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Diretor: João Teives | Diretora Editorial: Fátima de sousa | Mensal | Ano V | N.º 67 | outubro de 2015 | 15 euros www.advocatus.pt O agregador da advocacia 28 PEDRO RAPOSO, MIGUEL MIRANDA E ALMEIDA CORREIA, SÓCIOS FUNDADORES DA PRA “A MASSA CRÍTICA DE SÓCIOS É FUNDAMENTAL” 08 EDUARDO VERA-CRUZ UM CURSO CONTRA A CORRENTE 14 PAULETTE BROWN UMA ADVOGADA PELA INCLUSÃO O diretor do curso de Direito da Universi- dade Europeia defende que a universida- de não é ensino profissional e que é, sim, o lugar para ensinar a teoria. É a primeira mulher negra a chegar à pre- sidência da American Bar Association. Como porta-voz de 400 mil advogados, propõe-se lutar pela diversidade e pela inclusão.

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www.advocatus.pt O agregador da advocacia

28PEDRO RAPOSO, MIGUEL MIRANDA E ALMEIDA CORREIA, SÓCIOS FUNDADORES DA PRA

“A MASSA CRÍTICA DE SÓCIOS É FUNDAMENTAL”

08EDUARDO VERA-CRUZUM CURSO CONTRA A CORRENTE

14PAULETTE BROWNUMA ADVOGADA PELA INCLUSÃO

O diretor do curso de Direito da Universi-dade Europeia defende que a universida-de não é ensino profissional e que é, sim, o lugar para ensinar a teoria.

É a primeira mulher negra a chegar à pre-sidência da American Bar Association. Como porta-voz de 400 mil advogados, propõe-se lutar pela diversidade e pela inclusão.

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PUBLISHER

Edifício Lisboa OrienteAv. Infante D. Henrique, 333 H | 37

1800-282 LisboaT. 218 504 060 | F. 210 435 935

Diretora-geralSandra Silva

T. 967 088 [email protected]

DIRETORJoão Teives

[email protected]

DIRETORA EDITORIALFátima de Sousa

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GESTOR COMERCIALJoão Pereira

T. 960 427 [email protected]

DISTRIBUIÇÃO POR ASSINATURAPreço: 85€ (12 edições)[email protected]

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IMPRESSÃOTYPIA - Grupo MonterreinaÁrea Empresarial Andalucia

28320 Pinto Madrid - España

www.advocatus.pt O agregador da advocacia

Este mês, o Cartão do Cidadão é o de Nuno Pena, sócio fundador da CMS – Rui Pena & Arnaut. Entre as Portas do Sol, em Lisboa, e os Açores estão alguns dos seus poisos preferidos. Velejar e conduzir o seu BMW de 1972 são prazeres que não dispensa.

22DOSSIER

REFUGIADOS E FRONTEIRASEstes são os binómios da mais recente controvérsia no espaço europeu. Podem ou não os Estados suspender o acordo de Schengen? Quatro opiniões nestas páginas.

34PENALO penalista Carlos Pinto de Abreu partilha o que pensa sobre o domínio das áreas fiscal e financeira na prática jurídica.

18SOCIEDADES

A ROTA INTERNACIONAL DA MLGTSA aposta da MLGTS na internacionalização concretiza-se com a recente criação da German Desk e da French Desk. Os respetivos coordenadores explicam a razão de ser destas equipas especializadas.

A MAIS LIDA ONLINE

TRÊS ADVOGADAS PORTUGUESAS DISTINGUIDAS PELOS WOMEN IN LAW AWARDS

Todos os anos a Lawyer Monthly elege as mulheres que mais se destacaram na advocacia em todo o mundo. Este ano houve três portuguesas contempladas: a advogada sénior da PLMJ Alexandra Mota Gomes, a sócia da Vieira de Almeida Margarida Couto e a consultora da Deloitte Patrícia Matos.

