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Seminário Investimentos do BNDES na América Latina
IBASE
Rio de Janeiro – 06-08 Março 2013
A atuação internacional do BNDES como parte do modelo Novo
Desenvolvimentista.
Iderley Colombini Neto1
No final de 2011 o jornal Folha de São Paulo publicou uma matéria sobre o crescimento das
empreiteiras brasileiras no exterior2, em que destacava a importância do BNDES, tendo o
crescimento de financiamento do banco para essa área a incrível marca de 1185% em 10 anos.
Apesar dos dados do setor externo do banco não serem divulgados3, pode-se afirmar que tal regime
de financiamento tenha continuado no último ano, comprovando uma expansão das grandes
empreiteiras brasileiras na América Latina e em alguns países da África (principalmente os países
lusófonos, mas com crescente participação nos anglófilos).
A internacionalização das empresas brasileiras representa algo relativamente recente,
principalmente quando considerado como um processo generalizado e não pontual. As primeiras
empresas a procurarem a internacionalização como meio de expansão dos seus mercados, em
meados da década de 70, foram justamente a Petrobras e as grandes construtoras, que ainda
representam a participação majoritária das empresas brasileiras no exterior4. Nesse primeiro
momento de internacionalização essas empresas procuravam uma alternativa ao mercado brasileiro,
que passava por uma forte crise econômica devido a instabilidade financeira e a falta de liquidez
internacional. Dessa forma, as principais construtoras brasileiras buscaram valer-se de sua certa
superioridade concorrencial em relação aos outros países da América Latina devido ao
‘aprendizado’ adquirido durante as décadas de 1950 e 1960, marcadas pela forte expansão
econômica do nacional desenvolvimentismo brasileiro.
1 Pesquisador do IBASE, e-mail: idcolombini@ibase.com
2 “Presença de empreiteiras se multiplica no exterior”, Folha de São Paulo, 18 de setembro de 2011.
3 O BNDES passou a apresentar desde 2008 alguns dados das suas operações, entretanto além de maior abertura
desses dados internos falta qualquer informação sobre a atuação no mercado exterior. 4 Nos últimos anos novas empresas de produtos alimentícios também passaram a possuir uma maior
internacionalização, devido em grande parte a influência do próprio BNDES e sua política de formar grandes
empresas brasileiras internacionais.
2
Entretanto, atualmente essas empresas não buscam os mercados estrangeiros como mera
alternativa ao brasileiro, mas sim como uma própria área integrada da sua atuação. Outra mudança
significativa deve-se a forma e magnitude desses investimentos, que passaram de mera alternativa
estratégica, para a posição de meta principal, não só pelas empresas como pelo próprio governo
brasileiro.
O processo de internacionalização das empresas durante a década de 1990 passou a ser uma
questão estratégica para se alcançar maior dinamicidade econômica. Com a globalização e a
liberalização dos mercados financeiros e comerciais a internacionalização se tornou uma ferramenta
chave para os Estados atraírem novos capitais e empresas com maior 'dedicação' tecnológica (Alem
& Cavalcanti, 2005).
No Brasil o processo de internacionalização das empresas nacionais como um processo mais
generalizado pode ser datado a partir de meados dos anos 2000, já que durante a década de 1990
esse processo ainda se apresentava de forma extremamente acanhada, devido a forte instabilidade
econômica e a falta de mecanismos de incentivos por parte do governo com uma postura neoliberal.
A entrada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 marca uma mudança no modelo político
econômico brasileiro, que tem sido caracterizado (assim como outros governos latinos) como um
novo-desenvolvimentismo. Esse modelo é apresentado da perspectiva econômica como tendo taxas
de crescimento maiores do que o período anterior, com maior intervenção estatal, mas com certa
debilidade na retomada da industrialização, sendo marcado por um forte crescimento do setor
agroexportador, que tem garantido as divisas necessárias para o equilíbrio da balança de
pagamentos. Do ponto de vista da área externa pode ser analisado justamente o esforço do BNDES,
que em 2002 aprova uma linha de financiamento específica para incentivar a atuação das empresas
brasileiras no mercado internacional via exportação, sendo alterado ainda no mesmo ano o estatuto
do banco para poder autorizar o financiamento de projetos de investimento direto no exterior.
