a influência da opinião pública no comportamento judicial
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NOVELINO, Marcelo. A influência da opinião pública no comportamento judicial dos
membros do STF. Constitucionalismo e Democracia. FELLET, André; NOVELINO, Marcelo (Org.). Salvador: Juspodivm, 2013, p. 265-328.
[se fizer referência a este trabalho, utilize a paginação original, indicada ao longo do texto]
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A INFLUÊNCIA DA OPINIÃO PÚBLICA NO COMPORTAMENTO JU DICIAL DOS MEMBROS DO STF
Marcelo Novelino**
O papel da opinião pública nas decisões de uma Corte Constitucional1 é uma das
questões mais inquietantes para os estudiosos do comportamento judicial que, há muito,
vêm debatendo se, como e por que as preferências populares influenciam o raciocínio
decisório de um juiz. Em termos descritivos, são questionadas as razões pelas quais um
juiz que não depende do apoio popular para ser nomeado ou para permanecer no cargo
se importa com a opinião pública e em que medida essa preocupação pode afetar as
decisões judiciais.2 Investigações empíricas têm demonstrado que o comportamento
judicial é influenciado - de forma consciente, subconsciente ou inconsciente -, não
apenas pela opinião pública, mas também por inúmeros fatores extrajurídicos,3 tais
como a ideologia, as características e interesses
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individuais e as experiências pessoais e profissionais. A influência desses
fatores é destacada por Richard Posner (2008, p. 24) ao afirmar que “o resultado dos
casos decididos pela Suprema Corte dos EUA podem ser previstos mais precisamente
* Doutorando em Direito Público pela UERJ. Professor de Direito Constitucional exclusivo do Curso LFG. Procurador Federal. * Agradeço aos acadêmicos Felipe Romero, Flávio Costa e Rafael Alvim pela cuidadosa revisão do texto; ao amigo Carlos Alexandre Campos pela oportunidade do diálogo e pelas sugestões extremamente pertinentes e valiosas; e ao Daniel Sarmento, orientador e mestre pelo qual tenho profunda gratidão e admiração. Por evidente, estão todos eximidos de qualquer responsabilidade por eventuais equívocos. 1 Utilizaremos o termo “Corte Constitucional” para fazer referência tanto às Supremas Cortes inspiradas no modelo norte-americano, quanto aos Tribunais Constitucionais característicos do sistema europeu. 2 BARROSO (2011, p. 267): “A participação e o engajamento popular influenciam e legitimam as decisões judiciais, e é bom que seja assim. Dentro de limites, naturalmente. O mérito de uma decisão judicial não deve ser aferido em pesquisa de opinião pública. Mas isso não diminui a importância de o Judiciário, no conjunto de sua atuação, ser compreendido, respeitado e acatado pela população. A opinião pública é um fator extrajurídico relevante no processo de tomada de decisões por juízes e tribunais. Mas não é o único e, mais que isso, nem sempre é singela a tarefa de captá-la com fidelidade.” 3 A expressão fatores extrajurídicos será utilizada para designar, por exclusão, tudo aquilo que interfere no comportamento judicial e que não decorre do material jurídico convencional, isto é, da lei em sentido amplo, da jurisprudência e da doutrina.
por meio de um punhado de variáveis, nenhuma das quais envolvendo a doutrina
jurídica, do que por uma equipe de especialistas em direito constitucional.”
No Brasil, as análises positivas mais robustas acerca do comportamento judicial
tiveram início apenas na década de 1990 e, até o momento, ainda não foram capazes de
gerar uma linha de pesquisa consistente (RIBEIRO, 2012, p. 88). Nos últimos anos,
contudo, a intensa exposição pública do Supremo Tribunal Federal (STF) e de seus
Ministros tem despertado a atenção não só de cientistas políticos, mas também de
estudiosos da área jurídica, interessados em compreender de que forma as pressões
externas podem interferir no comportamento judicial fornecendo incentivos ou
restrições a determinadas escolhas.
Um conjunto de fatores tem contribuído para a crescente visibilidade do STF,
dentre eles, a inédita sequência de casos com forte apelo social, político e/ou midiático4
que teve como ápice o denominado “julgamento do mensalão” (AP 470/DF). O caso
despertou grande interesse do público e foi objeto de uma cobertura jamais vista no
país, com matérias e reportagens veiculadas diariamente em jornais, revistas, rádios e
emissoras de televisão. Dois mil e doze ficou conhecido como o “ano pop” do STF. No
período do julgamento, o Supremo foi citado 91.839 vezes nos veículos de comunicação
impressa, um expressivo aumento de 170% em relação ao mesmo
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período de 2011.5 A exposição midiática foi de tal monta que alguns dos
Ministros se tornaram personagens conhecidos de grande parte dos cidadãos
brasileiros.6 Toda esta atenção da imprensa traduz o imenso interesse social despertado.
4 Dentre os diversos temas de grande relevância política e social decididos pelo STF na última década, podem ser destacados a fixação do “número de vereadores” (ADI 3345/DF, j. 25/08/2005; ADI 4307-REF-MC, j. 11/11/2009), a “verticalização” das coligações partidárias (ADI 3685/DF, j. 22/03/2006), o afastamento da “Cláusula de barreira” (ADI 1351/DF, j. 07/12/2006), a vedação de “nepotismo” (ADC 12/DF, j. 20/08/2008; Súmula Vinculante n. 13, de 21/08/2008), a “fidelidade partidária” (ADI 3.999/DF e ADI 4.086/DF; j. 12/11/2008), a “Lei de Biossegurança” (ADI 3.510/DF; j. 29/05/2008), a demarcação da reserva indígena “Raposa Serra do Sol” (PET 3.388/RR; j. 19/03/2009), a “Lei de imprensa” (ADPF 130/DF, j. 30/04/2009), a extradição de Cesare Battisti (Ext. 1.085; j. 16/12/2009), a “Lei da Anistia” (ADPF 153/DF; j. 29/04/2010), a “Lei da Ficha-Limpa” (RE 633.703/MG, j. 23/03/2011; ADC 29 e 30/DF e ADI 4578/DF, j. 09/11/2011), as “uniões homoafetivas” (ADI 4.277/DF, j. 05/05/2011), a “Marcha da Maconha” (ADI 4274/DF, j. 23/11/2011), a extensão da competência disciplinar do CNJ (ADI 4.638/DF, j. 09/02/2012), o “aborto de fetos anencéfalos” (ADPF 54/DF, j. 12/04/2012), o “sistema de cotas” em universidades públicas (ADPF 186/DF, j. 26/04/2012) além, é claro, do “julgamento do mensalão” (AP 470/DF). 5 FERREIRA (2013, p. A10): “Em 2012, ano do julgamento do mensalão e de outros casos de grande repercussão, a exposição do Supremo Tribunal Federal (STF) em 1.424 veículos de mídia escrita do país cresceu 116%, na comparação com 2011. O pico no número de citações ao tribunal em jornais, revistas, portais e blogs da internet verificados por empresas de mídia contratadas pelo STF ocorreu em agosto, primeiro mês do mensalão, quando as referências à corte mais que quadruplicaram. O ‘ano pop’ do STF também foi percebido nas redes sociais. Em janeiro de 2012 o tribunal tinha cerca de 180 mil seguidores no Twitter. Esse número subiu para 316 mil em dezembro.” 6 Em uma pesquisa de opinião pública realizada no final de 2012, o Ministro Joaquim Barbosa - Relator do processo e um de seus principais protagonistas - chegou a ter 10% das intenções de voto para a Presidência da República,
A intensa exposição midiática e a pressão exercida pela opinião pública a favor
da condenação dos réus7 parece ter influenciado, em maior ou menor medida, a atitude
de parte dos Ministros.8 Não faltaram críticas dirigidas à suposta mudança na
jurisprudência do Tribunal, no sentido de ter se distanciado de sua tradição garantista e
flexibilizado a interpretação e os critérios de admissibilidade de determinadas provas.
Alguns especialistas em Direito Penal chegaram a afirmar que a “teoria do domínio do
fato”, adotada como fundamento teórico para parte das condenações, teria sido aplicada
equivocadamente, com finalidade distinta daquela para a qual foi desenvolvida.9
Pareciam sugerir que a teoria fora utilizada, não para se
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chegar ao resultado (raciocínio decisório), mas sim como uma justificação para
legitimar uma escolha prévia (raciocínio justificativo) influenciada, em grande medida,
pela pressão da mídia e da opinião pública. No lado oposto, também não faltou quem
apontasse a influência de fatores ideológicos, e até não republicanos, sobre o
comportamento de Ministros favoráveis a certas absolvições e reduções de penas.
Um verdadeiro embate doutrinário e ideológico foi travado entre os Ministros.
Se de um lado, o Relator, Ministro Joaquim Barbosa, considerou que a imposição de
algumas penas teria sido demasiadamente baixa em decorrência de uma “leitura
errônea” do dispositivo do Código Penal,10 de outro, o Ministro Dias Toffoli criticou a
“dureza” das penas aplicadas aos réus e chegou a defender a imposição de penas
alternativas para este tipo de crime, alegando se tratar de “pessoas que não são
aparecendo em terceiro lugar entre os potenciais candidatos. A pesquisa apontou, ainda, que o Ministro ganha destaque entre os mais escolarizados (21%) e entre aqueles com renda mensal familiar de 5 a 10 mínimos (20%). DATAFOLHA, Opinião Pública, 14/12/2012, Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=1281. Acesso em: 19/12/2012. 7 Pouco antes do início do “julgamento do mensalão”, o jornal Folha de S. Paulo publicou, pesquisa de opinião pública na qual cerca de 70% dos brasileiros era favorável à condenação dos réus. 8 Nesse sentido, dentre outros, MENDONÇA; BARROSO (2013): “A verdade é que jamais houve um julgamento sob clamor público tão intenso, assim como sob mobilização tão implacável dos meios de comunicação. E é fora de dúvida que o STF aceitou e apreciou o papel de atender à demanda social pela condenação de certas práticas atávicas, que não devem ser aceitas como traço inerente ao sistema político brasileiro ou à identidade nacional.” 9 TÓRTIMA (2012): “Não se pode deixar de lamentar que aparentemente se tenha recorrido ao seu uso de forma equivocada em um julgamento de tamanha repercussão. [...] A adoção de teorias aparentemente herméticas, e, de toda sorte, conhecidas por uma parcela pequena da população e mesmo da comunidade jurídica, costuma servir de álibi para drásticas alterações de orientação de entendimento jurídico.” 10 O Ministro Joaquim Barbosa afirmou: “Eu chamei a atenção no Plenário para uma discrepância que ocorria durante o julgamento. Disse, naquela oportunidade, que o Plenário vinha fazendo uma leitura errônea do artigo do Código Penal relativo à corrupção passiva, que me parecia uma leitura errônea e, em consequência dessa leitura errônea, algumas penas, sobretudo as fixadas após a saída do ministro Carlos Britto, estavam muito baixas, muito discrepantes. Eu cumpri o meu dever, alertei para o fato. O Plenário, que é soberano, achou por bem não considerar as consequências daquele fenômeno que eu havia apontado. Não insisti mais no pleito.” (BALIARDO, 2012).
violentas, que não agridem o ser humano do ponto de vista real.”11 O julgamento foi
marcado, ainda, por contundentes discordâncias sobre a interpretação de textos
normativos e a valoração de fatos, principalmente, entre o Relator e o Revisor, Ministro
Ricardo Lewandowski. Segundo o levantamento feito pelo jornal O Globo, os dois
Ministros tiveram uma visão diferente em 46% das 71 decisões que trataram sobre a
prática ou não de um determinado crime (GÓES, 2012). Embora as divergências sejam
usuais no mundo jurídico, diante das ásperas discussões e das posições diametralmente
opostas não faltaram desconfianças e suposições de que a alta saliência do caso teria
criado um ambiente extremamente favorável à interferência de fatores extrajurídicos. Os
indícios de que o comportamento dos Ministros do STF não foi determinado
exclusivamente pelo Direito – ainda que tenha sido orien-
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tado e restringido por ele -, de fato, parecem bastante evidentes e difíceis de
serem negados.
A pressão externa exercida pela mídia e pela opinião pública causou reações e
manifestações em sentidos diversos. De um lado, houve Ministro que se sentiu
pressionado com as cobranças para finalizar o voto.12 De outro, alguns Ministros
deixaram transparecer a ideia de que uma pronta resposta para a sociedade, por meio de
julgamento célere, seria algo desejável.13 Esta preocupação com a influência exercida
pela opinião pública sobre julgamentos do STF poucas vezes é exteriorizada pelos
membros do Tribunal que, quando a admitem, em geral o fazem de maneira cautelosa
ou apenas de forma indireta,14 diversamente dos que a criticam de forma contundente.15
A parcimônia sobre o tema, no entanto, não é exclusividade
11 Durante o julgamento, o Ministro Dias Toffoli chegou a afirmar que “prisão combina com período medieval” e que “a filosofia daquele que comete um delito está em debate na sociedade contemporânea há muito tempo. Esse parâmetro do julgamento em 2012 não é o parâmetro da época de Torquemada, da época da condenação fácil à fogueira.” (AGÊNCIA BRASIL, 2012). 12 Ao ser criticado pela demora, o Ministro Ricardo Lewandowski afirmou que aquele era “o voto-revisor mais curto da história do Supremo Tribunal Federal.” Argumentou, ainda, que “a média para um réu é de seis meses” e que fez “das tripas coração para respeitar o que foi estabelecido pela Suprema Corte.” (SELIGMAN, 2012; p. A4). 13 O então Presidente do STF, Ministro Ayres Britto, chegou a enviar um ofício ao revisor alertando sobre os prazos regimentais, o que causou indignação nos advogados dos réus e em alguns membros do Partido dos Trabalhadores (PT) que consideraram a ação como “atípica”. Ao defenderem a atitude de Britto, alguns Ministros chegaram a afirmar que o revisor estaria agindo “contra o colegiado” ao protelar a liberação do voto. (MAGALHÃES, 2012, p. A4). Em outra oportunidade, o Ministro Joaquim Barbosa demonstrou irritação com a possibilidade de que o “julgamento do mensalão” se prolongasse até 2013. “A nação não aguenta mais este julgamento”; “está na hora de acabar”, afirmou o Relator no final de 2012. (SELIGMAN; COUTINHO; FALCÃO, 2012, p. A4). 14 O Ministro Luiz Fux, embora tenha afirmado que a opinião pública não pode interferir na “avaliação das provas” e na “aplicação do direito” em ações individuais, admitiu que “as vozes sociais têm que ser ouvidas” em determinadas questões e citou, como exemplo, os casos envolvendo a “união homoafetiva” e a “marcha da maconha”. (BASILE,
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do nosso Supremo. Mesmo nos EUA, onde o alinhamento da Suprema Corte
com a opinião pública é amplamente admitido, as referências feitas pelos justices não
são comuns. De acordo com o levantamento feito por Thomas Marshall (1989, p. 35-
39), a opinião pública é mencionada em menos de 2% dos votos majoritários da Corte,
sendo que somente em cerca de um quinto desses casos os juízes sugerem que o direito
deve refletir esta opinião. A inexistência de um “pronunciamento oficial”, no entanto,
não significa muito em termos descritivos. O fato de a opinião pública raramente ser
mencionada na fundamentação das decisões tem pouca relevância na aferição da real
influência por ela exercida, mesmo porque é bastante improvável que, ao decidir, um
juiz diga que está cedendo à pressão pública ou mesmo que tenha mudado de ideia em
resposta à evolução dos costumes sociais. Como bem observam Mishler e Sheehan
(1994, p. 717), as citações feitas a favor ou contra a influência da opinião pública, a
rigor, não passam de enunciados normativos no sentido de que a opinião pública deve
ou não deve influenciar as decisões judiciais. Uma hipótese provável, de acordo com
Norpoth e Segal (1994, p. 712), é a de que, apesar de reagirem de uma forma consciente
à opinião pública, por razões teóricas os juízes entendam que tal influência é algo
indevido e, por isso, não a manifestem em suas decisões. Em certos casos, também é
possível que a influência da opinião pública se manifeste de uma forma inconsciente no
processo de formação da convicção judicial. Em relação ao STF, a falta de referências à
opinião pública pode ser, ainda, resultante de uma postura estratégica adotada para
evitar que o Tribunal seja visto como uma instituição política semelhante às demais.16
2012). Em clara referência às críticas feitas, inclusive por Cezar Peluso, acerca da tendência do STF de julgar de acordo com a opinião pública, o Ministro Ayres Britto afirmou que “os julgamentos feitos pelo Poder Judiciário devem promover a abertura das janelas dos autos para o mundo circundante, a fim de conhecer a particularizada realidade dos seus jurisdicionados e as expectativas sociais sobre a decisão objetivamente justa para aquele tipo de demanda. Juiz não é traça de processo, não é ácaro de gabinete, e por isso, sem fugir das provas dos autos nem se tornar refém da opinião pública, tem que levar os pertinentes dispositivos jurídicos ao cumprimento de sua, pouco percebida, mediata ou macro-função de conciliar o Direito com a vida.” (Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/DiscursoAyresBritto.pdf. Acesso em: 11/01/2013.) 15 A preocupação com a possível influência da opinião pública no comportamento judicial foi manifestada mais de uma vez pelo Ministro Gilmar Mendes que chegou a qualificar como uma situação típica de “covardia institucional” os casos de recebimento de denúncias ineptas por juízes e tribunais supostamente norteados pelos anseios da opinião pública. Nas palavras do Ministro, “trata-se de situações marcadamente deturpadas nas quais o juízo de acolhimento de denúncias ineptas é norteado pela satisfação de um determinado anseio identificável na opinião pública. É evidente a erronia dessa orientação e a ameaça que a sua adoção pode trazer para a credibilidade do Judiciário e para o fortalecimento das instituições democráticas. Como se vê, a questão é extremamente séria e implica o uso indevido do processo criminal para finalidades outras, as quais não são compatíveis com os elementos basilares do Estado de Direito.” (STF - HC 86.395/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 12.9.2006). 16 Nesse sentido, Fabiana Oliveira (2012, p. 100) argumenta que “a baixa incidência da variável Politização da justiça no discurso [dos Ministros] se deve sobretudo à necessidade que os ministros têm de se diferenciarem das outras elites políticas. Isso porque eles são constantemente atacados por essas elites e pela mídia a partir do argumento da consequente politização de suas decisões, tendo em vista o fato de as nomeações seguirem o critério
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O contexto jurídico contemporâneo, no qual o papel político do STF se torna
cada vez mais notório, convida a uma ampla e profunda discussão sobre a
suscetibilidade deste Tribunal à influência de fatores extrajurídicos, dentre eles, os
advindos de pressões externas de atores como o Legislativo, o Executivo, a mídia e,
especialmente, o público em geral, que será o foco da presente abordagem. O principal
objetivo é formular hipóteses acerca de situações nas quais há maior ou menor
probabilidade de influência da opinião pública sobre o comportamento judicial,
trazendo elementos que, apesar de pouco conhecidos na doutrina brasileira, podem ser
de grande valia para os debates envolvendo esta questão de extrema relevância teórica e
prática.
A análise feita a seguir terá um caráter eminentemente descritivo e será dividida
em três partes. Inicialmente, será feita uma abordagem da questão envolvendo a
chamada “dificuldade contramajoritária” onde serão suscitadas algumas considerações
críticas sobre a visão tradicional de que, ao invalidar uma determinada lei, a Corte
Constitucional estaria atuando contra a vontade da maioria. No âmbito do controle de
constitucionalidade, decisões contramajoritárias são a regra ou apenas uma exceção?
Quem, de fato, é atingido pela declaração de inconstitucionalidade de uma lei? A
proteção de direitos das minorias pressupõe, necessariamente, uma atuação
contramajoritária?
Em seguida, serão analisadas as prováveis razões subjacentes à convergência
entre a opinião pública e o comportamento dos membros de uma Corte Constitucional.
O alinhamento de opiniões significa necessariamente uma influência? Quem influencia
quem? Por que razão juízes não submetidos à eleição popular e protegidos pela garantia
da vitaliciedade preocupar-se-iam com o público em geral?
Por fim, serão formuladas algumas hipóteses sobre a probabilidade de influência
da opinião pública nas decisões proferidas pelo Supremo. Diante da inexistência de
dados empíricos no Brasil que permitam uma análise direta, será feita uma abordagem
comparativa das principais semelhanças e diferenças existentes entre o STF e a Suprema
político. Esse argumento visava emplacar a necessidade do controle externo ao Poder Judiciário. E seria por esse mesmo motivo que o Supremo ‘lutou’ na constituinte para não se tornar totalmente uma corte constitucional, pois a partir do momento em que perdesse a posição de cúpula do Judiciário, perderia a distinção, transformando-se em elite política como as outras.”
Corte estadunidense. Esta escolha, para fins de comparação, é justificada basicamente
por duas razões. A primeira, pelo fato de o modelo norte-americano ter sido a principal
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fonte de inspiração para a criação do STF, para o modo de escolha de seus
membros e para a instituição das garantias funcionais que lhes foram asseguradas. A
segunda, pela vasta bibliografia, apoiada em investigações empíricas e dados
estatísticos, existente sobre o tema nos EUA. Por certo, em nenhum outro país a
influência da opinião pública sobre o comportamento judicial é estudada de forma tão
ampla e profunda. Em que medida as análises desenvolvidas por cientistas políticos
norte-americanos servem como um indicativo para o comportamento judicial dos
membros do STF? Até que ponto as razões apontadas para a convergência de opiniões
são pertinentes em relação ao Supremo? Em que situações a probabilidade de influência
da opinião pública é maior ou menor? Essas são as principais questões que o presente
trabalho pretende abordar.
1. A TENSÃO ENTRE O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E
O PRINCÍPIO MAJORITÁRIO: A “DIFICULDADE CONTRAMAJOR ITÁRIA”
Com a crescente visibilidade alcançada pelo STF é natural que os debates
envolvendo a legitimidade da jurisdição constitucional sejam intensificados e acabem
até mesmo ultrapassando os limites do âmbito acadêmico. Uma parte expressiva das
críticas feitas à influência da opinião pública tem como fundamento o papel
contramajoritário atribuído às Cortes Constitucionais na formulação de políticas. Este
papel, no entanto, é objeto de profundas divergências na teoria democrática. O aspecto
central da controvérsia é a aparente incongruência entre o princípio democrático e o
exercício de um poder político significativo por um órgão composto de membros que
não são eleitos pelo voto popular e, por isso, considerado por alguns como uma
instituição “não democrática”. Em The least dangerous branch, Alexander Bickel
argumenta que a declaração de inconstitucionalidade de leis elaboradas por
representantes democraticamente eleitos contraria a vontade popular e que, nesta
tendência contramajoritária, estaria a raiz da dificuldade de se justificar a judicial
review.17
A questão envolvendo aquilo que Bickel rotulou, na década de 1960, como uma
“dificuldade contramajoritária”, ainda hoje provoca intensos debates.
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Se nos EUA a ausência de expressa previsão constitucional suscita discussões
sobre a própria legitimidade do controle de constitucionalidade das leis, em países nos
quais a Constituição o consagra de forma expressa, a divergência costuma ficar restrita
aos limites dentro dos quais tal controle pode ser legitimamente exercido. Neste caso,
como observa Daniel Sarmento, o cerne do debate não está “no fato de as constituições
subtraírem do legislador futuro a possibilidade de tomar algumas decisões”, mas sim
“no reconhecimento de que, diante da vagueza e abertura de boa parte das normas
constitucionais mais importantes, quem as interpreta também participa do seu processo
de criação.” Na opinião de alguns teóricos, o viés judicialista subjacente a algumas
teorias “acaba por conferir aos juízes uma espécie de poder constituinte permanente,
pois lhes permite moldar a Constituição de acordo com as suas preferências políticas e
valorativas, em detrimento daquelas do legislador eleito.” (SARMENTO, 2009, p. 54-
55).
Como se pode notar, ainda que o controle de constitucionalidade esteja
expressamente contemplado no texto constitucional, a questão de fundo permanece em
aberto: o que leva uma sociedade democrática a permitir que um pequeno grupo de
pessoas não eleitas substitua as escolhas feitas por seus representantes
democraticamente eleitos através do controle de constitucionalidade das leis? Na
tentativa de resolver a tensão entre o controle de constitucionalidade e o princípio
majoritário, geralmente são dadas duas respostas a esta intrigante questão. Há, no
entanto, alguns aspectos envolvendo a relação entre maiorias e minorias que, quando
considerados, sugerem a existência de uma via intermediária situada entre a proteção de
direitos das minorias e a legitimação da aliança dominante. Passemos, então, à análise
dessas três respostas.
17 BICKEL (1986, p. 16-17): “Quando a Suprema Corte declara inconstitucional um ato legislativo ou a ação de um executivo eleito, contraria a vontade de representantes das pessoas reais do aqui e agora; exerce um controle, não em nome da maioria dominante, mas contra ela.”
1.1 O papel contramajoritário
A base lógica tradicional para se conferir um poder político a um órgão
composto de membros não-eleitos, segundo as teorias normativas, consiste na proteção
das minorias contra o excesso democrático, o que pressupõe, ao menos até certo ponto,
uma atuação independente da influência da opinião pública. Os defensores da chamada
resposta madisoniana18 consideram como principal razão para a existência da jurisdição
constitucional o controle dos excessos de maiorias legislativas. (NORPOTH; SEGAL,
1994, p. 711).
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O papel contramajoritário revelar-se-ia especialmente relevante naqueles casos
em que direitos básicos não são respeitados pela maioria legislativa e teria por
finalidade evitar que esta se transforme em uma maioria “tirânica”. O princípio
democrático, segundo esta concepção, não se esgotaria no princípio majoritário, sendo
desejável que algumas decisões políticas sejam tomadas por uma instituição
relativamente isolada de pressões políticas. (BARNUM, 1985, p. 652-653).
O estado de tensão entre o papel da jurisdição constitucional e a democracia foi
destacado pelo Ministro Gilmar Mendes quando do julgamento da “Lei da Ficha
Limpa”. Diante da expectativa de grande parte do público em relação à incidência
imediata das novas regras, Mendes argumentou que a missão da Corte seria aplicar a
Constituição, independentemente da opinião pública, sendo que o princípio da
anterioridade eleitoral (CRFB/88, art. 16), enquanto garantia da minoria, deveria atuar
como “uma barreira contra a atuação sempre ameaçadora da maioria.”19
18 James Madison, que era advogado e político, foi o quarto Presidente dos EUA e um dos co-autores da famosa obra “Os Federalistas”. 19 STF - RE 633.703/MG, Relator: Min. Gilmar Mendes, j. 23.3.2011: “O argumento de que a lei é de iniciativa popular não tem aqui peso suficiente para minimizar ou restringir o papel contramajoritário da Jurisdição Constitucional. É compreensível a ação das várias associações e das várias organizações sociais tendo em vista a repercussão que esse tema tem na opinião pública. Sabemos que, para temas complexos em geral, há sempre uma solução simples e em geral errada. E para esse caso a população passa a acreditar que a solução para a improbidade administrativa, para as mazelas da vida política, é a Lei do Ficha Limpa. A partir daí há, na verdade, a tentativa de aprisionar, o que nos dificulta enormemente a missão nesta Corte, como em outros casos, porque acabamos tendo de nos pronunciar de forma contramajoritária, claro, tendo em vista a opinião pública, segundo as pesquisas manifestadas de opinião. Mas esta é a missão desta Corte: aplicar a Constituição, ainda que contra a opinião majoritária. Esse é o ethos de uma Corte Constitucional. É fundamental que tenhamos essa visão. Isso está, na verdade, já nas lições dos clássicos americanos desde Hamilton; isso está em Alexander Bickel e seu famoso The least dangerous branch; [...]Tenho a impressão de que este é um caso exemplar que nós temos de tensão entre jurisdição constitucional e democracia. Evidente que a expectativa dessa chamada opinião pública era no sentido de que nós nos pronunciássemos pela aplicação imediata da Lei do Ficha Limpa, até que descobrissem que essa solução seria um atentado contra a própria democracia. A Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) resultou de projeto de iniciativa popular, subscrito por mais de um milhão e seiscentos mil cidadãos brasileiros. O fato é apresentado pelos diversos meios de comunicação como representativo de uma pujante vontade popular de retirar do processo eleitoral cidadãos
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A resposta contramajoritária possui uma larga abrangência e comporta teorias
bastante diversificadas, por vezes pautadas em distintas concepções de democracia.
Duas visões diametralmente opostas sobre o papel da jurisdição constitucional ajudam a
ilustrar esta diversidade.
Com base em uma concepção procedimental de democracia, John Hart Ely
(1980, p. 103) defende um papel limitado para a Suprema Corte, restrito basicamente à
proteção dos direitos considerados como pré-condições para o bom funcionamento do
processo democrático e aqueles de grupos especialmente ameaçados pelas insuficiências
da democracia. A adjudicação constitucional sugerida por Ely é análoga à interferência
de um árbitro de futebol que deve intervir apenas quando um time obtém uma vantagem
desleal, e não porque a equipe “errada” marcou um gol. A jurisdição constitucional
deve, assim, deixar a democracia seguir o seu curso, atuando apenas para desobstruir os
bloqueios aos canais do processo democrático.20
No polo oposto, Ronald Dworkin (2006, p. 26) adota uma concepção
substancial de democracia (ou “concepção constitucional de democracia”) que rejeita a
premissa majoritária. Na concepção dworkiana, a principal preocupação democrática
deve ser com a igualdade dos cidadãos, considerada a própria essência da democracia, e
não com as metas da soberania da maioria. Nesse sentido, a democracia deve ter como
objetivo fazer com que as decisões coletivas sejam tomadas por instituições políticas
que dediquem a todos os membros da comunidade o mesmo respeito e
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que tenham vida pregressa não condizente com a probidade e a moralidade necessárias para o exercício dos cargos políticos. Dessa forma, acabou-se construindo e estimulando um sentimento popular extremamente negativo em torno do julgamento da constitucionalidade dessa lei no Supremo Tribunal Federal. Toda a população passa a acreditar que se esta Corte, ao se aprofundar no exame da Lei da Ficha Limpa, decide pela não aplicação dessa lei às eleições de 2010 ou encontra em um ou outro dispositivo específico da lei problemas de constitucionalidade, é porque ela é a favor ou pelo menos compactua com a corrupção na política. O fato de a lei estar sob o crivo da Suprema Corte do Brasil é levado ao público em geral como uma ameaça à Lei da Ficha Limpa e à moralidade nas eleições. É dever desta Corte esclarecer, por meio deste julgamento, o papel que cumpre na defesa da Constituição. Por isso, acredito que nós estamos, hoje, cumprindo bem a missão, o ethos para o qual esta Corte se destina.” 20 ELY (1980, p. 103): “O mal funcionamento [do processo democrático] ocorre quando o processo é indigno de confiança, quando (1) os partidos dominantes estão sufocando os canais de mudança política para garantir que eles irão continuar dentro e os de fora irão permanecer fora, ou (2) embora a ninguém seja realmente negada a voz ou o voto, as visões representativas de uma maioria efetiva sistematicamente colocam em desvantagem alguma minoria por alguma hostilidade ou por uma simples recusa preconceituosa em reconhecer interesses em comum e, portanto, nega às minorias a proteção oferecida a outros grupos pelo sistema representativo. Obviamente, nossos representantes eleitos são as últimas pessoas a quem devemos confiar a identificação dessas duas situações.”
consideração.21 Para Dworkin, a jurisdição se distingue da atividade legislativa
essencialmente por sua atuação como um fórum de princípio, ou seja, como um lócus
em que as decisões devem se basear em argumentos de princípio. Diversamente dos
argumentos de política, que se referem à persecução de objetivos coletivos considerados
relevantes para o bem‐estar da comunidade como um todo, argumentos de princípio
justificam determinadas decisões ao demonstrar que estas respeitam ou asseguram
direitos de indivíduos ou de determinados grupos. (DWORKIN, 1977, p. 82). Os
argumentos de princípio, nesta concepção, atuam como uma espécie de garantia
contramajoritária.22
Como se pode observar, enquanto a concepção defendida por John Hart Ely
atribui à Suprema Corte um papel de grande deferência em relação às escolhas feitas no
âmbito legislativo, a proposta formulada por Ronald Dworkin abre espaço para uma
atuação mais ativista na defesa dos direitos dos indivíduos e de grupos minoritários.
1.2 O papel de legitimação das políticas do “regime dominante”
A tradicional resposta madisoniana vem sendo contestada por teóricos
positivos23 desde meados do século passado quando Robert Dahl (1957) formulou a
chamada tese do “regime dominante” (ruling regime) em um artigo de grande influência
na ciência política.24 Segundo o Professor Dahl, a preo-
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21 DWORKIN (2006, p. 26-27): “A democracia é um governo sujeito às condições - podemos chamá-las de condições ‘democráticas’ - de igualdade de status para todos os cidadãos. Quando as instituições majoritárias garantem e respeitam as condições democráticas, os veredictos dessas instituições, por esse motivo mesmo, devem ser aceitos por todos. Mas quando não o fazem, ou quando essa garantia e esse respeito mostram-se deficientes, não se pode fazer objeção alguma, em nome da democracia, a outros procedimentos que garantam e respeitem as condições democráticas”. 22 DWORKIN (2005, p. 101): “Minha visão é que o Tribunal deve tomar decisões de princípio, não de política - decisões sobre que direitos as pessoas têm sob o nosso sistema constitucional, não decisões sobre como se promove melhor o bem-estar geral -, e que deve tomar essas decisões elaborando e aplicando a teoria substantiva da representação, extraída do princípio básico de que o governo deve tratar as pessoas como iguais.” 23 O termo “téoricos positivos” é utilizado, sobretudo na ciência política, para designar os estudiosos que têm como foco central de suas preocupações teóricas a descrição da realidade existente. Distinguem-se, portanto, dos “teóricos normativos”, cuja preocupação principal está relacionada à modificação da realidade existente, a como esta realidade deveria ser e não como ela efetivamente é. 24 A importância do artigo elaborado por Dahl é destacada por Epstein, Knight e Martin (2001, p. 583) ao observarem que “não decorreu um único ano ao longo das duas últimas décadas sem que um artigo publicado em uma revista de ciências sociais ou em uma revista de direito tenha citado a peça. Ainda mais importante é a diversidade de trabalhos – e trabalhos de alta qualidade – baseados no estudo do professor Dahl, da investigação sobre a relação entre a opinião pública e a Suprema Corte dos EUA até o papel que os justices desempenham para facilitar os realinhamentos partidários à capacidade do Tribunal de gerar mudanças sociais.”
cupação com a “dificuldade contramajoritária” é algo sem fundamento, por
terem sido raríssimos os casos nos quais a Suprema Corte foi bem sucedida na tentativa
de bloquear a vontade da maioria em questões políticas importantes (DAHL, 1957).25
Dahl argumenta que, embora tenha competência para tomar decisões políticas
contramajoritárias, a Suprema Corte geralmente não o faz por estar alinhada ao “regime
dominante”, isto é, com o Presidente da República e com o Congresso. Somente durante
curtos períodos de transição, quando a antiga aliança está se desintegrando e a nova está
lutando para assumir o controle das instituições políticas, o papel contramajoritário teria
maior probabilidade de ser desempenhado, haja vista que nesses períodos o Tribunal
ainda é um resquício da antiga coalizão.
De acordo com esta concepção, o Tribunal funciona como uma espécie de órgão
de legitimação26 das políticas da aliança dominante e dos padrões básicos de
comportamento necessários para o funcionamento de uma democracia, os quais
pressupõem a existência de um amplo consenso acerca de sua validade e adequação. Por
essas razões, apesar de não ser uma instituição formalmente democrática, por ser
sensível à vontade da maioria popular, a Suprema Corte possui um caráter
substancialmente democrático.
Alguns adeptos do modelo estratégico,27 apesar de concordarem que a gravidade
da “dificuldade contramajoritária” é bastante amenizada pela
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constatação empírica de que a Corte quase nunca assume um papel
contramajoritário, discordam do fundamento para a convergência de preferências
políticas entre os diferentes poderes. Ao contrário da tese de que os justices votam suas
sinceras preferências e que estas coincidem com as do regime dominante, Epstein et al.
(2004, p. 186) sustentam que a atuação da Corte tem um caráter estratégico resultante de
25 EPSTEIN; KNIGHT e MARTIN (2004, p. 186): “Na medida em que essa lógica ameniza a gravidade da ‘dificuldade contramajoritária’ acreditamos que Dahl está correto ...”. 26 FUNSTON (1975, p. 808-809): “... os professores Dahl e Charles Black estavam corretos ao enfatizar a função da Corte como um órgão de legitimação. O conceito tradicional da Corte como o paladino dos direitos das minorias contra as exigências da maioria é, em grande medida, incorreta.” 27 O modelo estratégico parte de uma premissa simples, mas bastante persuasiva: se os juízes, de fato, se preocupam em avançar objetivos pessoais, seria ingênuo supor que atuam pensando somente no seu resultado preferido, sem considerar as possíveis consequências de suas escolhas e sem agir para torná-las compatíveis, tanto quanto possível, com suas preferências. (BAUM, 2008, p. 14). Apesar de compatível com qualquer outro modelo de comportamento judicial orientado pelo objetivo, a maior parte dos adeptos do modelo estratégico adota a mesma premissa do modelo atitudinal, no sentido de que os membros da Corte Constitucional têm como principal objetivo aproximar o direito de suas preferências ideológicas. A principal diferença entre os dois modelos é a forma de atuação (sincera ou estratégica) adotada para alcançar este objetivo.
suas limitações institucionais. Nesta perspectiva, os justices não conseguiriam
implementar seus próprios objetivos políticos sem levar em conta os objetivos e as
prováveis reações do Legislativo e do Executivo. A “dificuldade contramajoritária”
seria resolvida, assim, com fundamento em um “importante efeito do sistema da
separação de poderes: um incentivo estratégico para antecipar e reagir às preferências
dos agentes eleitos.” Os membros da Corte interessados em influenciar o conteúdo final
do direito devem ter em conta as preferências do “regime dominante”, o que faz com
que as decisões geralmente se mantenham próximas das preferências dos demais atores
políticos.
1.3 O papel protetivo e conformador
As duas respostas analisadas se apoiam sobre alicerces relativamente frágeis e
que podem ser questionados juntamente com as premissas da própria “dificuldade
contramajoritária”.28 A suposta identidade entre as leis elaboradas por representantes
democraticamente eleitos e a vontade popular, assim como a noção de que a proteção de
direitos das minorias implica uma atuação contramajoritária são hipóteses que, muitas
das vezes, não se verificam na realidade. Os motivos são variados.
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Em primeiro lugar, a maioria legislativa29 não corresponde necessariamente à
maioria popular. Sob o aspecto formal, além de uma parte significativa da população
não participar ativamente do processo político-eleitoral,30 nos casos em que há mais de
28 MENDONÇA (2009, p. 236): “A chamada dificuldade contramajoritária, apontada como característica da jurisdição constitucional, assume como premissa a suposta identidade real entre a vontade popular e as manifestações dos agentes eleitos. Entretanto, nada garante que tal identidade exista de fato. Pelo contrário, é bastante razoável supor que muitas das decisões provenientes das instâncias majoritárias seriam rechaçadas pela maioria do eleitorado caso fosse possível submetê-las à ratificação. Sem dúvida, tal circunstância é potencializada pela atual crise de representatividade dos parlamentos, agravada no Brasil pela virtual inexistência de mecanismos de acompanhamento democrático do exercício dos mandatos legislativos. Apesar disso, a constatação seria pertinente mesmo em um sistema de representação em adequado funcionamento. A possibilidade de desencontro entre a manifestação de vontade do corpo de representantes e dos representados é uma característica inerente à representatividade, nem sempre percebida com clareza em razão do alheamento político e da dispersão da opinião pública, sobretudo em relação aos temas menos glamourosos.” 29 A maioria legislativa (lawmaking majority) é definida por Dahl (1957, p. 284) como a maioria dos membros do Parlamento que, juntamente com o Presidente da República, faz-se necessária para a aprovação de uma lei. 30 No Brasil, não podem votar os menores de 16 anos, os estrangeiros, os conscritos durante o serviço militar obrigatório (CRFB/88, Art. 14, § 2º) e os que estiverem com os direitos políticos suspensos (CRFB/88, Art. 15). Ademais, o voto é facultativo para os analfabetos, os maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos (CRFB/88, Art. 14, § 1º, II). Por fim, há ainda os que, apesar de terem capacidade eleitoral ativa, abstêm-se de votar. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os índices de abstenção no 1º turno das eleições federais e estaduais foram de: 11,9% em 1989; 17,8% em 1994; 21,49% em 1998; 17,7% em 2002; 16,76% em 2006; 18,12% em 2010. No segundo turno das eleições municipais de 2012, o índice chegou a 19, 11%.
dois candidatos, existe a possibilidade de um deles ser eleito com menos da metade do
total de votos.31 Ademais, os interesses de caráter pessoal, as distorções existentes no
processo eleitoral, assim como o conjunto de forças socioeconômicas atuantes nas
eleições e durante os mandatos, com frequência, impedem que a elite política escolhida
pelo voto popular represente os reais interesses daqueles que os elegeram ou que vote de
acordo com as preferências e desejos da maioria da população. Não são incomuns os
casos de grupos de interesse que, apesar de numericamente minoritários, conseguem se
fazer representar de um modo desproporcionalmente forte.32 No sentido inverso, há
vários segmentos sociais sub-representados, seja em decorrência de algum tipo de
hipossuficiência, preconceito ou discriminação, seja simplesmente por não conseguirem
se mobilizar politicamente de uma forma articulada. Mesmo no caso das democracias
mais avançadas, onde as distorções decorrentes de ingerências indevidas conseguem ser
atenuadas, a associação entre as decisões políticas e a vontade majoritária é passível de
questionamento. Em geral, mais do que a expressão da vontade de uma maioria, a
política
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é “o resultado do conflito, da negociação e do acordo entre as minorias”.33 Ainda
dentro desta linha de pensamento, outro aspecto a ser considerado é a consagração de
um processo legislativo indireto pela Constituição brasileira de 1988, modelo no qual os
parlamentares recebem poderes para decidir os assuntos de sua competência legiferante
com total autonomia em relação à vontade daqueles que os elegeram. Não são
necessárias investigações empíricas para constatar a existência de inúmeros atos
normativos cujo conteúdo não reflete a vontade majoritária e que, se submetidos a uma
consulta popular, seriam rechaçados pela grande maioria da população.
