5. a situação sociolingüística da fronteira franco
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5. A Situação Sociolingüística da Fronteira Franco-Brasileira: Oiapoque & Saint-Georges
A dinâmica das línguas e dos povos nas regiões que partilham fronteiras
políticas entre diferentes comunidades lingüísticas é certamente, em muitos
aspectos, diferenciada das regiões onde o contato entre povos de línguas distintas
é esporádico e sazonal.
Como poderemos confirmar nos dados coletados pela pesquisa, o
bilingüismo nestas regiões, longe de ser uma questão de status social ou de
necessidade momentânea (como é o caso das pessoas que se tornam bilíngües para
desenvolver habilidades de leitura e escrita em determinados domínios científicos
ou culturais) mostra-se intimamente ligado às necessidades cotidianas de
comunicação interpessoal em diferentes setores da vida pública ou privada, sendo
portanto um dos resultados mais evidentes do contato lingüístico na fronteira.
A fronteira franco –brasileira, apropriada que é por excelência para a
eclosão do bilingüismo individual e social, conta hoje com pelo menos quatro
línguas que compartilham entre si muito mais do que divisões espaciais. Usos
compartimentalizados, status diferenciados das línguas em presença e
comunidades distintas se dividem e se mesclam no composto multilingüístico,
multi-étnico e multicultural que é a fronteira Oiapoque / Saint Georges.
Diferente da fronteira de Santana do Livramento e Riviera no sul do país
que dividem uma fronteira seca, Oiapoque e Saint Georges compartilham de uma
fronteira natural representada pelo rio Oiapoque. À primeira vista poderíamos
imaginar que fronteira política e lingüística ali seriam absolutamente coincidentes,
no entanto, a presença do rio não impede em absoluto o contato e a mesclagem
das comunidades que vivem de um lado e de outro.
Essa coincidência só seria possível, durante algum tempo, e não todo o
tempo, se ambas as comunidades não tivessem consciência da presença uma da
outra, se franceses e brasileiros não atravessassem diariamente a fronteira, se não
tivesse havido um longo processo de disputa e exploração mineral naquela área,
atraindo para ali os diferentes grupos que hoje habitam a região. Ainda assim,
cedo ou tarde, as comunidades que ali se formassem estariam inexoravelmente
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destinadas a cedo ou tarde estabelecer contato, sendo elas mesmas uma só
comunidade lingüística ou comunidades diferentes partilhando um território
contíguo, como acontece atualmente.
A presença de diferentes grupos lingüísticos naquela fronteira está também
relacionada ao processo histórico de disputa da área por brasileiros e franceses.
Ainda hoje, os resquícios dessa disputa se fazem presentes no discurso, ora
nacionalista ora regionalista, dos moradores mais antigos. “A Guiana deveria ser
nossa” afirmam alguns; em contrapartida, do outro lado, outros defendem que “ o
platô das Guianas deveria ser um país livre, e a língua do platô seria o crioulo”,
colocando em questão não somente um espaço territorial mas, também uma
reivindicação lingüística local.
Diferenças lingüísticas à parte, as comunidades superam as barreiras
naturais e se encontram nas praças, no comércio, nos bares, nos barcos, nos
restaurantes, nas ruas etc. e celebram entre si, em cada encontro, em cada contato
lingüístico e cultural um contrato tácito de reciprocidade e respeito às línguas
próprias de cada grupo. Não quero dizer com isso que as línguas da fronteira
guardam irmanamente o mesmo valor e prestígio nas diferentes comunidades
lingüísticas, tampouco que não há preconceito lingüístico ou pouca valorização
das línguas das minorias, apenas que há espaço para o uso de cada uma delas e
que, em maior ou menor grau, todas estão em contato na fronteira.
5.1 Status das línguas em questão: português, francês, crioulo e patuá.
5.1.1 Oficialidade
A situação oficial do português no Oiapoque e do francês em Saint Georges é
bastante clara, pelo menos do ponto de vista jurídico e no que diz respeito ao
prestígio das “línguas oficiais” em relação às demais línguas utilizadas nos
referidos territórios, a saber, o francês e o patuá no Oiapoque e o brésilien (como
é conhecido o português na Guiana), o crioulo e o patuá em Saint Georges.
O português é constitucionalmente a língua oficial brasileira. O artigo 13
da constituição de 1988 decreta:
“A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”
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Contudo, os artigos 215/216 da constituição brasileira já admitem que o
Brasil é um país pluricultural e multilíngüe. Embora nem todas as línguas
envolvidas em situações de bilingüismo e multilingüísmo no Brasil tenham algum
grau de oficialidade reconhecido, algumas línguas como as indígenas, e ai
incluímos o patuá, já lograram obter algum reconhecimento.
De acordo com os dados da pesquisa, como veremos posteriormente, o
francês em Oiapoque se caracteriza principalmente como língua de trabalho para
grande parte da população brasileira ali residente, porém nenhum reconhecimento
oficial, nem mesmo com relação ao ensino de línguas estrangeiras lhe é
claramente atribuído, como veremos a seguir nos dados relativos a educação.
Do lado francês, tal qual ocorre no Brasil há uma política clara de
monolingüísmo contrastando com a realidade multilíngüe da região. A Guiana na
qualidade de departamento francês segue a mesma orientação político lingüística
da metrópole. De acordo com o artigo 2º da lei constitucional nº 92-554 de 1992
que modifica a constituição francesa de 1958 “A língua da República é o
francês4”. Portanto o francês é por extensão a língua oficial do departamento e o
crioulo de base francesa, embora se apresente como língua materna de
significativa parte da população de Saint Georges, não tem status de língua oficial,
da mesma forma que o patuá empregado pelos índios, também daquele lado da
fronteira.
O português em Saint Georges por sua vez também não desfruta de
nenhum status de oficialidade, embora já conste como uma das línguas mais
usadas no meio social e ensinadas nas escolas do lado francês.
5.1.2 Uso institucional e privado
Embora somente o português tenha status de língua oficial em Oiapoque e
o francês em Saint Georges essa “oficialidade” não representa necessariamente a
realidade do uso institucional destas línguas nas referidas comunidades
lingüísticas. Em Oiapoque, ao lado da língua pátria, devido principalmente ao
grande fluxo de estrangeiros que aumenta dia a dia, é muito comum encontrar nas 4 La langue de la République est le français.
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vias públicas e nas instituições oficiais como correios e no tribunal de justiça,
comunicações redigidas na língua oficial do país vizinho, o francês,. Assim, a
prefeitura de Oiapoque comunica em francês e português que “il est interdit de
jetter des ordures sur le fleuve”, e, “qu’il faut préserver la nature5”. Do mesmo
modo, as entidades sanitárias previnem que “le vaccin contre la fièvre jaune est
obligatoire à la frontière6”.
O tribunal de justiça por sua vez avisa aos requerentes que “il faut
apporter tous les documents de naissance, livrés à l’hôpital de Saint Georges
pour enregistrer les enfants brésiliens nés à Saint Georges de l’Oyapock7»
instituindo em seus procedimentos o uso de uma língua não oficial mas que é
comumente utilizada por brasileiros e franceses em ambos os lados da fronteira.
Em contrapartida, o patuá, língua de contato entre etnias indígenas da
região, só é co-oficialmente encontrado nas dependências da Funai em Oiapoque,
onde é comumente empregado pelos indígenas, pelos funcionários índios e nas
escolas da área indígena.
