agosto 2013 - eumed.net · de futebol, quadrilhas, festival folclórico do boi bumbá, compra de...

38
Agosto 2013 MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NAS SOCIEDADES RURAIS AMAZÔNICAS: UMA REFLEXÃO SOBRE A CIRCULARIDADE CULTURAL NA COMUNIDADE DE BOM SOCORRO DO ZÉ AÇU NO MUNICÍPIO DE PARINTINS, AM-BRASIL Luís Fernando Belém da Costa-UEA Charlene Maria Muniz da Silva-UEA Francisco Alcicley Vasconcelos Andrade-UFAM RESUMO A presente pesquisa teve como objetivo principal compreender o processo de circularidade da cultura entre a Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu com a cidade de Parintins assim como com as demais comunidades rurais adjacentes que compõe a localidade do Zé Açu. A Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu onde a pesquisa foi realizada localiza-se na margem direita do rio Amazonas e do Paraná do Ramos, em uma área de terra firme, localizada no município de Parintins-AM; distante a 14 km da sede municipal, e o meio de transporte para se chegar nessa Comunidade é por via fluvial, tem uma população atual que está em torno de 1200 habitantes, sendo que esta dividida em 230 famílias. Utilizou-se uma pesquisa de cunho qualitativa, tendo como base fundante o método indutivo; para a execução deste trabalho empregou-se os seguintes procedimentos metodológicos: a observação direta e participativa, aplicação de formulários com questões abertas e fechadas sobre, hábitus, circularidade da cultura, assim como, entrevistas com os comunitários utilizando gravador para registrar os depoimentos. Constatou-se que a relação da Comunidade de Bom Socorro com a cidade de Parintins e com as demais Comunidades rurais adjacentes é intensa, uma relação que se materializa através da ida e vinda de pessoas de um lugar para o outro, pelas festas religiosas, torneios de futebol, quadrilhas, festival folclórico do boi bumbá, compra de mercadorias, entre outros fatores; e nessa lógica as relações também condicionam as trocas de influências, ideias, informações, enfim, complementaridades culturais. Portanto, essa pesquisa foi importante pelo fato de ter-se buscado empreender as novas

Upload: vuongthien

Post on 10-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Agosto 2013

MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NAS SOCIEDADES RURAIS AMAZÔ NICAS: UMA REFLEXÃO SOBRE A CIRCULARIDADE CULTURAL NA COMU NIDADE DE

BOM SOCORRO DO ZÉ AÇU NO MUNICÍPIO DE PARINTINS, AM -BRASIL

Luís Fernando Belém da Costa-UEA

Charlene Maria Muniz da Silva-UEA

Francisco Alcicley Vasconcelos Andrade-UFAM

RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo principal compreender o processo de circularidade da cultura entre a Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu com a cidade de Parintins assim como com as demais comunidades rurais adjacentes que compõe a localidade do Zé Açu. A Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu onde a pesquisa foi realizada localiza-se na margem direita do rio Amazonas e do Paraná do Ramos, em uma área de terra firme, localizada no município de Parintins-AM; distante a 14 km da sede municipal, e o meio de transporte para se chegar nessa Comunidade é por via fluvial, tem uma população atual que está em torno de 1200 habitantes, sendo que esta dividida em 230 famílias. Utilizou-se uma pesquisa de cunho qualitativa, tendo como base fundante o método indutivo; para a execução deste trabalho empregou-se os seguintes procedimentos metodológicos: a observação direta e participativa, aplicação de formulários com questões abertas e fechadas sobre, hábitus, circularidade da cultura, assim como, entrevistas com os comunitários utilizando gravador para registrar os depoimentos. Constatou-se que a relação da Comunidade de Bom Socorro com a cidade de Parintins e com as demais Comunidades rurais adjacentes é intensa, uma relação que se materializa através da ida e vinda de pessoas de um lugar para o outro, pelas festas religiosas, torneios de futebol, quadrilhas, festival folclórico do boi bumbá, compra de mercadorias, entre outros fatores; e nessa lógica as relações também condicionam as trocas de influências, ideias, informações, enfim, complementaridades culturais. Portanto, essa pesquisa foi importante pelo fato de ter-se buscado empreender as novas

configurações socioculturais que se estabelecem nas áreas rurais da Amazônia, em um tempo em que a lógica da globalização tende a se impor de forma mais intensa nessas áreas, contudo, sem destruir completamente os hábitus e costumes dos povos tradicionais dessa região.

Palavras-chave: comunidade rural; influências; circularidades culturais.

ABSTRACT

This research aimed to understand the process of cultural circularity between the Community of Good Help Ze Acu Parintins with the city as well as other adjacent rural communities that make up the town of Zé Acu. The Community of Good Help Ze Acu where the research was conducted is located on the right bank of the Amazon River and the Paraná do Ramos, in an area of land located in the municipality of Parintins-AM, distant 14 km from the municipal seat and means of transport to reach this community is by boat, which has a current population is around 1200 inhabitants, and is divided into 230 families. We used a qualitative research slant, based on founding the inductive method, for the execution of this work we used the following methodology: direct observation and participatory application forms with open and closed questions, habitus, the circularity culture, as well as interviews with the community using recorder to record the interviews. It was found that the ratio of the Community of Good Help Parintins with the city and the surrounding rural communities is too intense, a relationship that materializes through the coming and going of people from one place to another, the religious festivals, tournaments football, gangs, folk festival ox bumbá, purchase of goods, among other factors, and that logic relations also affect the exchange of influences, ideas, information, finally, cultural complementarities. Therefore, this study was important because it has been sought to undertake the new socio-cultural settings that are established in rural areas of the Amazon, at a time when the logic of globalization tends to impose more intensely in these areas, however, without habitus and completely destroy the traditional customs of the people of this region.

Keywords : rural community; influences; cultural roundness.

INTRODUÇÃO

Pensar a Amazônia do ponto de vista da ciência é negar os próprios conceitos

que são difundidos empiricamente no conjunto da sociedade nacional e

internacional. “Fauna e flora”, eis a concepção cotidiana de Amazônia que é

repassada principalmente pela mídia, tanto nacional como internacional, visão essa

que precisa ser rompida segundo o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida

(2010), para que então se possa conhecer de fato os povos dessa região, que no

caso, são tratados com invisibilidade, não somente pela visão “biologizante” imposta

pela mídia, mas também por órgão governamentais, até mesmo pelo fato de que

essa região é vista ainda por muitos como um vazio demográfico a ser ocupado,

porém, é preciso entender que existe uma multiplicidade de povos e territorialidades

específicas dentro desse contexto, temos que nos deter no entendimento dessa

questão, e reconhecer os diferentes povos que constituem essa biodiversidade;

indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, quebradeiras de coco

babaçu, castanheiros, dentre outros grupos citados por Almeida (2010).

Nesta pesquisa o local de estudo é a Comunidade ribeirinha de Bom Socorro

do Zé Açu no município de Parintins-AM, por se entender que a mesma passa por

um processo de mudanças socioculturais nos últimos anos, principalmente a partir

da relação com a cultura urbana. No entanto, a relação com a cidade não se dá

somente por uma imposição urbana, acontece também num sentido de influências

recíprocas, da ida e vinda de pessoas, mercadorias, informações, idéias, tanto dos

moradores de Bom Socorro que vão para a cidade de Parintins, bem como dos

moradores da cidade que vão para Bom Socorro. Mas a reflexão neste trabalho

também abarca a relação da Comunidade de Bom Socorro com as comunidades

rurais adjacentes que compõe a localidade o Zé Açu, principalmente dando ênfase

para a relação com as comunidades de Boa Esperança (na parte terrestre), Nossa

Senhora de Nazaré, Nossa Senhora das Graças e Paraíso (nas margens da micro -

bacia do Zé Açu).

Este trabalho tem como foco principal compreender o processo de

circularidade da cultura na comunidade de Bom Socorro a partir de sua relação com

a cidade de Parintins e com as demais Comunidades rurais adjacentes da localidade

do Zé Açu, para tal os principais pressupostos teóricos utilizados foram os conceitos

de circularidade da cultura propostos por Fraxe (2004) e Ginzburg (1987), onde

ambos trabalham esse processo como algo que envolve trocas materiais e

imateriais, influências recíprocas e complementaridades culturais a partir de

encontros de culturas diferentes.

A pesquisa teve como objetivo geral compreender o processo de circularidade

da cultura entre a Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu e a cidade de Parintins,

assim como, as demais comunidades rurais adjacentes. Tendo como específicos:

levantar os principais fluxos de circulação de informações, pessoas e serviços

existentes na comunidade de Bom Socorro, caracterizar como ocorre o processo de

centralidade da Comunidade de Bom Socorro em relação às outras comunidades e

como as mesmas se relacionam, e apontar as principais características do processo

de circulação da cultura na Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu.

Para alcançar tais objetivos propostos nesse trabalho foram feitas,

principalmente, entrevistas com os moradores da comunidade de Bom Socorro,

além da aplicação de formulários com perguntas abertas e fechadas, de caráter

sociocultural, (sobre festas, quadrilhas, boi bumbá, relação com a cidade de

Parintins, relação com as outras comunidades da localidade do Zé Açu, etc.), onde

se utilizou o método da amostra aleatória simples, com 10% da população referente

ao número de famílias, o que representou 23 formulários aplicados, assim como

entrevistas e observação direta.