31 É o que ocorre nas eleições majoritárias para o Senado (CRFB/88, art. 46), nas quais se exige a maioria relativa dos votos, e nas eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados (CRFB/88, Art. 45), para as Assembleias Legislativas (CRFB/88, Art. 27, § 1º) e Câmara de Vereadores (CRFB/88, Art. 29, IV). Nas eleições para o Executivo federal, estadual e municipal, a Constituição de 1988 exige a maioria absoluta dos votos, exceto para os Municípios com até duzentos mil eleitores (CRFB/88, Art. 29, II). 32 SEGAL; SPAETH (1993, p. 240): “Os grupos de interesse estão entre os principais definidores de políticas públicas nos Estados Unidos. Eles contribuem com grandes quantidades de dinheiro e pessoal para campanhas políticas.” 33 DAHL (1957, p. 294): “Poucas decisões políticas do Tribunal podem ser interpretadas de forma sensata em termos de uma ‘maioria’ contra uma ‘minoria’. Neste contexto, o Tribunal não é diferente das demais lideranças políticas. De um modo geral, a política em nível nacional é o resultado do conflito, da negociação e do acordo entre as minorias; o processo não é nem o governo da minoria, nem o governo da maioria, mas o que poderia ser melhor denominado de governo das minorias, onde uma agregação de minorias alcança políticas em oposição a outra agregação.”
Em segundo lugar, é preciso distinguir a legislatura da época em que um
determinado projeto de lei é aprovado (“legislatura de aprovação”) da legislatura
contemporânea à decisão que declarou a lei inconstitucional (“legislatura atual”). Em
muitos casos, a vontade manifestada pela legislatura de aprovação não corresponde
mais às preferências políticas dos integrantes da legislatura atual. A intercedência de
eleições pode implicar um “conflito intertemporal de interesses”, devido a mudanças
nas preferências políticas dos parlamentares eleitos para as diferentes legislaturas
(FEREJOHN; WEINGAST, 1991, p. 1). Quanto maior o lapso temporal entre a
promulgação de uma lei e a decisão que a invalidou, maior a possibilidade de que
mudanças fáticas e sociais reduzam o grau de correspondência entre o conteúdo
normativo e a vontade da maioria legislativa atual. Nos casos em que ocorrem
mudanças nas preferências políticas da própria legislatura, a rigor, a invalidação de uma
lei pela Corte Constitucional não pode ser considerada uma decisão efetivamente
“contramajoritária”. Um julgado ilustrativo desta situação é o caso no qual a Suprema
Corte invalidou uma lei de 1879 do Estado de Connecticut que proibia o uso de
contraceptivos (Griswold v. Connecticut, 1965). No momento em que a decisão foi
proferida, pesquisas de opinião pública indicavam que mais de 80% dos norte-
americanos eram favoráveis à disponibilização de informações relativas ao controle de
natalidade. Neste caso, a intervenção judicial no processo de formulação de políticas
serviu para colocar a legislação em conformidade com as preferências
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de uma maioria nacional, configurando-se em um exemplo flagrante de decisão
“majoritária” (BARNUM, 1985, p. 655).
Um terceiro aspecto relevante se refere às possíveis divergências entre a maioria
nacional e as maiorias regionais ou locais. Em inúmeras questões federais, a proteção
de direitos da maioria da população nacional pode exigir decisões contrárias a interesses
locais. Isso significa que uma determinada decisão pode ser contramajoritária em termos
regionais ou locais, mas majoritária no âmbito nacional, como ocorreu, por exemplo, na
decisão da Suprema Corte dos EUA que anulou as leis que exigiam a segregação racial
nas escolas (Brown v. Board of Education, 1954) e na que invalidou as leis que
proibiam o casamento interracial (Loving v. Virginia, 1967).34
Por fim, outro ponto que também deve ser levado em conta é o de que nem toda
decisão favorável à proteção de minorias é necessariamente uma decisão
contramajoritária. Em muitas questões, pode haver uma tendência de apoio, ou até
mesmo um apoio efetivo, dos direitos de minorias pela maioria da população. Vale
dizer: o Tribunal pode decidir em favor dos direitos de minorias e, ainda sim, contar
com o apoio majoritário. Atento a esta questão, Barnum (1985, p. 662) considera que a
reputação contramajoritária da Suprema Corte no período posterior ao New Deal pode
ter sido exagerada. Segundo ele, em muitas das decisões nas quais protegeu direitos das
minorias, a Corte foi apoiada pela maioria popular ou, ao menos, havia uma tendência
crescente de apoio no sentido da decisão. Nas questões em que não gozava do apoio da
opinião da maioria em favor dos direitos das minorias, o Tribunal se mostrou relutante
para decidir. Diante dos dados pesquisados, Barnum concluiu que o ativismo judicial da
Suprema Corte pós-New Deal, se analisado no contexto das tendências da opinião
pública, mostra-se surpreendentemente coerente com os princípios majoritários.
Todas essas distinções, nas quais fica demonstrada a não-correspondência
necessária entre as escolhas formalizadas pelos representantes democraticamente eleitos
e a vontade real da maioria popular, revelam a fragilidade da premissa na qual se apoia
a chamada “dificuldade contramajoritária”. A legitimidade democrática formal não
representa qualquer
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garantia de legitimidade democrática substancial, considerada como a efetiva
correspondência entre as escolhas legislativas e as preferências da parcela majoritária da
população. Em um expressivo número de casos, a anulação pela jurisdição
constitucional de atos dos outros ramos do governo não representa uma decisão
contrária à vontade da maioria popular. Em muitos outros, a declaração de
inconstitucionalidade de uma lei e/ou a proteção de direitos de minorias pode significar
34 BARNUM (1985, p. 657): “Assim, embora haja alguma evidência de que a Corte estava em sintonia com as tendências pré-existentes em nível nacional da opinião pública sobre as questões de dessegregação na escola e de casamento interracial, a intervenção da Corte no processo de formulação de políticas em cada uma dessas questões foi aparentemente um genuíno ato de tomada de decisão contramajoritária.”
um reforço da vontade majoritária e não o seu enfraquecimento.35 Isso leva à conclusão
de que a mera análise estatística da quantidade de leis declaradas inconstitucionais diz
muito pouco sobre uma possível atuação “contramajoritária”.
Essas constatações sugerem que uma Corte Constitucional pode desempenhar
um importante papel não apenas na proteção de direitos das minorias contra eventuais
excessos da maioria, mas também no sentido de detectar eventuais conflitos entre a
legislação e a vontade da maioria popular a fim de estimular o processo de conformação
da política estatal às efetivas preferências nacionais existentes e/ou emergentes.
(BARNUM, 1985, p. 664). Ou, ainda, como referido por Eduardo Mendonça e Luís
Roberto Barroso, um papel representativo no sentido “de atendimento, pelo Tribunal,
de demandas sociais e de anseios políticos que não foram satisfeitos a tempo e a hora
pelo Congresso Nacional.”36 Isso não significa afirmar
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que a Corte tenha maior expertise ou que seja a instituição mais adequada para
representar a vontade majoritária, mas apenas que uma dicotomia irrefletida entre
maioria e minoria pode ofuscar uma visão mais realista e conduzir a respostas
desnecessariamente antagônicas. Talvez uma terceira resposta, situada entre os dois
extremos, descreva com maior fidelidade o papel efetivamente exercido pelas Cortes
Constitucionais no sentido de proteger os direitos das minorias e, ao mesmo tempo,
estimular a conformação da política à vontade da maioria popular.
A verificação da existência de uma sintonia real entre a opinião pública e as
decisões de um Tribunal não pode passar ao largo de todas essas considerações que,
apesar de intuitivas, por vezes acabam sendo ignoradas.
35 BARNUM (1985, p. 652): “O ativismo contramajoritário da Suprema Corte é geralmente avaliado em termos da disposição do Tribunal para derrubar a legislação e/ou para proteger as minorias. Usando esses critérios, a Suprema Corte pós-New Deal surge como uma excepcionalmente ativa instituição decisória contramajoritária. Também é importante, no entanto, examinar a relação entre as decisões do Tribunal e a opinião pública. Este exame revela que as decisões do Tribunal de invalidação da legislação e/ou proteção dos direitos das minorias foram muitas vezes apoiadas pela distribuição ou pelo menos pela tendência da opinião pública nacional e que, quando esse apoio estava ausente, o Tribunal parecia relutante em agir. Assim, o ativismo político da Suprema Corte pós-New Deal talvez tenha sido mais coerente com os princípios majoritários do que às vezes se supõe.” 36 MENDONÇA; BARROSO (2013): “Pois bem: circunstâncias diversas têm colocado ênfase no papel representativo do Supremo Tribunal Federal. Apesar de se tratar de uma questão pouco teorizada, o fato é que um olhar reconstrutivo sobre a jurisprudência e a própria postura da Corte permite concluir que ela tem desenvolvido, de forma crescente, uma nítida percepção de si mesma como representante da soberania popular. Mais precisamente, como representante de decisões soberanas materializadas na Constituição Federal e difundidas por meio de um sentimento constitucional que, venturosamente, se irradiou pela sociedade como um todo. Tal realidade é perceptível na frequência com que as normas da Constituição são invocadas nos mais diversos ambientes.”
2. A INFLUÊNCIA DA OPINIÃO PÚBLICA NAS DECISÕES DAS
CORTES CONSTITUCIONAIS
O termo “opinião pública” costuma ser muito citado, mas poucas vezes é
definido ou utilizado de um modo preciso. Na sintética definição de Jellinek, a opinião
pública, pode ser compreendida como o “ponto de vista da sociedade sobre assuntos de
natureza política e social” (BONAVIDES, 1988, p. 564).37 Embora extremamente
simples, este conceito reflete com precisão a noção que se pretende expressar. Há uma
série de dificuldades que envolvem a aferição de tais pontos de vista, mesmo quando
apurados por pesquisas de opinião pública.38 Nem sempre é possível identificar de
forma precisa a origem e extensão dessas convicções: se são valores acolhidos com
certo grau de permanência ou apenas valores transitórios decorrentes de algum
acontecimento de grande repercussão social;39 ou, ainda, se são pontos
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de vista induzidos por determinados grupos de pressão.40 Os membros da Corte
Constitucional se mantêm cientes dos anseios populares, não apenas pelo contato direto,
mas principalmente através da mídia (televisão, jornais, rádios) o que, de certo modo,
possibilita uma interferência (deliberada ou não) dos meios de comunicação na
percepção acerca da vontade popular. Distorções, omissões ou superexposições com o
intuito de favorecer ou prejudicar os interesses de determinados grupos não são
incomuns.
37 Na Ciência política, a “opinião pública” é apresentada com sentidos diversos. Como observa Paulo Bonavides (1988, p. 562), o termo é utilizado ora como a opinião de uma classe, ora de toda a nação (opinião de todos), ora simplesmente da maioria dominante ou ainda das classes instruídas, em contraste com as massas analfabetas.” 38 PEREIRA (2012): “[...] quando a posição popular é apurada por pesquisas – as quais, em tese, teriam o selo da imparcialidade e da objetividade – há o risco de serem produzidos resultados artificiais, seja porque quando indagadas sobre temas polêmicos as pessoas tendem a emitir julgamentos sobre assuntos sobre os quais não refletiram ou que desconhecem, seja porque o próprio processo de inquirição eventualmente sugestiona as respostas.” 39 Zygmunt Bauman (2000, p. 11) sustenta que a comunicação eventual entre as esferas da vida pública e da vida privada, por meio da qual se manifesta nossa sociabilidade, se dá através de “explosões espetaculares”, nas quais “oportunidades de extravasão surgem por vezes em festivais de compaixão e caridade, às vezes em eclosões de agressão acumulada contra um inimigo público recém-descoberto (...), outras em um acontecimento no qual a maioria das pessoas se sente fortemente envolvida ao mesmo tempo.” O sociólogo polonês argumenta que essas “explosões” são marcadas por sua efemeridade, já que “perdem força rapidamente”, pois “assim que voltamos às questões rotineiras do nosso dia-a-dia, as coisas também retornam, inalteradas, ao ponto inicial.” 40 BARROSO (2011, p. 267): “A sintonia com a opinião pública envolve diversas nuances. Por vezes, grupos de pressão bem situados são capazes de induzir ou falsear a real vontade popular”; PEREIRA (2012): “Em certas situações, a opinião hegemônica dos cidadãos surge espontaneamente e, em sequência, é captada e vocalizada na mídia tradicional. Noutras ocasiões, diversamente, é a visão dos agentes controladores da mídia que influencia e determina a opinião da audiência. Nessa dinâmica, não raro se torna impossível apontar a origem da ideia tida por hegemônica e divisar a sempre lembrada diferença entre a opinião pública e a ‘opinião publicada’.”
A influência exercida pela opinião pública sobre as decisões judiciais pode ser
abordada sob duas perspectivas distintas. Em termos normativos, a discussão tem como
foco central a legitimidade da influência popular sobre as decisões, especialmente em
face da independência judicial41 e do papel contramajoritário atribuído à Corte. Em que
medida o Tribunal deve estar atento à opinião e se deixar influenciar por ela? Em que
tipo de situação a influência deve ou não ser admitida? Tal influência deve ser vista
como algo que fortalece o regime democrático ou deve ser considerada inconcebível em
face dos princípios decorrentes do Estado de Direito?
Por um lado, há quem considere que a opinião pública não deve ser um fator
relevante no processo decisório, por sua incompatibilidade com o papel
contramajoritário da Corte e com as exigências de neutralidade, independência e
imparcialidade do juiz, constitucionalmente protegidas contra pressões externas através
das garantias institucionais (autonomia administrativa e financeira) e funcionais
(vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade da remuneração).
↑284│285↓
Por outro lado, há quem defenda que os juízes não devem se manter totalmente
indiferentes ao clamor popular, sobretudo porque o apoio da sociedade é considerado
um importante fator para a legitimidade do tribunal e para o seu fortalecimento como
instituição. Assim, ainda que o juiz não possa ser escravizado pela opinião pública, em
determinados contextos e dentro de certos limites, a vontade popular pode e deve ser
levada em consideração, em maior ou menor medida, como uma das razões
contributivas para a decisão judicial.42 Nesse sentido, o ex-Ministro Carlos Ayres
Britto,43 ao ser questionado sobre “até que ponto a Justiça pode ser suscetível às
questões sociais”, afirmou que o juiz não deve “ser refém da sociedade, vassalo da
opinião pública”, mas “deve, sim, auscultar os anseios populares, coletivos, para ver se
41 Quando do julgamento do habeas corpus impetrado a favor do banqueiro Daniel Dantas (STF - HC 95.009/SP), o relator, Ministro Eros Grau, asseverou que a independência do juiz “permite-lhe tomar não apenas decisões contrárias a interesses do governo - quando o exijam a Constituição e a lei - mas também impopulares, que a imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas.” 42 BARROSO; MENDONÇA (2012): “O Judiciário deve ser permeável à opinião pública, o que não significa que deva ser subserviente. O diálogo de que se falou não pode se converter em um monólogo à moda de sermão, em que magistrados iluminados revelam ao povo a verdade do Direito. Por outro lado, tampouco se espera que eles decidam pensando nas manchetes do dia seguinte ou reagindo às do dia anterior, o que os transformaria em oficiais de justiça das redações de jornal. O que se tem, portanto, é um equilíbrio delicado e dinâmico, em que se alternam momentos de ativismo e contenção, bem como momentos de alinhamento e desalinhamento com a vontade majoritária.” 43 O ex-Ministro chegou a ser acusado por alguns críticos de tomar decisões populistas. “Não quero ser popular, muito menos populista. [...] não quero ser popular em termos de cortejar a opinião pública, ser vassalo da imprensa”, afirmou Ayres Brito em entrevista concedida à Revista Carta Capital. (MENEZES, 2012, p. 25).
é possível formatá-los em decisões técnicas.” Em sua concepção, “quando isso
acontece, o juiz concilia a Justiça com a vida.” (RANGEL, 2012, p. 21).
Sob o ponto de vista descritivo, a análise é centrada na real influência da opinião
pública sobre o comportamento judicial. Por que e até que ponto o Tribunal se
preocuparia com uma reação positiva ou negativa da opinião pública às suas decisões?
Esta preocupação efetivamente interfere no resultado final? Em que casos esta
interferência tem maior probabilidade de ocorrer?
2.1 A influência da opinião pública sobre as decisões da Suprema Corte dos
EUA
Investigações empíricas comprovam, de forma bastante convincente, a
existência de uma reveladora sintonia entre a opinião pública e a Suprema Corte norte-
americana ao longo do tempo.44 A hipótese de que existe
↑285│286↓
uma correspondência entre ambas foi amplamente testada e comprovada pelos
cientistas políticos, sendo que as divergências, de uma forma geral, têm se limitado
basicamente às razões pelas quais ela ocorre.
Alguns estudiosos afirmam que, apesar do comprovado alinhamento,
teoricamente não há justificativa plausível para que a decisão sofra qualquer influência
direta da opinião pública. O modo de escolha e as garantias funcionais, sobretudo a
vitaliciedade, seriam suficientes para manter os membros da Suprema Corte isolados
das pressões populares, de modo que a correspondência entre elas não significa que
necessariamente a Corte tenha sido influenciada pela opinião pública.45 Para Mishler e
Sheehan (1994, p. 717), o ataque à plausibilidade da influência direta é totalmente
descabido, uma vez que qualquer alegação de caráter teórico nesta seara, segundo os
44 MISHLER; SHEEHAN (1993, p. 87): “Análises de séries temporais para o período de 1956 a 1989 indicam a existência de uma relação recíproca e positiva entre tendências de longo prazo na opinião pública agregada e decisões coletivas do Tribunal.”; McGUIRE; STIMSON (2004, p. 1.018): “Com os dados de 1953 a 1996, comparamos modelos de séries temporais utilizando diferentes indicadores de liberalismo agregado da Suprema Corte. Nossos resultados sugerem que, além de estarem motivados por suas próprias preferências, os justices são altamente responsivos ao humor do público, também.” 45 SEGAL; SPAETH (1993, p. 329): “As decisões da Suprema Corte, em geral, correspondem à opinião pública. Isso não deveria ser surpreendente, pois os juízes da Suprema Corte são escolhidos pelo Presidente que, por sua vez, é escolhido pelo voto do povo. Mais uma vez, o que interessa é saber se a opinião pública – uma vez definida - influencia o Tribunal. Teoricamente, não há motivo para pensar assim. Institucionalmente, os juízes estão imunes a pressões majoritárias. O público não os elege, nem os retira do cargo. Além disso, do ponto de vista normativo, os justices não devem representar interesses majoritários. [...] Não conhecemos nenhum estudo empírico que demonstre sistematicamente que a opinião pública tem qualquer influência sobre as decisões dos justices.”
autores, seria mera “especulação misturada com doses substanciais de pensamento
positivo e de racionalização post-hoc.” Para muitos dos teóricos positivos os membros
da Corte têm sim motivos suficientes para se importarem com a reação do público às
suas decisões. Certa feita, Sandra Day O’Connor, primeira mulher nomeada para a
Suprema Corte norte-americana, afirmou: “Nós dependemos da confiança do público na
correção dessas decisões. É por isso que temos de estar cientes das opiniões públicas e
de atitudes em direção ao nosso sistema de justiça, e é por isso que devemos tentar
manter e construir esta confiança.” (FRIEDMAN, 2009, p. 371).
Em importante obra sobre o tema, Barry Friedman (2009, p. 371) sustenta que os
justices não só têm conhecimento sobre a importância da opinião pública, como
repetidas vezes suas decisões refletem claramente a vontade da maioria popular. Um
exemplo bastante comentado pelos
↑286│287↓
estudiosos foi o recuo da Suprema Corte de sua oposição inicial contrária à
legislação do New Deal (1922-1937), no período conhecido como Era Lochner.46
Durante este período marcado por uma das piores crises econômicas já ocorridas nos
EUA, a Corte adotou uma postura sistematicamente contrária às medidas propostas pelo
Presidente Roosevelt, o qual contava com amplo apoio do Congresso e da população.
Com o intuito de reverter o quadro desfavorável, Roosevelt propôs uma reforma na
organização judiciária federal permitindo a nomeação de um juiz adicional para cada
membro com mais de setenta anos, o que lhe daria a chance de nomear até seis justices
alinhados com as medidas do governo. Embora o plano de mudança na composição da
Corte (“Court-Packing Plan”) tenha falhado em sua concepção original, ao ser
confrontada com uma forte pressão política, a Corte acabou por reverter a sequencia de
precedentes contrários às medidas intervencionistas propostas pelo governo e, a partir
de então, passou a adotar uma interpretação constitucional mais próxima dos anseios
populares.47 Como a Corte estava profundamente dividida entre liberais e
46 CAMPOS (2012, p. 41-42): “Lochner simbolizou um período de jurisprudência conservadora da Suprema Corte (Era Lochner), marcada pela ideologia do laissez faire e por uma leitura amplificada da Emenda XIV e de sua cláusula do devido processo legal substancial. Aplicando um teste muito rigoroso de legitimidade, a Corte declarou inconstitucionais várias leis federais e estaduais de caráter regulatório e social, que dispunham sobre salários mínimos, limites de horas diárias e semanais de trabalho, contratação preferencial de empregados sindicalizados, estímulo à associação de trabalhadores, etc.” 47 MISHLER; SHEEHAN (1993, p. 89): “[...] a Corte abruptamente reverteu sua sequencia de decisões anti-New Deal acolhendo as leis de salário mínimo em West Coast Hotel v. Parrish (1937) e a Wagner Act em NLRB v. Jones e Laughlin Steel Company (1937), entre outras decisões. Assim o fez, aliás, sem qualquer alteração na composição.
conservadores, a mudança de orientação de Owen Roberts, o único justice
ideologicamente moderado, acabou sendo decisiva para uma mudança de
posicionamento da Corte, conhecida como “the switch in time that saved nine”. Na
interessante análise de Barry Friedman (2009, p. 4), “um acordo tácito foi alcançado: o
povo americano concederia aos justices seu poder, desde que a interpretação da
Constituição pela Suprema Corte não ficasse muito longe do que a maioria das pessoas
acreditava que deveria ser.”
↑287│288↓
No estudo mais ambicioso e abrangente sobre o tema, Thomas Marshall (1989,
p. 192) comparou decisões da Suprema Corte com pesquisas nacionais de opinião
pública no período de aproximadamente cinquenta anos (a partir de meados de 1930 até
meados de 1980) e, ao final, concluiu que o Tribunal tem sido uma “instituição
essencialmente majoritária”. Das 130 decisões do Tribunal que permitiram uma
comparação com as pesquisas de opinião pública, 82 (63%) foram consistentes com as
pluralidades pesquisadas (MARSHALL 1989, 78). Apesar de verificar que o nível de
congruência variava de acordo com a área política, Marshall conclui que, de um modo
geral, a Suprema Corte foi tão sensível à opinião pública quanto as demais instituições
responsáveis pela formulação de políticas. As análises demonstraram ainda que, quando
há divergência, a tendência é de que a visão judicial se alinhe à vontade popular.
Existem exceções a esta regra, mas que não passam de exceções,48 como no caso das
decisões que proibiram orações em escolas públicas (Engel v. Vitale, 1962 e Abington
School Dist. v. Schempp, 1963),49 apontadas como uma clara intervenção
contramajoritária da Suprema Corte no processo de formulação de políticas.
Também freqüentemente citada é a decisão do Tribunal em Koramatsu v. the United States (1944), em que o popularmente apoiado e presidencialmente ordenado internamento de nipo-americanos foi mantido pelo Tribunal apesar das dúvidas generalizadas de constitucionalistas e juristas sobre a constitucionalidade desta decisão. Mesmo o Chief Justice Rehnquist reconheceu que a decisão da Corte em Youngstown Sheet and Tube Company v. Sawyer (1952) foi provavelmente influenciada por sentimento popular em relação ao Presidente Truman e à Guerra da Coréia.” 48 FRIEDMAN (2009, p. 378): “Os casos em que a Suprema Corte parece se desviar da opinião pública, na maioria das vezes, são aqueles que envolvem a Primeira Emenda, o que pode ser explicado porque a Primeira Emenda tem seu próprio eleitorado especial, a imprensa. Jornalistas amam a Primeira Emenda, por razões óbvias (protege a liberdade de imprensa). Os justices são mais propensos a serem atacados (ou elogiados) na imprensa por suas decisões em casos envolvendo a Primeira Emenda do que em qualquer outro. Mas os jornalistas também podem fornecer aos justices uma visão distorcida da opinião pública. A afeição dos meios de comunicação pode explicar a disposição especial do Tribunal de se manter resistente em certos direitos da Primeira Emenda - como para com a pornografia e contra a oração nas escolas - mesmo quando o país geralmente expressa pontos de vista contrários.” 49 BARNUM (1985, p. 659): “Na questão da oração em escolas públicas, a Corte estava claramente disposta a desafiar as preferências da maioria dos americanos. Apesar do apoio contínuo para a oração nas escolas, nunca a Corte recuou de suas originais decisões anti-oração.”
2.2 Razões subjacentes à convergência de opiniões
Os dados obtidos nas investigações empíricas que comprovam a convergência
entre a opinião pública e as decisões de uma Corte Constitucional estão sujeitos a
múltiplas interpretações. Os membros de uma Corte Constitucional, além de não
dependerem da população para alcançarem o cargo e nem para se manter nele, possuem
garantias funcionais conferidas com o intuito de proporcionar um ambiente no qual
possam atuar com
↑288│289↓
independência e imparcialidade. Não têm, portanto, os mesmos incentivos dos
agentes políticos eleitos pelo voto popular para permitir a influência da opinião pública
sobre suas decisões. Razões subjacentes de natureza distinta, ainda que não
necessariamente excludentes, costumam ser apontadas na tentativa de explicar os
motivos desta sintonia.50 Antes de analisá-las, porém, alguns esclarecimentos se fazem
necessários.
Em primeiro lugar, a convergência de opiniões não significa que
necessariamente exista uma influência recíproca, ao menos de maneira direta. Em certos
casos, as preferências em comum podem ser decorrentes de interferências indiretas ou,
simplesmente, do compartilhamento dos mesmos valores entre os membros do Tribunal
e da sociedade.
Em segundo lugar, dizer que existe um alinhamento de opiniões não significa
afirmar que as decisões da Corte Constitucional estejam sempre de acordo com a
vontade popular. Friedman (2009, p. 382) lembra que “mesmo aqueles líderes
americanos que pediram à Suprema Corte para ser sensível ao povo fizeram uma
distinção entre as paixões do momento e algum sentido mais profundo da vontade
popular.” Ademais, não se deve esperar sempre uma correlação imediata entre os
resultados de uma determinada pesquisa de opinião pública e as decisões. A
probabilidade, de acordo com alguns cientistas políticos, é de que o padrão geral das
50 McGUIRE; STIMSON (2004, p. 1.020): “Poucos questionam que a opinião pública é refletida nas escolhas do Tribunal. O mecanismo pelo qual isso ocorre, no entanto, tem sido objeto de discordância.”
decisões e, portanto, o centro de gravidade ideológico do Tribunal, reflita essas
tendências a longo prazo.51
Em terceiro lugar, as investigações realizadas no âmbito da ciência política
tendem a concentrar a análise em áreas de maior saliência ou em
↑289│290↓
casos marcantes, cuja repercussão desperta um maior interesse geral e nos
quais, por conseguinte, a opinião pública tende a interferir com maior intensidade. Por
isso, parte dos estudos sobre o tema tem uma abrangência limitada e acaba por
sobrevalorizar a influência da opinião pública no resultado das decisões. Basta lembrar
que a esmagadora maioria dos casos decididos por uma Corte Constitucional se
caracteriza pela baixa publicidade e pela pouca saliência entre o público.
Por fim, as hipóteses mencionadas a seguir não são necessariamente excludentes
ou incompatíveis entre si. É possível que a convergência de opiniões entre o público e a
Corte seja resultante de mais de um fator; ou que juízes de um mesmo Tribunal sejam
igualmente influenciados pela opinião pública, mas por razões diversas; ou, ainda, que a
influência da opinião pública sobre o comportamento de um mesmo juiz seja
determinada por razões diversas, de acordo com o ambiente decisório e o tipo de caso a
ser julgado.
Feitas as devidas ressalvas, passemos à análise das principais hipóteses
apontadas para a convergência entre a opinião pública e as decisões de uma Corte
Constitucional.
2.2.1 A hipótese da legitimidade institucional
Alguns estudiosos do comportamento judicial apontam razões instrumentais para
justificar a existência de uma ligação causal direta entre as preferências do público e do
Tribunal. Nesse sentido, Mishler e Sheehan (1994, p. 717) postulam que a Suprema
Corte é uma instituição política, cuja autoridade depende, em certa medida, da
51 Ao investigar o impacto da opinião pública nas decisões da Suprema Corte norte-americana, Mishler e Sheehan (1993, p. 92) concluíram que as atitudes e crenças dos justices se adaptam, de forma consciente ou não, às grandes tendências ideológicas do público com um atraso de aproximadamente cinco anos. Este lapso temporal, no entanto, é questionado por Norpoth e Segal (1994, p. 712) que apontam duas contradições: Primeiro, se o Tribunal só age sobre as mudanças que tenham resistido, suas decisões devem ser influenciadas tanto pela opinião pública contemporânea, como pela defasada. Mishler e Sheehan, todavia, não encontram apoio para a opinião contemporânea. Em segundo lugar, uma vez que leva longos períodos de tempo para os justices aprenderem sobre as mudanças de humor do público (uma suposição duvidosa em si), os justices nunca saberiam se alguma mudança de cinco anos de idade havia permanecido até o presente.”
confiança e respeito do público.52 Por isso, a opinião pública seria levada em
consideração, de modo consciente, a fim de fortalecer a legitimidade institucional da
Corte.53
↑290│291↓
O prestígio institucional perante o público é considerado importante por facilitar
o exercício da autoridade e contribuir para que as decisões sejam voluntariamente
acatadas.54 O suporte do público pode ter um efeito significativo sobre a disposição das
autoridades públicas de cumprir as decisões, incentivando-as a agir de forma rápida e
decisiva na implementação das políticas definidas judicialmente.55 Como assinalado por
Franklin e Kosaki (1989, p. 752), a percepção de que uma questão é muito controversa
pode levar as autoridades públicas a uma inação. Em casos de grave crise institucional,
o apoio do público não apenas contribui para o fiel cumprimento das decisões pelos
outros poderes,56 como também auxilia na proteção das prerrogativas do Tribunal,
protegendo-o contra ameaças
52 MISHLER; SHEEHAN (1993, p. 95): “... o impacto da opinião pública sobre as decisões do Tribunal é mediada, em parte, através de seus efeitos sobre a mudança na composição da Corte. Entretanto, de acordo com a hipótese de ajustamento político, a persistência de fortes efeitos do humor público, [mesmo] com o controle da composição da Corte indica também que o impacto da opinião pública sobre as decisões do Tribunal é parcialmente independente da alteração de composição.” 53 TYLER (2006, p. 375): “A legitimidade é uma propriedade psicológica de uma autoridade, instituição ou organização social que leva os que estão ligados a ela a acreditar que é apropriada, adequada e justa. Por causa da legitimidade, as pessoas sentem que devem se submeter às decisões e normas, a segui-las voluntariamente por obrigação e não por medo de punição ou antecipação de recompensa. Ser legítimo é importante para o sucesso das autoridades, instituições e arranjos institucionais, uma vez que é difícil exercerem influência sobre outros com base unicamente na posse e uso do poder. Ser capaz de obter a aquiescência voluntária da maioria das pessoas, na maioria das vezes, devido ao seu senso de obrigação aumenta a eficácia em períodos de escassez, crise e conflito.” 54 TYLER (2006, p. 379): “Na área jurídica, a investigação sobre as interações pessoais dos indivíduos com policiais e juízes indica que as pessoas que veem essas autoridades como legítimas são mais propensas a aceitar as suas decisões, um efeito que é distinto da conclusão geral de que as pessoas são mais propensas a aceitar decisões que são mais favoráveis e/ou justas.” 55 GRIMM (2009, p. 23): “Se a verdadeira essência do constitucionalismo é a submissão da política à lei, então a verdadeira essência da adjudicação constitucional é aplicar o direito constitucional em relação [vis-à-vis] ao governo. Isso implica a revisão judicial de atos políticos - incluindo a legislação. No entanto, os tribunais constitucionais ou tribunais com jurisdição constitucional não podem compensar totalmente a fraqueza do direito constitucional. Como o poder de usar a força física permanece nas mãos dos órgãos políticos do governo, os tribunais são impotentes quando os políticos se recusam a cumprir com a constituição ou ignorar as ordens do tribunal.” 56 Vale lembrar que a eficácia das decisões proferidas pelo Judiciário dependem, em muitos casos, do apoio do Executivo, como ressaltado no célebre comentário de Alexander Hamilton (2009, p. 509): “O Judiciário, devido à natureza de suas funções, será sempre o menos perigoso para os direitos políticos da Constituição; pois ele terá menos capacidade de incomodar ou ferir. O Executivo não só distribui as honras, como também segura a espada da comunidade. Os legislativos não só comandam o orçamento, como também prescrevem as regras pelas quais os deveres e direitos de cada cidadão devem ser regulamentados. O Poder Judiciário, ao contrário, não tem qualquer influência nem sobre a espada, nem sobre o orçamento; não dirige nem a força nem a riqueza da sociedade, e não pode tomar qualquer resolução ativa que seja. Pode realmente ser dito que não tem nem força nem a vontade, mas apenas a sentença; e, no fim das contas, ainda depende do auxílio do Executivo até mesmo para a eficácia de suas decisões. Essa visão simples do tema sugere diversas consequências importantes. É a prova incontestável que o Judiciário é, sem comparação, o mais fraco dos três órgãos do poder.”
↑291│292↓
ou ataques. Eventuais tentativas de subverter uma decisão de uma instituição
nacional prestigiada podem acabar provocando uma reação pública (public backlash)
contra aqueles que se atreverem a arriscar. (FRIEDMAN, 2005, p. 323-324).
Há duas espécies de apoio conferido pelo público. O apoio específico ocorre nos
casos em que uma instituição obtém o respaldo das pessoas por essas concordarem com
uma decisão específica. O apoio difuso, por sua vez, refere-se à ideia de que mesmo
quando são tomadas decisões contrárias à vontade popular, este desvio costuma ser
tolerado quando há um apoio institucional suficiente. Esta noção pode ser compreendida
como uma reserva de “boa vontade” em relação às instituições, a qual contribui para
que a opinião pública tolere ou aceite determinadas decisões desfavoráveis aos seus
interesses imediatos.57 O bom funcionamento do mercado político pressupõe certa
correspondência entre o que os governados querem e aquilo que efetivamente recebem.
Embora necessariamente exista uma folga entre o desejado e o recebido, esta folga não
deve ser exageradamente grande. (FRIEDMAN, 2005, p. 325). O apoio difuso, na
precisa síntese de Barry Friedman (2009, p. 379), é a medida da folga que a instituição
tem para seguir o seu próprio caminho em determinadas questões.
Em que pesem as dificuldades empíricas envolvendo o tema, estudos confirmam
a existência de um “apoio difuso” ao Poder Judiciário em geral, no sentido de que este
continua contando com o apoio da opinião para a manutenção de sua independência,
mesmo quando há uma grande insatisfação com o resultado das decisões proferidas.
(FRIEDMAN, 2005, p. 326). Nos EUA, pesquisas de opinião pública apontam a
existência de uma considerável dose de apoio difuso em relação à Suprema Corte.58 Na
Europa, a situação não é diferente. Ingeborg Maus (2000, p. 185) relata que a ampliação
objetiva das funções exercidas pelo Judiciário tem sido acompanhada
↑292│293↓
57 A ideia de um apoio difuso encontra raízes no trabalho seminal de David Easton que o definiu como “um reservatório de atitudes favoráveis ou de boa vontade que ajuda os membros a aceitar ou tolerar saídas [outputs] às quais se opõem ou o efeito que vêem como prejudicial à sua vontade.” (FRIEDMAN, 2005, p. 326). 58 CALDEIRA; GIBSON (1992, p. 635-636): “a Suprema Corte tem tradicionalmente se saído bem nas estimativas do público, especialmente em comparação com outras instituições políticas. Mesmo durante os anos 1960, quando o suporte para outras instituições despencou, as avaliações públicas da Corte mantiveram-se relativamente altas. [...] No entanto, o apoio popular para a Suprema Corte é limitado e isso muda ao longo do tempo em resposta às ações do próprio Tribunal e das condições políticas externas.”
por uma “representação da Justiça por parte da população que ganha contorno de
veneração religiosa”.59 No Brasil, o índice de apoio da população ao STF também tem
sido bastante elevado, sobretudo se comparado com o do Congresso Nacional.60
A consciência sobre a importância do suporte do público para a preservação do
poder institucional da Corte pode fornecer valiosos incentivos no sentido de evitar um
distanciamento demasiado, ou por um longo período, dos pontos de vista majoritários
sobre questões fundamentais.61 Assim, nas situações de incerteza fática - em que há uma
ampla margem para a definição e valoração dos fatos jurídicos - e/ou jurídica - em que a
ambiguidade do material jurídico convencional possibilita a opção por alternativas
razoáveis - a opinião pública pode ser levada em consideração por uma questão
estratégica: fortalecer a legitimidade institucional do Tribunal com o objetivo de
assegurar a fiel execução de suas decisões.62
↑293│294↓
Em suma, de acordo com esta explicação o ajustamento político do Tribunal
com a opinião pública seria decorrente da preocupação de seus membros com a
preservação do poder institucional e com a execução de suas decisões. Não obstante as
garantias institucionais e funcionais conferidas para evitar pressões políticas externas, o
prestígio institucional é considerado um fator importante para maximizar a eficácia do
Tribunal como um formulador de políticas, conferindo maior efetividade às suas
decisões, reduzindo as chances de reversão de suas decisões pelo Legislativo através de
leis ou de emendas constitucionais e impedindo retaliações ou reações contrárias por 59 A professora da Universidade Johann Wolfgang Goethe, de Frankfurt am Main, menciona uma pesquisa de opinião pública que comprova esse ganho de confiança, na qual a aprovação popular do Tribunal Constitucional atingiu o percentual de 62%, extremamente elevado se comparado com o de outras instituições políticas e sociais como a televisão (34%) e a universidade (apenas 2%). (MAUS, 2000, p. 185). 60 Pesquisa realizada em dezembro de 2012, pelo Datafolha, apontou que o STF conta com a confiança de 70% dos brasileiros. Em relação ao Congresso Nacional, este índice é de apenas 43%. A instituição com maior credibilidade entre os brasileiros foi a Presidência da República, com 81% de respostas positivas. (CAMPANHA, 2012, p. A6). No mesmo período, segundo pesquisa realizada pelo IBOPE, a confiança da população no STF foi de 54 pontos (em uma escala de 0 a 100), enquanto o Congresso Nacional teve o menor índice: 35 pontos. Curiosamente, o índice de confiança no “Poder Judiciário/Justiça” foi de 47 pontos. Disponível em: http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/Confianca-do-brasileiro-no-STF-e-maior-do-que-na-Justica.aspx 61 MISHLER; SHEEHAN (1994, p. 717): “A teoria não é que os justices rotineiramente mudam as suas decisões com base em pesquisas de opinião pública, mas que alguns justices ocasionalmente modificam suas decisões (se não as suas crenças pessoais) sobre questões importantes em resposta a mudanças de longo prazo e fundamentais na opinião pública percebidas como ameaçadoras da autoridade do Tribunal.” 62 McGUIRE; STIMSON (2004, p. 1.023): “... a partir de nossa perspectiva teórica, vemos o papel de antecipação racional da Corte vis-à-vis com o do Congresso e o do Presidente ser uma diferença de grau, não de tipo. Os ministros podem estar relativamente isolados da pressão da opinião pública, mas isso não garante que ela seja ignorada por eles. O mecanismo que impulsionaria os ministros a seguir a opinião pública, pressupomos, é a expectativa do Tribunal sobre as conseqüências futuras de suas decisões. O humor do público, então, deve ser um barômetro pelo qual os justices calculam a medida em que as suas políticas preferenciais provavelmente vão ser aceitas e postas em prática.”
parte de outros poderes.63 A Corte tem de estar em sintonia com a opinião pública -
argumenta Friedman (2009, p. 375) -, pois o público, da mesma forma que pode salvá-la
quando estiver em apuros com os líderes políticos, também pode motivar esses mesmos
líderes contra ela.
