alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas na geriatria - monografia

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ÍNDICE 1. Introdução 2 2. Farmacocinética na Geriatria 4 2.1 Absorção 5 2.2 Distribuição 8 2.3 Metabolismo 1 0 2.4 Excreção 1 2 3. Alterações Farmacodinâmicas na Geriatria 1 4 4. Factores que podem alterar a farmacocinética e a farmacodinâmica dos medicamentos nos idosos 2 1 5. Interacções Fármaco-Fármaco nos Idosos 2 3 6. Efeitos específicos dos fármacos nos idosos 2 5 6.1. Analgésicos Opióides 2 5 6.2 AINEs 2 5 6.3 Anticoagulantes 2 6 6.4 Fármacos Cardiovasculares 2 6 1

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Page 1: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

Í N D I C E

1. Introdução 2

2. Farmacocinética na Geriatria 4

2.1 Absorção 5

2.2 Distribuição 8

2.3 Metabolismo 10

2.4 Excreção 12

3. Alterações Farmacodinâmicas na Geriatria 14

4. Factores que podem alterar a farmacocinética e a farmacodinâmica dos medicamentos nos idosos

21

5. Interacções Fármaco-Fármaco nos Idosos 23

6. Efeitos específicos dos fármacos nos idosos 25

6.1. Analgésicos Opióides 25

6.2 AINEs 25

6.3 Anticoagulantes 26

6.4 Fármacos Cardiovasculares 26

6.5 Psicofármacos 28

7. Conclusão 31

8. Bibliografia 32

1

Page 2: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

1 . I N T R O D U Ç Ã O

A Geriatria é o ramo da Medicina que se ocupa do estudo dos problemas

biomédicos que se desenvolvem com o envelhecimento. A definição de

envelhecimento depende de factores relativos, considerando-se os 65 anos como a

idade de início da terceira idade.

O envelhecimento progressivo da população em Portugal é uma realidade e as

projecções para as próximas décadas fazem prever que estas pessoas constituam uma

fatia considerável do trabalho do médico de família. Segundo dados do Instituto

Nacional de Estatística, em 2008, 15,2% dos homens e 19,9% das mulheres tinham

idade superior a 65 anos, prevendo-se para 2060 um aumento destes valores para

29,5% e 35,0%, respectivamente, e um indicador de envelhecimento superior a 2

idosos por homem jovem e 3 idosos por mulher jovem.

Com o envelhecimento aumenta o número de doenças crónicas e com elas, a

necessidade de utilizar fármacos para o seu controlo. Embora nem todos os idosos

necessitem de fármacos, a existência de múltiplas doenças crónicas no mesmo

indivíduo pode implicar a prescrição de fármacos de diferentes grupos terapêuticos,

aumentando os risco de efeitos adversos para a saúde.

A ocorrência de reacções adversas aos fármacos pode ser reduzida por um

aumento do conhecimento do médico e da consciência do problema. As interacções

farmacológicas podem ocorrer quando 2 ou mais fármacos são usados, mas

habitualmente não demonstram consequências adversas. Contudo, uma notável

porção das reacções adversas a fármacos resultam de interacções farmacológicas nas

quais o efeito de um ou mais fármacos se torna aumentado ou diminuído para além

dos limites da janela terapêutica requerida.

O aumento da frequência das reacções adversas a fármacos tem-se tornado um

2

Page 3: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

foco da farmacologia clínica. A etiologia dos efeitos indesejados do fármaco envolve a

examinação da farmacocinética do fármaco (especificamente, os fenómenos de

absorção, distribuição, metabolismo e excreção) e da farmacodinâmica

(especificamente os aspectos clínicos das respostas fisiológicas alteradas à acção do

fármaco incluindo a diminuição da resposta homeostática compensatória na

população idosa.

Hemorragia devido a anticoagulantes orais, hipoglicémia devido ao tratamento

da diabetes, e gastropatia associada ao consumo de AINES têm sido identificados em

estudos epidemiológicos como reacções adversas frequentes na população idosa. Uma

vez que polimedicação, definida como o uso de 5 fármacos em simultâneo por um

período superior a 6 meses, é também bastante comum - alguns autores referem que

pelo menos 85% dos idosos em Portugal consomem pelo menos 1 fármaco prescrito e

a maioria usa mais do que um (Galvão, 2006) – o potencial para reacções adversas tem

aumentado para cada classe de fármacos.

As reacções adversas na população idosa habitualmente não são

idiossincráticas, ou seja, reacções exageradas à dose usual, mas são mais

frequentemente extensões dos efeitos usuais do fármaco. Estas reacções são

responsáveis por admissões e estadias hospitalares prolongadas. Um estudo realizado

nos EUA, pelo National Service Framework for Older People (2001), revelou que 5-17%

dos internamentos hospitalares dos idosos são causados por reacções adversas a

medicamentos.

Para perceber como a administração dos fármacos está alterada para doentes

idosos, discutiremos os efeitos do envelhecimento na farmacocinética do fármaco

(absorção, distribuição, metabolismo e eliminação). De seguida, abordaremos assuntos

da mudança farmacodinâmica que resultam da alteração da sensibilidade e

modificação da resposta para um estímulo, e como os mecanismos homeostáticos

diminuídos contribuem para a alteração da resposta do indivíduo.

2 . F A R M A C O C I N É T I C A N A G E R I A T R I A

Os principais parâmetros farmacocinéticas sofrem alterações com a idade. A

sua menor complexão física e a deterioração dos órgãos fundamentais para a

3

Page 4: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

bioeliminação e eliminação com a idade contribuem de forma importante para a

alteração dos parâmetros farmacocinéticos.

A farmacocinética inclui os seguintes processos: a absorção, distribuição,

metabolismo e excreção dos fármacos, parecendo a absorção ser a menos afectada

pelo envelhecimento.

Os factores que influenciam a farmacocinética do idoso podem ser resumidos

no seguinte quadro:

Factores Farmacocinéticos Mudanças Fisiológicas com o

Envelhecimento

Mudanças Patológicas Factores Externos

Absorção Aumento do pH do suco gástrico,

diminuição da superfície de absorção,

menor motilidade intestinal

Acloridria, obstipação, diarreia,

gastrectomia, síndrome de

malabsorção, pancreatite.

Antiácidos em geral,

anticolinérgicos,

colestiramina, interacções

farmacológicas

Distribuição Diminuição do output cardíaco,

diminuição do volume de líquido

circulante, maior proporção de tecido

gordo, menor albumina plasmática

Insuficiência Cardíaca,

desidratação, edemas, ascite,

hepatopatias, malnutrição,

insuficiência renal.

Interacções farmacológicas

Metabolismo Involução hepática, diminuição da

actividade enzimática

Hepatopatias, febre, má nutrição,

doença da tiróide

Hábitos de dieta, consumo

de tabaco, interacções

farmacológicas

Excreção Diminuição da perfusão hepática,

diminuição da filtração glomerular,

diminuição da secreção tubular

Hipovolémia. insuficiência renal Interacções farmacológicas

Tabela 1: Factores fisiológicos, patológicos e externos que influenciam a farmacocinética nos idosos.

2.1 ABSORÇÃO

Em casos em que existe redução da capacidade funcional absortiva, por

exemplo, como resultado da redução do número de células absortivas, seria de

esperar uma redução quer na taxa quer na extensão da absorção do fármaco. Porém, 4

Page 5: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

dependendo das características fisico-quimicas do fármaco em particular, as alterações

na fisiologia do estômago podem na verdade facilitar a absorção do fármaco. No caso

de um fármaco cuja dissolução da formulação é o passo limitante na absorção do

fármaco, uma diminuição do tempo de esvaziamento gástrico pode aumentar a

extensão da absorção e, portanto, a exposição sistémica ao fármaco.

O envelhecimento está frequentemente associado com níveis de CCK elevados,

o que pode inibir as contracções gástricas distais e lentificar o esvaziamento gástrico.

(MacIntosh et al., 1999).