Este trabalho está organizado da seguinte forma: “Comunidades rurais

amazônicas: Modos de vida e cultura cabocla-ribeirinha”, se discute as relações

sociais e culturais que envolve o modo de vida nas Comunidades rurais amazônicas,

assim como se discute o tema cultura no tocante as mudanças e das permanências

que ocorrem ao longo da mesma, além de se fazer uma análise da relação

complementar entre campo e cidade (rural e urbano). E “As características do

processo de centralidade da comunidade de Bom Socor ro em relação às

demais comunidades adjacentes da região do Zé Açu”, no qual se discute

especificamente sobre o processo da circularidade da cultura na comunidade de

Bom Socorro, através da sua relação com a cidade de Parintins e com as demais

comunidades rurais adjacentes da região do Zé Açu.

Comunidades rurais Amazônicas: Modos de vida e cultura cabocla-ribeirinha

Os povos “tradicionais” da Amazônia, “termo bastante difundido no meio

cientifico”, tem um modo de vida próprio, que mesmo em transformação por uma

série de fatores, ainda conseguem manter muito de suas características

socioculturais nesses tempos em que a globalização tende a se impor sobre os

lugares. Neste trabalho o termo usado é a concepção de caboclo- ribeirinho, o qual é

usado por autores da região com grande experiência nessa área, como Therezinha

de Jesus Pinto Fraxe (2004, p. 23), que sobre este termo ressalta o seguinte “não se

trata, assim, de definir os caboclos-ribeirinhos como uma classe, uma essência ou

substancia, mas como pessoas inseridas em uma dinâmica social, com

características especificas”. Tal concepção se encaixa no contexto analisado, posto

que se busca nesta pesquisa compreender os aspectos socioculturais referente a

vida dos ribeirinhos moradores da Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu.

Para se analisar os aspectos socioculturais dos povos Amazônicos é

necessário entender primeiramente o contexto histórico que os mesmos passaram, e

nessa questão Benchimol (1999, p. 13) chama atenção para o fato de que:

O conhecer, o saber, o viver e o fazer na Amazônia equatorial e tropical inicialmente foi um processo predominantemente indígena. A esses valores e culturas foram sendo incorporados, por vias de adaptação, assimilação, competição e difusão, novas instituições, instrumentos, técnicas, incentivos e motivações transplantados pelos colonizadores e povoados.

Este autor compreende que para se analisar a questão social e cultural dos

povos amazônicos é preciso entender esse processo do ponto de vista da

miscigenação, do encontro de culturas diferentes, da vinda do europeu, e depois a

própria miscigenação do ponto de vista regional, dando destaque para a migração

nordestina na época áurea da borracha.

Mas é a cultura indígena que ainda funciona fundamentalmente como uma

espécie de regulação dos modos de vida desses povos. Esse contexto é observado

principalmente na cultura cabocla-ribeirinha, tanto partindo da questão da

alimentação, tendo como elemento regional indenitário o peixe, a farinha, em suma,

produtos regionais, como modos de produzir, e viver nesses “beiradões” dos rios da

Amazônia, onde existe uma forma específica de apropriação do ambiente.

É comum a ideia de atraso sobre os ribeirinhos da Amazônia, “atraso tanto

econômico, como de inovações tecnológicas”, principalmente a partir de uma visão

desenvolvimentista capitalista. Porém, essa visão de atraso das populações que

vivem nesses “interiores” da região amazônica e que despreza o lado cultural, está

principalmente condicionada pela lógica da racionalidade capitalista, que

desconsidera ou não atribui importância a esses povos.

De acordo com esse contexto o autor Harris (2006, p. 81) chama atenção

para a questão dos caboclos versus a “modernidade” quando expõe que:

Propomos o argumento de que os caboclos são modernos em sua renovação constante do passado no presente; uma estratégia que provou ser um sucesso reprodutivo e que foi decisiva para a adaptação dos camponeses as condições econômicas e politicas da Amazônia. As características essenciais dos camponeses que vivem as margens dos rios (ribeirinhos, caboclos) são sua flexibilidade e resiliência, aspectos que requerem uma explanação histórica.

Então este autor deixa claro que os caboclos pelas suas próprias renovações

diante das imposições das mudanças politicas e econômicas já seriam “modernos”

por excelência, posto que sobrevivem e se reproduzem sempre se adaptando as

condições as quais são expostos, renovando suas atitudes, em alguns momentos, e

mantendo outras. Então essa visão do atraso que tem se reproduzido

principalmente por entidades políticas e ordens econômicas tem que serem revistas,

e a ciência como um meio para mudar essas concepções deve se deter cada vez

mais nessas reflexões.

Pensar o processo sociocultural desses povos é também necessário analisar

do ponto de vista da formação das Comunidades rurais da Amazônia (de várzea e

terra firme), posto que refletir sobre o modo de vida desses povos historicamente

construídos (ribeirinhos, quilombolas, indígenas, entre outros) é pensar a

organização dos mesmos, o modo como foram se agrupando e formando suas

Comunidades. Nessa questão Fraxe (2011) argumenta que a igreja católica teve e

ainda tem um papel muito importante, visto que a mesma está presente como

intuição politica, social e cultural na vida destes povos. Basta pensar a configuração

socioespacial de uma Comunidade, onde geralmente a igreja é a referência

localizada sempre na frente da Comunidade, tendo do lado o Barracão comunitário,

e as festas de santo também a partir da relação com a igreja católica, é o momento

em que os comunitários reafirmam sua cultura. (Fraxe, 2011).

Fraxe (2011) ressalta que o processo de formação das Comunidades

amazônicas foi se configurando principalmente com o envolvimento da igreja

católica, e por isso mesmo não se pode desconsiderar o papel que a mesma tem e

teve na formação social e cultural dessas Comunidades. Porém, é preciso deixar

claro que mesmo antes da chegada da igreja católica, muitas populações rurais já

mantinham relações de Comunidade, (festejos, relações de parentesco, ajuda

mútua, organização social, etc.) então, a igreja em muitos casos apenas se

introduziu na organização politica, social e cultural das mesmas, Silva (2009) deixa

isso claro quando analisa a formação das Comunidades rurais de Parintins, porém, a

questão é que a igreja deu para esses povos o sentido de ser Comunidade, quando,

por exemplo, contribui para a escolha do nome e organização politica das mesmas.

Fraxe (2011) também chama atenção para o fato de que apesar dessas

Comunidades amazônicas possuírem uma serie de peculiaridades por terem

passado por um processo histórico semelhante nas suas constituições, ainda sim

não se pode afirmar que as mesmas são homogêneas, pois toda comunidade possui

certas características próprias. E por isso mesmo concepções generalistas sobre os

modos de vida nessas localidades tendem a ser refutados diante do conhecimento

local.

Porém, ainda que as comunidades não sejam homogêneas Fraxe (2011,

p.105) destaca que:

A vida comunitária no interior do amazonas não varia muito de comunidade para comunidade, pois as pessoas foram se organizando de forma que facilitasse suas vidas e assegurasse suas condições mínimas de sobrevivências. Essa organização deu-se em todos os segmentos da vida social, religiosa e política. Isso pode ser observado a partir do centro dessas comunidades, no qual estão sempre interligadas a igreja, a sede, a escola e a casa do líder.

Os dizeres da autora remetem a lógica da condição das semelhanças que se

é possível encontrar na realidade social, politica, econômica e cultural dessas

comunidades amazônicas, semelhanças essas que são inúmeras, assim como as

próprias diferenças, basta comparar uma comunidade de várzea com uma de terra

firme, que então será possível estabelecer inúmeras diferenças, seja na forma de

apropriação dos recursos naturais, como consequentemente no próprio modo de

vida.

Os modos de vida desses povos estão justamente vinculados à relação com o

meio, no caso do Caboclo-Ribeirinho da Amazônia, o modo de vida ainda se

fundamenta intimamente na relação com o rio e a floresta, pois são meios de

subsistência, transporte e símbolo cultural. Fraxe (2004, p. 20) fundamenta essa

concepção ao dizer que:

Uma cultura de profundas relações com a natureza, que perdura, consolida e fecunda o imaginário desse conjunto social, isto é, no âmbito de uma cultura “hibrida” com relação aos cânones urbanos, o caboclo busca desvendar os segredos de seu mundo, reconhecendo a mitos, lendas, plantas medicinais, rezadeiras, assim como o trabalho, ao labor e ao lazer; onde o homem viveu e ainda vive, em algumas áreas de forma tradicional, alimentando-se de pratos típicos, celebrando a vida nas festividades e danças originais, banhando-se prazerosamente nas aguas dos rios e das chuvas, curando-se de suas doenças com as plantas e ervas das florestas.

Essa lógica está relacionada ao modo de vida ribeirinho no processo de sua

identidade do lugar, o ribeirinho tem uma relação muito forte com seu local, e seus

hábitos, crenças, e cultura enfim estão relacionados ao lugar, pois segundo Fraxe

(2011, p. 123) “a construção de um lugar revela-se com a construção de uma

identidade”. E a identidade sendo gerada por um processo de pertencimento ao

lugar, é a marca especifica de um ribeirinho, que tem na relação com o local vivido

um mundo simbólico, dotado de significados próprios, e este apesar da invisibilidade

que é tradado pelos órgãos governamentais, ainda permanece construindo sua

historia com certa autonomia.