Apesar de existirem muitos estudos sobre a internacionalização das empresas brasileiras,
assim como das políticas macroeconômicas desse modelo novo-desenvolvimentista, pouco se tem
discutido a respeito da maneira pela qual essa expansão das empreiteiras brasileiras no exterior se
enquadra nesse novo modelo, ou seja, de que modo as políticas internacionais administradas via
BNDES se encaixam com o modelo novo desenvolvimentista. A atuação das construtoras na
América Latina é algo recorrente desde a década de 1970, mas desde 2002 novos elementos
surgiram nesse processo. Principalmente pela formação de um novo modelo político econômico as
grandes empreiteiras brasileiras passaram a realizar grandes obras de infraestrutura na América
Latina através de financiamentos do BNDES, muitas vezes em obras que são contestadas pelas
3
populações das regiões envolvidas.
Dentro da perspectiva apresentada para a expansão das empreiteiras (e principalmente de
seu financiamento) busca-se tentar entender qual o significado dessa união de interesses das
políticas governamentais com o interesse das grandes construtoras, para poder avaliar quais são os
principais impactos e efeitos tanto para a economia brasileira como para os países afetados por
essas políticas. Sem o entendimento claro desse processo pode-se cair no equívoco de olhar apenas
para os fatores econômicos ou apenas para os fatores políticos como sendo esferas dissociadas, o
que faz argumentos como o crescimento econômico ou a formação de um bloco regional dos países
latinos se tornarem justificativas plausíveis para o brusco processo de internacionalização das
grandes empreiteiras brasileiras na América Latina. Através dessa análise pretende-se abrir o
caminho para importantes questionamentos posteriores sobre a soberania dos povos e territórios
envolvidos nesse processo de expansão brasileira, o que se refere também a própria capacidade
desses estados buscarem suas vias de desenvolvimento econômico.
Do que se trata o novo desenvolvimentismo?
No começo desse novo milênio grandes mudanças estruturais ocorreram na economia
mundial. Depois das décadas de 1980 e 1990 marcadas pelo neoliberalismo, um período de crises
financeiras consecutivas marcou o final da década de 1990 nos países periféricos5. Assim a década
de 2.000 iniciou com um panorama diferente, marcado por um alto crescimento internacional, uma
subida substantiva nos preços internacionais das commodities e um nível de taxa de juros baixo.
Esses fatores advêm principalmente do crescimento da produção asiática, com um predomínio
absoluto da China, que consolidou seu papel definitivo na economia mundial. Desta forma se criou
espaço para um novo arranjo na produção internacional, surgindo oportunidades para vários países
periféricos.
Os países latinos apresentaram uma situação particular em sua história econômica, com
taxas constantes de crescimento e com equilíbrio na balança de pagamentos. Essa situação favorável
foi acompanhada por um processo de fortalecimento do Estado, o que levou muitos economistas
apontarem o surgimento de um novo modelo político econômico. É dentro dessa perspectiva que
alguns economistas, como Bresser Pereira, têm apresentado o novo-desenvolvimentismo6,
analisando principalmente as questões macroeconômicas desse novo modelo. Esse autor irá
diferenciar principalmente a volta do Estado como promotor do crescimento e do controle da
5 Menção as crises financeiras na Rússia em 97, Asiáticas em 98, Brasileira em 99 e a Argentina em 2001.
6 Neste trabalho fazemos referência para Bresser-Pereira (2004 e 2006).
4
economia. Entretanto, de forma muito mais moderada do que a fase desenvolvimentista do pós-
guerra. Na abordagem novo-desenvolvimentista o Estado deve ser responsável pela formação da
poupança e da demanda agregada, mas dentro de uma perspectiva intermediária, já que os
investimentos privados se tornaram fundamentais para a continuidade do modelo econômico. O
setor privado está muito conectado com o capital externo, o que impõe ao Estado garantir uma
maior estabilidade econômica para atraí-los, como menores taxas de inflação e uma política fiscal
mais controlada, substituindo o protecionismo por uma estratégia mais forte de inserção
internacional.