A história tem mostrado que podem ocorrer reações indesejadas quando as
decisões judiciais se afastam muito daquilo que a sociedade está disposta a tolerar.
Embora o público careça de autoridade formal para impedir o cumprimento de uma
decisão, certamente ele pode criar obstáculos à sua implementação, mesmo quando a
oposição se restringe a um público local, como ocorreu, por exemplo, em relação à
decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão que determinou a retirada de
crucifixos das salas de aula de escolas públicas (Kruzifix - BVERFGE 93, 1)64 e com as
decisões da Suprema Corte norte-americana sobre o fim do sistema de segregação racial
nas escolas (caso Brown v. Board of Education).
↑294│295↓
2.2.2 A hipótese do autointeresse
O fundamento para a sintonia pode estar no desejo de uma reputação positiva, na
vontade de obter a estima e a consideração do público em geral. Os juízes, na condição
de seres humanos, têm características e tendências que são inerentes à própria natureza
humana. Por isso, assim como as demais pessoas, eles gostam de ser respeitados,
aplaudidos e admirados. Em alguns contextos decisórios, esses desejos podem atuar
como valiosos incentivos para certas escolhas e, desse modo, influenciar o
comportamento judicial.
Em importante obra na qual aborda a interação entre os “juízes e suas plateias”
(Judges and their audiences), Lawrence Baum (2008, p. xi) desenvolve uma análise
focada nos tipos de “plateia” que tendem a ser mais importantes para os juízes e como o
63 Nesse sentido, FRIEDMAN (2009, p. 375): “O Tribunal tem de estar em sintonia com a opinião pública desperta, porque é o público que pode salvar um Tribunal quando este estiver em apuros com os líderes políticos e que igualmente pode motivar os líderes políticos contra ele.”; FRANKLIN; KOSAKI (1989, p. 751): “Os tribunais devem ser responsivos [responsive] por causa de sua fraqueza institucional. As ferramentas disponíveis para os tribunais fazerem valer sua vontade sobre um público resistente são poucas.”; McGUIRE; STIMSON (2004, p. 1.019): “Os justices que querem ver as suas preferências pessoais expressas em políticas públicas sabem que a eficácia dessa política depende de sua aceitação por seus implementadores e daqueles a quem eles são responsáveis.” 64 VANBERG (2005, p. 4): “Em um artigo de fim de ano sobre a crise [envolvendo a retirada dos crucifixos], o Neue Zürcher Zeitung, um dos jornais mais influentes da Europa, concluiu que ‘com exceção de alguns casos extremamente raros, nada mudou no cotidiano escolar da Baviera’ (16 de dezembro de 1995). Como ironizou um juiz da FCC [Tribunal Constitucional Federal] durante uma palestra na Universidade de Freiburg: ‘Há mais crucifixos pendurados nas salas de aula bávaras agora do que antes da decisão.’”
interesse na aprovação destas pessoas pode afetar o comportamento decisório. O
professor de Ciência Política da Universidade do Estado de Ohio acredita que os
membros da Suprema Corte têm poucas razões para temer o enfraquecimento da
legitimidade institucional como decorrência de decisões impopulares. Baum (2008, p.
65) argumenta que o interesse pessoal na aprovação do público fornece um incentivo
muto mais forte do que o potencial impacto que esse tipo de decisão possa ter sobre a
legitimidade do Tribunal. De acordo com esta explicação, portanto, o motivo mais
provável para os esforços no sentido de conquistar o apoio público é o interesse na
própria popularidade, considerada a possível base primária para as reais influências
exercidas pela opinião pública sobre as escolhas judiciais.
O público em geral, no entanto, não é apontado por este autor como a plateia
mais importante para os membros da Suprema Corte. Existe, segundo Baum (2008, p.
71-72), uma propensão a se buscar a aprovação de segmentos específicos mais do que
do público de massa, o que pode resultar em divergências entre o resultado da decisão e
a opinião pública, dificultando a aferição do real impacto exercido pela plateia sobres as
escolhas judiciais. Em trabalho recente elaborado em conjunto com Neal Devins, Baum
aborda, de forma mais específica, as razões pelas quais a Suprema Corte tem maior
preocupação com as elites do que com o povo norte-americano em geral.65
↑295│296↓
2.2.3 A hipótese da influência indireta (“Hipótese Dahl-Funston”)
Nos países em que a escolha dos membros da Corte Constitucional tem a
participação do Executivo e do Legislativo o modelo de nomeação pode ajudar a
compreender o alinhamento de preferências políticas. O Presidente e os Parlamentares,
por serem eleitos pelo voto popular, em tese, estão em sintonia com as preferências
políticas majoritárias. Assim, ao selecionar indivíduos com os quais têm uma afinidade
ideológica, o Presidente da República e os Senadores contribuem para que as
65 BAUM; DEVINS (2010, p. 1.580): “Mesmo que alguns Justices tenham a opinião pública em conta (em parte porque exageram a necessidade de proteger a posição do Tribunal com o público), a [Suprema] Corte como um todo tem demonstrado uma independência considerável em relação à opinião pública. Em contraste, os Justices têm fortes incentivos para manter a sua posição com as plateias de elite que são salientes para eles. Fundamentalmente, esses incentivos não derivam da preocupação sobre o suporte para o Tribunal, como instituição, mas a partir da necessidade humana de aprovação de indivíduos e grupos que são importantes para eles. Porque os indivíduos e os grupos mais relevantes para os Justices são esmagadoramente dos segmentos da elite da sociedade norte-americana, são os valores e opiniões das elites que têm o maior impacto sobre os Justices. Esta é uma razão importante pela qual as decisões da Corte normalmente estão em harmonia com os pontos de vista das pessoas mais educadas do que com as opiniões do público como um todo.”
preferências do eleitorado sejam refletidas, de uma forma indireta, nas decisões. De
acordo com esta explicação, portanto, a convergência de opiniões seria decorrente do
modelo de composição da Corte em conjunto com a influência da ideologia no
comportamento judicial.66
A influência da ideologia no raciocínio decisório está amplamente comprovada
por inúmeros estudos desenvolvidos no âmbito da psicologia e da ciência política. De
acordo com o modelo atitudinal, os juízes tomam decisões “considerando os fatos do
caso à luz das suas atitudes e valores ideológicos” (SEGAL;SPAETH, 1993, p 72).67
Este modelo de comportamento decisório sugere que os juízes têm determinadas
‘atitudes’ - isto é, preferências políticas pessoais - e que estas servem como bons
indicadores de suas futuras decisões, sobretudo em casos difíceis.68 Na visão de Segal e
↑296│297↓
Spaeth (2002), o controle da agenda e a vitaliciedade conferem uma ampla
liberdade para os membros do Tribunal tomarem decisões com base em preferências
políticas pessoais, havendo poucas razões para suspeitar da existência de uma efetiva
preocupação com a opinião pública.
Para os adeptos do modelo estratégico, quando não há uma convergência de
opiniões entre o Tribunal e os demais poderes (Congresso e Presidente), muitas vezes os
justices se desviam de suas preferências pessoais e, por compreenderem que não são
capazes de tomar decisões eficazes sem que estejam atentos a outros atores, optam por
escolhas estrategicamente sofisticadas, em sintonia com o “regime dominante”.
(EPSTEIN; KNIGHT; MARTIN, 2001, p. 590 e 594).69
66 NORPOTH; SEGAL (1994, p. 716): “Será que opinião pública influencia as decisões da Suprema Corte? Se o modelo de influência é do tipo que os juízes deixam de lado suas próprias preferências e respeitam o que eles profetizam como a vox populi, a nossa resposta é um sonoro não. [...] A resposta da Suprema Corte não será necessariamente existente, mas irá depender da natureza das eleições presidenciais.” 67 O termo “modelo atitudinal” ganhou destaque a partir da obra The Supreme Court and the Attitudinal Model (1993), de Jeffrey A. Segal e Harold J. Spaeth. Os dois cientistas políticos norte-americanos concluíram, após um criterioso estudo empírico, que o objetivo dos juízes é maximizar suas preferências políticas, razão pela qual as decisões judiciais costumam ser consistentes com a ideologia política dos julgadores (SEGAL; SPAETH, 1993 e 2002). 68 SEGAL; SPAETH (2002, p. 324): “Por exemplo, Spaeth foi capaz de prever precisamente 88 por cento (92 de 105) das decisões da [Suprema] Corte entre 1970 e 1976 e 85 por cento dos votos dos justices.”; CROSS (1997, p. 275): “O teste fundamental de qualquer modelo é sua capacidade de prever com precisão, e o modelo atitudinal faz isso bem. Harold Spaeth, por exemplo, é suficientemente confiante na capacidade do modelo atitudinal para prever votos e decisões pendentes da Suprema Corte nos meios de comunicação. Segundo o professor Spaeth, o modelo foi preciso ‘em mais de 9 em cada 10 previsões de comportamento judicial.’ Que eu saiba, nenhum jurista conseguiu um registro comparável usando o modelo legal.” 69 EPSTEIN, KNIGHT e MARTIN (2001, p. 610): “Testes, tanto de nível individual como agregado, apoiam a proposição de que os Justices ajustam suas decisões em antecipação às respostas potenciais dos outros ramos do
A hipótese formulada por Robert Dahl (1957) e corroborada por Richard
Funston (1975), apesar de sofrer algumas críticas pontuais,70 continua sendo
amplamente aceita.71 No caso da Suprema Corte norte-ame-
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ricana, a nomeação média de dois novos justices em cada mandato do Presidente
da República, segundo a estimativa feita por Dahl, impediria o afastamento, por um
longo período, entre a visão política dominante na Corte e a opinião da maioria
legislativa.72 Apenas durante os períodos de realinhamento eleitoral e partidário a Corte
teria uma tendência de ficar fora de sintonia com a nova maioria legislativa dominante.
Em síntese, Dahl sustenta que a tendência majoritária da Suprema Corte decorre de dois
fatores básicos: o processo de seleção voltado à escolha de membros com preferências
políticas convergentes com as do Presidente e do Congresso; e, a influência dessas
preferências no comportamento judicial.73 A tese da influência indireta foi
posteriormente corroborada nos estudos desenvolvidos por Richard Funston (1975, p.
governo. Este comportamento é consistente com nossa abordagem institucional, mas a análise de Dahl não pode explicá-la.” 70 CASPER (1976, p. 50): “Defendo aqui que a abordagem de Dahl não é adequada para a compreensão do papel da Suprema Corte na formulação de políticas. O exame da maneira como ele interpreta suas próprias evidências e outras provas relevantes que são excluídas de sua análise sugere que a Corte participa de forma mais significativa na definição das políticas nacionais do que o argumento de Dahl sugere.”; MISHLER; SHEEHAN (1993, p. 96): “... as evidências sugerem que a opinião pública exerce importante influência sobre as decisões da Corte, mesmo na ausência de alterações na composição do Tribunal ou na composição partidária e ideológica do Congresso e da presidência.” 71 EPSTEIN; MARTIN (2010, p. 270): “... praticamente todos os estudos demonstram um efeito indireto da opinião pública através do processo de nomeações. Ou seja, eles tendem a mostrar que as mudanças na composição do Tribunal podem levar a uma porcentagem maior ou menor de decisões liberais em cada período. Cientistas políticos consideram esta [hipótese] ‘indireta’, porque o público não afeta diretamente o percentual de decisões liberais; seu papel vem da eleição do Presidente e do Senado, que designará os Justices refletindo as preferências do público. Assim, a ‘orientação ideológica da Corte geralmente [irá] corresponder às atitudes do eleitorado’ e do regime dominante.”; NORPOTH; SEGAL (1994, p. 711): “Nós reconhecemos, à partida, que as decisões da Suprema Corte podem ser correlacionadas com a opinião pública. A hipótese de Dahl da nomeação presidencial é convincente.”; McGUIRE; STIMSON (2004, p. 1.033): “... descobrimos que os resultados de políticas do Tribunal não só são afetados pela opinião pública, mas em um grau muito maior do que anteriormente documentado. Ao mesmo tempo, temos dificilmente eliminada a influência indireta da opinião em massa causada pelo processo de nomeação. A confiança em uma melhor medida do comportamento da Corte revela serem os justices altamente motivados por suas preferências pessoais, mesmo após o efeito significativo de preferências diretas do público serem mantidas constantes.” 72 Ao contrário do expressivo número de pesquisas de opinião pública existentes na atualidade possibilitando uma comparação direta entre as decisões do tribunal e a vontade da maioria popular, na década de 1950 esse tipo de pesquisa ainda era algo bastante recente. O próprio Dahl (1957, p. 283) fez a seguinte ressalva: “Se alguém deseja ser totalmente rigoroso em relação a questão, é provavelmente impossível demonstrar que quaisquer decisões judiciais específicas estão ou não em conflito com as preferências de uma ‘maioria nacional’. […] Em sentido estrito, não há evidências adequadas, visto que as pesquisas de opinião científica são de origem relativamente recente, e as eleições nacionais são pouco mais do que uma indicação das preferências primordiais de alguns cidadãos.” 73 EPSTEIN, KNIGHT e MARTIN (2001, p. 587): “Não é surpreendente que Dahl presumisse que o Tribunal se engajaria em um comportamento ‘sincero’. Dahl estava escrevendo num momento em que o movimento behaviorista dos anos 1950, movimento de enorme influência, tinha tomado conta da ciência política. Esse movimento influenciou o estudo de decisões judiciais através da utilização do chamado ‘modelo atitudinal’, o qual sustenta que os justices baseiam suas decisões exclusivamente nos fatos dos casos em relação às suas atitudes ideológicas e valores.”
796) que, ao testá-la, também constatou que, por longos períodos de tempo, a Suprema
Corte reflete a vontade das forças políticas dominantes. Somente durante os períodos de
transição há maior probabilidade de serem proferidas decisões contramajoritárias.
↑298│299↓
2.2.4 A “hipótese da socialização política”
A hipótese da socialização política também parte da premissa de que o
comportamento judicial é influenciado, em grande medida, pela ideologia do juiz. O
aspecto distintivo central desta hipótese em relação à anterior está na explicação dada às
mudanças de posicionamento da Corte. Aqui, as alterações na jurisprudência operadas
em sintonia com a opinião pública são explicadas não pelo modelo de nomeação, mas
pelo fato de os juízes, assim como os demais membros da sociedade, serem susceptíveis
à influência da evolução das normas e valores sociais.74 Ainda que não se ignore o
pluralismo característico das sociedades contemporâneas,75 a partir do momento em que
estão inseridos no mesmo contexto sociocultural, que leem os mesmos jornais, livros e
revistas e que veem o mesmo noticiário, é natural que os juízes sofram influências
semelhantes e compartilhem certos valores em comum com os demais membros da
sociedade. Como argumentam Mendonça e Barroso (2013), “os magistrados, assim
como as pessoas em geral, não são seres desenraizados, imunes ao processo social de
formação das opiniões individuais.” Com o passar do tempo, portanto, a ideologia
judicial acabaria entrando em sintonia com as preferências políticas da maioria popular
por ser submetida à influência dos mesmos fatores sociais.
A convergência de opiniões seria resultante, portanto, não da resposta
sistemática às alterações na opinião pública, mas da “mudança de atitude” dos juízes em
razão da evolução social.76 Nas palavras de Mishler e
74 MISHLER; SHEEHAN (1993, p. 89): "Mesmo na ausência de preocupações sobre a legitimidade das decisões do Tribunal, há boas razões para acreditar que os juízes da Suprema Corte podem ser influenciados por mudanças de longo prazo no clima da opinião pública. Justices não são menos suscetíveis do que os outros indivíduos da sociedade a ser influenciado pela evolução das normas sociais e valores. Se, por exemplo, as atitudes da cultura política em relação ao papel da mulher na sociedade sofrem alterações significativas ao longo do tempo, é pouco provável que as atitudes e crenças dos justices possa ficar permanentemente imune a essa mudança nos costumes. Gradualmente, as atitudes, pelo menos de alguns dos justices são susceptíveis a mudança, deslocando também o centro de gravidade ideológica do Tribunal.” 75 O pluralismo, como observou Norberto Bobbio (2009, p. 74), “antes de ser uma teoria, [...] é uma situação objetiva, na qual estamos imersos.” 76 MISHLER; SHEEHAN (1994, p. 721-722): “Acreditamos, ao contrário, que a hipótese dos efeitos direto é totalmente consistente com um modelo atitudinal. Salvo nos casos raros em que um justice vota contrário às suas crenças pessoais para preservar a autoridade do Tribunal em face da oposição pública. [...] Nossa análise, então, não argumenta contra o modelo atitudinal de tomada de decisão judicial, mas em favor de uma versão mais sutil em que as atitudes individuais não são tratadas como estáticas e imutáveis, mas como fluidas e dinâmicas. Não tenho dúvida
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Sheehan (1994, p. 717), os juízes seriam influenciados, ainda que muitas vezes
de forma inconsciente, pelas mesmas forças que afetam a sociedade como um todo.77
Em que pese alguns autores a classificarem como uma influência direta, a rigor, a
convergência de opiniões, segundo esta hipótese, não resulta de uma influência da
opinião pública sobre o comportamento judicial, mas sim dos mesmos eventos e forças
que atuam na evolução dos valores sociais e, portanto, afetam os demais membros da
sociedade. Em outras palavras: para a hipótese da socialização política o que influencia
o comportamento judicial é a ideologia do juiz, sendo que esta é resultante do mesmo
conjunto de fatores que afeta a ideologia dos demais membros da sociedade.
Em recente estudo sobre o tema, Epstein e Martin (2010, p. 263-264) concluíram
que suas análises são consistentes tanto com a hipótese de legitimidade institucional,
quanto com esta ideia de que “o povo” inclui os Justices e que, por conta disso, eles não
responderiam à opinião pública diretamente, mas sim aos mesmos eventos ou forças que
afetam os demais membros do público. O aspecto mais surpreendente, segundo os
autores, foi constatar que, mesmo considerando a influência da ideologia judicial, o
humor do público continuou a ser um indicador significativo de resultados.
2.3. A influência das Cortes Constitucionais sobre a opinião pública: a outra
face da questão
A relação entre as Cortes Constitucionais e o público em geral é uma via de mão
dupla.78 Da mesma forma que a opinião pública pode influenciar as decisões do
Tribunal, essas decisões também podem modificar os pontos de vista da sociedade sobre
determinadas questões políticas, sociais e morais.
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de que as atitudes judiciais são altamente viscosas, especialmente em comparação com as atitudes políticas dos cidadãos.” 77 MISHLER; SHEEHAN (1994, p. 717): “Aqui, o argumento não é que os justices votam contrariamente a suas crenças em resposta ao sentimento público, mas que as crenças de pelo menos alguns justices ocasionalmente mudam em resposta a alterações fundamentais de longo prazo no que Stimson chama o humor do público, e Lippman, de filosofia pública.” 78 Nesse sentido, Mishler e Sheehan (1993, p. 92) afirmam que, de modo geral, “esta indicação de ligações recíprocas entre a opinião pública e as decisões do Tribunal sugere a existência de uma relação em que (1) o teor ideológico das decisões do Tribunal são sensíveis, a longo prazo, às mudanças na ideologia do humor do público e (2) as decisões do Tribunal posteriormente reforçam e legitimam essas mudanças de humor.”
A hipótese de legitimação sugere que quando a Corte Constitucional é uma
instituição com alta credibilidade, suas decisões conferem legitimidade aos pontos de
vista por ela acolhidos.79 A legitimidade institucional da Corte faz com que suas
posições sobre determinados temas desempenhem uma espécie de função heurística,
por reduzir as dificuldades cognitivas sobre problemas de alta complexidade e permitir
que determinados pontos de vista sejam acolhidos ou rejeitados sem a necessidade de
complexas operações de raciocínio. Segundo esta hipótese, apontada como a principal
explicação para a influência da Corte sobre a opinião pública, o argumento contido na
decisão seria acolhido, não tanto pelo seu conteúdo, mas em razão do prestígio
institucional do órgão que o formulou. A mera legitimação formal conferida ao
argumento seria suficiente para mover a opinião pública.
Na visão de Bartels e Mutz (2009, p. 249), a chave para compreender como e
quando uma instituição como a Corte Constitucional é capaz de mover a opinião
pública está na capacidade de entender os processos psicológicos de persuasão. Em um
estudo comparativo entre a influência da Suprema Corte e a do Congresso norte-
americano, os autores constataram que a capacidade do Tribunal de mover a opinião
pública não só é bastante potente, mas também baseada em vários processos de
influência persuasiva.80 Assim, quando o endosso institucional é acompanhado por
argumentos substanciais persuasivos e explicações sobre as questões analisadas, a
capacidade de persuasão é ainda mais forte.81
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Franklin e Kosaki (1989, p. 752) associam a atuação da Suprema Corte a uma
espécie de “mestre republicano” (republican schoolmaster) que fornece à população,
através de sua explicação do direito e de sua alta posição moral, um exemplo da maneira
como devem se comportar os bons republicanos, inculcando na opinião pública as
79 Franklin e Kosaki (1989, p. 761) apresentam estudos empíricos cujos resultados fornecem fortes evidências da influência das decisões proferidas pela Suprema Corte norte-americana sobre a estrutura da opinião pública em relação ao aborto. No mesmo sentido, Bartels e Mutz (2009, p. 250) apontam promissores estudos nos quais o apoio ao ponto de vista acolhido pelo Tribunal é comprovado no caso Bush v. Gore e nas opiniões dos cidadãos negros sobre ação afirmativa e pena de morte. Em todos esses casos, o poder de influência da Suprema Corte costuma ser atribuído aos altos níveis de apoio difuso ou à lealdade institucional. 80 A investigação foi limitada a apenas duas questões controversas – as decisões sobre a “queima da bandeira” (“flag burning”) e as ações afirmativas (“affirmative action”) -, dois argumentos substantivos e duas instituições – Suprema Corte e Congresso -, que não podem pretender representar todos os contextos possíveis de persuasão em que as instituições tomam decisões. Tais limitações exigem certa cautela na generalização dos resultados. 81 BARTELS; MUTZ (2009, p. 260): “O mais importante, [é que] nosso estudo demonstra que a liderança de opinião não significa necessariamente persuasão sem substância política. A influência de endossos institucionais depende, em grande medida, das justificativas que são tornadas públicas para esses endossos.”
virtudes da cidadania.82 A maior parte das decisões de uma Corte, contudo, fica restrita
ao âmbito da comunidade jurídica. Em tais hipóteses, por evidente, não se deve esperar
qualquer tipo de influência na opinião pública, o que só irá ocorrer no caso de decisões
com grande visibilidade e repercussão social.
A influência recíproca entre a Corte Constitucional e a opinião pública dificulta
a determinação da direção causal com base apenas na convergência de posições, por não
permitir a distinção entre as situações em que o Tribunal é sensível à opinião pública e
aquelas nas quais esta opinião é moldada por suas decisões. A identificação de quem
influenciou e de quem foi influenciado só poderá ser avaliada de forma precisa nos
casos em que existirem pesquisas de opinião pública feitas antes e depois da decisão
sobre o tema.
3. A OPINIÃO PÚBLICA E O STF
No Brasil, a escassez de investigações empíricas prejudica sobremaneira a
análise da real influência exercida pela opinião pública sobre as decisões do STF. Em
razão da escassez de dados, questões específicas relacionadas à convergência de
opiniões – se, como, quando e com que frequência isso ocorre – somente podem ser
respondidas de forma pontual ou intuitiva. Em que pese a presença deste obstáculo, com
base nos estudos envolvendo a Suprema Corte norte-americana, buscar-se-á identificar
alguns aspectos que podem favorecer ou restringir a influência da opinião pública nas
decisões do Supremo sem ignorar, por evidente, as semelhanças e diferenças
fundamentais existentes no ambiente decisório das duas Cortes. A análise comparativa
terá como objetivo fazer algumas ilações acerca das situações mais susceptíveis à
influência da vontade da maioria popular e formular hipóteses sobre a probabilidade de
interferência da opinião pública.
↑302│303↓
A tomada de decisão judicial envolve dois tipos de processos de pensamento. O
processo de pensamento intuitivo (sistema intuitivo) ocorre espontaneamente e envolve
as decisões tomadas de forma automática, sem muito esforço e sem um controle
82 FRANKLIN; KOSAKI (1989, p. 752): “É claro que os federalistas e Tocqueville previram um papel para a Suprema Corte além do de servo da vontade pública. Na verdade, a preocupação quando da fundação não foi apenas de que a Corte deve responder à opinião pública, mas que deve também desempenhar um papel importante na educação dessa opinião.”
voluntário. Este sistema envolve as intuições, impressões e pré-concepções. O processo
de pensamento deliberativo (sistema deliberativo) ocorre através de um processamento
controlado e envolve decisões que são governadas por regras, tomadas lentamente e
com grande esforço (IRWIN; REAL, 2010, p. 5). Nele estão incluídas as atividades
mentais que envolvem concentração e raciocínio lógico. A relação entre os dois
sistemas é complicada e bastante complexa. Para esta análise, possui especial relevância
o fato de que as atividades mentais desenvolvidas pelo sistema deliberativo são
influenciadas pela ação de diversos fatores do sistema intuitivo e que, em muitos casos,
os erros e vieses inerentes a este sistema não podem ser descobertos e nem evitados pelo
raciocínio controlado. Como ensina Daniel Kahneman (2012, p. 38-39), o melhor que se
pode fazer é um acordo no sentido de “aprender a reconhecer situações em que os
enganos são prováveis e se esforçar mais para evitar enganos significativos quando há
muita coisa em jogo.” Dentre as finalidades de se destacar situações de maior
probabilidade da influência da opinião pública está a de permitir o acionamento de
mecanismos de atenção por parte dos julgadores interessados, a fim de minimizar os
riscos de uma interferência não consciente de fatores extrajurídicos sobre a decisão,
quando considerada como algo indevido ou indesejável (controle endógeno). A
identificação de situações mais susceptíveis a influências indesejadas visa, ainda, a
contribuir para a formulação e o desenvolvimento de mecanismos normativos e
doutrinários de fiscalização (controle exógeno).
A abordagem será desenvolvida a partir de três perspectivas de comparação: a
institucional, envolvendo aspectos referentes ao Supremo e a seus membros; a jurídica,
relacionada ao material jurídico convencional (lei em sentido amplo, jurisprudência e
doutrina) aplicável ao caso a ser decidido; e, a fática, referente ao contexto político-
social no qual a decisão é proferida.
3.1 A perspectiva institucional
Um aspecto institucional de suma importância quando se trata da influência da
opinião pública diz respeito à escolha dos membros do Tribunal e às garantias
funcionais que lhes são conferidas. O critério adotado no Brasil, desde a criação do
Tribunal pela Constituição de 1891, é inspirado no modelo norte-americano, em que a
nomeação é feita pelo Presidente da
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República, após sua escolha ser aprovada pelo Senado Federal (CRFB/88, Art.
102, parágrafo único).83 Em que pesem as semelhanças formais apontadas, há um
importante aspecto subjacente às escolhas que impede estabelecer uma exata correlação
da influência dos fatores extrajurídicos no comportamento judicial dos membros das
duas Cortes. Explica-se.
A grande maioria dos cientistas políticos norte-americanos aponta a ideologia
como o fator determinante na tomada de decisão dos membros da Suprema Corte,
sobretudo em casos difíceis envolvendo temas ideologicamente carregados - como
aborto, pena de morte e liberdades civis em geral. Um dos principais critérios utilizados
para a identificação da postura liberal ou conservadora de um justice é exatamente o
partido (Democrata ou Republicano) do Presidente de nomeação, por haver na
experiência norte-americana uma forte tradição de escolha dos membros da Suprema
Corte com base na afinidade ideológico-partidária (hipótese da influência indireta). Este
critério, apesar da aparente ingenuidade e imprecisão, costuma ter um considerável
sucesso preditivo, fornecendo fortes evidências de que o partido político do Presidente é
um Proxy consistente e altamente revelador da medida da ideologia dos justices,
apontada como um fator de grande influência no resultado dos casos e, por conseguinte,
nos rumos do direito. (FRIEDMAN, 2005, p. 277-279). Nesse contexto, a nomeação do
Presidente é considerada a principal razão subjacente à convergência de opiniões. No
caso do STF, contudo, esta hipótese não parece ter a mesma força, mesmo se
considerarmos a expressiva média de nomeação de quatro Ministros por mandato
presidencial, ou seja, duas vezes mais que a estimativa feita por Robert Dahl para a
Suprema Corte dos EUA.84 Isso porque, na tradição brasileira, além de não haver uma
dicotomia ideológica (liberal/conservador)
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83 MENDONÇA; BARROSO (2013): “Existem, essencialmente, duas fórmulas de nomeação de juízes de supremas cortes e cortes constitucionais: (i) a que tem predominância do Executivo, com participação do Legislativo no processo de aprovação; e (ii) a que tem predominância - ou exclusividade - do Legislativo. A hipótese tipo da primeira fórmula é a Suprema Corte dos Estados Unidos, em que os justices são indicados pelo presidente e aprovados pelo Senado. A segunda fórmula é adotada, por exemplo, na Alemanha, onde os juízes constitucionais são designados pelo Legislativo (em rigor, metade pelo Parlamento e a outra metade pelo Conselho Federal, órgão de representação dos Estados).” 84 Desde 21 de abril de 1985 até hoje, foram nomeados cinco Ministros por José Sarney; quatro por Fernando Collor, um por Itamar Franco; três por Fernando Henrique; oito por Luiz Inácio Lula da Silva; e quatro por Dilma Roussef (contando com o Ministro que será nomeado para a vaga de Ayres Britto). A média é de aproximadamente 1,12 Ministros nomeados a cada ano de mandato do Presidente da República.
tão rígida e clara, não há qualquer indício de que a ideologia seja o fator
determinante na escolha da grande maioria dos Ministros. Embora a escolha feita pelos
Presidentes seja pautada por certas afinidades, em geral, não há uma preocupação com a
posição político-ideológica do nomeado, mesmo porque a identificação de posições
ideológicas bem definidas costuma ser rara até dentro dos quadros da maioria dos
partidos políticos brasileiros. O processo de nomeação costuma ser marcado por
preocupações de caráter mais imediato, de curto prazo, por vezes relacionadas a temas
específicos constantes da pauta de julgamento do Tribunal e considerados estratégicos
ou de maior relevância para o governo naquele momento. Há quem afirme que, não
raro, há casos em que os motivos determinantes para a escolha são pouco republicanos.
Parece que, felizmente, o escolhido nem sempre atua da forma esperada. Tendo em
consideração que as garantias da vitaliciedade e da irredutibilidade dos subsídios
(CRFB/88, Art. 95, I e III) protegem os membros do Tribunal contra ingerências e
pressões dos demais poderes, caso não exista uma identidade ideológica real entre o
nomeado e o partido do Presidente, não se deve esperar uma sintonia entre as
preferências políticas. Vale destacar, ainda, a diferença de escrutínio em relação ao
candidato à vaga. Enquanto nos EUA o Senado costuma ser bastante rigoroso no
processo de confirmação do escolhido, no Brasil, a sabatina tem um caráter quase pro
forma sendo que, salvo por raras exceções individuais, a sessão costuma ser marcada
por exaltações ao candidato mais do que por uma avaliação rigorosa de seu “notável
saber jurídico”.85 Conforme apontado por Rodrigo Brandão (2012, p. 128), a prática
usual do Senado brasileiro de apenas referendar, sem maiores considerações, o nome
escolhido pelo Presidente da República, “reduz o potencial de o respectivo processo
gerar um nível significativo de judicial accountability”, característica reforçada pela
investidura vitalícia. Na experiência brasileira, portanto, o processo de nomeação não
parece ser um bom indicativo para a convergência entre a opinião pública e as decisões
do Supremo.
Em relação à hipótese da legitimidade institucional, há uma diferença
significativa no controle de constitucionalidade exercido nos dois países
↑305│306↓
85 Desde a criação do STF, a única oportunidade na qual os Senadores fizeram uma sabatina realmente rígida e que acabou por resultar na não confirmação dos escolhidos foi quando o segundo presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, em nítida represália à atuação do Tribunal, indicou um médico (Barata Ribeiro) e dois generais (Ewerton Quadros e Inocêncio Galvão de Queiroz). Apesar de terem ocupado o cargo por alguns meses, o Senado não confirmou os escolhidos para a vaga.
a ser considerada. Nos EUA, a judicial review é resultante de uma criação
jurisprudencial, cujas bases teóricas foram formuladas pelo Chief Justice Marshall na
mais famosa decisão de todos os tempos (Marbury v. Madison, em 1803). No Brasil, o
fato de o controle de constitucionalidade encontrar fundamento expresso na
Constituição,86 em certa medida, reduz a preocupação da Corte com o apoio do público,
embora não seja suficiente para afastá-la por completo. O STF, assim como as demais
Cortes Constitucionais, também necessita de outras instituições para conferir
efetividade a muitas de suas decisões o que, de certo modo, atua como um
constrangimento para que ele opere dentro de certos limites gerais de aceitação pública.
O prestígio institucional advindo do apoio do público parece ter maior influência, no
entanto, sobre a opção por uma postura mais ativista ou deferente. A decisão do STF a
favor da perda automática de mandato de parlamentares condenados criminalmente em
decisão transitada em julgado ilustra bem o que se quer afirmar. Na questão, havia uma
margem razoável para duas interpretações em sentidos opostos: conferir ao Legislativo
a decisão final sobre a perda dos mandatos (postura de autocontenção) ou conferir ao
próprio Tribunal a última palavra (postura ativista).87 Sem embargo de alguns
congressistas argumentarem que este último entendimento levaria a uma ingerência
indevida do Judiciário em atribuições políticas do Legislativo e até mesmo das ameaças
feitas pelo Presidente da Câmara dos Deputados (Marco Maia, PR/RS) sobre uma
possível crise institucional, o STF, por cinco votos a quatro, adotou uma postura nada
deferente (AP 470/DF).88 Não parece despropositado supor que a “descrença da
população
↑306│307↓
86 No direito brasileiro, o controle difuso de constitucionalidade (sistema norte-americano de controle) vem sendo consagrado desde a primeira Constituição Republicana de 1891, ao passo que o controle concentrado (sistema austríaco ou europeu de controle) foi introduzido na Constituição de 1946, pela Emenda Constitucional 16/1965, sendo expressamente consagrado, desde então, em todas as demais constituições brasileiras. A Constituição de 1988 consagra, de forma direta, a competência do STF para exercer o controle concentrado de constitucionalidade (CRFB/88, Arts. 102, I, a e § 1º; e, 103, §2º); e, de forma indireta, a possibilidade de exercício do controle difuso pelo STF (CRFB/88, Arts. 52, X e 102, III) e por outros tribunais (CRFB/88, Art. 102, III, b). 87 Sobre o tema, no sentido que a perda deveria ser automática, cf. “O STF e a extinção dos mandatos parlamentares” (Jane Reis Gonçalves Pereira e Carlos Alexandre de Azevedo Campos). Disponível em: http://estadodedireitos.com/; em sentido contrário, “O Mensalão e os limites da interpretação constitucional” (Daniel Sarmento). Disponível em: http://www.danielsarmento.com.br/2012/11/o-mensalao-e-os-limites-da-interpretacao-constitucional/. 88 Imediatamente após o STF ter decidido caber à Câmara dos Deputados apenas a declaração da (e não a decisão sobre) a perda do mandato dos deputados condenados no “julgamento do mensalão”, o Presidente da Casa qualificou o entendimento adotado como uma “ingerência do Judiciário no Legislativo e disse que, na sua visão, a tramitação de propostas que tiram prerrogativas do STF, será mais célere. Marco Maia (PT/RS) afirmou: “Tem uma lista de projetos na Câmara dos Deputados que estão tramitando há algum tempo que tratam das prerrogativas do STF. Não tenha duvida de que, nessa linha que vai, esses projetos andarão certamente dentro da Câmara com mais rapidez”.
na política majoritária”89 conjugada com a onda de popularidade na qual o
Tribunal vem surfando possa ter contribuído, em alguma medida, para este resultado.90
Se o prestígio institucional dos dois órgãos estivesse em uma situação inversa, talvez a
maioria optasse por uma postura de maior deferência em relação ao Legislativo. O
apoio específico da maioria popular em relação à decisão pela perda automática do
mandato também deve ter contribuído, mas não exclui a probabilidade de que o capital
político fornecido pelo apoio difuso tenha atuado como uma razão contributiva para o
resultado final. É possível, portanto, formular uma hipótese no sentido de que quanto
maior o prestígio institucional da Corte, maior a probabilidade desta adotar uma
postura mais ativista [Hipótese 1].
As outras duas hipóteses supramencionadas parecem bastante razoáveis para
explicar a influência da opinião pública no comportamento judicial dos Ministros do
STF. Os membros de uma Corte Constitucional, em qualquer lugar do mundo, são seres
humanos com características inerentes à própria natureza humana. Nessa condição, têm
um interesse pessoal em manter uma reputação positiva perante o público (hipótese do
autointeresse) e estão susceptíveis à influência da evolução das normas e valores sociais
(hipótese da socialização política). É bastante provável que a estima e a consideração
do público forneçam, em relação a alguns julgadores, valiosos incentivos em contextos
de grande repercussão social. Há, contudo,
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uma importante ressalva a ser feita. Em que pese a escassez de pesquisas de
opinião pública impedir uma afirmação com bases empíricas sólidas, a impressão que se
tem é a de uma maior sintonia do Supremo com as preferências políticas da elite
intelectual e econômica do que com o público em geral, o que poderia ser explicado
pelos motivos seguintes.
89 SARMENTO (2009, p. 53): “A percepção geral, alimentada por sucessivos escândalos e pelo discurso de alguns meios de comunicação social, de que a política parlamentar e partidária são esferas essencialmente corrompidas, que se movem exclusivamente em torno de interesses e não de valores, gera em alguns setores a expectativa de que a solução para os problemas nacionais possa vir do Judiciário. E este sentimento é fortalecido quando a Justiça adota decisões em consonância com a opinião pública – como ocorreu no recebimento da denúncia criminal no caso do “mensalão”, na definição de perda do mandato por infidelidade partidária, e na proibição do nepotismo na Administração Pública.” 90 Segundo pesquisa do Datafolha, durante o julgamento do mensalão a confiança dos brasileiros no STF cresceu em três pontos percentuais, passando de 67% em agosto para 70% em dezembro de 2012. Neste período, foi a única instituição que obteve aumento no grau de confiança da população. (CAMPANHA, 2012, p. A6).