Do lado francês, uma vez que tanto o patuá quanto o crioulo não têm
nenhum reconhecimento oficial, o uso institucional destas línguas é
desaconselhado nas repartições públicas. Todas as comunicações oficiais
destinadas aos moradores de origem“francesa” são redigidos no francês oficial.
Porém, quando se trata de falantes lusófonos o português é comumente aplicado.
A alfândega local, por exemplo, informa aos transeüntes da fronteira que “há
fiscalização regular na estrada Saint Georges – Regina”, e que “é proibido
transportar pessoas sem documentação8”.
Cabe registrar por outro lado que, paralelo ao uso institucional, existem
também as práticas não institucionalizadas porém correntes, que é o que ocorre
com freqüência no setor privado. O comércio de Oiapoque registrou um
crescimento de 100% nos últimos quatro anos conforme dados do Sebrae-Ap.
Esse crescimento se deve basicamente ao aumento do fluxo do turismo de
compras na região que foi impulsionado pelo incentivo governamental - de ambos
5 È proibido jogar lixo no rio; é preciso proteger a natureza. 6 A vacina contra a febre amarela é obrigatória na fronteira. 7 É necessário apresentar todos os documentos expedidos no hospital de Saint Georges para fazer o registro de nascimento das crianças brasileiras nascidas em Saint Georges de l’Oyapoque. 8 Do original « Il y a du contrôle régulier sur la route Saint Georges – Regina. Il est interdit de transporter des personnes sans documents’.
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os lados da fronteira - a uma maior integração fronteiriça e pela abertura da
rodovia que liga a Capital da Guiana, Caiena, a Macapá no Amapá. Oiapoque e
Saint George estão no epicentro das relações transfronteiriças. Em Oiapoque,
compra-se um pouco de tudo; os clientes, em sua grande maioria provenientes do
outro lado da fronteira, já não se restringem mais àqueles que atravessavam de
Saint Georges, mas agora de toda a Guiana. Desse modo, o francês sobretudo e o
crioulo em menor escala, são as línguas estrangeiras obrigatórias para quem quer
disputar uma vaga no mercado de trabalho da região, principalmente em
Oiapoque.
De pequenas lanchas de passeio à carne bovina, do shampoo a passagens
aéreas, o maior consumidor é o turista de final de semana que lota os hotéis e
restaurantes. A língua preferencial destes estabelecimentos é a francesa. Uma vez
que 80% da clientela, segundo os donos de hotéis locais, é de vizinhos fronteiriços
que não falam português, “uma das formas mais seguras de agradar o cliente é
colocar à disposição funcionários que falem a língua deles”declara um
proprietário de hotel. O mesmo raciocínio se estende para o comércio como um
todo. O francês está presente no nome dos estabelecimentos, no cardápio dos
restaurantes, nas expressões locais, na oferta de produtos etc. Proprietários e
funcionários atribuem à língua um valor que está relacionado com o poder
econômico do país cujos nativos falam aquela língua e do poder aquisitivo de sua
população.
Oiapoque, enquanto fronteira natural de Saint Georges, entrou para a era
do euro e aprendeu a converter a moeda ao mesmo tempo que os europeus. Nas
primeiras horas do dia de seu lançamento na comunidade européia, o euro também
já circulava em território brasileiro como se fosse uma extensão do território
francês. No lado brasileiro da fronteira como também do lado francês o comércio
aceita real e euro indistintamente.
As lojas de câmbio são as que mais se esforçam para empregar falantes
francófonos. Os cambistas disputam o visitante desde a chegada ao porto,
buscando maiores lucros e menores taxas. Existem no entanto aqueles que não
falam francês, e na palavra de um deles “os que falam a língua dos clientes
normalmente chegam primeiro e quem não fala precisa dar sorte ou pegar um
brasileiro”. É importante lembrar que uma significativa parcela de brasileiros
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mora na Guiana e também atravessa a fronteira periodicamente em busca tanto de
produtos com custos mais atrativos quanto do reencontro com as raízes, com a
cultura, com a identidade que parece renascer, para alguns, no atravessar do rio
Oiapoque. Estes brasileiros que habitam, principalmente, na zona urbana de
Caiena e Kourou também contribuem com a movimentação do mercado no Brasil.
Muitos deles, falantes hábeis do francês e do crioulo, têm optado por voltar para o
lado brasileiro e ali abrir seu negócio próprio.
Quando questionados sobre a importância do domínio dos idiomas francês,
crioulo e patuá, os informantes de Oiapoque atribuíram uma grande importância
ao aprendizado sobretudo da língua francesa como podemos conferir no quadro
abaixo:
Quadro 1: Importância das línguas no mercado de trabalho em Oiapoque.
Importância do domínio das
Línguas no mercado de trabalho.
Francês Crioulo Patuá
Muito importante 82,7% 15,3% 2%
Pouco importante 13,3% 29,5% 6%
Irrelevante 4% 56,2% 92%
O domínio da língua francesa é visto como muito importante no mercado
de trabalho para 82,7 % dos entrevistados, contra 15,3% que atribuem maior
importância ao crioulo. O patuá, como língua minoritária e de baixa valoração no
mercado de trabalho, foi colocada no extremo oposto, considerada irrelevante no
mercado por 92% dos informantes.
No lado oposto da fronteira, a recíproca é verdadeira no que diz respeito
ao português com relação ao francês. Ali o português ocupa lugar de destaque ao
lado do crioulo porém, por razões muito mais institucionais que de mercado.
Embora o real seja aceito no comércio local, os brasileiros não são vistos como
clientes em potencial. A desvalorização do real frente ao euro não estimula o
mercado em Saint Georges ao contrário do que acontece em Oiapoque, porém, o
grande fluxo de migração e de famílias mistas exige um contato constante com
falantes de português em todos os setores da administração pública
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Quadro 2: Importância das línguas no mercado de trabalho em Saint Georges.
Importância das Línguas no
mercado de trabalho.
Português Crioulo Patuá
Muito importante 86,7% 14,3% 0%
Pouco importante 12,2% 23,3% 6%
Irrelevante 2,1% 63,4% 94%
Assim, seguido ao domínio da língua oficial, 86,7 % consideram o português
como a língua regional mais importante no contexto local, ao lado de 14,3 % que
consideram o crioulo como mais importante. Semelhante aos dados apresentados
em Oiapoque a língua da minoria indígena e de baixo prestígio não aparece como
relevante para o mercado de trabalho.
5.1.3 Educação
No que concerne ao aspecto educacional avaliamos as línguas de ensino e
as línguas ensinadas como línguas étnicas ou estrangeiras. Em Oiapoque, tratando
das línguas de ensino correlacionamos o português e o patuá, e quanto ao ensino
de línguas estrangeiras avaliamos o ensino do francês e do inglês. Em Saint
Georges como línguas de ensino contrapomos o francês, o crioulo e o patuá e
como línguas estrangeiras o português, o inglês e as demais línguas ofertadas.
O português em Oiapoque e o francês em Saint Georges, como não
poderia deixar de ser, face à política de monolingüísmo que prevalece, são, com
exceção das línguas indígenas, as línguas de ensino em toda a rede pública e
privada. Embora em Oiapoque já haja uma significativa parcela de famílias
indígenas9 morando na cidade e de famílias mistas, só a língua portuguesa é
utilizada na alfabetização.