Se a secreção de ácido gástrico basal ou estimulada é ou não alterada, é

controverso. A maioria dos estudos sugere que, embora a secreção de ácido gástrico

seja em geral similar em jovens e idosos, a incidência da acloridria (incapacidade do pH

do estômago abaixo de 4.0 sob estimulação máxima da pentagastrina, devido à

ausência da produção de HCl) é aproximadamente 10-20% em pacientes idosos,

comparado com menos de 1% nos pacientes jovens (Blechman and Gelb, 1999). A

hipocloridria (diminuição de produção de HCl pode estar presente em

aproximadamente em 20% dos indivíduos acima dos 70 anos (Holt et al., 1989).

Embora o pH gástrico em jejum seja similar nos indivíduos jovens e idosos, a

resposta do pH gástrico pós-prandial difere significactivamente (Russell et al., 1993):

Jovens (N=24) Idosos (N=79) Valor de P

Jejum

pH, mediana (int.) 1,7 (1,4-2,0) 1,3 (1,1-1,6) 0,014

Durante a refeição

pH. mediana (int.) 5,0 (4,4-5,6) 4,9 (3,9-5,5) 0,74

Resposta pós-prandial, mediana (int.), min.

pH = 5 8 (2-17) 23 (6-46) 0,015

pH = 4 14 (8-40) 52 (27-115) 0,0002

pH = 3 42 (26-83) 89 (44-167) 0,0026

pH = 2 100 (44-143) 154 (82-210) 0,0026

Tabela 2: Comparação do pH gástrico entre jovens e idosos (Russell et al., 1993)

Numa avaliação do pH do tracto gastrointestinal superior conduzido num grupo

de indivíduos idosos saudáveis, 11% apresentam um pH gástrico superior a 5. Embora

o pH gástrico durante o consumo da refeição não seja significativamente diferente

entre os jovens e os idosos, o tempo mediano para a resposta pós-pandrial foi

significativamente menor nos jovens. Para pacientes que comem poucas horas ao dia,

5

Page 6: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

baixos valores do pH gástrico só podem ser encontrados no início da manhã.

Clinicamente, estas mudanças podem ser significativas para fármacos que apresentam

perfis de dissolução e/ ou activação dependentes do pH.

Um pH gástrico elevado pode resultar na redução da absorção de Ca²⁺, Fe²⁺,

tiamina, vitamina B12 e vitamina C.

O pH gástrico alterado pode, dessa forma, modificar a absorção do fármaco

pelo menos de duas formas. Para fármacos que sejam ácidos fracos, um incremento no

pH gástrico aumenta a ionização dos ácidos fracos, aumentando a sua solubilidade e

facilitando a sua absorção. Pelo contrário, as bases fracas dissolvem-se em menor

quantidade, existindo sobretudo na forma não-ionizada. Clinicamente, portanto, pode-

se observar dissolução e absorção aumentadas de ácidos fracos e diminuídas de bases

fracas em doentes com pH gastrointestinal alto, como idosos com hipocloridria ou logo

a seguir ao almoço.

O tracto gastrointestinal é um sistema de órgãos heterogéneos em que

propriedades como motilidade gastrointestinal ou o número de vilosidades e

microvilosidades podem mudar ao longo do sistema digestivo (Martinez and Amidon,

2002).

Além das mudanças verificadas no estômago com o aumento da idade também

se observam mudanças no intestino. Embora os enterócitos permaneçam

essencialmente inalterados, há uma redução do número de neurónios mioentéricos no

intestino delgado. As diferenças do pH duodenal são mínimas entre jovens e idosos

(Russell et al., 1993). Mudanças nos padrões manométricos, incluindo contracções

pós-prandiais diminuídas e reduções na frequência de complexos motores migrantes

levantam questões sobre o trânsito GI alterado em alguns indivíduos (Firth and

Prather, 2002). Tem-se observado atrasos no trânsito intestinal em pacientes idosos

saudáveis que se tornam inactivos (Liu et al., 1993). Estas mudanças são

relativamente menores e não se espera que alterem significativamente a absorção da

maioria dos fármacos, podendo existir excepções. Em particular, a absorção de

algumas formulações de fármacos epilépticos é mais sensível aos tempos de trânsito

intestinal, embora o significado clínico seja ainda incerto.

Numa avaliação de uma formulação osmoticamente controlada de

6

Page 7: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

carbamazepina, a exposição sistémica variou substancialmente como função do tempo

de trânsito intestinal do estômago e intestino delgado (Wilding et al.,1991). Neste

estudo conduzido, o tempo de trânsito gastrointestinal variou entre 10 e 60h. No

global, a libertação do fármaco foi maior nos indivíduos com trânsitos intestinais mais

longos, enquanto que mais de 30% do fármaco não foi libertado em indivíduos cujo

trânsito intestinal era mais rápido. Portanto, como os tempos de trânsito intestinal nos

idosos estão alterados, a formulação da dose e a forma de administração do fármaco

podem influenciar os padrões de absorção de anti-epiléticos pouco solúveis como a

carbamazepina.

Os pacientes idosos podem também apresentar menor compliance rectal e

tónus dos esfíncteres reduzidos. Trânsito lento no cólon distal, juntamente com

mudanças na função ano-rectal, podem contribuir para a elevada incidência da

obstipação vista em pacientes idosos (particularmente inactivos) (Firth and Prather,

2002). Se estas mudanças ou a alta influência da obstipação nos pacientes idosos

resultam em absorção rectal do fármaco alterada não é certo.

2.2 DISTRIBUIÇÃO

O volume de distribuição (VD) apesar de não ser uma medida fisiológica real, é

um parâmetro farmacocinético importante. O volume de distribuição é definido como

a quantidade de um fármaco no corpo dividido pela concentração do fármaco no

sangue ou plasma por quilograma de peso corporal.

Um volume de distribuição superior ao volume de sangue ou plasma sugere

que um fármaco se encontra particionado ou ligado a componentes do tecido. O

volume de distribuição é importante nas terapias de fármacos que exigem doses de

carga (por exemplo. digoxina,procainamida e amiodarona).

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Page 8: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

Cálculos da dose de carga são baseados no nível sanguíneo desejado em

repouso e no volume de distribuição:

Dose de carga (mg / kg) = Concentração sanguínea desejada (mg / L)

x Volume de Distribuição (L / kg)

A composição do organismo é um factor muito importante na distribuição dos

fármacos. Em média, para um jovem e um idoso médio, a quantidade total de água

diminui de 61% para 53% e a massa corporal magra diminui de 19% para 12%. A

proporção da massa corporal gorda, pelo contrário, aumenta de 18-20% para 36-38%

nos homens, e de 26-33% para 38-45% nas mulheres.

Consequentemente, fármacos hidrossolúveis como os aminoglicosídeos, a

digoxina, o etanol, a fenitoína, a meperidina e a teofilina, precisam de uma dose mais

baixa para chegar aos níveis plasmáticos requeridos, porque o volume de distribuição

nos idosos é menor. Já os fármacos lipossolúveis – tiopental, diazepam, salicilatos,

entre outros – vão ter um volume de distribuição no tecido adiposo maior, pelo que

pode haver um retardo na sua eliminação. Assim, o intervalo da dose nos idosos deve

ser ajustado para valores superiores.

Os transportadores plasmáticos também sofrem mudanças em pessoas de

idade avançada. Por exemplo, a albumina, que actua como transportador de ácidos

fracos, diminui a sua concentração nos idosos: de 4,7g/100 ml nos jovens para 3,8

g/100ml nos idosos. Doenças comuns na população idosa podem deprimir os níveis de

albumina. Estas incluem algumas doenças crónicas debilitantes que requerem terapia

farmacológica, tais como insuficiência cardíaca, doença renal, artrite reumatóide,

cirrose hepática, entre outras. Assim, os fármacos que se unem à albumina em

quantidades cada vez menores apresentam uma fracção livre farmacologicamente

activa maior, aumentando assim o efeito destes.