Devido ao conhecimento da maior parte das decisões do STF ficar restrito a um
pequeno grupo, parece plausível que os Ministros tenham uma preocupação maior em
manter uma reputação positiva perante pessoas com as quais convivem diariamente
(familiares, amigos, colegas de Tribunal) ou que têm conhecimento das decisões
(acadêmicos e profissionais do Direito) do que com o público de massa. Ademais, a
transmissão das sessões plenárias pela TV Justiça, cuja plateia principal é composta por
pessoas ligadas à área jurídica, pode atuar como um forte incentivo para aumentar o
grau de preocupação com este segmento específico do público, especialmente no caso
daqueles Ministros ligados à área acadêmica. Em relação à hipótese da socialização
política, considerando que a grande maioria dos Ministros advém da classe média e
pertencem a uma elite intelectual,91 é possível que reajam à evolução das normas e
valores sociais de forma mais próxima a dos membros deste segmento.
A decisão sobre a União homoafetiva ilustra esta sintonia com os grupos de
elite. Em pesquisa de opinião pública realizada pelo Ibope inteligência, entre 14 e 18 de
julho de 2011, aproximadamente dois meses após a decisão do STF, apenas 45% dos
entrevistados declarou ser a favor da união estável entre homossexuais. No entanto, à
medida em que aumentava a classe social,92 a renda93 ou a escolaridade94 a proporção se
invertia. Entre as pessoas com ensino superior, o percentual de pessoas favoráveis
chegou a 60%. Embora não existam pesquisas tão abrangentes em relação a outras
decisões específicas, nos últimos anos, o Supremo tem se caracterizado por uma
tendência fortemente liberal e mais à esquerda em relação
↑308│309↓
às instâncias representativas,95 posicionamento que está mais próximo da
ideologia da elite intelectual brasileira do que do público em geral que, em sua maioria,
é conservador e situado mais à direita.96
91 Para uma análise do perfil social e da trajetória de carreira dos Ministros do STF, cfr. OLIVEIRA (2012, p. 45 e ss.). 92 Classe social A/B: 49% a favor e 51% contra; Classe C: 44% a favor e 56% contra; Classe D/E: 38% a favor e 62 % contra. 93 Renda até 1 salário mínimo (SM): 45% a favor e 55% contra; mais de 1 a 2 SM: 41% a favor e 59% contra; de 2 a 5 SM: 47% a favor e 53% contra; de 5 a 10 SM: 52% a favor e 48% contra; mais de 10 SM: 55% a favor e 45% contra. 94 Até 4ª série do ensino fundamental: 32% a favor e 68% contra; 5ª a 8ª série: 44% a favor e 56% contra; Ensino Médio: 48% a favor e 52% contra; Ensino Superior: 60% a favor e 40% contra. 95 BARROSO; MENDONÇA (2012): “No campo dos direitos sociais, em particular, é possível dizer que a Corte tem se posicionado à esquerda das instâncias representativas. Após inúmeras decisões relacionadas ao direito de cada indivíduo a exigir tratamentos médicos do Poder Público, o STF começa a sinalizar que está disposto a estender seu controle também a outros tipos de políticas públicas.”
Um último ponto a ser ressalvado em relação à perspectiva institucional é o fato
de que cada juiz responde à interferência de fatores extrajurídicos com sensibilidade,
velocidade e intensidade diferentes. Considerando que as decisões colegiadas são
tomadas por maioria, nem sempre a influência desses fatores sobre o comportamento
judicial de alguns membros terá reflexos diretos sobre a decisão do Tribunal. Não
obstante, em questões nas quais o colegiado está fortemente dividido, se um único
membro for afetado pela opinião pública, esta influência poderá ter um impacto
decisivo no resultado final. Portanto, o alinhamento entre as decisões de uma Corte
Constitucional e os pontos de vista da sociedade não exige que todos os membros sejam
igualmente sensíveis à opinião pública em todos os momentos.97 Em regra, a influência
direta da opinião pública é maior quando
↑309│310↓
as preferências políticas pessoais (ideologia) do juiz sobre a questão são mais
moderadas. Nos casos em que possui um viés ideológico extremado, dificilmente o
julgador confere à opinião pública - ou a qualquer outro fator extrajurídico - um peso
suficientemente forte a ponto de alterar o resultado de sua escolha. Sobre este aspecto, é
possível formular a seguinte hipótese: Quanto mais forte a ideologia do juiz, menor a
probabilidade de influência da opinião pública no raciocínio decisório [Hipótese 2].
Por conseguinte, quando um tribunal é ideologicamente dividido, os membros mais
96 Pesquisa realizada pelo Datafolha revelou que os eleitores se localizam mais à direita que à esquerda no espectro político. No questionário pedia-se para que o entrevistado identificasse sua posição política em gradação que variava de 1 a 7, sendo 1 mais à esquerda e 7 mais à direita. Dos entrevistados, 17% se consideram de centro (apontando o n. 4), 20% mais próximos da esquerda (7% extrema esquerda, 5% esquerda e 3% centro-esquerda) e 37% mais à direita 37% (13% centro-direita, 10% direita e 14% extrema direita). Um quarto dos eleitores brasileiros (25%) não soube se identificar no espectro político. Os resultados de 2010 não apresentaram variações significativas em relação à pesquisa anterior realizada em 2006, na qual 22% se classificavam à esquerda (10% extrema esquerda, 5% esquerda e 7% centro-esquerda), 17% como centro e 35% mais à direita (10% centro-direita, 9% direita e 16% extrema direita). Na época, 25% também não souberam dizer qual a sua posição política. Ainda de acordo com a pesquisa, quanto mais alto o grau de escolaridade do entrevistado, maior a tendência de posicionamento político em torno do centro e em direção à esquerda: com ensino fundamental (5% de centro-esquerda, 12% de centro e 12% de centro-direita); com ensino médio (10% de centro-esquerda, 21% de centro e 12% de centro-direita; com grau de escolaridade superior (15% de centro-esquerda, 23% de centro e 17% de centro-direita). Como se pode notar, o percentual de entrevistados com ensino superior que se dizem de centro-esquerda é três vezes maior em comparação com os que possuem apenas o ensino fundamental. DATAFOLHA, Opinião Pública, 30/05/2010. Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=983. Acesso em: 28/01/2013. 97 MISHLER; SHEEHAN (1994, p. 721): “O critério da regra da maioria [adotado pela] Corte significa que a opinião pública pode influenciar as decisões da maioria apenas quando o impacto da opinião pública sobre cada justice é generalizado ou quando a distribuição ideológica de opiniões entre os justices é mais ou menos equilibrada. A partir do momento em que assumimos que as atitudes judiciais são relativamente resistentes à mudança, se torna improvável que a opinião pública tenha amplos efeitos individuais. Assim os efeitos coletivos são provavelmente dependentes da existência de um equilíbrio ideológico. Desde que o Tribunal seja razoavelmente equilibrado, o impacto da opinião pública mesmo que seja sobre um único justice pode ser suficiente para alterar as decisões da Corte nas margens. Mas quando a ideologia da Corte se converte de tal forma que uma mudança no voto de um ou dois justices é insuficiente para alterar os resultados da maioria, então, é provável que a opinião pública tenha pouca influência direta sobre as decisões da Corte.”
moderados acabam atuando como o fiel da balança e, por isso, o seu voto costuma ter
um peso decisivo para o resultado final.98 De acordo com esta hipótese, quanto mais
ideologicamente dividido o tribunal, maior a probabilidade de influência da opinião
pública [Hipótese 3].
3.2 A perspectiva jurídico-normativa
Um dos fatores determinantes para o comportamento judicial é o grau de
determinação do direito. Dispositivos normativos claros e precisos, jurisprudência
sedimentada e doutrina incontroversa impõem fortes limites à margem de atuação
judicial. No sentido contrário, quanto maior o grau de indeterminação do material
jurídico convencional, maior a probabilidade de que o comportamento judicial seja
influenciado por fatores extrajurídicos.99 Assim, é possível afirmar que, de um modo
geral, quanto menor a
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clareza e precisão da premissa normativa, do grau de determinação e
vinculatividade do precedente aplicável ao caso e da divergência na doutrina sobre o
tema a ser julgado, maior a probabilidade de que a opinião pública exerça algum tipo de
influência.100
No âmbito constitucional há algumas diferenças fundamentais entre as duas
realidades. Quanto à extensão, diversamente da Constituição norte-americana de 1787,
cujo texto sintético é marcado pela presença de princípios gerais que exigem uma
densificação doutrinária e jurisprudencial, a Constituição brasileira de 1988 é
extremamente analítica, contendo dispositivos mais precisos nos quais a margem de
ação do intérprete é, em tese, menor. É de se notar, contudo, que por mais paradoxal que
possa parecer, quanto maior a quantidade de dispositivos constitucionais ou legais,
maior o potencial de judicialização de determinados temas e, por conseguinte, maior o
98 FRIEDMAN (2009, p. 375): “A Corte irá sempre ter seus [membros] extremistas. Mas os justices tomam decisões pelo voto majoritário, dando ao justice “mediano”, o justice [situado] no centro da Corte, um enorme poder.” 99 Como observa Patrícia Mello (2011, p. 360), “há hipóteses em que a ausência de regras específicas, a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, a imprecisão da linguagem ou a existência de normas de mesma hierarquia conducentes a soluções antagônicas, dentre outros fatores, podem abrir espaço para uma maior discricionariedade judicial. Nestes casos, a decisão é um ato de vontade, de escolha entre as diversas soluções possíveis. Obviamente, a escolha não é inteiramente livre. Deve ser passível de justificação com base no direito. Mesmo assim, o espaço de conformação do juiz é muito maior.” 100 FRIEDMAN (2009, p. 8): “O grande problema, naturalmente, é que quando a questão é complexa [fraught], o povo americano geralmente discorda sobre o que a Constituição significa. O mesmo acontece com os justices. É por isso que as decisões judiciais de interpretação da Constituição se tornam tão polêmicas.”
espaço de atuação interpretativa - e, portanto, criativa - do Judiciário. No que se refere
aos direitos fundamentais, um dos campos temáticos mais suscetíveis à influência de
fatores extrajurídicos, há dois aspectos relevantes a serem observados. Por um lado, o
catálogo de direitos consagrado na Constituição dos EUA, apesar de conter dispositivos
mais vagos e imprecisos, restringe-se basicamente aos direitos civis e políticos. Na
Carta Cidadã de 1988, muitos dos dispositivos que consagram os direitos civis e
políticos são mais específicos, dotados de maior clareza e precisão. Em contrapartida,
há um extenso rol de direitos sociais e econômicos que, frequentemente, são
extremamente “vagos, fluidos e programáticos” o que permite, como assinalado por
Cappelletti (1993, p. 60), um “inevitável alto grau de ativismo e criatividade do juiz
chamado a interpretá-los.”101 Tais diferenças desempenham um papel
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decisivo no peso atribuído pelo julgador a fatores jurídicos e extrajurídicos.
Quanto maior a densidade normativa, menor a margem de ação do intérprete. Assim, se
por um lado o caráter regulamentar de muitos de nossos dispositivos constitucionais
reduz significativamente as hipóteses susceptíveis a interpretações razoavelmente
divergentes nas quais os fatores extrajurídicos - dentre eles a opinião pública -
encontram um ambiente propício para atuar com maior intensidade; por outro, a maior
quantidade de temas constitucionalizados - em especial, o extenso catálogo de direitos
sociais e econômicos – abre um amplo espaço de atuação criativa para o Judiciário
potencializando a interferência de fatores estranhos ao direito.102 Em suma: o material
jurídico norte-americano proporciona um ambiente mais favorável à interferência da
opinião pública sobre o comportamento judicial em certas matérias; em outras, como no
101 CAPPELLETTI (1993, p. 42): “É manifesto o caráter acentuadamente criativo da atividade judiciária de interpretação e de atuação da legislação e dos direitos sociais. Deve reiterar-se, é certo, que a diferença em relação ao papel mais tradicional dos juízes é apenas de grau e não de conteúdo: mais uma vez impõe-se repetir que, em alguma medida, toda interpretação é criativa, e que sempre se mostra inevitável um mínimo de discricionariedade na atividade jurisdicional. Mas, obviamente, nessas novas áreas abertas à atividade dos juízes haverá, em regra, espaço para mais elevado grau de discricionariedade e, assim, de criatividade, pela simples razão de que quanto mais vaga a lei e mais imprecisos os elementos do direito, mais amplo se torna também o espaço deixado à discricionariedade nas decisões judiciárias. Esta é, portanto, poderosa causa da acentuação que, em nossa época, teve o ativismo, o dinamismo e, enfim, a criatividade dos juízes.” 102 BARROSO; MENDONÇA (2012): “Em algumas matérias, notadamente nas questões relacionadas à concretização dos direitos sociais e à modernização das instituições políticas, o STF tem atendido anseios sociais antigos, inclusive alguns que jamais tiveram condição de se articular formalmente. Nessa linha, seria possível citar a decisão que declarou a inconstitucionalidade do nepotismo, ou ainda a decisão que pôs fim à troca oportunista de partidos políticos por parte dos parlamentares eleitos, logo após as eleições. Em ambos os casos, especialmente no primeiro, a percepção social foi majoritariamente positiva e passou pela ideia de que o Tribunal estaria solucionando questões que se encontravam obstruídas na agenda política.”
caso das normas de direitos sociais e econômicos, o nosso ambiente jurídico se mostra
mais suscetível a tal influência.
A existência de uma jurisprudência constitucional relativamente consolidada e a
tradição de respeito aos precedentes possuem conotações distintas nas duas culturas
jurídicas. A Constituição norte-americana tem mais de 225 anos de existência, tempo
suficiente para o desenvolvimento de uma jurisprudência consolidada sobre inúmeras
matérias constitucionais.103 Esta particularidade, somada à noção arraigada de respeito
ao precedente, característica inerente ao sistema da common law, em tese, atua
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como uma importante limitação à interferência de fatores extrajurídicos. No caso
brasileiro, o surgimento relativamente recente de uma nova ordem constitucional e, por
consequência, a inexistência de jurisprudência constitucional sobre diversos temas,
reduz a complexidade do ônus argumentativo para afastar posições contrárias às
preferências pessoais do julgador e, por conseguinte, facilita a interferência de fatores
extrajurídicos na decisão.104
No âmbito da dogmática jurídica, algumas considerações acerca do atual estágio
da doutrina brasileira se fazem necessárias. O neoconstitucionalismo, concepção teórica
com um número crescente de adeptos no Brasil,105 possui características centrais que
podem favorecer a interferência de fatores extrajurídicos sobre o comportamento
judicial, sobretudo quando adotada em suas versões mais extremadas. É o caso, e.g., da
conhecida concepção que Luis Prieto Sanchís (2005, p. 131-132) resume em cinco
aspectos:
103 Uma metáfora particularmente esclarecedora, formulada por Barry Friedman e Scott Smith, refere-se à constituição “sedimentária”, formada por montanhas de desenvolvimentos históricos construídos pela dogmática sobre o texto de dispositivos constitucionais e, ao mesmo tempo, por vales profundos de textos ainda carentes de uma interpretação consolidada. (SHAPIRO, 2008, p. 935-936). 104 De acordo com a Teoria da Argumentação Jurídica formulada por Robert Alexy (2008a, p. 267), devem ser observadas duas regras mais gerais sobre o uso de precedentes: “Quando se puder citar um precedente a favor ou contra uma decisão, isso deve ser feito”; e, “Quem quiser se afastar de um precedente assume uma carga de argumentação”. Para uma visão ampla sobre o argumento por precedentes, cf., por todos, BUSTAMANTE (2012). 105 SARMENTO (2009, p. 49-50): “Estas novas ideias [neoconstitucionalistas] já reverberam fortemente na jurisprudência nacional, sobretudo do Supremo Tribunal Federal, que, nos últimos tempos, tem cada vez mais invocado princípios abertos nos seus julgamentos, recorrido à ponderação de interesses e ao princípio da proporcionalidade com frequência e até se valido de referências filosóficas na fundamentação de decisões. Aliás, é digna de nota a influência da doutrina constitucional na atuação do Supremo Tribunal Federal.”. No mesmo sentido, BRANDÃO (2012, p. 142-143): “[...] percebe-se um forte alinhamento entre a jurisprudência do STF e as teses básicas do neoconstitucionalismo. Destacam-se a aplicação direta de princípios constitucionais pelo Judiciário, e o emprego de raciocínios lógicos que seguem uma metodologia mais fluida do que a subsunção (ponderação e proporcionalidade) e de argumentação de índole técnica, política, filosófica, e, especialmente, moral.” (grifo no original).
mais princípios que regras; mais ponderação que subsunção; onipresença da Constituição em todas as áreas jurídicas e em todos os conflitos minimamente relevantes, em lugar de espaços livres em favor da opção legislativa ou regulamentaria; onipotência judicial em lugar de autonomia do legislador ordinário; e, por último, coexistência de uma constelação plural de valores, às vezes tendencialmente contraditórios, em lugar de uma homogeneidade ideológica em torno de um punhado de princípios coerentes entre si e em torno, sobretudo, às sucessivas opções legislativas.
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Dentre os aspectos identificadores do neoconstitucionalismo teórico, dois
apresentam relevantes implicações para a presente análise: a onipresença da
constituição e a valorização dos princípios.
A Constituição tem como uma das características distintivas em relação às leis o
maior grau de abertura de suas normas que, muitas vezes, são formuladas
linguisticamente em termos vagos e imprecisos, carentes de densificação legislativa,
jurisprudencial e/ou doutrinária. O ambiente de aplicação judicial da constituição
possui, assim, uma dimensão volitiva e constitutiva mais ampla em comparação com o
de aplicação das leis.106 Assim, a visão de uma constituição onipresente, além de
restringir de forma excessiva o espaço de atuação dos demais atores políticos
legitimados pelo batismo popular, cria um ambiente ainda mais propício à interferência
da opinião pública, uma vez que quanto mais aberto e impreciso o enunciado normativo,
mais ampla a margem de ação do intérprete e, por conseguinte, maior a probabilidade de
o comportamento judicial ser influenciado por fatores extrajurídicos. Ademais, o
potencial conflituoso decorrente da constelação plural de valores, às vezes
tendencialmente contraditórios, consagrados na constituição, pode favorecer a opção
pela prevalência de valores e preferências pessoais, caso a ponderação ou a
categorização sejam realizadas sem a observância de certas limitações e exigências de
cunho metodológico.
Nos últimos anos, o ambiente intelectual tem se caracterizado por uma
valorização excessiva dos princípios, muitas vezes, em detrimento das regras. Esta visão
106 SARMENTO (2006, p. 184-185): “Boa parte das prescrições constitucionais está expressa em linguagem muito vaga: dignidade da pessoa humana, igualdade, solidariedade social, moralidade administrativa, etc. Pessoas razoáveis podem discordar – e de fato frequentemente discordam -, sobre o que significa aplicar uma norma com esta estrutura num determinado caso. [...] Portanto, ao aplicar normas desta espécie, o intérprete não age como a ‘boca fria’ das palavras do constituinte. Inevitavelmente, ele acaba participando da construção do sentido da norma. Se a interpretação jurídica, no geral, apresenta tanto uma dimensão cognitiva e declaratória, como uma dimensão volitiva e constitutiva, é fato que esta última dimensão tende a ser especialmente pronunciada no âmbito do Direito Constitucional.”
estimula a invocação de princípios extremamente abstratos - por vezes já devidamente
concretizados no próprio texto constitucional - em situações desnecessárias e, não raro,
indevidas, nas quais existe regra específica sobre o tema. Esse tipo de procedimento
ignora a existência de uma “primazia do nível das regras”107 e que estas, com
frequência, representam
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“uma espécie de compromisso entre princípios conflitantes.”108 Ao formular
uma regra, em vez de deixar aberta a solução para uma ponderação posterior a ser feita
pelo juiz ou pelo legislador, o próprio constituinte opta por fazer uma ponderação pré-
legislativa (ÁVILA, 2008, p. 189). Quando um juiz substitui uma regra produzida
institucionalmente por outra resultante de seu próprio sopesamento, acaba fazendo
valer, em muitos dos casos, suas valorações pessoais sobre aquelas constitucionalmente
estabelecidas. A aplicação direta de princípios constitucionais abertos, dotados de
elevado grau de generalidade e abstração, por conferir ao juiz uma margem de ação
extremamente ampla, acaba se mostrando mais susceptível à subjetividade do que a
aplicação de regras, sobretudo quando a ponderação é realizada de forma ad hoc, sem a
observância de critérios prévios e objetivos para a sua execução.109 Essa tendência se
mostra especialmente preocupante no
107 ALEXY (2008, p. 140): “A exigência de se levar a sério as determinações estabelecidas pelas disposições de direitos fundamentais, isto é, de levar a sério o texto constitucional, é uma parte do postulado da vinculação à Constituição. E é apenas uma parte desse postulado, porque, dentre outras razões, tanto as regras estabelecidas pelas disposições constitucionais quanto os princípios também por elas estabelecidos são normas constitucionais. Isso traz à tona a questão da hierarquia entre os dois níveis. A resposta a essa pergunta somente pode sustentar que, do ponto de vista da vinculação à Constituição, há uma primazia do nível das regras. Ainda que e o nível dos princípios também seja o resultado de um ato e positivação, ou seja, de uma decisão, a decisão a favor de princípios passíveis de entrar em colisão deixa muitas questões em aberto, pois um grupo de princípios pode acomodar as mais variadas decisões sobre relações de preferência e é, por isso, compatível com regras bastante distintas. Assim, quando se fixam determinações no nível das regras, é possível afirmar que se decidiu mais que a decisão a favor de certos princípios. Mas a vinculação à Constituição significa uma submissão a todas as decisões do legislador constituinte. É por isso que as determinações estabelecidas no nível das regras têm primazia em relação a determinadas alternativas baseadas em princípios.” 108 DWORKIN (1977, p. 77): “Na verdade, uma das minhas razões para elaborar a distinção entre regras e princípios foi exatamente para mostrar como as regras frequentemente representam uma espécie de compromisso entre os princípios concorrentes desta forma, e que este ponto poderia ficar perdido ou submerso se falássemos com muita liberdade sobre regras conflitantes com princípios.” 109 ÁVILA (2008, p. 196): A “ponderação deve: (a) indicar os princípios objeto de ponderação (pré-ponderação), (b) efetuar a ponderação (ponderação) e (c) fundamentar a ponderação feita. [...] Sem a observância desses requisitos ou fases, a ponderação não passa de uma técnica, não jurídica, que explica tudo, mas não orienta nada. E, nessa acepção, ela não representa nada mais de que uma ‘caixa preta’ legitimadora de um ‘deciosionismo’ e formalizadora de um ‘intuicionismo moral’. Esclareça-se que defender a ponderação sem, ao mesmo tempo e de saída, apresentar os critérios intersubjetivamente controláveis para sua aplicação, é legitimar doutrinariamente a sua utilização excessiva e arbitrária, de nada valendo a constatação tardia do seu desvirtuamento.”
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caso brasileiro, devido à “tendência atual de invocação frouxa e não
fundamentada de princípios” que acaba violando a “lógica do Estado Democrático de
Direito” por ampliar “as chances de arbítrio judicial, gera insegurança jurídica e
atropela a divisão funcional de poderes” (SARMENTO, 2009, p. 62).110 Como bem
ressaltado por Rodrigo Brandão (2012, p. 139), a ênfase conferida ao reconhecimento
da força normativa dos princípios não tem sido devidamente acompanhada pela
correspondente preocupação com os “rigores metodológicos e mecanismos de
autorrestrição judicial” como, por exemplo, a “margem de ação estrutural e epistêmica”
do legislador (Robert Alexy) e o “direito como integridade” (Ronald Dworkin).
Nos termos da Teoria dos Princípios formulada por Robert Alexy, a margem de
ação estrutural (“discricionariedade estrutural”) do legislador se refere àquilo que não
está obrigado e nem proibido pelas normas de uma constituição. Esta compreende “a
discricionariedade para definir objetivos, a discricionariedade para escolher os meios e a
discricionariedade para sopesar (ALEXY, 2008b, p. 584-585). Por sua vez, a margem
de ação epistêmica refere-se aos casos de incerteza sobre prognósticos relacionados a
situações fáticas nos quais o reconhecimento da competência do legislador para avaliar
as variáveis empíricas autoriza a intervenção legislativa no âmbito de proteção de um
direito fundamental, mesmo quando não se constata a veracidade das premissas
pressupostas, mas apenas sua incerteza (“margem de ação epistêmica empírica”). Nos
casos em que a incerteza está relacionada, não a situações fáticas, mas à melhor
quantificação dos direitos fundamentais em jogo também deve ser reconhecida ao
legislador uma área no interior da qual pode tomar decisões com base em suas próprias
valorações (“margem de ação epistêmica normativa”). Em outras palavras: a margem
de ação epistêmica normativa (discricionariedade cognitiva normativa) surge quando
os pesos dos princípios em colisão são incertos, ao passo que a margem de ação
epistêmica empírica (discricionariedade cognitiva empírica) se verifica quando as
premissas empíricas que sustentam a intervenção do legislador não são seguras. Nesses
casos de
110 SARMENTO (2009, p. 62): “E há na sociedade brasileira traços que tornam ainda mais perigosa esta tendência à frouxidão e emotividade na metodologia jurídica. Nossa cultura caracteriza-se muito mais pelo ‘jeitinho’ e pelo patrimonialismo do que pela valorização do cumprimento impessoal de regras. [...] Neste quadro, cabe indagar, sob a perspectiva de uma sociologia da interpretação constitucional, até que ponto a introdução entre nós de uma ‘dogmática fluida’ – a expressão é de Gustavo Zagrebelsky, um dos ícones do neoconstitucionalismo – não pode ter como efeito colateral o agravamento de patologias que marcam as nossas relações sociais.”
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incerteza, a primazia conferida às escolhas realizadas no âmbito legislativo, tem
como fundamento o “princípio formal da competência decisória do legislador
democraticamente legitimado” (ALEXY, 2008b, p. 612-615). Outro aspecto que, com
frequência, costuma ser ignorado por aqui é a Teoria da Argumentação Jurídica que, ao
lado das noções de margem de ação estrutural e epistêmica, também desempenha um
papel fundamental na Teoria dos Princípios. O código da razão prática formulado por
Robert Alexy (2008a, p. 47) tem como principal objetivo expor mais claramente os
defeitos quanto ao conteúdo, a incompletude da numeração e a insuficiência de precisão
na formulação dos argumentos. Embora as regras e formas de argumentação formuladas
não sejam capazes de determinar o resultado em todos os casos, elas excluem alguns
enunciados normativos (como “discursivamente impossíveis”) e, por conseguinte,
impõem os enunciados que lhes são opostos (como “discursivamente necessários”). No
espaçoso âmbito de aplicação dos princípios, isso não representa pouca coisa. As regras
do discurso prático racional não prescrevem de quais premissas os participantes do
discurso devem partir, mas indicam como chegar a enunciados normativos
fundamentados.111 A racionalidade do procedimento é determinada por um conjunto de
formas de argumentos e regras de justificação externa que expressam a ideia de
universalidade e visam à garantia da participação de todos no discurso, tratando cada
individuo com igual consideração.112
Na concepção de Ronald Dworkin (2007, p. 263-272), a “integridade” do direito
exige que as normas de uma comunidade sejam criadas e interpretadas de modo a
expressar, sempre que possível, “um sistema único e coerente de justiça e equidade na
correta proporção”. Dworkin (2007, p. 133-134) aponta três dimensões da integridade
que, segundo ele, não tem como objetivo a uniformidade, mas um princípio: “não
somos governados por uma lista de direitos e deveres, mas por um ideal, e isso significa
que a controvérsia é um elemento essencial da nossa vida em sociedade.” A dimensão
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111 ALEXY (2008a, p. 217-218): “Nos discursos jurídicos trata-se da justificação de um caso especial de proposições normativas, as decisões jurídicas. Podem distinguir-se dois aspectos da justificação: a justificação interna (internal justification) e a justificação externa (external justification). Na justificação interna verifica-se se a decisão se segue logicamente das premissas que se expõem como fundamentação; o objeto da justificação externa é a correção destas premissas.” 112 O conjunto compreende seis grupos: “regras e formas (1) de interpretação, (2) da argumentação da Ciência do Direito (dogmática), (3) do uso dos precedentes, (4) da argumentação prática geral e (5) da argumentação empírica, assim como (6) das chamadas formas especiais de argumentos jurídicos.” (ALEXY, 2008a, p. 227).
principiológica exige que a decisão judicial seja determinada por princípios, e
não por acordos, estratégias ou acomodações políticas. A dimensão vertical impõe ao
juiz o dever de demonstrar que sua afirmação é coerente com os precedentes e com as
principais estruturas do arranjo constitucional ao qual pertence. Por fim, a dimensão
horizontal prescreve ao juiz que aplica um princípio que lhe confira a devida
importância nos outros pleitos a serem decididos. Com o objetivo de destacar a
importância da consistência narrativa na interpretação jurídica, é utilizada uma metáfora
na qual é feita uma comparação entre a complexidade da tarefa judicial de decidir um
caso difícil e o papel desempenhado por vários autores que se dispõem à elaborar um
“ romance em cadeia” (chain novel). Neste projeto, um romance em série é escrito por
um grupo de autores, cabendo a cada um deles interpretar o capítulo que recebeu para
escrever, segundo um conjunto de princípios coerentes que assegurem a integridade do
texto, um novo capítulo que é então acrescentado ao material recebido pelo romancista
seguinte, e assim por diante. Neste empreendimento coletivo, cada um deve escrever
seu capítulo de modo a colaborar, da melhor maneira possível, para a continuidade e
desenvolvimento de um romance unificado. (DWORKIN, 2007, p. 276-277). A
metáfora do “romance em cadeia” corresponde ao ideal da “integridade” do Direito,
evidenciando a importância da vinculação de legisladores e juízes à prática revelada
pela história, sem deixar de lado a compreensão adequada de sua projeção para outros
casos futuros. Os juízes que aceitam o ideal interpretativo da integridade, ensina
Dworkin (2007, p. 305), “decidem casos difíceis tentando encontrar, em algum conjunto
coerente de princípios sobre os direitos e deveres das pessoas, a melhor interpretação da
estrutura política e da doutrina jurídica de sua comunidade.” Ao resolver um litígio, o
juiz não deve criar decisões do nada e nem simplesmente reproduzir decisões anteriores.
Cabe-lhe escolher o representante inicial que procede à leitura mais adequada da cadeia
de precedentes a ser continuada, sempre consciente da unidade na qual se insere sua
tarefa interpretativa.
Tais considerações têm relevância para demonstrar que, talvez o maior problema
não esteja no “neoconstitucionalismo” ou na “valorização dos princípios” em si,113 mas
sim na realização dessas ideias de uma forma
113 Esse também o entendimento de Daniel Sarmento (2009, p. 63-64): “Não penso que esta seja uma consequência necessária da adoção de uma perspectiva jurídica mais principialista no Brasil. O maior cuidado metodológico, adicionado à adoção de uma diretriz hermenêutica substantiva, que afirme a missão essencial do Direito de assegurar justiça e segurança às pessoas, tratando-as como livres e iguais, pode minimizar as possibilidades de um uso
↑318│319↓
radical ou apenas nos aspectos que interessam. Parece possível a adoção de uma
teoria neoconstitucionalista moderada, sem subjetivismos judiciais exacerbados e que
confira a devida deferência às escolhas realizadas pelo legislador. Basta, para isso,
conferir o devido peso ao “princípio formal da competência decisória do legislador
democraticamente legitimado” e a devida atenção à “integridade” do direito. Não se
pretende, portanto, retroceder ao estágio anterior da teoria das normas, tampouco negar
ou diminuir as conquistas alcançadas com a valorização dos princípios, mas apenas
alertar para o fato de que o uso indevido ou incompleto dessas teorias pode acabar
fomentando a interferência de influências extrajurídicas no resultado decisório final e
favorecendo a imposição de valorações subjetivas do intérprete.
A partir das considerações relacionadas à perspectiva jurídico-normativa é
possível formular a seguinte hipótese: Quanto maior o grau de indeterminação jurídica,
maior a probabilidade de influência da opinião pública [Hipótese 4].
3.3 A perspectiva fática
O interesse do público, o impacto social do caso, a relevância dos valores
envolvidos e a visibilidade da decisão são alguns dos fatores que podem favorecer a
influência da opinião pública sobre o comportamento judicial. Em julgamentos de
grande repercussão social, mesmo quando referentes a processos subjetivos, as decisões
costumam ser manchetes, são comentadas em editoriais de jornais e revistas, debatidas
no rádio e na televisão, além de circularem intensamente nas redes sociais. É natural e
compreensível que, nesses casos de alta saliência, os juízes tenham uma preocupação,
tanto de caráter pessoal como institucional, com a reação da sociedade à sua decisão.
Essa preocupação, embora não diga muito sobre a intensidade da interferência, permite
supor que a repercussão social do julgamento favoreça a influência da opinião pública
no resultado decisório final.
Dentro dessa perspectiva fática, uma diferença relevante a ser considerada é a
atenção conferida pela mídia e pelo público em geral às decisões dos dois Tribunais.114
No Brasil, a exposição midiática do STF é um
enviesado da teoria neoconstitucional, que acabe favorecendo aos mesmos de sempre. Mas, diante das nossas tradições, não há como negar que os riscos são elevados.” 114 POSNER (2008, p. 14): “A questão acerca de quais influências atuam no comportamento judicial é mais intensamente levantada com relação à Suprema Corte dos EUA. Os Ministros atuam com restrições ainda menores que as dos juízes federais, exceto no que se refere à restrição política imposta pela opinião pública. Esta restrição é
↑319│320↓
fenômeno bastante recente quando comparado com a Suprema Corte norte-
americana. Sendo a exposição do caso na mídia e o interesse do público na decisão
fatores determinantes para o grau de influência direta da opinião pública sobre o
julgamento, não se deve esperar que decisões com pouca visibilidade sofram a
interferência dos pontos de vista do público, pelo menos de uma maneira consciente e
direta.115
Por outro lado, se, quando os Membros da Corte Constitucional têm ampla
ciência das tendências fundamentais do conteúdo ideológico da opinião pública é
razoável supor que parte deles ajuste suas decisões para acomodá-las a essas tendências,
nos casos em que as informações sobre as preferências populares são insuficientes, por
óbvio, não se pode esperar a mesma atitude. Este aspecto deve ser considerado, pois,
como adverte Friedman (2009, p. 378), em certos casos nos quais o Tribunal parece
atuar de forma independente da opinião pública, na verdade, a divergência pode ser
resultante da falta de informações precisas.
Por todas essas razões, é provável que a influência direta da opinião pública
sobre as decisões do STF seja um fenômeno, não apenas recente, mas pontual, isto é,
verificável em relação a poucos casos específicos. Em geral, conforme o tipo de questão
a ser julgada, é mais provável que os Ministros se preocupem com outros atores que
acompanham a atuação cotidiana do Tribunal - como o Presidente, o Congresso,
profissionais da área jurídica, grupos de elite - do que propriamente com o grande
público. Mesmo nos EUA, o diagnóstico traçado por alguns estudiosos que se debruçam
sobre o tema é no sentido de que os membros da Suprema Corte, em razão de suas
experiências anteriores, são mais susceptíveis de se orientar pelos grupos de elite do que
pelo público em geral. (BAUM, 2008, p. 66).
A partir das considerações relacionadas à perspectiva fática é possível formular a
seguinte hipótese: Quanto maior a repercussão social do caso, maior a probabilidade
de influência da opinião pública [Hipótese 5].
↑320│321↓
maior para os justices porque suas decisões têm maior visibilidade e um maior impacto na sociedade (essa é a principal razão para a maior visibilidade).” 115 FRIEDMAN (2009, p. 377): “A Corte também tem uma melhor chance de seguir seu próprio caminho em casos que são de baixa relevância pública. A Corte decide muitos casos, e apenas uma parte deles pode chegar até a consciência pública. Em outros, o Tribunal pode voar sob o radar, despercebido.”
4. CONCLUSÃO
O objetivo principal desta abordagem foi trazer para o debate brasileiro algumas
reflexões a respeito da influência exercida pela opinião pública sobre os Ministros do
STF. Não fizeram parte das preocupações que nortearam este trabalho discutir se a
opinião pública deve ou não influenciar o comportamento judicial, ou em que medida e
em quais circunstâncias isso seria desejável. Essas são questões a serem desenvolvidas
em uma abordagem prescritiva que, embora também seja de extrema relevância,
pressupõe, em alguma medida, o conhecimento e a compreensão do cenário real, o que
só é possível através da observação e interpretação dos fenômenos empíricos e dos
mecanismos de pressão que atuam sobre o comportamento dos juízes.116 Ainda que
alguns possam considerar como falha a ausência de análises normativas ou de
investigações empíricas, não há como se fazer tudo de uma só vez. Com o avanço do
debate no Brasil, espera-se que novos estudos normativos e descritivos, inclusive com
dados estatísticos, sejam capazes de proporcionar uma visão mais ampla, precisa e
completa sobre o tema.
De qualquer modo, embora a inexistência de dados estatísticos inviabilize
qualquer conclusão mais específica sobre o grau de alinhamento político do Tribunal
com os pontos de vista da sociedade, é possível afirmar que, em determinados
contextos, existe uma grande probabilidade de que a opinião pública efetivamente
interfira, de alguma forma, no resultado decisório final. As investigações empíricas
realizadas em outros países demonstram ser de grande ingenuidade pensar que o
comportamento judicial é determinado exclusivamente pelo Direito e que os juízes
conseguem ficar totalmente imunes à interferência dos pontos de vista predominantes na
sociedade.
É importante ressalvar, contudo, que o fato de o comportamento judicial ser
influenciado pela opinião pública em determinados contextos decisórios não significa
que ele seja necessariamente determinado por ela. Se por um lado, dificilmente algum
juiz, por mais experiente que seja, consegue ficar totalmente indiferente à opinião
pública nos casos de alta saliência social e midiática; por outro, também é bastante
improvável que o indivíduo com sólida formação profissional e “notável saber jurídico”
116 Como destacado por Jane Pereira (2012), “o que é importante e decisivo no Brasil, hoje, é observar esses mecanismos de pressão que recaem sobre as Cortes, tentar entender como funcionam e buscar evitar que deságuem em desajustes institucionais.”
decida pura e simplesmente com base na vontade popular. O material jurídico
convencional é, sem dúvida, o principal elemento no processo decisório.
↑321│322↓
Mesmo quando o julgador considera o Direito insuficiente para, por si só,
determinar o resultado, este ainda desempenha um papel fundamental no sentido de
orientar e restringir as escolhas decisórias possíveis.
Quando se afirma que, sob determinadas circunstâncias fáticas (alta saliência
social da decisão) e jurídicas (relativa indeterminação do material jurídico convencional
referente ao caso),117 a opinião pública tem grande probabilidade de interferir no
comportamento judicial o que se quer dizer é que os pontos de vista da sociedade sobre
determinados assuntos podem atuar, juntamente com elementos jurídicos e outros
fatores extrajurídicos, como razões contributivas para a manutenção ou mudança de
uma determinada conclusão.118 Dito de outra forma: nos casos em que um julgador
possui sérias e razoáveis dúvidas sobre qual o melhor caminho a seguir, sobre qual das
alternativas possíveis e justificáveis adotar, a opinião pública pode atuar – de forma
consciente, subconsciente ou inconsciente - fornecendo razões a favor ou contra a
escolha de determinados resultados. Em que pese as decisões do plenário serem por
maioria, quando uma Corte Constitucional se encontra fortemente dividida, a influência
da opinião pública sobre o comportamento de um de seus membros pode ser decisiva
para moldar o resultado final.
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117 Vale frisar, uma vez mais, que a presente abordagem tem um caráter eminentemente descritivo. Por isso, não faz parte das preocupações que orientaram o desenvolvimento deste trabalho a polêmica doutrinária envolvendo a existência ou não de uma “única resposta correta”, mesmo para os chamados “casos difíceis”. Sobre o tema, cfr. DWORKIN (1977, p. 279 e ss); STRECK (2009, p. 360 e ss.). Para uma visão crítica, ver AARNIO (1987, p. 161 e ss.); NEVES (2006, p. 207 e ss.). 118 O termo “contributing reasons” é utilizado por Peczenik e Hage (2000, p. 307) para fazer referência às razões fornecidas pelos princípios que, embora não determinem conclusões por si mesmas como as razões fornecidas pelas regras, podem atuar a favor ou contra uma determinada conclusão. Segundo os autores, “é o conjunto de todas as razões relativas a uma determinada conclusão, tanto as razões pró e contra, que determinam se a conclusão se mantém.” A expressão, portanto, tem qualquer conotação valorativa no sentido de que, por se tratar de uma “boa” razão, a opinião pública deve ser considerada pelo julgador.
