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1 AGOSTINHO E A ÉTICA MARCOS AURÉLIO FERNANDES

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AGOSTINHO E A ÉTICA

MARCOS AURÉLIO FERNANDES

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I. A HISTÓRIA DE UMA ALMA

Aurélio Agostinho é africano de nascimento. Nasceu em Tagaste, na Numídia, em 354

d.C. A Numídia corresponde ao que hoje é a costa oriental da Argélia. Sofreu, antes de

tudo, uma colonização fenícia. Depois, fez parte do domínio de Cartago. Cartago foi

uma grande potência, que disputou com Roma o domínio do mar mediterrâneo

(guerras púnicas). A cidade de Cartago corresponderia, hoje, mais ou menos, à cidade

de Túnis, capital da Tunísia.

Os pais de Agostinho foram Patrício e Mônica. Patrício era um magistrado romano de

modestas posses. Era pagão. Já a africana Mônica era cristã. Quando Agostinho

nasceu, ela o assinalou com o sinal da cruz, sem, no entanto, o batizar. Conforme o

costume do tempo, deixou o batismo para o momento em que o filho fosse já adulto.

De Patrício, Agostinho herdou o temperamento ardente, passional, fogoso – a

sensualidade, o orgulho e a ambição. Agostinho respeitou, mas nunca amou de

coração o pai. Já pela mãe ele nutriu uma grande ternura e estabeleceu com ela um

vínculo muito forte, de cunho espiritual. Essa herança paterna e materna fez com que

em Agostinho lutasse sempre uma dualidade. É como se duas almas habitassem em

seu peito. De um lado, a cobiça sensual. De outro, a tendência espiritual, mística.

Ambas muito fortes. Seja como for, sua alma era, fundamentalmente, uma alma

destinada a amar o amor.

Em suas memórias, a infância não fora um tempo de inocência e felicidade. Ao

contrário, ao tentar recordar a sua infância, Agostinho encontra na alma da criança a

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maldade e a infelicidade. Infelicidade que se tornou maior ao ter que ir para a escola. A

escola o torturava. Pior ainda eram os castigos humilhantes que recebia e que

contavam com o consentimento dos seus pais. Contra tudo isso o menino Agostinho se

rebelava. Na infância, era um aluno indócil, amante mais das brincadeiras e dos jogos

do que do estudo. Nos jogos, trapaceava e mentia. Roubava, não pela necessidade,

mas pelo simples gosto de se apropriar do que era alheio.

Não obstante o horror à escola, Agostinho começou a gostar de ler. A sua língua

materna era o púnico. Desde criança, no entanto, aprendeu a língua e a gramática

latina. Odiava o estudo do grego. Mas amava a leitura dos poetas latinos. Sobretudo,

Vergílio (sec. I a.C), autor da Eneida, um épico que narra a saga de Enéias, o troiano

que se tornou o herói ancestral dos romanos. Com doze ou treze anos, Patrício enviou

Agostinho para estudar numa cidade maior, próximo de Tagaste. Era a cidade de

Madaura, terra natal do grande escritor Apuleio, mago e literato, conhecedor da

filosofia platônica, autor de uma obra clássica da antiguidade – Metamorfoses ou O

Asno de Ouro, onde aparece o famoso mito de Eros e Psique.

A puberdade foi para Agostinho um verdadeiro furacão. Com o despertar da virilidade,

Agostinho se entregou à virulência do erotismo. É como se nele vivesse um sátiro. A

libido se apossou de sua alma. Viveu, então, em um contínuo frenesi carnal, arrastado

por paixões homo- e heterossexuais. Segui esta tendência não só por concupiscência,

mas também por orgulho: não queria ser superado pelos seus coetâneos no gozo das

paixões. Nesse tempo, Agostinho também amou o teatro acima de tudo. A paixão

pelas artes cênicas, com efeito, correspondia muito bem à sua alma passional e

dramática.

Esse furacão só se acalmou quando Agostinho, aos dezessete anos, encontrou uma

mulher, que lhe foi companheira por 14 anos, com a qual ele teve um filho, a quem

chamou de Adeodato: dado por Deus. Com 18 anos, Agostinho foi pai. Nutriu um afeto

terno pelo filho, enquanto este viveu. Em 387 d.C., Adeodato foi batizado junto com

Agostinho. Mostrou-se ser um menino inteligente e de boa índole. Entretanto, morreu

ainda em plena juventude.

Em 372 d.C., ano em que lhe nasceu o filho e morreu o pai, Agostinho muda para

Cartago. Inscreveu-se numa escola de retórica. Ali, uns estudantes tinham formado um

bando de arruaceiros, denominados Eversores, isto é, os demolidores. Torturavam os

calouros para saciar sua malvadez. Agostinho se fez amigo desses jovens. Não chegou

a cometer os atos que eles cometiam, mas foi cúmplice passivo deles, comprazendo-se

com as suas façanhas. Entretanto, estudou bastante. E pegou gosto na arte da

oratória, destacando-se como um excelente sofista. Logo, porém, sofreu um abalo. Foi

a leitura do diálogo Hortênsio, de Cícero (séc. I a.C.). Trata-se de um diálogo em que a

filosofia é apresentada como uma divina ciência, que está bem acima da humana

eloquência. Ao lê-lo, Agostinho sentiu-se mudado por dentro, nos afetos e nos

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propósitos de vida, incitado a abandonar a sensualidade e a vaidade e dedicar-se ao

amor da sabedoria. Foi a primeira revolução ou conversão no espírito de Agostinho.

Entretanto, ao recordar o seu passado, Agostinho faz entender que essa conversão

fora logo abortada. O seu caminho continuou sendo tortuoso. Sua história ainda

haveria de ser um caminho de errância. Onde encontraria ele a verdade que liberta? A

busca da verdade o fez circular por um verdadeiro labirinto da alma. Desde então, ele

aspirava aos mais altos picos do saber e a afundava-se nos mais baixos pântanos da

vaidade.

Logo se torna ouvinte, isto é, fiel, da seita dos maniqueus. O maniqueísmo é uma

mistura de mitologias, filosofemas e representações religiosas, que reúne elementos

babilônicos (zoroastrismo), budistas e cristãos. Seu fundador foi o babilônio Manés

(215 – 275). Assume elementos da mitologia e da cosmologia mazdeista antiga e

fragmentos dos ensinamentos de Zaratustra. Dizia ter recebido uma revelação divina

por meio de um anjo e que era o Paráclito, ou seja, Espírito Santo em pessoa. O

cristianismo assimilado na doutrina de Manés é de feitio gnóstico. Tendo sido exilado,

ele percorreu quase toda a Índia. Sua doutrina se espalhou ao oriente pela Índia,

Turquestão, Tibete e China. Por isso, assimilou também elementos budistas. No

tempo de Agostinho, o maniqueísmo tinha se espalhado no ocidente até à Espanha. A

idéia central é a de que existem dois princípios que regem tudo: o Bem e o Mal, a Luz e

as Trevas. O dualismo maniqueu, porém, era mais radical do que o dualismo gnóstico

ou o zoroastriano, pois não admitia uma verdadeira vitória da Luz sobre as Trevas, do

Deus bom, identificado com o Deus de Jesus Cristo, sobre o Deus malvado, identificado

com o Deus do Antigo Testamento. A adesão de Agostinho ao maniqueismo

correspondia, na verdade, muito mais que a uma necessidade especulativa, à situação

conflituosa de sua alma. Era um reflexo da dualidade que ele experimentava na sua

própria alma.