Por exemplo, num estudo realizado a oito jovens voluntários saudáveis do sexo

masculino e a seis pacientes idosos do sexo masculino e feminino, estes foram

submetidos a múltiplas doses orais de 500 mg de naproxeno duas vezes por dia. Os

níveis séricos de naproxeno foram medidos por cromatografia líquida de alta pressão,

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Page 9: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

sendo a concentração de fármaco livre determinada após diálise de equilíbrio.

Verificou-se uma concentração sérica máxima significativamente menor, uma menor

área sob a curva dose-resposta durante um intervalo, uma maior depuração corporal

total e um maior volume de distribuição aparente, para os pacientes idosos. A fracção

livre (menos de 1% do total da concentração de naproxeno) mostrou dependência da

concentração, tendo sido encontrada em maior percentagem nos idosos. As diferenças

farmacocinéticas entre os idosos e os jovens podem ser explicadas por uma menor

concentração sérica de albumina com a idade, juntamente com um decréscimo da

afinidade da ligação de naproxeno à albumina. Além disso, a depuração do fármaco foi

significativamente menor nos idosos pelo que é aconselhável iniciar o tratamento com

o naproxeno nestes com uma dose mais reduzida.

Outros fármacos como a acetazolamida, ácido valpróico, diflunizal, salicilatos,

varfarina, difenilhidantoína, fenilbutazona e fenitoína apresentam também um

incremento da concentração de fármaco livre inferior a 50%, requerendo doseamento

plasmático para uma maior segurança na dosagem.

2.3 METABOLISMO

Em geral, pode-se afirmar que o metabolismo hepático diminui com a idade. As

principais mudanças ocorrem na Fase I, estando maioritariamente diminuídas as

reacções de oxidação e mais ou menos preservadas as conjugações com ácido

glicurónico.

Isto pode causar problemas com a utilização de diferentes

ansiolíticos ou hipnóticos nos idosos, por exemplo. A maioria dos benzodiazepínicos

9

Page 10: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

(BZ), é primeiramente convertido por oxidação a metabolitos activos (fase I), que se

podem ligar aos receptores BZ, embora apresentem menor actividade que o fármaco

inicial. Em seguida, o fármaco é conjugado, formando metabolitos inactivos (fase II),

que são excretados.

Como os idosos apresentam menor massa hepática, fluxo sanguíneo hepático e

sistemas de oxidação, a fase I pode sofrer atrasos, levando à acumulação do fármaco e

de metabolitos activos, tendo como consequência a sobredosagem e o aumento de

efeitos adversos. A conjugação com ácido glicurónico, a sulfatação e a acetilação não

são tão afectados nos idosos.

Para que um fármaco sofra metabolismo de primeira passagem pelo fígado,

deve ser eficientemente extraído do sangue. Exemplos destes fármacos incluem

analgésicos narcóticos, propanolol, verapamil, teofilina, antidepressivos tricíclicos e

numerosos agentes antipsicóticos. Estes medicamentos são extremamente

dependentes do fluxo sanguíneo hepático, que está diminuido em 12 a 40% da

população idosa. Quando atinge uma determinada concentração, a capacidade do

fígado para extrair e metabolizar um fármaco é ultrapassado (saturação dependente

da cinética de primeira passagem). Quando isso ocorre, basta um pequeno aumento

na concentração do fármaco para levar a um grande aumento da concentração do

fármaco sistémico. A cinética torna-se dependente da dose.

O aumento da biodisponibilidade sistémica tem sido mostrado para vários

fármacos altamente extraídos em pessoas idosas, tais como o propanolol, o labetalol e

o verapamil. Por outro lado, a redução das taxas de absorção gastrointestinal pode

diminuir a biodisponibilidade dos fármacos altamente extraídos porque a maior parte

do fármaco é metabolizado na primeira passagem pelo fígado. Para tais fármacos, a

clearance aproxima-se do fluxo sanguíneo hepático para razões de extracção elevadas

(≥ 0,7), mas a duração da acção pode ser prolongada devido à lenta absorção

e / ou libertação de depósitos ou porque in situ o fármaco de longa duração é derivado

de um pró-fármaco de curta duração.

Estudos em humanos apontam para que as alterações na clearance dos

fármacos em idosos se devam principalmente à combinação diminuição do fluxo

sanguíneo e diminuição do tamanho do fígado.

10

Page 11: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

Fármacos como a varfarina, fenitoína e AINES apresentam uma clearance

hepática reduzida (≤ 0,3), estando substancialmente ligados às proteínas plasmáticas

com concentrações limitadas de fármaco livre e, consequentemente, sofrem pouco

metabolismo de primeira passagem.

Em pacientes com cirrose, doenças hepáticas avançadas ou idosos, a atividade

enzimática conjugativa não é significativamente afectada, pelo que nestes casos

especiais pode ser administrado oxazepam, temazepam ou lorazepam, que são

metabolizados exclusivamente por conjugação, tendo especial cuidado com lorazepam

nos idosos, devido à alta incidência de amnésia e confusão mental que ele produz.

Os benzodiazepínicos de acção intermédia e prolongada são mais susceptíveis a

acumulação e necessitam pois de mais ajustes da idose ou intervalos mais prolongados

em doentes hepáticos e idosos. Segundo estudos recentes, as doses de

benzodiazepínicos deve ser reduzida pela metade nos idosos (Martindale, 1993),

devendo-se evitar a via intravenosa para prevenir a ocorrência de apneia.

Os efeitos metabólicos podem ser atribuídos a um ou mais dos seguintes

factores:

1. Diminuição da permeabilidade da membrana celular dos hepatócitos para a

passagem de moléculas.

2. Alterações na concentração das enzimas ou hemoproteínas celulares.

3. Diminuição dos níveis do citocromo P450 e do sistema NADPH.

4. Diminuição do citocromo P450-redutase.

Também se observou uma menor taxa metabólica, com os seguintes fármacos:

imipramina e antidepressivos tricíclicos, barbitúricos, meperidina, fenilbutazona,

propranolol, quinidina, teofilina e tolbutamida. Esta diminuição pode ser devida a um

menor fluxo hepático e à menor massa hepática, como já foi referido anteriormente.

A cimetidina é um agente anti-ulceroso que provoca redução do fluxo

sanguíneo hepático e inibe as oxidases de função mista. O mesmo pode acontecer com

outros fármacos inibidores enzimáticos como a eritromicina e cloranfenicol, quando

administrados com fármacos metabolizados por oxidação (teofilina, fenitoína,

benzodiazepinas, propranolol, etc) podem provocar uma interacção perigosa com

acumulação de fármacos.11

Page 12: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

2.4 EXCREÇÃO

A excreção renal também diminui com idade, diminuindo aproximadamente 1%

ao ano a partir dos 50 anos. A clearance de creatinina pode estar reduzida até 50% em

80 anos, quando comparado com os jovens entre os 25 e os 30 anos, havendo uma

grande variação interindividual.

A excreção dos fármacos é afectada da mesma forma, devido a uma diminuição

da filtração glomerular e da função excretora dos túbulos renais com a idade. Isso

pode levar a um aumento significativo do tempo de semi-vida dos fármacos, com

maior tendência para a acumulação e a ocorrência de efeitos tóxicos. Os fármacos que

diminuem particularmente a sua eliminação renal com a idade são aminoglicosídeos,

ampicilina, cefalosporinas, doxiciclina, sulfonamidas, tetraciclinas, tiazidas, furosemida,

triamtereno, atenolol, digoxina. fenobarbital, amantadina e cloropropamida.