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[se fizer referência a este trabalho, utilize a paginação original, indicada ao longo do texto]
265↓
A INFLUÊNCIA DA OPINIÃO PÚBLICA NO COMPORTAMENTO JU DICIAL DOS MEMBROS DO STF
Marcelo Novelino**
O papel da opinião pública nas decisões de uma Corte Constitucional1 é uma das
questões mais inquietantes para os estudiosos do comportamento judicial que, há muito,
vêm debatendo se, como e por que as preferências populares influenciam o raciocínio
decisório de um juiz. Em termos descritivos, são questionadas as razões pelas quais um
juiz que não depende do apoio popular para ser nomeado ou para permanecer no cargo
se importa com a opinião pública e em que medida essa preocupação pode afetar as
decisões judiciais.2 Investigações empíricas têm demonstrado que o comportamento
judicial é influenciado - de forma consciente, subconsciente ou inconsciente -, não
apenas pela opinião pública, mas também por inúmeros fatores extrajurídicos,3 tais
como a ideologia, as características e interesses
↑265│266↓
individuais e as experiências pessoais e profissionais. A influência desses
fatores é destacada por Richard Posner (2008, p. 24) ao afirmar que “o resultado dos
casos decididos pela Suprema Corte dos EUA podem ser previstos mais precisamente
* Doutorando em Direito Público pela UERJ. Professor de Direito Constitucional exclusivo do Curso LFG. Procurador Federal. * Agradeço aos acadêmicos Felipe Romero, Flávio Costa e Rafael Alvim pela cuidadosa revisão do texto; ao amigo Carlos Alexandre Campos pela oportunidade do diálogo e pelas sugestões extremamente pertinentes e valiosas; e ao Daniel Sarmento, orientador e mestre pelo qual tenho profunda gratidão e admiração. Por evidente, estão todos eximidos de qualquer responsabilidade por eventuais equívocos. 1 Utilizaremos o termo “Corte Constitucional” para fazer referência tanto às Supremas Cortes inspiradas no modelo norte-americano, quanto aos Tribunais Constitucionais característicos do sistema europeu. 2 BARROSO (2011, p. 267): “A participação e o engajamento popular influenciam e legitimam as decisões judiciais, e é bom que seja assim. Dentro de limites, naturalmente. O mérito de uma decisão judicial não deve ser aferido em pesquisa de opinião pública. Mas isso não diminui a importância de o Judiciário, no conjunto de sua atuação, ser compreendido, respeitado e acatado pela população. A opinião pública é um fator extrajurídico relevante no processo de tomada de decisões por juízes e tribunais. Mas não é o único e, mais que isso, nem sempre é singela a tarefa de captá-la com fidelidade.” 3 A expressão fatores extrajurídicos será utilizada para designar, por exclusão, tudo aquilo que interfere no comportamento judicial e que não decorre do material jurídico convencional, isto é, da lei em sentido amplo, da jurisprudência e da doutrina.
por meio de um punhado de variáveis, nenhuma das quais envolvendo a doutrina
jurídica, do que por uma equipe de especialistas em direito constitucional.”
No Brasil, as análises positivas mais robustas acerca do comportamento judicial
tiveram início apenas na década de 1990 e, até o momento, ainda não foram capazes de
gerar uma linha de pesquisa consistente (RIBEIRO, 2012, p. 88). Nos últimos anos,
contudo, a intensa exposição pública do Supremo Tribunal Federal (STF) e de seus
Ministros tem despertado a atenção não só de cientistas políticos, mas também de
estudiosos da área jurídica, interessados em compreender de que forma as pressões
externas podem interferir no comportamento judicial fornecendo incentivos ou
restrições a determinadas escolhas.
Um conjunto de fatores tem contribuído para a crescente visibilidade do STF,
dentre eles, a inédita sequência de casos com forte apelo social, político e/ou midiático4
que teve como ápice o denominado “julgamento do mensalão” (AP 470/DF). O caso
despertou grande interesse do público e foi objeto de uma cobertura jamais vista no
país, com matérias e reportagens veiculadas diariamente em jornais, revistas, rádios e
emissoras de televisão. Dois mil e doze ficou conhecido como o “ano pop” do STF. No
período do julgamento, o Supremo foi citado 91.839 vezes nos veículos de comunicação
impressa, um expressivo aumento de 170% em relação ao mesmo
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período de 2011.5 A exposição midiática foi de tal monta que alguns dos
Ministros se tornaram personagens conhecidos de grande parte dos cidadãos
brasileiros.6 Toda esta atenção da imprensa traduz o imenso interesse social despertado.
4 Dentre os diversos temas de grande relevância política e social decididos pelo STF na última década, podem ser destacados a fixação do “número de vereadores” (ADI 3345/DF, j. 25/08/2005; ADI 4307-REF-MC, j. 11/11/2009), a “verticalização” das coligações partidárias (ADI 3685/DF, j. 22/03/2006), o afastamento da “Cláusula de barreira” (ADI 1351/DF, j. 07/12/2006), a vedação de “nepotismo” (ADC 12/DF, j. 20/08/2008; Súmula Vinculante n. 13, de 21/08/2008), a “fidelidade partidária” (ADI 3.999/DF e ADI 4.086/DF; j. 12/11/2008), a “Lei de Biossegurança” (ADI 3.510/DF; j. 29/05/2008), a demarcação da reserva indígena “Raposa Serra do Sol” (PET 3.388/RR; j. 19/03/2009), a “Lei de imprensa” (ADPF 130/DF, j. 30/04/2009), a extradição de Cesare Battisti (Ext. 1.085; j. 16/12/2009), a “Lei da Anistia” (ADPF 153/DF; j. 29/04/2010), a “Lei da Ficha-Limpa” (RE 633.703/MG, j. 23/03/2011; ADC 29 e 30/DF e ADI 4578/DF, j. 09/11/2011), as “uniões homoafetivas” (ADI 4.277/DF, j. 05/05/2011), a “Marcha da Maconha” (ADI 4274/DF, j. 23/11/2011), a extensão da competência disciplinar do CNJ (ADI 4.638/DF, j. 09/02/2012), o “aborto de fetos anencéfalos” (ADPF 54/DF, j. 12/04/2012), o “sistema de cotas” em universidades públicas (ADPF 186/DF, j. 26/04/2012) além, é claro, do “julgamento do mensalão” (AP 470/DF). 5 FERREIRA (2013, p. A10): “Em 2012, ano do julgamento do mensalão e de outros casos de grande repercussão, a exposição do Supremo Tribunal Federal (STF) em 1.424 veículos de mídia escrita do país cresceu 116%, na comparação com 2011. O pico no número de citações ao tribunal em jornais, revistas, portais e blogs da internet verificados por empresas de mídia contratadas pelo STF ocorreu em agosto, primeiro mês do mensalão, quando as referências à corte mais que quadruplicaram. O ‘ano pop’ do STF também foi percebido nas redes sociais. Em janeiro de 2012 o tribunal tinha cerca de 180 mil seguidores no Twitter. Esse número subiu para 316 mil em dezembro.” 6 Em uma pesquisa de opinião pública realizada no final de 2012, o Ministro Joaquim Barbosa - Relator do processo e um de seus principais protagonistas - chegou a ter 10% das intenções de voto para a Presidência da República,
A intensa exposição midiática e a pressão exercida pela opinião pública a favor
da condenação dos réus7 parece ter influenciado, em maior ou menor medida, a atitude
de parte dos Ministros.8 Não faltaram críticas dirigidas à suposta mudança na
jurisprudência do Tribunal, no sentido de ter se distanciado de sua tradição garantista e
flexibilizado a interpretação e os critérios de admissibilidade de determinadas provas.
Alguns especialistas em Direito Penal chegaram a afirmar que a “teoria do domínio do
fato”, adotada como fundamento teórico para parte das condenações, teria sido aplicada
equivocadamente, com finalidade distinta daquela para a qual foi desenvolvida.9
Pareciam sugerir que a teoria fora utilizada, não para se
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chegar ao resultado (raciocínio decisório), mas sim como uma justificação para
legitimar uma escolha prévia (raciocínio justificativo) influenciada, em grande medida,
pela pressão da mídia e da opinião pública. No lado oposto, também não faltou quem
apontasse a influência de fatores ideológicos, e até não republicanos, sobre o
comportamento de Ministros favoráveis a certas absolvições e reduções de penas.
Um verdadeiro embate doutrinário e ideológico foi travado entre os Ministros.
Se de um lado, o Relator, Ministro Joaquim Barbosa, considerou que a imposição de
algumas penas teria sido demasiadamente baixa em decorrência de uma “leitura
errônea” do dispositivo do Código Penal,10 de outro, o Ministro Dias Toffoli criticou a
“dureza” das penas aplicadas aos réus e chegou a defender a imposição de penas
alternativas para este tipo de crime, alegando se tratar de “pessoas que não são
aparecendo em terceiro lugar entre os potenciais candidatos. A pesquisa apontou, ainda, que o Ministro ganha destaque entre os mais escolarizados (21%) e entre aqueles com renda mensal familiar de 5 a 10 mínimos (20%). DATAFOLHA, Opinião Pública, 14/12/2012, Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=1281. Acesso em: 19/12/2012. 7 Pouco antes do início do “julgamento do mensalão”, o jornal Folha de S. Paulo publicou, pesquisa de opinião pública na qual cerca de 70% dos brasileiros era favorável à condenação dos réus. 8 Nesse sentido, dentre outros, MENDONÇA; BARROSO (2013): “A verdade é que jamais houve um julgamento sob clamor público tão intenso, assim como sob mobilização tão implacável dos meios de comunicação. E é fora de dúvida que o STF aceitou e apreciou o papel de atender à demanda social pela condenação de certas práticas atávicas, que não devem ser aceitas como traço inerente ao sistema político brasileiro ou à identidade nacional.” 9 TÓRTIMA (2012): “Não se pode deixar de lamentar que aparentemente se tenha recorrido ao seu uso de forma equivocada em um julgamento de tamanha repercussão. [...] A adoção de teorias aparentemente herméticas, e, de toda sorte, conhecidas por uma parcela pequena da população e mesmo da comunidade jurídica, costuma servir de álibi para drásticas alterações de orientação de entendimento jurídico.” 10 O Ministro Joaquim Barbosa afirmou: “Eu chamei a atenção no Plenário para uma discrepância que ocorria durante o julgamento. Disse, naquela oportunidade, que o Plenário vinha fazendo uma leitura errônea do artigo do Código Penal relativo à corrupção passiva, que me parecia uma leitura errônea e, em consequência dessa leitura errônea, algumas penas, sobretudo as fixadas após a saída do ministro Carlos Britto, estavam muito baixas, muito discrepantes. Eu cumpri o meu dever, alertei para o fato. O Plenário, que é soberano, achou por bem não considerar as consequências daquele fenômeno que eu havia apontado. Não insisti mais no pleito.” (BALIARDO, 2012).
violentas, que não agridem o ser humano do ponto de vista real.”11 O julgamento foi
marcado, ainda, por contundentes discordâncias sobre a interpretação de textos
normativos e a valoração de fatos, principalmente, entre o Relator e o Revisor, Ministro
Ricardo Lewandowski. Segundo o levantamento feito pelo jornal O Globo, os dois
Ministros tiveram uma visão diferente em 46% das 71 decisões que trataram sobre a
prática ou não de um determinado crime (GÓES, 2012). Embora as divergências sejam
usuais no mundo jurídico, diante das ásperas discussões e das posições diametralmente
opostas não faltaram desconfianças e suposições de que a alta saliência do caso teria
criado um ambiente extremamente favorável à interferência de fatores extrajurídicos. Os
indícios de que o comportamento dos Ministros do STF não foi determinado
exclusivamente pelo Direito – ainda que tenha sido orien-
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tado e restringido por ele -, de fato, parecem bastante evidentes e difíceis de
serem negados.
A pressão externa exercida pela mídia e pela opinião pública causou reações e
manifestações em sentidos diversos. De um lado, houve Ministro que se sentiu
pressionado com as cobranças para finalizar o voto.12 De outro, alguns Ministros
deixaram transparecer a ideia de que uma pronta resposta para a sociedade, por meio de
julgamento célere, seria algo desejável.13 Esta preocupação com a influência exercida
pela opinião pública sobre julgamentos do STF poucas vezes é exteriorizada pelos
membros do Tribunal que, quando a admitem, em geral o fazem de maneira cautelosa
ou apenas de forma indireta,14 diversamente dos que a criticam de forma contundente.15
A parcimônia sobre o tema, no entanto, não é exclusividade
11 Durante o julgamento, o Ministro Dias Toffoli chegou a afirmar que “prisão combina com período medieval” e que “a filosofia daquele que comete um delito está em debate na sociedade contemporânea há muito tempo. Esse parâmetro do julgamento em 2012 não é o parâmetro da época de Torquemada, da época da condenação fácil à fogueira.” (AGÊNCIA BRASIL, 2012). 12 Ao ser criticado pela demora, o Ministro Ricardo Lewandowski afirmou que aquele era “o voto-revisor mais curto da história do Supremo Tribunal Federal.” Argumentou, ainda, que “a média para um réu é de seis meses” e que fez “das tripas coração para respeitar o que foi estabelecido pela Suprema Corte.” (SELIGMAN, 2012; p. A4). 13 O então Presidente do STF, Ministro Ayres Britto, chegou a enviar um ofício ao revisor alertando sobre os prazos regimentais, o que causou indignação nos advogados dos réus e em alguns membros do Partido dos Trabalhadores (PT) que consideraram a ação como “atípica”. Ao defenderem a atitude de Britto, alguns Ministros chegaram a afirmar que o revisor estaria agindo “contra o colegiado” ao protelar a liberação do voto. (MAGALHÃES, 2012, p. A4). Em outra oportunidade, o Ministro Joaquim Barbosa demonstrou irritação com a possibilidade de que o “julgamento do mensalão” se prolongasse até 2013. “A nação não aguenta mais este julgamento”; “está na hora de acabar”, afirmou o Relator no final de 2012. (SELIGMAN; COUTINHO; FALCÃO, 2012, p. A4). 14 O Ministro Luiz Fux, embora tenha afirmado que a opinião pública não pode interferir na “avaliação das provas” e na “aplicação do direito” em ações individuais, admitiu que “as vozes sociais têm que ser ouvidas” em determinadas questões e citou, como exemplo, os casos envolvendo a “união homoafetiva” e a “marcha da maconha”. (BASILE,
↑269│270↓
do nosso Supremo. Mesmo nos EUA, onde o alinhamento da Suprema Corte
com a opinião pública é amplamente admitido, as referências feitas pelos justices não
são comuns. De acordo com o levantamento feito por Thomas Marshall (1989, p. 35-
39), a opinião pública é mencionada em menos de 2% dos votos majoritários da Corte,
sendo que somente em cerca de um quinto desses casos os juízes sugerem que o direito
deve refletir esta opinião. A inexistência de um “pronunciamento oficial”, no entanto,
não significa muito em termos descritivos. O fato de a opinião pública raramente ser
mencionada na fundamentação das decisões tem pouca relevância na aferição da real
influência por ela exercida, mesmo porque é bastante improvável que, ao decidir, um
juiz diga que está cedendo à pressão pública ou mesmo que tenha mudado de ideia em
resposta à evolução dos costumes sociais. Como bem observam Mishler e Sheehan
(1994, p. 717), as citações feitas a favor ou contra a influência da opinião pública, a
rigor, não passam de enunciados normativos no sentido de que a opinião pública deve
ou não deve influenciar as decisões judiciais. Uma hipótese provável, de acordo com
Norpoth e Segal (1994, p. 712), é a de que, apesar de reagirem de uma forma consciente
à opinião pública, por razões teóricas os juízes entendam que tal influência é algo
indevido e, por isso, não a manifestem em suas decisões. Em certos casos, também é
possível que a influência da opinião pública se manifeste de uma forma inconsciente no
processo de formação da convicção judicial. Em relação ao STF, a falta de referências à
opinião pública pode ser, ainda, resultante de uma postura estratégica adotada para
evitar que o Tribunal seja visto como uma instituição política semelhante às demais.16
2012). Em clara referência às críticas feitas, inclusive por Cezar Peluso, acerca da tendência do STF de julgar de acordo com a opinião pública, o Ministro Ayres Britto afirmou que “os julgamentos feitos pelo Poder Judiciário devem promover a abertura das janelas dos autos para o mundo circundante, a fim de conhecer a particularizada realidade dos seus jurisdicionados e as expectativas sociais sobre a decisão objetivamente justa para aquele tipo de demanda. Juiz não é traça de processo, não é ácaro de gabinete, e por isso, sem fugir das provas dos autos nem se tornar refém da opinião pública, tem que levar os pertinentes dispositivos jurídicos ao cumprimento de sua, pouco percebida, mediata ou macro-função de conciliar o Direito com a vida.” (Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/DiscursoAyresBritto.pdf. Acesso em: 11/01/2013.) 15 A preocupação com a possível influência da opinião pública no comportamento judicial foi manifestada mais de uma vez pelo Ministro Gilmar Mendes que chegou a qualificar como uma situação típica de “covardia institucional” os casos de recebimento de denúncias ineptas por juízes e tribunais supostamente norteados pelos anseios da opinião pública. Nas palavras do Ministro, “trata-se de situações marcadamente deturpadas nas quais o juízo de acolhimento de denúncias ineptas é norteado pela satisfação de um determinado anseio identificável na opinião pública. É evidente a erronia dessa orientação e a ameaça que a sua adoção pode trazer para a credibilidade do Judiciário e para o fortalecimento das instituições democráticas. Como se vê, a questão é extremamente séria e implica o uso indevido do processo criminal para finalidades outras, as quais não são compatíveis com os elementos basilares do Estado de Direito.” (STF - HC 86.395/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 12.9.2006). 16 Nesse sentido, Fabiana Oliveira (2012, p. 100) argumenta que “a baixa incidência da variável Politização da justiça no discurso [dos Ministros] se deve sobretudo à necessidade que os ministros têm de se diferenciarem das outras elites políticas. Isso porque eles são constantemente atacados por essas elites e pela mídia a partir do argumento da consequente politização de suas decisões, tendo em vista o fato de as nomeações seguirem o critério
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O contexto jurídico contemporâneo, no qual o papel político do STF se torna
cada vez mais notório, convida a uma ampla e profunda discussão sobre a
suscetibilidade deste Tribunal à influência de fatores extrajurídicos, dentre eles, os
advindos de pressões externas de atores como o Legislativo, o Executivo, a mídia e,
especialmente, o público em geral, que será o foco da presente abordagem. O principal
objetivo é formular hipóteses acerca de situações nas quais há maior ou menor
probabilidade de influência da opinião pública sobre o comportamento judicial,
trazendo elementos que, apesar de pouco conhecidos na doutrina brasileira, podem ser
de grande valia para os debates envolvendo esta questão de extrema relevância teórica e
prática.
A análise feita a seguir terá um caráter eminentemente descritivo e será dividida
em três partes. Inicialmente, será feita uma abordagem da questão envolvendo a
chamada “dificuldade contramajoritária” onde serão suscitadas algumas considerações
críticas sobre a visão tradicional de que, ao invalidar uma determinada lei, a Corte
Constitucional estaria atuando contra a vontade da maioria. No âmbito do controle de
constitucionalidade, decisões contramajoritárias são a regra ou apenas uma exceção?
Quem, de fato, é atingido pela declaração de inconstitucionalidade de uma lei? A
proteção de direitos das minorias pressupõe, necessariamente, uma atuação
contramajoritária?
Em seguida, serão analisadas as prováveis razões subjacentes à convergência
entre a opinião pública e o comportamento dos membros de uma Corte Constitucional.
O alinhamento de opiniões significa necessariamente uma influência? Quem influencia
quem? Por que razão juízes não submetidos à eleição popular e protegidos pela garantia
da vitaliciedade preocupar-se-iam com o público em geral?
Por fim, serão formuladas algumas hipóteses sobre a probabilidade de influência
da opinião pública nas decisões proferidas pelo Supremo. Diante da inexistência de
dados empíricos no Brasil que permitam uma análise direta, será feita uma abordagem
comparativa das principais semelhanças e diferenças existentes entre o STF e a Suprema
político. Esse argumento visava emplacar a necessidade do controle externo ao Poder Judiciário. E seria por esse mesmo motivo que o Supremo ‘lutou’ na constituinte para não se tornar totalmente uma corte constitucional, pois a partir do momento em que perdesse a posição de cúpula do Judiciário, perderia a distinção, transformando-se em elite política como as outras.”
Corte estadunidense. Esta escolha, para fins de comparação, é justificada basicamente
por duas razões. A primeira, pelo fato de o modelo norte-americano ter sido a principal
↑271│272↓
fonte de inspiração para a criação do STF, para o modo de escolha de seus
membros e para a instituição das garantias funcionais que lhes foram asseguradas. A
segunda, pela vasta bibliografia, apoiada em investigações empíricas e dados
estatísticos, existente sobre o tema nos EUA. Por certo, em nenhum outro país a
influência da opinião pública sobre o comportamento judicial é estudada de forma tão
ampla e profunda. Em que medida as análises desenvolvidas por cientistas políticos
norte-americanos servem como um indicativo para o comportamento judicial dos
membros do STF? Até que ponto as razões apontadas para a convergência de opiniões
são pertinentes em relação ao Supremo? Em que situações a probabilidade de influência
da opinião pública é maior ou menor? Essas são as principais questões que o presente
trabalho pretende abordar.
1. A TENSÃO ENTRE O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E
O PRINCÍPIO MAJORITÁRIO: A “DIFICULDADE CONTRAMAJOR ITÁRIA”
Com a crescente visibilidade alcançada pelo STF é natural que os debates
envolvendo a legitimidade da jurisdição constitucional sejam intensificados e acabem
até mesmo ultrapassando os limites do âmbito acadêmico. Uma parte expressiva das
críticas feitas à influência da opinião pública tem como fundamento o papel
contramajoritário atribuído às Cortes Constitucionais na formulação de políticas. Este
papel, no entanto, é objeto de profundas divergências na teoria democrática. O aspecto
central da controvérsia é a aparente incongruência entre o princípio democrático e o
exercício de um poder político significativo por um órgão composto de membros que
não são eleitos pelo voto popular e, por isso, considerado por alguns como uma
instituição “não democrática”. Em The least dangerous branch, Alexander Bickel
argumenta que a declaração de inconstitucionalidade de leis elaboradas por
representantes democraticamente eleitos contraria a vontade popular e que, nesta
tendência contramajoritária, estaria a raiz da dificuldade de se justificar a judicial
review.17
A questão envolvendo aquilo que Bickel rotulou, na década de 1960, como uma
“dificuldade contramajoritária”, ainda hoje provoca intensos debates.
↑272│273↓
Se nos EUA a ausência de expressa previsão constitucional suscita discussões
sobre a própria legitimidade do controle de constitucionalidade das leis, em países nos
quais a Constituição o consagra de forma expressa, a divergência costuma ficar restrita
aos limites dentro dos quais tal controle pode ser legitimamente exercido. Neste caso,
como observa Daniel Sarmento, o cerne do debate não está “no fato de as constituições
subtraírem do legislador futuro a possibilidade de tomar algumas decisões”, mas sim
“no reconhecimento de que, diante da vagueza e abertura de boa parte das normas
constitucionais mais importantes, quem as interpreta também participa do seu processo
de criação.” Na opinião de alguns teóricos, o viés judicialista subjacente a algumas
teorias “acaba por conferir aos juízes uma espécie de poder constituinte permanente,
pois lhes permite moldar a Constituição de acordo com as suas preferências políticas e
valorativas, em detrimento daquelas do legislador eleito.” (SARMENTO, 2009, p. 54-
55).
Como se pode notar, ainda que o controle de constitucionalidade esteja
expressamente contemplado no texto constitucional, a questão de fundo permanece em
aberto: o que leva uma sociedade democrática a permitir que um pequeno grupo de
pessoas não eleitas substitua as escolhas feitas por seus representantes
democraticamente eleitos através do controle de constitucionalidade das leis? Na
tentativa de resolver a tensão entre o controle de constitucionalidade e o princípio
majoritário, geralmente são dadas duas respostas a esta intrigante questão. Há, no
entanto, alguns aspectos envolvendo a relação entre maiorias e minorias que, quando
considerados, sugerem a existência de uma via intermediária situada entre a proteção de
direitos das minorias e a legitimação da aliança dominante. Passemos, então, à análise
dessas três respostas.
17 BICKEL (1986, p. 16-17): “Quando a Suprema Corte declara inconstitucional um ato legislativo ou a ação de um executivo eleito, contraria a vontade de representantes das pessoas reais do aqui e agora; exerce um controle, não em nome da maioria dominante, mas contra ela.”
1.1 O papel contramajoritário
A base lógica tradicional para se conferir um poder político a um órgão
composto de membros não-eleitos, segundo as teorias normativas, consiste na proteção
das minorias contra o excesso democrático, o que pressupõe, ao menos até certo ponto,
uma atuação independente da influência da opinião pública. Os defensores da chamada
resposta madisoniana18 consideram como principal razão para a existência da jurisdição
constitucional o controle dos excessos de maiorias legislativas. (NORPOTH; SEGAL,
1994, p. 711).
↑273│274↓
O papel contramajoritário revelar-se-ia especialmente relevante naqueles casos
em que direitos básicos não são respeitados pela maioria legislativa e teria por
finalidade evitar que esta se transforme em uma maioria “tirânica”. O princípio
democrático, segundo esta concepção, não se esgotaria no princípio majoritário, sendo
desejável que algumas decisões políticas sejam tomadas por uma instituição
relativamente isolada de pressões políticas. (BARNUM, 1985, p. 652-653).
O estado de tensão entre o papel da jurisdição constitucional e a democracia foi
destacado pelo Ministro Gilmar Mendes quando do julgamento da “Lei da Ficha
Limpa”. Diante da expectativa de grande parte do público em relação à incidência
imediata das novas regras, Mendes argumentou que a missão da Corte seria aplicar a
Constituição, independentemente da opinião pública, sendo que o princípio da
anterioridade eleitoral (CRFB/88, art. 16), enquanto garantia da minoria, deveria atuar
como “uma barreira contra a atuação sempre ameaçadora da maioria.”19
18 James Madison, que era advogado e político, foi o quarto Presidente dos EUA e um dos co-autores da famosa obra “Os Federalistas”. 19 STF - RE 633.703/MG, Relator: Min. Gilmar Mendes, j. 23.3.2011: “O argumento de que a lei é de iniciativa popular não tem aqui peso suficiente para minimizar ou restringir o papel contramajoritário da Jurisdição Constitucional. É compreensível a ação das várias associações e das várias organizações sociais tendo em vista a repercussão que esse tema tem na opinião pública. Sabemos que, para temas complexos em geral, há sempre uma solução simples e em geral errada. E para esse caso a população passa a acreditar que a solução para a improbidade administrativa, para as mazelas da vida política, é a Lei do Ficha Limpa. A partir daí há, na verdade, a tentativa de aprisionar, o que nos dificulta enormemente a missão nesta Corte, como em outros casos, porque acabamos tendo de nos pronunciar de forma contramajoritária, claro, tendo em vista a opinião pública, segundo as pesquisas manifestadas de opinião. Mas esta é a missão desta Corte: aplicar a Constituição, ainda que contra a opinião majoritária. Esse é o ethos de uma Corte Constitucional. É fundamental que tenhamos essa visão. Isso está, na verdade, já nas lições dos clássicos americanos desde Hamilton; isso está em Alexander Bickel e seu famoso The least dangerous branch; [...]Tenho a impressão de que este é um caso exemplar que nós temos de tensão entre jurisdição constitucional e democracia. Evidente que a expectativa dessa chamada opinião pública era no sentido de que nós nos pronunciássemos pela aplicação imediata da Lei do Ficha Limpa, até que descobrissem que essa solução seria um atentado contra a própria democracia. A Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) resultou de projeto de iniciativa popular, subscrito por mais de um milhão e seiscentos mil cidadãos brasileiros. O fato é apresentado pelos diversos meios de comunicação como representativo de uma pujante vontade popular de retirar do processo eleitoral cidadãos
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A resposta contramajoritária possui uma larga abrangência e comporta teorias
bastante diversificadas, por vezes pautadas em distintas concepções de democracia.
Duas visões diametralmente opostas sobre o papel da jurisdição constitucional ajudam a
ilustrar esta diversidade.
Com base em uma concepção procedimental de democracia, John Hart Ely
(1980, p. 103) defende um papel limitado para a Suprema Corte, restrito basicamente à
proteção dos direitos considerados como pré-condições para o bom funcionamento do
processo democrático e aqueles de grupos especialmente ameaçados pelas insuficiências
da democracia. A adjudicação constitucional sugerida por Ely é análoga à interferência
de um árbitro de futebol que deve intervir apenas quando um time obtém uma vantagem
desleal, e não porque a equipe “errada” marcou um gol. A jurisdição constitucional
deve, assim, deixar a democracia seguir o seu curso, atuando apenas para desobstruir os
bloqueios aos canais do processo democrático.20
No polo oposto, Ronald Dworkin (2006, p. 26) adota uma concepção
substancial de democracia (ou “concepção constitucional de democracia”) que rejeita a
premissa majoritária. Na concepção dworkiana, a principal preocupação democrática
deve ser com a igualdade dos cidadãos, considerada a própria essência da democracia, e
não com as metas da soberania da maioria. Nesse sentido, a democracia deve ter como
objetivo fazer com que as decisões coletivas sejam tomadas por instituições políticas
que dediquem a todos os membros da comunidade o mesmo respeito e
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que tenham vida pregressa não condizente com a probidade e a moralidade necessárias para o exercício dos cargos políticos. Dessa forma, acabou-se construindo e estimulando um sentimento popular extremamente negativo em torno do julgamento da constitucionalidade dessa lei no Supremo Tribunal Federal. Toda a população passa a acreditar que se esta Corte, ao se aprofundar no exame da Lei da Ficha Limpa, decide pela não aplicação dessa lei às eleições de 2010 ou encontra em um ou outro dispositivo específico da lei problemas de constitucionalidade, é porque ela é a favor ou pelo menos compactua com a corrupção na política. O fato de a lei estar sob o crivo da Suprema Corte do Brasil é levado ao público em geral como uma ameaça à Lei da Ficha Limpa e à moralidade nas eleições. É dever desta Corte esclarecer, por meio deste julgamento, o papel que cumpre na defesa da Constituição. Por isso, acredito que nós estamos, hoje, cumprindo bem a missão, o ethos para o qual esta Corte se destina.” 20 ELY (1980, p. 103): “O mal funcionamento [do processo democrático] ocorre quando o processo é indigno de confiança, quando (1) os partidos dominantes estão sufocando os canais de mudança política para garantir que eles irão continuar dentro e os de fora irão permanecer fora, ou (2) embora a ninguém seja realmente negada a voz ou o voto, as visões representativas de uma maioria efetiva sistematicamente colocam em desvantagem alguma minoria por alguma hostilidade ou por uma simples recusa preconceituosa em reconhecer interesses em comum e, portanto, nega às minorias a proteção oferecida a outros grupos pelo sistema representativo. Obviamente, nossos representantes eleitos são as últimas pessoas a quem devemos confiar a identificação dessas duas situações.”
consideração.21 Para Dworkin, a jurisdição se distingue da atividade legislativa
essencialmente por sua atuação como um fórum de princípio, ou seja, como um lócus
em que as decisões devem se basear em argumentos de princípio. Diversamente dos
argumentos de política, que se referem à persecução de objetivos coletivos considerados
relevantes para o bem‐estar da comunidade como um todo, argumentos de princípio
justificam determinadas decisões ao demonstrar que estas respeitam ou asseguram
direitos de indivíduos ou de determinados grupos. (DWORKIN, 1977, p. 82). Os
argumentos de princípio, nesta concepção, atuam como uma espécie de garantia
contramajoritária.22
Como se pode observar, enquanto a concepção defendida por John Hart Ely
atribui à Suprema Corte um papel de grande deferência em relação às escolhas feitas no
âmbito legislativo, a proposta formulada por Ronald Dworkin abre espaço para uma
atuação mais ativista na defesa dos direitos dos indivíduos e de grupos minoritários.
1.2 O papel de legitimação das políticas do “regime dominante”
A tradicional resposta madisoniana vem sendo contestada por teóricos
positivos23 desde meados do século passado quando Robert Dahl (1957) formulou a
chamada tese do “regime dominante” (ruling regime) em um artigo de grande influência
na ciência política.24 Segundo o Professor Dahl, a preo-
↑276│277↓
21 DWORKIN (2006, p. 26-27): “A democracia é um governo sujeito às condições - podemos chamá-las de condições ‘democráticas’ - de igualdade de status para todos os cidadãos. Quando as instituições majoritárias garantem e respeitam as condições democráticas, os veredictos dessas instituições, por esse motivo mesmo, devem ser aceitos por todos. Mas quando não o fazem, ou quando essa garantia e esse respeito mostram-se deficientes, não se pode fazer objeção alguma, em nome da democracia, a outros procedimentos que garantam e respeitem as condições democráticas”. 22 DWORKIN (2005, p. 101): “Minha visão é que o Tribunal deve tomar decisões de princípio, não de política - decisões sobre que direitos as pessoas têm sob o nosso sistema constitucional, não decisões sobre como se promove melhor o bem-estar geral -, e que deve tomar essas decisões elaborando e aplicando a teoria substantiva da representação, extraída do princípio básico de que o governo deve tratar as pessoas como iguais.” 23 O termo “téoricos positivos” é utilizado, sobretudo na ciência política, para designar os estudiosos que têm como foco central de suas preocupações teóricas a descrição da realidade existente. Distinguem-se, portanto, dos “teóricos normativos”, cuja preocupação principal está relacionada à modificação da realidade existente, a como esta realidade deveria ser e não como ela efetivamente é. 24 A importância do artigo elaborado por Dahl é destacada por Epstein, Knight e Martin (2001, p. 583) ao observarem que “não decorreu um único ano ao longo das duas últimas décadas sem que um artigo publicado em uma revista de ciências sociais ou em uma revista de direito tenha citado a peça. Ainda mais importante é a diversidade de trabalhos – e trabalhos de alta qualidade – baseados no estudo do professor Dahl, da investigação sobre a relação entre a opinião pública e a Suprema Corte dos EUA até o papel que os justices desempenham para facilitar os realinhamentos partidários à capacidade do Tribunal de gerar mudanças sociais.”
cupação com a “dificuldade contramajoritária” é algo sem fundamento, por
terem sido raríssimos os casos nos quais a Suprema Corte foi bem sucedida na tentativa
de bloquear a vontade da maioria em questões políticas importantes (DAHL, 1957).25
Dahl argumenta que, embora tenha competência para tomar decisões políticas
contramajoritárias, a Suprema Corte geralmente não o faz por estar alinhada ao “regime
dominante”, isto é, com o Presidente da República e com o Congresso. Somente durante
curtos períodos de transição, quando a antiga aliança está se desintegrando e a nova está
lutando para assumir o controle das instituições políticas, o papel contramajoritário teria
maior probabilidade de ser desempenhado, haja vista que nesses períodos o Tribunal
ainda é um resquício da antiga coalizão.
De acordo com esta concepção, o Tribunal funciona como uma espécie de órgão
de legitimação26 das políticas da aliança dominante e dos padrões básicos de
comportamento necessários para o funcionamento de uma democracia, os quais
pressupõem a existência de um amplo consenso acerca de sua validade e adequação. Por
essas razões, apesar de não ser uma instituição formalmente democrática, por ser
sensível à vontade da maioria popular, a Suprema Corte possui um caráter
substancialmente democrático.
Alguns adeptos do modelo estratégico,27 apesar de concordarem que a gravidade
da “dificuldade contramajoritária” é bastante amenizada pela
↑277│278↓
constatação empírica de que a Corte quase nunca assume um papel
contramajoritário, discordam do fundamento para a convergência de preferências
políticas entre os diferentes poderes. Ao contrário da tese de que os justices votam suas
sinceras preferências e que estas coincidem com as do regime dominante, Epstein et al.
(2004, p. 186) sustentam que a atuação da Corte tem um caráter estratégico resultante de
25 EPSTEIN; KNIGHT e MARTIN (2004, p. 186): “Na medida em que essa lógica ameniza a gravidade da ‘dificuldade contramajoritária’ acreditamos que Dahl está correto ...”. 26 FUNSTON (1975, p. 808-809): “... os professores Dahl e Charles Black estavam corretos ao enfatizar a função da Corte como um órgão de legitimação. O conceito tradicional da Corte como o paladino dos direitos das minorias contra as exigências da maioria é, em grande medida, incorreta.” 27 O modelo estratégico parte de uma premissa simples, mas bastante persuasiva: se os juízes, de fato, se preocupam em avançar objetivos pessoais, seria ingênuo supor que atuam pensando somente no seu resultado preferido, sem considerar as possíveis consequências de suas escolhas e sem agir para torná-las compatíveis, tanto quanto possível, com suas preferências. (BAUM, 2008, p. 14). Apesar de compatível com qualquer outro modelo de comportamento judicial orientado pelo objetivo, a maior parte dos adeptos do modelo estratégico adota a mesma premissa do modelo atitudinal, no sentido de que os membros da Corte Constitucional têm como principal objetivo aproximar o direito de suas preferências ideológicas. A principal diferença entre os dois modelos é a forma de atuação (sincera ou estratégica) adotada para alcançar este objetivo.
suas limitações institucionais. Nesta perspectiva, os justices não conseguiriam
implementar seus próprios objetivos políticos sem levar em conta os objetivos e as
prováveis reações do Legislativo e do Executivo. A “dificuldade contramajoritária”
seria resolvida, assim, com fundamento em um “importante efeito do sistema da
separação de poderes: um incentivo estratégico para antecipar e reagir às preferências
dos agentes eleitos.” Os membros da Corte interessados em influenciar o conteúdo final
do direito devem ter em conta as preferências do “regime dominante”, o que faz com
que as decisões geralmente se mantenham próximas das preferências dos demais atores
políticos.
1.3 O papel protetivo e conformador
As duas respostas analisadas se apoiam sobre alicerces relativamente frágeis e
que podem ser questionados juntamente com as premissas da própria “dificuldade
contramajoritária”.28 A suposta identidade entre as leis elaboradas por representantes
democraticamente eleitos e a vontade popular, assim como a noção de que a proteção de
direitos das minorias implica uma atuação contramajoritária são hipóteses que, muitas
das vezes, não se verificam na realidade. Os motivos são variados.
↑278│279↓
Em primeiro lugar, a maioria legislativa29 não corresponde necessariamente à
maioria popular. Sob o aspecto formal, além de uma parte significativa da população
não participar ativamente do processo político-eleitoral,30 nos casos em que há mais de
28 MENDONÇA (2009, p. 236): “A chamada dificuldade contramajoritária, apontada como característica da jurisdição constitucional, assume como premissa a suposta identidade real entre a vontade popular e as manifestações dos agentes eleitos. Entretanto, nada garante que tal identidade exista de fato. Pelo contrário, é bastante razoável supor que muitas das decisões provenientes das instâncias majoritárias seriam rechaçadas pela maioria do eleitorado caso fosse possível submetê-las à ratificação. Sem dúvida, tal circunstância é potencializada pela atual crise de representatividade dos parlamentos, agravada no Brasil pela virtual inexistência de mecanismos de acompanhamento democrático do exercício dos mandatos legislativos. Apesar disso, a constatação seria pertinente mesmo em um sistema de representação em adequado funcionamento. A possibilidade de desencontro entre a manifestação de vontade do corpo de representantes e dos representados é uma característica inerente à representatividade, nem sempre percebida com clareza em razão do alheamento político e da dispersão da opinião pública, sobretudo em relação aos temas menos glamourosos.” 29 A maioria legislativa (lawmaking majority) é definida por Dahl (1957, p. 284) como a maioria dos membros do Parlamento que, juntamente com o Presidente da República, faz-se necessária para a aprovação de uma lei. 30 No Brasil, não podem votar os menores de 16 anos, os estrangeiros, os conscritos durante o serviço militar obrigatório (CRFB/88, Art. 14, § 2º) e os que estiverem com os direitos políticos suspensos (CRFB/88, Art. 15). Ademais, o voto é facultativo para os analfabetos, os maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos (CRFB/88, Art. 14, § 1º, II). Por fim, há ainda os que, apesar de terem capacidade eleitoral ativa, abstêm-se de votar. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os índices de abstenção no 1º turno das eleições federais e estaduais foram de: 11,9% em 1989; 17,8% em 1994; 21,49% em 1998; 17,7% em 2002; 16,76% em 2006; 18,12% em 2010. No segundo turno das eleições municipais de 2012, o índice chegou a 19, 11%.
dois candidatos, existe a possibilidade de um deles ser eleito com menos da metade do
total de votos.31 Ademais, os interesses de caráter pessoal, as distorções existentes no
processo eleitoral, assim como o conjunto de forças socioeconômicas atuantes nas
eleições e durante os mandatos, com frequência, impedem que a elite política escolhida
pelo voto popular represente os reais interesses daqueles que os elegeram ou que vote de
acordo com as preferências e desejos da maioria da população. Não são incomuns os
casos de grupos de interesse que, apesar de numericamente minoritários, conseguem se
fazer representar de um modo desproporcionalmente forte.32 No sentido inverso, há
vários segmentos sociais sub-representados, seja em decorrência de algum tipo de
hipossuficiência, preconceito ou discriminação, seja simplesmente por não conseguirem
se mobilizar politicamente de uma forma articulada. Mesmo no caso das democracias
mais avançadas, onde as distorções decorrentes de ingerências indevidas conseguem ser
atenuadas, a associação entre as decisões políticas e a vontade majoritária é passível de
questionamento. Em geral, mais do que a expressão da vontade de uma maioria, a
política
↑279│280↓
é “o resultado do conflito, da negociação e do acordo entre as minorias”.33 Ainda
dentro desta linha de pensamento, outro aspecto a ser considerado é a consagração de
um processo legislativo indireto pela Constituição brasileira de 1988, modelo no qual os
parlamentares recebem poderes para decidir os assuntos de sua competência legiferante
com total autonomia em relação à vontade daqueles que os elegeram. Não são
necessárias investigações empíricas para constatar a existência de inúmeros atos
normativos cujo conteúdo não reflete a vontade majoritária e que, se submetidos a uma
consulta popular, seriam rechaçados pela grande maioria da população.
