a ineficÁcia das penas punitivas nos crimes de … · os crimes de colarinho branco e a eficácia...
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Derecho y Cambio Social
A INEFICÁCIA DAS PENAS PUNITIVAS NOS CRIMES DE
COLARINHO BRANCO
Daniela Garcia de Oliveira1
Igor Scardini Costa2
Fecha de publicación: 08/07/2017
Sumário: Introdução. 1. Gênese dos crimes de colarinho branco.
2. Legislação. 3. A ineficácia das penas. Conclusão.
Bibliografia.
Resumo: Estudo teórico que objetiva uma breve análise sobre
os crimes de colarinho branco e a eficácia das penas a eles
cominadas. Ademais, busca ilustrar tal ineficácia a partir de
alguns casos recentes do cenário brasileiro. Ainda, visa abrir a
reflexão acerca do tema, no intuito de se fortalecer no sistema
jurídico penal brasileiro a adoção de uma política criminal
contemporânea. Por fim, o presente artigo busca o fomento da
discussão e sua solução a partir das práticas adotadas em países
com alto índice de corrupção.
Palavras-chave: Direito Penal Econômico. Crimes Financeiros.
Direito Penal Moderno. Crimes de Colarinho Branco. Política
Criminal Contemporânea.
1 Graduanda do Curso Superior de Direito na Universidade Federal do Espírito Santo.
2 Graduando do Curso Superior de Direito na Universidade Federal do Espírito Santo.
igorcosta_4@hotmail.com
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por propósito explorar os crimes contra o Sistema
Financeiros Nacional, comumente denominados de crimes de colarinho
branco, principalmente a fim de fomentar a discussão da ineficácia de suas
atuais penas punitivas.
Tal debate se mostra hodiernamente necessário e vital, tendo em vista
que o tema do decorrente artigo pode ser ilustrado com casos recentes da
seara brasileira.
Dessa forma, o presente esboço teórico visa refletir sobre esta
problemática e mostrar as soluções adotadas no direito comparado,
principalmente em países com alto nível de corrupção, com o intuito de se
aproximar a política criminal brasileira da utilizada na contemporaneidade.
Assim sendo, como adaptar o sistema político-criminal brasileiro às
novas percepções de crimes de colarinho branco e tornar as penas punitivas
eficazes, diminuindo assim o numero de reincidência e a atual sensação de
impunidade?
Para elucidar a presente questão, fora utilizado neste estudo o método
de pesquisa bibliográfico dedutivo, partindo-se da premissa de que as penas
são atualmente ineficazes e que outros países conseguiram suprimir quase
que ao todo práticas semelhantes.
Assim, faz-se importante analisar a origem dos denominados crimes
de colarinho branco. O crime de colarinho branco adveio da expressão
inglesa “whitecollar crimes”, cunhado por Edwin H. Sutherland, no dia 27
de dezembro de 1939, em sua exposição perante a Associação Americana
de Sociologia.
Edwin H. Sutherland, definiu os crimes de colarinho branco como
aqueles realizados “por pessoas dotadas de respeitabilidade e elevado
status social, no âmbito de seu trabalho.”3 Criou-se o termo “White collar
crime” para dar ênfase à posição social dos criminosos, trazendo para o
campo científico o estudo do comportamento de empresários, homens de
3 Luciano Feldens, Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco, Livraria
do Advogado,2000, p. 225.
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negócios e figuras políticas como autores de crimes profissionais e
econômicos.
Ademais, anteriormente à caracterização desse termo aos crimes de
colarinho branco, utilizou-se a expressão inglesa “WhiteCollar” para
nomear os trabalhadores assalariados ou autônomos, que dado o caráter de
suas funções, se vestiam com certo grau de formalidade.
1. GÊNESE DOS CRIMES DE COLARINHO BRANCO
Duas características são peculiares aos crimes de colarinho branco, sendo
elas: a posição privilegiada do autor e a relação direta do crime com o seu
cargo funcional, ou seja, sua profissão.