Devido aos factores farmacocinéticos acima indicados, a semi-vida plasmática,

ou seja, o tempo que leva para a concentração do fármaco no plasma diminuir até

50%, depende quer do VD quer da clearance:

A semi-vida dos fármacos aumenta e, em alguns casos, acentuadamente. Isso

pode ser devido quer a diminuições da clearance quer a aumentos do VD. como se

posse ver na tabela abaixo:

Fármaco Semi-vida plasmática num jovem de 25 anos

(em média) (h)

Semi-vida plasmática num adulto

de 70 anos (em média) (h)

Lidocaína 1,2 1,6

Ampicilina 1,2 1,7

Cefamandol 1,1 1

Carbenicilina 1 1,4

Cefradina 0,5 1,2

Penicilina G 0,5 1

Aminopirina 3,3 8,2

Practolol 6,5 8,2

Propanolol 2,3 3

Gentamicina 2,3 5,1

Imipramina 18 24

12

Page 13: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

Tioridazina 8 16

Doxiciclina 12 17

Amitriptilina 8 13

Clortalidona 53 369

Fenilbutazona 72 100

Fenobarbital 73 100

Digoxina 50 70

Lítio 18 32

Diazepan 18 92

Espironolactona 28 80

Tabela 3: Alterações dos tempos de semi-vida de fármacos em idosos, comparativamente aos

jovens.

3 . A L T E R A Ç Õ E S F A R M A C O D I N Â M I C A S N A G E R I A T R I A

Hoje em dia, ainda não é possível separar de forma clara os efeitos provocados

pela idade por si só daqueles provocados pela idade associada a presença de doença.

Sendo assim, é importante ter em conta a grande variabilidade de respostas a um

fármaco num grupo geriátrico heterogéneo, que abrange tanto os mais saudáveis e de

boa forma física, quanto os mais debilitados. Do mesmo modo, a presença de múltiplas

patologias e a consequente necessidade de prescrição de diversos tipos de

medicamentos altera a resposta do indivíduo aos fármacos, sendo mais afectados os

fármacos cuja janela terapêutica é menor.

A alteração da sensibilidade dos receptores dependente da idade pode causar

mudanças no efeito dos medicamentos nos idosos, diferenciando-se do espectro

farmacológico esperado. Existe muito pouca informação acerca das quantidades reais

de receptores e da sua sensibilidade, uma vez que estes estudos devem incluir uma

série de eventos em cascata que ocorrem desde quando o fármaco é administrado até

à resposta obtida. Apesar de tais quantificações terem sido possíveis in vitro e em

alguns modelos animais, obter a precisão necessária para tal em humanos é ainda

muito difícil. Desta forma, a maior parte dos estudos apenas relaciona a concentração

plasmática do fármaco com o seu efeito resultante. As benzodiazepinas são os

sedativos/hipnóticos mais prescritos para os idosos, sendo a maior parte delas,

13

Page 14: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

fármacos de clearance baixa (facto que se torna ainda mais evidente nos idosos), o que

implica que ao longo do tempo, seguindo uma toma normal, a concentração vai

aumentando. Como consequência deste problema, as benzodiazepinas de tempo de

semi-vida mais curto são as mais indicadas para a prescrição neste grupo etário.

Outros factores que podem aumentar a concentração das benzodiazepinas no SNC são

a diminuição dos níveis plasmáticos de albumina, à qual se ligam, alguma alteração

que torne a barreira hematoencefálica mais permissível, o aumento do número de

adipócitos (local de armazenamento das benzodiazepinas), entre outras alterações

farmacodinâmicas que já se provaram existir, embora não se saiba ainda quais.

Utilizando esta relação, descobriu-se que o sistema nervoso central do idoso é

mais sensível a doses únicas de fármacos psicotrópicos como a morfina, a maior parte

das benzodiazepinas e dos antipsicóticos. Tal pode ser devido a uma maior penetração

destes fármacos através da barreira hematoencefálica. As alterações dependentes da

idade no SNC envolvem os neurotransmissores e são estruturais, electrofisiológicas, e

bioquímicas. Devido a todas estas alterações, a frequência de presença de confusão

nos idosos é muito alta. As biotransformações hepáticas levam a alterações da

clearance da maior parte dos ansiolíticos e hipnóticos. Para além disto, os

neurotransmissores endógenos no SNC estão presentes em menor quantidade nos

idosos, causando uma resposta dos receptores aos fármacos aumentada

(supersensibilidade).

O aumento da sensibilidade dos receptores pode ocorrer também noutros

sistemas. Os anticoagulantes à base de cumarina têm um efeito maior na síntese de

factores coagulantes em idosos, na ausência de alterações farmacocinéticas.

A idade frequentemente resulta numa alteração da resposta ao fármaco

relativamente a indivíduos mais jovens, mesmo quando administrado em

concentrações iguais. Geralmente, a resposta a um fármaco diminui com a idade, o

que pode ser explicado a nível molecular. A tabela que se segue inclui exemplos de

alterações nos receptores devido ao envelhecimento.

Receptor Tecido Densidade de

Receptores

Alteração Fisiológica

Muscarínicos Cérebro Diminuída Memória diminuída

14

Page 15: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

Hormona Paratiroideia Rim Diminuída Diminuição da activação da vitaminaD

Beta-adrenérgicos Coração Ligeiramente

diminuída

Diminuição da frequência e da contractibilidade

Alfa-adrenérgicos Fígado Diminuída Sem alterações na glicogenólise

Opióides Cérebro Diminuída Anorexia e hipodipsia

Tabela 4: Alterações consequentes da idade nas quantidades de receptores e respectiva resposta fisiológica.

Alguns estudos em animais envelhecidos têm mostrado um défice na transmissão

colinérgica juntamente com um decréscimo no número de receptores muscarínicos de

acetilcolina. Este défice pode ser traduzido como uma perda da memória no animal

envelhecido.

A redução da resposta do miocárdio a catecolaminas é também de grande importância

médica. O funcionamento do seu sistema nervoso autonómico muda, podendo ser

esta a base para a hipotensão ortostática. Os doentes idosos têm uma resposta

diminuída das alterações da frequência cardíaca em resposta a bloqueadores beta-

adrenérgicos, o que indica uma diminuição da função parassimpática. Embora a função

parassimpática esteja diminuída nos idosos, a noradrenalina plasmática e a pressão

sanguínea aumentam, o que indica um aumento na actividade simpática cardíaca. O

reflexo barorreceptor também está diminuído nos idosos. A sensibilidade à

estimulação por isopreterenol e por bloqueadores beta-adrenérgicos diminui com o

envelhecimento. Para além disto, o exercício, que aumenta os níveis plasmáticos de

catecolaminas, não aumenta tanto a frequência cardíaca nos idosos como seria de

esperar. Estas observações confirmam as respostas diminuídas a beta-adrenérgicos

nos idosos. Mesmo que o output cardíaco aumente numa pessoa idosa saudável, como

aumentaria numa pessoa jovem, a fisiologia destes acontecimentos é diferente. Com o

envelhecimento, o volume ejectado pelo coração aumenta mais e a frequência

cardíaca aumenta menos do que seria de esperar num coração jovem, ambos em

exercício. Esta diferença é uma consequência da diminuição da resposta a estímulos

adrenérgicos. O sistema arterial, à medida que envelhecemos, vai respondendo menos

tanto a estímulos beta-adrenérgicos, quanto ao seu bloqueio.

Os receptores alfa-adrenérgicos foram também estudados. Nos hepatócitos, a

estimulação da glicogenólise por receptores alfa permanece inalterada com o

15

Page 16: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

envelhecimento, embora haja um declínio de 39% na densidade dos receptores alfa1-

adrenérgicos hepáticos.

As alterações funcionais dos receptores opióides causam anorexia, hipodipsia,

impotência e outras perturbações do comportamento, sinais e sintomas muitas vezes

associados ao envelhecimento em si. No indivíduo idoso, existe uma diminuição do

conteúdo em péptidos opiáceos no sistema nervoso central, assim como uma redução

no número de receptores µ-opióides.

