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AMAZÔNIA COMO POLO DE DESENVOLVIMENTO PERIFÉRICO NO SÉCULO XXI: INOVAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO E CONFLITO TERRITORIAL
RESUMO: Estudar e analisar os processos de transformações sócio-espaciais em que a Amazônia Ocidental hoje se reconfigura como potencial polo alternativo de desenvolvimento regional, tendo como epicentro o município de Manaus e região. Cujo principal articulador histórico nesse propósito, na implementação e gestão de políticas públicas para o seu desenvolvimento, a Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA. Tendo como ponto de partida, as experiências com distritos industriais, a exemplo do Distrito Industrial de Manaus (DIM), que gera a perspectiva do “desenvolvimento local” e a instalação do Polo Naval. Em contraste, às contradições diante dos conflitos sociais e territorial envolvendo populações tradicionais e os multinteresses desenvolvimentistas da/na região.
Palavras-chave: Amazônia Ocidental; Desenvolvimento; Conflito territorial
Abstract: To study and analyze the processes of socio-spatial transformations in which the Western Amazon is now reconfiguring itself as a potential alternative pole of regional development, with the epicenter of the municipality of Manaus and region. Whose main historical articulator in this purpose, in the implementation and management of public policies for its development, the Superintendence of the Manaus Free Zone - SUFRAMA. Starting from experiences with industrial districts, such as the Industrial District of Manaus (DIM), which generates the perspective of "local development" and the installation of the Naval Pole. In contrast to the contradictions, in the face of social and territorial conflicts, involving traditional populations and the developmental multi-interests of the region.
Key-words: Western Amazonia; Development; Territorial conflict
a. INTRODUÇÃOA concepção de “desenvolvimento territorial”, de acordo com Corrêa (2009),
tem se tornado recentemente um dos métodos de se considerar as formas de atuação
do Estado e de atores locais na promoção de políticas de desenvolvimento e de
combate à pobreza no Brasil.
A discussão acerca da formação de territórios como lócus para a articulação de
atores locais no intuito de promover estratégias de desenvolvimento articuladas a
políticas públicas definidas pelos Estados nacionais não é recente. Na verdade,
estruturas territoriais foram adotadas em países europeus em períodos anteriores ao
próprio processo de industrialização engendrado nesses mesmos países. Nesse
contexto, foi-se gerando um tipo de institucionalidade que estabeleceu relações entre
os atores locais; entre eles e os representantes dos territórios; e entre estes últimos e
os Estados nacionais. Esta articulação, que foi se aprofundando à medida que os
países avançavam tecnologicamente e, ao tempo em que esse processo ocorria,
aprofundava-se a ideia de que era possível separar os espaços essencialmente
urbanos dos rurais, sendo que os primeiros eram vistos como “lócus privilegiado” do
desenvolvimento.
No contexto desta discussão cabe o comentário de Almeida Filho (2006), em
que a própria concepção de desenvolvimento acabava por ter um viés essencialmente
economicista. O conceito passa a ser usado como uma ideia de progresso, de
expansão, de crescimento econômico com certo grau de autonomia.
Podemos considerar que, no âmbito desse debate de desenvolvimento
essencialmente econômico, se colocam dois caminhos de interpretação conforme
Mollo (2004). De um lado, aquele ligado a modelos econômicos “ortodoxos”, que
defendem a não intervenção do Estado e o liberalismo como forma de se alcançar a
alocação ótima dos recursos e, de outro lado, aqueles ligados a modelos
“heterodoxos”, que levantavam a necessidade de intervenção do Estado, uma vez que
uma das características da economia capitalista é a de ser intrinsecamente
desequilibrada e instável, sendo que o “livre mercado” não resolve os problemas de
“arranjos convenientes”. Observe-se que o conceito regional faz parte desse segundo
caminho e surge como uma interpretação da natureza desigual do desenvolvimento
econômico e das causas do atraso de algumas regiões do mundo, como também no
âmbito dos Estados nacionais em geral.
A partir dos anos 1970, abre-se um debate acerca do perfil das políticas a
serem adotadas para o desenvolvimento de uma determinada localidade e,
considerando experiências europeias e norte-americanas, se aprofunda a ideia de que
o desenvolvimento de um determinado espaço geográfico depende parcialmente do
nível de organização de sua sociedade em relação aos objetivos que lhes são
comuns. Estas experiências abrem espaço para o que ficou conhecido como
“abordagem territorialista”.
Um dos principais pontos de partida dessa abordagem consistiu nas pesquisas
sobre a análise da dinâmica regional italiana. De fato, tais estudos levam em conta a
experiência de uma nova realidade territorial a que denominaram Terceira Itália, que
apresentava elevadas taxas do emprego industrial e um excelente desempenho das
exportações, sendo que estes resultados não eram oriundos de políticas regionais
efetuadas de cima para baixo, ou seja, uma política de Estado. Mas sim de
articulações entre as empresas internas à própria região.
2
Becattini (1979) se concentrou no conteúdo dessa estrutura, destacando a sua
matriz produtiva baseada em uma forte presença de pesquisa mensal de emprego
(PME) e no seu perfil de especialização industrial. Esses estudos retomaram aspectos
levantados por Marshall (1930), o que levou a configuração industrial da Terceira Itália
a ser denominada “distrito industrial marshalliano”.
Marshall (1930) definiu o conceito de distrito industrial destacando as sinergias
geradas pela aglomeração de empresas em um espaço determinado, por conta de que
isto gerava certas “economias externas de localização”, que contribuíam para reduzir
os custos de produção. Dentre os elementos destacados, cabe comentar: i) a
concentração de trabalhadores qualificados; ii) o acesso fácil a insumos e serviços
especializados; e iii) a existência de uma atmosfera industrial que facilita a
disseminação de novos conhecimentos.
Para além desses aspectos, Becattini (1979), estendeu a análise marshalliana,
que trata dos efeitos econômicos que as aglomerações produtivas promovem,
incorporando uma nova perspectiva que inclui fundamentos sociais, culturais e
institucionais à perspectiva de crescimento industrial proporcionado pelas sinergias
geradas nos distritos industriais.
Sendo que a partir da década de 1990 uma vertente desses estudos avançou
no sentido de mostrar que o ideal é a articulação entre políticas de “desenvolvimento
endógeno”, com políticas mais amplas de desenvolvimento “regional”.
Esta linha de reflexão, aplicada às micro e pequenas empresas, deu lugar a
uma série de pesquisas que levantaram diversas experiências internacionais de
desenvolvimento territorial. Estas experiências mostravam a importância da articulação
entre agentes de uma determinada localidade reunidos em prol da geração de uma
estratégia de expansão daquela localidade, levando em conta as sinergias geradas
pela aglomeração de empresas que cooperavam entre si.
Nessa perspectiva, o referido artigo visa a estudar e avaliar os processos de
transformações socioeconômica em que a Amazônia Ocidental, mais especificamente
o Estado do Amazonas, hoje se reconfigura como potencial polo alternativo de
desenvolvimento regional, tendo como epicentro o município de Manaus e região. Cujo
principal articulador histórico nesse propósito, na implementação e gestão de políticas
públicas para o seu desenvolvimento, a Superintendência da Zona Franca de Manaus
– SUFRAMA, se faz presente. Cabendo a referida Autarquia Federal a atribuição em
estudar, planejar e viabilizar, participando ativamente com outros atores, públicos e
privados, a organização de aglomerados produtivos endógenos, com foco em um
conjunto específico de atividades econômicas e que apresentam vínculos e
interdependência, a partir de uma base social, cultural, política e econômica comum.
3
Condição esta, se faz necessário para a formação dos arranjos produtivos locais
(APLs). Tendo como ponto de partida as experiências com distritos industriais, a
exemplo do Polo Industrial de Manaus (PIM)/Distrito Industrial de Manaus (DIM), que
gera a perspectiva do “desenvolvimento local” e o estabelecimento do Polo Naval de
Manaus. Como também, suas contradições, diante dos conflitos sociais e territorial,
envolvendo populações tradicionais e os multinteresses desenvolvimentistas da/na
região.
b. DESENVOLVIMENTOInicialmente, faz-se ressaltar o fato histórico-geográfico sobre a ocupação do
que é hoje o Brasil e toda a América Latina, correspondendo a um episódio do amplo
processo de expansão marítima das empresas comerciais e Estados europeus para
exploração de recursos naturais a partir do século XV. Processo que constitui este
território como uma das mais antigas periferias de economia-mundo capitalista,
forjadas no paradigma sociedade-natureza denominado “economia de fronteira”.
