amor hetero, amor gay, amor livre ou apenas amor?

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revista IMPACTO pontal | 116 relacionamento amor? Por Arthur Silva - [email protected] AMOR hetero, AMOR gay, AMOR livre ou apenas Entenda um pouco sobre os relacionamentos presentes na sociedade atual e reflita o porquê de existir tanto preconceito por conta da sociedade, sendo que o relacionamento homossexual não é novidade e existe normalmente em mais de 1500 espécies do reino animal. E o relacionamento aberto? É uma nova forma saudável de relacionamento ou uma tentativa de destruição da relação tradicional que conhecemos? E lisangela Muniz e Dayse Lucide saem de casa rumo a uma lanchonete qualquer de Ituiutaba, sempre de mãos dadas e com sorrisos soltos, como qualquer casal normal e apaixonado. Porém, sentem olhares apreensivos e agressivos por parte das outras mesas. Detalhe, Elisangela e Dayse nem ao menos se beijaram, porém, o fato de estarem de ombros colados e com as mãos dadas sobre a mesa, já foi o bastante para que o garçom se apresentasse e pedisse para que as duas se afastassem uma da outra, pois estavam causando burbúrio e constrangimento entre os clientes. Detalhe interessante: Em duas mesas ao lado de Dayse e Elisangela, havia casais hetero que por momentos se beijaram, mas em momento algum foram importunados... Diante de tal fato verídico, nos perguntamos: se todos afirmam que o amor não faz distinção entre sexos, condição financeira, raça ou religião, então porque tanto preconceito na sociedade quando duas mulheres ou dois homens assumem um compromisso afetivo entre si e demonstram isso publicamente, igual a um casal hetero que se goste? Porque é tão importante definir amor heterossexual, amor homossexual e não simplesmente: AMOR? A verdade é que o grande foco do preconceito está no fato de que as pessoas não sabem definir o que seja, efetivamente, o amor ou formas de amar. Por isso, a união entre duas pessoas do mesmo sexo ou até a união de casais assumindo relacionamento aberto causa os mais diversos sentimentos naqueles que acham que se relacionar com pessoas do sexo oposto é a única opção de vida afetiva e sexual aceitável.

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Matéria sobre as diferentes formas de relacionamento, o preconceito que enfrentam e como funcionam. Artigo publicado na Revista Impacto - Janeiro de 2015

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Page 1: AMOR hetero, AMOR gay, Amor livre ou apenas AMOR?

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relacionamento

amor?Por Arthur Silva - [email protected]

AMOR hetero, AMOR gay, AMOR livre ou apenas

Entenda um pouco sobre os relacionamentos presentes na sociedade atual e reflita o porquê de existir tanto preconceito por conta da sociedade, sendo que o relacionamento homossexual não é novidade e existe normalmente em mais de 1500 espécies do reino animal. E o relacionamento aberto? É uma nova forma saudável de relacionamento ou uma tentativa de destruição da relação tradicional que conhecemos?

Elisangela Muniz e Dayse Lucide saem de casa rumo a uma lanchonete qualquer de Ituiutaba, sempre de mãos dadas e com sorrisos soltos, como qualquer casal normal e apaixonado. Porém, sentem olhares apreensivos e

agressivos por parte das outras mesas. Detalhe, Elisangela e Dayse nem ao menos se beijaram, porém, o fato de estarem de ombros colados e com as mãos dadas sobre a mesa, já foi o bastante para que o garçom se apresentasse e pedisse para que as duas se afastassem uma da outra, pois estavam causando burbúrio e constrangimento entre os clientes. Detalhe interessante: Em duas mesas ao lado de Dayse e Elisangela, havia casais hetero que por momentos se beijaram, mas em momento algum foram importunados...

Diante de tal fato verídico, nos perguntamos: se todos

afirmam que o amor não faz distinção entre sexos, condição financeira, raça ou religião, então porque tanto preconceito na sociedade quando duas mulheres ou dois homens assumem um compromisso afetivo entre si e demonstram isso publicamente, igual a um casal hetero que se goste? Porque é tão importante definir amor heterossexual, amor homossexual e não simplesmente: AMOR?

A verdade é que o grande foco do preconceito está no fato de que as pessoas não sabem definir o que seja, efetivamente, o amor ou formas de amar. Por isso, a união entre duas pessoas do mesmo sexo ou até a união de casais assumindo relacionamento aberto causa os mais diversos sentimentos naqueles que acham que se relacionar com pessoas do sexo oposto é a única opção de vida afetiva e sexual aceitável.

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A HOMOSSEXUALIDADE em mais de 1.500 espécies animaisamor? A homossexualidade não é nenhuma novidade, sempre existiu desde que a humanidade existe. Em todas as civilizações, de qualquer época, existem referências à existência de mulheres e homens homossexuais. Apesar de sabermos disso, ainda hoje esse tipo de comportamento é chamado de antinatural por uma grande maioria. De acordo com inúmeras análises e confirmado em 1999, em uma pesquisa feita pelo pesquisador Bruce Bagemihl, o comportamento homossexual já foi observado em cerca de 1.500 espécies animais e em mais de 70 espécies de mamíferos, incluindo ratos, hamsters, coelhos, porcos-espinhos, cães, gatos, porcos, antílopes, carneiros, macacos e até leões, os reis da selva. Será esse um comportamento tão antinatural assim, que exija constrangimento e agressão por parte da sociedade?