Quanto ao ensino nas comunidades indígenas, uma recente política de
respeito aos direitos lingüísticos destas comunidades tem sido observada.
Conforme dados do administrador da Funai Amapá, Domingos Santa Rosa,
morador de Oiapoque, a alfabetização nas aldeias tem sido feita primeiramente na 9 A Prefeitura Municipal de Oiapoque estima em cerca de 60, as famílias indígenas que habitam o perímetro urbano de Oiapoque e cujos filhos freqüentam regularmente o ensino médio e fundamental.
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língua materna predominante das famílias, ou seja, na língua original, em patuá ou
mesmo em português. A permissão para o ensino bilíngüe nas comunidades
indígenas prevista na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 que decreta no
artigo 210, parágrafo 2 que “o ensino fundamental regular será ministrado em
língua portuguesa, assegurando às comunidades indígenas também a utilização
de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”, veio conceder
finalmente as línguas indígenas algum reconhecimento pelo menos no setor
educacional.
Na zona urbana da cidade, no entanto, não existe nenhuma política
instituída para o recebimento de crianças provenientes das aldeias nas escolas
públicas. Ali elas são alfabetizadas, obrigatoriamente, em português.
Quanto ao crioulo e ao patuá no lado francês e as demais línguas regionais
dos departamentos franceses ultramarinos, a lei daquele país assegura que “Um
ensino das línguas e culturas regionais pode ser efetuado ao longo do processo de
escolarização”10, bem como reforça que
« As línguas regionais em uso nos departamentos ultra marinos fazem parte do patrimônio lingüístico da nação e beneficiam –se de um reforço nas políticas em favor das línguas regionais afim de facilitar-lhes o uso»11 (Artigo 34 da lei de orientação para os DOM-TOM) Tradução nossa
Todavia nenhuma das línguas consideradas regionais tem efetivamente
representatividade na ordem escolar. A educação primária e secundária
assegurada é realizada somente na língua oficial. Filhos de imigrantes em idade
escolar que não tenham sido alfabetizados na língua francesa normalmente
passam por um período de adaptação à língua e logo em seguida são integrados ao
ensino em língua francesa. O francês é a língua de escolarização para todos:
índios, franceses, haitianos, brasileiros etc.
Com relação ao ensino das línguas oficiais da região como línguas
estrangeiras no espaço vizinho, em 1996 foi assinado o acordo de cooperação
10 Un enseignement des langues et cultures régionales peut être dispensé tout au long de la scolarité. 11.Les langues régionales en usage dans les départements d'outre-mer font partie du patrimoine linguistique de la Nation» et qu’elles «bénéficient du renforcement des politiques en faveur des langues régionales afin d'en faciliter l'usage
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transfronteiriça entre o governo brasileiro e o governo francês que previa, entre
outras ações conjuntas, a implementação do ensino do francês no Amapá,
particularmente no Oiapoque, e do português na Guiana. Porém, o quadro do
ensino de línguas não mudou muito, sobretudo no lado brasileiro.
Na fronteira brasileira, ainda hoje, sete anos após a assinatura do protocolo
de intenções, é possível constatar que o governo brasileiro, representado pelo
Ministério da Educação – MEC, continua a enviar material escolar de língua
estrangeira somente em inglês e espanhol para as duas únicas escolas públicas de
ensino fundamental e médio de Oiapoque. Seja por desconhecimento, desatenção
ou por uma política deliberada que pretende ignorar a realidade geolingüística
regional, o ensino do francês em Oiapoque caminha a passos lentos.
De acordo com informações da diretoria da Escola Joaquim Nabuco, a
instituição oferece desde o ano de 2000 o francês como opção de língua
estrangeira de 5ª a 8ª séries, mas conta com apenas dois professores, eles mesmos
encarregados de definir e construir o programa de ensino da língua, a metodologia
e o material didático a ser empregado em sala de aula. Não nos surpreende,
portanto, que apenas pouco mais de 10% dos informantes de Oiapoque declarem
ter estudado francês na escola do lado brasileiro, uma vez que a instituição não
tem condições humanas e materiais para oferecer o ensino da língua para todo o
grupo escolar.
Quadro 3: Línguas estrangeiras estudadas na fronteira franco-brasileira.
Línguas estrangeiras
estudadas na escola.
Oiapoque Saint Georges
Português - 33%
Francês 14%
Inglês 79% 35%
Espanhol 7% 24%
Outra língua. 0% 8%
Embora a fronteira com um território de língua francesa seja uma realidade
incontestável, 79% dos informantes em Oiapoque declaram ter estudado inglês
como língua estrangeira, 7% espanhol e apenas 14% francês, dados bastante
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diferenciados daqueles encontrados na fronteira oposta, onde o português foi
escolhido por 33% dos informantes como língua estrangeira na escola, perdendo
apenas para o inglês com 35% e ficando a frente do espanhol com 24% e das
demais línguas ofertadas como italiano e holandês que reuniram juntas 8% .
É importante registrar ainda que os índices constatados em Saint Georges
correspondem a níveis de escolha em meio a um leque de ofertas, indicando não
apenas um elemento numérico, mas também um valor positivo da língua
portuguesa naquela região. Em Oiapoque, em contrapartida, o baixo índice de
estudo do francês não pode ser diretamente vinculado a um valor negativo da
língua na comunidade, uma vez que ali não há escolhas a fazer. O inglês, até
1999, foi a língua imposta como idioma estrangeiro na região, ainda que para a
grande maioria não fizesse sentido estudar aquela língua, como indicou o
depoimento de muitos entrevistados.
O quadro acima, não só informa sobre a importância atribuída aos
diferentes idiomas no quadro institucional de um lado e de outro da fronteira
como igualmente deixa claro que políticas lingüísticas díspares estão sendo
implementadas naquela região a despeito do acordo quadro assinado a nível
oficial.
5.1.4 Meios de comunicação de massa.
Tanto Oiapoque quanto Saint Georges possuem meios limitados de
comunicação de massa. Em Oiapoque não existe imprensa local, a programação
de televisão é nacional e mesmo as rádios só emitem programas originados na
capital do Estado, Macapá. Existe apenas uma rádio local que se ocupa da
propaganda de lojas, hotéis, bares e restaurantes.
Em Saint Georges, o quadro não é muito diferente. Porém, naquele lado as
famílias mistas e mesmo aquelas não mistas que têm interesse, facilmente têm
acesso à programação da televisão brasileira e por conseguinte à língua veiculada,
o que não acontece no lado brasileiro, uma vez que o sinal da televisão estatal
francesa não é acessível do outro lado da fronteira. Quando muito, é possível ler
os jornais produzidos em Caiena.
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As rádios compõem o diferencial neste quadro. A música brasileira, do
“brega” ao “axé music” passando pela MPB, toca nas rádios guianenses da mesma
forma que o Zouk, estilo musical característico da Guiana, entra na maioria dos
lares em Oiapoque. O sinal das rádios da Guiana normalmente é captado na
fronteira brasileira. Elas invariavelmente transmitem em crioulo e em francês.
Não é difícil constatar que os franceses estão através da mídia mais
expostos ao português-brasileiro do que o contrário. Foi o que se verificou no
quadro abaixo. Se grande parte dos guianenses tem acesso à mídia em português,
francês e crioulo, o mesmo não acontece, em igual proporção, com a comunidade
brasileira.