Seguindo a linha proposta por Hermann Mannheim, quatro são os
elementos conceituais do “White collar crime apresentado por Sutherland:
a) é um crime; b) cometido por pessoas respeitáveis; c) com elevado status
social; d) no exercício de sua profissão. Além disso, geralmente constituem
uma violação da confiança depositada aos autores por seus funcionários, ou
até mesmo pela sociedade, em virtude do prestígio social ocasional que o
acompanha.
Quanto à gênese dos crimes de colarinho branco, não se sabe ao certo
o primeiro caso concreto e julgado a respeito do tema. Entretanto, alguns
casos foram emblemáticos, entre eles, o do banqueiro Salvatore Cacciola
(responsável pelo escândalo do banco Marka), condenado em primeira
instância por crimes contra o sistema financeiro, juntamente com diretores
e funcionários do Banco Central do Brasil.
Outro exemplo famoso vem a ser o do empresário Pedro Paulo de
Souza, ex-proprietário da falida construtora Encol que entrou em colapso,
deixando cerca de 45 mil mutuários sem casa. Caso bastante relevante
também e que buscou combater os crimes de colarinho branco foi a
Operação Satiagraha contra o desvio de verbas públicas, a corrupção e a
lavagem de dinheiro.
2. LEGISLAÇÃO
No Brasil, os crimes de colarinho branco, ou seja, relativos aos crimes
financeiros, foram inicialmente positivados pela Lei 7.492/86,que define os
crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e tem como escopo assegurar
na esfera do Direito Penal a proteção a este sistema. A referida lei tipificou
crimes, instituiu sanções, regulou normas de procedimento e definiu aquilo
que imaginou como sendo a responsabilidade penal dos autores dos delitos.
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Faz-se necessário, para o devido entendimento normativo, o
entendimento do quem vem a ser o Sistema Financeiro Nacional.
Recorrendo-se às lições doutrinárias de Rodolfo Tigre Maia, este vem a ser
"O conjunto articulado de instituições, ou entes a ela equiparados, públicos
ou privados, que correspondem ao modelo expressamente definido em lei e
estruturados com o escopo de ‘promover o desenvolvimento equilibrado do
País e servir aos interesses da coletividade’, instituições em atuação na
captação, gestão e aplicação de recursos financeiros e valores mobiliários
de terceiros – quer entes públicos ou privados – sob a fiscalização do
Estado, bem como as relações jurídicas existentes entre tais instituições,
seus usuários, seus funcionários e o poder público"4.
Desta forma, nos termos da lei5, são responsáveis penalmente o
controlador e os administradores da instituição, sendo-lhes equiparados o
interventor, o liquidante e o síndico.
Ainda, o parágrafo segundo6 do referido artigo elenca uma espécie de
colaboração premiada, oferecendo a redução da pena de um à dois terços
para o co-autor ou partícipe que espontaneamente revelar às autoridades
competentes toda a trama delituosa.
Inicialmente, a legislação foi criada para combater os crimes efetuados
por administradores e diretores das instituições financeiras, tutelando a
política econômica do governo. Contudo, houve uma amplitude para que
atingir não apenas esse núcleo, mas também a qualquer indivíduo que lese
a ordem econômica.
No entanto, na maioria das vezes, apenas os partícipes são punidos nos
delitos em questão. Conforme ensina Tigre Maia: “Há uma pletora de
razões que explicam tal fato (...) a complexidade organizacional das teias
criminosas engendradas, que desafiam as limitações notórias das forças da
ordem em reprimi-las; o desconhecimento generalizado dos tipos penais
aplicáveis e das hipóteses fáticas a eles correspondentes pelos
encarregados de sua repressão; a desarticulação entre os setores estatais
encarregados do controle e fiscalização destas práticas; o tráfico de
4 MAIA, Rodolfo Tigre. Dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional – Anotações à Lei
Federal n. 7.492/86, pág. 28.
5 Art. 25 da Lei 7.492/86: Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o
controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores,
gerentes (Vetado).
6 Art. 25, §2º da Lei 7.492/86: § 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou
co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade
policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.
(Incluído pela Lei nº 9.080, de 19.7.1995).