Assim sendo, a região norte da América do Sul abriga um dos biomas mais
ricos em diversidade biológica do mundo: a Floresta Amazônica. No total ela abrange
09 (nove) países incluindo o Brasil que abriga cerca de 85% dessa riqueza. Composto
pelos seguintes países que formam a Amazônia Continental ou PanAmzônia: Brasil,
Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Republica da Guiana, Suriname e
Guiana Francesa.
Nesse sentido, a matriz reflexiva deste trabalho inicia-se no modelo de
formação sócio-espacial em Santos (1977). Nesse aspecto, a constituição econômica
e social está histórica e geograficamente localizada, cuja formação social abarca a
realidade concreta, que se transforma, evolui e muda historicamente, dentro de uma
esfera de totalidade. Ao adotar o paradigma de formação sócio-espacial como
referencial teórico o qual manifesta preocupação com análises globalizantes que
levam ao reconhecimento dos vários níveis na construção de diferentes realidades,
sendo o primeiro nível - os alicerces - dominado pela presença do quadro natural
como definidor, em menor ou maior escala, da vida humana. Essa perspectiva teórico-
metodológica promove a aproximação entre a história e a geografia, ao mesmo tempo
em que favorece a consideração da dimensão histórica na geografia e da dimensão
geográfica ao longo da história, numa complementaridade que permite ultrapassar a
simples aparência fragmentária do espaço.
Consequentemente, como se depreende, a formação da Amazônia, desde sua
ocupação, se deu no modelo de periferia do capitalismo internacional, de área de
exploração. Sua ocupação estava voltada ao atendimento dos interesses de expansão
4
além-mar das grandes empresas europeias. Desde o começo a Amazônia foi
entendida como uma área de fronteira “em que o progresso é entendido como
crescimento econômico e prosperidade infinita, baseado na exploração dos recursos
naturais, percebidos como igualmente infinitos” (BOULDING, 1966; BECKER, 1997).
O que merece ser explicitado é que a Amazônia teve uma história diferente da
brasileira. Dela se tomou posse e a região permaneceu por um longo tempo sob
processos ligados diretamente ao contexto internacional e à metrópole (Lisboa,
Portugal), praticamente à parte do Brasil. Pois somente na segunda metade do século
XVII a Amazônia se articula ao conjunto do sistema colonial português, e apenas no
século XIX integra-se ao Império brasileiro.
A dita ocupação, acompanhou os surtos de valorização de seus produtos no
processo mercantilista internacional (tanto as drogas dos sertões, como o ciclo da
borracha), da mesma forma, enfrentou períodos de abandono e estagnação quando
tais produtos perdiam proeminência junto ao mercado externo.
Diante disso, a dinâmica de um espaço geográfico qualquer precisa ser
compreendida à luz dos processos sociais que a engendraram sem, contudo,
esquecer as características naturais que ofereceram as bases para o seu
desenvolvimento. Essa visão aponta obrigatoriamente no sentido da
interdisciplinaridade, requisito fundamental para a percepção da totalidade e, ao
introduzir a dimensão espacial, demonstra a impossibilidade de compreensão da
sociedade sem referência ao espaço, pois toda formação econômico-social é espacial
e temporalmente determinada.
Assim, por ocasião da promulgação da Constituição Federal de 1946, um
programa de desenvolvimento é estabelecido para a Amazônia, que passa a ter um
conceito oficial e uma delimitação, com base em critérios geográficos e econômicos,
compreendendo 55% do território nacional. E para melhor administra-la, o Governo
Brasileiro cria a “Amazônia Legal”, instituída pela Lei n.º1.806, de 06 de janeiro de
1953, a qual foi sancionada pelo então Presidente da República, Getúlio Vargas,
criando a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia
(SPVEA), autarquia federal por ele criada, tendo sua sede localizada na cidade de
Belém (PA) (Amazônia Oriental), e diretamente subordinada à Presidência da
República. Em seu art. 2º (Lei nº 1.806), fixa os limites da área de incidência da ação
governamental, conforme o seu texto determina1.1 “A Amazônia Brasileira, para efeito de planejamento econômico e execução do Plano definido nesta Lei, abrange a região compreendida pelos Estados do Pará e Amazonas, pelos territórios federais do Acre, Amapá, Guaporé (Rondônia), Rio Branco (Roraima), e ainda, a parte do Estado do Mato Grosso, ao Norte do paralelo 16º S, a do Estado de Goiás, ao Norte do paralelo 13º S, e a do Estado do Maranhão, a Oeste do meridiano de 44º W.” Institui-se assim a Amazônia Legal – com base em critérios políticos, econômicos e geográficos que demandam longos estudos e debates -, abrangendo uma área
5
Cabe ressaltar que a mesma não foi criada por suas características
geomorfológica ou de vegetação, mas sim, é fruto de um conceito político e não de um
imperativo geográfico. Tendo em vista a necessidade do governo de planejar e
promover o desenvolvimento da região e integra-la ao restante do país. No entanto,
com poucos resultados.
A SPVEA foi instalada em Setembro de 1953 e em seguida elaborou o
Programa de Emergência para 1954, com a participação dos governos estaduais e
dos territórios federais da região, abrangendo os itens transporte, energia, comércio,
saúde, comunicações, crédito, educação profissional, recursos naturais e obras e
serviços. A esse Programa, que foi aprovado pelo Decreto nº 35.020, de 08 de
fevereiro de 1954, seguiu-se o Plano Quinquenal (1955-1959), já durante o Governo
de Juscelino Kubitscheck, em sete volumes, contendo os programas Produção
Agrícolas, Transportes, Comunicações e Energia, Desenvolvimento Cultural, Recursos
Naturais, Saúde, Crédito e Comércio.
De maneira que, os resultados em favor do Estado do Amazonas e da parte
ocidental da Amazônia foram muito tímidos e pontuais. Destacando-se entre eles a
liberação de recursos para a instalação do Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (INPA), criado pelo então presidente Getúlio Vargas (Decreto nº 31.672, de
29 de outubro de 1952), com sede em Manaus (AM), e subordinado ao Conselho
Nacional de Pesquisas (CNPq); e para a execução do projeto de usina de luz e força
da Companhia de Eletricidade de Manaus (CEM). Pois a difícil crise de energia elétrica
que se arrastava em Manaus havia 15 (quinze) anos, com o envelhecimento do
sistema implantado pelos ingleses na última década do século IX, solucionando-se
depois da difícil batalha empreendida no Congresso Nacional por parte de
parlamentares representantes do estado. Quando em 1962, a usina termelétrica de
Manaus foi, finalmente, concluída e instalada com três geradores de 7.500 KVA.
Mas foi através da política de Kubitscheck de unificação dos mercados
nacionais através de energia e transporte, e da transferência da capital federal para
Brasília, que trouxeram grandes mudanças para a região. As rodovias Belém–Brasília
e Brasília–Acre, verdadeiras pinças em torno da floresta amazônica, intensificam a
expansão pioneira que já se processava, atraindo migrantes de vários pontos do país
bem como especuladores de terras.
Como bem delineia Costa (1979), a análise dos fluxos migratórios é
indissociável da avaliação do impacto da ocupação econômica de uma região. No que
tange à Amazônia, foi realizado estudos partindo de uma análise histórica da
de 5.057.490 Km2, que corresponde a 59,387% do território brasileiro e extrapola os limites da Amazônia Clássica, restritos ao maciço florestal e à rede hidrográfica característicos da região.
6
ocupação econômico-demográfica da região, ao examinar os componentes
demográficos básicos da população do Norte, a partir da década de 1960, para
proceder a uma avaliação da atuação governamental e das tendências demográficas à
época. Da análise desenvolvida, ficou claro que, nos primórdios da ocupação da
região, os movimentos populacionais estiveram estritamente associados aos ciclos de
produção extrativista, enquanto que, a partir de década de 1960, a área rural foi
incapaz de absorver seu próprio crescimento natural, ocorrendo, em consequência,
fortes fluxos migratórios no sentido rural-urbano de natureza intra-regional.