Quadro 4: Índice de acesso à mídia nas línguas em questão
Acesso a jornais, revistas e
programas de rádio e tv. em Oiapoque em Saint Georges
Só em português 80% 0%
Só em francês 0% 25%
Em português e francês 15% 55%
Em português, francês e
crioulo.
5% 20%
Apenas 15% de brasileiros têm acesso à imprensa francesa, obviamente
aqueles que foram alfabetizados em francês que podem ler os jornais ou que têm
acesso à rádio local, contra 55% de franceses que têm acesso à mídia em
português. A grande maioria, 80% dos informantes de Oiapoque possui acesso à
mídia só em português, enquanto que para os franceses o percentual daqueles que
a têm só em francês se reduz para 25%. O crioulo vem ao longo das últimas
décadas ocupando um espaço cada vez maior na imprensa francesa. Já existem
jornais televisados e rádio transmitidos na Guiana, porém o acesso para o
brasileiro é limitado.
O patuá por sua vez não possui representatividade na mídia local em
nenhum dos lados da fronteira.
5.2 Corpus das línguas em contato: português, francês, crioulo e patuá
74
A situação das línguas, instaurada pela proximidade geográfica, influencia
diretamente os indivíduos que ali interagem. O status das línguas, as relações
sociais e comerciais estabelecidas entre as comunidades, o contato com os dialetos
aos quais os moradores estão expostos se refletem na compartimentalização dos
usos lingüísticos em ambas as comunidades e no nível de
bilingüismo/multilingüísmo que cada grupo pode apresentar.
Como bem afirma Mackey (1976) a proximidade lingüística é um dos
fatores que podem ser decisivos na formação de comunidades multilíngües e
Oiapoque e Saint Georges, além do quadro fronteiriço, apresentam também outros
elementos que deram vazão ao multilingüísmo na região.
A Guiana Francesa como um todo apresenta uma situação de
multilingüísmo bastante complexa, com pelo menos dois crioulos diferentes, além
da língua oficial, das línguas indígenas e das línguas de comunidades oriundas de
outros países com grande representatividade tal qual a de surinamenses, chineses e
mesmo a de brasileiros. É nesse quadro que se configura a situação multilíngüe de
Saint Georges. Dos informantes da cidade, 100% declararam usar mais de uma
língua, seja francês e crioulo, francês e português, francês e patuá, crioulo e patuá,
ou mesmo todas elas, em situações diversas de uso.
Em Saint Georges o bilingüismo é fruto da histórica colonização francesa
na região, cujo contato entre as línguas dos escravos e o francês deu origem ao
crioulo e posteriormente ao patuá. Em Oiapoque, o histórico de bilingüismo na
comunidade é um pouco diferenciado. Os primeiros multilíngües da região foram
os índios que habitavam aquelas terras, que, catequizados por portugueses e
brasileiros, aprenderam o português e do contato de suas línguas com o crioulo
nasceu o patuá vindo a tornar-se língua de contato entre as diversas etnias locais.
Dado o distanciamento entre as aldeias indígenas e o vilarejo de Oiapoque
as comunidades pouco conviveram. Assim poucos são os indivíduos não índios
que falam a língua indígena original ou o patuá. O contato com os franceses,
intensificado a partir dos anos 40 com a criação da base espacial de kourou foi
decisivo no estabelecimento de uma situação social de multilingüísmo,
movimentando uma significativa parcela da população para o lado esquerdo da
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fronteira. Famílias oriundas de várias partes do país estabeleciam suas bases em
Oiapoque, e os homens, na maioria das vezes, partiam em busca de trabalho.
Por outro lado, freqüentemente as zonas de fronteiras não são consideradas
como verdadeiramente um outro país. Elas constituem, muitas vezes, simples
zonas de passagem, o que faz com que o interesse pela região vizinha seja
limitado, o que por sua vez limita também o contato com parte do grupo. Desta
feita, se em Oiapoque a pesquisa mostrou que 58 % dos informantes usam mais de
uma língua em diferentes domínios, mostrou também que há uma significativa
parcela de monolíngües na cidade, cerca de 42% da população urbana local.
Outro fator importante é a duração do contato entre as comunidades
lingüísticas. Em Saint Georges 72% dos informantes moram na cidade há mais de
10 anos, enquanto que em Oiapoque apenas 10% dos informantes bilíngües
declaram estar há mais de 10 anos na cidade. Com um índice migratório crescente,
grande parte da população de Oiapoque é oriunda de outras partes do país. A
maioria como indica a tabela abaixo, reside ali há menos de 5 anos ou entre 5 e 10
anos.
Quadro 5: Tempo médio de moradia dos falantes bilíngües da fronteira.
Tempo de
moradia / cidades
Menos de 5 anos Entre 5 e 10 anos Mais de 10 anos
Oiapoque 42,8% 46,2% 10%
Saint Georges 12,7% 15% 72,3%
Vale ressaltar no entanto que dentre os bilíngües que residem em
Oiapoque há menos de 5 anos, 100% deles estão ligados a um trabalho que exige
o contato diário com a língua francesa, a saber, o setor de vendas ou serviços . A
proximidade geográfica sozinha não basta para fazer com que sujeitos de duas
comunidades lingüísticas diferentes se tornem bilíngües, nem tampouco a duração
do contato. Aquele que embora habitando a zona fronteiriça por toda a vida sem
nunca ter estado em contato com a outra comunidade - e isso é uma realidade para
muitos de Oiapoque - e que tampouco tenha estudado a língua do país vizinho,
raramente se torna um falante bilíngüe. Por outro lado, aquele que embora recém-
chegado, está constantemente em contato com falantes de outra língua, não raro
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adquire habilidades lingüísticas naquela língua, ainda que sejam bastante
específicas.
Ao relacionarmos atividade profissional e bilingüismo nas duas áreas,
pudemos constatar que os falantes bilíngües em Oiapoque estão mais fortemente
presentes no setor comercial e na área de serviços. Recepcionistas, garçons,
vendedores, cambistas, agentes de viagem e catraieiros compõem a parcela
majoritária no percentual de bilíngües em contraste com os profissionais ligados à
administração e a serviços públicos como saúde, educação, transportes locais etc.
Ainda dentro do campo profissional, pudemos observar que há mais
bilíngües entre os funcionários homens com baixo nível de escolaridade do que
entre os proprietários de estabelecimentos comerciais com um nível de
escolaridade maior. Estes dados só reforçam a tese de que o bilingüismo na região
não está ligado à questão educacional, à aprendizagem de línguas na escola, antes,
ele se desenvolve pela pressão social que exercem as línguas na população local.
O bilingüismo da fronteira é impulsionado muito menos pelo desejo de
aprender uma segunda língua do que pela necessidade de falar uma língua que
ofereça maiores oportunidades de trabalho e de progresso econômico.
Quadro 6: Relação bilingüismo, escolaridade e sexo
Sexo Comunidades Escolaridade dos bilíngües
M F
1ª a 4ª 28,2% 78,5% 21,5%
5ª a 8ª 28,5% 85,5% 14,5%
Ens. Médio 41,3% 35% 65%
Oiapoque
Ens. Supérior 2% 0% 2 %
Primaire 25% 67,2% 32,8%
Secondaire 45% 47,7% 52,3%
Saint Georges
Supérieur 30% 42,7% 53,3%
Bilíngües com nível básico de escolaridade, ou seja, de 1ª a 4ª séries
representam 29% dos informantes de Oiapoque, sendo que deste percentual , os
homens representam a maioria (78%). No outro pólo estão os bilíngües com
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ensino médio, 41,3% dos entrevistados, porém com a maioria de mulheres (65%),
o que significa dizer que os homens bilíngües, ainda que sejam numericamente
superiores, têm menor nível de escolaridade que as mulheres. Elas ligadas
preferencialmente ao comércio formal (lojas, restaurantes e hotéis) e eles ao
comércio informal e/ou autônomo.