Em uma direção semelhante, mas com uma análise que perpassa a abordagem estritamente
macroeconômica, o padrão novo-desenvolvimentista será analisado no livro de Sicsu, De Paula e
Michel (2005). Esses autores irão argumentar a necessidade, além das políticas macroeconômicas,
de políticas sociais e de promoção da competitividade da indústria nacional. Assim, além da
estabilidade econômica e da continuidade de crescimento da demanda agregada, será importante a
promoção de políticas sociais para promover um crescimento com equidade e de competitividade
tecnológica para garantir o fortalecimento e dinamicidade da economia do país. Em suma, esses
autores irão propor como fundamentos básicos para o novo-desenvolvimentismo a criação de um
Estado forte, com um claro projeto de desenvolvimento que propicie o fortalecimento do mercado,
o qual dependeria também da redução da desigualdade social para manutenção da sua trajetória.
Entretanto, essas análises qualificam apenas as questões macroeconômicas7, sem avaliar os
condicionantes que constituem esse novo modelo, ou seja, sem mostrar quais são os mecanismos
que possibilitam a realização dessas políticas macroeconômicas. Essas concepções estritamente
econômicas apontam as políticas do governo como entidades mágicas capazes de promover algum
padrão de desenvolvimento, sem atentar para a forma que o país se insere no panorama mundial e
quais são também os conflitos internos para o estabelecimento de determinado modelo. As análises
macroeconômicas avaliam apenas as questões de 'diretrizes' do modelo, perdendo de vista a base
real em que ele se assenta e, em última instância, o que colocará os condicionantes para a trajetória
de desenvolvimento. Dessa forma, grande parte dessas análises se torna incapaz de incorporar quais
são as contradições do modelo, que viriam tanto da percepção do novo alinhamento internacional
quanto da formação dos novos grupos econômicos internos.
A 'cartilha macroeconômica' do novo desenvolvimentismo prega a necessidade de criar um
7 Na grande maioria das análises sobre o novo desenvolvimentismo mesmo quando fazem considerações sobre os
aspectos distributivos e sociais os estão pensando em relação ao crescimento econômico, não há possibilidade de um
padrão de desenvolvimento que não seja voltado para o crescimento.
5
ambiente interno estável que possibilite a maior dinamicidade da economia para poder obter
ferramentas tanto para gerar estímulos econômicos em áreas chaves para o crescimento, quanto para
gerar maior distribuição de renda e investimento em áreas sociais. Entretanto, ao não analisarem a
base desse modelo perdem de vista os mecanismos reais que propiciam essa estabilidade para maior
atuação do governo.
A tão propagandeada balança comercial favorável com crescimento e maior capacidade de
intervenção social não se devem a uma nova dinamicidade da economia, mas a um endurecimento
de uma economia pautada nas exportações de produtos primários. Em 2011 o Brasil obteve um
saldo comercial de produtos primários de US$ 90,3 bilhões, em comparação com os US$ 8,3
bilhões de 2001, representando um crescimento de 988% em dez anos. Logo, grande parte dos
méritos desse modelo não se deve a uma economia mais dinâmica ou desenvolvida, ao contrário,
possui muitos traços de uma economia cada vez mais pautada na exportação de minerais e produtos
agrícolas, o que evidencia uma dependência cada vez maior com o mercado externo. Esses últimos
dez anos de intensa expansão desse mercado se devem principalmente ao papel decisivo da
economia chinesa no mercado internacional, que apesar de cada vez mais possuírem uma liderança
na produção mundial, têm uma grande dependência por produtos primários, o que provocou durante
toda a década um aumento dos preços das commodities com uma grande estabilidade na sua
demanda.
Saldo Comercial Brasileiro por Grandes Itens em bilhões de dólares (US$)
Fonte: MDIC
As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas por uma grande abertura comercial e
financeira, o que trouxe uma entrada maciça de multinacionais para o país juntamente com uma
grande privatização das empresas estatais. Essa liberalização provocou uma grande remodelação
PB PSM PM TOTAL
-50,00
0,00
50,00
100,00
MUNDO
MÉDIA 2001/2002 MÉDIA 2010/2011
6
econômica não só nos países em desenvolvimento como em todo o mundo, tendo como grande
marca o deslocamento do eixo produtivo para a Ásia, especialmente China, alterando de forma
significativa da divisão internacional do trabalho mundial.