Mas é justamente na década de 1960 que ao iniciar um novo processo de
ocupação econômico-demográfico, processo este que explica a maior parte dos
grandes problemas que a região hoje enfrenta. Com a transferência da capital federal
para mais próximo da região, a abertura da Belém-Brasília, a Operação Amazônia,
constituíram fatos marcantes para a determinação de uma nova feição aos fluxos
migratórios regionais.
De modo que, entre 1950 e 1960 a população total da Amazônia cresce de 1
milhão para quase 5 milhões, acentuando-se na década de 1960. A partir de então, a
ocupação da Amazônia torna-se uma questão de Estado, bem mais complexa e
acelerada.
Pois, as tendências a partir da década de 1970 indicam, contudo, em
decorrência da abertura da Transamazônica, dos projetos de colonização do INCRA,
da consolidação da Zona Franca de Manaus, da construção de novas estradas e da
implantação de grandes projetos agropecuários e minerais (POLAMAZÔNIA),
observara-se uma maciça imigração para a região, de pequenos produtores em busca
de terra, principalmente, advindos do Nordeste, e fundamentalmente para as áreas em
que novas rodovias são abertas, bem como uma tendência para o esvaziamento
populacional do interior do Estado do Amazonas, onde a cidade de Manaus tende a
concentrar fortes fluxos rurais-urbanos. Fluxos estes estimulados pelo Governo
Federal, que, com a intenção de ocupar econômica e demograficamente a região,
desenvolvendo mecanismos que atraíssem um elevado contingente de novos colonos
sem-terra, que veem na Amazônia um lugar onde haveria a possibilidade de se
tornarem proprietários. E ao redefinir-se o papel da Amazônia, consequentemente,
modificam-se as características dos fluxos migratórios.
Implicando em ordem geopolítica interna e externa tornando a ocupação da
Amazônia uma prioridade nacional, entre 1964 e 1985, quando da tomada do poder
pelos militares, deu-se o planejamento regional para integração efetiva da região, o
Estado tomando a iniciativa de um novo e ordenado ciclo de devassamento
amazônico.
7
O projeto de tal complexidade, tem características inerentes à estrutura do
Estado brasileiro e ao papel nele exercido pelas Forças Armadas. Gestado por
segmento da elite militar desde fins dos anos de 1940, em pleno regime liberal, o
projeto certamente não é fruto apenas dos militares, mas também de frações da elite
civil que ajudou a sustentá-lo. Dois aspectos da atuação dos militares, contudo, devem
ser ressaltados: a) a intencionalidade de avanço e o controle da Ciência e Tecnologia
como fundamento da soberania nacional, e não apenas a indústria de bens de capital,
e da consolidação do papel dirigente do Estado, entendido como único ator capaz de,
por meio de planejamento racional, promover a transformação acelerada da economia
e do território, condição da ascensão do país na nova lógica mundial; e b) a
instrumentalização do espaço como condição de execução do projeto. O Programa de
Integração Nacional (PIN) correspondeu a uma ação rápida e combinada para
simultaneamente completar a apropriação física do território, unificar, modernizar e
expandir a economia e estender a ação do Estado (BECKER, 1995)
A preocupação com a ocupação da Amazônia foi expressa em planos regionais
de âmbito nacional, tais como o Programa de Integração Nacional (PIN) e
posteriormente o Programa de Polos de Desenvolvimento. Com base nestes planos,
redefine-se o papel da região, no sentido de integrá-la ao esforço de crescimento
nacional, rompendo-se em parte com a visão da Amazônia como região extrativista,
propondo-a como alternativa de fronteira agrícola. Será o PIN o elemento preconizador
de tal modificação, quando propõe para a Amazônia “...Deslocar a fronteira econômica
e, notadamente, a fronteira agrícola, para as margens do rio Amazonas, realizando,
em grande escala, e numa região com importantes manchas férteis, o que a Belém-
Brasília e outras rodovias de penetração vinham fazendo em pequena escala e em
áreas menos férteis”, assim “reorientar as emigrações da mão-de-obra do Nordeste,
em direção aos vales úmidos da própria região e à nova fronteira agrícola, evitando-se
o seu deslocamento no sentido das áreas metropolitanas superpovoadas no Centro-
Sul”, integrando “a estratégia de ocupação econômica da Amazônia e a estratégia de
desenvolvimento do Nordeste, rompendo um quadro de soluções limitadas para
ambas as regiões”.2
Ressaltando-se que, ao lado dos projetos de colonização voltados para a
ocupação produtiva de terras por pequenos proprietários (colonização dirigida e/ou
espontânea), definiram-se grandes projetos agropecuários, a serem explorados por
grandes empresas subsidiadas por incentivos fiscais e facilidades creditícias. Assim,
concomitantemente ao amplo deslocamento humano, observou-se um deslocamento
de capital que se dirigia, principalmente, para a produção pecuária extensiva, por parte
2 Brasil, Presidência da República, Metas e Bases para a Ação de Governo (setembro de 1970), p. 29.
8
de empresas ligadas a grupos empresariais do Centro-Sul, as quais geraram e geram
poucos empregos e ocupam grandes extensões de terras (formando novos latifúndios
em terras cedidas pelo governo – “terras ditas devolutas”). Fato esse perceptível a
partir de meados da década de 1970, quando se modificou a orientação sobre o
processo de ocupação regional, desacelerando os deslocamentos de contingentes
humano, dirigidos aos espaços vazios, quando se iniciou a substituição da ocupação
baseada em pequenas propriedades, sob a orientação do INCRA (Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária), e se enfatizou o papel da grande empresa
privada: “Até aqui, a Transamazônica deu ênfase à colonização, mas a necessidade
de evitarmos uma ocupação predatória, com um consequente processo de
desmatamento, e a de promovermos a manutenção do equilíbrio ecológico nos levam
a convidar as grandes empresas a assumirem a tarefa de desenvolver esta região”.3
Tal mudança da estratégia de ocupação se consolidaria no II PND, quando se
considerou a necessidade de concentrar-se a ação governamental em “áreas que
apresentam vantagens comparativas à ocupação produtiva e ao desenvolvimento,
passível, portanto, de virem a merecer atenção prioritária e o esforço de programação
espacial em função de sua localização estratégica e das potencialidades de
aproveitamento dos recursos minerais, de solo e de flora que detêm”.4 Assim, o
programa de colonização baseada em pequenos produtores ficou restrito a certas
áreas específicas quando se afirmou, no II PND, que “é de prever-se que o programa
de colonos e pequenos proprietários, pela densidade demográfica da região e pelas
suas características físico-climáticas, terá mais ênfase no Nordeste e em certas áreas
limitadas, do Centro-Oeste e da Amazônia”5. Além de tornar geograficamente
delimitado o plano de colonização baseada em pequenos produtores, desacelerando-
se a experiência de Projetos Integrados de Colonização (PIC), base sobre a qual se
assentou o plano de colonização: “O programa de colonização para a Amazônia será
“reorientado”. A partir deste ano, não haverá mais nenhum Projeto Integrado de
Colonização (PIC), como os de Altamira, Itaituba e Marabá. E, ao invés de
explorações rurais ao longo de estradas, sob o patrocínio oficial, escolher-se-ão polos
em que se implantarão pequenas, médias e grandes empresas (...) Resta, por
conseguinte, aproveitar essas correntes migratórias, canalizá-las racionalmente e
oferecer oportunidades de trabalho simultaneamente à concessão para beneficiar
empresas e cooperativas”.6
3 Trecho do discurso do Ministro Reis Velloso por ocasião da visita de empresários sulinos à Amazônia, in Planejamento e Desenvolvimento, vol. 1, nº 3 (setembro de 1973) pp. 21-25.4 Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE), Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (POLOAMAZÔNIA) (1974).5 Brasil, II PND, Cap. 5.6 Brasil, INCRA, Realizações e Metas (maio de 1975).
9
Em consequência da seleção desta estratégia de desenvolvimento, centrada
na exploração das vantagens comparativas de produtos e setores, na qual a ocupação
dos espaços vazios não implica prioridade para a absorção de mão-de-obra,
desvinculou-se a problemática do Nordeste da problemática da Amazônia. Além disso,
o processo de colonização tomou nova feição: de oficial, baseado no assentamento de
parceleiros, passa ao âmbito das empresas privadas de colonização.