12OPINIÃO

DIREITO DA FAMÍLIAO sócio da PLMJ Rui Alves Pereira pronuncia-se, de forma crítica, sobre a nova lei das responsabilidades parentais.

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Cortar a Direito advocatus.pt

American Bar Association

As associações profissionais de advogados nos Estados Unidos da América são multifacetadas. Existem associações nacionais, estaduais, locais e até especializa-das por áreas de prática do direito. Umas só aceitam advogados, ou-tras são mais abrangentes. Algu-mas são de inscrição obrigatória, por norma as state bar associa-tions, outras meramente facultati-vas. Estamos, assim, perante uma realidade rica e abrangente. A American Bar Association é uma associação de cariz nacio-nal, na realidade neste momento internacional visto que mesmo ad-vogados que exerçam fora da ju-risdição americana se podem ins-crever, voluntária na sua adesão, que tem desempenhado um papel impar na defesa da Liberdade e na prossecução da Justiça, em honra do seu lema.Fundada, em Nova Iorque, aos 21 de agosto de 1878, por 75 advo-gados de vinte diferentes Estados, tinha um objetivo claro: “Its object shall be to advance the science of jurisprudence, promote the admi-nistration of justice and uniformity of legislation throughout the Union,

Se é certo que a atual presidente da ABA, Paulette Brown, é uma mulher negra, o que sucede pela primeira vez desde a sua fundação, não menos certo é que, em 4 de janeiro de 1912, o seu comité executivo anulou a inscrição de William H. Lewis, o primeiro negro “assistent attorney general” dos Estados Unidos, decretando que só os brancos poderiam ser membros.

uphold the honor of the profession of the law, and encourage cordial intercourse among members of the American Bar”.Confundindo-se com a história e as contradições próprias dos Es-tados Unidos, nem sempre este propósito foi bem defendido. A ABA tem muitos momentos que não são, para si própria, um moti-vo de orgulho. Se é certo que a atual presidente da ABA, Paulette Brown, entrevis-tada neste número do Advocatus, é uma mulher negra, o que suce-de pela primeira vez desde a sua fundação, não menos certo é que, em 4 de janeiro de 1912, o seu co-mité executivo anulou a inscrição, feita no ano anterior, de William H. Lewis, o primeiro negro “assistent attorney general” dos Estados Uni-dos, decretando que só os brancos poderiam ser membros. Esta resolução de discriminação racial só viria a ser afastada, sob proposta de Joseph C. Thomson, de Nova Iorque, em 1943, passan-do a regra a ser a de que a inscri-ção na ABA não estaria dependen-te da raça, religião ou cor.Nesse mesmo ano, pela primeira

vez uma mulher é eleita como de-legada para a House of Delegates. A união vivida em tempo de guer-ra contribuiu para promover o fim das discriminações e a plena au-tonomia das mulheres. Refira-se, a este respeito, por curiosidade, que as primeiras mulheres advogadas associadas da ABA se inscreveram em 1918.Seja como for, é evidente, ainda hoje, que os preconceitos, mesmo que combatidos, não foram ven-cidos, justificando uma clara linha de ação no seu combate com a criação da Comissão Diversidade e Inclusão 360.Nesse, como noutros projetos ao longo da sua história, a mero título de exemplo a adoção dos cânones de deontologia profissional a nível nacional em 1908, a ABA conti-nua a ser uma das associações de advogados mais influentes no mundo. Com esta entrevista, o Ad-vocatus prossegue no seu espírito agregador de todos os advogados, na sua dimensão plural e universal, sendo certo que, apesar da diver-sidade, existirão sempre princípios comuns que nos unem.

Anjas do nosso mundoLIVRO

Belíssimos desenhos de anjas, por Francisco Simões, inspiram textos de Isabel Mendes Ferreira, Isabel Ponce de Leão, Maria do Rosário Pedreira, Maria Teresa Horta, Patrícia Reis, Teolinda Gersão e Teresa Martins

Marques. O prefácio, luminoso, é de Guilherme d’Oliveira Martins. Como bem diz o editor, “Francisco Simões criou. Sob a agilidade do traço, o sopro que dá vida. E da luz surgiu Verbo”. Uma obra única. Imperdível.