Aos vinte anos, Agostinho retornou à sua cidade natal, Tagaste, já como um respeitado

professor de retórica. Devido ao seu envolvimento com o maniqueísmo, sua mãe não o

recebeu em casa. Foi acolhido, porém, junto com a mulher e o filho, pelo amigo e

patrono Romaniano. Tudo parecia ir bem. Agostinho conseguia ganhar concursos

públicos de poesia teatral e de oratória. Fundou uma escola, onde ensinava a arte de

convencer e vencer pela verbosidade. Outro abalo, entretanto, lhe atinge a alma. É a

morte de um amigo de infância, por quem Agostinha nutrira uma grande ternura e

amizade. Com esta morte, pareceu-lhe que tudo morrera. Ficou-lhe um imenso vazio e

tristeza na alma. Entrou, então, numa crise de pessimismo: a vida perdeu seu colorido

e seu brilho. Para ele, nada mais havia no mundo de rico e de alegre. Foge, então, para

Cartago.

Lá, ele abre uma escola de retórica e, ao mesmo tempo, busca consolação na filosofia.

Aos 26 anos, escreve um tratado sobre O Belo e o Conveniente. Três anos mais tarde,

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em 383 d.C., encontra-se com o bispo maniqueu Fausto de Mileve. Entretém-se em

conversas com ele, colocando-lhe seus questionamentos. Contudo, o maniqueu não

consegue responder a estes questionamentos e confessa-lhe a ignorância sobre

aqueles pontos. Agostinho se desilude, então, do maniqueísmo. Nesse mesmo ano,

engana sua mãe, que tinha ido atrás dele em Cartago, e parte para Roma. Lá, ele se

hospeda em casa de um maniqueu e funda uma escola. Os estudantes, porém,

acompanhavam as lições até o momento de pagá-lo. Em seguida, migravam para outra

escola.

O prefeito da cidade de Roma, Aurélio Símaco, entretanto, o envia como professor de

retórica a Milão, que, na época, era uma cidade mais importante do que Roma. Lá,

Agostinho se torna um magistrado do império romano. Numa ocasião, Agostinho é

obrigado a fazer o panegírico do imperador Valentiniano II, então um adolescente.

Sentiu-se um hipócrita bajulador. A caminho, encontrou-se com um velho mendigo

bêbado e invejou-lhe a sorte. Considerou que aquele bêbado era mais feliz do que ele,

pois o vinho ao menos lhe trazia uma falsa e momentânea alegria, enquanto a sua

ebriedade de glória só lhe trazia amarguras. Em Milão, Mônica, que tinha vindo ao seu

encontro junto com seu outro filho, Navígio, o persuade a mandar embora sua

companheira, e a se casar com uma menina da alta sociedade. Agostinho, depois de

muita resistência, despede sua companheira. Mas não se casa imediatamente com a

candidata a esposa, pois era muito jovem. Não consegue, porém, ficar sem mulher, e

arruma outra amante.

Em Milão, também, Agostinho conhece Ambrósio, que era respeitado homem público

e bispo da cidade. Ambrósio era um homem douto, espiritual e enérgico. Sem medo,

enfrentava os políticos romanos, em defesa da Igreja e dos pobres. Agostinho

admirava-lhe o domínio da retórica. Por isso, ia frequentemente ouvir os discursos do

bispo milanês. Aos poucos, porém, presta atenção não só à forma, mas também ao

conteúdo dos discursos. Agostinho começa a considerar que o cristianismo não é –

como ele pensara – uma religião de mulheres e carolas, mas algo mais. Ele já tinha

tentado ler a Bíblia, mas sua tentativa deu em nada. Buscando na Bíblia a beleza

retórica dos escritos latinos, nada encontrou de encanto. A simplicidade do Livro

Sagrado dos cristãos o desaponta.

No ano de 386, Agostinho começa a estudar os escritos dos neoplatônicos, sobretudo

de Plotino e de Porfírio. Nessa época, abandona também seu fascínio pela astrologia.

Através da filosofia platônica, supera os seus ranços maniqueus. Passa da dualidade

para a Unidade, que é Deus. Por um lado, consegue conceber Deus como um ser uno e

espiritual – os maniqueus concebiam Deus como luz, entendendo a luz como uma

matéria subtil. Da mesma maneira, entende que o mal não é uma substância, ou seja,

uma realidade que subsiste em si mesma, mas que é, na verdade, uma privação do

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bem. Nos escritos dos Platônicos, aprende a conhecer o Lógos, anunciado no prólogo

do Evangelho de João.

Entretanto, ali não encontra a verdade principal: que o Lógos se fez carne e habitou

entre os homens. Ou seja, não chegara, ainda, ao conhecimento de Jesus Cristo como

Deus-Homem – a Encarnação. O passo para Cristo só aconteceria através da leitura das

Cartas de Paulo. Transformado interiormente, finalmente Agostinho é capaz de ler as

palavras da Bíblia e encontrar nelas um alimento salutar para a sua alma. O seu longo

e errante peregrinar para a verdade encontra, enfim, um porto seguro, que jamais

abandonará: Cristo.

Agostinho ouve, então, num jardim de sua casa em Milão, a voz duma criança divina,

que lhe diz: tolle, lege! Toma e lê! Vendo o livro das cartas de Paulo, abre-o na

passagem da Carta aos Romanos (13, 13), onde o Apóstolo convoca o cristão a

despojar-se das cobiças carnais e a revestir-se de Cristo. Depois de muita luta com a

sua libido, Cristo se tornaria, então, o senhor de sua alma. O velho homem seria

subjugado pelo homem novo.

Depois de um pouco de hesitação, Agostinho se convence definitivamente a tornar-se

cristão graças ao duplo exemplo de Vitorino, tradutor dos escritos de Plotino para o

latim, que, sendo douto, resolveu abraçar a loucura da cruz, e de Antão, o anacoreta

egípcio, que, sendo rico, deixou tudo para adentrar no deserto e viver unicamente

para a contemplação de Cristo. Pede, então, para ser batizado. Ambrósio acede ao seu

pedido.

Enquanto se preparava para o batismo, Agostinho fundou uma comunidade dedicada à

filosofia e à vida religiosa cristã, reunindo-se com seus parentes, amigos e discípulos

em Cassicíaco, nas proximidades de Milão. Nesse período, Agostinho escreve três

diálogos: o Contra Academicos ( contra os céticos da academia de Platão), o De Vita

Beata ( sobre a Vida Feliz) e o De Ordine (sobre a ordem do universo). Luta, sobretudo,

com o ceticismo, que nega ao homem a possibilidade de conhecer a verdade. Diz que

sem o conhecimento da verdade o homem não pode ser realmente feliz. Ali, Agostinho

parece outro homem. Vive a serenidade e alegria tranqüila da alma. Compreende,

então, que a felicidade tanto buscada só se encontrava no viver segundo a verdade e a

sabedoria; e que a verdade e a sabedoria só se encontram em Deus. O homem é tanto

feliz quanto vive na posse de Deus.