Quando, em 1966, porém, foi aprovada uma nova legislação, a Lei n.º 5.173,
de 27/10/1966, extinguindo a SPVEA e criando a Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), onde o conceito de Amazônia Legal é
reinventado para fins de planejamento7. Bem como pelo artigo 45 da Lei
Complementar nº 031, de 11/10/1977, a Amazônia Legal tem seus limites ainda mais
estendidos8.
Que também foi extinta (SUDAM) em 2001, durante o Governo de Fernando
Henrique Cardoso, à frente do poder executivo nacional, após diversas denúncias por
irregularidades e problemas envolvendo sua administração. Em substituição a SUDAM
foi criada a Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA) no mesmo ano (2001).
E, por fim, em janeiro de 2008, o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, recria a
SUDAM extinguindo a ADA.
Baseado em poderosas estratégias, deram suporte ao projeto de ocupação
acelerada da região com as medidas reformistas da “Operação Amazônia”; a exemplo
da “Operação Nordeste”, iniciadas com a edição da Lei nº 5.122, de 28 de setembro
de 1966, modernizaram-se as instituições: o Banco de Crédito da Amazônia é
transformado em Banco da Amazônia S.A. (Basa). E no mesmo ano (1966), a Lei nº
5.173/66 é modificada pelas Leis nº 5.374/67 e 5.174/66, concedendo incentivos
fiscais à Região Amazônica. Ambos (BASA e SUDAM), permanecem até hoje.
Diante da questão geopolítica à época, os estudos e debates da Iª Reunião de
Incentivos ao Desenvolvimento da Amazônia (Iª RIDA) (Operação Amazônia),
revelaram as tendências e expectativas de investidores potenciais e de diferentes
segmentos da sociedade, diante das políticas públicas de incentivo ao
desenvolvimento regional, então formuladas. E colocaram em pauta os desequilíbrios
intra-regionais da Amazônia. A banda oriental da região, favorecida por sua
localização geográfica e por uma infra-estrutura econômico-social bem mais densa do
que a das áreas interiores, atraía naturalmente o interesse dos investidores, 7 Art. 2º A Amazônia para efeitos desta lei, abrange a região compreendida pelos Estados do Acre, Pará e Amazonas, pelos Territórios Federais do Amapá, Roraima (Rio Branco) e Rondônia (Guaporé), e ainda pelas áreas do Estado de Mato Grosso a Norte do paralelo 16º S, do Estado de Goiás a norte do paralelo 13º S, e do Estado do Maranhão a Oeste do meridiano de 44º W.8 Art. 45 A Amazônia, a que se refere o artigo 2º da lei nº 5.173, de 27 de outubro de 1966, compreenderá também toda a área do Estado de Mato Grosso.
10
respondendo com maior eficiência aos incentivos governamentais. A distribuição
percentual dos investimentos na Amazônia Legal confirmava a preferência do capital
privado em direção ao leste da Amazônia. Entre 1964 e 1966, 71,9% dos
investimentos incentivados na Amazônia Legal localizavam-se no Estado do Pará
(Amazônia Oriental); apenas 4,6% situavam-se no Estado do Amazonas (Amazônia
Ocidental).
Dessa forma, as perspectivas econômicas da sub-região da Amazônia
Ocidental nessa mesma época, como de resto de toda a Amazônia, eram pouco
promissoras. Percebendo a precariedade econômica da região, o Governo Federal
passa a tomar uma série de decisões, sendo a primeira delas a Operação Amazônia.
Essa operação constitui um “conjunto de leis, medidas e providências, visando a
desenvolver Amazônia, ocupá-la, povoá-la e fortalece-la economicamente”
(PANDOLFO, p. 35). Estabelecida no decorrer de 1966, a Operação Amazônia parece
ter causado limitado impacto sobre a Amazônia Ocidental e poucas repercussões
econômicas sobre Manaus. Tal argumento pode ser fortalecido com base nos
benefícios gerados por esse programa. A abertura de ramais na Belém-Brasília, assim
como a transformação da SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização
Econômica da Amazônia) em SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da
Amazônia), e a implantação dos incentivos fiscais, vão sobremaneira concentrar-se na
Amazônia Oriental. O afluxo de recursos e benefícios para esta área incrementa o
desequilíbrio regional entre as “duas Amazônias”. Nesse contexto, o poder central
busca alternativas para incentivar o desenvolvimento da Amazônia Ocidental,
procurando diminuir o desequilíbrio regional.
Em decorrência disso, ainda na década de 1960, o Governo brasileiro, a
exemplo da posição já definida pelo Governo do Peru, que instituía a “lei da selva
peruana”, concedendo favores fiscais consistentes para ocupar produtivamente a sua
porção amazônica, opta por fazer completa reestruturação na política brasileira de
incentivos então vigente para a Amazônia brasileira, promovendo um conjunto de
mudanças consubstanciadas na “Operação Amazônia”, aqui já dimensionadas. Em
que o Banco de Crédito da Amazônia S.A, ao ceder lugar ao Banco da Amazônia S.A
(Basa), este último concebido com perfil de banco de desenvolvimento, com a
dinamização da Zona Franca de Manaus, um enclave industrial em meio à economia
extrativista e próximo à fronteira Norte, ao ser reformulada pelo Decreto-Lei nº 288, de
28 de fevereiro de 1967, alterando a Lei nº 3.173, de 06 de junho de 1957 (origem da
criação da Zona Franca de Manaus, durante a gestão do então Presidente da
República Juscelino Kubtschek), dando-lhe uma nova dimensão, convertendo-a em
área de exceção fiscal, abrindo um novo capítulo na história econômica da parte
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ocidental da Amazônia brasileira. O qual em seu Artigo 1º (Decreto-Lei nº 288/67),
além de definir a sua área de influência, também preconiza o seu funcionamento, com
prazo de validade de 30 (trinta) anos, como “uma área de livre importação e
exportação com incentivos fiscais especiais, com o propósito de criar um centro
industrial, comercial e de agricultura no interior da Amazônia”. (MAHAR, p. 151).
Passando a funcionar, a partir de 1967, inicialmente, como grande entreposto de
mercadorias nacionais e estrangeiras, importando e comercializando produtos de
outras regiões do país e de outros países.
A Zona Franca de Manaus, faz saber que, a sua área abrange os limites totais
de dez mil quilômetros quadrados, que inclui a cidade de Manaus, capital do Estado, e
áreas adjacentes.
Delimitação territorial da Zona Franca de Manaus (Manaus e região) - (10.000Km2)Fonte: http://www.blogdosarafa.com.br/wp content/uploads/2015/03/LIMITES- 2.png. Acesso em 09 JAN 17.
Condicionando a concentração populacional na área urbana de Manaus como
um fato histórico-demográfico que antecede o estabelecimento da Zona Franca.
Contudo, como se sabe, quando se estimula o crescimento econômico de uma área
urbana, o processo de deslocamento de população que aflui de áreas estagnadas
para a área em desenvolvimento tende também a acelerar-se. Examinando a situação
da microrregião do Médio Amazonas, na qual Manaus está localizada, pode-se ter
uma ideia do estágio de desenvolvimento em que se encontrava esta microrregião na
12
época da implantação da Zona Franca, ao comparar a estimativa populacional em
1968 do município de Manaus, que era de 237.317 habitantes. Enquanto que o
número total de habitantes de toda a microrregião do Médio Amazonas era de 525.917
habitantes. Ou seja, como se pode observar, o município de Manaus era o mais
populoso, apesar de ocupar o quinto lugar em termos de tamanho em território (14.150
Km2), ao comparar-se às áreas dos 44 municípios existentes em todo o estado do
Amazonas, durante a década de 1960. A peculiaridade desse município, entretanto,
residia no fato de ser o único nesta microrregião cuja população urbana sobrepujava, e
ainda supera, a rural, até os dias atuais. A desproporção entre a população urbana
(232.998 habitantes) e a rural (4.319 habitantes), indica a existência de fluxos
migratórios rural-urbano um tanto relevantes. (COSTA, et al, p. 219-220)
Estendendo parcialmente os benefícios do modelo (ZFM), ao longo dos anos,
para uma área superior a 8,5 milhões de quilômetros quadrados, contemplando
grande parte ou a totalidade da Amazônia Ocidental. A qual engloba os estados do
Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima (Decreto Lei nº 356/1968) – e as cidades de
Macapá e Santana, no estado do Amapá (Lei nº 8.397/1991).