“Com esta entrevista, o Advocatus prossegue no seu espírito agregador de todos os advogados, na sua dimensão plural e universal, sendo certo que, apesar da diversidade, existirão sempre princípios comuns que nos unem”

JOÃO TEIVESDIRETOR

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PARA ASSOCIADOS DA ORDEM DOS ADVOGADOS SEGUNDO PROTOCOLO REALIZADO

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smarteca

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Cartão do Cidadão

A advocacia corre-lhe no sangue e, por isso, não se imagina a fazer outra coisa. Advogado desde 1994, ano em que se inscreveu na Ordem após conclusão dos estudos na Universidade Católica, Nuno Pena é sócio fundador da CMS – Rui Pena & Arnaut. Resolução de litígios e contencioso são as suas áreas de prática preferenciais, se bem que também seja reconhecido em fiscal.

Nuno Pena

Viagem mais marcanteViagem a várias províncias de An-gola durante um cessar-fogo na guerra civil. Cresci em Portugal a ouvir maravilhas sobre pessoas, casas, espaços, cheiros e ambien-tes que quase todos na família co-nheceram e que eu apenas imagi-nava. Não descansei enquanto não fui ver. Tinham razão. Curiosamente e porque faz sentido dizê-lo nesta sede, nessa viagem conheci por acaso o Agostinho Pereira de Miranda, de quem fiquei amigo até hoje.

Carimbo que falta no passaporteGostaria muito de ir à Antártida. Mas há ainda muitos carimbos em falta, se bem que não seja um ma-luquinho das viagens.

Recanto em LisboaPortas do Sol, do meu amigo Miguel Cristo. Seguramente a me-lhor vista de Lisboa e com o melhor dos anfitriões.

HobbiesVelejar e conduzir o meu BMW 2002 (de 1972). Ultimamente tenho

também feito umas incursões (por vezes involuntárias) pela mecânica.

LivroÉ sempre o último… este Verão, e a terminar, os Irmãos Karamazov. Felizmente, o meu amigo Antonio Lobato Faria nunca deixa que me

faltem livros. Só a leitura me des-cansa verdadeiramente.

RestauranteO Faroleiro, no Guincho. Sempre que posso com a Francisca e com os miúdos. E é sempre um prazer rever o Senhor José Pratas. Tam-bém o QB na Beloura, do bom ami-go João Braga Gonçalves, é desti-no recorrente.

PratoHoje tenho que ter algum cuidado. Porém, um robalo bem grelhado

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advocatus.pt

mostra-nos como as coisas sim-ples são mesmo as melhores. Po-demos complicar um pouco com um bom vinho branco. O Joaquim (Sherman de Macedo) é que sabe escolhê-los.

BebidaGin. Sempre gostei. Agora que ain-da por cima está na moda, a varie-dade disponível é incrível. Um bom champanhe é também bem-vindo em qualquer altura.

FilmeTantos… Aniki bóbó, Apocalipse Now, O Caçador (Deer Hunter), Taxi Driver, Os amigos de Alex, Era uma vez na América, Cinema Paraíso, A vida é Bela… Mais recentemente, As Vidas dos Outros (Das Leben der Anderen), um filme alemão que retrata a vida na Alemanha Demo-crática sob o regime comunista. A não perder.

SérieBoston Legal. Ainda tenho espe-rança de que o meu amigo e co-lega Patrick Dewerbe traga de vez o whisky e os charutos para o es-critório.

Banda sonora da vidaO sound track de Os Amigos de Alex. Grande filme com grandes músicas. As tardes que eu passei com o Tiago Mascarenhas a gravar cassetes…

Destino para escapadinha em PortugalAçores. Sem sombra de dúvida. Um passeio a pé em torno das cumeeiras das sete cidades ou ir com a minha mulher e os meus fi-

Um advogado de referênciaRui Pena. Who else?

