Em igual sentido:
A circunstância de os cônjuges haverem pactuado, como regime de bens, o
da separação, não impede que se unam, em empreendimento estranho ao
casamento. Isso ocorrendo, poderá caracterizar-se a sociedad3 de fato,
admitindo-se sua dissolução, com a conseqüente partilha de bens. O que não
se há de reconhecer é a existência de tal sociedade, apenas em virtude da
vida em comum, com o atendimento dos deveres que decorram da existência
do consórcio69
.
No mesmo sentido é a decisão que reconhece a possibilidade de se reconhecer a
sociedade de fato, em ação própria, superveniente à separação judicial:
Se a sociedade de fato existiu fora do lar, já que o marido e a mulher eram
comerciantes e não poderia resultar dos deveres de mútua assistência e de
manutenção do lar, inerentes à união conjugal, é mister o ajuizamento de
ação própria70
.
É reconhecida pelos Tribunais de Justiça a possibilidade de comunicabilidade dos
bens adquiridos pelo esforço comum, tanto que afirmam: “... ambos os cônjuges envidaram
esforços para a construção do patrimônio do casal... Comprovado o esforço da autora... injusto
seria alijá-la do direito a parte do patrimônio do casal”71
.
Desse modo, para que possam ser partilhados os bens adquiridos na constância
dos casamentos com separação convencional de bens, é necessário que se faça prova do
esforço comum e da participação com trabalho ou capital para a aquisição de bens em nome
do outro cônjuge, em ação própria de reconhecimento de sociedade de fato.
Não se admite como participação do outro cônjuge a simples vida em comum e a
realização dos deveres para com a família e o lar, é necessário que a participação seja efetiva
com trabalho ou valores para a aquisição de bens.
De igual sorte, o pacto de separação de bens não pode ter a rigidez de impedir que
se reconheça o esforço comum e a ajuda de um consorte para a aquisição do patrimônio em
68
. REsp 30.513-9-MG, 3ª T., rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 26-4-1994, in RT, 710/174. Apud GONÇALVES,
Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 385. 69
STJ, Resp 30.513-9-MG, 3ª T., rel. in. Eduardo Ribeiro, j. 26-04-1994, in RT, 710/174. 70
STJ, Resp 2.541-0-São Paulo, 4ª T., rel. Min. Antonio Torreão Braz, j. 06.12.1994, in RT 715/268. Apud
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Regime da Separação de bens convencional e obrigatória. In: Questões
Controvertidas no novo Código Civil. Vol. 2. Coordenação de Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método. 2004. p. 353. 71
TJPA, RT 764/328.
42
nome do outro. Destarte, é baseado no principio que veda o enriquecimento ilícito que a
jurisprudência abre a possibilidade de se partilhar os bens adquiridos pelo esforço comum, em
verdadeira sociedade de fato.
Assim, pode-se verificar que apesar de não estar normatizada, nem sistematizada
pela doutrina, a sociedade de fato entre cônjuges casados com o regime da separação de bens
é matéria amplamente discutida e reconhecida jurisprudencialmente, de forma a não permitir
que o regime de bens possibilite o enriquecimento de um dos cônjuges em detrimento do
outro, caracterizando, assim, o locupletamento e o enriquecimento sem causa.
Apesar de não estar dividido de forma metodológica, fica subentendido que a
doutrina e a jurisprudência faz clara distinção entre a possibilidade de partilhar dos aqüestos
na separação legal ou obrigatória, pela aplicação da Súmula 377 com a presença do esforço
comum, dependendo do caso dispensando-se até a comprovação do esforço, e, a possibilidade
de se partilhar os bens adquiridos na vigência do casamento pela separação convencional de
bens, onde o esforço comum deve ser comprovado por ação própria, onde se reconheça a
ocorrência da sociedade de fato.
O que importa é que, independentemente da via que se usa para garantir o direito,
este não pode ser desprezado pelas situações vivenciadas. As disposições patrimoniais
assumidas por ocasião do casamento muitas vezes são idealizadas de forma abstrata, sem
condições de se avaliar qual a melhor opção a ser tomada.
O que há de se prevalecer não são as situações estabelecidas, mas as situações
vividas, que, por fazerem parte de relacionamentos, são dinâmicas e muitas vezes não
acompanham com rigidez a forma com que foram pactuadas.
Esse tem sido o entendimento jurisprudencial, dando mais flexibilidade ao rigor
da imutabilidade do pacto antenupcial firmado, uma vez que certas situações se apresentam de
tal forma que, se mantido os termos pactuados, sacramentar-se-á a injustiça e o
enriquecimento ilícito, o que não é permitido em nosso Direito.
4.3 A proibição do enriquecimento ilícito
Nosso ordenamento jurídico não permite o enriquecimento ilícito, porque é
injusto e contrário ao direito.
O enriquecimento ilícito, ou enriquecimento sem causa, ocorre quando uma parte
se enriquece, ou seja, tem um aumento patrimonial, em detrimento da outra parte.
43
Neste sentido é o ensinamento de Pontes de Miranda:
Cada pessoa tem o seu patrimônio, que é a soma dos bens da vida, do valor
econômico, que lhe pertencem. Se uma retira, por ato seu ou não, do
patrimônio da outra para o seu, ou para de terceiro, ou do seu próprio para
outrem, algum bem da vida, ou parte dele, há de haver justificação para isso,
ou o enriquecimento é INJUSTIFICADO.