Sendo, a Amazônia Ocidental, detentora de quase 43% de extensão territorial
da Amazônia Legal, comportando aproximadamente 57% das florestas da região,
torna-se a parte mais preservada da Amazônia, além de ser um estoque de
biodiversidade sem precedentes.
Muitas espécies dessa região já são conhecidas no mundo, como a borracha
natural, a castanha, o guaraná, o açaí e o cupuaçu. Outras espécies, destinadas
principalmente ao uso alimentício e medicinal e para produção de combustíveis, estão
em fase de desenvolvimento. Para isso, tem no Instituto Nacional de Pesquisa da
Amazônia – INPA, e no Centro de Biotecnologia da Amazônia – CBA9, com suas
respectivas sedes localizadas no município de Manaus (AM), como um dos principais
centros de pesquisa da biodiversidade Amazônica. Os recursos minerais também são
abundantes na região e estão representados por grandes reservas de óleo e gás de
9 Instalado em um complexo com área construída de 12 mil metros quadrados e estruturado principalmente a partir de investimentos feitos pela SUFRAMA, o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) tem por objetivo criar alternativas econômicas mediante a inovação tecnológica para o melhor aproveitamento econômico e social da biodiversidade amazônica de forma sustentável.
13
petróleo10; cassiterita; calcário; silvinita11; fósforo12; caulim; argila; nióbio13; tântalo; e
agregados para construção civil (brita, areia e granito, entre outros).
Com tantas possibilidades proporcionadas por seus potenciais, para quem
queira investir tem à disposição um leque de oportunidades que vão desde o
agronegócio e o beneficiamento de matérias-primas regionais à biotecnologia e o Polo
Industrial de Manaus - PIM. Havendo uma gama de produtos com viabilidade
econômica comprovada por estudos científicos à espera de investimentos nos Estados
e nas Áreas de Livre Comércio (ALCs)14.
Delimitação da Amazônia Ocidental: Sede da SUFRAMA, ALCs e Coordenações Regionais. Fonte: SUFRAMA
Assim, o estado do Amazonas, a maior unidade federativa em área física,
estima-se que atualmente estejam preservados 98% da Floresta primária, o que é
10 A partir do gás extraído da província petrolífera de Urucu, no município de Coari (AM), se produz a amônia.11 Mineral de onde se extrai o potássio. Cujos os dois grandes depósitos desse minério estão concentrados nos municípios de Nova Olinda do Norte (Calha do rio Madeira) e Itacoatiara (Calha do rio Amazonas), ambos localizados no estado do Amazonas. 12 Reservas concentradas no município de Apuí (AM), no sul do estado. 13 98% das reservas mundial, encontram-se em território brasileiro, localizada no Alto rio Negro, região conhecida como "cabeça do cachorro”, “morro dos seis lagos”, município de São Gabriel da Cachoeira (AM).14 As Áreas de Livre Comércio foram criadas para promover o desenvolvimento das cidades de fronteiras internacionais localizadas na Amazônia Ocidental e em Macapá e Santana, com o intuito de integrá-las ao restante do país, oferecendo benefícios fiscais semelhantes aos da Zona Franca de Manaus no aspecto comercial, como incentivos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). Os objetivos principais das ALCs são a melhoria na fiscalização de entrada e saída de mercadorias, o fortalecimento do setor comercial, a abertura de novas empresas e a geração de empregos. Atualmente, as Áreas de Livre Comércio contempladas no perímetro do modelo Zona Franca de Manaus são as seguintes: Boa Vista e Bonfim, no Estado de Roraima; Guajará-Mirim, no Estado de Rondônia; Brasiléia, com extensão a Epitaciolândia, e Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre; Tabatinga, no Estado do Amazonas; e Macapá e Santana, no Estado do Amapá.
14
possível graças à contribuição histórica do Polo Industrial de Manaus (PIM)/Distrito
Industrial de Manaus (DIM), como também, motivado pelo precário estado de
conservação da BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM). Além de dificultar
o acesso, é a única via terrestre ligando o estado do Amazonas ao restante do país.
Sem esquecer, naturalmente, da BR-174, que liga Manaus (AM) a Boa Vista (RR), a
qual possibilita a ligação transfronteriça entre a Região Norte do Brasil e os países
setentrionais da América do Sul (Venezuela, República da Guiana e Suriname). Como
também, podendo dar acesso ao Caribe, à América Central, via Colômbia e Panamá.
Por extensão, dando passagem aos países da América do Norte. As quais foram
concebidas nos anos de 1970, por ocasião da implementação das políticas de
integração nacional durante os governos do regime militar, implantado a partir de
1964. Além é claro, do modal aéreo.
Sendo que, historicamente, é a via fluvial seu principal meio de acesso às mais
distantes localidades de toda a região e fora dela. O transporte e a navegação fluvial
possibilitaram e possibilitam, a ligação e a comunicação intra-regional e com o
restante do país, através de Belém (PA), Porto Velho (RO), Boa Vista (RR), Cruzeiro
do Sul (AC), como também, com os países vizinhos que compõem a PanAmazônia.
Nesse aspecto cabe enfatizar que, a Amazônia brasileira tem em sua matriz de
mobilidade concentrada no modal aquaviário, primordialmente. Pois, a bacia
Amazônica sendo a maior rede hidrográfica do mundo, possui uma área superior a 7
milhões de Km2, correspondendo a aproximadamente 4 milhões de Km2 de toda a
área territorial brasileira. O grande número e a extensão de rios navegáveis,
favoreceram o surgimento de uma vasta frota de pequenas embarcações que
propiciaram o desenvolvimento de toda a região e a comunicação e sustentação das
comunidades mais afastadas dos grandes centros. Levando-se em conta a escassez
de estradas na área e os elevados custos de sua manutenção, em função do rigoroso
regime pluviométrico. Podendo considerar que a navegação interior permitiu ao país
manter o caráter nacional mesmo nas áreas mais longínquas de seu território.
Portanto, o transporte fluvial é considerado o modal mais apropriado e utilizado na
região, sendo vital não apenas para o deslocamento de passageiros, mas também,
para o abastecimento e escoamento de mercadorias de toda a região.
Ao analisar os potenciais segmentos que estão se desenvolvendo na
microrregião do Médio Amazonas, nos faz mister compreender o foco e os reflexos
das políticas públicas do Governo Federal implementadas no período de 2003 a 2014,
em relação ao desenvolvimento econômico de modo estrutural e conjuntural,
visualizando aspectos relevantes como metas e programas, baseadas em ações que
podem se resumir à seguinte frase: “inovar e investir para sustentar o crescimento”, e
15
sua inserção num novo plano de integração nacional e desenvolvimento regional. Ao
contrastar que, após os anos de 1970, a Amazônia brasileira deixou de ser prioridade
nas políticas públicas de Estado, causando uma nova fase de estagnação e atraso
para o seu desenvolvimento econômico e social15. O que, conjunturalmente, tal
sazonalidade não é nenhum precedente em relação à região.
Paradoxalmente, nos países em desenvolvimento predominam sistemas com
grandes empresas, que excluem os pequenos das políticas oficiais, apesar de se
constituírem um bom contingente a serem responsáveis por considerável parcela da
produção. Nesse contexto, fica evidente a importância de se estimular mecanismos de
desenvolvimento sustentável na Amazônia em pequenos sistemas produtivos, com
efetiva participação dos micros e pequenos empreendedores no processo de
produção.
Ou seja, o foco da discussão de desenvolvimento territorial passou a destacar
a importância dos atores locais, construindo um projeto capaz de gerar sinergias
positivas para o espaço em que atuam, de forma articulada às políticas públicas
implantadas pelos Estados nacionais. Cada vez mais passam a ser incentivadas
experiências de desenvolvimento territorial, buscando replicar as experiências
europeias. Esta perspectiva chegou à América Latina e, no âmbito do Brasil, esse
debate avançou bastante ao longo dos anos 1990, a ponto de as políticas públicas
começarem a ser geradas considerando-se esse arcabouço teórico, especialmente no
Governo Lula (PT).
Dessa forma, a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA),
através da Coordenação de Estudos Econômicos e Empresariais (COGEC), ao
realizar a análise do perfil, desempenho e potencial da atividade naval do Polo
Industrial de Manaus (PIM), observou que o Polo Naval, segmento dentro da Zona
Franca de Manaus, se constitui, atualmente, num dos mais – senão a mais –
promissora cadeia produtiva intrinsicamente relacionada às condições socioculturais,
econômicas e históricas da região.