Netynho Souza conta: “Quando eu era adolescente, certa vez fui abordado no meio da rua por uma turma de mais ou menos uns doze rapazes que me atiraram dezenas de ovos enquanto gritavam: “Seu bicha”! Vira homem!”– como se me dando ovadas fossem mudar quem eu sou” – Netynho relata ainda que essa não foi a única vez que foi alvo de piadas e agressões por conta de sua sexualidade, tanto que durante muitos anos tentou esconder sua preferência sexual para evitar confusão, porém, com o tempo preferiu parar de se esconder – “Não tenho mais medo ou vergonha do que sou, ser gay não foi algo que escolhi, ninguém escolhe ser gay, é algo natural, se fosse uma escolha, todos seriam hétero, assim não haveria agressões nem desrespeito, ninguém quer passar por isso”, e completa: “Hoje sei que a dor de esconder quem sou pra a sociedade, é bem maior do que ser agredido na rua”.

Netinho Souza (24) e Yan Skaff (21) se conheceram em uma boate, se adicionaram no Facebook e, depois de quatro dias de conversas intensas pela internet, resolveram se encontrar pessoalmente e iniciaram esse relacionamento que dura quase dois anos e é permitido e incentivado pelas famílias. Os dois andam de mãos dadas pela rua sem medo algum de esconderem o romance. “Infelizmente a mídia prega o homossexual como escandaloso e barraqueiro, isso faz o preconceito crescer. Mas a realidade não é assim; eu e Netynho somos um exemplo disso; achamos que quem se dá respeito tem respeito como resposta, por isso ninguém nos incomoda”, diz Yan.

Elisangela Muniz (30) e Dayse Lucide (21) se conheceram na casa de uma amiga em comum e há um ano estão namorando e morando

juntas em Ituiutaba. Ambas dizem que jamais fariam cirurgia para mudança de sexo e que caso um dia queiram ter um filho, Dayse

irá engravidar por inseminação artificial de um amigo gay que concorde com a ideia para assim poderem criar a criança como uma

família normal. “Nosso compromisso e fidelidade é muito grande, encontramos na companhia uma da outra, o que ninguém nunca

conseguiu nos dar, por isso nos damos tão bem. Não importa o que os outros dizem; enquanto o que sentimos for maior do que a opinião

dos outros, nosso amor vai prevalecer ”, diz Elisangela.

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Atualmente o Estado, que tem o papel de acolher e respeitar todos os seus cidadãos, tem se atualizado e se tornado menos preconceituoso na formulação de suas leis e na garantia de seu cumprimento. Isso porque não cabe a ele julgar se a homoafetividade é correta ou não, se é aceita pela maioria das religiões ou não. O Estado tem que, antes de tudo, atender aos interesses do povo, garantindo uma vida digna e sem restrições que impeçam alguém de ter seus direitos respeitados.

Sendo assim, já que todos são cidadãos iguais, baseados no direito de isonomia, homessexual ou heretossexual, ambos contribuintes do imposto de renda e trabalhadores, além do fato inegável de que foram gerados do mesmo modo, através de um parto, então porque vê-los de forma diferente e os privá-los, muitas vezes, de andarem e se beijarem em público ou até de adotarem um filho?

“O amadurecimento da democracia vem com a valorização das diferenças, sejam elas quais forem. A riqueza de um povo está em sua diversidade, que precisa ser reconhecida e aceita. Todos têm o direito de serem o que são”, diz Nelson Lucrécio Filho, psicólogo ituiutabano, especialista em gestão pública em saúde.

Se o homossexual tem as mesmas obrigações de qualquer um na sociedade, deveriam ter os mesmos direitos que o heterossexual. Felizmente a lei caminha para corrigir essa barbárie. Só resta entender que não há uma forma melhor ou pior de afeto. Existe apenas afeto. Não há uma forma melhor ou pior de sexo, apenas sexo. Não existe forma superior de amor, só amor.

O que o ESTADO acha disso?

Netynho Souza e Yan Skaff pensam em um dia, quando as leis estiverem mais brandas, poderem adotar uma criança. Para a sorte dos dois, a Câmara dos Deputados, em agosto de 2008, promoveu alteração da lei, mas não permitiu que a previsão para a adoção por casais homossexuais constasse na lei. Há, contudo, decisões judiciais permitindo a adoção por casais homossexuais, porém, exige uma enorme luta judicial, que ainda dificulta e inibe a adoção de filhos por casais homossexuais. A primeira decisão judicial a respeito ocorreu em Bagé, Rio Grande do Sul, em 2005 de acordo com a Folha de S. Paulo.

RELACIONAMENTO abertoQuando o ser humano se depara com uma forma de ser feliz

diferente da que está acostumado, normalmente ele constroi um muro de estranhamento e muitas vezes a rejeição. Isso ocorre por não compreender esse novo modelo de afeto onde o casal se sente livre para ficar com outras pessoas, contar para o parceiro, não haver ciúmes algum e a relação continuar plena e normal, muitas vezes melhor que a de monogâmicos.