De ordinário, quem atribui, ou faz conscientemente, ou faz por erro, com
causa ou sem causa; quem retira ou o faz contra a lei, ou ocorre que o bem
foi retirado. Há duas linhas que separam o enriquecimento PERMITIDO e o
enriquecimento NÃO PERMITIDO (contrario ao direito); a linha em que se
confina a Ilicitude e a linha do INJUSTIFICADO, dentro de cujo setor está,
como espécie a SINE CAUSA72
.
Paulo Roberto Colombo Arnoldi bem explica o enriquecimento ilícito e o
locupletamento, de modo a dar a distinção entre eles:
O ENRIQUECIMENTO, é um forma de acumular, de aumentar o próprio
patrimônio, pela integração ou valores que não lhe pertenciam
anteriormente. O ENRIQUECIMENTO pode ser LÍCITO, quando se opera
com JUSTA CAUSA, e ILÍCITO quando se opera SEM CAUSA JUSTA –
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO gera o LOCUPLETAMENTO À CUSTA
ALHEIA, que não tem amparo legal, porque gera ofensa ao PATRIMÔNIO
ALHEIO: - Nessas condições, a lei assegura ao prejudicado o direito de ir
buscar nas mãos de quem se locupletou indevidamente, ou seja, do
locupletador, tudo com que se tenha enriquecido em prejuízo do primeiro. E
o remédio jurídico que a lei lhe assegura é a AÇÃO DE
LOCUPLETMAENTO ou ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA ...73
O Direito brasileiro é norteado pelos princípios da boa fé, da isonomia, da
equidade, que proíbem o enriquecimento sem causa.
O principio da boa fé rege a Teoria Geral dos Contratos, impondo que haja lisura
e transparência nas avenças.
Da mesma forma, o princípio da isonomia determina a igualdade na contratação
entre as partes.
Por sua vez, nosso Direito é fundamentado no princípio da equidade, que
determina que se deve dar a cada um o que lhe é seu por direito, não se lesando ninguém.
A equidade é principio que norteou a matéria nos ordenamentos Francês e
Alemão, dentre outros, e foi a linha que se adotou para o direito brasileiro no que diz respeito
ao enriquecimento sem causa.
Assim é o ensinamento de Sílvio Venosa:
Analisando o tratamento dado à matéria pelos Códigos da França e da
Alemanha, ao elaborar o nosso ordenamento, Clóvis (1977: 116) se
72
MIRANDA, Pontes de. Apud ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. A ação de enriquecimento sem causa
no direito cambial. São Paulo: Leud, 1987, p. 5- 6. 73
ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. A ação de enriquecimento sem causa no direito cambial. São Paulo:
Leud, 1987, p. 9.
44
pergunta: qual seria a melhor opção a ser seguida? Aduz que a
sistematização do enriquecimento sem causa é difícil, pois uma fórmula
geral não conseguiria reunir todos os fenômenos. E conclui, como fazem os
franceses, que a eqüidade sempre ditará o principio geral melhor, deixando ã
doutrina que elocubre os princípios desse instituto74
.
O enriquecimento ilícito, ou sem causa, é matéria tratada pelo nosso Código Civil,
nos artigos 884 a 886.
Existe enriquecimento injusto sempre que houver uma vantagem de cunho
econômico em detrimento de outrem, sem justa causa. Esse é o sentido do art.884, do novo
Código: “aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”.
Sempre que houver acréscimo no patrimônio de alguém há que se haver uma
causa justa, decorrente do trabalho ou de razão juridicamente admitida, que justifique o
acréscimo,
porque, de regra , o equilíbrio entre as relações humanas, no que toca aos
bens que venham a suprir as necessidades se estabelece na medida em que
cada um possa deter aquilo que é seu, sem temor de que outra pessoa o
venha a tomar, não havendo, desta maneira, lesão ao direito de quem quer
que seja 75
.
Dessa forma, o enriquecimento sem causa ocorre sempre que haja acréscimo ao
patrimônio de alguém advindo de outra pessoa e em seu detrimento,
ligado um e outro pelo nexo de causalidade, qualificado pela injustiça ou a
ausência de causa juridicamente legítima.
Não se exige efetivo prejuízo sobre o patrimônio de quem tenha sido privado
do aumento, carreado ao patrimônio de que injustamente o aumentou,
bastando que o nexo de causalidade ligue uma situação a outra76
.
Orlando Gomes citado por Wilson Gianulo, salienta que “não se exige efetivo
prejuízo sobre o patrimônio de quem tenha sido privado do aumento, carreado ao patrimônio
do que injustamente o aumentou”77
, bastando que o nexo de causalidade ligue uma situação a
outra78
.
Regina Beatriz Tavares da Silva, citando Pedro Paes sobre sua obra clássica sobre
o “enriquecimento sem causa”, ensina que,
74
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.
Coleção Direito Civil, Vol. II. São Paulo: Atlas, 2003. p. 210. 75
GIANULO, Wilson.Novo Código Civil Explicado e Aplicado ao Processo. Vol. III: São Paulo: Jurídica
Brasileira, 2006. p. 1687. 76
Idem, Ibidem. 77
GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro, Forense, 1997. Apud GIANULO, Wilson. Op.Cit., p. 1.687. 78
GIANULO, Wilson. Op. Cit., p.1.687.
45
no instituto sob exame, verifica-se a transposição de um bem para outro
patrimônio, em situações ouço ocorrentes e com motivos estranhos aos
mandamentos expressos da ordem jurídica...