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influência e a corrupção imanente aos Estados cartoriais, e com elevada
concentração de renda (...).”7
Outro acréscimo relevante para o sistema jurídico brasileiro foi a
introdução da Lei 9.613/98, que dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou
ocultação de bens, direitos e valores e a prevenção da utilização do sistema
financeiro para ilícitos.
Tais legislações visam proteger o sistema financeiro, uma vez que, a
falta de tutela pode ocasionar o desequilíbrio do país ferindo objetivos
estabelecidos na Carta Magna. Percebe-se, assim, a importância de manter
a credibilidade das instituições financeiras. Trazendo como um de seus
objetivos, a Constituição Federal elege a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária8. Ainda, em sua formação, o Estado Brasileiro que
almeja ser democrático de direito, objetiva a redução de desigualdades
sociais9, o que seria de difícil consumação com a ocorrência contínua de
atentados contra a ordem financeira.
Como dito alhures, os tipos penais financeiros visam evitar condutas
intoleráveis ao sistema diante de práticas que visam lucrar ilicitamente e
que causam prejuízo para toda a sociedade. Esses delitos causam diversos
danos, e dentre eles, lesões à economia.
Insta salientar também que, mesmo com a existência de legislação
específica a respeito do tema, ainda há a existência de casos de
impunidade, pelos motivos da época da criação da lei.
2.1. Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional – Lei n°
7.492/86
Encontra-se positivada, no sistema brasileiro, a lei 7.492/86 de suma
relevância quando o tema tratado é os crimes de colarinho branco. A
necessidade de uma legislação mais rígida mediante diversos escândalos
envolvendo diversas instituições financeiras desencadeou a referida lei.
Alcunhada como a lei que trata dos “crimes de colarinho branco’, ela
recebeu diversas críticas de renomados juristas brasileiros, uma vez que
esta possui termos vagos, e foi, praticamente, elaborada por economistas.
7 Rodolfo Tigre Maia. Dos crimes contra o sistema financeiro nacional. P.35.
8 Art. 3®, I, da CRFB/88: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
9 Art. 3®, III, da CRFB/88: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
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Há na doutrina, ademais, críticas severas a determinados artigos da
legislação são responsabilizados pela ineficácia do sistema. Não iremos
tratar de todos os artigos, mas faremos uma exposição breve de dois
artigos, bastante criticados, para que o leitor tenha um vislumbre acerca dos
problemas técnicos redacionais da referida lei.
O artigo 4° da referida lei, por exemplo, é um dos mais debatidos na
doutrina, pois sua redação utiliza de expressões como: ‘gerir
fraudulentamente’ e ‘gestão temerária’.
Percebe-se assim a utilização de termos vagos em sua redação, o que
afronta diretamente o princípio da legalidade. Não define a legislação o que
vem a ser atos fraudulentos, e menos ainda gestão temerária, dificultando,
portanto, a aplicação da lei pelo intérprete da norma.
Outro artigo controverso é o 17°10
, que trata da tomada e do
recebimento de empréstimos pelos controladores e administradores
oriundos de familiares até o 2º grau e do cônjuge. Arnaldo Malheiros Filho,
por exemplo, se posiciona de modo crítico a essa tipificação penal em seus
estudos sobre o tema, defendendo que tais delitos não passam de ‘crimes de
mero capricho’, e concluindo que não há razão para que nessas condutas se
invoque a ultima ratio do Direito Penal. Tal fato se daria em virtude do
crime ser formal, em sua essência, mas não ter atrelado intrinsecamente a
sua tipificação a ocorrência de dano real, concreto e sério.