O Brasil a partir dos anos 2002 irá convergir grande parte da sua política econômica as
alterações ocorridas durante o regime neoliberal e a nova divisão internacional do trabalho. Com o
crescimento do preço das commodities e o câmbio valorizado o país passa a possuir uma estratégia
em promover justamente esse setor, para assim alcançar a sua balança comercial favorável e maior
estabilidade financeira. Essas políticas de promoção não se restringem apenas a alguns incentivos
tributários, já que podem ser atribuídos à existência de um grande pacote de medidas, dentre as
quais: destinação de um grande volume de capitais para financiamento, política declarada de
promoção de grandes empresas nacionais e a construção e financiamento de um grande sistema de
infraestrutura e escoamento para a exportação da produção de produtos primários. Será dentro da
construção desse pacote de medidas para a promoção desse setor chave para o modelo novo
desenvolvimentista que o BNDES irá entrar e se reestruturar a partir de 2002. Dessa forma o banco
passa a ser um dos principais instrumentos de política do governo, que desde o começo da sua
restruturação possui um grande viés no processo de internacionalização, com grande destaque para
os mercados da América Latina e África, tanto por também serem mercados em expansão, quanto
por as empresas brasileiras terem maior poder competitivo do que em relação aos mercados já
consolidados como o europeu e o norte-americano.
O Banco de um 'novo desenvolvimento'.
A importância do BNDES em termos de recurso é crescente, sendo muitas vezes superior ao
ritmo de crescimento da economia brasileira: desde 2006 o volume de créditos do BNDES
aumentou 198%, tendo um aumento de 500% nos últimos dez anos. Em 2010 o desembolso
realizado pelo banco foi cerca de US$ 96,32 bilhões, significando 3,3 vezes mais do que os US$
29,2 bilhões concedidos pelo Banco Mundial. Os fundos do BNDES são públicos, provindos do
Tesouro Nacional, de impostos e contribuições públicas, como o Fundo do Amparo ao Trabalhador.
Porém, o banco também capta recurso no mercado externo, bancos estrangeiros, além de agências
de fomento de outros países, e as multilaterais, como o próprio Banco Mundial.
7
Desembolso BNDES (em bilhões de reais)
Fonte: BNDES
Desde sua fundação em 1952 o BNDES passou por várias transformações de acordo com as
diferentes gestões governamentais e modelos políticos econômicos em vigência. Se durante a
década de 1990 a particularidade do banco pode ser destacada como o papel de liderança no
processo de privatização das empresas estatais, na década de 2000 o carácter principal a ser
destacado deve ser o processo de esforço na internacionalização das empresas brasileiras, através da
formação de gigantes empresariais nas áreas de bens primários e alimentícios. Nos últimos 10 anos
70% dos desembolsos diretos do BNDES foram para grandes empresas, sendo ainda 54% para a
região sudeste, segundo as estatísticas operacionais divulgadas pelo próprio banco.
Claramente a estratégia do banco nesses últimos anos passou a ser a formação de grandes
empresas nacionais, que com um forte financiamento pudessem realizar operações de fusão e
aquisição, assim como ampliação produtiva, para se tornarem competidoras internacionais. Apesar
do questionamento evidente, devido ao risco de gerar maior desigualdade e monopólio no país, essa
estratégia política já foi claramente anunciada pelas fontes oficiais, como o próprio presidente do
banco Luciano Coutinho: "Considerando o mercado competitivo e a economia aberta à competição
global, é perfeitamente desejável que Brasil tenha sistema empresarial de capital nacional forte. E é
desejável que a política apoie as empresas brasileiras e elas possam mostrar sua competência8”.
Entretanto esse apoio à formação de grandes empresas brasileiras ocorre através de fusões e
concentração de capital financiado com dinheiro público a setores que não representam
necessariamente ramos inovadores, como daria a entender as declarações oficiais. “O número de
fusões teve variações significativas no decorrer da crise. Em 2007, o número de operações foi de
699, caindo para 663 em 2008 e 454 em 2009, subindo para mais de 700 em 2010, e registrando 379
8 “Coutinho defende a criação de grandes grupos nacionais”, Folha online, 29 de abril de 2008.