31 É o que ocorre nas eleições majoritárias para o Senado (CRFB/88, art. 46), nas quais se exige a maioria relativa dos votos, e nas eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados (CRFB/88, Art. 45), para as Assembleias Legislativas (CRFB/88, Art. 27, § 1º) e Câmara de Vereadores (CRFB/88, Art. 29, IV). Nas eleições para o Executivo federal, estadual e municipal, a Constituição de 1988 exige a maioria absoluta dos votos, exceto para os Municípios com até duzentos mil eleitores (CRFB/88, Art. 29, II). 32 SEGAL; SPAETH (1993, p. 240): “Os grupos de interesse estão entre os principais definidores de políticas públicas nos Estados Unidos. Eles contribuem com grandes quantidades de dinheiro e pessoal para campanhas políticas.” 33 DAHL (1957, p. 294): “Poucas decisões políticas do Tribunal podem ser interpretadas de forma sensata em termos de uma ‘maioria’ contra uma ‘minoria’. Neste contexto, o Tribunal não é diferente das demais lideranças políticas. De um modo geral, a política em nível nacional é o resultado do conflito, da negociação e do acordo entre as minorias; o processo não é nem o governo da minoria, nem o governo da maioria, mas o que poderia ser melhor denominado de governo das minorias, onde uma agregação de minorias alcança políticas em oposição a outra agregação.”
Em segundo lugar, é preciso distinguir a legislatura da época em que um
determinado projeto de lei é aprovado (“legislatura de aprovação”) da legislatura
contemporânea à decisão que declarou a lei inconstitucional (“legislatura atual”). Em
muitos casos, a vontade manifestada pela legislatura de aprovação não corresponde
mais às preferências políticas dos integrantes da legislatura atual. A intercedência de
eleições pode implicar um “conflito intertemporal de interesses”, devido a mudanças
nas preferências políticas dos parlamentares eleitos para as diferentes legislaturas
(FEREJOHN; WEINGAST, 1991, p. 1). Quanto maior o lapso temporal entre a
promulgação de uma lei e a decisão que a invalidou, maior a possibilidade de que
mudanças fáticas e sociais reduzam o grau de correspondência entre o conteúdo
normativo e a vontade da maioria legislativa atual. Nos casos em que ocorrem
mudanças nas preferências políticas da própria legislatura, a rigor, a invalidação de uma
lei pela Corte Constitucional não pode ser considerada uma decisão efetivamente
“contramajoritária”. Um julgado ilustrativo desta situação é o caso no qual a Suprema
Corte invalidou uma lei de 1879 do Estado de Connecticut que proibia o uso de
contraceptivos (Griswold v. Connecticut, 1965). No momento em que a decisão foi
proferida, pesquisas de opinião pública indicavam que mais de 80% dos norte-
americanos eram favoráveis à disponibilização de informações relativas ao controle de
natalidade. Neste caso, a intervenção judicial no processo de formulação de políticas
serviu para colocar a legislação em conformidade com as preferências
↑280│281↓
de uma maioria nacional, configurando-se em um exemplo flagrante de decisão
“majoritária” (BARNUM, 1985, p. 655).
Um terceiro aspecto relevante se refere às possíveis divergências entre a maioria
nacional e as maiorias regionais ou locais. Em inúmeras questões federais, a proteção
de direitos da maioria da população nacional pode exigir decisões contrárias a interesses
locais. Isso significa que uma determinada decisão pode ser contramajoritária em termos
regionais ou locais, mas majoritária no âmbito nacional, como ocorreu, por exemplo, na
decisão da Suprema Corte dos EUA que anulou as leis que exigiam a segregação racial
nas escolas (Brown v. Board of Education, 1954) e na que invalidou as leis que
proibiam o casamento interracial (Loving v. Virginia, 1967).34
Por fim, outro ponto que também deve ser levado em conta é o de que nem toda
decisão favorável à proteção de minorias é necessariamente uma decisão
contramajoritária. Em muitas questões, pode haver uma tendência de apoio, ou até
mesmo um apoio efetivo, dos direitos de minorias pela maioria da população. Vale
dizer: o Tribunal pode decidir em favor dos direitos de minorias e, ainda sim, contar
com o apoio majoritário. Atento a esta questão, Barnum (1985, p. 662) considera que a
reputação contramajoritária da Suprema Corte no período posterior ao New Deal pode
ter sido exagerada. Segundo ele, em muitas das decisões nas quais protegeu direitos das
minorias, a Corte foi apoiada pela maioria popular ou, ao menos, havia uma tendência
crescente de apoio no sentido da decisão. Nas questões em que não gozava do apoio da
opinião da maioria em favor dos direitos das minorias, o Tribunal se mostrou relutante
para decidir. Diante dos dados pesquisados, Barnum concluiu que o ativismo judicial da
Suprema Corte pós-New Deal, se analisado no contexto das tendências da opinião
pública, mostra-se surpreendentemente coerente com os princípios majoritários.
Todas essas distinções, nas quais fica demonstrada a não-correspondência
necessária entre as escolhas formalizadas pelos representantes democraticamente eleitos
e a vontade real da maioria popular, revelam a fragilidade da premissa na qual se apoia
a chamada “dificuldade contramajoritária”. A legitimidade democrática formal não
representa qualquer
↑281│282↓
garantia de legitimidade democrática substancial, considerada como a efetiva
correspondência entre as escolhas legislativas e as preferências da parcela majoritária da
população. Em um expressivo número de casos, a anulação pela jurisdição
constitucional de atos dos outros ramos do governo não representa uma decisão
contrária à vontade da maioria popular. Em muitos outros, a declaração de
inconstitucionalidade de uma lei e/ou a proteção de direitos de minorias pode significar
34 BARNUM (1985, p. 657): “Assim, embora haja alguma evidência de que a Corte estava em sintonia com as tendências pré-existentes em nível nacional da opinião pública sobre as questões de dessegregação na escola e de casamento interracial, a intervenção da Corte no processo de formulação de políticas em cada uma dessas questões foi aparentemente um genuíno ato de tomada de decisão contramajoritária.”
um reforço da vontade majoritária e não o seu enfraquecimento.35 Isso leva à conclusão
de que a mera análise estatística da quantidade de leis declaradas inconstitucionais diz
muito pouco sobre uma possível atuação “contramajoritária”.
Essas constatações sugerem que uma Corte Constitucional pode desempenhar
um importante papel não apenas na proteção de direitos das minorias contra eventuais
excessos da maioria, mas também no sentido de detectar eventuais conflitos entre a
legislação e a vontade da maioria popular a fim de estimular o processo de conformação
da política estatal às efetivas preferências nacionais existentes e/ou emergentes.
(BARNUM, 1985, p. 664). Ou, ainda, como referido por Eduardo Mendonça e Luís
Roberto Barroso, um papel representativo no sentido “de atendimento, pelo Tribunal,
de demandas sociais e de anseios políticos que não foram satisfeitos a tempo e a hora
pelo Congresso Nacional.”36 Isso não significa afirmar
↑282│283↓
que a Corte tenha maior expertise ou que seja a instituição mais adequada para
representar a vontade majoritária, mas apenas que uma dicotomia irrefletida entre
maioria e minoria pode ofuscar uma visão mais realista e conduzir a respostas
desnecessariamente antagônicas. Talvez uma terceira resposta, situada entre os dois
extremos, descreva com maior fidelidade o papel efetivamente exercido pelas Cortes
Constitucionais no sentido de proteger os direitos das minorias e, ao mesmo tempo,
estimular a conformação da política à vontade da maioria popular.
A verificação da existência de uma sintonia real entre a opinião pública e as
decisões de um Tribunal não pode passar ao largo de todas essas considerações que,
apesar de intuitivas, por vezes acabam sendo ignoradas.
35 BARNUM (1985, p. 652): “O ativismo contramajoritário da Suprema Corte é geralmente avaliado em termos da disposição do Tribunal para derrubar a legislação e/ou para proteger as minorias. Usando esses critérios, a Suprema Corte pós-New Deal surge como uma excepcionalmente ativa instituição decisória contramajoritária. Também é importante, no entanto, examinar a relação entre as decisões do Tribunal e a opinião pública. Este exame revela que as decisões do Tribunal de invalidação da legislação e/ou proteção dos direitos das minorias foram muitas vezes apoiadas pela distribuição ou pelo menos pela tendência da opinião pública nacional e que, quando esse apoio estava ausente, o Tribunal parecia relutante em agir. Assim, o ativismo político da Suprema Corte pós-New Deal talvez tenha sido mais coerente com os princípios majoritários do que às vezes se supõe.” 36 MENDONÇA; BARROSO (2013): “Pois bem: circunstâncias diversas têm colocado ênfase no papel representativo do Supremo Tribunal Federal. Apesar de se tratar de uma questão pouco teorizada, o fato é que um olhar reconstrutivo sobre a jurisprudência e a própria postura da Corte permite concluir que ela tem desenvolvido, de forma crescente, uma nítida percepção de si mesma como representante da soberania popular. Mais precisamente, como representante de decisões soberanas materializadas na Constituição Federal e difundidas por meio de um sentimento constitucional que, venturosamente, se irradiou pela sociedade como um todo. Tal realidade é perceptível na frequência com que as normas da Constituição são invocadas nos mais diversos ambientes.”
2. A INFLUÊNCIA DA OPINIÃO PÚBLICA NAS DECISÕES DAS
CORTES CONSTITUCIONAIS
O termo “opinião pública” costuma ser muito citado, mas poucas vezes é
definido ou utilizado de um modo preciso. Na sintética definição de Jellinek, a opinião
pública, pode ser compreendida como o “ponto de vista da sociedade sobre assuntos de
natureza política e social” (BONAVIDES, 1988, p. 564).37 Embora extremamente
simples, este conceito reflete com precisão a noção que se pretende expressar. Há uma
série de dificuldades que envolvem a aferição de tais pontos de vista, mesmo quando
apurados por pesquisas de opinião pública.38 Nem sempre é possível identificar de
forma precisa a origem e extensão dessas convicções: se são valores acolhidos com
certo grau de permanência ou apenas valores transitórios decorrentes de algum
acontecimento de grande repercussão social;39 ou, ainda, se são pontos
↑283│284↓
de vista induzidos por determinados grupos de pressão.40 Os membros da Corte
Constitucional se mantêm cientes dos anseios populares, não apenas pelo contato direto,
mas principalmente através da mídia (televisão, jornais, rádios) o que, de certo modo,
possibilita uma interferência (deliberada ou não) dos meios de comunicação na
percepção acerca da vontade popular. Distorções, omissões ou superexposições com o
intuito de favorecer ou prejudicar os interesses de determinados grupos não são
incomuns.
37 Na Ciência política, a “opinião pública” é apresentada com sentidos diversos. Como observa Paulo Bonavides (1988, p. 562), o termo é utilizado ora como a opinião de uma classe, ora de toda a nação (opinião de todos), ora simplesmente da maioria dominante ou ainda das classes instruídas, em contraste com as massas analfabetas.” 38 PEREIRA (2012): “[...] quando a posição popular é apurada por pesquisas – as quais, em tese, teriam o selo da imparcialidade e da objetividade – há o risco de serem produzidos resultados artificiais, seja porque quando indagadas sobre temas polêmicos as pessoas tendem a emitir julgamentos sobre assuntos sobre os quais não refletiram ou que desconhecem, seja porque o próprio processo de inquirição eventualmente sugestiona as respostas.” 39 Zygmunt Bauman (2000, p. 11) sustenta que a comunicação eventual entre as esferas da vida pública e da vida privada, por meio da qual se manifesta nossa sociabilidade, se dá através de “explosões espetaculares”, nas quais “oportunidades de extravasão surgem por vezes em festivais de compaixão e caridade, às vezes em eclosões de agressão acumulada contra um inimigo público recém-descoberto (...), outras em um acontecimento no qual a maioria das pessoas se sente fortemente envolvida ao mesmo tempo.” O sociólogo polonês argumenta que essas “explosões” são marcadas por sua efemeridade, já que “perdem força rapidamente”, pois “assim que voltamos às questões rotineiras do nosso dia-a-dia, as coisas também retornam, inalteradas, ao ponto inicial.” 40 BARROSO (2011, p. 267): “A sintonia com a opinião pública envolve diversas nuances. Por vezes, grupos de pressão bem situados são capazes de induzir ou falsear a real vontade popular”; PEREIRA (2012): “Em certas situações, a opinião hegemônica dos cidadãos surge espontaneamente e, em sequência, é captada e vocalizada na mídia tradicional. Noutras ocasiões, diversamente, é a visão dos agentes controladores da mídia que influencia e determina a opinião da audiência. Nessa dinâmica, não raro se torna impossível apontar a origem da ideia tida por hegemônica e divisar a sempre lembrada diferença entre a opinião pública e a ‘opinião publicada’.”
A influência exercida pela opinião pública sobre as decisões judiciais pode ser
abordada sob duas perspectivas distintas. Em termos normativos, a discussão tem como
foco central a legitimidade da influência popular sobre as decisões, especialmente em
face da independência judicial41 e do papel contramajoritário atribuído à Corte. Em que
medida o Tribunal deve estar atento à opinião e se deixar influenciar por ela? Em que
tipo de situação a influência deve ou não ser admitida? Tal influência deve ser vista
como algo que fortalece o regime democrático ou deve ser considerada inconcebível em
face dos princípios decorrentes do Estado de Direito?
Por um lado, há quem considere que a opinião pública não deve ser um fator
relevante no processo decisório, por sua incompatibilidade com o papel
contramajoritário da Corte e com as exigências de neutralidade, independência e
imparcialidade do juiz, constitucionalmente protegidas contra pressões externas através
das garantias institucionais (autonomia administrativa e financeira) e funcionais
(vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade da remuneração).
↑284│285↓
Por outro lado, há quem defenda que os juízes não devem se manter totalmente
indiferentes ao clamor popular, sobretudo porque o apoio da sociedade é considerado
um importante fator para a legitimidade do tribunal e para o seu fortalecimento como
instituição. Assim, ainda que o juiz não possa ser escravizado pela opinião pública, em
determinados contextos e dentro de certos limites, a vontade popular pode e deve ser
levada em consideração, em maior ou menor medida, como uma das razões
contributivas para a decisão judicial.42 Nesse sentido, o ex-Ministro Carlos Ayres
Britto,43 ao ser questionado sobre “até que ponto a Justiça pode ser suscetível às
questões sociais”, afirmou que o juiz não deve “ser refém da sociedade, vassalo da
opinião pública”, mas “deve, sim, auscultar os anseios populares, coletivos, para ver se
41 Quando do julgamento do habeas corpus impetrado a favor do banqueiro Daniel Dantas (STF - HC 95.009/SP), o relator, Ministro Eros Grau, asseverou que a independência do juiz “permite-lhe tomar não apenas decisões contrárias a interesses do governo - quando o exijam a Constituição e a lei - mas também impopulares, que a imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas.” 42 BARROSO; MENDONÇA (2012): “O Judiciário deve ser permeável à opinião pública, o que não significa que deva ser subserviente. O diálogo de que se falou não pode se converter em um monólogo à moda de sermão, em que magistrados iluminados revelam ao povo a verdade do Direito. Por outro lado, tampouco se espera que eles decidam pensando nas manchetes do dia seguinte ou reagindo às do dia anterior, o que os transformaria em oficiais de justiça das redações de jornal. O que se tem, portanto, é um equilíbrio delicado e dinâmico, em que se alternam momentos de ativismo e contenção, bem como momentos de alinhamento e desalinhamento com a vontade majoritária.” 43 O ex-Ministro chegou a ser acusado por alguns críticos de tomar decisões populistas. “Não quero ser popular, muito menos populista. [...] não quero ser popular em termos de cortejar a opinião pública, ser vassalo da imprensa”, afirmou Ayres Brito em entrevista concedida à Revista Carta Capital. (MENEZES, 2012, p. 25).
é possível formatá-los em decisões técnicas.” Em sua concepção, “quando isso
acontece, o juiz concilia a Justiça com a vida.” (RANGEL, 2012, p. 21).
Sob o ponto de vista descritivo, a análise é centrada na real influência da opinião
pública sobre o comportamento judicial. Por que e até que ponto o Tribunal se
preocuparia com uma reação positiva ou negativa da opinião pública às suas decisões?
Esta preocupação efetivamente interfere no resultado final? Em que casos esta
interferência tem maior probabilidade de ocorrer?
2.1 A influência da opinião pública sobre as decisões da Suprema Corte dos
EUA
Investigações empíricas comprovam, de forma bastante convincente, a
existência de uma reveladora sintonia entre a opinião pública e a Suprema Corte norte-
americana ao longo do tempo.44 A hipótese de que existe
↑285│286↓
uma correspondência entre ambas foi amplamente testada e comprovada pelos
cientistas políticos, sendo que as divergências, de uma forma geral, têm se limitado
basicamente às razões pelas quais ela ocorre.
Alguns estudiosos afirmam que, apesar do comprovado alinhamento,
teoricamente não há justificativa plausível para que a decisão sofra qualquer influência
direta da opinião pública. O modo de escolha e as garantias funcionais, sobretudo a
vitaliciedade, seriam suficientes para manter os membros da Suprema Corte isolados
das pressões populares, de modo que a correspondência entre elas não significa que
necessariamente a Corte tenha sido influenciada pela opinião pública.45 Para Mishler e
Sheehan (1994, p. 717), o ataque à plausibilidade da influência direta é totalmente
descabido, uma vez que qualquer alegação de caráter teórico nesta seara, segundo os
44 MISHLER; SHEEHAN (1993, p. 87): “Análises de séries temporais para o período de 1956 a 1989 indicam a existência de uma relação recíproca e positiva entre tendências de longo prazo na opinião pública agregada e decisões coletivas do Tribunal.”; McGUIRE; STIMSON (2004, p. 1.018): “Com os dados de 1953 a 1996, comparamos modelos de séries temporais utilizando diferentes indicadores de liberalismo agregado da Suprema Corte. Nossos resultados sugerem que, além de estarem motivados por suas próprias preferências, os justices são altamente responsivos ao humor do público, também.” 45 SEGAL; SPAETH (1993, p. 329): “As decisões da Suprema Corte, em geral, correspondem à opinião pública. Isso não deveria ser surpreendente, pois os juízes da Suprema Corte são escolhidos pelo Presidente que, por sua vez, é escolhido pelo voto do povo. Mais uma vez, o que interessa é saber se a opinião pública – uma vez definida - influencia o Tribunal. Teoricamente, não há motivo para pensar assim. Institucionalmente, os juízes estão imunes a pressões majoritárias. O público não os elege, nem os retira do cargo. Além disso, do ponto de vista normativo, os justices não devem representar interesses majoritários. [...] Não conhecemos nenhum estudo empírico que demonstre sistematicamente que a opinião pública tem qualquer influência sobre as decisões dos justices.”
autores, seria mera “especulação misturada com doses substanciais de pensamento
positivo e de racionalização post-hoc.” Para muitos dos teóricos positivos os membros
da Corte têm sim motivos suficientes para se importarem com a reação do público às
suas decisões. Certa feita, Sandra Day O’Connor, primeira mulher nomeada para a
Suprema Corte norte-americana, afirmou: “Nós dependemos da confiança do público na
correção dessas decisões. É por isso que temos de estar cientes das opiniões públicas e
de atitudes em direção ao nosso sistema de justiça, e é por isso que devemos tentar
manter e construir esta confiança.” (FRIEDMAN, 2009, p. 371).
Em importante obra sobre o tema, Barry Friedman (2009, p. 371) sustenta que os
justices não só têm conhecimento sobre a importância da opinião pública, como
repetidas vezes suas decisões refletem claramente a vontade da maioria popular. Um
exemplo bastante comentado pelos
↑286│287↓
estudiosos foi o recuo da Suprema Corte de sua oposição inicial contrária à
legislação do New Deal (1922-1937), no período conhecido como Era Lochner.46
Durante este período marcado por uma das piores crises econômicas já ocorridas nos
EUA, a Corte adotou uma postura sistematicamente contrária às medidas propostas pelo
Presidente Roosevelt, o qual contava com amplo apoio do Congresso e da população.
Com o intuito de reverter o quadro desfavorável, Roosevelt propôs uma reforma na
organização judiciária federal permitindo a nomeação de um juiz adicional para cada
membro com mais de setenta anos, o que lhe daria a chance de nomear até seis justices
alinhados com as medidas do governo. Embora o plano de mudança na composição da
Corte (“Court-Packing Plan”) tenha falhado em sua concepção original, ao ser
confrontada com uma forte pressão política, a Corte acabou por reverter a sequencia de
precedentes contrários às medidas intervencionistas propostas pelo governo e, a partir
de então, passou a adotar uma interpretação constitucional mais próxima dos anseios
populares.47 Como a Corte estava profundamente dividida entre liberais e
46 CAMPOS (2012, p. 41-42): “Lochner simbolizou um período de jurisprudência conservadora da Suprema Corte (Era Lochner), marcada pela ideologia do laissez faire e por uma leitura amplificada da Emenda XIV e de sua cláusula do devido processo legal substancial. Aplicando um teste muito rigoroso de legitimidade, a Corte declarou inconstitucionais várias leis federais e estaduais de caráter regulatório e social, que dispunham sobre salários mínimos, limites de horas diárias e semanais de trabalho, contratação preferencial de empregados sindicalizados, estímulo à associação de trabalhadores, etc.” 47 MISHLER; SHEEHAN (1993, p. 89): “[...] a Corte abruptamente reverteu sua sequencia de decisões anti-New Deal acolhendo as leis de salário mínimo em West Coast Hotel v. Parrish (1937) e a Wagner Act em NLRB v. Jones e Laughlin Steel Company (1937), entre outras decisões. Assim o fez, aliás, sem qualquer alteração na composição.
conservadores, a mudança de orientação de Owen Roberts, o único justice
ideologicamente moderado, acabou sendo decisiva para uma mudança de
posicionamento da Corte, conhecida como “the switch in time that saved nine”. Na
interessante análise de Barry Friedman (2009, p. 4), “um acordo tácito foi alcançado: o
povo americano concederia aos justices seu poder, desde que a interpretação da
Constituição pela Suprema Corte não ficasse muito longe do que a maioria das pessoas
acreditava que deveria ser.”
↑287│288↓
No estudo mais ambicioso e abrangente sobre o tema, Thomas Marshall (1989,
p. 192) comparou decisões da Suprema Corte com pesquisas nacionais de opinião
pública no período de aproximadamente cinquenta anos (a partir de meados de 1930 até
meados de 1980) e, ao final, concluiu que o Tribunal tem sido uma “instituição
essencialmente majoritária”. Das 130 decisões do Tribunal que permitiram uma
comparação com as pesquisas de opinião pública, 82 (63%) foram consistentes com as
pluralidades pesquisadas (MARSHALL 1989, 78). Apesar de verificar que o nível de
congruência variava de acordo com a área política, Marshall conclui que, de um modo
geral, a Suprema Corte foi tão sensível à opinião pública quanto as demais instituições
responsáveis pela formulação de políticas. As análises demonstraram ainda que, quando
há divergência, a tendência é de que a visão judicial se alinhe à vontade popular.
Existem exceções a esta regra, mas que não passam de exceções,48 como no caso das
decisões que proibiram orações em escolas públicas (Engel v. Vitale, 1962 e Abington
School Dist. v. Schempp, 1963),49 apontadas como uma clara intervenção
contramajoritária da Suprema Corte no processo de formulação de políticas.
Também freqüentemente citada é a decisão do Tribunal em Koramatsu v. the United States (1944), em que o popularmente apoiado e presidencialmente ordenado internamento de nipo-americanos foi mantido pelo Tribunal apesar das dúvidas generalizadas de constitucionalistas e juristas sobre a constitucionalidade desta decisão. Mesmo o Chief Justice Rehnquist reconheceu que a decisão da Corte em Youngstown Sheet and Tube Company v. Sawyer (1952) foi provavelmente influenciada por sentimento popular em relação ao Presidente Truman e à Guerra da Coréia.” 48 FRIEDMAN (2009, p. 378): “Os casos em que a Suprema Corte parece se desviar da opinião pública, na maioria das vezes, são aqueles que envolvem a Primeira Emenda, o que pode ser explicado porque a Primeira Emenda tem seu próprio eleitorado especial, a imprensa. Jornalistas amam a Primeira Emenda, por razões óbvias (protege a liberdade de imprensa). Os justices são mais propensos a serem atacados (ou elogiados) na imprensa por suas decisões em casos envolvendo a Primeira Emenda do que em qualquer outro. Mas os jornalistas também podem fornecer aos justices uma visão distorcida da opinião pública. A afeição dos meios de comunicação pode explicar a disposição especial do Tribunal de se manter resistente em certos direitos da Primeira Emenda - como para com a pornografia e contra a oração nas escolas - mesmo quando o país geralmente expressa pontos de vista contrários.” 49 BARNUM (1985, p. 659): “Na questão da oração em escolas públicas, a Corte estava claramente disposta a desafiar as preferências da maioria dos americanos. Apesar do apoio contínuo para a oração nas escolas, nunca a Corte recuou de suas originais decisões anti-oração.”
2.2 Razões subjacentes à convergência de opiniões
Os dados obtidos nas investigações empíricas que comprovam a convergência
entre a opinião pública e as decisões de uma Corte Constitucional estão sujeitos a
múltiplas interpretações. Os membros de uma Corte Constitucional, além de não
dependerem da população para alcançarem o cargo e nem para se manter nele, possuem
garantias funcionais conferidas com o intuito de proporcionar um ambiente no qual
possam atuar com
↑288│289↓
independência e imparcialidade. Não têm, portanto, os mesmos incentivos dos
agentes políticos eleitos pelo voto popular para permitir a influência da opinião pública
sobre suas decisões. Razões subjacentes de natureza distinta, ainda que não
necessariamente excludentes, costumam ser apontadas na tentativa de explicar os
motivos desta sintonia.50 Antes de analisá-las, porém, alguns esclarecimentos se fazem
necessários.
Em primeiro lugar, a convergência de opiniões não significa que
necessariamente exista uma influência recíproca, ao menos de maneira direta. Em certos
casos, as preferências em comum podem ser decorrentes de interferências indiretas ou,
simplesmente, do compartilhamento dos mesmos valores entre os membros do Tribunal
e da sociedade.
Em segundo lugar, dizer que existe um alinhamento de opiniões não significa
afirmar que as decisões da Corte Constitucional estejam sempre de acordo com a
vontade popular. Friedman (2009, p. 382) lembra que “mesmo aqueles líderes
americanos que pediram à Suprema Corte para ser sensível ao povo fizeram uma
distinção entre as paixões do momento e algum sentido mais profundo da vontade
popular.” Ademais, não se deve esperar sempre uma correlação imediata entre os
resultados de uma determinada pesquisa de opinião pública e as decisões. A
probabilidade, de acordo com alguns cientistas políticos, é de que o padrão geral das
50 McGUIRE; STIMSON (2004, p. 1.020): “Poucos questionam que a opinião pública é refletida nas escolhas do Tribunal. O mecanismo pelo qual isso ocorre, no entanto, tem sido objeto de discordância.”
decisões e, portanto, o centro de gravidade ideológico do Tribunal, reflita essas
tendências a longo prazo.51
Em terceiro lugar, as investigações realizadas no âmbito da ciência política
tendem a concentrar a análise em áreas de maior saliência ou em
↑289│290↓
casos marcantes, cuja repercussão desperta um maior interesse geral e nos
quais, por conseguinte, a opinião pública tende a interferir com maior intensidade. Por
isso, parte dos estudos sobre o tema tem uma abrangência limitada e acaba por
sobrevalorizar a influência da opinião pública no resultado das decisões. Basta lembrar
que a esmagadora maioria dos casos decididos por uma Corte Constitucional se
caracteriza pela baixa publicidade e pela pouca saliência entre o público.
Por fim, as hipóteses mencionadas a seguir não são necessariamente excludentes
ou incompatíveis entre si. É possível que a convergência de opiniões entre o público e a
Corte seja resultante de mais de um fator; ou que juízes de um mesmo Tribunal sejam
igualmente influenciados pela opinião pública, mas por razões diversas; ou, ainda, que a
influência da opinião pública sobre o comportamento de um mesmo juiz seja
determinada por razões diversas, de acordo com o ambiente decisório e o tipo de caso a
ser julgado.
Feitas as devidas ressalvas, passemos à análise das principais hipóteses
apontadas para a convergência entre a opinião pública e as decisões de uma Corte
Constitucional.
2.2.1 A hipótese da legitimidade institucional
Alguns estudiosos do comportamento judicial apontam razões instrumentais para
justificar a existência de uma ligação causal direta entre as preferências do público e do
Tribunal. Nesse sentido, Mishler e Sheehan (1994, p. 717) postulam que a Suprema
Corte é uma instituição política, cuja autoridade depende, em certa medida, da
51 Ao investigar o impacto da opinião pública nas decisões da Suprema Corte norte-americana, Mishler e Sheehan (1993, p. 92) concluíram que as atitudes e crenças dos justices se adaptam, de forma consciente ou não, às grandes tendências ideológicas do público com um atraso de aproximadamente cinco anos. Este lapso temporal, no entanto, é questionado por Norpoth e Segal (1994, p. 712) que apontam duas contradições: Primeiro, se o Tribunal só age sobre as mudanças que tenham resistido, suas decisões devem ser influenciadas tanto pela opinião pública contemporânea, como pela defasada. Mishler e Sheehan, todavia, não encontram apoio para a opinião contemporânea. Em segundo lugar, uma vez que leva longos períodos de tempo para os justices aprenderem sobre as mudanças de humor do público (uma suposição duvidosa em si), os justices nunca saberiam se alguma mudança de cinco anos de idade havia permanecido até o presente.”
confiança e respeito do público.52 Por isso, a opinião pública seria levada em
consideração, de modo consciente, a fim de fortalecer a legitimidade institucional da
Corte.53
↑290│291↓
O prestígio institucional perante o público é considerado importante por facilitar
o exercício da autoridade e contribuir para que as decisões sejam voluntariamente
acatadas.54 O suporte do público pode ter um efeito significativo sobre a disposição das
autoridades públicas de cumprir as decisões, incentivando-as a agir de forma rápida e
decisiva na implementação das políticas definidas judicialmente.55 Como assinalado por
Franklin e Kosaki (1989, p. 752), a percepção de que uma questão é muito controversa
pode levar as autoridades públicas a uma inação. Em casos de grave crise institucional,
o apoio do público não apenas contribui para o fiel cumprimento das decisões pelos
outros poderes,56 como também auxilia na proteção das prerrogativas do Tribunal,
protegendo-o contra ameaças
52 MISHLER; SHEEHAN (1993, p. 95): “... o impacto da opinião pública sobre as decisões do Tribunal é mediada, em parte, através de seus efeitos sobre a mudança na composição da Corte. Entretanto, de acordo com a hipótese de ajustamento político, a persistência de fortes efeitos do humor público, [mesmo] com o controle da composição da Corte indica também que o impacto da opinião pública sobre as decisões do Tribunal é parcialmente independente da alteração de composição.” 53 TYLER (2006, p. 375): “A legitimidade é uma propriedade psicológica de uma autoridade, instituição ou organização social que leva os que estão ligados a ela a acreditar que é apropriada, adequada e justa. Por causa da legitimidade, as pessoas sentem que devem se submeter às decisões e normas, a segui-las voluntariamente por obrigação e não por medo de punição ou antecipação de recompensa. Ser legítimo é importante para o sucesso das autoridades, instituições e arranjos institucionais, uma vez que é difícil exercerem influência sobre outros com base unicamente na posse e uso do poder. Ser capaz de obter a aquiescência voluntária da maioria das pessoas, na maioria das vezes, devido ao seu senso de obrigação aumenta a eficácia em períodos de escassez, crise e conflito.” 54 TYLER (2006, p. 379): “Na área jurídica, a investigação sobre as interações pessoais dos indivíduos com policiais e juízes indica que as pessoas que veem essas autoridades como legítimas são mais propensas a aceitar as suas decisões, um efeito que é distinto da conclusão geral de que as pessoas são mais propensas a aceitar decisões que são mais favoráveis e/ou justas.” 55 GRIMM (2009, p. 23): “Se a verdadeira essência do constitucionalismo é a submissão da política à lei, então a verdadeira essência da adjudicação constitucional é aplicar o direito constitucional em relação [vis-à-vis] ao governo. Isso implica a revisão judicial de atos políticos - incluindo a legislação. No entanto, os tribunais constitucionais ou tribunais com jurisdição constitucional não podem compensar totalmente a fraqueza do direito constitucional. Como o poder de usar a força física permanece nas mãos dos órgãos políticos do governo, os tribunais são impotentes quando os políticos se recusam a cumprir com a constituição ou ignorar as ordens do tribunal.” 56 Vale lembrar que a eficácia das decisões proferidas pelo Judiciário dependem, em muitos casos, do apoio do Executivo, como ressaltado no célebre comentário de Alexander Hamilton (2009, p. 509): “O Judiciário, devido à natureza de suas funções, será sempre o menos perigoso para os direitos políticos da Constituição; pois ele terá menos capacidade de incomodar ou ferir. O Executivo não só distribui as honras, como também segura a espada da comunidade. Os legislativos não só comandam o orçamento, como também prescrevem as regras pelas quais os deveres e direitos de cada cidadão devem ser regulamentados. O Poder Judiciário, ao contrário, não tem qualquer influência nem sobre a espada, nem sobre o orçamento; não dirige nem a força nem a riqueza da sociedade, e não pode tomar qualquer resolução ativa que seja. Pode realmente ser dito que não tem nem força nem a vontade, mas apenas a sentença; e, no fim das contas, ainda depende do auxílio do Executivo até mesmo para a eficácia de suas decisões. Essa visão simples do tema sugere diversas consequências importantes. É a prova incontestável que o Judiciário é, sem comparação, o mais fraco dos três órgãos do poder.”
↑291│292↓
ou ataques. Eventuais tentativas de subverter uma decisão de uma instituição
nacional prestigiada podem acabar provocando uma reação pública (public backlash)
contra aqueles que se atreverem a arriscar. (FRIEDMAN, 2005, p. 323-324).
Há duas espécies de apoio conferido pelo público. O apoio específico ocorre nos
casos em que uma instituição obtém o respaldo das pessoas por essas concordarem com
uma decisão específica. O apoio difuso, por sua vez, refere-se à ideia de que mesmo
quando são tomadas decisões contrárias à vontade popular, este desvio costuma ser
tolerado quando há um apoio institucional suficiente. Esta noção pode ser compreendida
como uma reserva de “boa vontade” em relação às instituições, a qual contribui para
que a opinião pública tolere ou aceite determinadas decisões desfavoráveis aos seus
interesses imediatos.57 O bom funcionamento do mercado político pressupõe certa
correspondência entre o que os governados querem e aquilo que efetivamente recebem.
Embora necessariamente exista uma folga entre o desejado e o recebido, esta folga não
deve ser exageradamente grande. (FRIEDMAN, 2005, p. 325). O apoio difuso, na
precisa síntese de Barry Friedman (2009, p. 379), é a medida da folga que a instituição
tem para seguir o seu próprio caminho em determinadas questões.
Em que pesem as dificuldades empíricas envolvendo o tema, estudos confirmam
a existência de um “apoio difuso” ao Poder Judiciário em geral, no sentido de que este
continua contando com o apoio da opinião para a manutenção de sua independência,
mesmo quando há uma grande insatisfação com o resultado das decisões proferidas.
(FRIEDMAN, 2005, p. 326). Nos EUA, pesquisas de opinião pública apontam a
existência de uma considerável dose de apoio difuso em relação à Suprema Corte.58 Na
Europa, a situação não é diferente. Ingeborg Maus (2000, p. 185) relata que a ampliação
objetiva das funções exercidas pelo Judiciário tem sido acompanhada
↑292│293↓
57 A ideia de um apoio difuso encontra raízes no trabalho seminal de David Easton que o definiu como “um reservatório de atitudes favoráveis ou de boa vontade que ajuda os membros a aceitar ou tolerar saídas [outputs] às quais se opõem ou o efeito que vêem como prejudicial à sua vontade.” (FRIEDMAN, 2005, p. 326). 58 CALDEIRA; GIBSON (1992, p. 635-636): “a Suprema Corte tem tradicionalmente se saído bem nas estimativas do público, especialmente em comparação com outras instituições políticas. Mesmo durante os anos 1960, quando o suporte para outras instituições despencou, as avaliações públicas da Corte mantiveram-se relativamente altas. [...] No entanto, o apoio popular para a Suprema Corte é limitado e isso muda ao longo do tempo em resposta às ações do próprio Tribunal e das condições políticas externas.”
por uma “representação da Justiça por parte da população que ganha contorno de
veneração religiosa”.59 No Brasil, o índice de apoio da população ao STF também tem
sido bastante elevado, sobretudo se comparado com o do Congresso Nacional.60
A consciência sobre a importância do suporte do público para a preservação do
poder institucional da Corte pode fornecer valiosos incentivos no sentido de evitar um
distanciamento demasiado, ou por um longo período, dos pontos de vista majoritários
sobre questões fundamentais.61 Assim, nas situações de incerteza fática - em que há uma
ampla margem para a definição e valoração dos fatos jurídicos - e/ou jurídica - em que a
ambiguidade do material jurídico convencional possibilita a opção por alternativas
razoáveis - a opinião pública pode ser levada em consideração por uma questão
estratégica: fortalecer a legitimidade institucional do Tribunal com o objetivo de
assegurar a fiel execução de suas decisões.62
↑293│294↓
Em suma, de acordo com esta explicação o ajustamento político do Tribunal
com a opinião pública seria decorrente da preocupação de seus membros com a
preservação do poder institucional e com a execução de suas decisões. Não obstante as
garantias institucionais e funcionais conferidas para evitar pressões políticas externas, o
prestígio institucional é considerado um fator importante para maximizar a eficácia do
Tribunal como um formulador de políticas, conferindo maior efetividade às suas
decisões, reduzindo as chances de reversão de suas decisões pelo Legislativo através de
leis ou de emendas constitucionais e impedindo retaliações ou reações contrárias por 59 A professora da Universidade Johann Wolfgang Goethe, de Frankfurt am Main, menciona uma pesquisa de opinião pública que comprova esse ganho de confiança, na qual a aprovação popular do Tribunal Constitucional atingiu o percentual de 62%, extremamente elevado se comparado com o de outras instituições políticas e sociais como a televisão (34%) e a universidade (apenas 2%). (MAUS, 2000, p. 185). 60 Pesquisa realizada em dezembro de 2012, pelo Datafolha, apontou que o STF conta com a confiança de 70% dos brasileiros. Em relação ao Congresso Nacional, este índice é de apenas 43%. A instituição com maior credibilidade entre os brasileiros foi a Presidência da República, com 81% de respostas positivas. (CAMPANHA, 2012, p. A6). No mesmo período, segundo pesquisa realizada pelo IBOPE, a confiança da população no STF foi de 54 pontos (em uma escala de 0 a 100), enquanto o Congresso Nacional teve o menor índice: 35 pontos. Curiosamente, o índice de confiança no “Poder Judiciário/Justiça” foi de 47 pontos. Disponível em: http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/Confianca-do-brasileiro-no-STF-e-maior-do-que-na-Justica.aspx 61 MISHLER; SHEEHAN (1994, p. 717): “A teoria não é que os justices rotineiramente mudam as suas decisões com base em pesquisas de opinião pública, mas que alguns justices ocasionalmente modificam suas decisões (se não as suas crenças pessoais) sobre questões importantes em resposta a mudanças de longo prazo e fundamentais na opinião pública percebidas como ameaçadoras da autoridade do Tribunal.” 62 McGUIRE; STIMSON (2004, p. 1.023): “... a partir de nossa perspectiva teórica, vemos o papel de antecipação racional da Corte vis-à-vis com o do Congresso e o do Presidente ser uma diferença de grau, não de tipo. Os ministros podem estar relativamente isolados da pressão da opinião pública, mas isso não garante que ela seja ignorada por eles. O mecanismo que impulsionaria os ministros a seguir a opinião pública, pressupomos, é a expectativa do Tribunal sobre as conseqüências futuras de suas decisões. O humor do público, então, deve ser um barômetro pelo qual os justices calculam a medida em que as suas políticas preferenciais provavelmente vão ser aceitas e postas em prática.”
parte de outros poderes.63 A Corte tem de estar em sintonia com a opinião pública -
argumenta Friedman (2009, p. 375) -, pois o público, da mesma forma que pode salvá-la
quando estiver em apuros com os líderes políticos, também pode motivar esses mesmos
líderes contra ela.