Outra alteração importante ao nível pós-receptor é uma diminuição da

resposta dependente do cálcio. Os movimentos de entrada e saída de cálcio das

células são cruciais para um variado tipo de funções, podendo afectar a secreção, a

neurotransmissão, contracção muscular e a divisão celular. Foram observadas

mudanças na mobilização do cálcio em resposta a vários estímulos, como por exemplo

por hormonas, neurotransmissores e outros, nos idosos. A implicação clínica destes

achados está no uso de fármacos que possam reverter pelo menos parcialmente o

défice na mobilização do cálcio, levando a uma melhoria significativa nas funções

afectadas.

Nas veias humanas in vivo, o relaxamento por isoprenalina (isoproterenol)

diminui com a idade. Este fenómeno parece demonstrar alguma especificidade para os

receptores beta-adrenérgicos, uma vez que as respostas a vasodilatadores AMPc-

dependentes, prostaglandina E1, e adenosina mantêm-se constantes

independentemente do avanço da idade. Pelo contrário, as respostas sistémicas,

cardíacas e vasculares mediadas por receptores β diminuem neste grupo etário.

Indivíduos idosos que recebam a mesma dose de beta-agonistas, experienciam menos

taquicardia do que indivíduos mais jovens. Uma diminuição do mesmo tipo na resposta

cronotrópica foi observada em resposta a exercício físico. A resposta inotrópica

induzida por catecolaminas em miocárdios de ratos de laboratório envelhecidos

também está diminuída. Por outro lado, a vasodilatação em resposta a estímulos beta-

adrenérgicos aumenta com a idade.

Ainda existe muito pouca informação sobre as alterações na função das

proteínas G dependentes da idade, aparentemente, estas proteínas permanecem

inalteradas. Uma vez que não foram encontradas alterações nos receptores em todos

os tecidos, a redução da actividade da unidade catalítica da adenilato ciclase pode ser 16

Page 17: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

um dos mecanismos que levam à resistência de tecidos alvo envelhecidos às

catecolaminas e a outras hormonas que funcionam através de AMPc.

Existem outras alterações funcionais consequentes do envelhecimento, que

podem ter como causa alterações na função do sistema nervoso central, nas respostas

reflexas, no sistema renina-angiotensina-aldosterona e no equilíbrio hidroelectrolítico:

O abastecimento de sangue para o cérebro pode ficar comprometido pelo

estreitamento aterosclerótico dos sistemas arteriolares vertebral e carotídeo.

Hipoteticamente, esta diminuição no fluxo sanguíneo pode resultar em perdas

neuronais e causar ainda uma alteração da sensibilidade a fármacos de acção central

como benzodiazepinas, beta-bloqueadores, alfa-agonistas centrais, antidepressivos

tricíclicos, barbitúricos e opiáceos.

A sensibilidade do reflexo barorreceptor e a sua responsividade diminuem no

idoso. Devido a estas alterações, os doentes idosos frequentemente desenvolvem

hipotensão postural se medicados com nitroglicerina, fenotiazinas, diuréticos,

antagonistas do cálcio derivados da dihidropiridina e alfa-bloquadores periféricos. A

nitroglicerina pode induzir hipotensão mais severa, assim como bradicardia, em

doentes idosos com enfarte do miocárdio do que em doentes mais jovens,

possivelmente por maior relaxamento do músculo liso vascular.

Os níveis plasmáticos de renina e os níveis de aldosterona no sangue e na urina

diminuem com a idade, tanto em situações normais como em reposta a mudanças na

postura e a alterações de volume. Buhler F. et al sugeriram, no seu artigo “The Place Of

The Calcium Antagonist Verapamil In Antihypertensive Therapy.” para a revista Journal

of Cardiovascular Pharmacology em 1982, que devido à diminuição da actividade de

renina com o envelhecimento, estes doentes podem responder mais rapidamente a

diuréticos e antagonistas de cálcio do que a beta-bloqueadores e inibidores da enzima

de conversão da angiotensina. Por outro lado, o estado de hiporenina-hipoaldosterona

pode predispor a hipercaliémia, especialmente medicados com AINEs, IECAs, beta-

bloqueadores e diuréticos poupadores de potássio.

Como resultado da disfunção renal intrínseca e induzida por diuréticos,

frequentemente ocorrentes no idoso, e dos níveis mais altos de vasopressina

dependentes da idade, pode surgir retenção de água e consequente hiponatrémia.

Para além disso, a hipertensão prostática pode resultar em uropatia obstrutiva, 17

Page 18: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

levando a lesão renal ainda maior, maior retenção de água e hiponatrémia, que

persistirão até que a obstrução seja resolvida.

Os antagonistas do cálcio, por exemplo verapamil e nifedipina, são

medicamentos muito utilizados no tratamento para a hipertensão e doença cardíaca

isquémica. Existem dados que dizem que tanto a farmacocinética como a

farmacodinâmica destes fármacos podem ser afectadas pela idade, embora não se

tenha a certeza sobre a relevância clínica destas alterações. Num estudo em que se

mediu a clearance de 2.5mg de nifedipina administrados de forma intravenosa em

indivíduos normotensos jovens e idosos, descobriu-se que a clearance nos idosos era

significativamente mais baixa, sendo a concentração plasmática maior. Isto pode ser

devido a uma diminuição de forma geral na clearance, dependente da idade.

Um estudo relativo aos IECAs mediu o efeito hipotensivo da administração de

benazepril e enalapril, sendo que esse efeito hipotensivo era semelhante, apesar da

tensão diminuir mais nos indivíduos idosos cuja tensão inicial era mais elevada.

Para determinar as alterações farmacodinâmicas e farmacocinéticas dos alfa-

bloqueadores periféricos, 1 mg de prazosine foi administrado a jovens e idosos,

obtendo-se como resultados tempos de semi-vida muito semelhantes (apenas

ligeiramente aumentados nos idosos), concentrações máximas e taxas de ligação às

proteínas também idênticas nos dois grupos etários. Apesar disso, encontraram-se

alterações no efeito hemodinâmico, já que a pressão arterial sistólica baixou

consideravelmente mais nos idosos (apesar das alterações na pressão diastólica terem

sido muito semelhantes). Estas observações permitiram concluir que apesar da

farmacocinética do prazosine não ter sido afectada, a farmacodinâmica deste fármaco

aumenta com a idade.

Os nitratos são muito difíceis de analisar, logo há pouca informação sobre eles.

Apesar disso, teoricamente pode-se inferir que há alterações, já que o metabolismo

hepático de primeira passagem fica comprometido com o envelhecimento. A

nitroglicerina é pouco afectada por esta modificação, já que não é de primeira

passagem. Outra possível causa de alterações é o reflexo barorreceptor diminuído, que

pode levar à maior propensão para hipotensão ortostática, agravando-se com a

vasodilatação provocada por este grupo de medicamentos.

18

Page 19: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

Um dos fármacos mais comummente prescritos para os idosos é a digoxina, de

efeito inotrópico positivo, para o qual os idosos têm sensibilidade aumentada. O factor

que mais altera a farmacocinética deste fármaco é a polimedicação, já que há muitos

fármacos que interagem com ele (ex: quinidina, antiácidos, antibióticos, varfarina,

fenobarbital, levodopa e bloqueadores dos canais de cálcio). Outros factores que

aumentam a sensibilidade à digoxina nos idosos são o mecanismo homeostático

alterado, a hipocalémia induzida por diuréticos (já que provoca o aumento do uptake

miocárdico, logo, promove a secreção tubular). Por outro lado, a actividade

aumentada do simpático, por exemplo por febre ou infecção, pode diminuir a

sensibilidade à digoxina.

Quanto aos anticoagulantes, a resposta à varfarina é maior com o

envelhecimento. Uma vez que não foram encontradas diferenças na farmacocinética,

tal alteração pode ser devida à farmacodinâmica. Por outro lado, o facto de haver

albumina em menor quantidade no plasma dos doentes idosos pode influenciar estes

resultados, já que isso implica uma maior quantidade de anticoagulante livre, logo,

funcionante no sangue.