Portanto, dois são os efeitos principais do enriquecimento: a transferência
do domínio propriamente dita, que é a aquisição e a alteração econômica,
que constitui o efetivo prejuízo. O primeiro elemento tem eficácia
juridicamente. O segundo é injurídico. O ordenamento sancionador do
comportamento social não existe para determinar, permitir, sequer consentir
indiretamente, sofra alguém o mínimo de perda no patrimônio 79
.
Como já dito, nos casamentos regidos pelo regime da separação de bens, é
possível o reconhecimento da sociedade de fato entre os cônjuges, uma vez comprovada o
esforço de ambos, seja com capital ou trabalho.
Assim, sob a inspiração do princípio que norteou a Súmula 38080
, a respeito
do concubinato, e a Súmula 37781
, sobre o regime da separação obrigatória,
que veda o enriquecimento ilícito, se provado que o cônjuge casado pelo
regime da separação convencional concorreu diretamente, com capital ou
trabalho, para a aquisição de bens em nome do outro cônjuge, é cabível a
atribuição de direitos àquele consorte82
.
Portanto, para que se configure o enriquecimento sem causa, há necessidade de
que a vantagem financeira de um sobre o outro ocorra sem causa justa, ou contrariando
preceito juridicamente aceito, existindo um liame de causalidade entre aquele que sem justa
causa, se enriquecer à custa de outrem e o fato que ocasionou esse enriquecimento.
4.4 A união estável seguida de casamento com separação de bens
Situação bastante comum ocorre com o casal que, após um período de
convivência more uxório, resolve formalizar sua união e, por exigência legal ou por opção,
acaba realizando o casamento pelo regime da separação de bens.
Nestes casos, defronta-se com dois tipos de situações patrimoniais que se
conflitam, a primeira, a comunhão parcial, ou de aqüestos, dos bens adquiridos na constância
da união estável, e a segunda, o casamento com a separação de bens, seja legal ou
convencional.
79
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Regime da Separação de bens convencional e obrigatória. In: Questões
Controvertidas no novo Código Civil. Vol. 2. Coordenação de Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método. 2004. p. 350. 80
Súmula 380: Comprovada a sociedade de fato entre concubinos, é cabível sua dissolução judicial com a
partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. 81
Súmula 377: No regime da separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento. 82
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Op. Cit., p. 350.
46
Nestes casos, ocorre um impasse: como tratar a questão patrimonial dos bens
havidos durante a união estável, uma vez que a sociedade conjugal não se desfez, apenas se
modificou? É necessário que se proceda com a dissolução da união estável para apuração e
partilha dos bens?
Geralmente nenhum casal se preocupa com esta questão, por presumir que os
direitos adquiridos no período de união estável não se extinguem com a nova situação criada
pelo casamento, ou ainda, por não ser esta a preocupação principal do casal, que movidos pelo
sentimento, preocupam-se mais em legalizar a união que já viviam.
É entendimento pacificado pelos Tribunais, a garantia aos companheiros os
direitos adquiridos durante o período de união estável, ainda que esta união tenha sido
precedida de casamento com separação de bens.
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a oficialização de uma
sociedade conjugal de fato com a determinação do regime da separação de bens não atinge o
direito de cada cônjuge à meação dos pertences, direito garantido, desde que comprovada a
contribuição de cada um para a formação do patrimônio durante a convivência extra-oficial.
O regime de bens somente vai incidir em relação aos pertences adquiridos após o
matrimônio oficial, ficando livre para dividir meio a meio os bens adquiridos anteriormente.
O relator Ministro Aldir Passarinho reconheceu “a validade da separação de bens no período
em que perdurou o matrimônio”. No entanto, com relação ao tempo anterior da união oficial,
o Ministro conclui pelo direito “à meação dos bens havidos no período de vida em comum”,
pois reconhecida a decisão de segundo grau a colaboração do cônjuge na formação do
patrimônio do casal, e concluiu seu voto afirmando que,
“o período de vida em comum não pode ser desprezado. Se assim não for,
inverter-se-á o espírito da lei. É certo que ela quis proteger os nubentes de
um possível relacionamento conjugal baseado no interesse material, nocivo
ao espírito da união legal. Mas, também não desejou o legislador fazer com
que a mesma lei suprimisse direitos já obtidos por um ou outro cônjuge, que
lealmente dedicou parte de sua vida ao companheiro”83
.
Igual entendimento teve o Tribunal de Justiça do Paraná, pelo teor da ementa:
AGRAVO DE INSRUMENTO – AÇAO DE INVENTÁRIO – REGIME DE
BENS – O SEGUNDO CASAMENTO DO DE CUJOS OCORREU APÓS
A PARTILHA DOS BENS DO CASAMENTO ANTERIOR, MAS
POUCOS DIAS ANTES DE SUA HOMOLOGAÇÃO – AUSÊNCIA DE
CONFUSÃO PATRIMONIAL – A AGRAVADA CONVIVEU
MARITALMENTE COM O DE CUJOS POR MAIS DE 15 ANOS,
AMEALHANDO PATRIMÔNIO COMUM – A APLICAÇÃO LITERAL
DO ARTIGO. 1.641 DO CÓDIGO CIVIL ACARRETARIA PROFUNDAS
83
STJ, Resp 251.057-SP, 4ª T., rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 22-04-2003.
47
INJUSTIÇAS – INCIDÊNCIA DA SÚMULA 377 PARA SE
RECONHECER A COMUNHÃO DE AQÜESTOS 84
.