8
no primeiro semestre de 20119.”
Como apresentou Garcia (2011), a intenção do banco está longe de ser alguma promoção das
áreas com alta intensidade em tecnologia ou que propiciem maior distribuição de renda e uma
melhoria social. “Argumenta-se que o maior empréstimo que já foi feito a um frigorífico foi
superior ao orçamento dos fundos setoriais criados em 1999 pelo governo para financiar pesquisa,
desenvolvimento e inovação em setores como biotecnologia, aeronáutica e energia.” Outros
exemplos podem ser dados pelos principais financiamentos do BNDES para operações de fusões,
sendo todas em ramos alimentícios ou de insumos básicos: R$6 bilhões ao grupo JBS para
aquisições no Brasil e exterior, tornando-se a maior produtora de carne do mundo; R$2,4 bilhões
para a Votorantim Celulose adquirir a Araracruz Celulose, resultando em uma das maiores
produtoras de celulose, a Fibria; mais de R$1,5 bilhão para a fusão de Sadia com a Perdigão,
tornando o grupo Brasil Foods o maior exportador mundial de frango10
.
Operações Diretas do BNDES (em bilhões de reais)
Fonte: BNDES
Outra importante área de atuação do banco nos últimos 10 anos tem sido o setor de
infraestrutura. Os investimentos em infraestrutura se encontram em grande medida vinculados a
construção de estradas, portos e aeroportos, com o grande interesse de escoamento da produção para
exportação. As principais obras de infraestrutura se concentram na promoção do PAC, com grande
ênfase para as áreas de transporte com objetivo de escoamento da produção, como rodovias e
portos, e também na produção de energia, com construções de termoelétricas e hidroelétricas.
O financiamento em infraestrutura pode ser visto como um dos elementos chaves para a
estratégia política atual. Se o incentivo para a formação de grandes empresas nacionais se tornou
9 “Fusões batem recorde, diz KPMG”, Valor Econômico, 23 de dezembro de 2010. 10 “Doze grupos ficam com 57% de repasses do BNDES”, Folha de São Paulo, 08 de agosto 2010.
9
um dos objetivos do BNDES, a expansão da infraestrutura se torna um ponto essencial,
principalmente quando levado em conta o tipo de empresa a ser internacionalizada. Como as
grandes empresas internacionalizadas do Brasil tratam-se de empresas vinculadas a insumos
básicos, a infraestrutura se torna um elemento chave para a competitividade desses produtos no
mercado mundial. Devido ao baixo teor de incorporação tecnológica (P&D) grande parte do preço
dos produtos exportados deve-se ao seu transporte, assim como ao preço da energia elétrica, já que
representaria um dos principais insumos para a produção. Por isso as grandes construtoras11
aparecem como uns dos grandes parceiros do BNDES, principalmente quando se considera as
ramificações dessas empresas, atuando em diversas áreas, como mineração e produtos de insumos
básicos ligados a cadeia produtiva da construção civil.