Em Saint Georges, em contrapartida, não parece existir significativa
diferença entre nível de escolaridade, atividade profissional e maior ou menor
grau de bilingüísmo. O português e o crioulo são falados por ampla maioria,
independente da profissão. De agentes federais a vendedores chineses, de
“boulangers à marchands” todos falam em alguma medida o “brasileiro”. Dessa
forma, também a relação bilingüismo, escolaridade e sexo parece estar mais
equilibrada. A maioria entre homens e mulheres tem nível médio e superior e as
mulheres ainda aparecem com ligeira vantagem numérica.
5.2.1 Modo de apropriação lingüística / contexto de aquisição
Quanto ao modo de apropriação lingüística consideramos, conforme a
grade proposta por Chaudenson (2001), a aquisição, como relativa à língua
adquirida como língua materna ou primeira língua , aprendizagem relacionada à
aquisição da língua como 2ª língua ou língua estrangeira e apropriação como
fenômeno geral englobando os dois processos.
Quanto à aquisição das línguas em Oiapoque e Saint Georges, analisamos
as quatro línguas em questão, português, francês, crioulo e patuá, em termos de
proporcionalidade. Embora a pesquisa tenha se concentrado no centro urbano da
cidade, a população que ali se encontra, obviamente em níveis proporcionalmente
diferenciados, é proveniente tanto de famílias exclusivamente brasileiras, nas
quais se presume que a língua materna seja o português, quanto de famílias
mistas, que por sua vez podem ser de: brasileiros e franceses, brasileiros e
guianenses, ou ainda entre brasileiros índios e não índios. Conseqüentemente a
determinação da língua materna de cada indivíduo varia em função da
especificidade de cada caso, podendo prevalecer tanto a língua da mãe quanto a
do pai, ou mesmo a língua da comunidade.
78
Em Saint Georges, do mesmo modo, podemos encontrar tanto famílias
exclusivamente formadas de franceses, como só de guianenses, ou mistas de
guianenses com brasileiros ou franco-brasileiras. Um dado que consideramos
importante nesse contexto é que raramente se encontram casais mistos de
franceses com guianenses em toda a região da Guiana, casos em que o francês e o
criuolo poderiam se confrontar quando da aquisição da língua materna.
Analisados os dados, conforme tabela a seguir, pudemos então constatar
através da pesquisa que:
Quadro 7: Índice de aquisição das línguas como L1/la
Cidades/Língua
materna
Português Francês Crioulo Patuá
Oiapoque 82% 6% 3% 9%
Saint Georges 25% 24,4% 28,6% 22,%
Percentual global na
fronteira
53,5% 15,2% 15,8% 15,5%
Como considerávamos previsível, o português configura-se como língua
materna da maioria não apenas no lado brasileiro, mas também no contexto geral,
impulsionada portanto pela densidade demográfica largamente superior no lado
brasileiro. O percentual de falantes que adquiriram o português como língua
materna no outro lado da fronteira, portanto no território francês, é também
bastante elevado, chegando ao patamar de 25% superando mesmo o francês que
aparece ali como língua materna para 24,4% dos entrevistados, fenômeno este que
pode estar relacionado com a composição de casais mistos. Ora, se considerarmos
que 2/3 das crianças nascidas em Saint Georges, filhos de brasileiras com
guianenses ou franceses (Léglise 2004:113-114) são considerados franceses, e,
que a língua da mãe prevalece em 42% dos casos, temos configurada a situação
social que faz com que o português seja língua materna de 53,5% da população
fronteiriça.
Ainda em Oiapoque, as outras línguas da região também aparecem no
contexto de aquisição. Constatamos que 6% dos entrevistados declaram ter o
francês como língua materna, 3% dizem ser o criuolo de base francesa a primeira
79
língua e 9% informam ser o patuá, nestes casos, todos são oriundos de famílias
mistas ou indígenas.
Em Saint Georges, a língua materna da maioria é o crioulo que registra
28,6%, seguido do português com 25%; do francês com 24,4% e do patuá que
registra 22%. É válido considerar que em toda a Guiana, o francês configura uma
situação de diglossia com o crioulo, sendo esta a variedade baixa e aquela a
variedade alta. Em Saint Georges não é diferente. Enquanto variedade alta, o
francês está presente nos organismos oficiais, nas instituições públicas e na escola,
mas a primeira língua das famílias guianenses é o crioulo de base francesa, daí o
resultado encontrado.
O patuá, língua materna da minoria indígena, aparece com 9% dos falantes
em Oiapoque e 22% em Saint Georges. Embora a população indígena do lado
brasileiro seja mais numerosa, ela ainda reside em grande parte nas aldeias
indígenas, portanto mais difícil de estar representada na enquete realizada em
Oiapoque. Já em Saint Georges, os índios vivem na cidade e portanto aparecem
em percentual maior.
Em relação à aprendizagem, aquisição formal ou não de uma segunda
língua pudemos perceber uma inversão na posição do francês. Ele passa então do
último lugar em termos de L1 no contexto global fronteiriço para o 1º lugar no
ranking da aprendizagem (L2), ou seja, o status e a veiculação local da língua
influem consideravelmente quando se trata da aquisição da segunda língua. Dentre
os 58 % que se declaram falantes de uma 2ª língua na região, os índices de
aprendizagem informal demonstram um forte contraste com o quadro de ensino.
Quadro 8: Índice das L2 mais utilizadas na região.
2ª língua /
comunidades
Português Francês
Inglês
Crioulo
Patuá
Oiapoque 12% 82% 0% 6% 0%
Saint
Georges
33% 47% 0% 17% 3%
80
Se na escola a 2ª língua mais ensinada é o inglês, a realidade da 2ª língua
mais falada e aprendida, tanto pela comunidade de Oiapoque quanto de Saint
Georges é bem diferente. Em ambas as cidades o francês se configura como a 2ª
língua da maior parte da população fronteiriça, seguida do português. O que
equivale dizer, em comparação com o quadro de ensino institucional, que, se
dentre aqueles que declaram falar o francês em Oiapoque apenas 14% aprenderam
em condições formais, ou seja, na escola, os 86% restantes adquiriram o francês
no convívio social, na família ou no trabalho. O mesmo é válido para a situação
do inglês em Saint Georges. Escolhido como língua estrangeira pela maioria na
escola, ele não aparece nas pesquisas como 2ª língua no dia a dia dos falantes.
A densidade demográfica e o status das línguas nas comunidades,
sobretudo no aspecto de ensino obviamente se refletem nesse quadro. A
população de Oiapoque, de lusófonos, é três vezes maior que aquela de
francófonos em Saint Georges, o que faz com que os habitantes desta comunidade
estejam mais expostos ao português do que os brasileiros ao francês ou crioulo..