Também o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu de forma semelhante
na ementa:
APELAÇÃO CIVEL. UNIÃO ESTÁVEL. CONTEXTO PROBATÓRIO
FORNECE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA SE RECONHECER A
EXISTÊNCIA DA UNIÃO. PARTILHA. NÃO CABE INDAGAR SOBRE
PARTICIPAÇÃO EFETIVA DE CADA CONVIVENTE NA AQUISIÇÃO
DOS BENS AMEALHADOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. REGIME
DE SEPARAÇÃO DE BENS. ANALOGIA DO ARTIGO. 258 § ÚNICO,
DO CÓDIGO CIVIL REVOGADO. IMPOSSIBILIDADE EM FACE DE
LEGISLAÇÃO PRÓPRIA DA UNIÃO ESTÁVEL QUE AFASTA
IMPOSIÇÃO DE TAL REGIME. HONORÁRIOS. FIXAÇÃO EM
SALÁRIOS MÍNIMOS. PROIBIÇÃO. SÚMULA 201 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTIPULAÇÃO NOS TERMOS DO ARTIGO.
20, § 3 °, DO CPC. RECURSO PROVIDO, EM PARTE 85
.
O mesmo Tribunal já havia decidido em igual sentido:
UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. NÃO SE APLICA A UNIÃO
ESTÁVEL O REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS
PREVISTO NO ARTIGO. 268, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CC, AINDA
QUE OS CONVIVENTES SEJAM MAIORES DE 60 ANOS, SEJA
PORQUE A LEGISLAÇÃO PRÓPRIA PREVÊ O REGIME
CONDOMINIAL, SENDO PRESUMIDO O ESFORÇO COMUM NA
AQUISIÇÃO DO PATRIMÔNIO AMEALHADO DA VIGÊNCIA DO
RELACIONAMENTO, SEJA PORQUE DESCABE A APLICAÇÃO
ANALÓGICA DE NORMAS RESTRITIVAS DE DIREITOS OU
EXCEPCIONANTES. E, AINDA QUE SE ENTENDESSE APLICÁVEL
AO CASO O REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS FORÇOSA
SERIA A APLICAÇÃO DA SÚMULA 377 DO STF, QUE IGUALMENTE
CONTEMPLA A PRESUNÇÃO DO ESFORÇO COMUM NA
AQUISIÇÃO DO PATRIMÔNIO AMEALHADO NA CONSTÂNCIA DA
UNIÃO. AGRAVO PROVIDO 86
.
Assim, a jurisprudência tem entendido, de forma majoritária, que os direitos
adquiridos durante a união estável permanecem inalterados após o casamento realizado pelo
regime da separação legal ou convencional.
Desta forma, faz-se a separação dos bens comuns, adquiridos durante a união
estável e os bens individualizados, adquiridos após o casamento com separação de bens.
Ressalva-se, aqui, a possibilidade de serem admitidos direitos de se partilharem
bens oriundos de esforço comum e conseqüente sociedade de fato após o casamento. Direito
este que é admitido e já visto anteriormente.
84
TJPR – AG. 345.184-9 – 11ª Câm. Cív. – Rel. Des. Erácles Messias – j.. 12.07.2006. 85
TJRS – APEL. CÍV. 70006722243 – 8ª Câm. Civ. – Rel. Des. Catarina Rita Krieger Martins – j. 18.12.2003. 86
TJRS – AG. 70004179115 – 7ª Câm.Cív. – Rel. Des. Maria Berenice Dias – j. 14.08.2002. Ementa.
48
4.4.1 O pacto de separação de bens não pode anular tacitamente os direitos adquiridos
durante a união estável.
Nos casamentos realizados com pacto de separação de bens, a jurisprudência tem
mantido a mesma posição, separando os direitos adquiridos durante o período de união
estável, concluindo pela comunhão dos aqüestos, e respeitando os termos do pacto para o
período posterior ao casamento.
Mais justa e mais coerente esta posição, uma vez que uma situação nada tem a ver
com a outra, já se trata de institutos jurídicos diferentes, concebidos e normatizados por
enfoques diferentes, de forma que fiquem resguardados para cada situação, obrigações e
direitos a ela pertinentes.
Assim é o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
EMENTA: APELAÇAO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE DISSOLUÇÃO
DE SOCIEDADE DE FATO (UNIÃO ESTÁVEL) COM PARTILHA DE
BENS. 1. COMPROVADA A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL,
REJEITA-SE A PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO. 2.
POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE
SOCIEDADE DE FATO (OU UNIÃO ESTÁVEL) ANTES DO
CASAMENTO, CELEBRADO PELO REGIME DA SEPARAÇÃO DE
BENS, E PROVADA A COLABORAÇÃO EFETIVA DA MULHER NOS
NEGÓCIOS E CONSERVAÇÃO DE BENS DO CONCUBINO,
CORRETA A SENTENÇA QUE ADMITE A PARTILHA IGUALITÁRIA
DOS BENS ADQUIRIDOS NESTES PERÍODOS, A SEREM APURADOS
EM LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS. 3. O CASAMENTO E POSTERIOR
DISSOLUÇÃO PELO DIVÓRCIO, NÃO IMPEDE A PARTILHA DOS
BENS QUE HAVIAM SIDO AMEALHADOS NO PERÍODO EM QUE
VIVERAM EM SOCIEDADE DE FATO. 4. OS BENS ADQUIRIDOS
DEPOIS DO CASAMENTO, NÃO FICAM SUJEITOS A PARTILHA POR
OFENDER AO REGIME PACTUADO DE SEPARAÇÃO TOTAL DE
BENS. 5. SENDO PARCIAL A PROCEDÊNCIA DO PEDIDO,
OCORREU SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. 6. VERBA HONORÁRIA DE
30 URHS, CONFIRMADA. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO
PRIMEIRO APELO E DESPROVERAM O SEGUNDO 87
.