A área de infraestrutura e construção civil se liga a outro ponto importante do novo
desenvolvimentismo, que faz referência à própria expansão do modelo e imposição das relações
econômicas brasileiras para os outros países em desenvolvimento. O crescimento do financiamento
do banco para empreiteiras nacionais com projetos no exterior tem-se apresentado algo crescente
principalmente nos anos recentes, quando a instauração desse modelo internamente já parece
consolidada. Dessa forma, o apoio as exportações vinculadas a projetos de infraestrutura no exterior
tem ganhado destaque na carteira de investimentos do BNDES, como destacou a superintendente da
Área de Comércio Exterior, Luciene Machado referente ao ano de 2012: “Ao longo dos últimos
anos, temos desenvolvido uma carteira de projetos e isso vai se refletindo em desembolsos bastante
robustos. Devemos terminar o ano com mais ou menos US$ 1,5 bilhão, ou o correspondente a R$ 3
bilhões, nesse segmento. Talvez seja, individualmente, o que mais se destaca.12
”
Dentro da perspectiva apresentada, a área de construção civil deve ser vista como um dos
elementos chaves para o modelo novo desenvolvimentista poder se consolidar como uma forma
viável de promoção das ferramentas macroeconômicas tão propagadas atualmente pelos
economistas do governo brasileiro. A necessidade de mecanismos baratos de escoamento da
produção se torna um elemento central, principalmente quando se tem em mente a concorrência do
mercado mundial cada vez mais oligopolizado. Logo fica evidente o interesse brasileiro,
representado pelo crescimento do financiamento do BNDES para as empreiteiras brasileiras no
exterior em 1185% em 10 anos, sendo muito superior à própria incrível marca de 500% de aumento
dos desembolsos do banco nos últimos 10 anos. Portanto, fica evidente a importância de se entender
11
As grandes empreiteiras beneficiadas pelo BNDES se concentram em um pequeno grupo de 5 privilegiadas: o Grupo
Nobert Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Correa, OAS e Queiroz Galvão. 12
“Financiamento do BNDES para projetos de Infraestrutura no exterior foram destaque em 2012”, Agência Brasil, 30
de dezembro de 2012.
10
os mecanismos e a forma de atuação do banco na área de construção civil na América Latina,
principalmente em um momento em que o modelo novo desenvolvimentista já está consolidado no
país e começa a apresentar seus limites, dado pelo baixo crescimento do país em 2012 e pelo menor
saldo comercial dos últimos 10 anos13
. Esses resultados recentes da economia brasileira se originam
em grande parte da dependência externa do modelo novo desenvolvimentista, que já começa a
apresentar os efeitos das mudanças estruturais nas economias asiáticas, principalmente da China.
Nos últimos anos a China passou a buscar formas alternativas de suprir suas necessidades por
insumos básicos (principalmente na expansão da exploração do minério africano), além da
diminuição da sua capacidade de manutenção do crescimento acelerado.
Especificidades da atuação do BNDES nos financiamentos diretos no exterior
A atuação do banco no financiamento direto no exterior, como já foi apresentada
anteriormente, só se torna possível a partir de 2002 com a alteração do estatuto do banco
autorizando o financiamento de projetos de investimento direto no exterior. Nos três anos seguintes
esse processo ficou relativamente ‘acanhado’, sem grande atuação do banco nessa área. Somente a
partir de 2005, com a aprovação das normas de financiamento de Investimento Direto Estrangeiro
(IDE), que o banco passa a se tornar um dos grandes agentes no processo de investimento direto
para a internacionalização das empresas brasileiras.
Quando se observa alguns dados do financiamento do BNDES em IDE não é difícil perceber
o seu perfil, que mostra a evidente política de financiamento de obras na América Latina e alguns
países da África, dada a vantagem competitiva e a estratégia política em questão. Grande parte
dessas obras se destinam à construções que possibilitem o avanço da produção de bens primários,
com amplo destaque para o setor de mineração, mas também com ênfase no setor agrário, tendo
amplo destaque as obras de infraestrutura logística e energética. Esse perfil da pauta de
financiamento externo pode ser visto nas duas tabelas abaixo divulgadas pelo próprio banco, que se
referem aos financiamentos realizados pelo banco para investimentos no exterior.
13
A balança comercial brasileira registrou em 2012 um superávit de US$19,438 bilhões, sendo 34,8% menor do
que em 2011 e o pior desde 2002, quando foi de US$13,195 de superávit.
11
Outro importante fator a ser considerado no processo de financiamento do BNDES em IDE
se deve a maneira como os recursos são distribuídos, o que pode indicar a formação de uma
coalizão de interesses público-privada nesse processo de expansão de investimentos em
infraestrutura na América Latina. Assim, além da quase que exclusividade de empreiteiras nesse
processo, destaca-se também o reduzido número dessas empresas, dada a quantidade de projetos e
recursos em questão. Apesar da importância da divulgação da informação de quais empresas
receberam empréstimos para atuação no exterior, esses dados não são divulgados pelo banco, nem
ao menos para as obras já realizadas. Entretanto, existem levantamentos para tentar entender a
magnitude desse processo, como o realizado pelo IBASE, que apresentamos de forma sintetizada na
tabela abaixo, com os principais beneficiados pelo banco.