As culturas historicamente construídas: entre a mud ança e a permanência

A forma como as mudanças sociais, culturais, politicas e econômicas

acontecem no seio da sociedade global se dá de forma diferenciada em cada país,

região, território ou lugar, é nesse sentido que Giddens (1991) afirma que a história

da humanidade se dá de forma descontinuísta.

Nesse período que Santos (2006) classifica como técnico-científico-

informacional, o mundo parece cada vez mais interligado, principalmente via

informação, onde o global está cada vez mais presente no local, mesmo na

Amazônia, onde a informação se propaga via tecnologia para cada vez mais locais

distantes dos grandes centros urbanos, levando a ideia de “modernidade” através de

inovações tecnológicas, gerando uma relação de circulação ainda maior entre

culturas diferentes, entre modo de vida urbano e rural.

O autor Milton Santos (2006) propõe uma categoria conhecida como

horizontalidades e verticalidades, a qual se encaixa nesse tipo de analise. Por

horizontalidades se entende o espaço do lugar, onde a vida acontece, onde existem

relações comuns do viver, no qual as pessoas constroem seu cotidiano, sua cultura,

seu modo de vida, tudo baseado em condições locais. Diferentemente da

verticalidade que é uma imposição externa sobre o lugar, redefinindo-o, lhe impondo

uma nova configuração material e imaterial. Como exemplo poderia se encaixar

nessa questão uma “imposição” do modo de vida urbano em áreas rurais, posto que

nesse caso as ruralidades sofrem alterações condicionadas por algo externo “de

fora”, ocasionando mudanças de ordem sociocultural, principalmente.

Com a propagação da informação mediante ao imperialismo da globalização

no período “técnico cientifico informacional” o urbano atinge o rural, difundindo-os,

integrando culturas diferentes, sem, contudo, extingui-las, permanecendo dessa

forma particularidades locais.

Nesse contexto Giddens (1991) afirma também que a globalização pode

assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial,

que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são

modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa.

Porém, Stuart Hall (1997) chama atenção para a visão de que o processo da

globalização como algo inteiramente homogeneizador, que solapa de forma

completa as culturas, é errônea, pois dessa forma como é colocada, é uma visão

simplista, exagerado e unilateral segundo este autor. E “Assim, ao invés de pensar

no global como substituindo o local seria mais acurado pensar numa nova

articulação entre o global e o local”. (HALL, 1997, p. 84). Este autor ainda

acrescenta que as culturas nesse processo acabam por se tonarem menos

fechadas, ate mesmo pelo fato de que nos dias atuais a identidade cultural se tornou

algo móvel, então pensar a identidade como algo pronto é ao mesmo tempo

estatiza-la, é uma fantasia enganosa. É um erro analítico. Dessa forma, constitui-se

um erro considerar culturas locais como estática, mas sim como flexíveis e que

estão em constantes transformações.

Antônio Candido (1979) ao estudar a vida caipira na área rural do estado de

São Paulo (nos municípios de Piracicaba, Tiete, Porto Feliz, Conchas, Anhembi,

Bocatu e Bofete), argumenta que a incorporação dos povos tradicionais na

economia moderna capitalista funciona como ajuste social, econômico, ecológico,

cultural e psíquico. A economia caipira no inicio tinha uma organização social,

cultural e econômica bem fechada e centrada nas relações locais, porém, com o

tempo veio sendo alterada em todos esses quesitos devido a incorporação a

economia capitalista e a própria racionalidade urbana ocasionando uma crise social

e cultural. Esses povos ficaram entre a mudança e a resistência. E esta condição

dar-se pela: 1) aceitação total, 2) rejeição total, 3) aceitação parcial dos traços

introduzidos pela nova situação, sendo esta ultima hipótese mais comum e normal

nos que permanecem no campo.

A questão da cultura também envolve trocas materiais e imateriais. Por isso a

autora Maio (2007) considera interessante o conceito de híbrido, pois ela permite

movimento à cultura, ela permite trocas, ela exclui a necessidade de uma “pureza”

da cultura. Portanto, as trocas culturais se dão de diversas formas e motivos e esse

processo gera mudanças, gera hibridização segundo a mesma.

Ainda nessa linha de análise podemos citar as concepções do autor Carlos

Ginsburg (1987), que propõe o termo “circularidade da cultura”, para fundamentar

essa concepção o mesmo trabalha essa ideia a partir da história de um personagem,

um moleiro chamado Menochio; a história relata as perseguições sofridas por este

personagem pela inquisição, dando ênfase para seu extraordinário modo de

assimilação de culturas diferentes, um homem que se nutriu da cultura diferentes

lugares, e isso lhe deu diferentes argumentos e pontos de vista ao ponto de

questionar as imposições religiosas da igreja numa época em que isso era algo

imperdoável, sendo punido até com a morte, como ocorreu como aqueles que

tinham ideias diferentes da Igreja.

Ginzburg (1987, p. 21) confirma que “portanto, temos, por um lado, dicotomia

cultural, mas, por outro lado, circularidade, influxo recíproco entre culturas

subalterna e cultura hegemônica”. A ideia deste autor é mostrar que a cultura é algo

dinâmico, que as pessoas podem se apropriar de diferentes culturas, sem que com

isso tenham que perder de forma plena sua cultura de origem.

Para autores como Fraxe (2011) se tratando da cultura dos povos ribeirinhos

da Amazônia, a mesma afirma que as populações ribeirinhas apresentam uma

complexa rede cultural, caracterizadas pelo encontro de culturas, seja de

populações locais, ameríndias, do colonialismo europeu no passado ou mesmo da

recente chegada dos nordestinos no período econômico da borracha. Ou seja, uma

cultura formada pelo encontro de outras culturas, mas uma forma de perceber que

as complexidades apenas se intensificam a medidas que as analises sobre esse

termo se acentuam.

Campo e cidade no processo dialético: Reflexões sob re a circularidade da cultura entre o campo e a cidade, rural e urbano

Trabalhar a discussão campo/cidade-rural/urbano é uma complexidade

analítica sem tamanho, uma discussão em que as visões teóricas são tantas e ao

mesmo tempo divergentes. O propósito aqui neste trabalho é trabalhar a relação

campo e cidade (rural e urbano) no sentido da circularidade da cultura, no contexto

das trocas materiais (objetos, mercadorias, pessoas, etc.) e imateriais (sistemas de

informações, troca de ideias, culturas, etc.), de forma que permita o não

congelamento dos conceitos, assim como se leve em consideração a metamorfose

destes. Para tal os autores escolhidos não partem de definições rigorosas, mas de

analises que permitem a compreensão desses conceitos no sentido “móvel”.

E nessa linha de raciocínio concorda-se com as concepções de Saquet (2006,

p. 160) quando o mesmo afirma o seguinte:

Um aspecto importante, é a não definição do rural somente pela agricultura e do urbano somente pela indústria. Ambos relacionam-se reciprocamente e contém uma miríade de aspectos específicos inerentes a formas de vida distintas. Há complexidade e heterogeneidade nos espaços rural e urbano. Elas são territoriais, com temporalidades e territorialidades. O que varia, são os arranjos, as intensidades, formas e conteúdos, as velocidades. Um só pode ser compreendido em suas relações com o outro, pois um está no outro, só vem a ser pelo outro, numa relação complementar, dialeticamente definida.

É importante notar que Saquet (2006) nos leva a entender essa relação não

apenas como conceitos de realidades opostas, mas como conceitos que se

articulam, que se interagem, que se transformam nas suas relações. Ou seja, assim

como existe as diferenças entre rural e urbano, também há as complementaridades.

Num lugar ambos podem estar presentes, trabalhando conjuntamente, porém, sem

perder muito de suas essenciais, até por que se os colocarmos como a mesma coisa

estaríamos caindo na visão homogeneizante da imaterialidade de cada lugar.

Nesse sentido, a relação campo e cidade se torna algo inevitável, ou seja, é

impossível falar de urbano ou rural sem levar em consideração as suas relações de

trocas, suas complementaridades. Priscila Blagi (2006, p. 96) confirma essa ideia

quando expõe que:

As mercadorias transformadas e produzidas na cidade (eletrodomésticos, automóveis, vestimentas etc.) invadem o campo, assim como os produtos gerados no campo (alimentos em geral, matérias-primas) invadem a cidade. Essa relação entre campo e cidade se intensifica, porque a divisão territorial do trabalho, estabelecida pelo desenvolvimento do modo de produção, coloca funções especiais para cada espaço, de modo que eles se inter-relacionam e se complementem. Ambos se transformam, se adequando ás mudanças ou a elas resistindo.

A partir desse pressuposto rural e urbano não se tornam dicotômicos na

analise, e sim complementares. O autor Biazzo (2008) sustenta que as primeiras

interpretações sobre o tema eram dualistas, colocavam “urbano” e “rural” como

áreas contrapostas, espaços com características próprias e isoladas, sem considerar

como foco principal suas complementaridades, sendo essa uma forma de analise

cada vez menos cabível nas analises cientificas na atualidade. Este autor comunga

da ideia de que há a cidade e campo são formas no espaço, enquanto rural e urbano

especificam o conteúdo social destas formas.

Este autor propõe uma nova categoria para o trato dessa questão, ao invés

de rural e urbano, o mesmo entende que o termo correto para o entendimento desse

conteúdo seria as ruralidades e urbanidades.