Considerando o contexto de aquisição lingüística e a classificação de
bilingüismo proposta por Heye (1999:93) pudemos observar que duas situações se
confrontam na fronteira. Uma que privilegia o bilingüismo do tipo La + Lb e outra
que privilegia o bilingüismo do tipo LA + Lb ou L1 + L2/LE
Em Saint Georges, a maioria dos entrevistados (52,7%) registra um
bilingüismo do tipo La+Lb, ou seja, a segunda língua (que no caso de Saint
Georges pode ser tanto o francês quanto o português ou o crioulo) é adquirida
após a primeira e antes que esta seja maturacionada. A condição diglóssica da
comunidade faz com uma primeira língua seja adquirida em casa com os pais e
família e uma outra seja adquirida no convívio social e freqüentemente no período
da alfabetização. Foram também constatados casos de bilingüismo do tipo Lab.
Em 33,2% dos casos, duas línguas foram consideradas L1’s, ou seja, foram
adquiridas em concomitância, sendo que estas línguas variam no grupo, elas tanto
podem ser francês e crioulo, crioulo e português, quanto português e francês. O
restante, 14,1%, são bilíngües do tipo L1+L2/LE. Neste caso os informantes são
invariavelmente franceses de origem européia.
Em Oiapoque a maioria dos bilíngües é do tipo L1 + L2/LE. Em geral o
bilingüismo nesta comunidade só se desenvolve após a maturação da primeira
81
língua, visto que 82 % dos entrevistados bilíngües declararam ter aprendido a
segunda língua já em idade adulta, no convívio social ou no trabalho. Apenas 12%
informaram ter adquirido a segunda língua na infância e no convívio familiar, e
6% declararam ter aprendido na escola.
5.2.2 Produção e consumação na língua/ domínio funcional
Sabemos que o falante bilíngüe normalmente não possui domínio igual ou
equivalente nas suas línguas. Do mesmo modo elas não são, em geral, usadas nos
mesmos domínios funcionais. Na fronteira franco-brasileira o contexto de
aquisição/aprendizagem está bastante relacionado com a produção e consumação
linguageira do falante bi/multilíngüe. Analisamos os domínios lingüísticos dos
informantes de ambos os lados da fronteira e podemos constatar que:
a) Ambiente Familiar No contexto familiar as línguas utilizadas majoritariamente entre as
famílias são as línguas consideradas “maternas” La ou L1 ou seja, o português em
Oiapoque e o crioulo em Saint Georges. Se em Oiapoque o português é língua
materna da maioria, correlacionando língua materna e língua da mãe / família
parece natural constatar que esse é o idioma mais utilizado dentro de casa para
83% dos informantes, o que se confirma da mesma maneira nos dados de Saint
Georges.
Quadro 9: Uso das línguas fronteiriças no ambiente familiar
Ambiente familiar - Domínio de uso das línguas 1ªLíngua ou [+dominante]
Oiapoque Saint Georges
Português 83% 24% Francês 3% 26,3% Crioulo 0% 28,2% Patuá 8% 12,5% + de uma língua 6% 10%
82
Em Saint Georges a divisão entre as línguas está mais equilibrada.O
crioulo é a língua mais falada no ambiente familiar do lado francês, representando
28,2% dos entrevistados. O francês com 26,3% e o português com 24% aparecem
logo em seguida. O patuá é usado na família por 12,5% dos entrevistados e 10%
declararam usar mais de uma língua no contexto familiar.
b) Convívio Social No convívio social a situação das duas comunidades é bastante
diferenciada. Como convívio social compreendemos ambientes como clubes,
igrejas, associações etc. Os dados foram analisados observando-se a 1ª e 2ª
línguas mais utilizadas nesses contextos.
Quadro 10: Uso das línguas fronteiriças no convívio social
Convívio Social - Domínio de uso das línguas 1ªLíngua ou 2ª língua
Oiapoque 1ª 2ª
Saint Georges 1ª 2ª
Português 77% 12,3% 25,7% 38,2% Francês 10% 65% 35% 33,4% Crioulo 9% 22,7% 28,2% 22,4% Patuá 4% 0% 11,1% 6%
O uso de diversas línguas nas relações interpessoais lança os primeiros
indícios do uso lingüístico multifuncional e diferenciado na região. Se a família
representa um ambiente restrito, as instituições socio-recreativas e religiosas
compõem a diversidade, ainda que com restrições. Em Oiapoque, 75% dos
informantes usa como língua principal no meio social o português. Como segunda
língua, o francês é a língua mais utilizada no convívio social, tendo sido apontada
nessa categoria por 65% dos informantes.
Em Saint Georges essa repartição é mais compartimentalizada e dinâmica.
O francês é apontado como primeira língua no convívio entre amigos e vizinhos
por 35% dos informantes; para 28,2% o crioulo é a língua mais utilizada; 23,7%
informam ser o português e 11,1%, o patuá. Como segunda língua mais utilizada,
o português aparece com 38,2% superando o francês com 33,4% e o crioulo que
aparece como 2ª língua mais utilizada para 22,4%. Com uma população três vezes
menor que a de Oiapoque, o contato entre os povos e suas respectivas línguas é
83
consideradamente maior. Ali se segue a regra de uso das línguas daquela
comunidade bilíngüe, franceses metropolitanos e guianenses raramente
comunicam-se em crioulo. Índios e guianenses em contrapartida normalmente o
fazem. Entre brasileiros e guianenses ou franceses a língua é definida de acordo
com o interlocutor e a relação estabelecida entre eles. Um laço de amizade pode
definir o português ou o crioulo como língua de contato com um guianense. Em
uma relação comercial, o francês normalmente é a língua eleita. Assim, é possível
perceber que nem todos os bilíngües usam todas as suas línguas em todos os
ambientes nem com as mesmas pessoas.
c) Ambiente Escolar Quanto ao predomínio lingüístico na escola, duas realidades se
assemelham. Em Oiapoque a política de monolingüísmo, aliada às condições
físicas, materiais e humanas do ensino no Brasil, anula qualquer possibilidade de
desenvolvimento de um multilingüísmo escolar. No lado brasileiro da fronteira
86% dos informantes declararam ter utilizado somente o português no domínio
escolar. É de se questionar portanto a respeito dos outros 14% restantes que
declararam usar o francês também no domínio escolar. Ora, alguns brasileiros
filhos de franceses, embora morando em Oiapoque estudaram em Saint Georges
ou Caiena e responderam ao questionário a partir da nacionalidade declarada, ou
seja, como brasileiros. Na realidade, estes 14% não devem ser considerados em
sua totalidade como parte do âmbito escolar de Oiapoque, mas também de Saint
Georges.
Quadro 11: Predomínio lingüístico no ambiente escolar
Ambiente escolar - Domínio de uso das línguas 1ªLíngua [+ dominante]
Oiapoque Saint Georges
Português 86% - Francês 14% 74,4% Português e francês 0% 15,3% Crioulo 0% 10,3%
O crioulo e o patuá por sua vez não têm representatividade na área escolar
no lado brasileiro. O patuá, embora seja utilizado na alfabetização indígena, só é
84
empregado nas aldeias. Nas escolas do perímetro urbano a língua não é utilizada.
nem como língua ensinada, tampouco como língua de ensino.
Em Saint Georges a situação não é diferente. Embora aquele seja
comprovadamente um espaço multilíngüe, a língua de escolarização é o francês.