12
Investimento do BNDES na América Latina por Empresas (US$ milhões)
Fonte: IBASE
Localização das filiais das maiores multinacionais brasileiras por região – 2008 (em%)
Fonte: FDC (2009)
As empreiteiras com atividades no exterior possuem geralmente uma organização
descentralizada, com a matriz localizada no Brasil, onde possui as funções financeiras, recursos
humanos, marketing e relacionamento institucional, entre outras funções de planejamento
estratégico. Devido ao porte das obras e o elevado grau de complexidade logística envolvido, essas
empresas passaram a institucionalizar o processo de criação de subsidiárias. Essas sucursais das
grandes construtoras brasileiras possuem autonomia para a realização de cada projeto na
determinada região de sua atuação. Dessa forma em cada país onde as empresas atuam se estabelece
um responsável pelo conjunto de contratos de prestação de serviços, tendo ainda para cada projeto
13
um responsável direto para a prestação do serviço junto ao cliente. Portanto, as realizações dessas
obras são gerenciadas diretamente pelas subsidiarias, que geralmente se associam com empresas
locais para auxiliar nas demandas específicas de cada região14
.
Os contratos realizados pelas construtoras brasileiras com atuação no exterior ocorrem pelo
método turnkey, que consiste na licitação com apresentação de um orçamento feito ex ante, ou seja,
já na fase de licitação se apresenta um preço global (turnkey) para a obra. Esse orçamento é
normalmente realizado com o método Benefícios e Despesas Indiretas (BDI), que consiste na
estimativa de quantidades e nos custos unitários de cada item de obra nas condições locais e, sobre
esses, aplicação de multiplicador correspondente às despesas indiretas e lucros (Lopes de Abreu &
Pinto, 2012).
Outra característica relevante com relação aos contratos para investimento no exterior
refere-se ao critério do BNDES de conteúdo nacional para bens e serviços. A destinação de recursos
do BNDES para investimento direto no exterior possui regras quanto à exportação de bens
nacionais para a realização das obras. Dessa forma, sobre o valor final do serviço prestado é fixado
um percentual de exportação de bens que deve ser analisado, ou seja, se vincula ao valor de
exportação dos serviços prestados pela construtora certo valor de bens utilizados na obra. Esse
critério impõe um forte mecanismo de incentivo a determinados ramos da indústria brasileira, que
irá variar conforme o tipo de obra a ser realizada e a disponibilidade de oferta dos determinados
produtos nos países contratantes.
14
A criação de subsidiárias refere-se as empresas de construção civil, que prestam serviços de engenharia nos países
contratantes. Além dos financiamentos em grandes obras, o BNDES também passou a financiar a venda de
equipamentos para alguns países, com destaque para a venda de ônibus pela empresa Mercedes-Bens do Brasil. Nesse
tipo de transação não há a criação de subsidiárias, já que ocorre apenas a venda de um produto, entretanto a empresa
responsável por fornecer o produto é obrigada a contratar um seguro de crédito à Exportação, por meio da Seguradora
Brasileia de Crédito à Exportação (SBCE). A SBCE por sua vez atua como agente da União para avaliação técnica e
precificação de risco para concessão de seguro de crédito à exportação com lastro no Fundo de Garantia à Exportação,
conforme apresentado por Ferreira (2012).
14
Através da tabela apresentada pelo próprio banco nota-se a forte importância não só em
insumos e matérias-primas básicas, como também em itens de maior valor agregado, com maior
intensidade tecnológica. Esses produtos consistem principalmente em equipamentos elétricos e
componentes eletrônicos mais sofisticados, o que pode ser entendido como um dos incentivadores
do forte crescimento do saldo brasileiro em produtos manufaturados com a América Latina na
última década (como apresentado nas tabelas a baixo). O saldo brasileiro com a América Latina
apresenta uma grande singularidade quando comparado com o resto do mundo. No caso do
comércio com os países latinos, o Brasil apresenta um forte superávit em bens manufaturados, o que
não se apresenta como um padrão histórico, mas sim como mais uma característica dessa nova fase
de desenvolvimento.