Na Vigília da Páscoa de 387 d.C., Agostinho é batizado. Sente-se um novo homem.

Resolve, então, retornar para a África. No porto de Óstia, porém, enquanto esperavam

a nau que partia para sua terra natal, Mônica dá sinais de que sua hora se aproximava.

Entretém-se a conversar com ela sobre o paraíso celeste. Nessa conversa, os dois

entram em êxtase. Depois disso, Mônica adoece e morre. Agostinho decide, então,

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retornar a Roma. Lá ele conhece o papa Sirício, que lhe recomenda escrever contra os

maniqueus e a favor da Igreja Católica.

Em 388 d.C., Agostinho deixa Roma e retorna à África, aportando em Cartago. Nunca

mais deixaria as terras africanas. Chegando a Tagaste, iria fundar uma comunidade de

vida religiosa. Em 389, morre o seu filho, Adeodato. Em 391, é aclamado pelo povo

sacerdote e auxiliar do bispo Valério, de Hippo Regius (Hipona). Em 396, Valério o

torna seu bispo coadjutor. Em breve, Valério morre e Agostinho o sucede. Em 397-398,

escreve as Confissões.

Em seguida escreve várias obras apologéticas, exegéticas e teológicas. Luta com os

donatistas e os pelagianos. Os donatistas foram cismáticos, que se rebelaram contra a

Igreja de Roma por considerar que ela tinha traído sua pureza e autenticidade original.

Os pelagianos foram hereges. O monge irlandês Pelágio, em polêmica com Agostinho,

neutralizava o impacto do pecado na vontade e, por conseguinte, na liberdade do

homem. Além disso, tornava supérflua a necessidade da graça. O homem se tornava

agente suficiente de sua própria salvação. Agostinho tinha refletido sobre a liberdade

no seu De Libero Arbitrio ( Do Livre Arbítrio, c. 395 d.C). Para ele, o livre-arbítrio é, por

assim dizer, condição necessária, mas não ainda suficiente da liberdade plena. A

liberdade plena é uma determinação para o bem. Como, no entanto, a natureza

humana está corrompida, pelo pecado original, essa determinação para o bem, carece

da força da graça, para chegar a realizar a felicidade do homem. Outra reflexão sobre a

liberdade, emerge em meio à controvérsia com Pelágio, no seu De Gratia et Libero

Arbitrio (Sobre a graça e o livre arbítrio, c. 426 d.C). Para Agostinho, se de um lado é

verdade que o pecado original (negado por Pelágio) afeta o exercício da liberdade da

vontade, de outro, é também verdade que a graça (neutralizada por Pelágio) não

danifica a liberdade da vontade, antes, a potencializa.

Em 410, os Godos de Alarico saqueiam Roma. Por 800 anos a cidade não tinha sofrido

qualquer saque. O mundo romano todo fica abalado. Agostinho pronuncia, então, um

sermão sobre a devastação de Roma (De Urbis Excidio). O fim do mundo antigo se

anunciava. E Agostinha era uma das suas maiores testemunhas. Os romanos acusam,

então, o cristianismo de ser a causa da queda de Roma. Para defender o cristianismo,

ele escreve, então, a sua obra mais famosa por séculos, na Idade Média: De Civitate

Dei (A Cidade de Deus). Terminou-a em 426. É a primeira reflexão abrangente sobre o

sentido da história humana. Em 430, Genserico põe cerco a Hipona com os seus

Vândalos e Alanos. A cidade fica desolada. Em meio a essa desolação, Agostinho

morre, no dia 28 de agosto daquele mesmo ano.

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II. A COMPREENSÃO CRISTÃ DA VIDA HUMANA DESDE

AGOSTINHO

Agostinho entrou para a história como pensador, cristão e teólogo. Nele, podemos

compreender como o cristianismo desenha a compreensão do ser do homem.

Tentaremos, nas linhas seguintes, esboçar esse desenho, ainda que em traços vagos e

imperfeitos.

Ponto de partida da compreensão cristã do homem é o dogma da ressurreição da

carne. O anúncio apostólico (kerigma) – o “alegre anúncio” (euangelion) – diz: Jesus

Cristo ressuscitou! Fizeram-se novos céus e nova terra. A velha criação passou. Tudo se

fez novo. E o homem pode participar dessa nova realidade através da fé. Fé é

renascimento: passagem de uma existência no velho homem (o velho Adão), para uma

existência no homem novo (o novo Adão, Cristo). Nessa nova existência, o homem

encontra a sua plenitude de realização. Encontra a felicidade como “vida eterna”. E é o

homem todo, corpo, alma e espírito que recebe essa vida eterna. Não somente seu

espírito e sua razão. O homem aparece, então, na sua essência, como “filho de Deus”,

chamado receber o dom da suprema liberdade, que lhe vem pela graça. A sua

natureza, corrompida e decaída pelo pecado, é libertada e elevada pela graça de Cristo

à mais elevada dignidade, à medida que pode participar da vida divina. A

individualidade é investida e revestida de uma dignidade infinita e de um sentido

absoluto. E, através do homem, o mundo-universo revela a sua vocação de participar

da mesma “liberdade dos filhos de Deus”.

Deus se revela, então, como o Absoluto, que transcende o mundo. Não é um momento

do próprio mundo, como os eram os deuses gregos. Ele é o ser absoluto. O Um. O

Único. Muito embora, no íntimo dessa Unidade absoluta, more a Trindade das pessoas

divinas: Pai, Filho e Espírito Santo. A solidão de Deus se revela, pois, como comunhão.

Deus é amor. É amor em si mesmo e amor que transborda de si mesmo, deixando e

fazendo ser o mundo e o homem. E o mundo-universo aparece, agora, como uma

criatura desse Deus único e trino. Entretanto, o sentido da criação é a filiação. Ou seja,

a criação se deu em vista daquele acontecimento, que marca a obra suprema de Deus:

a encarnação de seu Filho. Esse evento da encarnação do Filho de Deus em Jesus Cristo

passa a ser o sentido e a consumação da história. Por esse evento, o homem e o

mundo-universo se revestem de salvação. A história do mundo e do homem passam a

ser vistos como história de salvação – condução para a plenitude do ser, do vigor, da

saúde, ou seja, da integridade. Salvação, que é conquistada no labor de Deus e do

homem e que se consuma em Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição, ou seja,

salvação que tem o caráter de uma conquista da liberdade: a redenção.

A redenção eleva o homem todo, corpo e alma, em sua individualidade, a uma

dignidade infinita e absoluta, pois coloca o homem na sua essência de filho de Deus. O

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indivíduo precisa conquistar, porém, esse dom que já lhe está dado. Ele precisa realizar

essa essência na sua individualidade. O sentido da individuação do indivíduo não é,

porém, aproximação de um ideal de humanidade, como entre os gregos. Não se trata

de o indivíduo melhorar a si mesmo segundo um padrão de humanidade, segundo um

ideal genérico de ser humano. O sentido da individuação é: o homem todo, que se dá

nessa individualidade, o homem que ele é, não só o que ele deveria ou poderia ser, o

homem real, com tudo aquilo que lhe é próprio, é chamado a entrar na redenção e

salvação, ou seja, na plenitude da liberdade dos filhos de Deus. Por isso, a individuação

não é simples desempenho de um indivíduo, que se transcende na direção de um

ideal, mas é o retorno do indivíduo à finitude histórica da existência: conversão.