A história tem mostrado que podem ocorrer reações indesejadas quando as
decisões judiciais se afastam muito daquilo que a sociedade está disposta a tolerar.
Embora o público careça de autoridade formal para impedir o cumprimento de uma
decisão, certamente ele pode criar obstáculos à sua implementação, mesmo quando a
oposição se restringe a um público local, como ocorreu, por exemplo, em relação à
decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão que determinou a retirada de
crucifixos das salas de aula de escolas públicas (Kruzifix - BVERFGE 93, 1)64 e com as
decisões da Suprema Corte norte-americana sobre o fim do sistema de segregação racial
nas escolas (caso Brown v. Board of Education).
↑294│295↓
2.2.2 A hipótese do autointeresse
O fundamento para a sintonia pode estar no desejo de uma reputação positiva, na
vontade de obter a estima e a consideração do público em geral. Os juízes, na condição
de seres humanos, têm características e tendências que são inerentes à própria natureza
humana. Por isso, assim como as demais pessoas, eles gostam de ser respeitados,
aplaudidos e admirados. Em alguns contextos decisórios, esses desejos podem atuar
como valiosos incentivos para certas escolhas e, desse modo, influenciar o
comportamento judicial.
Em importante obra na qual aborda a interação entre os “juízes e suas plateias”
(Judges and their audiences), Lawrence Baum (2008, p. xi) desenvolve uma análise
focada nos tipos de “plateia” que tendem a ser mais importantes para os juízes e como o
63 Nesse sentido, FRIEDMAN (2009, p. 375): “O Tribunal tem de estar em sintonia com a opinião pública desperta, porque é o público que pode salvar um Tribunal quando este estiver em apuros com os líderes políticos e que igualmente pode motivar os líderes políticos contra ele.”; FRANKLIN; KOSAKI (1989, p. 751): “Os tribunais devem ser responsivos [responsive] por causa de sua fraqueza institucional. As ferramentas disponíveis para os tribunais fazerem valer sua vontade sobre um público resistente são poucas.”; McGUIRE; STIMSON (2004, p. 1.019): “Os justices que querem ver as suas preferências pessoais expressas em políticas públicas sabem que a eficácia dessa política depende de sua aceitação por seus implementadores e daqueles a quem eles são responsáveis.” 64 VANBERG (2005, p. 4): “Em um artigo de fim de ano sobre a crise [envolvendo a retirada dos crucifixos], o Neue Zürcher Zeitung, um dos jornais mais influentes da Europa, concluiu que ‘com exceção de alguns casos extremamente raros, nada mudou no cotidiano escolar da Baviera’ (16 de dezembro de 1995). Como ironizou um juiz da FCC [Tribunal Constitucional Federal] durante uma palestra na Universidade de Freiburg: ‘Há mais crucifixos pendurados nas salas de aula bávaras agora do que antes da decisão.’”
interesse na aprovação destas pessoas pode afetar o comportamento decisório. O
professor de Ciência Política da Universidade do Estado de Ohio acredita que os
membros da Suprema Corte têm poucas razões para temer o enfraquecimento da
legitimidade institucional como decorrência de decisões impopulares. Baum (2008, p.
65) argumenta que o interesse pessoal na aprovação do público fornece um incentivo
muto mais forte do que o potencial impacto que esse tipo de decisão possa ter sobre a
legitimidade do Tribunal. De acordo com esta explicação, portanto, o motivo mais
provável para os esforços no sentido de conquistar o apoio público é o interesse na
própria popularidade, considerada a possível base primária para as reais influências
exercidas pela opinião pública sobre as escolhas judiciais.
O público em geral, no entanto, não é apontado por este autor como a plateia
mais importante para os membros da Suprema Corte. Existe, segundo Baum (2008, p.
71-72), uma propensão a se buscar a aprovação de segmentos específicos mais do que
do público de massa, o que pode resultar em divergências entre o resultado da decisão e
a opinião pública, dificultando a aferição do real impacto exercido pela plateia sobres as
escolhas judiciais. Em trabalho recente elaborado em conjunto com Neal Devins, Baum
aborda, de forma mais específica, as razões pelas quais a Suprema Corte tem maior
preocupação com as elites do que com o povo norte-americano em geral.65
↑295│296↓
2.2.3 A hipótese da influência indireta (“Hipótese Dahl-Funston”)
Nos países em que a escolha dos membros da Corte Constitucional tem a
participação do Executivo e do Legislativo o modelo de nomeação pode ajudar a
compreender o alinhamento de preferências políticas. O Presidente e os Parlamentares,
por serem eleitos pelo voto popular, em tese, estão em sintonia com as preferências
políticas majoritárias. Assim, ao selecionar indivíduos com os quais têm uma afinidade
ideológica, o Presidente da República e os Senadores contribuem para que as
65 BAUM; DEVINS (2010, p. 1.580): “Mesmo que alguns Justices tenham a opinião pública em conta (em parte porque exageram a necessidade de proteger a posição do Tribunal com o público), a [Suprema] Corte como um todo tem demonstrado uma independência considerável em relação à opinião pública. Em contraste, os Justices têm fortes incentivos para manter a sua posição com as plateias de elite que são salientes para eles. Fundamentalmente, esses incentivos não derivam da preocupação sobre o suporte para o Tribunal, como instituição, mas a partir da necessidade humana de aprovação de indivíduos e grupos que são importantes para eles. Porque os indivíduos e os grupos mais relevantes para os Justices são esmagadoramente dos segmentos da elite da sociedade norte-americana, são os valores e opiniões das elites que têm o maior impacto sobre os Justices. Esta é uma razão importante pela qual as decisões da Corte normalmente estão em harmonia com os pontos de vista das pessoas mais educadas do que com as opiniões do público como um todo.”
preferências do eleitorado sejam refletidas, de uma forma indireta, nas decisões. De
acordo com esta explicação, portanto, a convergência de opiniões seria decorrente do
modelo de composição da Corte em conjunto com a influência da ideologia no
comportamento judicial.66
A influência da ideologia no raciocínio decisório está amplamente comprovada
por inúmeros estudos desenvolvidos no âmbito da psicologia e da ciência política. De
acordo com o modelo atitudinal, os juízes tomam decisões “considerando os fatos do
caso à luz das suas atitudes e valores ideológicos” (SEGAL;SPAETH, 1993, p 72).67
Este modelo de comportamento decisório sugere que os juízes têm determinadas
‘atitudes’ - isto é, preferências políticas pessoais - e que estas servem como bons
indicadores de suas futuras decisões, sobretudo em casos difíceis.68 Na visão de Segal e
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Spaeth (2002), o controle da agenda e a vitaliciedade conferem uma ampla
liberdade para os membros do Tribunal tomarem decisões com base em preferências
políticas pessoais, havendo poucas razões para suspeitar da existência de uma efetiva
preocupação com a opinião pública.
Para os adeptos do modelo estratégico, quando não há uma convergência de
opiniões entre o Tribunal e os demais poderes (Congresso e Presidente), muitas vezes os
justices se desviam de suas preferências pessoais e, por compreenderem que não são
capazes de tomar decisões eficazes sem que estejam atentos a outros atores, optam por
escolhas estrategicamente sofisticadas, em sintonia com o “regime dominante”.
(EPSTEIN; KNIGHT; MARTIN, 2001, p. 590 e 594).69
66 NORPOTH; SEGAL (1994, p. 716): “Será que opinião pública influencia as decisões da Suprema Corte? Se o modelo de influência é do tipo que os juízes deixam de lado suas próprias preferências e respeitam o que eles profetizam como a vox populi, a nossa resposta é um sonoro não. [...] A resposta da Suprema Corte não será necessariamente existente, mas irá depender da natureza das eleições presidenciais.” 67 O termo “modelo atitudinal” ganhou destaque a partir da obra The Supreme Court and the Attitudinal Model (1993), de Jeffrey A. Segal e Harold J. Spaeth. Os dois cientistas políticos norte-americanos concluíram, após um criterioso estudo empírico, que o objetivo dos juízes é maximizar suas preferências políticas, razão pela qual as decisões judiciais costumam ser consistentes com a ideologia política dos julgadores (SEGAL; SPAETH, 1993 e 2002). 68 SEGAL; SPAETH (2002, p. 324): “Por exemplo, Spaeth foi capaz de prever precisamente 88 por cento (92 de 105) das decisões da [Suprema] Corte entre 1970 e 1976 e 85 por cento dos votos dos justices.”; CROSS (1997, p. 275): “O teste fundamental de qualquer modelo é sua capacidade de prever com precisão, e o modelo atitudinal faz isso bem. Harold Spaeth, por exemplo, é suficientemente confiante na capacidade do modelo atitudinal para prever votos e decisões pendentes da Suprema Corte nos meios de comunicação. Segundo o professor Spaeth, o modelo foi preciso ‘em mais de 9 em cada 10 previsões de comportamento judicial.’ Que eu saiba, nenhum jurista conseguiu um registro comparável usando o modelo legal.” 69 EPSTEIN, KNIGHT e MARTIN (2001, p. 610): “Testes, tanto de nível individual como agregado, apoiam a proposição de que os Justices ajustam suas decisões em antecipação às respostas potenciais dos outros ramos do
A hipótese formulada por Robert Dahl (1957) e corroborada por Richard
Funston (1975), apesar de sofrer algumas críticas pontuais,70 continua sendo
amplamente aceita.71 No caso da Suprema Corte norte-ame-
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ricana, a nomeação média de dois novos justices em cada mandato do Presidente
da República, segundo a estimativa feita por Dahl, impediria o afastamento, por um
longo período, entre a visão política dominante na Corte e a opinião da maioria
legislativa.72 Apenas durante os períodos de realinhamento eleitoral e partidário a Corte
teria uma tendência de ficar fora de sintonia com a nova maioria legislativa dominante.
Em síntese, Dahl sustenta que a tendência majoritária da Suprema Corte decorre de dois
fatores básicos: o processo de seleção voltado à escolha de membros com preferências
políticas convergentes com as do Presidente e do Congresso; e, a influência dessas
preferências no comportamento judicial.73 A tese da influência indireta foi
posteriormente corroborada nos estudos desenvolvidos por Richard Funston (1975, p.
governo. Este comportamento é consistente com nossa abordagem institucional, mas a análise de Dahl não pode explicá-la.” 70 CASPER (1976, p. 50): “Defendo aqui que a abordagem de Dahl não é adequada para a compreensão do papel da Suprema Corte na formulação de políticas. O exame da maneira como ele interpreta suas próprias evidências e outras provas relevantes que são excluídas de sua análise sugere que a Corte participa de forma mais significativa na definição das políticas nacionais do que o argumento de Dahl sugere.”; MISHLER; SHEEHAN (1993, p. 96): “... as evidências sugerem que a opinião pública exerce importante influência sobre as decisões da Corte, mesmo na ausência de alterações na composição do Tribunal ou na composição partidária e ideológica do Congresso e da presidência.” 71 EPSTEIN; MARTIN (2010, p. 270): “... praticamente todos os estudos demonstram um efeito indireto da opinião pública através do processo de nomeações. Ou seja, eles tendem a mostrar que as mudanças na composição do Tribunal podem levar a uma porcentagem maior ou menor de decisões liberais em cada período. Cientistas políticos consideram esta [hipótese] ‘indireta’, porque o público não afeta diretamente o percentual de decisões liberais; seu papel vem da eleição do Presidente e do Senado, que designará os Justices refletindo as preferências do público. Assim, a ‘orientação ideológica da Corte geralmente [irá] corresponder às atitudes do eleitorado’ e do regime dominante.”; NORPOTH; SEGAL (1994, p. 711): “Nós reconhecemos, à partida, que as decisões da Suprema Corte podem ser correlacionadas com a opinião pública. A hipótese de Dahl da nomeação presidencial é convincente.”; McGUIRE; STIMSON (2004, p. 1.033): “... descobrimos que os resultados de políticas do Tribunal não só são afetados pela opinião pública, mas em um grau muito maior do que anteriormente documentado. Ao mesmo tempo, temos dificilmente eliminada a influência indireta da opinião em massa causada pelo processo de nomeação. A confiança em uma melhor medida do comportamento da Corte revela serem os justices altamente motivados por suas preferências pessoais, mesmo após o efeito significativo de preferências diretas do público serem mantidas constantes.” 72 Ao contrário do expressivo número de pesquisas de opinião pública existentes na atualidade possibilitando uma comparação direta entre as decisões do tribunal e a vontade da maioria popular, na década de 1950 esse tipo de pesquisa ainda era algo bastante recente. O próprio Dahl (1957, p. 283) fez a seguinte ressalva: “Se alguém deseja ser totalmente rigoroso em relação a questão, é provavelmente impossível demonstrar que quaisquer decisões judiciais específicas estão ou não em conflito com as preferências de uma ‘maioria nacional’. […] Em sentido estrito, não há evidências adequadas, visto que as pesquisas de opinião científica são de origem relativamente recente, e as eleições nacionais são pouco mais do que uma indicação das preferências primordiais de alguns cidadãos.” 73 EPSTEIN, KNIGHT e MARTIN (2001, p. 587): “Não é surpreendente que Dahl presumisse que o Tribunal se engajaria em um comportamento ‘sincero’. Dahl estava escrevendo num momento em que o movimento behaviorista dos anos 1950, movimento de enorme influência, tinha tomado conta da ciência política. Esse movimento influenciou o estudo de decisões judiciais através da utilização do chamado ‘modelo atitudinal’, o qual sustenta que os justices baseiam suas decisões exclusivamente nos fatos dos casos em relação às suas atitudes ideológicas e valores.”
796) que, ao testá-la, também constatou que, por longos períodos de tempo, a Suprema
Corte reflete a vontade das forças políticas dominantes. Somente durante os períodos de
transição há maior probabilidade de serem proferidas decisões contramajoritárias.
↑298│299↓
2.2.4 A “hipótese da socialização política”
A hipótese da socialização política também parte da premissa de que o
comportamento judicial é influenciado, em grande medida, pela ideologia do juiz. O
aspecto distintivo central desta hipótese em relação à anterior está na explicação dada às
mudanças de posicionamento da Corte. Aqui, as alterações na jurisprudência operadas
em sintonia com a opinião pública são explicadas não pelo modelo de nomeação, mas
pelo fato de os juízes, assim como os demais membros da sociedade, serem susceptíveis
à influência da evolução das normas e valores sociais.74 Ainda que não se ignore o
pluralismo característico das sociedades contemporâneas,75 a partir do momento em que
estão inseridos no mesmo contexto sociocultural, que leem os mesmos jornais, livros e
revistas e que veem o mesmo noticiário, é natural que os juízes sofram influências
semelhantes e compartilhem certos valores em comum com os demais membros da
sociedade. Como argumentam Mendonça e Barroso (2013), “os magistrados, assim
como as pessoas em geral, não são seres desenraizados, imunes ao processo social de
formação das opiniões individuais.” Com o passar do tempo, portanto, a ideologia
judicial acabaria entrando em sintonia com as preferências políticas da maioria popular
por ser submetida à influência dos mesmos fatores sociais.
A convergência de opiniões seria resultante, portanto, não da resposta
sistemática às alterações na opinião pública, mas da “mudança de atitude” dos juízes em
razão da evolução social.76 Nas palavras de Mishler e
74 MISHLER; SHEEHAN (1993, p. 89): "Mesmo na ausência de preocupações sobre a legitimidade das decisões do Tribunal, há boas razões para acreditar que os juízes da Suprema Corte podem ser influenciados por mudanças de longo prazo no clima da opinião pública. Justices não são menos suscetíveis do que os outros indivíduos da sociedade a ser influenciado pela evolução das normas sociais e valores. Se, por exemplo, as atitudes da cultura política em relação ao papel da mulher na sociedade sofrem alterações significativas ao longo do tempo, é pouco provável que as atitudes e crenças dos justices possa ficar permanentemente imune a essa mudança nos costumes. Gradualmente, as atitudes, pelo menos de alguns dos justices são susceptíveis a mudança, deslocando também o centro de gravidade ideológica do Tribunal.” 75 O pluralismo, como observou Norberto Bobbio (2009, p. 74), “antes de ser uma teoria, [...] é uma situação objetiva, na qual estamos imersos.” 76 MISHLER; SHEEHAN (1994, p. 721-722): “Acreditamos, ao contrário, que a hipótese dos efeitos direto é totalmente consistente com um modelo atitudinal. Salvo nos casos raros em que um justice vota contrário às suas crenças pessoais para preservar a autoridade do Tribunal em face da oposição pública. [...] Nossa análise, então, não argumenta contra o modelo atitudinal de tomada de decisão judicial, mas em favor de uma versão mais sutil em que as atitudes individuais não são tratadas como estáticas e imutáveis, mas como fluidas e dinâmicas. Não tenho dúvida
↑299│300↓
Sheehan (1994, p. 717), os juízes seriam influenciados, ainda que muitas vezes
de forma inconsciente, pelas mesmas forças que afetam a sociedade como um todo.77
Em que pese alguns autores a classificarem como uma influência direta, a rigor, a
convergência de opiniões, segundo esta hipótese, não resulta de uma influência da
opinião pública sobre o comportamento judicial, mas sim dos mesmos eventos e forças
que atuam na evolução dos valores sociais e, portanto, afetam os demais membros da
sociedade. Em outras palavras: para a hipótese da socialização política o que influencia
o comportamento judicial é a ideologia do juiz, sendo que esta é resultante do mesmo
conjunto de fatores que afeta a ideologia dos demais membros da sociedade.
Em recente estudo sobre o tema, Epstein e Martin (2010, p. 263-264) concluíram
que suas análises são consistentes tanto com a hipótese de legitimidade institucional,
quanto com esta ideia de que “o povo” inclui os Justices e que, por conta disso, eles não
responderiam à opinião pública diretamente, mas sim aos mesmos eventos ou forças que
afetam os demais membros do público. O aspecto mais surpreendente, segundo os
autores, foi constatar que, mesmo considerando a influência da ideologia judicial, o
humor do público continuou a ser um indicador significativo de resultados.
2.3. A influência das Cortes Constitucionais sobre a opinião pública: a outra
face da questão
A relação entre as Cortes Constitucionais e o público em geral é uma via de mão
dupla.78 Da mesma forma que a opinião pública pode influenciar as decisões do
Tribunal, essas decisões também podem modificar os pontos de vista da sociedade sobre
determinadas questões políticas, sociais e morais.
↑300│301↓
de que as atitudes judiciais são altamente viscosas, especialmente em comparação com as atitudes políticas dos cidadãos.” 77 MISHLER; SHEEHAN (1994, p. 717): “Aqui, o argumento não é que os justices votam contrariamente a suas crenças em resposta ao sentimento público, mas que as crenças de pelo menos alguns justices ocasionalmente mudam em resposta a alterações fundamentais de longo prazo no que Stimson chama o humor do público, e Lippman, de filosofia pública.” 78 Nesse sentido, Mishler e Sheehan (1993, p. 92) afirmam que, de modo geral, “esta indicação de ligações recíprocas entre a opinião pública e as decisões do Tribunal sugere a existência de uma relação em que (1) o teor ideológico das decisões do Tribunal são sensíveis, a longo prazo, às mudanças na ideologia do humor do público e (2) as decisões do Tribunal posteriormente reforçam e legitimam essas mudanças de humor.”
A hipótese de legitimação sugere que quando a Corte Constitucional é uma
instituição com alta credibilidade, suas decisões conferem legitimidade aos pontos de
vista por ela acolhidos.79 A legitimidade institucional da Corte faz com que suas
posições sobre determinados temas desempenhem uma espécie de função heurística,
por reduzir as dificuldades cognitivas sobre problemas de alta complexidade e permitir
que determinados pontos de vista sejam acolhidos ou rejeitados sem a necessidade de
complexas operações de raciocínio. Segundo esta hipótese, apontada como a principal
explicação para a influência da Corte sobre a opinião pública, o argumento contido na
decisão seria acolhido, não tanto pelo seu conteúdo, mas em razão do prestígio
institucional do órgão que o formulou. A mera legitimação formal conferida ao
argumento seria suficiente para mover a opinião pública.
Na visão de Bartels e Mutz (2009, p. 249), a chave para compreender como e
quando uma instituição como a Corte Constitucional é capaz de mover a opinião
pública está na capacidade de entender os processos psicológicos de persuasão. Em um
estudo comparativo entre a influência da Suprema Corte e a do Congresso norte-
americano, os autores constataram que a capacidade do Tribunal de mover a opinião
pública não só é bastante potente, mas também baseada em vários processos de
influência persuasiva.80 Assim, quando o endosso institucional é acompanhado por
argumentos substanciais persuasivos e explicações sobre as questões analisadas, a
capacidade de persuasão é ainda mais forte.81
↑301│302↓
Franklin e Kosaki (1989, p. 752) associam a atuação da Suprema Corte a uma
espécie de “mestre republicano” (republican schoolmaster) que fornece à população,
através de sua explicação do direito e de sua alta posição moral, um exemplo da maneira
como devem se comportar os bons republicanos, inculcando na opinião pública as
79 Franklin e Kosaki (1989, p. 761) apresentam estudos empíricos cujos resultados fornecem fortes evidências da influência das decisões proferidas pela Suprema Corte norte-americana sobre a estrutura da opinião pública em relação ao aborto. No mesmo sentido, Bartels e Mutz (2009, p. 250) apontam promissores estudos nos quais o apoio ao ponto de vista acolhido pelo Tribunal é comprovado no caso Bush v. Gore e nas opiniões dos cidadãos negros sobre ação afirmativa e pena de morte. Em todos esses casos, o poder de influência da Suprema Corte costuma ser atribuído aos altos níveis de apoio difuso ou à lealdade institucional. 80 A investigação foi limitada a apenas duas questões controversas – as decisões sobre a “queima da bandeira” (“flag burning”) e as ações afirmativas (“affirmative action”) -, dois argumentos substantivos e duas instituições – Suprema Corte e Congresso -, que não podem pretender representar todos os contextos possíveis de persuasão em que as instituições tomam decisões. Tais limitações exigem certa cautela na generalização dos resultados. 81 BARTELS; MUTZ (2009, p. 260): “O mais importante, [é que] nosso estudo demonstra que a liderança de opinião não significa necessariamente persuasão sem substância política. A influência de endossos institucionais depende, em grande medida, das justificativas que são tornadas públicas para esses endossos.”
virtudes da cidadania.82 A maior parte das decisões de uma Corte, contudo, fica restrita
ao âmbito da comunidade jurídica. Em tais hipóteses, por evidente, não se deve esperar
qualquer tipo de influência na opinião pública, o que só irá ocorrer no caso de decisões
com grande visibilidade e repercussão social.
A influência recíproca entre a Corte Constitucional e a opinião pública dificulta
a determinação da direção causal com base apenas na convergência de posições, por não
permitir a distinção entre as situações em que o Tribunal é sensível à opinião pública e
aquelas nas quais esta opinião é moldada por suas decisões. A identificação de quem
influenciou e de quem foi influenciado só poderá ser avaliada de forma precisa nos
casos em que existirem pesquisas de opinião pública feitas antes e depois da decisão
sobre o tema.
3. A OPINIÃO PÚBLICA E O STF
No Brasil, a escassez de investigações empíricas prejudica sobremaneira a
análise da real influência exercida pela opinião pública sobre as decisões do STF. Em
razão da escassez de dados, questões específicas relacionadas à convergência de
opiniões – se, como, quando e com que frequência isso ocorre – somente podem ser
respondidas de forma pontual ou intuitiva. Em que pese a presença deste obstáculo, com
base nos estudos envolvendo a Suprema Corte norte-americana, buscar-se-á identificar
alguns aspectos que podem favorecer ou restringir a influência da opinião pública nas
decisões do Supremo sem ignorar, por evidente, as semelhanças e diferenças
fundamentais existentes no ambiente decisório das duas Cortes. A análise comparativa
terá como objetivo fazer algumas ilações acerca das situações mais susceptíveis à
influência da vontade da maioria popular e formular hipóteses sobre a probabilidade de
interferência da opinião pública.
↑302│303↓
A tomada de decisão judicial envolve dois tipos de processos de pensamento. O
processo de pensamento intuitivo (sistema intuitivo) ocorre espontaneamente e envolve
as decisões tomadas de forma automática, sem muito esforço e sem um controle
82 FRANKLIN; KOSAKI (1989, p. 752): “É claro que os federalistas e Tocqueville previram um papel para a Suprema Corte além do de servo da vontade pública. Na verdade, a preocupação quando da fundação não foi apenas de que a Corte deve responder à opinião pública, mas que deve também desempenhar um papel importante na educação dessa opinião.”
voluntário. Este sistema envolve as intuições, impressões e pré-concepções. O processo
de pensamento deliberativo (sistema deliberativo) ocorre através de um processamento
controlado e envolve decisões que são governadas por regras, tomadas lentamente e
com grande esforço (IRWIN; REAL, 2010, p. 5). Nele estão incluídas as atividades
mentais que envolvem concentração e raciocínio lógico. A relação entre os dois
sistemas é complicada e bastante complexa. Para esta análise, possui especial relevância
o fato de que as atividades mentais desenvolvidas pelo sistema deliberativo são
influenciadas pela ação de diversos fatores do sistema intuitivo e que, em muitos casos,
os erros e vieses inerentes a este sistema não podem ser descobertos e nem evitados pelo
raciocínio controlado. Como ensina Daniel Kahneman (2012, p. 38-39), o melhor que se
pode fazer é um acordo no sentido de “aprender a reconhecer situações em que os
enganos são prováveis e se esforçar mais para evitar enganos significativos quando há
muita coisa em jogo.” Dentre as finalidades de se destacar situações de maior
probabilidade da influência da opinião pública está a de permitir o acionamento de
mecanismos de atenção por parte dos julgadores interessados, a fim de minimizar os
riscos de uma interferência não consciente de fatores extrajurídicos sobre a decisão,
quando considerada como algo indevido ou indesejável (controle endógeno). A
identificação de situações mais susceptíveis a influências indesejadas visa, ainda, a
contribuir para a formulação e o desenvolvimento de mecanismos normativos e
doutrinários de fiscalização (controle exógeno).
A abordagem será desenvolvida a partir de três perspectivas de comparação: a
institucional, envolvendo aspectos referentes ao Supremo e a seus membros; a jurídica,
relacionada ao material jurídico convencional (lei em sentido amplo, jurisprudência e
doutrina) aplicável ao caso a ser decidido; e, a fática, referente ao contexto político-
social no qual a decisão é proferida.
3.1 A perspectiva institucional
Um aspecto institucional de suma importância quando se trata da influência da
opinião pública diz respeito à escolha dos membros do Tribunal e às garantias
funcionais que lhes são conferidas. O critério adotado no Brasil, desde a criação do
Tribunal pela Constituição de 1891, é inspirado no modelo norte-americano, em que a
nomeação é feita pelo Presidente da
↑303│304↓
República, após sua escolha ser aprovada pelo Senado Federal (CRFB/88, Art.
102, parágrafo único).83 Em que pesem as semelhanças formais apontadas, há um
importante aspecto subjacente às escolhas que impede estabelecer uma exata correlação
da influência dos fatores extrajurídicos no comportamento judicial dos membros das
duas Cortes. Explica-se.
A grande maioria dos cientistas políticos norte-americanos aponta a ideologia
como o fator determinante na tomada de decisão dos membros da Suprema Corte,
sobretudo em casos difíceis envolvendo temas ideologicamente carregados - como
aborto, pena de morte e liberdades civis em geral. Um dos principais critérios utilizados
para a identificação da postura liberal ou conservadora de um justice é exatamente o
partido (Democrata ou Republicano) do Presidente de nomeação, por haver na
experiência norte-americana uma forte tradição de escolha dos membros da Suprema
Corte com base na afinidade ideológico-partidária (hipótese da influência indireta). Este
critério, apesar da aparente ingenuidade e imprecisão, costuma ter um considerável
sucesso preditivo, fornecendo fortes evidências de que o partido político do Presidente é
um Proxy consistente e altamente revelador da medida da ideologia dos justices,
apontada como um fator de grande influência no resultado dos casos e, por conseguinte,
nos rumos do direito. (FRIEDMAN, 2005, p. 277-279). Nesse contexto, a nomeação do
Presidente é considerada a principal razão subjacente à convergência de opiniões. No
caso do STF, contudo, esta hipótese não parece ter a mesma força, mesmo se
considerarmos a expressiva média de nomeação de quatro Ministros por mandato
presidencial, ou seja, duas vezes mais que a estimativa feita por Robert Dahl para a
Suprema Corte dos EUA.84 Isso porque, na tradição brasileira, além de não haver uma
dicotomia ideológica (liberal/conservador)
↑304│305↓
83 MENDONÇA; BARROSO (2013): “Existem, essencialmente, duas fórmulas de nomeação de juízes de supremas cortes e cortes constitucionais: (i) a que tem predominância do Executivo, com participação do Legislativo no processo de aprovação; e (ii) a que tem predominância - ou exclusividade - do Legislativo. A hipótese tipo da primeira fórmula é a Suprema Corte dos Estados Unidos, em que os justices são indicados pelo presidente e aprovados pelo Senado. A segunda fórmula é adotada, por exemplo, na Alemanha, onde os juízes constitucionais são designados pelo Legislativo (em rigor, metade pelo Parlamento e a outra metade pelo Conselho Federal, órgão de representação dos Estados).” 84 Desde 21 de abril de 1985 até hoje, foram nomeados cinco Ministros por José Sarney; quatro por Fernando Collor, um por Itamar Franco; três por Fernando Henrique; oito por Luiz Inácio Lula da Silva; e quatro por Dilma Roussef (contando com o Ministro que será nomeado para a vaga de Ayres Britto). A média é de aproximadamente 1,12 Ministros nomeados a cada ano de mandato do Presidente da República.
tão rígida e clara, não há qualquer indício de que a ideologia seja o fator
determinante na escolha da grande maioria dos Ministros. Embora a escolha feita pelos
Presidentes seja pautada por certas afinidades, em geral, não há uma preocupação com a
posição político-ideológica do nomeado, mesmo porque a identificação de posições
ideológicas bem definidas costuma ser rara até dentro dos quadros da maioria dos
partidos políticos brasileiros. O processo de nomeação costuma ser marcado por
preocupações de caráter mais imediato, de curto prazo, por vezes relacionadas a temas
específicos constantes da pauta de julgamento do Tribunal e considerados estratégicos
ou de maior relevância para o governo naquele momento. Há quem afirme que, não
raro, há casos em que os motivos determinantes para a escolha são pouco republicanos.
Parece que, felizmente, o escolhido nem sempre atua da forma esperada. Tendo em
consideração que as garantias da vitaliciedade e da irredutibilidade dos subsídios
(CRFB/88, Art. 95, I e III) protegem os membros do Tribunal contra ingerências e
pressões dos demais poderes, caso não exista uma identidade ideológica real entre o
nomeado e o partido do Presidente, não se deve esperar uma sintonia entre as
preferências políticas. Vale destacar, ainda, a diferença de escrutínio em relação ao
candidato à vaga. Enquanto nos EUA o Senado costuma ser bastante rigoroso no
processo de confirmação do escolhido, no Brasil, a sabatina tem um caráter quase pro
forma sendo que, salvo por raras exceções individuais, a sessão costuma ser marcada
por exaltações ao candidato mais do que por uma avaliação rigorosa de seu “notável
saber jurídico”.85 Conforme apontado por Rodrigo Brandão (2012, p. 128), a prática
usual do Senado brasileiro de apenas referendar, sem maiores considerações, o nome
escolhido pelo Presidente da República, “reduz o potencial de o respectivo processo
gerar um nível significativo de judicial accountability”, característica reforçada pela
investidura vitalícia. Na experiência brasileira, portanto, o processo de nomeação não
parece ser um bom indicativo para a convergência entre a opinião pública e as decisões
do Supremo.
Em relação à hipótese da legitimidade institucional, há uma diferença
significativa no controle de constitucionalidade exercido nos dois países
↑305│306↓
85 Desde a criação do STF, a única oportunidade na qual os Senadores fizeram uma sabatina realmente rígida e que acabou por resultar na não confirmação dos escolhidos foi quando o segundo presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, em nítida represália à atuação do Tribunal, indicou um médico (Barata Ribeiro) e dois generais (Ewerton Quadros e Inocêncio Galvão de Queiroz). Apesar de terem ocupado o cargo por alguns meses, o Senado não confirmou os escolhidos para a vaga.
a ser considerada. Nos EUA, a judicial review é resultante de uma criação
jurisprudencial, cujas bases teóricas foram formuladas pelo Chief Justice Marshall na
mais famosa decisão de todos os tempos (Marbury v. Madison, em 1803). No Brasil, o
fato de o controle de constitucionalidade encontrar fundamento expresso na
Constituição,86 em certa medida, reduz a preocupação da Corte com o apoio do público,
embora não seja suficiente para afastá-la por completo. O STF, assim como as demais
Cortes Constitucionais, também necessita de outras instituições para conferir
efetividade a muitas de suas decisões o que, de certo modo, atua como um
constrangimento para que ele opere dentro de certos limites gerais de aceitação pública.
O prestígio institucional advindo do apoio do público parece ter maior influência, no
entanto, sobre a opção por uma postura mais ativista ou deferente. A decisão do STF a
favor da perda automática de mandato de parlamentares condenados criminalmente em
decisão transitada em julgado ilustra bem o que se quer afirmar. Na questão, havia uma
margem razoável para duas interpretações em sentidos opostos: conferir ao Legislativo
a decisão final sobre a perda dos mandatos (postura de autocontenção) ou conferir ao
próprio Tribunal a última palavra (postura ativista).87 Sem embargo de alguns
congressistas argumentarem que este último entendimento levaria a uma ingerência
indevida do Judiciário em atribuições políticas do Legislativo e até mesmo das ameaças
feitas pelo Presidente da Câmara dos Deputados (Marco Maia, PR/RS) sobre uma
possível crise institucional, o STF, por cinco votos a quatro, adotou uma postura nada
deferente (AP 470/DF).88 Não parece despropositado supor que a “descrença da
população
↑306│307↓
86 No direito brasileiro, o controle difuso de constitucionalidade (sistema norte-americano de controle) vem sendo consagrado desde a primeira Constituição Republicana de 1891, ao passo que o controle concentrado (sistema austríaco ou europeu de controle) foi introduzido na Constituição de 1946, pela Emenda Constitucional 16/1965, sendo expressamente consagrado, desde então, em todas as demais constituições brasileiras. A Constituição de 1988 consagra, de forma direta, a competência do STF para exercer o controle concentrado de constitucionalidade (CRFB/88, Arts. 102, I, a e § 1º; e, 103, §2º); e, de forma indireta, a possibilidade de exercício do controle difuso pelo STF (CRFB/88, Arts. 52, X e 102, III) e por outros tribunais (CRFB/88, Art. 102, III, b). 87 Sobre o tema, no sentido que a perda deveria ser automática, cf. “O STF e a extinção dos mandatos parlamentares” (Jane Reis Gonçalves Pereira e Carlos Alexandre de Azevedo Campos). Disponível em: http://estadodedireitos.com/; em sentido contrário, “O Mensalão e os limites da interpretação constitucional” (Daniel Sarmento). Disponível em: http://www.danielsarmento.com.br/2012/11/o-mensalao-e-os-limites-da-interpretacao-constitucional/. 88 Imediatamente após o STF ter decidido caber à Câmara dos Deputados apenas a declaração da (e não a decisão sobre) a perda do mandato dos deputados condenados no “julgamento do mensalão”, o Presidente da Casa qualificou o entendimento adotado como uma “ingerência do Judiciário no Legislativo e disse que, na sua visão, a tramitação de propostas que tiram prerrogativas do STF, será mais célere. Marco Maia (PT/RS) afirmou: “Tem uma lista de projetos na Câmara dos Deputados que estão tramitando há algum tempo que tratam das prerrogativas do STF. Não tenha duvida de que, nessa linha que vai, esses projetos andarão certamente dentro da Câmara com mais rapidez”.
na política majoritária”89 conjugada com a onda de popularidade na qual o
Tribunal vem surfando possa ter contribuído, em alguma medida, para este resultado.90
Se o prestígio institucional dos dois órgãos estivesse em uma situação inversa, talvez a
maioria optasse por uma postura de maior deferência em relação ao Legislativo. O
apoio específico da maioria popular em relação à decisão pela perda automática do
mandato também deve ter contribuído, mas não exclui a probabilidade de que o capital
político fornecido pelo apoio difuso tenha atuado como uma razão contributiva para o
resultado final. É possível, portanto, formular uma hipótese no sentido de que quanto
maior o prestígio institucional da Corte, maior a probabilidade desta adotar uma
postura mais ativista [Hipótese 1].
As outras duas hipóteses supramencionadas parecem bastante razoáveis para
explicar a influência da opinião pública no comportamento judicial dos Ministros do
STF. Os membros de uma Corte Constitucional, em qualquer lugar do mundo, são seres
humanos com características inerentes à própria natureza humana. Nessa condição, têm
um interesse pessoal em manter uma reputação positiva perante o público (hipótese do
autointeresse) e estão susceptíveis à influência da evolução das normas e valores sociais
(hipótese da socialização política). É bastante provável que a estima e a consideração
do público forneçam, em relação a alguns julgadores, valiosos incentivos em contextos
de grande repercussão social. Há, contudo,
↑307│308↓
uma importante ressalva a ser feita. Em que pese a escassez de pesquisas de
opinião pública impedir uma afirmação com bases empíricas sólidas, a impressão que se
tem é a de uma maior sintonia do Supremo com as preferências políticas da elite
intelectual e econômica do que com o público em geral, o que poderia ser explicado
pelos motivos seguintes.
89 SARMENTO (2009, p. 53): “A percepção geral, alimentada por sucessivos escândalos e pelo discurso de alguns meios de comunicação social, de que a política parlamentar e partidária são esferas essencialmente corrompidas, que se movem exclusivamente em torno de interesses e não de valores, gera em alguns setores a expectativa de que a solução para os problemas nacionais possa vir do Judiciário. E este sentimento é fortalecido quando a Justiça adota decisões em consonância com a opinião pública – como ocorreu no recebimento da denúncia criminal no caso do “mensalão”, na definição de perda do mandato por infidelidade partidária, e na proibição do nepotismo na Administração Pública.” 90 Segundo pesquisa do Datafolha, durante o julgamento do mensalão a confiança dos brasileiros no STF cresceu em três pontos percentuais, passando de 67% em agosto para 70% em dezembro de 2012. Neste período, foi a única instituição que obteve aumento no grau de confiança da população. (CAMPANHA, 2012, p. A6).