Então, o que são, afinal, “o rural” e “o urbano”? Nada mais do que construções simbólicas, manifestações ou criações culturais concebidas, sim, a partir de hábitos, costumes. Ao contrário do campo e da cidade, ou melhor, de espaços campestres e citadinos, urbano e rural não podem ser mensurados ou delimitados, sequer analisados, porque não são substantivos. O uso das expressões ruralidades e urbanidades parece mais adequado do que “rural” e “urbano”, pois expressam maior dinamismo através de identidades sociais que se reconstroem. As manifestações associadas a imagens rurais e urbanas podem ser identificadas, na medida em que os indícios de sua existência estão nas práticas sociais e nas identidades constituídas/atribuídas por cada indivíduo, instituição ou agente social. (BIAZZO, 2008, p. 145).

Este autor ainda ressalta que em paisagens do campo e das cidades (formas,

conjuntos de objetos) existem urbanidades e ruralidades (conteúdos - heranças,

origens, hábitos, relações, conjuntos de ações) que se combinam, gerando novas

territorialidades, admitindo-se que cada local ou região pode abrigar diferentes

territorialidades superpostas, relativas a diferentes agentes sociais. Para reforçar

essa busca por uma nova visão, sustenta-se que não há espaços rurais ou espaços

urbanos. Há urbanidades e ruralidades que, combinadas, ensejam as

territorialidades particulares de cada localidade, município ou recorte regional. Trata-

se de não encarar rural e urbano como substantivos, pois desta forma nada

especificam e seu significado se esvazia (BIAZZO, 2008).

Outro autor que trabalha a relação rural e urbano é Rua (2007) que chama

atenção para o termo urbanidades no rural, que na visão deste autor se refere a

todas as formas de representação do urbano em áreas rurais, tanto no sentido da

paisagem típica da cidade como no próprio modo de vida, porém esse autor

concebe urbano e rural a partir de uma relação dialética entre ambos, na medida em

que não há por exemplo o fim do rural a partir dessa relação, mas sim

ressignificação, em que o rural como modo de vida se adequa as imposições da

mudança.

Um estudo que norteia bem aquilo que se busca mostrar neste trabalho foi à

pesquisa realizada pela autora Terezinha Fraxe (2004), no qual a mesma estudou o

processo de circularidade da cultura entre a Comunidade ribeirinha de São

Francisco localizada no município do Careiro da várzea em relação à cidade de

Manaus. A mesma identificou toda a questão do fluxo que ocorre entre esses locais

(urbano e rural), destacando a ida e vinda de pessoas de um lugar para o outro; dos

moradores dessas comunidades que vem até Manaus vender seus produtos na feira

“Manaus Moderna” localizada no centro da cidade de Manaus, assim como comprar

mercadorias na cidade, e que acabam levando e vivenciando o modo de vida urbano

e mais tarde colocando as informações que tiveram da cidade em contato com a

comunidade, o que caracteriza e intensifica a circulação da cultura.

A autora deu destaque principalmente para os jovens das comunidades que

tende ir para Manaus por causa dos estudos ou trabalho, e com isso fazem parte de

uma troca cultural ainda mais intensa, ate mesmo pelo fato de que muitos

estudavam durante os dias da semana (segunda a sexta) na cidade e finais de

semana (sábado e domingo) já encontram-se em suas respectivas comunidades,

trazendo todo um arcabouço da cultura urbana para seus locais de origem. Esse é o

processo de circularidade da cultura, que gera uma condição de trocas recíprocas,

sem que as especificidades de cada cultura se percam de forma plena, ocorre então

acréscimos, apropriações, e relações complementares de culturas diferentes.

As características do processo de centralidade da C omunidade de Bom

Socorro em relação às demais Comunidades adjacentes da localidade do Zé

Açu

A Comunidade de Bom Socorro segundo informações do presidente da

mesma, o Sr. João Gabriel, possui atualmente aproximadamente 230 famílias e

1200 moradores. Tem certa infraestrutura semelhante com a de uma pequena

cidade, possuindo 07 ruas e duas travessas, as mesmas são “asfaltadas” (calçadão)

e todas já possuem nomes, essa comunidade possui sistema público de

abastecimento de água encanada e energia elétrica. Tendo nos aspectos da saúde,

educação e economia um ponto de referência na localidade do Zé Açu, que por esse

motivo torna essa comunidade uma centralidade nesses quesitos em relação às

demais comunidades adjacentes1 que utilizam esses serviços.

Figura 1: A comunidade de Bom Socorro do Zé Açu. Fonte: trabalho de campo, 2013 (foto de Hapolo Ferreira).

1 Demais Comunidades adjacentes da localidade do Zé Açu: Nossa Senhora das Graças, Nossa Senhora de Nazaré, Paraíso, Santa Fé, Boa Esperança, Nova Esperança, Brasil Roça e Vista Alegre.

Figura 02: mapa de localização das comunidades que matem um maior fluxo de relações FONTE: Charlene Muniz, 2013.

O mapa acima mostra as Comunidades de Boa Esperança (na parte

terrestre), Nossa Senhora de Nazaré, Paraíso e Bom Socorro (nas margens da

micro - bacia do Zé Açu). O destaque maior é para a Comunidade de Bom Socorro,

pelo fato de a mesma funcionar na região do Zé Açu como uma centralidade através

principalmente dos serviços de saúde, educação e da influencia econômica, serviços

estes que atraem as outras comunidades que não dispõe desses mesmos serviços,

ou simplesmente por que não os possuem com a mesma qualidade que existe na

comunidade de Bom Socorro.

Entre essas comunidades destacadas acima no Mapa o processo de

circularidade da cultura ocorre de forma mais intensa, devido principalmente ao fator

da proximidade entre as mesmas. Através das festas de Santo, das quadrilhas, do

boi bumbá, dos campeonatos de futebol, das relações de parentesco, dos encontros

religiosos, das influencias reciprocas de ideias, informações, enfim, é desse ir e vir é

que se concretiza o processo de circularidade da cultura entre essas Comunidades

no sentido proposto por Fraxe (2004) e Ginzburg (1987). E é principalmente pela

influencia da comunidade de Bom Socorro quanto às outras Comunidades é que

esse processo de trocas que envolve a circularidade da cultura se materializa.

Recentemente Bom Socorro passa por um processo de “expansão da área

urbana”, e a maioria das pessoas que estão indo morar na mesma são de outras

comunidades próximas, principalmente da comunidade do Paraiso destacado no

mapa, que fica nas margens do lago do Zé Açu também cerca de 20 minutos de

canoa a remo de Bom Socorro. Nas entrevistas ao serem perguntados sobre os

principais motivos para estarem vindo morar para Bom Socorro, a resposta mais

frequente foi de que vieram principalmente pelos serviços que podem encontrar em

Bom Socorro, principalmente a questão da água encana, do centro de saúde e da

escola, serviços estes que geralmente não existem nas suas respectivas

comunidades de origem.

Em entrevista uma moradora (D. S. S, 45 anos) ressaltou que antes, quando

morava na Comunidade do Paraíso enfrentava muitas dificuldades, posto que um

dos problemas é o fato de não ter água encanada, sendo que a mesma tinha que

utilizava a água direta do lago, e no tempo da vazante (julho a novembro) a água do

lago ficava muito suja e imprópria para consumo, acarretando principalmente

problemas de doenças como vômito e diarreia segundo a mesma.

Outra dificuldade era no campo da educação, visto que seus filhos estudavam

em Bom Socorro, e todos os dias tinham que ir remando de casco (embarcação

típica dos ribeirinhos da Amazônia), para o colégio. Então por essas e outras

dificuldades é que muitos moradores das outras Comunidades adjacentes estão

migrando para Bom Socorro, pois essa Comunidade oferece serviços que nas outras

ou não existem, ou existem de forma precária ainda.

Neste capitulo será dada ênfase para os três elementos principais que

constituem a base do processo de centralidade da comunidade de Bom Socorro do

Zé Açu, são estes: o Centro de saúde comunitário Maria do Carmo, a escola

municipal professor João Lauro, e os comércios em gerais da comunidade. Sendo

que escolhemos esses três como elementos de referencia para atração de outras

comunidades da região do Zé Açu para Bom Socorro.

O Centro de saúde Maria do Carmo na comunidade (figura 03) possui

atendimento diário, programas básicos de saúde, atendimento odontológico, onde o

médico atende três vezes por semana (segunda, quarta e sexta), conta com três

agentes de saúde comunitários, possui ainda uma enfermeira e um fisioterapeuta,

além de possuir todos os programas básicos de saúde da cidade de Parintins. Na

pesquisa anterior em Costa (2012) constatou-se que no caso do tratamento de

doenças ou outra situação que exige o serviço de saúde, 61,9% dos entrevistados

declaram que usam os serviços do posto de saúde da comunidade, e apenas 23,8%

disseram usar os hospitais da cidade de Parintins, sendo que as doenças mais

frequentes na comunidade são principalmente a gripe, diarreias, micoses, casos de

vômitos, hipertensão e diabetes. Funciona de segunda a sexta, das 07h às 11h e de

13h às 17 horas.

Figura 03: Centro de saúde comunitário. Fonte: trabalho de campo, 2011 (foto de Luís Costa).