É também muito importante reconhecer que as dificuldades básicas que

envolvem os estudos dos efeitos dos fármacos são as relativas à distinção entre as

mudanças causadas pelo envelhecimento em si e aquelas primariamente influenciadas

por patologias, já que os processos patológicos podem influenciar os efeitos

farmacodinâmicos dos medicamentos.

4 . F A C T O R E S Q U E P O D E M A L T E R A R A F A R M A C O C I N É T I C A E A F A R M A C O D I N Â M I C A D O S M E D I C A M E N T O S N O S I D O S O S

Quando se pensa em envelhecimento em termos fisiológicos, a primeira coisa que vem

à cabeça é a diminuição da capacidade adaptativa. As respostas fisiológicas que requeiram

actividades integradas de vários sistemas de órgãos podem resultar num período de

recuperação mais lento num doente idoso, após mudanças fisiológicas ou patológicas. Um

doente idoso com volume plasmático diminuído, regulação vasomotora diminuída, falta de

tolerância à glucose, maior morbilidade por infecções e outras limitações pode estar mais

susceptível aos efeitos adversos dos medicamentos. As respostas homeostáticas diminuídas

19

Page 20: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

podem gerar reacções adversas a fármacos em idosos que seriam facilmente compensadas em

indivíduos jovens. O tratamento de doentes idosos pode ser extremamente complexo devido à

existência de múltiplas doenças e terapias farmacológicas capazes de produzir reacções

adversas.

Mesmo estando sob supervisão médica cautelosa, doentes nesta faixa etária podem

experienciar efeitos adversos a medicamentos. Os sedativos hipnóticos, antidepressivos,

ansiolíticos e o etanol são menos tolerados por estes doentes, especialmente quando vários

agentes são usados em simultâneo. Como resultado do uso de simpaticomiméticos,

antiparkinsónicos e/ou fármacos anticolinérgicos podem surgir alterações da função mental e

alucinações. Para além disto, estes medicamentos podem exacerbar o glaucoma ou a retenção

urinária. Alguns, aparentemente, suicídios em idosos podem acontecer por prescrição não

cautelosa de sedativos ou por ingestão repetida acidental num doente idoso confuso.

Há vários aspectos patofisiológicos do envelhecimento que contribuem para as

reacções adversas aos medicamentos, por exemplo, estados anóxicos, isquémicos,

diabéticos e hipotiroideus aumentam a sensibilidade a fármacos como a morfina,

barbitúricos e outros sedativos hipnóticos.

Na farmacoterapia a um doente idoso, é imprescindível individualizar a terapia, uma

vez que respostas inesperadas como hipersensibilidades, tolerâncias e toxicidades

devem ser antecipadas. A prescrição de vários fármacos simultaneamente pode

resultar num aumento farmacodinâmico das acções adversas de um fármaco, como se

pode ver na tabela a seguir.

Fármaco Factor de alteração (doença de

base ou medicamento prescrito

previamente)

Efeitos Adversos

Sedativos/Hipnóticos Doença Pulmonar Obstrutiva

Crónica

Possíveis respirações lentificadas e aumento da

retenção de CO2

Fármacos anticolinérgicos:

(ex: anti-histamínicos, relaxantes

musculares, narcóticos)

Hipertrofia Benigna da Próstata Possíveis défices na micção e obstrução ou

obstipação gastrointestinal

Anticolinérgicos, Narcóticos e

Antidepressivos Tricíclicos

Obstipação Possível agravamento da obstipação

Benzodiazepinas de Acção Longa Quedas, perdas de memória Possíveis quedas e perdas de memória

Beta-Bloqueadores Síncope Possível síncope

20

Page 21: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

Antidepressivos Tricíclicos Amitriptilina, Doxepina Efeitos anticolinérgicos e sedativos fortes

Analgésicos Propoxifeno, Indometacina,

Pentazocina

Efeitos adversos no SNC; Hipotensão

Antieméticos Trimetobenzamida Efeitos adversos extrapiramidais

Relaxantes Musculares Carisoprodol, Clorzoxazona,

Ciclobenzaprina, Metaxalona,

Metocarbamol

Mal tolerado, levando a efeitos adversos

anticolinérgicos, sedação e fraqueza

Benzodiazepinas de Acção Longa Diazepam, Clordiazepoxide e

combinações, Flurazepam

Risco aumentado de sedação prolongada,

quedas, fracturas, efeito amnésico

Benzodiazepinas de Acção Curta Alprazolam, Lorazepam, Oxazepam,

Temazepam, Triazolam

Sensibilidade aumentada, mesmos efeitos das

de acção longa

Ansiolíticos Meprobamato Altamente aditivo e sedativo

Antimuscarínicos/

Anticolinérgicos para doenças

gastrointestinais

Diciclomina, Hiosciamina,

Propantelina, Alcalóides Belladonna

Efeitos anticolinérgicos potentes e possíveis

efeitos tóxicos

Antihistamínicos de Primeira

Geração

Clorfeniramina, Ciproheptadina,

Difenhidramina, Dexclorfeniramina,

Hidroxizina, Prometazina

Efeitos anticolinérgicos potentes

Barbitúricos Todos os barbitúricos excepto o

Fenobarbital

Mais efeitos adversos do que quaisquer outros

sedativos ou hipnóticos e altamente aditivos;

geralmente não devem ser utilizados como

primeira terapia

Opióides Meperidina Analgesia oral ineficaz com muitas desvantagens

comparando com outros narcóticos

Antipsicóticos Atípicos Doença Psicótica Aumento de peso, sedação, efeitos

anicolinérgicos, tolerância à glucose anormal

Tabela 5: Efeitos adversos dos fármacos nos idosos com doença de base

5 . I N T E R A C Ç Õ E S F Á R M A C O - F Á R M A C O N O S I D O S O S

Os mecanismos pelos quais as interacções fármaco-fármaco podem existir incluem:

1. Inibição da absorção do fármaco

2. Fluxo sanguíneo hepático diminuído

3. Inibição da excreção renal

4. Inibição ou estimulação do metabolismo do fármaco

5. Deslocamento levando à desconexão da ligação à albumina

6. Efeitos farmacodinâmicos dos fármacos nas respostas tecidulares.

Algumas interacções medicamentosas importantes estão listadas na tabela seguinte (o

doente deve ser também inquirido por prescrições de outros médicos, fármacos sem

receita médica, chás e suplementos da dieta):

21

Page 22: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

Tabela 6: Algumas interacções medicamentosas importantes

Fármaco primário Fármaco(s) que interage(m) Mecanismo Efeito

Efeito Adverso

Aumentado:

Varfarina Fenilbutazona,

Metronidazole,

Aspirina

IM,DA

IM

OM

Hemorragia

Antidiabéticos

Sulfoniluréias

(Tolbutamida,

clorpropamida)

Sulfafenazole,

Cloramfenicol,

Fenilbutazona,

Varfarina

IM

IM

IM,DA,IE

IM

Hipoglicemia

Fenitoína Fenilbutazona,

Cloramfenicol,

Isoniazida

IM

IM

IM

Nistagmo

Ataxia Cerebelar

Sedação

Azatioprina Alopurinol IM Supressor da Medula Óssea

Metrotrexato Sulfisoxazole,

Aspirina

DA

IE

Supressor da Medula Óssea

Digoxina Diuréticos,

Quinidina

OM

OM

Intoxicação por digitálicos

Propanolol Cimetidina HBF Bradicardia

Sedativos Hipnóticos Etanol OM Sedação Excessiva

Efeito Adverso Diminuído:

Varfarina Barbitúricos,

Rifampim,

Glutetimida,

Disopiramida

SM

SM

SM

SM

Perda do controlo da

anticoagulação

Prednisona Barbitúricos SM Efeitos corticosteróides

diminuídos

Contraceptivos Esteróides

Orais

Rifampim SM Perda do efeito

contraceptivo

Quinidina Barbitúricos,

Rifampim

SM

SM

Efeito antiarrítmico

diminuído

Lincomicina Caolina-pectina IA Biodisponibilidade diminuída

22

Page 23: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

Tetraciclina Antiácidos-Ferro IA Biodisponibilidade diminuída

Clorpropamida Corticosteróides OM Efeitos hipoglicémicos

diminuídos

Metformina Respiradona OM Efeitos hipoglicémicos

diminuídos

Pioglitazona Olanzepina OM Efeitos hipoglicémicos

diminuídos

Mecanismos: DA = desconexão da ligação à albumina; HBF = fluxo sanguíneo hepático diminuído; IA =

inibição da absorção do fármaco; IE = inibição da excreção renal; IM = inibição do metabolismo do

fármaco; OM = outros mecanismos (efeitos farmacodinâmicos dos fármacos nas respostas teciduais);

SM = estímulo do metabolismo do fármaco.