Semelhante é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, cuja posição nestas
situações, tem sido de manter os direitos advindos da união estável, ainda que seguida de
casamento com pacto de separação de bens. Esclarece o acórdão:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – INVENTÁRIO –VIÚVA QUE
MANTEVE UNIÃO ESTÁVEL POR 40 ANOS – DIREITO A MEAÇÃO –
INTIMAÇÃO – OCORRÊNCIA.
87
TJRS – Apel. Cív. 599393766 – 7ª Câm. Cív. – Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos. j. 13.10.1999.
49
1 – Anteriormente ao matrimônio, o de cujus mantinha com a recorrida
união estável por 40 anos, período este quer tiveram oito filhos, (03 deles ora
recorrentes). Ao meu sentir, durante referido tempo, a recorrida obteve o
direito a meação. Assim, conquanto exista pacto antenupcial que prevê a
separação convencional de bens, verifico que tal circunstância não deve se
sobrepor a situação fática efetivamente verificada nos autos, como visto
acima, sendo razoável admitir a ocorrência de formação de patrimônio
comum durante a constância dessa união que não possuía a chancela legal.
Daí que momento do casamento, não havia que diferenciar os bens
individualizada mente de cada consorte, o que aliás, não ocorreu no
momento do referido pacto.
2 – De qualquer forma, como ora salientado, nada há a reparar no acórdão
hostilizado com relação à inclusão da recorrida no inventário na condição de
meeira do de cujus.
3- Por fim, no que tange a alegada infringência aos artigos 236, § 1°,e 527,
V, do Código de Processo Civil, a irresignação não merece prosperar. In
casu, observo que não houve dano irreparável ou de difícil reparação aos
herdeiros do de cujus, vez que restou atingida a finalidade de tal ato com a
apresentação de resposta ao agravo em questão por Racy Aparecida Tanajura
da Rocha (fl. 156), também habilitada no inventário.
Recurso não conhecido. 88
Igual entendimento é dado pelo acórdão prolatado pela 4ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça:
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO ORDINÁRIA DE
RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO E PARTILHA DE
BENS. CASAMENTO PELO REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS.
SITUAÇÃO PREVISTA NA EXCEÇÃO DO ARTIGO. 45, DA LEI N.
6.515/77 C/C/ ARTIGO. 258, § ÚNICO, II, DO CÓDIGO CIVIL. UNIÃO
ESTÁVEL POR MAIS DE DEZ ANOS ANTERIOR À LEI DE
DIVÓRCIO. VALIDADE DA OPÇÃO PELA SEPARAÇÃO. VÍCIO
INEXISTENTE. RECONHECIMENTO, TODAVIA, DOS DIREITOS
COMO COMPANHEIRA NO PERÍODO ANTERIOR. MEAÇÃO SOBRE
OS BENS ADQUIRIDOS DURANTE O CONCUBINATO.
I. Inexistindo restrição legal à opção pelo regime da separação de bens,
porquanto os nubentes, embora acima da idade prevista no artigo. 258,
parágrafo único, II, do Código Civil, se achavam na exceção da Lei n.
6.515/77, art. 45, têm-se que a escolha assim feita é válida, produzindo
plenos efeitos, porém, limitadamente, ao patrimônio adquirido após o
casamento, não afastando o direito à meação já conquistado pela
companheira relativamente ao tempo anterior de vida em comum, consoante
a contribuição que deu, reconhecida pelo Tribunal estadual, soberano na
interpretação da matéria de fato.
II. Recurso Especial conhecido e parcialmente provido, para afastar da
comunhão apenas os bens porventura adquiridos após o matrimônio, até o
óbito do cônjuge varão.89
88
STJ – Resp 680738-BA, 4ª T., rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 16-12-2004. 89
STJ – Resp 251057-SP, 4ª T., rel. Min. Aldir Passarinho Júnior. J. 22.04.2003.
50
Porém, não podemos esquecer de que poderá existir uma sociedade de fato no
casamento com pacto de separação de bens, e esta sociedade será reconhecida, uma vez
provado o esforço comum, em ação própria, conforme já explicado anteriormente, e só a titulo
de esclarecimento, transcreve-se uma decisão do Superior Tribunal de Justiça:
CASAMENTO – PACTO ANTENUPCIAL EM QUE OS NUBENTES
ADOTARAM O REGIME DA ABSOLUTA SEPARAÇÃO DE BENS –
Estipulada expressamente na convenção antenupcial a separação absoluta,
não se comunicam os bens adquiridos depois do casamento (aqüestos). A
separação pura é incompatível com a superveniência de uma sociedade de
fato entre marido e mulher dentro do lar. Ela pode existir fora do lar, mas
somente se comprovada e reconhecida em ação própria. Interpretação dos
arts. 256 e 259 do CC. 90
.
Entende-se que havendo união estável seguida de casamento com separação de
bens, seja pelo regime legal ou convencional, os direitos adquiridos durante o período da
união estável não se anulam, posto que se trata de uma situação legal totalmente diversa da
que será posteriormente vivenciada. Ou seja, o casamento é um estágio posterior, regido por
normas diferentes da união estável e cada situação segue regras próprias, que devem ser
observadas.