Devido ao conhecimento da maior parte das decisões do STF ficar restrito a um
pequeno grupo, parece plausível que os Ministros tenham uma preocupação maior em
manter uma reputação positiva perante pessoas com as quais convivem diariamente
(familiares, amigos, colegas de Tribunal) ou que têm conhecimento das decisões
(acadêmicos e profissionais do Direito) do que com o público de massa. Ademais, a
transmissão das sessões plenárias pela TV Justiça, cuja plateia principal é composta por
pessoas ligadas à área jurídica, pode atuar como um forte incentivo para aumentar o
grau de preocupação com este segmento específico do público, especialmente no caso
daqueles Ministros ligados à área acadêmica. Em relação à hipótese da socialização
política, considerando que a grande maioria dos Ministros advém da classe média e
pertencem a uma elite intelectual,91 é possível que reajam à evolução das normas e
valores sociais de forma mais próxima a dos membros deste segmento.
A decisão sobre a União homoafetiva ilustra esta sintonia com os grupos de
elite. Em pesquisa de opinião pública realizada pelo Ibope inteligência, entre 14 e 18 de
julho de 2011, aproximadamente dois meses após a decisão do STF, apenas 45% dos
entrevistados declarou ser a favor da união estável entre homossexuais. No entanto, à
medida em que aumentava a classe social,92 a renda93 ou a escolaridade94 a proporção se
invertia. Entre as pessoas com ensino superior, o percentual de pessoas favoráveis
chegou a 60%. Embora não existam pesquisas tão abrangentes em relação a outras
decisões específicas, nos últimos anos, o Supremo tem se caracterizado por uma
tendência fortemente liberal e mais à esquerda em relação
↑308│309↓
às instâncias representativas,95 posicionamento que está mais próximo da
ideologia da elite intelectual brasileira do que do público em geral que, em sua maioria,
é conservador e situado mais à direita.96
91 Para uma análise do perfil social e da trajetória de carreira dos Ministros do STF, cfr. OLIVEIRA (2012, p. 45 e ss.). 92 Classe social A/B: 49% a favor e 51% contra; Classe C: 44% a favor e 56% contra; Classe D/E: 38% a favor e 62 % contra. 93 Renda até 1 salário mínimo (SM): 45% a favor e 55% contra; mais de 1 a 2 SM: 41% a favor e 59% contra; de 2 a 5 SM: 47% a favor e 53% contra; de 5 a 10 SM: 52% a favor e 48% contra; mais de 10 SM: 55% a favor e 45% contra. 94 Até 4ª série do ensino fundamental: 32% a favor e 68% contra; 5ª a 8ª série: 44% a favor e 56% contra; Ensino Médio: 48% a favor e 52% contra; Ensino Superior: 60% a favor e 40% contra. 95 BARROSO; MENDONÇA (2012): “No campo dos direitos sociais, em particular, é possível dizer que a Corte tem se posicionado à esquerda das instâncias representativas. Após inúmeras decisões relacionadas ao direito de cada indivíduo a exigir tratamentos médicos do Poder Público, o STF começa a sinalizar que está disposto a estender seu controle também a outros tipos de políticas públicas.”
Um último ponto a ser ressalvado em relação à perspectiva institucional é o fato
de que cada juiz responde à interferência de fatores extrajurídicos com sensibilidade,
velocidade e intensidade diferentes. Considerando que as decisões colegiadas são
tomadas por maioria, nem sempre a influência desses fatores sobre o comportamento
judicial de alguns membros terá reflexos diretos sobre a decisão do Tribunal. Não
obstante, em questões nas quais o colegiado está fortemente dividido, se um único
membro for afetado pela opinião pública, esta influência poderá ter um impacto
decisivo no resultado final. Portanto, o alinhamento entre as decisões de uma Corte
Constitucional e os pontos de vista da sociedade não exige que todos os membros sejam
igualmente sensíveis à opinião pública em todos os momentos.97 Em regra, a influência
direta da opinião pública é maior quando
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as preferências políticas pessoais (ideologia) do juiz sobre a questão são mais
moderadas. Nos casos em que possui um viés ideológico extremado, dificilmente o
julgador confere à opinião pública - ou a qualquer outro fator extrajurídico - um peso
suficientemente forte a ponto de alterar o resultado de sua escolha. Sobre este aspecto, é
possível formular a seguinte hipótese: Quanto mais forte a ideologia do juiz, menor a
probabilidade de influência da opinião pública no raciocínio decisório [Hipótese 2].
Por conseguinte, quando um tribunal é ideologicamente dividido, os membros mais
96 Pesquisa realizada pelo Datafolha revelou que os eleitores se localizam mais à direita que à esquerda no espectro político. No questionário pedia-se para que o entrevistado identificasse sua posição política em gradação que variava de 1 a 7, sendo 1 mais à esquerda e 7 mais à direita. Dos entrevistados, 17% se consideram de centro (apontando o n. 4), 20% mais próximos da esquerda (7% extrema esquerda, 5% esquerda e 3% centro-esquerda) e 37% mais à direita 37% (13% centro-direita, 10% direita e 14% extrema direita). Um quarto dos eleitores brasileiros (25%) não soube se identificar no espectro político. Os resultados de 2010 não apresentaram variações significativas em relação à pesquisa anterior realizada em 2006, na qual 22% se classificavam à esquerda (10% extrema esquerda, 5% esquerda e 7% centro-esquerda), 17% como centro e 35% mais à direita (10% centro-direita, 9% direita e 16% extrema direita). Na época, 25% também não souberam dizer qual a sua posição política. Ainda de acordo com a pesquisa, quanto mais alto o grau de escolaridade do entrevistado, maior a tendência de posicionamento político em torno do centro e em direção à esquerda: com ensino fundamental (5% de centro-esquerda, 12% de centro e 12% de centro-direita); com ensino médio (10% de centro-esquerda, 21% de centro e 12% de centro-direita; com grau de escolaridade superior (15% de centro-esquerda, 23% de centro e 17% de centro-direita). Como se pode notar, o percentual de entrevistados com ensino superior que se dizem de centro-esquerda é três vezes maior em comparação com os que possuem apenas o ensino fundamental. DATAFOLHA, Opinião Pública, 30/05/2010. Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=983. Acesso em: 28/01/2013. 97 MISHLER; SHEEHAN (1994, p. 721): “O critério da regra da maioria [adotado pela] Corte significa que a opinião pública pode influenciar as decisões da maioria apenas quando o impacto da opinião pública sobre cada justice é generalizado ou quando a distribuição ideológica de opiniões entre os justices é mais ou menos equilibrada. A partir do momento em que assumimos que as atitudes judiciais são relativamente resistentes à mudança, se torna improvável que a opinião pública tenha amplos efeitos individuais. Assim os efeitos coletivos são provavelmente dependentes da existência de um equilíbrio ideológico. Desde que o Tribunal seja razoavelmente equilibrado, o impacto da opinião pública mesmo que seja sobre um único justice pode ser suficiente para alterar as decisões da Corte nas margens. Mas quando a ideologia da Corte se converte de tal forma que uma mudança no voto de um ou dois justices é insuficiente para alterar os resultados da maioria, então, é provável que a opinião pública tenha pouca influência direta sobre as decisões da Corte.”
moderados acabam atuando como o fiel da balança e, por isso, o seu voto costuma ter
um peso decisivo para o resultado final.98 De acordo com esta hipótese, quanto mais
ideologicamente dividido o tribunal, maior a probabilidade de influência da opinião
pública [Hipótese 3].
3.2 A perspectiva jurídico-normativa
Um dos fatores determinantes para o comportamento judicial é o grau de
determinação do direito. Dispositivos normativos claros e precisos, jurisprudência
sedimentada e doutrina incontroversa impõem fortes limites à margem de atuação
judicial. No sentido contrário, quanto maior o grau de indeterminação do material
jurídico convencional, maior a probabilidade de que o comportamento judicial seja
influenciado por fatores extrajurídicos.99 Assim, é possível afirmar que, de um modo
geral, quanto menor a
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clareza e precisão da premissa normativa, do grau de determinação e
vinculatividade do precedente aplicável ao caso e da divergência na doutrina sobre o
tema a ser julgado, maior a probabilidade de que a opinião pública exerça algum tipo de
influência.100
No âmbito constitucional há algumas diferenças fundamentais entre as duas
realidades. Quanto à extensão, diversamente da Constituição norte-americana de 1787,
cujo texto sintético é marcado pela presença de princípios gerais que exigem uma
densificação doutrinária e jurisprudencial, a Constituição brasileira de 1988 é
extremamente analítica, contendo dispositivos mais precisos nos quais a margem de
ação do intérprete é, em tese, menor. É de se notar, contudo, que por mais paradoxal que
possa parecer, quanto maior a quantidade de dispositivos constitucionais ou legais,
maior o potencial de judicialização de determinados temas e, por conseguinte, maior o
98 FRIEDMAN (2009, p. 375): “A Corte irá sempre ter seus [membros] extremistas. Mas os justices tomam decisões pelo voto majoritário, dando ao justice “mediano”, o justice [situado] no centro da Corte, um enorme poder.” 99 Como observa Patrícia Mello (2011, p. 360), “há hipóteses em que a ausência de regras específicas, a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, a imprecisão da linguagem ou a existência de normas de mesma hierarquia conducentes a soluções antagônicas, dentre outros fatores, podem abrir espaço para uma maior discricionariedade judicial. Nestes casos, a decisão é um ato de vontade, de escolha entre as diversas soluções possíveis. Obviamente, a escolha não é inteiramente livre. Deve ser passível de justificação com base no direito. Mesmo assim, o espaço de conformação do juiz é muito maior.” 100 FRIEDMAN (2009, p. 8): “O grande problema, naturalmente, é que quando a questão é complexa [fraught], o povo americano geralmente discorda sobre o que a Constituição significa. O mesmo acontece com os justices. É por isso que as decisões judiciais de interpretação da Constituição se tornam tão polêmicas.”
espaço de atuação interpretativa - e, portanto, criativa - do Judiciário. No que se refere
aos direitos fundamentais, um dos campos temáticos mais suscetíveis à influência de
fatores extrajurídicos, há dois aspectos relevantes a serem observados. Por um lado, o
catálogo de direitos consagrado na Constituição dos EUA, apesar de conter dispositivos
mais vagos e imprecisos, restringe-se basicamente aos direitos civis e políticos. Na
Carta Cidadã de 1988, muitos dos dispositivos que consagram os direitos civis e
políticos são mais específicos, dotados de maior clareza e precisão. Em contrapartida,
há um extenso rol de direitos sociais e econômicos que, frequentemente, são
extremamente “vagos, fluidos e programáticos” o que permite, como assinalado por
Cappelletti (1993, p. 60), um “inevitável alto grau de ativismo e criatividade do juiz
chamado a interpretá-los.”101 Tais diferenças desempenham um papel
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decisivo no peso atribuído pelo julgador a fatores jurídicos e extrajurídicos.
Quanto maior a densidade normativa, menor a margem de ação do intérprete. Assim, se
por um lado o caráter regulamentar de muitos de nossos dispositivos constitucionais
reduz significativamente as hipóteses susceptíveis a interpretações razoavelmente
divergentes nas quais os fatores extrajurídicos - dentre eles a opinião pública -
encontram um ambiente propício para atuar com maior intensidade; por outro, a maior
quantidade de temas constitucionalizados - em especial, o extenso catálogo de direitos
sociais e econômicos – abre um amplo espaço de atuação criativa para o Judiciário
potencializando a interferência de fatores estranhos ao direito.102 Em suma: o material
jurídico norte-americano proporciona um ambiente mais favorável à interferência da
opinião pública sobre o comportamento judicial em certas matérias; em outras, como no
101 CAPPELLETTI (1993, p. 42): “É manifesto o caráter acentuadamente criativo da atividade judiciária de interpretação e de atuação da legislação e dos direitos sociais. Deve reiterar-se, é certo, que a diferença em relação ao papel mais tradicional dos juízes é apenas de grau e não de conteúdo: mais uma vez impõe-se repetir que, em alguma medida, toda interpretação é criativa, e que sempre se mostra inevitável um mínimo de discricionariedade na atividade jurisdicional. Mas, obviamente, nessas novas áreas abertas à atividade dos juízes haverá, em regra, espaço para mais elevado grau de discricionariedade e, assim, de criatividade, pela simples razão de que quanto mais vaga a lei e mais imprecisos os elementos do direito, mais amplo se torna também o espaço deixado à discricionariedade nas decisões judiciárias. Esta é, portanto, poderosa causa da acentuação que, em nossa época, teve o ativismo, o dinamismo e, enfim, a criatividade dos juízes.” 102 BARROSO; MENDONÇA (2012): “Em algumas matérias, notadamente nas questões relacionadas à concretização dos direitos sociais e à modernização das instituições políticas, o STF tem atendido anseios sociais antigos, inclusive alguns que jamais tiveram condição de se articular formalmente. Nessa linha, seria possível citar a decisão que declarou a inconstitucionalidade do nepotismo, ou ainda a decisão que pôs fim à troca oportunista de partidos políticos por parte dos parlamentares eleitos, logo após as eleições. Em ambos os casos, especialmente no primeiro, a percepção social foi majoritariamente positiva e passou pela ideia de que o Tribunal estaria solucionando questões que se encontravam obstruídas na agenda política.”
caso das normas de direitos sociais e econômicos, o nosso ambiente jurídico se mostra
mais suscetível a tal influência.
A existência de uma jurisprudência constitucional relativamente consolidada e a
tradição de respeito aos precedentes possuem conotações distintas nas duas culturas
jurídicas. A Constituição norte-americana tem mais de 225 anos de existência, tempo
suficiente para o desenvolvimento de uma jurisprudência consolidada sobre inúmeras
matérias constitucionais.103 Esta particularidade, somada à noção arraigada de respeito
ao precedente, característica inerente ao sistema da common law, em tese, atua
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como uma importante limitação à interferência de fatores extrajurídicos. No caso
brasileiro, o surgimento relativamente recente de uma nova ordem constitucional e, por
consequência, a inexistência de jurisprudência constitucional sobre diversos temas,
reduz a complexidade do ônus argumentativo para afastar posições contrárias às
preferências pessoais do julgador e, por conseguinte, facilita a interferência de fatores
extrajurídicos na decisão.104
No âmbito da dogmática jurídica, algumas considerações acerca do atual estágio
da doutrina brasileira se fazem necessárias. O neoconstitucionalismo, concepção teórica
com um número crescente de adeptos no Brasil,105 possui características centrais que
podem favorecer a interferência de fatores extrajurídicos sobre o comportamento
judicial, sobretudo quando adotada em suas versões mais extremadas. É o caso, e.g., da
conhecida concepção que Luis Prieto Sanchís (2005, p. 131-132) resume em cinco
aspectos:
103 Uma metáfora particularmente esclarecedora, formulada por Barry Friedman e Scott Smith, refere-se à constituição “sedimentária”, formada por montanhas de desenvolvimentos históricos construídos pela dogmática sobre o texto de dispositivos constitucionais e, ao mesmo tempo, por vales profundos de textos ainda carentes de uma interpretação consolidada. (SHAPIRO, 2008, p. 935-936). 104 De acordo com a Teoria da Argumentação Jurídica formulada por Robert Alexy (2008a, p. 267), devem ser observadas duas regras mais gerais sobre o uso de precedentes: “Quando se puder citar um precedente a favor ou contra uma decisão, isso deve ser feito”; e, “Quem quiser se afastar de um precedente assume uma carga de argumentação”. Para uma visão ampla sobre o argumento por precedentes, cf., por todos, BUSTAMANTE (2012). 105 SARMENTO (2009, p. 49-50): “Estas novas ideias [neoconstitucionalistas] já reverberam fortemente na jurisprudência nacional, sobretudo do Supremo Tribunal Federal, que, nos últimos tempos, tem cada vez mais invocado princípios abertos nos seus julgamentos, recorrido à ponderação de interesses e ao princípio da proporcionalidade com frequência e até se valido de referências filosóficas na fundamentação de decisões. Aliás, é digna de nota a influência da doutrina constitucional na atuação do Supremo Tribunal Federal.”. No mesmo sentido, BRANDÃO (2012, p. 142-143): “[...] percebe-se um forte alinhamento entre a jurisprudência do STF e as teses básicas do neoconstitucionalismo. Destacam-se a aplicação direta de princípios constitucionais pelo Judiciário, e o emprego de raciocínios lógicos que seguem uma metodologia mais fluida do que a subsunção (ponderação e proporcionalidade) e de argumentação de índole técnica, política, filosófica, e, especialmente, moral.” (grifo no original).
mais princípios que regras; mais ponderação que subsunção; onipresença da Constituição em todas as áreas jurídicas e em todos os conflitos minimamente relevantes, em lugar de espaços livres em favor da opção legislativa ou regulamentaria; onipotência judicial em lugar de autonomia do legislador ordinário; e, por último, coexistência de uma constelação plural de valores, às vezes tendencialmente contraditórios, em lugar de uma homogeneidade ideológica em torno de um punhado de princípios coerentes entre si e em torno, sobretudo, às sucessivas opções legislativas.
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Dentre os aspectos identificadores do neoconstitucionalismo teórico, dois
apresentam relevantes implicações para a presente análise: a onipresença da
constituição e a valorização dos princípios.
A Constituição tem como uma das características distintivas em relação às leis o
maior grau de abertura de suas normas que, muitas vezes, são formuladas
linguisticamente em termos vagos e imprecisos, carentes de densificação legislativa,
jurisprudencial e/ou doutrinária. O ambiente de aplicação judicial da constituição
possui, assim, uma dimensão volitiva e constitutiva mais ampla em comparação com o
de aplicação das leis.106 Assim, a visão de uma constituição onipresente, além de
restringir de forma excessiva o espaço de atuação dos demais atores políticos
legitimados pelo batismo popular, cria um ambiente ainda mais propício à interferência
da opinião pública, uma vez que quanto mais aberto e impreciso o enunciado normativo,
mais ampla a margem de ação do intérprete e, por conseguinte, maior a probabilidade de
o comportamento judicial ser influenciado por fatores extrajurídicos. Ademais, o
potencial conflituoso decorrente da constelação plural de valores, às vezes
tendencialmente contraditórios, consagrados na constituição, pode favorecer a opção
pela prevalência de valores e preferências pessoais, caso a ponderação ou a
categorização sejam realizadas sem a observância de certas limitações e exigências de
cunho metodológico.
Nos últimos anos, o ambiente intelectual tem se caracterizado por uma
valorização excessiva dos princípios, muitas vezes, em detrimento das regras. Esta visão
106 SARMENTO (2006, p. 184-185): “Boa parte das prescrições constitucionais está expressa em linguagem muito vaga: dignidade da pessoa humana, igualdade, solidariedade social, moralidade administrativa, etc. Pessoas razoáveis podem discordar – e de fato frequentemente discordam -, sobre o que significa aplicar uma norma com esta estrutura num determinado caso. [...] Portanto, ao aplicar normas desta espécie, o intérprete não age como a ‘boca fria’ das palavras do constituinte. Inevitavelmente, ele acaba participando da construção do sentido da norma. Se a interpretação jurídica, no geral, apresenta tanto uma dimensão cognitiva e declaratória, como uma dimensão volitiva e constitutiva, é fato que esta última dimensão tende a ser especialmente pronunciada no âmbito do Direito Constitucional.”
estimula a invocação de princípios extremamente abstratos - por vezes já devidamente
concretizados no próprio texto constitucional - em situações desnecessárias e, não raro,
indevidas, nas quais existe regra específica sobre o tema. Esse tipo de procedimento
ignora a existência de uma “primazia do nível das regras”107 e que estas, com
frequência, representam
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“uma espécie de compromisso entre princípios conflitantes.”108 Ao formular
uma regra, em vez de deixar aberta a solução para uma ponderação posterior a ser feita
pelo juiz ou pelo legislador, o próprio constituinte opta por fazer uma ponderação pré-
legislativa (ÁVILA, 2008, p. 189). Quando um juiz substitui uma regra produzida
institucionalmente por outra resultante de seu próprio sopesamento, acaba fazendo
valer, em muitos dos casos, suas valorações pessoais sobre aquelas constitucionalmente
estabelecidas. A aplicação direta de princípios constitucionais abertos, dotados de
elevado grau de generalidade e abstração, por conferir ao juiz uma margem de ação
extremamente ampla, acaba se mostrando mais susceptível à subjetividade do que a
aplicação de regras, sobretudo quando a ponderação é realizada de forma ad hoc, sem a
observância de critérios prévios e objetivos para a sua execução.109 Essa tendência se
mostra especialmente preocupante no
107 ALEXY (2008, p. 140): “A exigência de se levar a sério as determinações estabelecidas pelas disposições de direitos fundamentais, isto é, de levar a sério o texto constitucional, é uma parte do postulado da vinculação à Constituição. E é apenas uma parte desse postulado, porque, dentre outras razões, tanto as regras estabelecidas pelas disposições constitucionais quanto os princípios também por elas estabelecidos são normas constitucionais. Isso traz à tona a questão da hierarquia entre os dois níveis. A resposta a essa pergunta somente pode sustentar que, do ponto de vista da vinculação à Constituição, há uma primazia do nível das regras. Ainda que e o nível dos princípios também seja o resultado de um ato e positivação, ou seja, de uma decisão, a decisão a favor de princípios passíveis de entrar em colisão deixa muitas questões em aberto, pois um grupo de princípios pode acomodar as mais variadas decisões sobre relações de preferência e é, por isso, compatível com regras bastante distintas. Assim, quando se fixam determinações no nível das regras, é possível afirmar que se decidiu mais que a decisão a favor de certos princípios. Mas a vinculação à Constituição significa uma submissão a todas as decisões do legislador constituinte. É por isso que as determinações estabelecidas no nível das regras têm primazia em relação a determinadas alternativas baseadas em princípios.” 108 DWORKIN (1977, p. 77): “Na verdade, uma das minhas razões para elaborar a distinção entre regras e princípios foi exatamente para mostrar como as regras frequentemente representam uma espécie de compromisso entre os princípios concorrentes desta forma, e que este ponto poderia ficar perdido ou submerso se falássemos com muita liberdade sobre regras conflitantes com princípios.” 109 ÁVILA (2008, p. 196): A “ponderação deve: (a) indicar os princípios objeto de ponderação (pré-ponderação), (b) efetuar a ponderação (ponderação) e (c) fundamentar a ponderação feita. [...] Sem a observância desses requisitos ou fases, a ponderação não passa de uma técnica, não jurídica, que explica tudo, mas não orienta nada. E, nessa acepção, ela não representa nada mais de que uma ‘caixa preta’ legitimadora de um ‘deciosionismo’ e formalizadora de um ‘intuicionismo moral’. Esclareça-se que defender a ponderação sem, ao mesmo tempo e de saída, apresentar os critérios intersubjetivamente controláveis para sua aplicação, é legitimar doutrinariamente a sua utilização excessiva e arbitrária, de nada valendo a constatação tardia do seu desvirtuamento.”
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caso brasileiro, devido à “tendência atual de invocação frouxa e não
fundamentada de princípios” que acaba violando a “lógica do Estado Democrático de
Direito” por ampliar “as chances de arbítrio judicial, gera insegurança jurídica e
atropela a divisão funcional de poderes” (SARMENTO, 2009, p. 62).110 Como bem
ressaltado por Rodrigo Brandão (2012, p. 139), a ênfase conferida ao reconhecimento
da força normativa dos princípios não tem sido devidamente acompanhada pela
correspondente preocupação com os “rigores metodológicos e mecanismos de
autorrestrição judicial” como, por exemplo, a “margem de ação estrutural e epistêmica”
do legislador (Robert Alexy) e o “direito como integridade” (Ronald Dworkin).
Nos termos da Teoria dos Princípios formulada por Robert Alexy, a margem de
ação estrutural (“discricionariedade estrutural”) do legislador se refere àquilo que não
está obrigado e nem proibido pelas normas de uma constituição. Esta compreende “a
discricionariedade para definir objetivos, a discricionariedade para escolher os meios e a
discricionariedade para sopesar (ALEXY, 2008b, p. 584-585). Por sua vez, a margem
de ação epistêmica refere-se aos casos de incerteza sobre prognósticos relacionados a
situações fáticas nos quais o reconhecimento da competência do legislador para avaliar
as variáveis empíricas autoriza a intervenção legislativa no âmbito de proteção de um
direito fundamental, mesmo quando não se constata a veracidade das premissas
pressupostas, mas apenas sua incerteza (“margem de ação epistêmica empírica”). Nos
casos em que a incerteza está relacionada, não a situações fáticas, mas à melhor
quantificação dos direitos fundamentais em jogo também deve ser reconhecida ao
legislador uma área no interior da qual pode tomar decisões com base em suas próprias
valorações (“margem de ação epistêmica normativa”). Em outras palavras: a margem
de ação epistêmica normativa (discricionariedade cognitiva normativa) surge quando
os pesos dos princípios em colisão são incertos, ao passo que a margem de ação
epistêmica empírica (discricionariedade cognitiva empírica) se verifica quando as
premissas empíricas que sustentam a intervenção do legislador não são seguras. Nesses
casos de
110 SARMENTO (2009, p. 62): “E há na sociedade brasileira traços que tornam ainda mais perigosa esta tendência à frouxidão e emotividade na metodologia jurídica. Nossa cultura caracteriza-se muito mais pelo ‘jeitinho’ e pelo patrimonialismo do que pela valorização do cumprimento impessoal de regras. [...] Neste quadro, cabe indagar, sob a perspectiva de uma sociologia da interpretação constitucional, até que ponto a introdução entre nós de uma ‘dogmática fluida’ – a expressão é de Gustavo Zagrebelsky, um dos ícones do neoconstitucionalismo – não pode ter como efeito colateral o agravamento de patologias que marcam as nossas relações sociais.”
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incerteza, a primazia conferida às escolhas realizadas no âmbito legislativo, tem
como fundamento o “princípio formal da competência decisória do legislador
democraticamente legitimado” (ALEXY, 2008b, p. 612-615). Outro aspecto que, com
frequência, costuma ser ignorado por aqui é a Teoria da Argumentação Jurídica que, ao
lado das noções de margem de ação estrutural e epistêmica, também desempenha um
papel fundamental na Teoria dos Princípios. O código da razão prática formulado por
Robert Alexy (2008a, p. 47) tem como principal objetivo expor mais claramente os
defeitos quanto ao conteúdo, a incompletude da numeração e a insuficiência de precisão
na formulação dos argumentos. Embora as regras e formas de argumentação formuladas
não sejam capazes de determinar o resultado em todos os casos, elas excluem alguns
enunciados normativos (como “discursivamente impossíveis”) e, por conseguinte,
impõem os enunciados que lhes são opostos (como “discursivamente necessários”). No
espaçoso âmbito de aplicação dos princípios, isso não representa pouca coisa. As regras
do discurso prático racional não prescrevem de quais premissas os participantes do
discurso devem partir, mas indicam como chegar a enunciados normativos
fundamentados.111 A racionalidade do procedimento é determinada por um conjunto de
formas de argumentos e regras de justificação externa que expressam a ideia de
universalidade e visam à garantia da participação de todos no discurso, tratando cada
individuo com igual consideração.112
Na concepção de Ronald Dworkin (2007, p. 263-272), a “integridade” do direito
exige que as normas de uma comunidade sejam criadas e interpretadas de modo a
expressar, sempre que possível, “um sistema único e coerente de justiça e equidade na
correta proporção”. Dworkin (2007, p. 133-134) aponta três dimensões da integridade
que, segundo ele, não tem como objetivo a uniformidade, mas um princípio: “não
somos governados por uma lista de direitos e deveres, mas por um ideal, e isso significa
que a controvérsia é um elemento essencial da nossa vida em sociedade.” A dimensão
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111 ALEXY (2008a, p. 217-218): “Nos discursos jurídicos trata-se da justificação de um caso especial de proposições normativas, as decisões jurídicas. Podem distinguir-se dois aspectos da justificação: a justificação interna (internal justification) e a justificação externa (external justification). Na justificação interna verifica-se se a decisão se segue logicamente das premissas que se expõem como fundamentação; o objeto da justificação externa é a correção destas premissas.” 112 O conjunto compreende seis grupos: “regras e formas (1) de interpretação, (2) da argumentação da Ciência do Direito (dogmática), (3) do uso dos precedentes, (4) da argumentação prática geral e (5) da argumentação empírica, assim como (6) das chamadas formas especiais de argumentos jurídicos.” (ALEXY, 2008a, p. 227).
principiológica exige que a decisão judicial seja determinada por princípios, e
não por acordos, estratégias ou acomodações políticas. A dimensão vertical impõe ao
juiz o dever de demonstrar que sua afirmação é coerente com os precedentes e com as
principais estruturas do arranjo constitucional ao qual pertence. Por fim, a dimensão
horizontal prescreve ao juiz que aplica um princípio que lhe confira a devida
importância nos outros pleitos a serem decididos. Com o objetivo de destacar a
importância da consistência narrativa na interpretação jurídica, é utilizada uma metáfora
na qual é feita uma comparação entre a complexidade da tarefa judicial de decidir um
caso difícil e o papel desempenhado por vários autores que se dispõem à elaborar um
“ romance em cadeia” (chain novel). Neste projeto, um romance em série é escrito por
um grupo de autores, cabendo a cada um deles interpretar o capítulo que recebeu para
escrever, segundo um conjunto de princípios coerentes que assegurem a integridade do
texto, um novo capítulo que é então acrescentado ao material recebido pelo romancista
seguinte, e assim por diante. Neste empreendimento coletivo, cada um deve escrever
seu capítulo de modo a colaborar, da melhor maneira possível, para a continuidade e
desenvolvimento de um romance unificado. (DWORKIN, 2007, p. 276-277). A
metáfora do “romance em cadeia” corresponde ao ideal da “integridade” do Direito,
evidenciando a importância da vinculação de legisladores e juízes à prática revelada
pela história, sem deixar de lado a compreensão adequada de sua projeção para outros
casos futuros. Os juízes que aceitam o ideal interpretativo da integridade, ensina
Dworkin (2007, p. 305), “decidem casos difíceis tentando encontrar, em algum conjunto
coerente de princípios sobre os direitos e deveres das pessoas, a melhor interpretação da
estrutura política e da doutrina jurídica de sua comunidade.” Ao resolver um litígio, o
juiz não deve criar decisões do nada e nem simplesmente reproduzir decisões anteriores.
Cabe-lhe escolher o representante inicial que procede à leitura mais adequada da cadeia
de precedentes a ser continuada, sempre consciente da unidade na qual se insere sua
tarefa interpretativa.
Tais considerações têm relevância para demonstrar que, talvez o maior problema
não esteja no “neoconstitucionalismo” ou na “valorização dos princípios” em si,113 mas
sim na realização dessas ideias de uma forma
113 Esse também o entendimento de Daniel Sarmento (2009, p. 63-64): “Não penso que esta seja uma consequência necessária da adoção de uma perspectiva jurídica mais principialista no Brasil. O maior cuidado metodológico, adicionado à adoção de uma diretriz hermenêutica substantiva, que afirme a missão essencial do Direito de assegurar justiça e segurança às pessoas, tratando-as como livres e iguais, pode minimizar as possibilidades de um uso
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radical ou apenas nos aspectos que interessam. Parece possível a adoção de uma
teoria neoconstitucionalista moderada, sem subjetivismos judiciais exacerbados e que
confira a devida deferência às escolhas realizadas pelo legislador. Basta, para isso,
conferir o devido peso ao “princípio formal da competência decisória do legislador
democraticamente legitimado” e a devida atenção à “integridade” do direito. Não se
pretende, portanto, retroceder ao estágio anterior da teoria das normas, tampouco negar
ou diminuir as conquistas alcançadas com a valorização dos princípios, mas apenas
alertar para o fato de que o uso indevido ou incompleto dessas teorias pode acabar
fomentando a interferência de influências extrajurídicas no resultado decisório final e
favorecendo a imposição de valorações subjetivas do intérprete.
A partir das considerações relacionadas à perspectiva jurídico-normativa é
possível formular a seguinte hipótese: Quanto maior o grau de indeterminação jurídica,
maior a probabilidade de influência da opinião pública [Hipótese 4].
3.3 A perspectiva fática
O interesse do público, o impacto social do caso, a relevância dos valores
envolvidos e a visibilidade da decisão são alguns dos fatores que podem favorecer a
influência da opinião pública sobre o comportamento judicial. Em julgamentos de
grande repercussão social, mesmo quando referentes a processos subjetivos, as decisões
costumam ser manchetes, são comentadas em editoriais de jornais e revistas, debatidas
no rádio e na televisão, além de circularem intensamente nas redes sociais. É natural e
compreensível que, nesses casos de alta saliência, os juízes tenham uma preocupação,
tanto de caráter pessoal como institucional, com a reação da sociedade à sua decisão.
Essa preocupação, embora não diga muito sobre a intensidade da interferência, permite
supor que a repercussão social do julgamento favoreça a influência da opinião pública
no resultado decisório final.
Dentro dessa perspectiva fática, uma diferença relevante a ser considerada é a
atenção conferida pela mídia e pelo público em geral às decisões dos dois Tribunais.114
No Brasil, a exposição midiática do STF é um
enviesado da teoria neoconstitucional, que acabe favorecendo aos mesmos de sempre. Mas, diante das nossas tradições, não há como negar que os riscos são elevados.” 114 POSNER (2008, p. 14): “A questão acerca de quais influências atuam no comportamento judicial é mais intensamente levantada com relação à Suprema Corte dos EUA. Os Ministros atuam com restrições ainda menores que as dos juízes federais, exceto no que se refere à restrição política imposta pela opinião pública. Esta restrição é
↑319│320↓
fenômeno bastante recente quando comparado com a Suprema Corte norte-
americana. Sendo a exposição do caso na mídia e o interesse do público na decisão
fatores determinantes para o grau de influência direta da opinião pública sobre o
julgamento, não se deve esperar que decisões com pouca visibilidade sofram a
interferência dos pontos de vista do público, pelo menos de uma maneira consciente e
direta.115
Por outro lado, se, quando os Membros da Corte Constitucional têm ampla
ciência das tendências fundamentais do conteúdo ideológico da opinião pública é
razoável supor que parte deles ajuste suas decisões para acomodá-las a essas tendências,
nos casos em que as informações sobre as preferências populares são insuficientes, por
óbvio, não se pode esperar a mesma atitude. Este aspecto deve ser considerado, pois,
como adverte Friedman (2009, p. 378), em certos casos nos quais o Tribunal parece
atuar de forma independente da opinião pública, na verdade, a divergência pode ser
resultante da falta de informações precisas.
Por todas essas razões, é provável que a influência direta da opinião pública
sobre as decisões do STF seja um fenômeno, não apenas recente, mas pontual, isto é,
verificável em relação a poucos casos específicos. Em geral, conforme o tipo de questão
a ser julgada, é mais provável que os Ministros se preocupem com outros atores que
acompanham a atuação cotidiana do Tribunal - como o Presidente, o Congresso,
profissionais da área jurídica, grupos de elite - do que propriamente com o grande
público. Mesmo nos EUA, o diagnóstico traçado por alguns estudiosos que se debruçam
sobre o tema é no sentido de que os membros da Suprema Corte, em razão de suas
experiências anteriores, são mais susceptíveis de se orientar pelos grupos de elite do que
pelo público em geral. (BAUM, 2008, p. 66).
A partir das considerações relacionadas à perspectiva fática é possível formular a
seguinte hipótese: Quanto maior a repercussão social do caso, maior a probabilidade
de influência da opinião pública [Hipótese 5].
↑320│321↓
maior para os justices porque suas decisões têm maior visibilidade e um maior impacto na sociedade (essa é a principal razão para a maior visibilidade).” 115 FRIEDMAN (2009, p. 377): “A Corte também tem uma melhor chance de seguir seu próprio caminho em casos que são de baixa relevância pública. A Corte decide muitos casos, e apenas uma parte deles pode chegar até a consciência pública. Em outros, o Tribunal pode voar sob o radar, despercebido.”
4. CONCLUSÃO
O objetivo principal desta abordagem foi trazer para o debate brasileiro algumas
reflexões a respeito da influência exercida pela opinião pública sobre os Ministros do
STF. Não fizeram parte das preocupações que nortearam este trabalho discutir se a
opinião pública deve ou não influenciar o comportamento judicial, ou em que medida e
em quais circunstâncias isso seria desejável. Essas são questões a serem desenvolvidas
em uma abordagem prescritiva que, embora também seja de extrema relevância,
pressupõe, em alguma medida, o conhecimento e a compreensão do cenário real, o que
só é possível através da observação e interpretação dos fenômenos empíricos e dos
mecanismos de pressão que atuam sobre o comportamento dos juízes.116 Ainda que
alguns possam considerar como falha a ausência de análises normativas ou de
investigações empíricas, não há como se fazer tudo de uma só vez. Com o avanço do
debate no Brasil, espera-se que novos estudos normativos e descritivos, inclusive com
dados estatísticos, sejam capazes de proporcionar uma visão mais ampla, precisa e
completa sobre o tema.
De qualquer modo, embora a inexistência de dados estatísticos inviabilize
qualquer conclusão mais específica sobre o grau de alinhamento político do Tribunal
com os pontos de vista da sociedade, é possível afirmar que, em determinados
contextos, existe uma grande probabilidade de que a opinião pública efetivamente
interfira, de alguma forma, no resultado decisório final. As investigações empíricas
realizadas em outros países demonstram ser de grande ingenuidade pensar que o
comportamento judicial é determinado exclusivamente pelo Direito e que os juízes
conseguem ficar totalmente imunes à interferência dos pontos de vista predominantes na
sociedade.
É importante ressalvar, contudo, que o fato de o comportamento judicial ser
influenciado pela opinião pública em determinados contextos decisórios não significa
que ele seja necessariamente determinado por ela. Se por um lado, dificilmente algum
juiz, por mais experiente que seja, consegue ficar totalmente indiferente à opinião
pública nos casos de alta saliência social e midiática; por outro, também é bastante
improvável que o indivíduo com sólida formação profissional e “notável saber jurídico”
116 Como destacado por Jane Pereira (2012), “o que é importante e decisivo no Brasil, hoje, é observar esses mecanismos de pressão que recaem sobre as Cortes, tentar entender como funcionam e buscar evitar que deságuem em desajustes institucionais.”
decida pura e simplesmente com base na vontade popular. O material jurídico
convencional é, sem dúvida, o principal elemento no processo decisório.
↑321│322↓
Mesmo quando o julgador considera o Direito insuficiente para, por si só,
determinar o resultado, este ainda desempenha um papel fundamental no sentido de
orientar e restringir as escolhas decisórias possíveis.
Quando se afirma que, sob determinadas circunstâncias fáticas (alta saliência
social da decisão) e jurídicas (relativa indeterminação do material jurídico convencional
referente ao caso),117 a opinião pública tem grande probabilidade de interferir no
comportamento judicial o que se quer dizer é que os pontos de vista da sociedade sobre
determinados assuntos podem atuar, juntamente com elementos jurídicos e outros
fatores extrajurídicos, como razões contributivas para a manutenção ou mudança de
uma determinada conclusão.118 Dito de outra forma: nos casos em que um julgador
possui sérias e razoáveis dúvidas sobre qual o melhor caminho a seguir, sobre qual das
alternativas possíveis e justificáveis adotar, a opinião pública pode atuar – de forma
consciente, subconsciente ou inconsciente - fornecendo razões a favor ou contra a
escolha de determinados resultados. Em que pese as decisões do plenário serem por
maioria, quando uma Corte Constitucional se encontra fortemente dividida, a influência
da opinião pública sobre o comportamento de um de seus membros pode ser decisiva
para moldar o resultado final.
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117 Vale frisar, uma vez mais, que a presente abordagem tem um caráter eminentemente descritivo. Por isso, não faz parte das preocupações que orientaram o desenvolvimento deste trabalho a polêmica doutrinária envolvendo a existência ou não de uma “única resposta correta”, mesmo para os chamados “casos difíceis”. Sobre o tema, cfr. DWORKIN (1977, p. 279 e ss); STRECK (2009, p. 360 e ss.). Para uma visão crítica, ver AARNIO (1987, p. 161 e ss.); NEVES (2006, p. 207 e ss.). 118 O termo “contributing reasons” é utilizado por Peczenik e Hage (2000, p. 307) para fazer referência às razões fornecidas pelos princípios que, embora não determinem conclusões por si mesmas como as razões fornecidas pelas regras, podem atuar a favor ou contra uma determinada conclusão. Segundo os autores, “é o conjunto de todas as razões relativas a uma determinada conclusão, tanto as razões pró e contra, que determinam se a conclusão se mantém.” A expressão, portanto, tem qualquer conotação valorativa no sentido de que, por se tratar de uma “boa” razão, a opinião pública deve ser considerada pelo julgador.
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