Em entrevista a enfermeira do posto comunitário relatou que as principais

dificuldades enfrentadas pelos profissionais se referem à falta de material humano,

pois falta um médico fixo no local e também ,segundo a mesma falta um

entendimento por falta dos comunitários quanto à questão da prevenção, pelo fato

de que muitos apenas procuram o posto em casos de doença, ou seja, não tem a

cultura de prevenirem-se, ir constantemente ao centro de saúde, e fazer os

diagnósticos necessários para prevenir certas doenças. Para a profissional, seria

necessário um investimento da prefeitura municipal em campanhas de prevenção de

certas doenças, nas áreas rurais, visto que essas campanhas sempre ocorrem mais

na cidade.

Sobre a importância do centro de saúde para as comunidades da localidade

do Zé Açu a mesma fez o seguinte comentário.

Bom então, todo mundo precisa, tanta comunidade aí que precisa, ao invés de ir pra cidade, e como a aqui é uma região bem populosa, aqui mesmo o Bom Socorro é bem populosa, então é um avanço muito grande ter o posto [...] e para as outras comunidades também, mesmo tendo a dificuldade, por

que as comunidades são muito distantes, e a referencias delas é aqui o posto, então se acontece as vezes alguma coisa elas correm pra cá, então só o fato de elas terem pra onde vim, já é um grande avanço. (I. G. S, 29 anos, trabalho de campo, 2013).

Então no comentário da mesma é possível constatar a importância que o

centro de saúde têm, não só para a comunidade de Bom Socorro, como para outras

da região, no caso, ao todas são 09 comunidades, sendo 04 localizadas nas

margens do rio e 05 localizadas na beira das estradas. Essa questão fundamenta a

ideia de centralidade da comunidade de Bom Socorro do Zé Açu na região através

do setor da saúde.

Na área da educação está presente a escola Municipal Prof. João Lauro

(figura 04), que tem como gestor na atualidade o Sr. Antônio Gonçalves Filho. Essa

escola possui 08 salas; atende do maternal ao 9º ano e possui o ensino tecnológico

a noite, atendendo cerca de 622 alunos e possui 20 professores (a maioria possui

ensino superior). O ensino maternal possui 21 alunos pela manha e 24 à tarde. A

escola se destaca também por ter uma sala de informática com dez computadores,

além de desenvolver um projeto de educação inclusiva, pois conta com uma sala

AEE- Atendimento Educacional Especial- atendendo 12 alunos com necessidades

especiais (COSTA, 2012).

Figura 04: Escola municipal Prof. João Lauro Fonte: trabalho de campo, 2011 (foto de Luís Costa).

Essa escola atende principalmente os alunos das Comunidades adjacentes,

atende alunos de 10 Comunidades (nome das Comunidades adjacentes em anexo)

segundo o gestor da mesma, totalizando, levando em consideração os três turnos

(matutino, vespertino e noturno) um total de 149 alunos que são provenientes de

outras Comunidades, que chegam à escola de Bom Socorro tanto por via fluvial

(barcos) como por via terrestre (ônibus), como demonstram as figuras abaixo. A foto

05 mostra os alunos das Comunidades adjacentes chegando de barco na

Comunidade de Bom Socorro para estudar, nesse caso no período noturno. A foto

06 mostra os alunos das Comunidades adjacentes já voltando de ônibus para suas

respectivas Comunidades, nesse caso no período matutino.

Figura 05: Os alunos chegando por via fluvial em Bom Socorro FONTE: trabalho de campo, 2013 (foto de Hapolo Ferreira)

Figura06: Os alunos voltando de Bom Socorro para suas respectivas Comunidades FONTE: trabalho de campo, 2013 (foto de Hapolo Ferreira)

Então a Comunidade de Bom Socorro através da área educacional consegue

estabelecer uma relação de centralidade sobre as outras Comunidades adjacentes

do Zé Açu, e o depoimento a seguir do diretor da escola dessa Comunidade

confirma ainda mais esse processo de influência.

Eu vejo que ela se torna importante é que quando muitas das vezes tivemos essa situação, casos de pais não querer matricular seus filhos nas suas comunidades, que está próximo da sua casa, pra matricular aqui, por que dizem não, aqui meu filho vai aprender e lá não, então eu vejo que aqui é centro, e tem essa referencia de suma importância, justamente por essa questão, compromisso dos colegas, e o compromisso vai desde la da cozinha até a gestão da escola [...] mas ela se tornou importante por que todo mundo abraçou a causa, e por isso é uma escola bem vista, de referencia. (A. G. F, 44anos, trabalho de campo, 2013).

Nessa questão foi perguntada ao diretor da escola a forma como o mesmo

analisava a importância da escola de Bom Socorro para as demais Comunidades

adjacentes da localidade do Zé Açu. A resposta do entrevistado fundamenta a

importância da escola local no papel da educação, visto que como o mesmo disse,

tem pais que preferem matricular seus filhos na escola da Comunidade de Bom

Socorro do que nas suas respectivas Comunidades, ate mesmo pela estrutura

diferenciada que tem essa escola como já comentado, boa estrutura essa que

certamente não existe nas escolas das outras Comunidades; e essa questão mostra

a influência exercida por Bom Socorro quanto às outras Comunidades adjacentes,

nesse ponto através da educação.

Quanto aos comércios, estes estão presentes na Comunidade (figura 07),

geralmente são de moradores, que transformam um cômodo de sua casa em

comércio, existe uma significativa variedade no numero de mercearias, açougues,

pequenos comércios, lanche, e bar como se pode observar no Quadro abaixo.

Segundo informações de alguns comunitários os comércios da comunidade de Bom

Socorro abastecem não apenas o consumo local, mas também das demais

comunidades adjacentes, o que torna visível mais uma vez a importância dessa

comunidade como centralidade econômica da região. Puderam-se verificar também

alguns casos da venda de apenas alguns produtos nas casas, “geralmente a venda

de cervejas”. (COSTA, 2012).

Figura 07: estabelecimentos comerciais presentes na comunidade FONTE: trabalho de campo, 2011 (foto de Luís Costa)

Estabelecimentos

comerciais presentes na

comunidade

Quantidade

Açougue 2

Mercearias 3

Pequenos comércios 6

Lanches 2

Bar 2

Quadro 01: estabelecimentos comerciais presentes na comunidade. FONTE: Luís Fernando Belém da Costa, 2013.

Segundo alguns comerciantes entrevistados os principais produtos vendidos

se referem a elementos alimentícios em geral, (frango, calabresa, salsicha,

conserva, ovos, arroz, macarrão, e entre outros) sendo que suas mercadorias

provem principalmente da cidade de Parintins, e a época que se vende mais é

sempre no inicio e fim dos meses. Talvez tenha haver com a época em que os

comunitários recebem seus benefícios sociais (aposentadoria, Bolsa Família, etc.).

Outra informação importante é que segundo os mesmos vem muitas pessoas de

outras Comunidades fazerem compras em seus comércios, o que evidencia mais

uma vez a importância dos comércios locais como referencia econômica da

Comunidade de Bom Socorro, pois fica mais em conta comprar alguns produtos na

mesma do que ir até a cidade.

Quando foi perguntado para um dos comerciantes entrevistados sobre a

importância do seu comércio para a Comunidade de Bom Socorro, assim como para

as demais Comunidades adjacentes da localidade do Zé Açu, o mesmo respondeu

da seguinte forma:

Assim, ajuda né, as pessoas ai que vem, eles vem sempre fazer compras aqui com a gente, e as vezes o dinheiro deles não dá, ai a gente já ver a dificuldades deles ne, ai a gente já faz aquele preço que deia pra eles pagarem, ai já é uma boa coisa pra eles né, e pra gente também, por que fazem compra no nosso comercio, então a gente se ajuda, eles ajuda a gente e nos ajuda eles, e é assim que acontece. (M. S. S, 47 anos, trabalho de campo, 2013)..

Para o comerciante então a uma relação de ajuda mútua, ao mesmo tempo

em que o mesmo proporciona para seus clientes de Bom Socorro e das outras

Comunidades adjacentes condições para que estes comprem em seu comércio, os

consumidores também ajudam a desenvolver a economia local. A figura a seguir

mostra as mercadorias vindas da cidade de Parintins para a Comunidade de Bom

Socorro.

Figura 08: a chegada das mercadorias provindas da cidade de Parintins FONTE: trabalho de campo, 2013 (foto de Hapolo Ferreira).

Em Costa (2012) constatou-se que durante os dias em que vivenciamos

observação participante na Comunidade foi possível constatar que os barcos

sempre chegam com muitas mercadorias para abastecer os comércios locais,

tratava-se principalmente de alimentos em gerais. Segundo relatos de alguns

comerciantes, até pouco tempo, poucos eram os comércios de destaque, porém

atualmente vários são os que têm surgido, como ficou evidente no quadro acima em

que foi mostrado essa variedade de pequenos e médios comércios.

A questão sociocultural na Comunidade de Bom socorr o do Zé Açu: entre a

mudança e a permanência

A comunidade de Bom Socorro do Zé Açu passa por uma série de mudanças

de cunho socioculturais nos últimos anos, em Costa (2012) foi trabalhada um pouco

a lógica desse processo de transformações, dando ênfase para a mudança

principalmente a partir de uma imposição urbana, analise hoje entendida como

simplista demais, talvez até estruturalista, primeiramente por que o processo de

mudanças partindo do ponto de vista social e cultural se dá de forma descontinuista,

e não de forma mecânica. Quanto aos processos de mudanças socioculturais os

culpados são tantos quanto complexos são os arranjos em que a metamorfose

ocorre, depende do espaço, do grupo social, e mesmo num grupo social as

mudanças terão intensidades diferentes em cada membro, sendo esta idéia

concebida em Cândido (1979).