Um exemplo de vidaO meu avô paterno a quem cha-mava de “amigo”. Um exemplo de dedicação à família e de respeito pelas raízes. E, claro está, a minha avó materna – Madalena – uma his-tória de vida que dava um livro.

O que lhe falta fazerTudo. Quero fazer tudo! Falta-me apreender a fazer kitesurf e, se um dia puder, participar no Rally Pe-quim – Paris. Mais tarde escreverei um livro sobre essa viagem ou so-bre algumas aventuras. Se calhar sobre a vida da minha avó.

Sou advogado porqueSempre quis ter uma profissão com prestígio social e que me permitisse ser livre e independente. Era o exem-plo que via em pequeno. Apesar da evolução que a profissão tem tido – hoje boa parte dos colegas não se sentem nem livres nem indepen-dentes – não posso dizer que me sinta defraudado nas minhas expec-tativas pessoais. Esta profissão é tão exigente quanto gratificante. Só nós é que sabemos como é possível ter prazer num Sábado de sol enfiado no escritório sem dar pelo tempo passar.

Se não fosse advogado seriaNão me imaginei nunca noutra pro-fissão.

lhos mergulhar com golfinhos são experiências verdadeiramente re-temperantes. Windsurf com o mes-tre “Sabão” é também programa obrigatório para toda a família.

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Entrevista

É pela diferenciação que o diretor do curso de Direito da Universidade Europeia, Eduardo Vera Cruz, defende a criação da nova licenciatura, mostrando-se preocupado com o facto de os alunos recorrerem ao privado em resultado da exclusão do ensino público. “É uma inversão da pirâmide social”, diz, numa entrevista em que também critica a forte dependência do poder judiciário face ao poder executivo.

Ensino privado não deve ser saída para exclusão do público

Eduardo Vera-Cruz, Diretor do curso de Direito da Universidade Europeia

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Sofia Dutra, [email protected]

“Se não se aprender teoria na universidade onde é que se aprende? Defendo isso, mas não há quem oiça. O discurso político, que de tão repetido tornou-se um lugar--comum, de que as universidades devem formar quadros para o país está completamente errado”

Advocatus | O que motivou a criação da licenciatura em Direi-to da Universidade Europeia?Eduardo Vera-Cruz | Sempre se considera, e bem, que o merca-do dos cursos de Direito está um pouco esgotado. É uma realidade: temos uma oferta de cursos de Di-reito, quer em termos de universi-dades públicas, quer em termos de universidades privadas, superior às nossas possibilidades. A única coisa que faz sentido é haver uma coisa nova. Quando me foi apre-sentado o projeto da Universidade Europeia, disseram-me que es-tavam criadas as condições para que algumas ideias pudessem ser executadas, nomeadamente na parte metodológica do ensino, na didática, pedagogia, avaliação de conhecimento, inovação curricu-lar, nas infraestruturas básicas do ensino e na adequação do ensino teórico à prática jurídica. Com es-ses ingredientes, considerei que valia a pena fazer a experiência, no sentido de dar ao país um curso que pudesse trazer algo de dife-rente. Agora, as diferenças não se notam logo. No que fica fora do corpo comum nas licenciaturas em Direito exis-tem especificidades que fazem com que os alunos possam optar por uma formação que não seja o resultado da sua exclusão do ensi-no público. É o que mais me preo-cupa. É uma inversão da pirâmide social. Estamos a formar os melho-res alunos do ensino médio, muitas vezes, em colégios privados, e de-

pois esses alunos transitam para o ensino público universitário, que é a referência.

Advocatus | Como inverter esta situação?EVC | Por um lado, era preciso po-líticas públicas de acesso diferen-tes. Por exemplo, considerar que o ensino superior jurídico universi-tário não deve estar condicionado por fatores externos, como a ideia de que deve formar competências – não é assim – e universalizar os cursos independentemente das áreas. A universidade não é ensi-no profissional.