Existem duas situações patrimoniais distintas, a primeira em que o patrimônio
amealhado durante a união estável será partilhado independentemente de prova de esforço
comum, conforme os ditames legais, e a segunda, após o casamento, onde vigora o regime de
separação de bens.
Poderá, ainda, ocorrer a partilha dos aqüestos se observados os precedentes
indicados pela Súmula 377, nos casos de casamento com separação legal de bens, e a prova
do esforço comum, em ação própria de reconhecimento de sociedade de fato, especialmente
no caso da separação convencional de bens.
Assim, nestes casos, há duas situações patrimoniais distintas: um período
precedente ao casamento, onde se comunicam os bens adquiridos durante a união estável e o
90
STJ – Resp 2.541-0-SP, 4ª T., rel. Min. Antônio Torreão Braz – DJU 06.03.1995.
51
período posterior ao casamento, com a separação de bens, onde só se admite a possibilidade
de exceção, havendo a possibilidade de se aplicar o entendimento da Súmula 377 ou de se
provar o esforço comum de ambos os cônjuges para aquisição do patrimônio.
De qualquer modo, a eleição de regime de separação de bens, através de pacto
antenupcial, não tem condão de anular tacitamente os direitos adquiridos no período anterior.
A doutrina admite que possa haver no pacto antenupcial ressalva com renúncia de
direitos adquiridos no período anterior ao casamento, mas entende-se que esta ressalva tem
que ser expressa, clara, de forma inequívoca, fazendo menção ao relacionamento e a situação
patrimonial existente na ocasião da assinatura do pacto, não podendo constituir em renúncia
de direitos a mera referência velada, como por exemplo, o chavão usualmente empregado
pelos cartórios nos pactos de separação de bens, onde se usa a expressão: “separação dos bens
adquiridos antes e depois do casamento”.
Tal expressão é ambígua e não esclarece a intenção dos contraentes em estar
renunciando direitos adquiridos pela União Estável, apenas é a forma padrão usada em
situações normais, onde não se cogita a existência de união estável precedente.
Ao se fazer esta ressalva, busca-se apenas alertar que não se pode ampliar o
entendimento de uma expressão de forma global e genérica, entendendo bastar uma mera
expressão usada de forma corriqueira para entender que está se renunciando aos direitos
adquiridos, ou, ainda, anular tais direitos, impondo os ditames do pacto antenupcial para as
situações passadas.
Impossível se admitir tal entendimento, visto que o pacto é realizado para reger as
situações futuras, após a celebração do casamento, e não para reger as situações passadas,
anteriores ao casamento.
52
4.4.2. Os bens adquiridos na vigência do casamento por separação de bens, mas em sub-
rogação a bens advindos da União Estável.
Situação que se vislumbra complexa e sem muitos parâmetros jurisprudenciais,
ocorre com os bens adquiridos durante o casamento com separação de bens, cuja aquisição se
dá em sub-rogação a patrimônio adquirido durante a união estável.
Neste caso, qual a regra a se seguir? A comunhão de aqüestos, com patrimônio
comum, que regia a união estável, já que o bem sub-rogado que permitiu a aquisição, foi
adquirido nesse período? Ou segue os ditames da separação de bens, sob cuja égide se rege o
casamento na atualidade?
Não existe, em nosso ordenamento, nenhuma regra e a doutrina e a jurisprudência
é escassa, pouco nos oferecendo como parâmetro para a solução de tal situação.
É muito comum, especialmente nos casamentos realizados com a separação
convencional, que tal opção seja proposta como tentativa de se alterar a situação patrimonial
do casal, retirando a possibilidade de partilha dos bens adquiridos durante o período da União
Estável. Ou seja, um dos cônjuges busca, alterando a situação do relacionamento, alterar a
situação patrimonial, mudando sorrateiramente o regime de comunhão parcial de bens que
rege a união estável para o regime da separação absoluta do casamento.
Apesar de tentar transmudar o regime de bens, já foi visto anteriormente que os
direitos adquiridos durante a união estável não se anulam pelo casamento com separação de
bens, porém, resta uma outra situação, facilmente possível de acontecer, sobre a qual a
doutrina é silente e a jurisprudência também pouco se manifesta, que é o caso que haver
modificação na situação patrimonial existente à época do casamento.
O patrimônio do casal que viveu em união estável se compõe de bens móveis,
imóveis, empresas, poupança ou ativos financeiros.
Com o casamento, tais bens advindos da união anterior, geralmente não são
partilhados, nem feita nenhuma ressalva sobre tal situação. Geralmente passam a ser
movimentados sem nenhum cuidado contábil, que separe o que é fruto de patrimônio comum,
oriundo da união estável, e o que é fruto da nova situação patrimonial, eleita com o
casamento, de modo que se misturam os haveres, e os patrimônios, caracterizando verdadeira
confusão de patrimônios, que ocorre quando se misturam bens de uma situação jurídica com
bens de outra situação diversa. No caso, da união estável com a separação de bens, ou ainda,
bens comuns, de ambos, com bens individuais de um cônjuge.
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Assim, se os bens que foram adquiridos durante a união estável, forem vendidos,
o fruto dessa venda poderá ser diluído nos negócios de um só cônjuge, ou utilizado para a
compra de patrimônio adquirido somente em nome de um dos cônjuges.
Nestes casos, é patente que se misturaram os patrimônios, pois a aquisição feita,
ainda que dentro do regime da separação de bens, ocorreu em sub-rogação a bens havidos
durante a união estável e, portanto, de ambos e não de um só.