O retorno da conversão é necessário porque o homem, desde o seu nascimento, isto é,

na naturalidade de seu ser, já se encontra distanciado, perdido de si mesmo. A sua vida

“natural”, “normal”, “real”, é uma fuga de si, um esquecimento de sua origem

verdadeira. Esquecido e perdido de si mesmo, o homem, desde o seu ponto de

partida, já se auto-alienou em seu cuidado com a vida, entregando-se de um modo

disperso ao mundo das suas ocupações e preocupações. Assim, permanece-lhe

encoberto o seu ser, o seu destino, a sua vocação.

Daí que uma inquietude parece dominar, inteiramente, a experiência que fazemos de

nós mesmos, ou seja, da nossa vida. É desta inquietude, presente e atuante no fundo

mesmo de nosso viver, que se constitui a movimentação dominante da nossa vida

cotidiana e sua cadência, que se revela, não raro, uma de-cadência, ou seja, uma perda

de ritmo, de cadência. É esta movimentação e sua cadência que acaba dando rumo ao

nosso viver e conduzindo o seu fluxo.

Nessa de-cadência, o homem experimenta a vida como peso e tentação.

“sou um peso para mim mesmo”.

Cada homem é inclinado para o mundo das suas ocupações e preocupações e nesse

mundo, desde o seu ponto de partida, é absorvido, por ele é pressionado e carregado.

A tendência do homem é sempre buscar o mais fácil. Ele busca se auto-assegurar das

possibilidades do viver, desviando o olhar de si mesmo. Volta-se para si fugindo de si

mesmo. Este voltar-se para si, por sua vez, estabelece suas prevenções. Isto significa: é

justamente a partir da fuga de si que o viver arruma para si os modos nos quais ele lida

com seu mundo e consigo mesmo. O homem se torna preocupado, apreensivo. É a

partir daí que ele se preocupa em prevenir e resolver toda urgência, em não perder

nenhuma ocasião de ganho, em não cair nunca em embaraço, em providenciar,

sempre de novo, saída de situações que o colocam em perplexidade. O homem acaba

se perdendo e se dispersando no meio das múltiplas solicitações que o atingem, sendo

levado de roldão na correnteza de seu viver.

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Tudo isso advém do fato de o homem tender a si enganar a si mesmo e a se deixar

iludir pela luz que reluz no mundo de suas ocupações e preocupações. Mesmo quando

ele propõe-se metas e objetivos e os alcança, o seu sucesso, no entanto, acaba sendo

um engano, pois o conduz cada vez mais para longe de si, do seu ser mais próprio, do

seu verdadeiro e originário si-mesmo. Correndo atrás de suas metas e objetivos, o

homem só faz multiplicar as possibilidades de sempre de novo se enganar. Seu

fracasso se mascara de sucesso. As infindas possibilidades que lhe sorriem guardam,

no fundo, a amargura dos enganos, erros, desencontros. Mesmo quando “cresce e

sobe na vida”, esse crescer se mostra inflacionário e o seu subir, uma queda para o

abismo do nada negativo, um caminhar para a própria ruína. O seu progresso acaba se

revelando um progresso para longe de si mesmo. Uma errância.

Tem-se a impressão de galgar posições elevadas. O homem parece atingir a sua

máxima eficácia e eficiência, torna-se altamente atual e atuante, empreendedor e

engajado. Todo o seu agir reveste-se de um ar sério e grave. Contudo, cada vez mais

ele se aprisiona em seu mundo, isto é, em seus interesses, empreendimentos,

preocupações. Com isto, aos poucos, ele já não mais se reconhece em si mesmo e

diante de si mesmo. Cria-se um mascaramento, por meio do qual a sua verdadeira

identidade não pode vir à tona. O prender-se ao mundo próprio é compreendido, na

preocupação e apreensão do cuidado, como tarefa verdadeiramente agarrada e

assumida, como aquilo que, dia e noite, não o deixa descansar; como luta, risco e

sacrifício. Entretanto, nesta mobilidade, ele se deixa levar, carregar, entrega-se à sua

própria ruína, pois distancia-se cada vez mais de si mesmo e de seu poder-ser mais

próprio e originário.

Não somente o homem se perde de si mesmo, mas também bloqueia para si a

possibilidade de encontrar o seu próprio caminho de retorno. O homem se tranca. Ele

chega a impossibilitar para si mesmo a possibilidade de sua libertação para a liberdade

mais plena e verdadeira. Ele se cega. Arranca os próprios olhos para não ver a verdade.

A vida gira no vazio. É a mobilidade da queda. Um precipitar-se para o abismo do nada

negativo, para o sem-sentido da vida. É justamente este nada que faz acontecer a

queda, que condiciona o seu acontecer. É um movimento de aniquilação, de anulação.

Trata-se de um vazio que torna a queda fatídica. A vida se torna opaca, sem brilho,

sem vigor. Embora diga muito “eu”, esse “eu” não tem a densidade de uma pessoa. O

homem se torna uma “personalidade”, mas não uma pessoa. Melhor, ele se torna um

isso, uma coisa, um objeto, uma ocorrência, no meio do mundo.

Tudo isso revela o caráter tentador da vida humana. A vida do homem é uma contínua

tentação.

“Eis, pois, que a vida humana sobre a terra é toda ela uma tentação”.

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Essa tentação começa nos níveis mais elementares da vida do homem: na satisfação de

suas necessidades corporais, na tendência de seus instintos mais básicos, como na

fome e no desejo sexual. O homem é, fundamentalmente, um ser de indigência. Na

passagem que media entre carência e a saciedade, ele está exposto a riscos. Pois pode

se ganhar e se perder a si mesmo. Na dimensão de sua vida sensível e sensual, afetiva

e passional, o homem sempre está exposto ao perigo de se deixar arrastar e prender

pela cobiça (concupiscência). Entretanto, o homem não pode se entregar

tranquilamente à satisfação de suas cobiças. Nas vias de suas buscas de satisfação, o

homem não encontra somente o prazer, mas encontra também o desprazer, a dor, o

sofrimento. O amor do prazer e o temor da dor e do sofrimento o possuem. Por isso, a

cada passo, o homem está bifurcado, entre o desejo e o temor. Na prosperidade, ele

teme as coisas adversas. Na adversidade, deseja as coisas favoráveis. Suas

expectativas, em todo o caso, o perturbam. O homem é pressionado pelas

expectativas de felicidades e infortúnios. Torna-se, assim, um ser apreensivo.