Esta é a língua predominante na escola representando 75% de uso; o português
conta 15,3% e o crioulo 10,3%. Uma vez que o francês é a língua oficial da
escola, as demais línguas (as oficiais como inglês, português, espanhol, italiano
etc.) só figuram nas instituições de ensino como línguas estrangeiras. As línguas
consideradas étnicas ou regionais (crioulo e patuá), embora uma emenda à
constituição francesa garanta o ensino paralelo, são usadas somente entre colegas.
d) No trabalho
O ambiente lingüístico do trabalho é comprovadamente aquele que em
Oiapoque se apresenta como o mais multilíngüe e multifuncional. É nesse
contexto que é possível observar a representatividade das 4 línguas e comprovar
toda a riqueza lingüística da região fronteiriça.
Quadro 12: Uso das línguas fronteiriças no trabalho.
Ambiente de trabalho Domínio de uso das línguas 1ªLíngua ou dominante + 2ª língua.
Oiapoque 1ª 2ª
Saint Georges 1ª 2ª
Português 56% 35,5% 8% 37,1% Francês 40% 54,2% 72% 28,7% Crioulo 0% 10,3% 20% 20,2% Patuá 4% % 0% 0% Outras línguas 15%
De um modo geral, foi possível verificar que as línguas majoritárias são
também as línguas dominantes no ambiente de trabalho, seja como primeira ou
como segunda língua mais utilizada. Questionados sobre o uso de uma segunda
língua no ambiente de trabalho, 88% dos informantes declararam usar mais de
uma língua. Em Oiapoque, a primeira língua mais usada neste ambiente é o
português que registrou um índice de 56%, porém uma significativa parcela- 40%
dos entrevistados - indica usar o francês como primeira língua no trabalho. Essa
língua é também a L2 mais usada pela maioria, registrando 54,2% de uso, seguido
85
do português com 35,5% e do crioulo com 8,3%. O patuá também aparece como
uma opção de língua mais usada no trabalho para 4% dos informantes. Embora ela
não seja a língua oficial de nenhuma instituição, na Funai onde a clientela é
majoritariamente indígena, o patuá se configura como a mais utilizada, daí ele
constar nos índices da pesquisa.
Curiosamente o crioulo e o patuá têm situações bem semelhantes de um
lado e de outro das fronteiras. O crioulo guianense não aparece nos índices como
primeira língua de trabalho nos dados de Oiapoque, mas somente em Saint
Georges, e o patuá no sentido contrário não registra índices de uso no trabalho em
Saint Georges, somente em Oiapoque. Vale lembrar neste caso que o patuá e as
demais línguas indígenas usadas nas dependências da Funai em Oiapoque se
restringem a esse ambiente e não se valem de nenhum respaldo oficial. O uso da
língua ocorre em função de a maioria dos funcionários serem de origem indígena
como o é o próprio administrador e de ser esta a língua materna da maioria dos
índios ali atendidos.
Em Saint Georges, por outro lado, os índios, alfabetizados que são em
francês, recorrem a esta língua para o trabalho e pouco ou nenhum uso fazem,
naquele contexto, da língua materna. O francês é a língua mais utilizada, até
mesmo por conta da política de monolingüismo institucional aplicada pelo país
como um todo. O crioulo que aparece como 1ª língua de trabalho para 20% e o
português para 8% são línguas que estão, não raro, sendo utilizadas por
profissionais liberais, autônomos e pelo setor informal.
Como 2ª língua mais utilizada no trabalho, o português ocupa a primeira
posição no lado francês. Fato é que , para grande parte da comunidade guianense,
formada por famílias mistas, o “brasileiro” é também língua corrente, tanto no
comércio local quanto nas repartições públicas. Desse modo a língua portuguesa
consta na pesquisa como segunda língua de maior uso no trabalho para 37,1% dos
entrevistados de Saint Georges.
É importante destacar ainda que do lado francês outras línguas também
aparecem como opção de segunda língua no trabalho. É o caso de uma variação
do chinês (o Hakka) falado pela população migrante daquele país, responsável por
90% do comércio de alimentos em Saint Georges e do “taki taki”, crioulo de base
inglesa originalmente utilizada no Suriname.
86
5.2.3 Tipos de competência
Com relação aos tipos ou níveis de competência lingüística na segunda ou
terceira língua dos bilíngües da fronteira, consideramos a seguinte classificação:
L1/2 – São falantes com competência na 2ª língua semelhante ou
equivalente a da língua materna
L1 + L2 – são os falantes com dupla competência sendo que uma é
considerada [+ dominante] e a outra [– dominante].
L1 + Ln – são falantes com competência reduzida ou insuficiente.
Neste item os dados foram coletados de duas formas, pela declaração do
falante quanto ao seu grau de competência na L2 em resposta ao questionário, e
neste caso nem todas as respostas podem ser consideradas irrefutáveis ou
coerentes, e pelas observações realizadas no decorrer da entrevista feita tanto em
português quanto em francês, daí porque a maioria dos questionários foi também
gravada. Com relação ao crioulo e ao patuá só foram considerados os dados
recolhidos pelo questionário uma vez que o pesquisador não tem competência
lingüística nestas duas línguas. Foram considerados na análise tanto os dados
objetivos e interpretáveis quanto os dados subjetivos.
Em Oiapoque foi possível constatar através dos dados obtidos pelo
questionário que apenas 10% dos falantes bilíngües consideram ter uma
competência equivalente ou semelhante na L1 e L2. Outros 25% acreditam ter
uma dupla competência, porém funcional, ou seja, que são competentes na L2 mas
em domínios lingüísticos específicos, em geral no setor em que atuam
profissionalmente. A maioria, 65% dos informantes, acredita ter uma competência
insuficiente na L2, desta feita, o açougueiro pode não saber responder a todas as
perguntas do questionário em francês mas sabe cumprimentar os clientes, definir
os tipos de carne e vendê-la ao cliente francês. O mesmo acontecendo com o
recepcionista de hotel, os vendedores ambulantes, os vendedores de lojas e
supermercados etc. Destes, apenas 12% demonstraram ser do tipo Ln, ou seja, que
não têm verdadeiramente competência na 2ª língua.
O pressuposto de que falar bem uma segunda língua é dominá-la tal qual
se domina a língua materna está inconscientemente presente no discurso dos
87
bilíngües de Oiapoque. Muitos foram os entrevistados que embora tenham
declarado ter uma competência limitada, foram capazes de responder a mais de
50% das perguntas em francês. Através da entrevista e do questionário foi
possível observar que nem todos que se demonstraram significativo domínio na
L2 foram capazes de se declarar competentes naquela língua. Acreditamos que
essa atitude se deva ao fato desta competência não ter sido construída
formalmente através do ensino e a crença de que é na escola que se aprende a
“falar bonito”.
Em Saint Georges em contrapartida, a maioria dos falantes 45% declara ter
uma dupla competência, sendo o francês a língua [+ dominante] e o português a
língua [– dominante], o que se confirmou também pela entrevista. Outros 24%
declaram ter uma competência equivalente à da língua materna, e outros 12%
consideram sua competência em português insuficiente. Foi registrada ainda na
pesquisa uma parcela de 19% que demonstraram não ter competência efetiva no
português, sendo bilíngües francês-crioulo ou francês patuá.