Não é uma situação comum, mas possível de acontecer, ainda mais quando um
dos cônjuges tem a pretensão de solapar de seu cônjuge a meação do patrimônio que até então
lhe estava garantido pelas regras da União Estável.
Argumenta-se que, quando um casal que viveu em união estável se casa com
separação de bens, seu patrimônio divide-se em dois, o anterior ao casamento, comum devido
à união, e o individual, a partir da separação de bens. Sendo que o patrimônio comum passará
a ser regido pelas regras do condomínio, enquanto que o outro patrimônio segue as regras da
separação de bens adotada.
Esta é a situação idealizada e pouco aplicada, uma vez que, por ignorância da
legislação ou por interesses escusos, o que acaba acontecendo é que, como não existe clara
divisão entre o patrimônio oriundo da união estável e o patrimônio adquirido posteriormente,
estes bens se misturam, ficando, muitas vezes, impossível se indicar o que foi fruto do regime
de condomínio, e o que é fruto da aquisição individual.
Tal situação permite que um cônjuge, geralmente o que detém a titularidade dos
bens ou administração dos ativos financeiros, transfira para seu nome individual os bens
comuns, ficando o outro cônjuge descoberto em seus direitos.
Ainda mais agora, com o novo Código Civil, onde foi suprimida a exigência da
outorga do outro cônjuge para a oneração dos bens particulares, no casamento com separação
convencional de bens.
Nestes casos, é muito fácil a transferência do patrimônio comum para o
patrimônio particular de um dos cônjuges, ou até para terceiros, com objetivo de prejudicar o
outro, e quando este se der conta, muitas vezes não terá como se ressarcir, uma vez que
poderá não existir mais patrimônio para compensar o prejuízo.
Mais difícil é se determinar qual o numerário que pertence ao casal, e qual é fruto
de esforço individual. Os ativos financeiros advindos da união estável circulam, e propiciam
rendimentos e frutos que se misturam com o fruto do labor individual, de modo que não tem
como estar se determinando o que é parte de uma situação patrimonial e o que é parte de
outra.
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Por esta razão ousa-se falar que ocorre confusão de patrimônios, entre os advindos
da união estável e que em tese deveriam estar sendo regidos pelas regras do condomínio, com
os patrimônios adquiridos individualmente, durante a vigência de casamento com separação
de bens, quando não se tem como precisar se foi adquirido com esforço individual ou com o
esforço comum, uma vez que podem ter sido adquiridos em sub-rogação a bens oriundos do
patrimônio comum do casal.
Uma vez que a jurisprudência pouco se manifesta em situação específica, utilizou-
se da analogia com o entendimento jurisprudencial dado às questões de patrimônio nos casos
em que envolvem a união estável, o casamento com separação de bens com a ocorrência do
esforço comum e, especialmente, pela proibição do enriquecimento sem causa, para
manifestar-se a opinião de que o entendimento mais justo e mais correto é que, havendo
confusão entre os patrimônios formados pelos bens advindos da união estável e os do
casamento com separação de bens, o mais adequado é aplicar, nesses casos, a comunhão dos
aqüestos para o período posterior ao casamento também, quando for difícil determinar qual é
bem adquirido somente pelo esforço e labor de um só dos cônjuges, a se justificar a separação
do patrimônio adquirido.
4.5 Aquisições em conjunto.
Outra situação que pode ocorrer é quando as aquisições patrimoniais são feitas em
conjunto, onde ambos os cônjuges figuram nos contratos de compra e venda e, depois, ao
proceder com a lavratura da escritura de compra e venda, esta acaba sendo formalizada em
nome de um só.
Muitas vezes acontece tal situação por mera liberalidade, outras vezes, por
conveniência, mas também, muitas vezes pode ocorrer com dolo, com o interesse de um
cônjuge lesar o outro.
Assim, na hora da aquisição, esta é feita por ambos, o interesse é comum, ambos
contribuem com seus recursos e esforços, acreditando que o bem adquirido é de ambos, mas
na hora de transferir efetivamente o bem, este é titularizado em nome de um só.
Esse artifício é usado para induzir ao erro o cônjuge cético, que confia no seu
parceiro, e somente quando se depara com as situações de dissolução do casamento é que vai
se dar conta que está descoberto em seus direitos.
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Acredita-se que, em ocorrendo tal hipótese, o título aquisitivo primitivo que deu
origem à relação jurídica é o contrato de compra e venda, e não a escritura lavrada em
cartório, uma vez que o título primitivo dá conta da realidade da transação na hora em que foi
realizada.
Nestes casos, bastante possível que seja feita a anulação da escritura e lavrada
outra, nos termos do contrato primitivo.
Porém, como se trata de dissolução de casamento, é mais prático que seja
declarado o direito de meação para estes bens, objetos de aquisição através de contrato
firmado pelo casal, até em atendimento ao principio da economia processual, evitando-se o
desgaste da máquina judiciária.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho mostrou as situações patrimoniais que podem ser vividas por um
casal desde a união estável até o casamento, regido por diversos regimes de bens, com ênfase
no regime da separação de bens, legal e convencional, demonstrando diversas situações que
podem ocorrer e as alternativas legais para cada situação.
O objetivo deste trabalho foi demonstrar que ainda que o regime de bens do
casamento seja o da separação, há casos em que é possível haver partilha, de modo a
transformar essa possibilidade em exceção dentro da regra absoluta.
Ficou demonstrado, ainda, que apesar das situações patrimoniais serem
normatizadas, prevalece, no entendimento jurisprudencial, as situações vivenciadas, que são
sopesadas e admitidas e contrapostas com a norma legal, frente à possibilidade de prevalecer a
injustiça e o enriquecimento ilícito.