Outra forma de cobiça, na qual o homem é tentado, é dada pela curiosidade. É a cobiça

dos olhos. O desejo de tudo ver e experimentar. Um desejo de conhecer, mas sem

comprometimento. A curiosidade quer só ver, não quer, de modo algum, se

comprometer com aquilo que experimenta. Ela é caracterizada pelo fato de, sempre

de novo, tirar o corpo fora, fugir de qualquer comprometimento. Essa tendência é tão

forte no homem, que mesmo o que não é belo é objeto da curiosidade. Um corpo

estendido na rua, não é, certamente algo de belo, no entanto, ao saber que ali jaz

estendido um cadáver, todos acorrem para olhar. O mero querer ver, a pura

curiosidade, é tanto mais o que ela é quanto mais ela é acentuada emocionalmente. A

experiência da satisfação da curiosidade busca vivências “emocionantes”, “divertidas”,

mas também “horripilantes”. Tudo se torna uma questão de experimentar e de tomar

conhecimento, mas sem comprometimento com a busca da verdade. Tudo se torna

acessível a um olhar que tudo vê, que tudo explora, que se imiscui mesmo nos

santuários da intimidade humana, como se um grande olho tudo explorasse, sem se

comprometer com nada. Vendo o mundo por meio deste grande olho, que, no fundo,

não é de ninguém, mas de “todo o mundo”, o homem se torna cego. A existência se

torna opaca, perde toda a sua delicada e, ao mesmo tempo, vigorosa beleza, e tudo cai

no vazio da banalidade.

Outro modo, ainda, de tentação acontece no que podemos denominar de soberba.

Trata-se de uma estrutura do comportamento, que surge do querer ser temido e

amado pelos outros. Um querer, que é cobiçoso, que tem o caráter de ambição. O

homem ambiciona, então, se projetar na sociedade em que vive. Procura ter

reconhecido o próprio valor no mundo da convivência. Quer ser temido e por isso se

põe acima dos outros e se impõe aos outros. Quer ser amado, e por isso se projeta

como um ser que tem valor e que merece esse amor. Essas tendências podem brotar

da força e riqueza de uma personalidade, mas também podem brotar da fraqueza e

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carência. Nesse caso, mascara uma dependência daqueles que se quer subjugar, pelo

temor ou pelo amor. Essa atitude pode estar no fundo, por exemplo, de uma fala

jactanciosa, ou seja, de uma fala em que um homem se gaba, se gloria de si mesmo.

Daí, o desejo do homem de ser louvado. O homem que se passa por rico e poderoso,

acaba mendigando os louvores alheios. Mesmo quando o homem parece não se

importar com os louvores, pode acontecer que ele se vanglorie de sua auto-suficiência

e isso é também sucumbir sob a força da soberba. O homem soberbo se mostra

egoísta e vaidoso. Pela vaidade, ele quer se gloriar diante de si mesmo. Ele busca

comprazer-se em si mesmo e em sua auto-suficiência. Não importa se em detrimento

dos outros. Gloria-se até mesmo do próprio mal que faz. E se entristece do bem que

outro recebe ou faz. Entretanto, tentando valer alguma coisa diante dos olhos dos

outros ou aos seus próprios olhos, o homem acaba se tornando vil e desprezível.

Todas estas formas de tentação delineiam, pois, uma direção em que a vida do homem

precipita-se para o nada negativo, para a ruína. Elas mostram que o viver humano traz

consigo, de diversas formas, um certo enfado1. Sob o peso deste enfado, o homem

tende a abismar-se no nada negativo da vida. No movimento deste abismar-se, o si-

mesmo, sempre de novo, já se perdeu. Nesta experiência, o si-mesmo é absorvido pelo

mundo. Com outras palavras, a vida já não vive, ela é vivida pelo seu mundo. Este “ser

vivido” é uma perda de si mesmo, é vigorar no esquecimento da tarefa de ter que ser

si-mesmo, na plenitude do viver. O “eu sou” é, aqui, apenas uma aparência, sem

nenhuma consistência. Paradoxalmente, é justamente nesta não consistência, que a

vida se torna mais pesada, enquanto, no poder-ser mais próprio, o viver se torna leve.

Para o homem retornar dessa situação de perda e de esquecimento de si mesmo é

preciso muito empenho, suor, luta.

“ Transformei-me numa terra de dificuldades e de suor copioso”

O homem não alcança a libertação sem resistir a estas tendências que o conduzem

para a ruína. Essa resistência, porém, precisa acontecer num movimento de busca

positiva do verdadeiro si-mesmo, da vida verdadeira e feliz.

“Tornei-me uma questão para mim mesmo”

A busca da vida feliz, é, pois, uma questão. Trata-se de uma busca da vida mais plena,

busca diuturna, que precisa ser realizada com todo o empenho, de “corpo e alma”, e

experimentada de dia e noite, na vigília e no sono, bem como nas diversas transições

das situações do viver. Neste empenho, a ruína e a enfermidade da vida não são

1 Com a palavra “enfado” estamos nos referindo ao que os latinos chamavam de molestia.

Por sua vez, molestia vem de moles, que significa algo de peso, carga, dificuldade

esmagadora, fadiga. O enfado é o sentimento da vida como de um peso, que molesta, por não

se conseguir lançar fora. No enfado, eu faço a experiência de ser um peso para mim mesmo

(o “oneri mihi sum” de Agostinho).

13

deixadas para trás, mas são, justamente agora, reconhecidas e assumidas. O homem

se re-conhece, agora, na sua indigência.

O homem é chamado de volta de seus subterfúgios, para entrar na existência, inserir-

se nela. A existência plena, porém, está localizada, ali onde Deus, no ato da criação a

fixou. O homem é um rei destronado. Daí, a necessidade de ele fazer um giro, uma

guinada, uma conversão, da vida arruinada para a vida feliz.

Esse retorno, no entanto, não é só fruto do empenho do homem. É também fruto da

graça de Deus. Mesmo esse empenho, o querer e o poder que lhe pertencem, o

homem precisa receber como graça. O homem precisa sentir a partir de si mesmo a

impossibilidade de levar à consumação esse empenho. E, nessa impossibilidade, ele

deve testemunhar o acender da chama de uma nova possibilidade. Experiência, que

ele reconhecer ser como um verdadeiro renascimento na graça. Não aquilo que o

homem pode o torna livre, mas aquilo que ele não pode. Na experiência da graça, o

impossível se torna possível e necessário.

Conversão é o homem se tornar aquilo que ele é, desde a eternidade, como filho de

Deus. Desde a eternidade, cada indivíduo, em seu ser próprio, foi intencionado,

querido e amado por Deus, foi chamado e escolhido para ser seu filho. Cada indivíduo

é uma palavra de Deus. Uma palavra que se diz uma única vez – que nunca se repete.

Por graça de sua vocação, cada indivíduo ocupa um lugar único na história. E cada

indivíduo, na sua singularidade, é chamado a encontrar este lugar, melhor, o caminho

e o jeito, que é unicamente seu, de realizar, no seu ser próprio, a sua essência de filho

de Deus.

Este processo se chama encarnação. Nele, uma existência, sem remanescentes, entra

nos limites de seu existir, em sua carne. Encarnação é retorno da alienação, encontrar-

se a si mesmo no seu lugar essencial, é tornar-se, de fato, presente. É dizer diante de

Deus: eis-me aqui. Encarnação é auto-invenção. É o difícil trabalho da transformação

interior. Esta só acontece com dores. A alienação tem boa consciência. Nela, fugindo-se

de si, ambiciona-se os mais preciosos objetivos. Quanto mais o homem se apressa em

sua ambição pelos objetivos mais distantes, tanto mais se torna perigosa a

reconstituição e a encarnação. Não se escuta a voz interior, que diz aquele nome, pelo

qual cada um é chamado.