Haja vista que, a crescente competitividade mundial no setor da construção
naval tem exigido de cada país, seja ele emergente ou não, aumento do nível de
especialização, administração estratégica da sua cadeia produtiva, regularização das
condições da mão-de-obra empregada e ampliação do nicho de mercado dos seus
produtos, cuja restrição ao nicho do transporte de passageiros e de carga, integra a
tradição, mas não pode ser o único foco na atualidade. Logo, as variáveis endógenas
e exógenas relacionadas ao desenvolvimento das atividades do setor da construção
15 Ministério do Interior – SUDAM, II Plano de Desenvolvimento da Amazônia (PDA): Detalhamento do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) (1975-1979) (Belém 1975), p. 12.
16
naval e da indústria náutica no Brasil, atuantes na década de 2000 a 2009, deveriam
ser alteradas em alguns aspectos, pois, de acordo com o Sindicato Nacional da
Indústria da Construção e Reparação Naval (SINAVAL), à época:
“Confirmava que o Brasil estava construindo capacidade produtiva capaz de
atender à demanda no período considerado e estimada de 28 sondas de perfuração,
150 navios petroleiros, 200 navios de apoio offshore e 150 plataformas de produção.
Os empregos diretos gerados, superiores a 46 mil em 2009, devem aumentar para 60
mil, em 2014. Os empregos indiretos aumentarão de mais de 180 mil, em 2009, para
240 mil, em 2014, considerando-se a média de 04 empregos na indústria fornecedora
para cada emprego gerado em estaleiros. A rede de fornecedores de produtos e
serviços cresce com a regra do conteúdo local, que aumenta de 60% para 70% os
fornecimentos de empresas instaladas no País. O SINAVAL participa, junto a
instituições e sindicatos dos trabalhadores, para o aperfeiçoamento das condições de
trabalho nos estaleiros, para a integração das redes de tecnologia e o diálogo com
autoridades para tornar esse esforço um benefício real e sustentável para a sociedade
brasileira”.16
De maneira que, os valores projetados nos cálculos a partir dos dados do
SINAVAL, relativos à década de 2000-2009, poderiam ser alterados para maior,
considerando-se que as informações constantes da citação, cuja origem é do próprio
Sindicato, confirmar-se-á se o cenário econômico fosse propício a essa dinâmica no
setor da construção naval na atual conjuntura político-econômica a que passa o país.
Assim, o setor da indústria naval do Brasil requereria investimentos e administração
estratégica para transformar as potencialidades em resultados efetivos, única forma de
ocupar posição de destaque no cenário mundial da construção naval e indústria de
náutica. Nesse contexto, a construção de um Polo Naval em Manaus se constitui em
uma oportunidade ímpar e deve ser estrategicamente articulada, de forma a contribuir
com a construção de toda a história naval brasileira, desde os seus primórdios. Mesmo
que o contexto para o setor, nos dias de hoje, não seja favorável, diante de uma
política econômica recessiva preconizada por um conjunto de medidas inibidoras
implementadas pelo atual “governo” central.
No interior do contexto político e econômico brasileiro recente, começou a
haver uma série de ações de políticas públicas na direção de políticas territoriais.
Algumas delas se dirigiram a apoios para a consolidação e o desenvolvimento de
arranjos produtivos locais, partindo da perspectiva apontada pelos estudos empíricos e
teóricos envolvendo o debate de distritos industriais, clusters, a exemplo de
experiências mencionadas. Para além dessas políticas, as ações no Brasil tomaram
16 http://www.sinaval.org.br/docs/sinaval-Cenario2010-1Trimestre.pdf, acesso em 12 JAN 17.
17
um escopo mais amplo e as políticas territoriais passaram a incorporar a perspectiva
de combater a pobreza em espaços deprimidos do país, considerando-se este tipo de
concepção, diante do baixo dinamismo econômico, segundo a tipologia das
desigualdades regionais constantes da Política Nacional de Desenvolvimento Regional
(PNDR), do Ministério da Integração Nacional (MI), na era dos Governos Lula,
principalmente, e Dilma (PT).
A partir desse debate reporto-me a elaboração do Plano de Desenvolvimento
Preliminar (PDP) realizado pelo Núcleo Estadual de Arranjos Produtivos Locais no
Estado do Amazonas (NEAPL/AM), seguindo as proposições do Ministério de
Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior (MDIC) , apresentando durante a
Oficina de Orientação à Instalação de Núcleos Estaduais de Apoio aos Arranjos
Produtivos Locais – Região Norte, em Fevereiro de 2007, para que os APL’s
adicionados para o período de 2008-2010, dentre eles o APL da Construção Naval, fossem validados junto ao Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos
Locais (GTP APL), que somados ao grupo dos APL’s priorizados, totalizassem 10
(dez) APL’s no Amazonas.
A partida para a elaboração do respectivo Plano de Desenvolvimento
Preliminar (PDP), foi dada na Iª Reunião Geral do Fórum de APL’s, em Abril de 2008,
onde foram encaminhados os seguintes assuntos: validação dos municípios;
metodologia; licenciamento ambiental; legislação especial; subsídios; programa de
crédito; associativismo/cooperativismo e levantamento de mercado.
Definindo-se que, as organizações envolvidas no processo deveriam informar
as providências realizadas, fornecendo indicativos de ações, estratégias e parcerias
institucionais que viriam culminar na implementação de atividades, a partir da alocação
de recursos, com o fim de promover a redução das desigualdades inter-regionais e a
inclusão social, gerando ocupação produtiva e melhora no nível de renda. Realizado
em Maio de 2008, a IIª Reunião Geral do Fórum de APL’s, em que se definiram os
municípios e a agenda de visitas aos APL’s. E em reunião específica (Junho de 2008),
para o APL da Construção Naval, foram apresentadas as etapas para a
operacionalização do PDP, onde foram discutidos a sua denominação (APL),
problemas com a legislação, entre outros interesses referentes ao setor.
A partir da inclusão do APL da Construção Naval, como prioritário pelo
Governo do Estado do Amazonas, em parceria institucional com outros atores, entre
eles a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), a governança vinha
se empenhando na construção do PDP, em consonância com a metodologia do
GTP/APL/MDIC, cuja coordenação ficou sob a responsabilidade do Núcleo Estadual
dos Arranjos Produtivos Locais (NEAPL/SEPLAN/DDR). Sendo o mesmo (PDP),
18
quando apresentado, como produto de estudos, análises, observações e
recomendações colhidas juntos aos membros do Grupo de Trabalho, que
desenvolveram ao longo de vários anos, experiências na gestão, no suporte técnico ou
diagnóstico socioeconômico do setor da construção naval no Estado do Amazonas.
De forma que, podemos caracterizar a indústria naval no Estado do Amazonas,
como a maior indústria autônoma do setor no planeta. Só no Amazonas são mais de
300 (trezentos) estaleiros – sendo em sua maioria de pequeno porte - espalhados por
todos os municípios daquele Estado Federativo. (COGEC/SUFRAMA, Dez 2010;
SINDINAVAL, 2010)
Segundo o Sindicato de Reparo e Construção Naval do Amazonas
(SINDINAVAL), a frota da região gira em torno de 5.000 (cinco mil) embarcações.
Sendo que cerca de 90% são feitos de madeira, seguindo as mesmas características
gerais. Também segundo aquela entidade representativa, 95 % do abastecimento dos
municípios amazonenses, incluindo toda sorte de produtos, são feitas por via fluvial. O
mesmo valendo para o transporte de passageiros entre os municípios e Estados
Federativos da Região Norte. De acordo com os dados fornecidos pelo SINDINAVAL,
os estaleiros de reparos ocupam 20% da orla fluvial de Manaus, sendo um dos
maiores polos de conserto do Estado.
Existem basicamente 02 (dois) tipos de empreendimentos no setor, os
estaleiros de construção e os de reparo. Ambos podem ser encontrados em qualquer
município da região. Geralmente, são pequenos negócios que passam de pai para
filho, assim como as técnicas de construção e reparo.