Ficou claro que a posição dos Tribunais tem sido no sentido de impedir que se
prevaleça a injustiça e o enriquecimento sem causa.
Os Tribunais tem se posicionado, de maneira unânime, no sentido de admitir que
existindo a possibilidade de se partilharem os aqüestos, esta partilha será reconhecida,
independentemente do regime do casamento ser o da separação legal ou da convencional.
O princípio da liberdade de escolha do regime de bens não deve se contrapor com
os princípios da isonomia, da equidade, da boa fé e da proibição do enriquecimento ilícito.
Muitas vezes as pessoas, até por desconhecerem a lei, criam situações jurídicas
anômalas que, se mantidas, tornam-se injustas, e somente a intercessão da lei pode lhes dar o
socorro e amparo necessários.
Nos casos apontados, muitas vezes ocorrem tais situações, mas vê-se também o
quanto a jurisprudência tem interferido de forma eficaz para atenuar e corrigir as injustiças,
mas o quanto ainda falta para que a jurisprudência forneça parâmetros para situações
inusitadas e anômalas.
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A doutrina, ainda que posicionando-se de forma idêntica, também tem deixado
muitas situações sem discussão e sem o vislumbre de saídas legais.
Muitos são os casos em que o casamento acaba sendo proposto como saída para
tentar impedir que direitos adquiridos sejam preservados, como ficou demonstrado no caso do
casamento com separação de bens precedido por período de união estável. Neste caso, ao se
celebrar o casamento, altera-se uma situação patrimonial pré-existente, dando margem à
possibilidade de um cônjuge ser prejudicado em seus interesses, sem que a lei os preserve.
Ainda mais na atualidade, após a edição do novo Código Civil, uma vez que não é mais
obrigatória a outorga do cônjuge para a venda de bens imóveis.
Deve ser estabelecido um critério mais justo e honesto para impedir que tais
situações ocorram como forma de prevenir que o casamento com separação de bens não
venha a acontecer como uma saída ardilosa para se usurpar direitos adquiridos.
Principalmente quando estes bens são frutos de sub-rogação a bens adquiridos
durante a união estável, da confusão de patrimônios, do esforço comum, ou de aquisição
conjunta, e, portanto passíveis de partilha, o cônjuge que detém a sua titularidade poderá deles
se desfazer, sem o conhecimento do outro, que, depois da transação realizada, não terá a quem
reclamar, já que a lei permite que o seu consorte possa dispor livremente dos bens que
estiverem em seu nome, sem nem ao menos comunicar o seu parceiro.
Nos casos discutidos, ficou bastante claro que, em algumas situações, há lacunas
na lei, possibilitando a injustiça e o enriquecimento sem causa, tanto nos casos onde há o
efetivo esforço comum, onde somente uma ação própria de declaração de sociedade de fato
pode reconhecer e determinar a possibilidade de se partilhar os bens adquiridos, e,
especialmente nos casos em que o casamento foi precedido por união estável, em que o
patrimônio do casal, fruto daquela união anterior, é confundido com o patrimônio adquirido
posteriormente por um dos cônjuges individualmente.
Com relação a este casamento precedido de união estável, impossível se cogitar
que se mantenham duas situações patrimoniais distintas bem administradas e sem se
confundirem os patrimônios de ambas, respeitando-se as regras do condomínio para uma
situação e as regras do regime de bens para a outra.
Não é assim que o acontece na vida prática, o mais comum é que, em razão da
falta de conhecimento legal, ou motivado pela ganância ou interesse, o patrimônio comum
seja misturado com o patrimônio individual, confundindo-se, de modo a causar o prejuízo de
uma das partes.
58
O fato é que não havendo dissolução da situação anterior, não há como se
determinar o que é de cada um. Desta forma, o patrimônio, especialmente os ativos
financeiros, ao se circularem, não têm como serem separados do patrimônio daquele que está
na sua administração, facilitando, assim, a possibilidade de que este seja desviado e
incorporado ao seu patrimônio pessoal, em prejuízo do outro cônjuge.
Quer em decorrência da união estável, quer do esforço comum, ou outros casos,
não pode nenhum dos cônjuges ficar ao desamparo da lei, sem a devida proteção de seus
interesses.
São muitas as situações que podem ser vivenciadas, mas para estas especialmente
enfocadas, acredita-se que a jurisprudência e a doutrina poderiam dar maior contribuição, com
decisões bem fundamentadas, com a publicação de mais artigos e mais discussões sobre tais
questões.
Não se está aqui a fazer críticas aos doutrinadores ou aos julgadores, apenas
ressalva-se que tais situações, que se reputam existentes e sem o amparo da lei, acontecem, e
não estão sendo bem questionadas, nem tendo a devida apreciação pelos juristas.
Sem a pretensão de lecionar aos doutrinadores e juristas, sugere-se, especialmente
para o caso do casamento com separação de bens precedido de união estável, a edição de lei
que obrigue os contraentes a formalizarem a ruptura desta união com obrigatória partilha de
bens, como requisito essencial para a habilitação para o casamento e a formalização do pacto
antenupcial, sob pena deste ser anulado, ficando tal casamento submetido ao regime da
comunhão parcial de bens, que é o regime legal e o que rege a união estável.
Para os casos em que é obrigatória a separação de bens, a edição de norma que
mantenha o disposto na Súmula 377, com a comunicação dos aqüestos sem a necessidade de
prova do esforço comum.
59
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