A individualidade e o seu modo singular, único, irrepetível, de percorrer o caminho

próprio de salvação, redenção, libertação é, ao mesmo tempo, dom e tarefa. Dom,

porque, por graça, desde a eternidade, cada indivíduo foi querido e amado na sua

individualidade. Tarefa, porque, no tempo, isto é, nas vicissitudes e peripécias de sua

história, ou seja, de sua destinação, cada indivíduo precisa reencontrar-se e retornar a

isso que ele era e é em Deus. Esse reencontro se consuma na errância, ou seja, nas

idas e vindas, nos desencontros e encontros da sua história própria e singular. Mesmo

14

os impedimentos, os erros, as faltas e falhas recebem um sentido dentro dessa

história, que é história de salvação, de redenção, isto é, de libertação do indivíduo para

a sua verdade de filho de Deus. Mesmo a culpa se torna “feliz culpa”, pois ela participa

da história da redenção, isto é, da libertação do homem para a sua liberdade de filho

de Deus. Na linguagem religiosa fala-se de humildade. Humildade significa: encontrar-

se no lugar da limitação e do fracasso. Assim como as virtudes são vícios (fardos) que

esplendem, assim, quiçá, os vícios são virtudes, só que negadas. A “perfeição” cristã

não consiste na fuga para longe das limitações, mas no entrar mais profundamente

dentro delas, uma espécie de arte de cunhá-las novamente. E isto é humildade. Uma

arte: porque pretender a humildade é abandoná-la e não pretendê-la é achá-la.

“Poucos falam humildemente da humildade”. Confiteri: confessar como

reinterpretação de todas as faltas dentro de um caminho de bem-aventurança.

Por isso, a linguagem, em que o homem cristão, se expõe a si mesmo, na transparência

de sua verdade, é confissão. Confissão, aqui, não significa, pois, simplesmente,

declaração de culpa. Isso é apenas um aspecto, secundário. Confissão é, aqui, a

proclamação da alegria da graça da libertação, o eclodir do grito e do canto de louvor.

III. A VIDA FELIZ

As Confissões de Agostinho são um canto de louvor. O homem novo canto o canto

novo. Ele vibra em Deus. Esse canto brota imediatamente de sua alma, como um grito

de alegria. Por isso, em cada passo das confissões ressoa uma exclamação.

Agostinho se tornou um enamorado de Deus. É como tal que ele se expõe e expõe o

que sabe e o que não sabe de si mesmo. Quaestio mihi factus sum – tornei-me uma

questão para mim mesmo. Terra difficultatis – terra de difícil cultivo, de muito labor e

suor. Cada homem é uma questão para si mesmo. Cada homem busca a si mesmo. E

essa busca é penosa. Ser o que se é, o cultivo do próprio ser, exige muito trabalho,

suor e lágrimas. O canto de louvor de Agostinho é entoado em meio a essa penúria, a

essa indigência, que marca a finitude humana.

E, no entanto, é canto de louvor. Pois essa finitude é agraciada. Em face do Deus de

Jesus Cristo, Agostinho se viu amado, acolhido na misericórdia. E quis amar esse amor

que lhe amou por primeiro. Pois estava, do fundo de sua alma, destinado a amar o

amor. E sua alma não se aquietou, enquanto não encontrou esse amor.

Nas Confissões, Agostinho confessa, isto é, proclama Deus como vida de sua vida. Em

Deus, a sua vida humana – vida mortal, morte vital – encontra a verdadeira vida, a vida

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feliz. Vida quer vida, mais vida, vida plena. Esse querer é um buscar, uma ansiar, um

desejar. O homem, desde as raízes de seu ser, quer viver, quer viver bem, viver na

plenitude da vida, que é a felicidade. Para Agostinho, a vida feliz é o próprio Deus:

Et ipsa beata vita gaudere ad te, de te, propter te – e a vida feliz consiste

em alegrar-se junto a Ti, a partir de Ti, por causa de Ti.

A busca da felicidade é, de imediato, busca da alegria. Entretanto, nem toda a alegria

realiza essa ânsia de felicidade da alma humana. O homem é feliz quando se alegra na

verdade e com a verdade.

Beata vita est gaudium de veritate – a vida feliz consiste em alegrar-se

com a verdade.

Entretanto, o homem, que não gosta nunca de ser enganado, muitas vezes prefere se

enganar, além de enganar os outros. Ama a felicidade, mas odeia a verdade. Pois teme

a libertação que a verdade exige e doa.

Contudo, encontrar a verdade é encontrar a liberdade e a felicidade, pois é encontrar

Deus.

Ubi enim inveni veritatem, ibi inveni Deum meum ipsam veritatem – onde

encontrei a verdade, ali encontrei o meu Deus, que é a verdade mesma.

Qual o lugar privilegiado, porém, onde o homem pode encontrar a verdade? Esse

“lugar” é a sua própria alma.

Noli foras ire, in te redi, in interiore homine habitat veritas – não vás para

fora, entra em ti mesmo. É no homem interior que habita a verdade.

A alma humana é o lugar, pois ela é criada à imagem e semelhança de Deus. E sua

aspiração maior é o amor.

IV. A ORDEM DO AMOR

O decisivo para o ethos cristão é a ordem do amor. O homem é aquilo que ele ama.

Onde está o seu tesouro, ali está o seu coração. Mas é preciso aprender a bem amar.

Na ordem do amor, há aquilo que o homem deve amar na perspectiva do uso (uti) e

aquilo que o homem deve amar na perspectiva da fruição (frui). Só a Deus o homem

deve amar por causa dele próprio. Todas as criaturas, o homem deve amar por causa

de Deus, ou seja, ele deve servir-se delas para poder crescer no amor de Deus.

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O amor a si mesmo e ao próprio corpo é natural. Não exige preceito. O preceito de

amar se refere, porém, ao amor à aquilo que está ao nosso lado (o próximo) e àquilo

que está acima de nós (Deus).

Há um verdadeiro e um falso amor de si próprio. O verdadeiro amor de si consiste em

buscar a utilidade para si próprio, visando o crescimento na caridade; o falso, consiste

em submeter o próximo e o próprio corpo a fim de fruir-se de si mesmo, alienando-se

de toda a referência a Deus. Quanto ao amor ao próprio corpo, Agostinho recorda as

palavras de Paulo: “ninguém jamais quis mal à própria carne” (Ef 5, 29). Mesmo os que

reconhecem sadiamente a necessidade de mortificações corporais, fazem-no para

submeter o corpo ao espírito, segundo a ordem da natureza, buscando, assim, a paz.