Nas palavras do doutrinador, “o empréstimo a diretor é em princípio
negócio de risco, mas não há sentido em proibir uma instituição de grande
porte de oferecer a um diretor empregado um financiamento para aquisição
de casa própria ou de automóvel que, além da boa garantia, é de montante
insignificante frente à financiadora”11
3. A INEFICÁCIA DAS PENAS
Como exposto anteriormente, a Lei 7.492/86 possui o propósito de punir as
condutas que ferem o Sistema Financeiro Nacional, buscando evitar a
fraude contra o sistema para construir uma sociedade que preza pelos seus
10
Art. 17 da Lei 7.492/86: Art. 17. Tomar ou receber, qualquer das pessoas mencionadas no
art. 25 desta lei, direta ou indiretamente, empréstimo ou adiantamento, ou deferi-lo a
controlador, a administrador, a membro de conselho estatutário, aos respectivos cônjuges,
aos ascendentes ou descendentes, a parentes na linha colateral até o 2º grau, consangüíneos
ou afins, ou a sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta ou indiretamente, ou por
qualquer dessas pessoas: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
11 MALHEIROS FILHO, Arnaldo. Crimes contra o sistema financeiro na virada do milênio...,
cit., p. 5
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princípios constitucionais. Porém, ela se torna ineficaz na medida em que
não consegue evitar o acontecimento de futuras fraudes pelo fato de que os
agentes que praticam os crimes tipificados por ela não terem a sensação de
punição. Ainda, as punições se tornam “pequenas” na medida em que as
quantias envolvidas em tais crimes são de grandes montantes, fazendo com
que o crime “compense”.
Isso se dá por vários motivos, entre eles o baixo valor das penas, que
enseja a aplicação de quatro institutos penais para soltura dos agentes em
pouco tempo de reclusão.
O primeiro deles é a Suspensão Condicional da Execução da Pena, mais
conhecido como SURSIS. O Sursis é um direito subjetivo do réu, então
desde que preenchidos os requisitos, o juiz tem que concedê-lo. Eletem o
intuito de evitar o encarceramento do condenado, na medida em que
determina-o à observância de certos requisitos legais e condições
estabelecidas pelo juiz, durante o tempo por ele determinado. Terminado o
prazo, se não revogada a concessão, considera-se extinta a pena privativa
de liberdade.
Tal instituto é regido principalmente pelo artigo 77 do Código Penal,
que prescreve acerca da suspensão da execução, facultando ao juiz
suspender a pena privativa de liberdade não superior a dois anos. Para que
isso ocorra, deve ser observada a reincidência do réu12
; a personalidade,
antecedentes e conduta social do agente13
; e o não cabimento da
substituição14
:
Assim sendo, quase todos os crimes prescritos pela Lei 7.492/86
poderiam em tese ser embarcados pelo sursis, visto que apenas um deles
tem a pena mínima abstrata maior que dois anos.
O segundo instituto é o da Suspensão Condicional do Processo, regido
pelo artigo 89 da Lei 9.099/95, que permite ao Ministério Publico propor a
12
Art. 77, I do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): Art. 77 - A execução da pena privativa de
liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos,
desde que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - o condenado não seja
reincidente em crime doloso;
13 Art. 77, II do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): II - a culpabilidade, os antecedentes, a
conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias
autorizem a concessão do benefício;
14 Art. 77, III do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): III - Não seja indicada ou cabível a
substituição prevista no art. 44 deste Código.
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suspensão condicional do processo nos casos em que a pena mínima for
inferior a um ano, seguindo os requisitos da suspensão da pena.
Assim, 09 dos 23 crimes tipificados pela Lei 7.492/86 poderiam em
tese serem abrangidos por este instituto, visto que possuem a pena mínima
em abstrato de um ano.
O terceiro instituto que auxilia no desencarceramento dos agentes
criminosos é o do livramento condicional, regido pelo Código Penal nos
artigos 83 a 90, que livra o condenado da pena privativa de liberdade nos
casos prescritos pelos incisos do artigo 83.
Dessa forma, o juiz poderá conceder o livramento condicional ao
condenado à pena privativa de liberdade igual ou superior a dois anos
quando o preso já tiver cumprido mais de um terço da pena, conquanto este
não seja reincidente em crime doloso e tenha bons antecedentes15
.
Caso, no entanto, o condenado seja reincidente em crime doloso,
ainda lhe pode ser concedido o livramento condicional se já estiver
cumprida mais da metade da pena16
.