Ressalto, porém, que as embarcações de madeira não são produzidas em
estaleiros, mas por artesãos que, historicamente, fizeram e continuam fazendo as
embarcações de madeira, mantendo a tradição e a cultura herdadas de seus
antepassados indígenas com as técnicas adquiridas quando da chegada do
conquistador europeu por aquelas águas. Onde, ao longo dessa trajetória a
construção naval no Amazonas, também teve sua história. A princípio, os ribeirinhos
sempre utilizaram os troncos, as canoas, as “montarias” e as “igarités” – embarcações
típicas da região construídas e muito utilizadas pelos povos tradicionais locais -, para
se deslocarem, haja visto as características singulares da abundância hidrográfica na
Amazônia, sendo a via fluvial o principal meio de comunicação entre as localidades.
Os portugueses ao entenderem essas habilidades, e com a ajuda dos ribeirinhos,
incentivaram a criação de pequenos estaleiros às margens dos rios, que além de
fazerem reparos nas embarcações, provisionavam com lenha os vapores que
navegavam por aquelas paragens.
19
O Estado do Amazonas, inserido na maior bacia hidrográfica do planeta, dos
quais dezessete rios afluentes do rio Amazonas, são dependentes da navegação
interior. De seus rios, lagos e igarapés, os ribeirinhos fazem deles, uma via de acesso
para o translado entre as comunidades. Os rios amazonenses são, praticamente,
navegáveis durante todo o ano. Exceções para os rios Negro, Alto Madeira, Urubu,
Aripuanã, Branco e Uaupés, que são obstruídos pelas formações em degraus, o que
não impede a navegação ordinária, salvo as corredeiras do Alto Madeira e a cachoeira
das Andorinhas no rio Aripuanã.
Contudo, tal tecnologia estaria se perdendo pela substituição de matéria-prima.
Os poucos construtores que poderiam ser caracterizados como estaleiros migraram
para outros materiais, como o aço. A tendência de substituição de insumo é,
possivelmente, irreversível, dada a questão crítica das exigências em segurança e,
principalmente, a ambiental, da classificação visando a validação dos projetos,
segundo as atuais normas impostas pelo mercado e do financiamento quando se trata
de embarcações de madeira.
Com relação a situação atual em que se encontra a APL da Construção Naval
no Amazonas, prevalecem 03 (três) vertentes no setor, com a seguinte configuração:
a) Fabricação doméstica – os ribeirinhos constroem suas próprias embarcações em
madeira, encontrados em todas localidades da região. As embarcações atendem as
suas necessidades básicas, atingindo pequenas distâncias; b) Estaleiros de Reparos e de Construção de Pequenas Embarcações – considerado a maior indústria naval
autônoma do mundo, onde a maioria se utiliza da madeira. Sendo a maioria informais,
tendo capacidade produtiva para atender ao transporte de passageiros e cargas da
região. Trazem conhecimento de seus ancestrais, mas já introduziram novas
tecnologias como o “casco duplo”, etc; e c) Estaleiros de Construção de Pequenas, Médias e Grandes Embarcações – capazes de atender tanto o mercado regional,
nacional e internacional; são minoria, mas formais. Possuem tradição, tendo em vista
o mais antigo estaleiro em atividade em Manaus, o Estaleiro São João; pois atendem
as exigências das Sociedades Classificadoras.
E quanto ao seu mercado, pode ser descrito da seguinte forma: a) Mercado Local – na região amazônica, principais clientes são os armadores de embarcações
de passageiros, de pequenas cargas e as mistas; os governos do Estado e dos
Municípios; b) Mercado Nacional – principais clientes são os operadores que
transportam cargas ao/do Polo Industrial de Manaus. Além de organizações não-
governamentais, as Forças Armadas, etc; e c) Mercado Internacional – clientes
particulares de padrão socioeconômico elevado com interesse em iates e lanchas em
madeira e alumínio, ONG’s, empresas multinacionais, etc.
20
Nesse sentido, cada vez mais a cooperação é condição necessária para a
sobrevivência e o desenvolvimento dos pequenos e médios negócios, com o auxílio de
mecanismos de coordenação e intermediação dos múltiplos interesses e objetivos
envolvidos. O programa de APL’s no Estado do Amazonas envolve a colaboração
mútua entre instituições do poder público e atores do setor privado, tendo como
propósito comum, desenvolver estratégias e ações que possibilitem a consolidação e o
fortalecimento de potenciais segmentos econômicos, por meio da cooperação entre os
atores locais, identificados a partir de seu envolvimento no setor correspondente, em
especial a pesquisa técnico-científica para a melhoria dos processos produtivos.
Nesse caso, a governança acontecerá a partir da formação do Polo Naval, que
deverá ser contemplado com a participação dos seguintes elementos envolvidos:
estaleiros; principais fornecedores de insumos, nesse caso, podemos citar: a compra
de aço em larga escala a preços mais competitivos; criação de padronização de
embarcações mais seguras; na busca de alternativas em substituição de madeiras
nobres, na construção das embarcações; e melhoria na capacitação da mão-de-obra,
visando maior desempenho produtivo dos estaleiros; armadores; embarcações;
operadores logísticos; Institutos de pesquisa; Universidades e Instituições
governamentais (Federal, Estadual e Municipal). Pois a implantação de um Polo Naval
seria de grande importância para o Polo Industrial de Manaus (PIM), em face do seu
alto potencial em geração de renda e de empregos, por ser uma atividade industrial
pouco agressiva em termos ambientais, sem falar na oportunidade mercadológica com
a construção de novos estaleiros para atender parte significativa das demandas de
construção, manutenção e reparo de navios e plataformas de petróleo.
E para a concretização do mesmo (Polo Naval), fez-se as necessárias
discussões e debates sobre a mais conveniente localização da instalação e
desenvolvimento desse empreendimento, sendo escolhido e designado a região entre
o lagos do “Puraquequara” e do “Jatuarana” (ver imagem de satélite), distante
aproximadamente 25 Km da área de tombamento do Encontro das Águas (rios Negro
e Solimões), de onde se origina o grande Rio Amazonas, de responsabilidade do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Definindo-se seus
limites sem o comprometer, por constatar-se que, a região em questão, proposta pelo
SINDINAVAL, além de encontrar-se fora desses limites, é a mais apta a receber o
Polo Naval de Manaus, como um empreendimento estratégico proposto no interior do
Plano de Desenvolvimento Sustentável e Integrado da Região Metropolitana de
Manaus. Como também, por estar abrangida no interior dos limites territorial da Zona
Franca de Manaus, podendo disfrutar dos benefícios fiscais e incentivos creditícios
para a sua implantação.
21
Local previsto para a construção do Polo Naval em Manaus. Fonte: Google Earth, com a adaptação feita pelo COGEC/SUFRAMA/2010
Em contrapartida, a intenção de implantar o Polo Naval na localidade
pretendida não foi considerada, em estudos técnicos, os possíveis impactos
ambientais e sociais, ao ser instalado no lugar intencionado. Uma vez que, não houve
a devida consulta prévia, livre e informada às 05 (cinco) comunidades ribeirinhas que
seriam afetadas pelo empreendimento, conforme previsto na Convenção nº 169, da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), como destacado na ação pública
impetrado pelo Ministério Público Federal no Amazonas, autor da ação. Ao enfatizar a
ausência de consulta prévia, livre e de consentimento claro das comunidades
tradicionais envolvidas no processo de desapropriação, tornando a implantação ilegal
e ilegítima. Em consequência, a decisão da Justiça Federal, destaca o
descumprimento de artigos da Constituição, por parte do Governo do Estado, que
tratam da proteção de comunidades tradicionais e de documentos internacionais,
como a Convenção 169/OIT, a Convenção da Diversidade Biológica e a Declaração
Universal sobre a Diversidade Cultural.
Mesmo assim, o Governo do Estado recorreu ao TRF-1, sendo-lhe negado
após a Justiça Federal no Amazonas ter concedido decisão liminar a pedido do MPF-
AM, em maio de 2014, determinando a suspensão dos efeitos do decreto (Decreto
Estadual nº 32.875/2012), que declara de utilidade pública a designação da área para
implantação do Polo Naval de Manaus. A Justiça determinou ainda a suspensão
imediata de todas as medidas referentes ao projeto de implantação do Polo em tela,
22
enquanto não for realizada consulta prévia, livre e informada às comunidades
tradicionais ribeirinhas que vivem na região.17
Pois a ação apontou que não havia no processo administrativo qualquer
previsão de participação das comunidades ou mesmo considerações acerca dos
impactos que o empreendimento causará a elas, como também, ao meio ambiente.