O preceito cristão da caridade é duplo: exige o amor a Deus acima de tudo e o amor do

próximo como a si mesmo. A partir do duplo amor natural e do duplo preceito da

caridade, descobre-se um “ordo dilectionis” (ordem do amor), isto é, uma estruturação

disposta em níveis hierárquicos. Esta ordenação é instaurada quando amamos o que

deve ser amado, e não amamos o que não deve ser amado; quando amamos menos o

que é menos digno de amor (o corpo); quando amamos com igual intensidade o que

requer ser amado como amamos a nós mesmos (o próximo); quando amamos com

absoluta decisão e engajamento, empenhando-se com toda a intensidade de nossas

forças no que deve ser amado mais que tudo (Deus). Ao amor de Deus deve

subordinar-se e convergir todo o amor pela criatura. O preceito do Amor comporta

universalidade, isto é, nenhum homem, nem mesmo o inimigo, é excluído do universo

daquele a quem devemos amar. O amor de Deus pelo ser humano é gratuito, visto que

Deus não precisa de nós, mas basta-se a si mesmo. Deus usa de nós para a nossa

utilidade manifestando assim a sua bondade. O grau de perfeição do homem no nível

do ser corresponde ao grau de perfeição e de universalidade de seu amor: a medida

em que somos bons ou maus, crescemos ou diminuímos no ser, isto é, na comunhão e

participação ontológica com o Sumo Bem, que é ele mesmo, a própria Bondade.

Há um fruir mútuo em que os homens são úteis uns para os outros colocando

suas esperanças unicamente em Deus e neste usar encontram um verdadeiro e puro

prazer. É quando se ama e se gosta do outro em Deus. Os homens devem constituir

fraternidade no amor ajudando-se mutuamente a prosseguir no itinerário para o

Absoluto que deve ser amado totalmente e sem reservas. Ninguém deve considerar-

se fim absoluto do amor do outro, obstruindo e detendo o outro no seu caminhar

para a pátria do Amor. Neste itinerário Cristo é o caminho, a verdade e a vida, isto é,

ele é por quem nós vamos, a quem chegamos e em quem permanecemos no Amor.

Se o Amor é o princípio e que rege o todo da vida cristão; se é o duplo preceito

da caridade a norma universal e primordial a que tudo deve ser submetido; se é o

Amor a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo a substancia da Lei e dos

Profetas, radicalizada e consumada em Jesus Cristo no seu novo e eterno testamento;

17

infere-se que deverá ser a edificação da caridade a norma régia e suprema de toda a

interpretação das Sagradas Escrituras. Ara o homem que está a caminho (o Homo

Viator) a fé nas Escrituras fortalece a esperança e a caridade. Nestas três virtudes

teologais se encerram e se subsumem toda a ciência e toda a profecia. A Caridade

permanece para sempre, enquanto que a fé e a esperança se extinguem ao chegarmos

à Pátria. A Caridade visa u bem eterno. Se os bens temporais são mais amados antes

de serem possuídos, pois ao serem conquistados não saciam a alma na sua sede de

Absoluto, o bem eterno é amado com tanto mais ardor ao ser possuído do que fora ao

ser desejado, pois a ninguém que a deseja, a beatitude concedida é menor do que a

desejada. Vemos assim que para o homem que atingiu a perfeição da Caridade, as

Sagradas Escrituras deixam de ser necessárias, uma vez que toda a sua finalidade é

levar o homem à posse desta meta. Deste modo a Escritura requer um leitor que

entenda ser o fim da lei a Caridade procedente de u coração puro de uma boa

consciência avivada pela esperança e de uma fé sem hipocrisia. Estas três disposições

são condições sine qua non para o leitor e estudioso da Sagrada Escritura crescer na

compreensão das divinas Escrituras.

VI. A HISTÓRIA

Agostinho viveu um tempo de de-cadência: para todos, pagãos e cristãos, patenteava-

se o fim de uma era, a saber, a era do império romano. Mas, na agonia do império

romano, se pressentia a agonia do mundo como tal.

Agostinho pressente e ressente a queda do império romano na invasão de Roma por

Alarico, rei dos visigodos, em 410. Os pagãos acusam o Deus dos cristãos, pela ruína do

império. Desde que o Crucificado fora se tornando preponderante no panteão romano,

ou melhor, desde que ele fora se tornando exclusivo, o império só foi decaindo. A cruz

foi implodindo a cidade. E seus muros foram se tornando vulneráveis. Esta situação

constituiu a ocasião para Agostinho – africano de origem, romano de cultura e cristão

de fé – pensar as relações entre fé cristã e temporalidade-historicidade e expor o

sentido destas relações numa hermenêutica cristã da história em sua obra De Civitate

Dei – Da cidade de Deus (413-426).

A exposição de Agostinho pode ser dividida em uma “pars destruens”, em que faz uma

crítica da crítica pagã e uma apologia da fé cristã, e em uma “pars construens”, em que

recapitula a inteira história – que, na perspectiva da fé, é sempre história de salvação –

à luz da revelação bíblica. Nesta segunda parte, ele expõe a origem, o

desenvolvimento e o fim das duas cidades, cujas vicissitudes e peripécias constituem

18

toda a história do ser humano. Em outras obras também aparece essa idéia das duas

cidades:

“Dois amores fizeram duas cidades: o amor de Deus faz Jerusalém, o amor

do século Babilônia”.

“Estes dois amores, dos quais um é santo, o outro imundo; um é social, o

outro privado; um se preocupa com a vantagem de todos, o outro mesmo

as coisas comuns reduz ao próprio poder, por arrogância de poder; um é

súdito, o outro rival de Deus; um tranqüilo, o outro turbulento; um pacífico,

o outro sedicioso; um prefere a verdade aos louvores dos errantes, o outro

vai à caça de louvores, em todos os sentidos; um move à amizade, o outro

gera inveja; um deseja ao próximo aquilo que deseja para si mesmo, o

outro quer sujeitar o próximo a si mesmo; um governa o próximo para

vantagem do próximo, o outro para a própria vantagem. Estes dois amores

tiveram seu precedente nos anjos, um nos anjos bons, o outro naqueles

maus, e distinguiram duas cidades no gênero humano sob a admirável e

inefável providência de Deus, que governa e ordena tudo aquilo que foi

criado: uma é a cidade dos justos, a outra a dos perversos. Estas duas

cidades correm unidas no tempo, mesclando as próprias vicissitudes, até

que sejam separadas no juízo final, e uma, unida aos anjos bons, obtenha a

vida eterna, a outra, unida aos anjos maus, seja mandada com o seu rei

para o fogo eterno. Destas duas cidades falaremos, se Deus quiser, em

outra ocasião”.

“Dois amores fundaram, pois, duas cidades, a saber: o amor próprio, levado

ao desprezo a Deus, a terrena: o amor a Deus, levado ao desprezo de si

próprio, a celestial. Gloria-se a primeira em si mesma e a segunda em

Deus... Naquela, seus príncipes e nações avassaladas vêem-se sob o jugo da

concupiscência de domínio; nesta, servem em mútua caridade, os

governantes, aconselhando, e os súditos, obedecendo...”.

As duas cidades, portanto, são dois tipos de constituição do mundo da convivência

humana, duas formas de organização da vida social, cada uma fundada por uma

espécie de amor e seu ethos. Estas duas cidades têm origem eviterna2: na cisão entre

anjos bons e anjos maus. No curso temporal da história, porém, estas duas cidades

estão misturadas e ambas participam das mesmas vicissitudes: compartilham os

2 Eviterno não é o mesmo que eterno. O medieval distinguia entre “aeternitas”, que pertence

a Deus, e que não inclui nem sucessão nem duração, e “aevum”, que seria como que a

temporalidade própria dos puros espíritos e que inclui uma duração indefinida e uma

sucessão, mas uma sucessão de caráter todo próprio.