Se a condenação fora proveniente de cometimento de crime hediondo,
então o mínimo de pena cumprida para que haja a possibilidade de
livramento condicional é dois terços, conquanto não seja reincidente
específico em crimes desta natureza17
.
Não obstante, existem duas hipóteses em que não se faz necessário
tempo mínimo de cumprimento de pena para a concessão deste benefício,
sendo uma hipótese18
a que seja comprovado o comportamento satisfatório
durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho e aptidão para
prover a própria subsistência mediante trabalho honesto.
15
Art. 83, I do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): Art. 83 - O juiz poderá conceder
livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2
(dois) anos, desde que: I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for
reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes;
16 Art. 83, II do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): II - cumprida mais da metade se o
condenado for reincidente em crime doloso;
17 Art. 83, V do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): V - cumpridos mais de dois terços da
pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e terrorismo, se o apenado não for
reincidente específico em crimes dessa natureza.
18 Art. 83, III do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): III - comprovado comportamento
satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e
aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto;
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A outra hipótese para livramento condicional independente do
quantum de pena cumprido é a reparação do dano causado pela infração,
com a ressalva da efetiva impossibilidade de fazê-lo19
.
Desse modo, percebe-se que pela característica intrínseca dos crimes
de colarinho branco quanto ao seu cometimento por agentes de alto
escalão, fica mais propício o enquadramento nas condições impostas pelos
incisos do artigo 83. Também auxilia o fato de que a condição financeira
mais avantajada desses agentes os propicie uma melhor defesa técnica,
facilitando a aplicação desse instituto.
Por fim, o último instituto, diferentemente dos outros, não possibilita a
saída do condenado da reclusão, mas sim a evita desde o começo da
execução da pena. Trata-se da aplicação das Penas Restritivas de Direito
em lugar da Pena Privativa de Liberdade, conforme prescrito nos artigos 43
e 44 do Código Penal.
As penas restritivas de direito são passíveis de aplicação quando a
condenação não for superior a quatro anos e o crime não for cometido com
violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada,
se o crime for culposo, o réu não for reincidente em crime doloso e a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do
condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa
substituição seja suficiente.
Assim sendo, verifica-se fácil a conversão da pena privativa de
liberdade para restritiva de direitos nos crimes de colarinho branco, visto
que por sua gênese, os agentes na maioria das vezes tem boa conduta
social, não tem maus antecedentes e as penas podem ser cominadas a
quatro anos.
Além dos fatores legais que possibilitam o cumprimento da pena fora
do cárcere, e assim a possibilidade de usufruto dos rendimento ilícitos que
o agente ainda tenha, bem como o retorno ao seu status quo de antes da
condenação, deve-se ser observado também uma falha sistêmica do sistema
prisional que também dificulta uma punição efetiva dos agentes
criminosos: o uso de celular nas prisões.
Faz-se importante ressaltar a realidade do sistema prisional brasileiro
e da ocorrência do uso de aparelhos telefônicos por detentos. Nos casos dos
crimes de colarinho branco, em que os agentes já possuem uma situação
19
Art. 83, IV do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): IV - tenha reparado, salvo efetiva
impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração;
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econômica mais favorável, fica mais fácil a obtenção de celulares e por
conseguinte, a continuidade das operações empresariais e a possibilidade
de extraviar os produtos ilícitos do crime para lugares seguros que
possuem.
CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, é imprescindível entender que o problema envolvendo
a criminalidade financeira de alto escalão não encontrará sua solução
apenas no Poder Judiciário. O próprio juiz Sérgio Fernando Moro, que
comanda uma das maiores operações brasileiras de combate a corrupção,
admitiu em uma entrevista que “Justiça faz parte da solução, mas não é a
solução do problema”20
, quando questionado sobre sua operação.
Ao tentarmos acabar com a ocorrência desses crimes, deve-se
entender que se faz impossível a sua total dissolubilidade, a fim de ter o
enfoque em práticas que diminuam a ocorrência desses delitos e diminua o
efeito dos problemas.