6 . E F E I T O S E S P E C Í F I C O S D O S F Á R M A C O S N O S I D O S O S

6.1 ANALGÉSICOS OPIÓIDES

Os opiáceos como morfina, meperidina e pentazocina exibem uma semi-vida

mais prolongada e uma menor metabolização nos idosos, devido aos parâmetros

farmacocinéticos acima mencionados. Por isso, os idosos são em geral mais sensíveis

do que os jovens, sobretudo no que diz respeito à depressão respiratória. Uma vez

iniciada a terapia com opióides, o papel da função renal é crítico. Uma vez que muitos

dos metabolitos dos opióides sofrem depuração renal e têm actividade quer na

analgesia quer nos efeitos adversos indesejados, é crítico saber a clearance da

creatinina (não apenas a creatinina sérica) no idoso. As doses iniciais podem ser iguais

às dos doentes jovens, mas o médico deve usar um maior intervalo de dosagem ou

doses mais pequenas no decurso da terapia. A metadona, o propoxifeno, e a

meperidina não são recomendados para uso nos idosos, por causa da toxicidade dos

seus metabolitos. De todos os efeitos indesejados dos opióides, o mais difícil de lidar é

o da obstipação. Aqui, uma abordagem agressiva usando laxantes estimuladores do

intestino é crítica para prevenir este problema.

6.2 AINES

23

Page 24: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

Os AINEs são potencialmente mais perigosos nos idosos, causando irritação da

mucosa gastrointestinal, gastrite e hemorragia digestiva, que às vezes pode ser fatal.

Os AINEs também podem causar outros transtornos como hipercalémia e insuficiência

renal às vezes irreversíveis. Por isso os idosos com enfermidades crónicas como

osteoartrites, por exemplo, devem ser controlados na sua função renal, já que os

AINES tendem a acumular-se e provocar os ditos efeitos. Os agentes AINES como

indometacina, piroxicam, ibuprofeno (mas não o sulindac) diminuem o efeito diurético

da furosemida (diurético de alta eficácia) e antagonizam ou eliminam o efeito

antihipertensivo dos bloqueadores β-adrenérgicos, tiazidas, IECAS e outros fármacos

por inibir as prostaglandinas renais. A elevação da pressão arterial pode ser leve ou

severa em pacientes hipertensos quando se administram os AINES conjuntamente com

estes antihipertensivos.

6.3 ANTICOAGULANTES

Os cumarínicos (como a varfarina) podem ser mais perigosos em idosos do que

em jovens, embora isto seja controverso. Alguns estudos demonstram um efeito maior

da varfarina na sua acção inibidora da síntese da vitamina K e de factores de

coagulação dependentes da vitamina K nos idosos. Por isso é possível haver um maior

aparecimento de hemorragias como complicação nos idosos pelo que ser deve

controlar com grande cuidado o tempo de protrombina.

6.4 FÁRMACOS CARDIOVASCULARES

A incidência da toxicidade da digoxina aumenta com a idade, em grande parte porque

as duas doenças mais comuns que beneficiam com o uso da digoxina – insuficiência

cardíaca congestiva e fibrilhação auricular - são marcadamente mais prevalentes na

terceira idade. Se os idosos são mais sensíveis aos efeitos da digoxina per se é incerto.

Dados recentes apontam que a toxicidade da digoxina entre pacientes jovens e adultos

não difere. Incidências similares de toxicidade cardíaca, toxicidade gastrointestinal e

estado mental alterado são encontrados em ambas as populações de doentes.

24

Page 25: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

A administração de digoxina deve ser cuidadosa já que a excreção renal no

idoso pode estar diminuída. O volume de distribuição, que depende da massa magra

diminuída nos idosos, está também reduzido. Por isso, as doses devem ser

controladas, sobretudo as iniciais. Também se verifica nos idosos um aumento de

doenças que provocam comorbilidade, tais como doenças cardiovasculares e DPOC, o

que aumenta a susceptibilidade à toxicidade da digoxina. Além disso, o tratamento

destas doenças com fármacos tais como a quinidina e os bloqueadores dos canais de

cálcio podem aumentar os níveis séricos da digoxina.

Os antiarrítmicos sobretudo a quinidina, a lidocaína, a procainamida, NAPA,

exibem uma semi-vida mais prolongada o que leva a um maior risco de toxicidade. Os

bloqueadores dos canais de cálcio, verapamil e diltiazem, também produzem maiores

efeitos nos idosos.

Os β-bloqueadores foram investigados extensivamente, sendo ainda pouco

usados em doentes idosos com insuficiência cardíaca congestiva. Estudos, porém,

demonstram que os beta bloqueadores são eficazes e bem tolerados em pessoas

idosas com insuficiência cardíaca congestiva. Mas porque os efeitos adversos podem

ser bem mais frequentes e sérios nos idosos, os protocolos de prescrição têm de ser

estritamente aplicados. Os doentes com insuficiência cardíaca congestiva graus II e III

devem iniciar o tratamento com beta bloqueadores pelo menos 1 mês depois de

qualquer descompensação. A dose inicial deve ser a mais baixa possível (1,25mg/dl

para o bisoprolol ou nebivolol). As doses devem ser aumentadas muito

progressivamente e estádios superiores a 15 dias podem ser necessários. O objectivo

será atingir a dose de 10mg/dl para bisoprolol/nebivolol, dada a curva dose-resposta

que existe para os beta-bloqueadores nos idosos com insuficiência cardíaca. Em caso

de baixa pressão arterial, os tratamentos antihipertensivos devem ser reduzidos ou

abandonados (por exemplo, derivados dos nitratos ou bloqueadores dos canais de

cálcio). Uma redução na dosagem de qualquer diurético ou finalmente do beta-

bloqueador pode seguir-se, se necessário. Se ocorrer bradicardia, quaisquer

tratamentos anti-bradicárdicos (como a digoxina ou a amiodarona) têm de ser

reduzidos ou parados antes da redução da dosagem do beta-bloqueador.

6.5 PSICOFÁRMACOS25

Page 26: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

Os neurolépticos produzem mais efeitos adversos nos idosos. Embora sejam

úteis em indicações precisas, devem ser estritamente monitorizados. Os efeitos

antimuscarínicos das fenotiazinas podem provocar inconvenientes maiores em idosos

do que em jovens. Da mesma forma, a hipotensão ortostática da clorpromazina e

derivados é também mais evidente nos idosos do que em jovens. Os efeitos sedativos

dos neurolépticos podem ser maiores nos idosos, daí ser recomendado utilizar o

haloperidol por ter pouca acção sedativa. Às vezes os efeitos sedativos podem ser

convenientes, pelo que pode neste caso usar tiotidazida. Os efeitos extrapiramidais

são mais intensos com as butirofenonas, sendo mais evidentes nos idosos. Por isso,

não estão indicados em doentes com Parkinson e às vezes podem desencadear esta

doença com sintomatologia subclínica. Em geral, a semi-vida das fenotiazinas

aumenta. A tioridazina, por exemplo, duplica a sua semi-vida plasmática nos idosos. O

transporte plasmático modifica-se, já que a fracção livre aumenta.