5.3 Status e Corpus: Analisando a fronteira franco brasileira.
A fronteira franco-brasileira exige uma dupla análise de seus aspectos
sociais e lingüísticos. É preciso compreender que não se trata de uma única
comunidade com duas ou mais línguas, nem mesmo de dois grupos sociais
distintos que dividem, sem linha demarcatória um espaço territorial, mas de duas
comunidades, cada uma envolvendo uma situação diferenciada de bilingüismo
que se vê intensificada pelo convívio de dois povos e pelo respectivo confronto de
duas línguas nacionais. De um lado temos os brasileiros com suas peculiaridades,
seu modo de vida, sua visão de mundo e suas línguas. De outro os guianenses que
são ao mesmo tempo franceses (e onde a identidade étnica não caminha
necessariamente de mãos dadas com a identidade lingüística) guardando na
mesma proporção da fronteira oposta características identitárias particulares.
Ao longo de quase um século, Oiapoque e Saint Georges estiveram, e
continuam, subordinados política e economicamente às suas condições de
periferias nacionais. Saint Georges está para Paris como Oiapoque está para
Brasília. Distantes dos centros econômicos e de poder, a realidade tanto social
88
quanto lingüística segue ignorada década após década. A situação sócio-
econômica semelhante e a convivência mútua das comunidades cedo ou tarde
instauraria uma realidade multilíngüe. Assim, “Se Maomé não vai à montanha, a
montanha vai a Maomé”, parece ter sido o lema de ambos os grupos para dar
início a um frutuoso processo de integração.
O multilingüísmo regional tem função múltipla e contempla diferentes
realidades. Nem todos na comunidade brasileira são bilíngües e quando bilíngües
não o são igualmente, nem no modo de apropriação das línguas, na competência
que desenvolveram, nem nas línguas que usam, tampouco nos domínios em que as
utilizam. A realidade social, econômica e o histórico de vida de cada indivíduo é
que compõem o multilingüísmo societal da fronteira.
À exceção da constituição de famílias mistas, que geralmente leva à
apropriação de duas ou mais línguas, é fundamentalmente o trabalho que tem
impulsionado o multilingüísmo em Oiapoque. A pressão que sofrem os indivíduos
do lado brasileiro para aprender o francês está relacionada às condições
econômicas das famílias e à proximidade geográfica com o país vizinho. O baixo
nível de escolaridade da população local aliado ao baixo desenvolvimento
industrial, ora conduz parte da população à busca de trabalho no mercado de
serviços e no comércio logístico ora leva os indivíduos a lançarem-se no mercado
informal. Qualquer uma das situações, envolvida que está no contexto de
atendimento ao público que vem do outro lado da fronteira, impulsiona a
necessidade do aprendizado e do uso de uma nova língua.
Em Saint Georges, o multilingüísmo está fundamentalmente ligado à
realidade social diglóssica. Diferente de Oiapoque onde o bilingüismo ocorre
preferencialmente na idade adulta, ali a maioria dos habitantes é bilíngüe desde a
infância. O português que se soma às duas línguas da comunidade não tem seu
aprendizado relacionado com a necessidade econômica das famílias, mas
sobretudo com a realidade social e geográfica. Saint Georges tampouco tem
indústrias ou um comércio local forte, porém, a maioria da comunidade é formada
de funcionários públicos cuja renda é três vezes maior que a renda dos brasileiros.
Falar português para eles tem como objetivo maior estabelecer uma convivência
social pacífica com a comunidade vizinha.
89
Por outro lado, o status de uma língua em uma dada comunidade
lingüística em relação às outras línguas com as quais está em contato é
condicionado por vários fatores que se estendem desde o poder econômico até o
uso efetivo da língua pelos falantes.
O poder lingüístico de cada língua, o valor econômico e a função social
das línguas são diferentes de um lugar para outro. Tanto em termos de legalidade
quanto de poder e valor econômico, o português e o francês de um lado, e o
crioulo e o patuá de outro estão caracterizadamente dividindo de forma desigual o
espaço fronteiriço.
O uso institucionalizado juridicamente ou não do francês e do português
nas comunidades é altamente superior àquele registrado pelas línguas
minoritárias. A separação que diferencia o status e o prestígio de uma língua para
outra é clara, enquanto o francês é a língua do comércio, de trabalho, o crioulo e o
patuá são usados e percebidos como línguas da minoria, de grupos étnicos. O
português em contrapartida é a língua das relações interpessoais. É a língua do
“entre amigos”. O português é percebido como a língua de contato entre
diferentes. Daí ela figurar como uma das línguas de maior prestígio entre as
línguas estrangeiras aprendidas na fronteira francófona.
Em termos demográficos o português é a língua da maioria. Para cada
francófono há na fronteira três lusofalantes, muitos deles vivendo dentro do
espaço francês e ali também usando a língua portuguesa. Proporções essas que
ficam ainda maiores se comparadas ao crioulo e ao patuá. Porém, o fator
demográfico não basta para determinar o status de uma língua, ele só é um dos
elementos, podendo ser atenuado por outros fatores.
Um destes fatores é o poder econômico que se manifesta na importância
dos povos que utilizam uma determinada língua, e também nas suas riquezas e
produção econômica e cultural. Na fronteira franco-brasileira o francês é a língua
que ocupa maior importância econômica no mercado. Embora sejam os franceses
que, atualmente, se dirijam em maioria ao território brasileiro, em busca dos
produtos ali ofertados com preços atrativos, é a relação comercial entre o mais
forte e o mais fraco, economicamente falando, estabelecendo também uma relação
de oferta e procura, que conduz as relações de força entre as línguas da região.
90
Dessa forma, a língua de prestígio do comércio local é o francês que se torna por
conseguinte um pré-requisito no mercado de trabalho.
Contraditoriamente, o ensino da língua na fronteira brasileira não parece
fazer jus à necessidade da população em aprender o francês nem ao poder
econômico que a língua representa na região, o que nos força a estabelecer uma
relação muito mais ampla, resgatando aqui o valor da língua de maior prestígio
econômico em nossos dias, não só no Brasil, mas no mundo, aquele da língua
inglesa. De ambos os lados da fronteira, o inglês é a língua estrangeira mais
estudada pelos habitantes da região, seja por escolha própria, como é o caso de
Saint Georges, seja por imposição como acontece em Oiapoque. Elementos que
denotam a ausência de ações político-lingüísticas concretas e apropriadas para o
lado brasileiro da fronteira.
A prática do monolingüismo instituída no Brasil e na França, baseada no
princípio da nacionalidade, desconsidera o fator fronteiriço sobretudo no que diz
respeito ao ensino de línguas estrangeiras e /ou segunda língua. Longe de ser só
mais uma disciplina da grade curricular, o francês em Oiapoque e o português em
Saint Georges são línguas em uso no grupo social que compõem brasileiros e
franceses.
A escola, vale lembrar, é um dos mais potentes meios de intervenção na
gestão das situações lingüísticas, guardando uma parte importante na avaliação do
status de uma língua na comunidade. Mais do que em lugares onde o contato com
estrangeiros é esporádico, a possibilidade de acesso ao aprendizado público de
uma língua estrangeira que está presente no dia a dia das pessoas é não só uma
necessidade socialmente comprovada, em contraponto com o aprendizado que
representa antes de tudo status social, mas sobretudo um direito e uma
oportunidade aberta para o desenvolvimento das comunidades de fronteira.
A ausência de ações pontuais relativas ao ensino de línguas em Oiapoque
vem mostrar em primeiro plano não somente a ausência de uma política
lingüística diferenciada e necessária para aquele espaço particular, mas também
um forte desconhecimento do composto social, econômico e lingüístico da
fronteira franco-brasileira.
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