Posto que este autor ao estudar um grupo social caipira (termo adotado pelo

autor) da área rural do estado de São Paulo afirma que esses povos ficaram entre a

mudança e a resistência. E esta condição de mudança sociocultural dar-se da

seguinte maneira segundo este autor: 1) aceitação total, 2) rejeição total, 3)

aceitação parcial dos traços introduzidos pela nova situação, sendo esta ultima

hipótese mais comum e normal nos que permanecem no campo.

Analisando tal proposta exposta por Candido (1979) entende-se aqui que no

caso especifico dos moradores da comunidade de Bom Socorro do Zé Açu a

situação que mais se encaixa é a 3) aceitação parcial dos traços introduzidos pela

nova situação, porém, essa lógica não se dá de forma mecânica no objeto de

pesquisa, posto que percebe-se no local que alguns assimilam mais as imposições

urbanas e capitalistas, enquanto outras, principalmente os moradores antigos

tendem a manter uma resistência maior frente as imposições da mudança. Muitos

ainda tentam na medida do possível reproduzir suas tradições, sua cultura, como

fica claro no depoimento a seguir.

No Zé Açu graças a Deus ainda temos uma identidade cultural muito forte, ate por que a gente tem preservado, tanto no lado religioso, as festas tradicionais são realizadas todos os anos, e muitas das noites da festa da padroeira ainda tem aquele momento cultural, ou seja, ainda há o sentido da preservação, assim é na festa religiosa, a escola também trabalha muito a questão da quadrilha, do boizinho, dessa cultura mesmo nossa, entendeu? além do esporte. (C. M. N, 39 anos, trabalho de campo, 2013).

Nota-se no depoimento do comunitário uma preocupação com a preservação

de uma cultura local, na manutenção e condição da reprodução das tradições

comunitárias. Cabe nesse contexto colocar que a tradição implica num processo de

reprodução, porém, não é algo estático, pois uma condição de mudança se dá de

forma descontinuista, e, portanto, nem todos se adequam da mesma forma as

condições da mudança. Outra questão é que a própria cultura é dinâmica e está

sempre permeada por uma lógica que cria e recria hábitos, costumes, crenças, e

identidades. Por isso mesmo o autor Harris (2006, p. 83) se referindo a essa questão

chama a atenção para o fato de que:

Portanto, quero afirmar que não há uma cultura cabocla, como se essa cultura tivesse uma realidade ontológica enquanto rede de crenças e procedimentos com um legado imóvel. De modo similar, não pode haver uma identidade cabocla, no sentido de uma fronteira étnica, separando o modo de vida caboclo de outro modo.

Esses dizeres do autor exemplifica bem a importância de não tratar a cultura

como algo fechado, imóvel, fixo; é necessário entender que esse termo abstrato

deve ser entendido no seu processo de metamorfose, principalmente pelo fato de

que uma cultura sempre mantém relações com outras culturas, e isso gera perdas e

ganhos, ou ressignificação, por isso mesmo a autora Marconi (2001) afirma que o

significado deste conceito vai variar no espaço e no tempo. E entender essa lógica

nas análises científicas é fundamental, principalmente se tratando de Amazônia,

onde existe uma grande variedade étnica cultural resultante de um processo

histórico que significa intensa miscigenação.

Nos estudos sobre Comunidades rurais se tratando de Amazônia é comum ao

se entrevistar os moradores mais antigos e perceber que a forma geralmente como

estes analisam as condições da mudança sempre é comparando com o passado. É

comum se ouvir as frases “no meu tempo não era assim, antigamente isso não

acontecia”, é preciso ter atenção para esse tipo de análise, posto que implica

perceber a mudança pelo depoimento de quem tem mais propriedade para falar

empiricamente desse processo, pois foram protagonistas de um tempo em que as

relações sociais e culturais eram diferentes e ao mesmo tempo vivenciam o tempo

presente e suas mudanças. Estes tem a capacidade de comparar tempos distintos a

partir de suas vivências.

Esta pesquisa se fundamentou principalmente nas entrevistas, dando ênfase

para o depoimento dos moradores mais antigos, para perceber a forma como os

mesmos compreendem a mudança sociocultural que passa a Comunidade

pesquisada. Um dos entrevistados quando perguntado se gostava de morar na

comunidade e posteriormente se achava que antigamente era melhor de se viver na

mesma, respondeu então da seguinte forma:

Pelo menos ate hoje eu sou um cara que vive tranquilo aqui, não perturbo ninguém e ninguém também me perturbou ate hoje aqui, eu vivo a 45 anos aqui na comunidade, desde a década de 70 né, então pra mim é bom de viver aqui por isso, [...] já tive terreno na cidade, mas nunca quis morar lá. (T. M. C, 67 anos, trabalho de campo, 2013). Bom eu acho que a 15 anos atrás era melhor aqui, agora já tem muita perturbação, tem final de semana ai que a gente vive ai preocupado, antigamente não, podia dormir ate de porta aberta que não tinha problema não, se alguém ia entrar e mexer alguma coisa, agora não, aqui agora já igual uma cidade, aqui ta em ritmo de cidade já. (T. M. C, 67 anos, trabalho de campo, 2013).

Outro entrevistado quando também perguntado se gostava de morar na

comunidade de Bom Socorro, o mesmo respondeu assim:

Pra mim como diz o ditado nosso, sempre aonde a gente nasce, sempre é paragem que a gente dar mais valor, a gente não vai trocar a paragem aonde a gente nasceu por outro ne, e eu to muito bem aqui, [...] eu vou ai na nossa cidadezinha ai pertinho, mas é so fazer uma compra, mas pra dizer que eu vou pra morar, ai não, eu ate tenho uma irma que ela tem casa la, eu vou passo dois, três dias la já bem agoniado.(B. B. M. 80 anos, trabalho de campo, 2013).

Percebe-se a relação indentitária que os entrevistados têm com o lugar onde

vivem, uma relação de pertencimento, e é esse sentimento que cria a identidade

com espaço vivido. Nas entrevistas com os moradores antigos sempre foi possível

notar seu apego com o seu local e ao mesmo tempo com o seu passado. Apesar da

Comunidade está passando por inúmeras mudanças como a perda da coletividade

comunitária, perda das atividades econômicas, que outrora foram, principalmente,

baseadas na agricultura, pesca e extrativismo, e na atualidade a realidade é outra,

assim como a imposição da racionalidade urbana, que funciona como imposição de

hábitos e comportamentos típicos da cidade, assim como também individualismo

provocado por uma racionalidade capitalista. Mas ainda sim muitas relações

guardam resistências, não apenas entre os moradores antigos, mas entre os

próprios moradores mais novos, que tentam preservar na medida do possível uma

reprodução cultural.

Para muitos moradores de Bom Socorro as coisas mudaram de forma

significativa nesses últimos anos, foi comum se ouvir de muitos a frase “aqui já está

no ritmo de cidade”, ou seja, os próprios moradores percebem o processo de

mudanças socioculturais pelo qual estão passando, mudanças nas relações sociais,

nas festas, na religiosidade, nas atividades econômicas, etc.

Noutra questão que se verifica as imposições da mudança são através da

influência dos meios de comunicação no cotidiano (comportamento) dos moradores

de Bom Socorro, principalmente dos mais jovens, como será exposto no depoimento

a seguir de um professor (docente) da escola da Comunidade, onde o mesmo fala

principalmente dessa influência no comportamento dos seus alunos (discente).

A mídia hoje ela ensina até muito mais rápido do que a escola, se ver hoje na escola vários “Neymar”, varias “Morenas”, são personagens do esporte, das novelas, que os alunos muitas vezes aprendem muito mais rápido, então a influencia da televisão é muito forte aqui, do próprio radio mesmo, e hoje não se fala mais aquela linguagem típica dos ribeirinhos, o caboquês mesmo propriamente está sendo esquecido aqui na comunidade [..] então essa linguagem ela acaba influenciando na cultura local, na linguagem e no comportamento, pois assistem o personagem e no outro dia já querem imitar, já é muito difícil você ver uma criança ou um adolescente aqui falando o caboquês, a linguagem já é praticamente uma linguagem urbana, então a linguagem que você vê na cidade é a linguagem que você vê no Zé Açu, a não ser os mais antigos, os moradores mais idosos, alguns, não são todos, que ainda preservam esse linguajar caboquês. (C. M. N, 39 anos, trabalho de campo, 2013).

Então esse processo de circularidade da cultura tende também a impor

mudanças nos locais. Os meios de comunicação segundo o depoimento do

professor entrevistado influênciam no comportamento e na linguagem dos seus

alunos, e o mesmo também ressalta a perda da linguagem típica dos ribeirinhos, o

“caboquês” (linguagem típica dos ribeirinhos na visão do professor). Nesse contexto

o entrevistado argumenta sobre a influência da cultura urbana na linguagem local

ribeirinha, porém, ressaltando que nem todos aderem a essa lógica do urbano,

principalmente os moradores antigos, que tendem a manter certa resistência diante

das imposições da mudança.