Saldo Comercial Brasileiro por Grandes Itens e Parceiros em bilhões de dólares (US$)
Fonte: MDIC
PB PSM PM TOTAL
-5,000
0,000
5,000
10,000
15,000
20,000
AMÉRICA LATINA
MÉDIA 2001/2002 MÉDIA 2011/2012
PB PSM PM TOTAL
-1,00
0,00
1,00
2,00
3,00
PARAGUAI
MÉDIA 2001/2002 MÉDIA 2011/2012
PB PSM PM TOTAL
-4,00
-2,00
0,00
2,00
4,00
6,00
ARGENTINA
MÉDIA 2001/2002 MÉDIA 2011/2012
PB PSM PM TOTAL
-1,000
0,000
1,000
2,000
3,000
4,000
VENEZUELA
MÉDIA 2001/2002 MÉDIA 2011/2012
15
Conclusões e a atuação de um Banco novo desenvolvimentista brasileiro na América Latina
O crescimento das empreiteiras brasileiras na América Latina está longe de ser uma mera
questão de crescimento e 'desenvolvimento' da economia brasileira, como normalmente se apresenta
a partir de uma perspectiva do tamanho brasileiro na economia latina. O mesmo argumento
falacioso pode ser empregado do ponto de vista politico, em que mostra os financiamentos do
BNDES na América Latina como um programa político para promoção da construção de um bloco
regional, que teria como marco a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-
Americana (IIRSA). Em realidade esses dois pontos (fortalecimento econômico e político
brasileiro) devem ser compreendidos como causas de um processo político e econômico e não como
os promotores desse processo. Dessa maneira tentou-se nesse trabalho mostrar como a brusca
expansão do BNDES na América Latina está inserido dentro de um novo arranjo político
econômico, em que o Brasil se posiciona internacionalmente e nacionalmente dentro de um modelo
que tem sido caracterizado como novo-desenvolvimentismo.
A partir da compreensão desse novo arranjo interno e de sua inserção externa pode-se
analisar a atuação no exterior do BNDES, sem cair nas falácias que envolvem esse debate, já que
normalmente há uma desvinculação das intenções do Estado brasileiro com os detentores das
grandes empresas multinacionais brasileiras. O debate não pode ser reduzido se as empresas
dominaram a máquina estatal, ou se o governo brasileiro adquiriu um status de potência
hegemônica, mas sim de como essa coligação de interesses se insere nacional e internacionalmente
impactando tanto na Brasil como nos países em desenvolvimento que passaram a receber os
investimentos financiados pelo BNDES.
A grande maioria dos investimentos brasileiros no exterior financiados pelo BNDES
encontra-se centralizados nas obras de infraestrutura, principalmente na construção de estradas,
portos, gasodutos e hidroelétricas, o que claramente aponta para uma ligação com a intenção de
melhorias no escoamento da produção de insumos básicos. Dentro dessa perspectiva se entende os
investimentos do BNDES dentro de uma lógica de expansão do próprio modelo novo-
desenvolvimentista brasileiro, em que através da construção de um sistema de produção de insumos
básicos dentro dos padrões do mercado mundial se torna possível conseguir os recursos para
financiar a estabilidade comercial e financeira tão almejada pelas doutrinas econômicas. Para o
Brasil essa expansão, em termos econômicos, traria vantagens tanto da criação de vínculos
comerciais e produtivos, quanto do aumento direto da exportação de produtos com maior
intensidade tecnológica.
Apesar dos questionamentos levantados nesse texto focarem nos aspectos econômicos da
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expansão do BNDES na América Latina, esse processo deve ser entendido de uma forma mais
ampla, dado que está em jogo principalmente aspectos sociais e ambientais dos países envolvidos.
Dessa forma a intenção é através dessa análise abrir o caminho para importantes questionamentos
posteriores sobre a soberania dos povos e territórios envolvidos nesse processo de expansão
brasileira, o que se refere também a própria capacidade desses estados buscarem suas vias de
desenvolvimento econômico de forma a garantir a autonomia de sua população.
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