19

mesmos bens e os mesmos males temporais. A separação destas duas cidades, na

verdade, só acontece no juízo final. Uma será destinada ao bem definitivo, que é a vida

eterna, a outra à ruína definitiva, que é a morte eterna. As duas cidades, portanto, são

arquétipos das possibilidades de constituição do convívio humano, arquétipos do ser-

uns-com-os-outros no mundo comum e compartilhado da convivência, arquétipos

extremos da vida social. O homem é o que é, a partir do modo de ser do seu amor. E é

de acordo com este modo de ser do seu amor que ele pertence a uma outra

sociedade: ou à cidade de Deus, cidade celeste, ou à cidade dos homens, cidade

terrena. De acordo com o seu modo de viver é que o homem migra ou não de uma

cidade para a outra, enquanto houver tempo. Contudo, quando não há mais tempo, no

último dia e na última hora, é que se revelam os segredos dos corações e que se

separam definitivamente os justos dos injustos. As duas cidades, por conseguinte, não

coincidem com a Igreja e o mundo. A Cidade de Deus tem habitantes mesmo entre os

que estão fora dos limites da Igreja visível, como a cidade terrena também tem

habitantes mesmo entre aqueles que estão contados como cristãos. A Igreja militante

é ainda uma realidade mista, híbrida: traz em si justos e injustos, habitantes da Cidade

de Deus e da cidade terrena. Somente a Igreja triunfante, na eternidade, é que será

uma realidade pura e sem mancha de pecado, em que habitarão somente os justos3.

A história é um processo teleológico. A consumação deste processo consiste na

revelação e constituição definitiva do Reino de Deus: o triunfo da Jerusalém Celeste.

No Apocalipse de João, depois da queda de Babilônia – cidade da prostituição, isto é,

da idolatria (Cfr. Apoc. 18), desce do céu a cidade de Deus, a Jerusalém Celeste. Desce

do céu, de junto de Deus, “preparada como uma esposa que se enfeitou para seu

esposo” (Apoc. 21, 2), inaugurando o novo céu e a nova terra. São as núpcias do

cordeiro. Núpcias, pois o aparecimento da Jerusalém Celeste é evento de união no

amor:

“Na Cidade de Deus acontece a unificação viva de Deus com a humanidade

e com toda a criação. A cidade de Deus, porém, não se deu desde o início,

mas deve ser esculpida e edificada a partir do material bruto da natureza

rebelde. Isto acontece no curso da história da humanidade, que se engaja

sete vezes para o bem, mas que fracassa seis vezes. Somente a última

gênese ( a sétima época, o sétimo dia da criação) deixa que tudo se torne

bom e que tudo desabroche na absoluta unidade da sinfonia. No fim da

história do mundo Deus se unirá com a humanidade de modo imediato

assim como a Cabeça de um homem com seu corpo. Segundo uma palavra

da Bíblia, Cristo haverá de pôr, para a perfeição da humanidade

amadurecida, a sua cabeça (‘… até que todos nós cheguemos à unidade da

3 Cfr. Agostinho. A cidade de Deus (contra os pagãos) – parte I. Petrópolis-RJ: Vozes, 1990,

Livro I, cap. XXXV, p. 64.

20

fé e ao estado do homem perfeito… no qual nós, consumando a verdade no

amor, cresçamos em tudo na direção daquele que é a Cabeça, Cristo…’ – Ef.

4, 10-16). O fim é, portanto, um estado, no qual a até então subsistente

super-ordem e infra-ordem cedam lugar a uma unidade e igualdade

vivas”4.

Jerusalém e Babilônia são arquétipos da ordem e da paz, de um lado, e da confusão,

desordem e tempestuosidade, de outro lado. A temporalidade histórica é

caracterizada pela tempestuosidade dos combates entre os humanos que se agitam na

diversidade e mesmo no conflito de seus interesses. A paz permanece sendo, sempre

ainda, uma aspiração e uma meta jamais encontrada definitiva e totalmente. O fim da

temporalidade histórica, no entanto, é a tranqüilidade, a serenidade e a paz perpétua,

que se condensam na Jerusalém celeste. Aliás, a paz da cidade terrena e a paz da

cidade celeste são diversas:

“Assim, a cidade terrena, que não vive da fé, apetece também a paz

terrena; porém, firma a concórdia entre os cidadãos que mandam e os que

obedecem, para haver, quanto aos interesses da vida mortal, certo

concerto das vontades humanas. Mas a cidade celeste, ou melhor, a parte

que peregrina neste vale e vive da fé usa dessa paz por necessidade, até

passar a mortalidade, que precisa de tal paz... Em sua viagem a cidade

celeste usa também da paz terrena e das coisas necessariamente

relacionadas com a condição atual dos homens. Protege e deseja o acordo

de vontades entre os homens, quanto possível, deixando a salvo a piedade

e a religião, e ministra a paz terrena à paz celeste, verdadeira paz, única

digna de ser e de dizer-se paz da criatura racional, a saber, a ordenatíssima

e concordíssima união para gozar de Deus e, ao mesmo tempo, em Deus.

Em chegando a esta meta, a vida já não será mortal, mas plenamente vital.

E o corpo já não será animal, que, enquanto se corrompe, oprime a alma,

mas espiritual, sem necessidade alguma, plenamente submetido à alma.

Possui essa paz aqui pela fé, de que vive justamente, quando refere à

consecução da verdadeira paz todas as boas obras que faz para com Deus e

com o próximo, porque a vida da cidade é vida social”5.

4 H. Rombach, op. cit., p. 155.

5 Agostinho, A cidade de Deus (contra os pagãos) – parte II. Petrópolis-RJ: Vozes, 1990–

Livro XIX, cap. XVII, p. 408s.

21

A paz perpétua é a meta da história. Mas, o que é a paz? A paz é a tranqüilidade da

ordem:

“Assim, a paz do corpo é a ordenada complexão de suas partes; a da alma

irracional, a ordenada calma de suas apetências. A paz da alma racional é a

ordenada harmonia entre o conhecimento e a ação, a paz do corpo e da

alma, a vida bem ordenada e a saúde do animal. A paz entre o homem

mortal e Deus é a obediência ordenada pela fé sob a lei eterna. A paz dos

homens entre si, sua ordenada concórdia. A paz da casa é a ordenada

concórdia entre os que mandam e os que obedecem nela; a paz da cidade,

a ordenada concórdia entre governantes e governados. A paz da cidade

celeste é a ordenatíssima e concordíssima união para gozar de Deus e, ao

mesmo tempo, em Deus. A paz de todas as coisas, a tranqüilidade da

ordem. A ordem é a disposição que às coisas diferentes e às iguais

determina o lugar que lhes corresponde”6.

O triunfo de Jerusalém sobre Babilônia é, portanto, a vitória da paz – que é a

tranqüilidade da ordem, que, por sua vez, é a disposição justa de todas as coisas na sua

diversidade e igualdade –, sobre o caos, a confusão, a desordem, a injustiça.

6 Agostinho, Idem– Livro XIX, cap. XIII, p. 402s