Assim, uma mudança na legislação para dobrar o prazo de prescrição
desses crimes, tornar seu julgamento prioritários nas varas criminais ou
mesmo aumentar as penas abstratas, conforme sugerido por estudiosos
brasileiros sobre o tema, mostra-se ineficaz diante de nossa realidade atual.
É necessário uma perspectiva mais ampla acerca desses fatos, que seja
fundamentada em experiências positivas ocorridas em outros países, como
Hong Kong, Filipinas, Índia e Geórgia, que demonstram estar a solução
para além das fronteira judiciárias.
Hong Kong, modelo exemplar quando o assunto é combate à
corrupção, criou em 1974 uma Comissão Independente Contra a
Corrupção, focada não apenas em punição, mas em educação e prevenção,
atuando até mesmo em jardins de infância com histórias onde somente o
personagem honesto vence.
Ainda, essa comissão possui poder de acesso a contas bancárias, pode
exigir que testemunhas deponham sob juramento e confiscar propriedades e
documentos de viagem. Também, insta salientar a vontade dos poderes
legislativo e judiciário de atuarem em prol do combate a essa forma de
criminalidade.
20
http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/politica/noticia/2016/09/justica-faz-parte-da-solucao-mas-
nao-e-a-solucao-do-problema-diz-moro-7525158.html, acessado aos 10 de novembro de
2016
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Por outro lado, o Poder Executivo das Filipinas abordou a situação de
maneira mais direta, desistindo da persecução penal aos “pequenos
corruptos” e focando nos grandes criminosos. Ainda, criou um sistema de
avaliação direto e periódico do serviço público pela população, para
diminuir o pagamento de propinas.
Insta salientar também o novo sistema de parcerias com a sociedade
civil e empresária, que cumulada com reformas na formulação do
orçamento do país deixaram o processo mais transparente.
A Índia, que por sua vez, tinha grandes problemas com suborno, criou
um mecanismo online de denúncias anônimas para levantar os lugares e
profissões de maior ocorrência do ilícito. Assim, o governo conseguiu criar
planos específicos de atuação e eliminar, por exemplo, as propinas pagas
para se conseguir permissão para dirigir, criando um centro totalmente
automatizado para a prova de habilitação.
Por último, e com os problemas mais semelhantes ao Brasil, a Geórgia
conseguiu implantar um sistema de transparência fiscal online onde são
realizadas todas as licitações, o que muito facilitou o controle externo.
Ainda, a transparência chegou a sua instituição mais corrupta: a
polícia. Todo o corpo policial foi renovado (cerca de 16 mil agentes),
passou a receber mais e ser mais monitorado a fim de se evitar a prática de
suborno. O símbolo dessa reforma foi a mudança de todas as delegacias
para prédios com paredes de vidro, onde todos possam ver o que se passa
dentro.
Portanto, há de se convir que existem soluções melhores do que a pura
presença e aplicação da legislação, ainda mais em um contexto na qual a
existente é tão permeada por críticas e tem se mostrado ineficiente. Para
além de uma reforma na lei vigente, é necessário que se estude mais sobre
as medidas adotadas em outros lugares e observe-se a possível
aplicabilidade no Brasil.
Dessa forma, ao se fazer uma análise do panorama internacional
apresentado, além de perceber-se que a solução vai além da esfera jurídica,
observa-se até mesmo nestes países que os problemas continuam, e devem
ser sempre debatidos para a criação de novas medidas.
Isso só reitera a necessidade de sempre nos debruçarmos
academicamente sobre este tema, ora pouco trabalhado, para que haja o
contínuo fomento da discussão, bem como o incessante debate sobre as
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soluções adotadas, que por essência do crime estudado, precisarão sempre
serem atualizadas.
BIBLIOGRAFIA:
BITENCOURT, Cezar Roberto. BREDA, Juliano.Crimes contra o sistema
financeiro nacional & contra o mercado de capitais- 2ed. - Rio de
Janeiro: Lumen Juris,2011.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal - Parte Geral -
Vol. 1 - 21 ed. - Saraiva,2015.
CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Inefetividade do sistema
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Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/45157>. Acesso em: 20
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