Os antidepressivos tricíclicos produzem maiores efeitos adversos nos idosos. A

amitriptilina e a imipramina, apesar de serem eficazes em idosos deprimidos, não são

aconselhados, devido ao seu potencial para efeitos secundários. A desipramina

apresenta menos efeitos secundários tóxicos, especialmente no que diz respeito aos

seus efeitos anticolinérgicos, mas a sua eficácia não foi ainda bem estudada. Já a

nortriptilina é o tricíclico que foi melhor estudado e é, de acordo com esses estudos, o

fármaco de primeira linha no tratamento da depressão em idosos. É eficaz quer no

tratamento da depressão aguda ou crónica, apresentando actividade colinérgica baixa,

efeitos cardíacos reduzidos, mesmo em doentes com doença cardíaca estabelecida, e

menos hipotensão ortostática comparativamente com outros fármacos da mesma

família. Para além disso, apresenta um intervalo terapêutico definido para o seu nível

plasmático em repouso. O papel do seu metabolito 10-hidroxi precisa de ser mais

explorado, mas quando a sua contribuição para a eficácia e toxicidade for melhor

entendida, poderá ser possível usar de forma mais precisa e segura nos doentes

idosos.

Os inibidores da MAO também potenciam os seus efeitos adversos, não sendo

habitualmente prescritos a pessoas com mais de 60 anos, ou pessoas com doenças

cardiovasculares, uma vez que eles podem aumentar abruptamente a pressão arterial

26

Page 27: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

desencadeando uma crise hipertensiva. A doença de Alzheimer tem como suposta

base bioquímica uma diminuição da enzima acetilcolinesterase no SNC e uma

diminuição da Ach nos neurónios. Os neurónios colinérgicos tendem a desaparecer ou

a destruir-se. Também se observam diminuições nas concentrações de noradrenalina,

dopamina, 5-hidroxitriptamina e somatostatina. Estas doenças agravam-se

significativamente com os antimuscarínicos de acção central. Em 1990, a FDA

autorizou o uso limitado de tetrahidroaminocridina (THA), um inibidor de colinesterase

de larga duração, embora os seus resultados sejam pouco animadores. Também o

deprenil (IMAO-B) tém demonstrados certos efeitos úteis. Os chamados

vasodilatadores cerebrais não possuem nenhum efeito directo útil nesta doença.

Os ansiolíticos e hipnóticos são extensamente prescritos a idosos. Com a idade

avançada, há alteração da farmacocinética dos fármacos sedativo-ansiolíticos,

causando concentrações plasmáticas mais elevadas após dose única ou múltiplas

doses, o que pode originar uma resposta clínica alterada, com sinais mais evidentes de

sobredose, confusão mental, amnésia, sedação excessiva e dependência.

A maioria dos dados significativos disponíveis referem-se às benzodiazepinas,

que se tornaram a classe dos fármacos sedativo-ansiolíticos mais amplamente

prescrita. Embora não haja completa consistência dos dados disponíveis, estes indicam

que a terceira idade está associada a uma clearance afectada das benzodiazepinas que

são biotransformadas por oxidação microssomal (como o diazepam,

desmetildiazepam, desaquilflurazepam, bromazepam, alprazolam, triazolam e outros).

Por exemplo, a farmacocinética do bromazepam foi avaliada em 32 sujeitos

voluntários, divididos em jovens (21-29 anos) e idosos (60-81 anos), que receberam

doses orais únicas de 6mg e que depois colheram sangue durante as 48 horas

seguintes. Comparado com sujeitos jovens, os idosos apresentavam maiores

concentrações de pico séricas (132 vs. 82 ng/ml), menor volume de distribuição (0.88

vs. 1.44 L/kg), clearance oral reduzida (0.41 vs. 0.76 ml/min/kg), e fracção sérica livre

aumentada (34,8% vs. 28.8% livre). A coadministração de cimetidina (1.2 mg diários)

reduziu significativamente a clearance do bromazepam (0.41 vs. 0.82 ml/min/kg) e

prolongou a semi-vida de eliminação (29 vs. 23 horas). O propranolol (160 mg diários)

prolongou significativamente a semi-vida do bromazepam (23 horas), mas a redução

da clearance (0.65 vs. 0.82 ml/min/kg) não foi significativo. O bromazepam possui, 27

Page 28: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

pois, características farmacocinéticas das benzodiazepinas com valores de semi-vida

entre 20 e 30 horas. Consistente com a sua biotransformação por oxidação

microssomal hepática, a clearance do bromazepam é grandemente afectada em

idosos, com coadministração de cimetidina e possivelmente propanolol.

Para as benzodiazepinas metabolizadas sobretudo por conjugação com

glicuronatos (oxazepam, lorazepam, temazepam) ou por nitroredução (nitrazepam),

poderão existir mínimas diminuições na clearance. Apenas no caso do triazolam, existe

evidência directa ligando a redução da clearance ao aumento dos efeitos clínicos no

idoso. A sugestão de que a biotransformação por conjugação ou nitroredução seja

mais segura para idoso do que a biotransformação por oxidação não foi ainda

directamente validada. Existem evidências epidemiológicas que relacionam o uso de

benzodiazepinas de semi-vida longa (versus curta) com a incidência aumentada de

reacções adversas como confusão, quedas e fractura da anca em idosos. Contudo, a

clearance diminuída e a acumulação aumentada das benzodiazepinas em questão

ainda não foram validadas como causa do aumento das reacções adversas. A idade

aumentada pode estar também associada com um incremento da sensibilidade

intrínseca das benzodiazepinas, isto é, resposta farmacodinâmica aumentada,

relativamente a indivíduos jovens a uma dada concentração plasmática ou do órgão-

alvo. Esta mudança na sensibilidade pode coexistir, ou ser independente, das

alterações da farmacocinéticas.

7 . C O N C L U S Ã O

A Farmacocinética e a Farmacodinâmica são muito afectadas nos idosos, podendo

afectar em grande escala a forma como este grupo etário responde aos medicamentos.

Não só estão afectados os mecanismos relativos ao processamento do

medicamento logo após a sua ingestão e todos os outros até que haja uma concentração

suficiente do fármaco no seu local de acção, como também o número de receptores e a

forma como estes funcionam pode estar afectada, o que dificulta muitas vezes a análise

laboratorial dos estudos realizados, tornando difícil a diferenciação entre, dentro das

alterações, o que é verdadeiramente farmacocinético e farmacodinâmico.

28

Page 29: Alterações Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas na Geriatria - Monografia

A existência de doenças de base no idoso, muitas vezes mais do que uma, pode

levar a alterações fisiológicas do organismo, influenciando também a resposta aos

fármacos, específicos para cada alteração.

As interacções medicamentosas podem surgir, de igual modo, de efeitos

farmacocinéticos, influenciando a quantidade de fármaco no local dos receptores, ou de

alterações na cascata de reacções dos receptores, o que pode ocorrer em todos os grupos

etários. A frequência com que ocorrem estas interacções, no entanto, é muito maior nos

idosos uma vez que está directamente relacionada com o número de medicamentos

prescritos. Esta é a razão pela qual a poli prescrição é tão perigosa nos idosos, podendo

mesmo levar a admissões no hospital e até à morte.

8 . B I B L I O G R A F I A

Hammerlein, A., et al. “Pharmacokinetic and Pharmacodynamic Cahanges in the Elderly” in 1998 Clin Pharmacokinet

Bressler, R., et al. “Principles of Drug Therapy for the Elderly Patient” in 2003 Mayo Clinic Proc.

Novotny, J. “Specific Issues in Pharmacotherapy of the Elderly” in JHSMPH

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Magor-Valsecia, Farmacocinética e Interacciones entre Drogas en Geriatria, Capítulo 5,

Bressler, Rubin et al, Principles of Drug Therapy for the Elderly Patient (2003), Mayo Clin Proc, 78, 1564 – 1577

Galvão, Cristina, O idoso polimedicado e estratégias para melhorar a prevenção (2006), Rev. Port Clin Geral 22

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