Apesar de um relacionamento aberto na teoria ser mais honesto do que uma traição, para aqueles que o aderem, ele é bem difícil de ser vivido na prática porque exige maturidade, autoconhecimento, sensatez, boa autoestima, boa percepção e aceitação de risco. Será que você estaria preparado?

Um interessante argumento que os adeptos do relacionamento aberto usam é o de que o fogo de um relacionamento amoroso é, em parte, pelo desconhecimento sobre o outro, sobre a vida pessoal do outro e sobre as reais intenções do outro. Sim, é isso mesmo que você leu. Quanto mais previsível o comportamento do parceiro amoroso menos empolgante esse parceiro se torna. Nesse

sentido, a relação aberta acaba tirando parte da incerteza que a relação formal gera e que, quando bem dosada, é um excelente tempero para o amor. E aí, o relacionamento aberto pode se tornar mais intenso que tradicional.

Bel Souza afirma: “Eu tenho esse relacionamento com a mesma pessoa há cinco anos porque acredito que o fato de você amar uma pessoa não inibe instantaneamente o desejo que você sente por outras, e o desejo não anula o amor”.

Porém, em um relacionamento aberto, o casal tem de respeitar o acordo feito entre si e falar abertamente das relações extraconjugais, se isso tiver sido combinado no acordo, claro. Para isso, precisam ter a sensibilidade e a sabedoria de que falar sobre relacionamentos paralelos dá trabalho, e exige muita paciência. Afinal, ninguém que combinou ter uma relação aberta vai jogar ou aceitar ouvir algo como: “O nosso papo tá bom, mas já te contei que saí com fulano ontem e foi maravilhoso né? Então, to saindo agora pra encontrar com ele de novo. Tchau amor, e aproveita que você tá aqui e lava as louças pra mim!”.

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As relações abertas contam com regras diferentes das usuais, por isso soam como se fossem liberais, mas são bem sérias quando feitas. Antes de qualquer coisa é necessário que cada um do casal saiba exatamente quais são seus desejos, necessidades e limites individuais. Só assim poderão conceber o que podem ou não fazer com outras pessoas. Um dos princípios mais comuns da relação aberta é usar preservativo nas relações extraconjugais, isso dá garantias de que a pessoa se cuida, se protege e, em consequência, protege a parceria. Outro é o de comunicar ao parceiro, caso seja despertado um interesse mais que sexual por outra pessoa; após isso é bom que se afaste dessa possível nova paixão. Afinal, a possibilidade do surgimento de um rival no plano afetivo é o principal fantasma que aterroriza as relações abertas. Por conta disso, muitos praticantes definem que só podem fazer sexo com determinada pessoa se o parceiro aprovar antes. Seguindo a mesma lógica, costumam ser vetados amigos ou conhecidos.

Thiago Bertoni declara: “Eu não sinto ciúme em absoluto, no geral eu até me interesso bastante em saber sobre as outras pessoas com quem a Bel se relaciona, mas não me sinto necessariamente ameaçado por outras pessoas”.

Um relacionamento aberto é mais do que simplesmente ter liberdade para transar ou beijar outras pessoas, isso é uma característica secundária. A ideia principal é estabelecer uma relação franca onde o diálogo contemple de maneira definitiva todas as questões que precisam ser discutidas para o bem pessoal de cada um e o bem dos dois como casal.

Aqueles que têm um relacionamento aberto sabem que não se trata de uma relação perfeita, há problemas, discordância e discussões furiosas como em qualquer relacionamento. A diferença real é que no relacionamento aberto tenta-se quase sempre estabelecer o espaço necessário para que a liberdade de cada um dos dois esteja garantida frente às questões do casal, fazendo com que essa liberdade reforce o laço que os une.

Certamente uma relação amorosa bem-sucedida depende muito mais do que o casal constroi quando está junto do que o que cada um faz em sua vida pessoal. Quando existe o respeito, a cumplicidade, o verdadeiro afeto, a generosidade e a maturidade, as chances da relação ter sucesso são altas. Com ou sem traição. Com ou sem relacionamento aberto.

Regras do JOGOCom preservativo e sem sentimento

Thiago Bertoni (27) e Bel Souza (25) se conheceram após um ensaio da banda de Thiago que se exibiu no violão e conquistou o coração de Bel. Depois de muitos flertes assumiram compromisso e estão juntos há cinco anos. No início Bel não concordou muito com a ideia do relacionamento aberto, mas com o tempo viu que essa forma era a que mais se encaixavam no estilo de vida e pensamento dos dois. “Acho que de alguma forma a sociedade tem preconceito com tudo, até com o que é considerado aceitável, nunca nada parece estar bom o suficiente. Acredito que as pessoas também devam falar do meu relacionamento entre si e disso devem sair opiniões a favor e contrárias, sinceramente isso não me incomoda”, diz Bel.

Agradecimentos especiais a Heloísa Noronha, Drauzio Varella, Carla Moradei, Eduardo Szklarz e Leandro Souto.