Onde as situações de conflito a que são expostas estas comunidades são
momentos singulares que permitiram a sua mobilização e a sua organização política,
pautada na manutenção de modos de vida pré-existentes às situações de
enfrentamento, seja com órgãos públicos ou de interesses privado, na qual a relação
com os territórios que ocupam é fundamental, moldando a própria identidade desses
grupos sociais.
A autodenominação como ribeirinho podia não fazer qualquer sentido até o
momento em que se estabeleceram os conflitos e a atuação estatal passou a
inviabilizar as práticas do cotidiano. A partir de então, a reivindicação da identidade
ganhou relevo e funcionou como elemento aglutinador dessas comunidades. Quando
passaram a ser tratados como cidadãs e cidadãos de segunda categoria, a serem
varridos por conta de ambiciosas empreitadas ou empreendimentos de efetividade
duvidosa, tais grupos se apegaram a uma noção de sentido permanente – “ribeirinhos”
– e, valendo-se das portas que o ordenamento jurídico pós-1988 abriu, aliaram-se a
parceiros e não abdicaram da reivindicação por respeito e consideração. (ALMEIDA,
2011)
Como bem avalia Almeida, 2008, na construção da identidade por meio de
embates, como decorrência dos conflitos na luta pela terra, a territorialização e a
tradicionalidade foram além do aspecto histórico, sendo fruto da combinação de vários
fatores, que envolveram a capacidade de mobilização em torno de uma política de
identidade e os espaços de enfrentamento para reivindicar direitos junto ao Estado,
sendo que a definição de uma fisionomia étnica e autodefinição coletiva
acompanharam as formas de organização desses ribeirinhos na luta por direitos.
Ao evocar à legislação abarcada pela Constituição de 1988, pela Convenção nº
169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), pela Convenção da Diversidade
17 A consulta é um procedimento de participação exclusiva dos povos indígenas e comunidades tradicionais, cuja realização é de responsabilidade dos governos, cobrindo todas as despesas do processo. Todas as medidas que afetem comunidades tradicionais devem ser submetidas à consulta prévia, que precisa ser realizada desde as primeiras etapas de planejamento, antes da tomada das decisões. O processo de consulta deve incluir reuniões preparatórias, quando será aprovado o Plano de Consulta, que deverá detalhar as regras do processo, o local, a forma de decisão, as datas; reuniões informativas, quando o governo repassará todas as informações às comunidades; discussão interna do assunto pelas comunidades, sem a presença do governo; negociação, quando as comunidades dirão se concordam ou não com a proposta, podendo apresentar sugestões; e decisão final, com indicação da posição dos comunitários.
23
Biológica e outras leis, representou um aceno a essas comunidades e a possibilidade
de não assentir com visões unilaterais de mundo nem com a hierarquia quanto aos
modos de vida. Onde o Ministério Público Federal (MPF), como agente do Poder
Público, contribuiu para a luta dessas comunidades ao firmar-se a sua identidade
como componente da estrutura social na qual está inserida.
c. CONSIDERAÇÕES FINAISAo concluir, cabe ressaltar no que concerne à necessidade de um polo naval
na localidade e seus impactos sobre os Planos Diretores de Manaus e de sua Região
Metropolitana, ambos tendo como estratégias a potencialização de Manaus e região
como centro articulador da dinâmica econômica da Amazônia Ocidental. Sendo
estratégico no sentido de apoiar às políticas públicas dando suporte a atividade
portuária de modo a favorecer a criação de um setor dinâmico e de apoio a outras
atividades econômicas, priorizando a melhoria da infraestrutura portuária. Em face
disso, julga-se condição preponderante a configuração, estruturação e implantação do
DISTRITO NAVAL (na área pré-estabelecida pelo governo do estado, conforme
decreto estadual), pleiteado pelo Sindicato de Reparos e Construção Naval do
Amazonas (SINDINAVAL), e compreendido pela Superintendência da Zona Franca de
Manaus (SUFRAMA), como indispensável ao fomento do segmento, como também na
contribuição no desenvolvimento e produção de conhecimentos sobre a região, nas
atividades que favoreçam a complementaridade entre diversos setores da economia e
amplie a oferta de trabalho e geração de renda. Contribuindo com melhores
perspectivas sociais no que tange às novas oportunidades de superação diante de
tantas desigualdades. E com isso, criar condições favoráveis para que esse
empreendimento seja substituidor de importações.
Mas, por sua vez, a criação desse empreendimento descontextualizado da
realidade social em que vivem a séculos as populações tradicionais não ouvidas, esta
propiciando de forma conflituosa um laboratório para as ciências humanas, na medida
em que se produz um cenário de lutas sociais por uma justiça cartográfica na
Amazônia. No ponto, o surgimento de cartografias com denominações como nova
cartografia social, cartografias participativas, cartografias da ação ou contra-
mapeamentos, distinguem-se pela representação de aspectos da realidade pouco
valorizados nas representações espaciais cartográficas hegemônicas - aspectos
transformados em “não existências”, como afirma Santos, 2010. No caso, equivale a
dizer que, para a cartografia imposta pelo Estado para o Polo Naval, é como se as
populações tradicionais afetadas simplesmente não existissem.
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Lembrando que, atualmente, a Amazônia brasileira vem sofrendo por volta de
14 (quatorze) modalidades de conflitos sociais, relacionados com os seguintes temas:
1) Recursos hídricos; 2) Queimada e/ou incêndios provocados; 3) Pesca e/ou caça
predatórias; 4) Extração predatória de recursos naturais; 5) Desmatamento; 6)
Garimpo; 7) Pecuária; 8) Monocultivo; 9) Extração de madeira; 10) Grandes projetos,
especialmente hidrelétricos; 11) Regularização fundiária; 12) Ordenamento territorial;
13) Violência física declarada; e 14) Falta de moradia em áreas urbanas,
principalmente. E com a criação do Polo Naval de Manaus, um 15º conflito social está
posto: a transformação compulsória de integrantes de populações tradicionais em
“operários da floresta”!
Como bem retrata Araújo Junior (2013), o tratamento conferido à essas
Comunidades remete às limitações do sistema político democrático liberal clássico e
as suas incapacidades em lidar com uma sociedade multicultural. A concepção de que
existem seres genéricos, desenraizados, desvinculados de seu tempo e de seu
espaço e dotados de direitos iguais, representou a universalização do indivíduo
burguês18 – branco, proprietário, heterossexual -, um ser concreto historicamente
situado e dotado de vantagens que a sua posição de classe conferia para impor
determinadas visões de mundo, não se conferindo a mesma condição a outros
sujeitos.
O que ainda não foi possível identificar nesse contexto, é a quem irão servir
esses futuros “operários da floresta”. Serviriam eles aos chineses que pretendem
explorar caulim?! Serviriam aos donos de estaleiros?! Talvez num procedimento
processual jurídico possa nos revelar. Ou talvez a resposta venha daqui a vinte anos,
após os cientistas sociais e antropólogos decodificarem as novas cartografias sociais.
De uma forma ou de outra, não pode a justiça baseada na ética, nos princípios morais
e legais, ficar inerte e dar o beneplácito para esse quadro incerto e sombrio, onde o
principal prejuízo está relacionado ao desaparecimento da identidade social da
Amazônia, da cultura de suas populações tradicionais, da harmonia desses povos com
a floresta e os ciclos da natureza.
Importante observar que até mesmo quando foi criada a Zona Franca de
Manaus, as autoridades tiveram mais cuidado e responsabilidade. Sabe-se que a
política de incentivos fiscais para o desenvolvimento da Amazônia começou com a
criação da ZFM, pela Lei nº 3.173/57, porém o projeto para desenvolver a região norte
18 Marx sintetiza a questão de forma precisa: “Na sua realidade mais imediata, na sociedade burguesa, o homem é um ente profano. Nesta, onde constitui para si mesmo e para outros um indivíduo real, ele é um fenômeno inverídico. No Estado, em contrapartida, no qual o homem equivale a um ente "genérico, ele é o membro imaginário de uma soberania fictícia, tendo sido privado de sua vida individual real e preenchido com uma universalidade irreal”.
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foi idealizado anos antes por Getúlio Vargas nos anos 30. Note-se que entre a
idealização do projeto e o começo de sua execução transcorreram mais de 27 (vinte)
anos. E mesmo assim, ainda existem graves problemas a solucionar.
d. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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