Uma questão importante é que quando perguntados se a festa do santo da

Comunidade ainda continuava sendo realizada da forma como era antigamente, as

respostas ficaram bastante divididas em opiniões opostas como se observa no

gráfico abaixo. Muitos disseram que antigamente a festa era mais organizada, os

comunitários eram mais unidos, e também a festa se prolongava mais do que na

atualidade. Sendo essas algumas das principais mudanças que ocorreram na

essência da festa de santo da Comunidade de Bom Socorro segundo a concepção

de alguns moradores entrevistados.

Gráfico 01: se as festas de santo continuam a serem realizadas como antigamente FONTE: Luís Fernando Belém da costa, 2013.

As mudanças que ocorreram na festa, como nos dias de realização da

mesma, que antes era de nove dias e agora fica em 04 dias, foi para ajustar a

mesma a racionalidade urbana, pois dias mais longos da festa requer mais trabalho

para seus organizadores, e também com apenas quatro dias, tem mais participação

das pessoas da cidade e das outras Comunidades, sendo esse processo algo

gerador da circularidade da cultura.

Figura 09: Procissão em honra a nossa senhora do perpetuo socorro. FONTE: trabalho de campo, 2011 (foto de Luís Costa).

Então é notório que a vida dos moradores passa por um processo onde

acontecem as mudanças socioculturais, ao mesmo tempo em que essas mudanças

são enfrentadas gerando um processo de permanência frente às imposições, e o

termo que bem resume essa situação é “mudança e permanência”.

A circularidade da cultura na Comunidade de Bom Soc orro do Zé Açu.

A ideia do processo de circularidade da cultura neste trabalho está

principalmente fundamentada nos estudos de Fraxe (2004), que analisou esse

processo entre as Comunidades ribeirinhas do município do careiro da várzea e a

cidade de Manaus, na qual constatou toda uma relação de fluxos, trocas, entre

mercadorias, informações, ideias, culturas, através da ida e vinda de pessoas de um

lugar para o outro. E Ginzburg (1987) que mostra que entre culturas diferentes as

relações se dão num processo recíproco de influências.

E a Comunidade de Bom Socorro está intimamente condicionada por esse

processo de circularidade da cultura, principalmente através da relação com a

cidade de Parintins, assim como com as demais Comunidades adjacentes como fica

claro no depoimento abaixo de um morador da Comunidade de Bom Socorro.

Eu já fui ali pelo quebra, mato grosso2, tudo por ai eu já andei, agora que eu já não tenho andado mais, mas tenho saudade de ir, mas to sem condição [...] ate ontem ainda teve gente aqui dai da banda do Quebra, sempre eles tão vindo aqui, por que aqui é o centro né, e as outras comunidades sempre fazem visita aqui.(B. B. M. 80 anos, trabalho de campo, 2013).

2 Comunidades pertencentes ao Projeto de Assentamento da Gleba de Vila Amazônia.

A questão principal a se analisar no depoimento do entrevistado é perceber

sua relação com as outras Comunidades, e também fundamentar a ideia da

Comunidade aqui estudada como “centralidade”, e sua relação com as outras

Comunidades, que se dá intimamente num processo de trocas, principalmente

através das festas religiosas, como de eventos culturais como do boi-bumbá e das

quadrilhas (figura 10).

Figura 10: as quadrilhas na comunidade de Bom Socorro FONTE: (Arquivo pessoal da Escola Municipal Profº João Lauro).

Nos finais de semana, principalmente no mês de junho, é comum a presença

de pessoas, principalmente jovens das outras Comunidades adjacentes em Bom

Socorro, que vem justamente ensaiar quadrilhas como retrata a figura acima, ou

participar de torneios que são muito frequentes nessa Comunidade, e que acabam

atraindo muitas pessoas de outras Comunidades, não apenas da localidade do Zé

Açu, mas de outras áreas do município de Parintins, assim como pessoas da própria

sede municipal, e essa condição acaba gerando a ideia de circularidade da cultura,

posto que todas essas relações estão condicionadas por um processo de trocas.

A relação dos moradores da comunidade com a cidade de Parintins é muito

intensa, devido até mesmo a proximidade (cerca de 14km via fluvial), e a ida e vinda

de pessoas é algo que chama a atenção como confirma o gráfico 02 abaixo, posto

que mostra a frequência com que os moradores de Bom Socorro vão na cidade,

assim como mostra os principais motivos pelos quais vão (gráfico 03).

Gráfico 02: a frequência que os moradores vão à cidade de Parintins. FONTE: Luís Fernando Belém da Costa, 2013.

Gráfico 03: as principais motivações que levam os moradores a ir à cidade. FONTE: Luís Fernando Belém da Costa, 2013.

Percebe-se o fluxo dos comunitários com a cidade de Parintins, posto que

como mostra o gráfico 02 acima, 70% dos entrevistados estão semanalmente na

cidade, o que mostra mais uma vez a influência que exerce a sede municipal na vida

dos mesmos. Sendo que 75% dos entrevistados afirmaram que o meio de transporte

utilizado para ir ate a cidade é barco de linha, 20% disseram que vão de motor de

poupa “rabeta”, enquanto apenas 5% responderam que utilizam a voadeira (motor

de poupa) para ir até a sede. Os motivos para ir à cidade como mostra o gráfico 03

acima são principalmente para ir comprar mercadorias e insumos em gerais,

comprar alimentícios e receber benefícios sociais (Bolsa Família, aposentadorias,

etc.), enquanto que poucos responderam que suas prioridades eram vender

produtos, o que mostra que essa Comunidade está bastante submissa à cidade de

Parintins, pois a lógica parte mais do consumo do que da própria venda de produtos,

então percebe-se dessa forma como a cidade influência nos modos de vida local.

Por outro lado, é nítida a influência recíproca que ocorre, no sentido do fluxo

que se estabelece, pois muitas pessoas que também moram na cidade de Parintins

sempre estão indo para a Comunidade de Bom Socorro, por lazer principalmente,

nos banhos, nas festas, nos torneios de futebol, etc. então a influência não se da de

forma unilateral, mas sim num processo recíproco de trocas, ida e vinda de pessoas,

de mercadorias, de ideias, e cultura enfim, e todo esse processo faz parte da

circularidade da cultura.

Na ultima pesquisa em Costa (2012) verificou-se que 45% dos entrevistados

ainda praticavam a agricultura, e muitos vendiam seus produtos na cidade de

Parintins, enquanto que apenas 5% ainda praticavam a pesca, uma situação bem

diferente de outros tempos, pois a antigamente a maioria dos moradores da região

do Zé Açu sobrevivia principalmente de atividades ligadas ao campo, realidade essa

que é bem diferente nos dias atuais.

A relação dos moradores de Bom Socorro com a cidade de Parintins é

intensa, estando condicionada por toda uma relação de trocas materiais e imateriais,

tanto que nessa questão 90% dos entrevistados quando perguntados se a festa da

Santa da sua Comunidade tinha semelhança com a festa de Nossa Senhora do

Carmo da cidade de Parintins, disseram que sim, apenas 10% discordaram e isso

demonstra que a maioria dos moradores vive e conhece a cidade.

Quanto à participação nas festas que ocorre na sede municipal, 50% dos

entrevistados disseram que sempre participam das festas juninas na cidade de

Parintins, e quando perguntados se essas festas tem semelhança com as festas da

sede Municipal, 65% responderam que sim, ou seja, se percebe uma especificidade

cultural no sentido geral, assim é com a cultura do boi bumbá, no qual muitas

Comunidades rurais do município de Parintins adotam essa brincadeira, que faz

parte de um arcabouço cultural regional. Desta forma fica evidente que as

Comunidades em que existe a brincadeira do boi-bumbá o fazem com semelhanças

a boi da cidade de Parintins, porém os mesmos têm suas particularidades, o que

comprova que os aspectos culturais tem uma circularidade que pode tanto ter o

sentido da cidade para o campo, como do campo para cidade.

Na Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu as festas de santo, no qual se

destaca a festa de Nossa Senhora do Perpetuo Socorro no mês de junho, atrai

visitantes, seja das Comunidades da localidade do Zé Açu, como de outras áreas do

município de Parintins, assim como de outros munícipios, como de Juruti do Estado

do Pará por exemplo, e mesmo da sede municipal. O gráfico abaixo confirma essa

ideia, apesar de 20% acreditarem que a festa não atrai muitas pessoas, no entanto,

quando se perguntou sobre somente a participação ou não de outras Comunidades

e da cidade de Parintins, aí nesse caso 100% dos entrevistados responderam que

sim, ou seja, disseram que sempre vem pessoas de outras Comunidades e mesmo

da cidade para participar da festa local.

Gráfico 04: participação de outras pessoas na festa de santo da Comunidade. FONTE: Luís Fernando Belém da Costa, 2013.

Outra forma de lazer que faz parte da cultura nas Comunidades rurais da

Amazônia se refere a pratica do futebol, que na Comunidade de Bom Socorro do Zé

Açu ainda é algo que atrai a participação de muitos comunitários, tanto internamente

como externamente, no sentido da participação de outras Comunidades. Posto que

100% dos entrevistados responderam que o esporte relacionado ao futebol sempre

ocorre na Comunidade e é comum a presença das outras adjacentes no

envolvimento dos campeonatos, que geralmente sempre ocorrem aos finais de

semana na Comunidade de Bom Socorro.

A figura abaixo demonstra a pratica dos torneios entre as Comunidades que

ocorreu na festa de nossa Senhora do Perpetuo Socorro no mês de junho de 2012,

no caso é a festa oficial de santo na Comunidade de Bom Socorro, o torneio foi

animado com a presença da torcida local e das inúmeras outras Comunidades que

estavam torcendo pelo seu time ao redor do campo. (COSTA, 2012). Essa pratica do

futebol é muito intensa na Comunidade de Bom Socorro, é uma das principais

formas de lazer no local.

Figura 11: A prática do futebol na comunidade de Bom Socorro. FONTE: trabalho de campo, 2012 (foto de Luís Costa).

Então esse processo de circularidade da cultura na Comunidade de Bom

Socorro do Zé Açu se da de forma intensa, tanto no sentido da relação com a cidade

de Parintins, como com as outras Comunidades da localidade do Zé Açu, e o sentido

dessas relações se constituem por uma lógica de trocas materiais e imateriais,

principalmente condicionada pelo fluxo como demonstra o desenho esquemático

abaixo.

Figura 12: os aspectos da circularidade da cultura. FONTE: Luís Fernando Belém da Costa, 2013.

Nota-se que se destacam como principais formas de fluxo entre a

Comunidade de Bom Socorro com a cidade de Parintins e as demais Comunidades

adjacentes às atividades ligadas às festas religiosas, as quadrilhas, os torneios de

futebol, o papel da educação e da saúde, a compra e venda de mercadorias, a visita

aos parentes, os benefícios sociais e mesmo o lazer. Esses são elementos que

promovem a circularidade da cultura, onde o resultado desse processo são as trocas

de ideias, as influências recíprocas, a apropriação e perda de hábitos, a reafirmação

da identidade ao lugar, reconstrução de identidades que faz com que a mesma

perca seu caráter fixo ou imóvel, e o reflexo dessas imposições são mudanças de

ordem sociocultural, mas ao mesmo tempo ocorre a partir da relação de culturas

diferentes um processo de complementaridades, onde culturas diferentes ao se

interligarem acabam se apropriando de elementos umas das outras, sem contudo

haver uma lógica de total perda das essências de cada uma.

CONSIDERAÇÕES

Qualquer estudo que se trate das áreas rurais na Amazônia se torna um

desafio para os que se propõe, principalmente pela falta de apoio, não somente das

universidades, mas dos próprios órgãos governamentais. Nesta pesquisa os

desafios foram muitos, principalmente pelas dificuldades financeiras, visto que a

ideia inicial desse trabalho era também ir às outras Comunidades adjacentes e não

Somente em Bom Socorro, porém, isso demandaria um bom recurso financeiro, e

logo se tornou algo fora do alcance do grupo dos pesquisadores. Então devido a

esses entraves, optou-se por entender o processo de circularidade da cultura a partir

da visão dos moradores da Comunidade de Bom Socorro, até mesmo devido ser a

Comunidade de maior influência na localidade do Zé Açu.

Constatou-se que a Comunidade de Bom Socorro mantém uma relação muito

intensa com a cidade de Parintins, uma relação de fluxo que acontece por inúmeros

fatores, dentre os principais poderíamos citar a própria proximidade com a sede

municipal, e entre outros fatores a própria necessidade dos moradores de Bom

Socorro de fazer suas compras na cidade (mercadorias, alimentos em gerais, etc.),

visitar parentes, ir a lazer, principalmente nas festas religiosas (destaque para a

festa de Nossa Senhora do Carmo realizada no mês de agosto), festas juninas e

pelo próprio festival folclórico que acontece no mês de junho na sede municipal,

dentre outros fatores.

Mas a relação com a cidade de Parintins não se da de forma unilateral, pelo

fato de que muitos moradores da cidade também sempre estão indo a Bom Socorro,

por vários motivos; laços de família, e por lazer principalmente, por causa das festas

religiosas, e pelos banhos no lago do Zé Açu, onde muitos moradores da cidade de

Parintins na época da vazante (julho a novembro) usam o lago do Zé Açu como

forma de lazer nos fins de semana.

No que concerne à relação da Comunidade de Bom Socorro com as demais

Comunidades adjacentes da região do Zé Açu a lógica não muda muito em

comparação com a relação com a cidade de Parintins, principalmente por que a

relação acontece principalmente através das festas religiosas, campeonatos de

futebol, festas juninas, pelo boi bumbá3. No entanto, a questão se diferencia em

alguns aspectos, principalmente pelo fato de que foi constatado nesse trabalho que

a relação entre essas Comunidades que compõe a localidade do Zé Açu no

município de Parintins, é condicionada principalmente pela influência da

Comunidade de Bom Socorro, que funciona como uma centralidade das outras

Comunidades nessa localidade, principalmente pelos serviços de saúde, educação e

comércios, serviços estes que atraem as outras Comunidades que não dispõem

desses serviços ou simplesmente dispõem de forma precária.

3 As comunidades rurais de Parintins adotam a brincadeira do boi bumbá bastante semelhante tal

qual como ocorre na cidade de Parintins no mês de junho.

Então o entendimento aprofundado dessas relações de influências recíprocas

que se estabelecem entre a Comunidade de Bom Socorro com a cidade de Parintins

e com as demais Comunidades rurais adjacentes que compõem a região do Zé Açu

é importante, pois não só materializa o processo de circularidade da cultura proposto

no embasamento teórico deste trabalho, como mostra também o quanto às relações

socioculturais que se estabelecem na Amazônia são complexas, variam muito em

cada realidade específica.

As permanências e as transformações que ocorrem nas Comunidades rurais,

principalmente as que se localizam as margens dos rios, lagos e igarapés desse

vasto território que é a Amazônia, se explica pela multiplicidade de modos de vida

que aqui encontramos, e que são permeadas pelos aspectos socioculturais de seus

habitantes, sem isso não podemos falar sobre esse tema. Assim, acreditamos que

mais estudos sobre essa temática precisam ser realizados, principalmente para

entender como as mudanças culturais podem afetar de forma profunda o “habitus”

das populações ribeirinhas, podendo modificar suas relações sociais e com o

ambiente natural a sua volta.

REFERÊNCIAS

BAGLI, Priscila. Rrural e urbano: harmonia e conflito na cadência da contradição. In: SPOSITO, M. E. B; WHITACKER, A. M. (orgs).Cidade e campo: relações e contradições entre urbano e rural. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 81-108. BENCHIMOL, Samuel. Amazônia : formação social e cultural. Manaus, editora Valer, editora da Universidade do Estado do Amazonas, 1999. BIAZZO, P.P. Campo e rural, cidade e urbano : distinções necessárias para uma

perspectiva crítica em geografia agraria. 4º encontro nacional de grupos de

pesquisa-ENGRUP, Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Colégio Pedro II;

SP, pg. 132-150, 2008.

CANDIDO, Antônio. Os parceiros do rio bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos meios de vida. São Paulo. Duas cidades; ed. 34, 2001. Cadernos de debates Nova Cartografia Social: conhecimentos tradicionais na Pan-Amazônia / Alfredo Wagner Berno de Almeida (Orgs)... [et al]. – Manaus: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia / UEA Edições, 2010.2 171 p.: il.: 16x23 (Vol. 01, nº. 01. ) ISBN 978-85-7883-137-0.

COSTA, L.F.B. Transformações socioespaciais em comunidades rurais : um estudo da comunidade de Bom Socorro do Zé Açu no município de Parintins-AM. Luís Fernando Belém da Costa (relatório de iniciação cientifica, PAIC-FAPEAM, 2011-2012), Parintins, UEA, 2012. FRAXE, T. J. P. Comunidades Ribeirinhas Amazônicas: Memória, Ethos e Identidade. Manaus: Reggo edições, 2011. _______________cultura cabocla-ribeirinha : mitos, lendas e transculturalidade. São Paulo: annablume, 2004. GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. Tradução: Betânia Amoroso. São Paulo: companhia de letras, 1987. HARRIS, Mark. Presente Ambiente : uma maneira amazônica de estar no tempo. In: ADAMS, Cristina; MURRIETA, Rui; NEVES, Walter. Sociedades caboclas amazônicas . São Paulo, annablume, 2006. 81-108. GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade . tradução de Raul Fiker. – São Paulo: Editora UNESP, 1991. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade . Tradução tomaz Tadeu da silva, guaracira lopez louro. Rio de janeiro. DP&A, ed. 1997.

MAIO, Ivone. Antropologia e turismo : reflexões teóricas sobre o estudo de processos socioculturais nas localidades receptoras. IV Semitur-seminário de pesquisa do mercosul, Universidade de Caxias do Sul (mestrado em turismo); Caxias do Sul, RS-Brasil; 7 e 8 de julho de 2006.

MARCONI, Maria de Andrade. Antropologia: uma introdução. São Paulo, atlas, 2001.

RUA, João. A resignificação do rural e as relações cidade-camp o: Uma contribuição geográfica. Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2005. SANTOS, Milton, A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção . 4. Ed. 2. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. SAQUET, M. A. Por uma abordagem territorial das relações urbano-rurais no Sudoeste paranaense. In: SPOSITO, M. E. B; WHITACKER, A. M.(orgs). Cidade e campo: relações e contradições entre urbano e rural . São Paulo: Expressão Popular, 2006. 157-186. SILVA, C. M. M. Mocambo, Caburi e Vila Amazônia no município de Par intins: múltiplas dimensões do rural e do urbano na Amazônia / Charlene Maria Muniz da Silva. (dissertação de mestrado) - Manaus: UFAM, 2009.