Advocatus | Uma das críticas mais comuns é que o ensino uni-versitário é demasiado teórico.EVC | Se não se aprender teoria na universidade onde é que se aprende? Defendo isso, mas não há quem oiça. O discurso político, que de tão repetido tornou-se um lugar-comum, de que as universi-dades devem formar quadros para o país está completamente errado. Outra questão polémica e que está muito mal colocada é a ligação en-tre as universidades e as empresas. O ensino superior é sobretudo para formar juristas com ensino univer-sal, isto é, prepará-los para o mun-do, primeiro com uma base cultural forte (história, filosofia, antropo-logia, sociologia, ciências exatas, musica, teatro, etc.). Têm que ser pessoas versáteis. Um jurista para o século XXI tem que ter uma boa base cultural, uma boa base de in-

vestigação – nomeadamente infor-mática – estar atento às novidades, aberto ao mundo e ter espírito crí-tico. Além da cultura, é necessário desenvolver estas capacidades in-telectivas. E depois disso aprende--se a técnica. Aprende-se a arte do Direito e uma técnica em que esta arte leva a resultados. Vamos ten-tar dar uma boa dimensão teórica e cultural nos primeiros dois anos e nos outros dois vamos tentar apro-veitar esta culturalidade formativa para entrar na técnica – aí é que surgem os contactos e os protoco-los com os escritórios. Na dialéti-ca entre aquilo que o aluno vê do mundo lá fora e o que o professor lhe diz, vamos explicar que, por ve-zes, a ideia de justiça é incompatí-vel com esses factos.

Advocatus | O curso está voca-cionado para o exercício da ad-vocacia ou também para as de-mais profissões jurídicas?EVC | Tenho alguma dificuldade em vocacionar o curso, porque já entra truncado. Pensamos o que deve ser um jurista e vamos pro-curar que os licenciados da Uni-versidade Europeia tenham essas características, visão do mundo, cultura e técnica e que estejam preparados para fazer o que quer que seja, mesmo profissões fora das profissões jurídicas. Mas de-pois, e por isso é que importa di-rigir nos últimos anos para a parte técnica, dando ao aluno a possibi-lidade de contacto com os escri-tórios de advocacia, com os tribu-

“O ensino superior é sobretudo para formar juristas com ensino universal, isto é, prepará-los para o mundo, primeiro com uma base cultural forte (história, filosofia, antropologia, sociologia, ciências exatas, musica, teatro, etc.). Têm que ser pessoas versáteis”

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Entrevista

“Ficar acomodado é o pior que pode acontecer”“Ninguém deve considerar-se servidor público toda a vida”. É assim que Eduardo Vera-Cruz responde quando questionado sobre este novo desafio após sete anos como diretor da Fa-culdade de Direito da Univer-sidade de Lisboa. E explica porquê: porque “a pior coisa que pode acontecer a quem está no ensino superior é ficar acomodado”: “Tenho imenso respeito por quem fez 30, 40, 50 anos de carreira em exclu-sividade numa instituição. Por feitio, eu tenho necessidade de me mexer. Assim que sinto que estou demasiado parado e que estou a fazer cama no lu-gar onde estou, imediatamente

saio, para me colocar à prova”.Não obstante reconhecer que na Faculdade de Direito “há sem-pre tarefas para fazer” e que é possível a realização “em todas as facetas e personalidades”, entendeu que “era altura de começar uma coisa nova”. “Se correr mal a culpa só pode ser minha, porque a Universidade Europeia deu-me todas as con-dições para que comece bem. Venho tentar implementar algu-mas das ideias que não conse-gui implementar na Faculdade de Direito de Lisboa”. Assegura, porém, que a ligação à Faculda-de de Direito de Lisboa “é para sempre”. Vai, aliás, manter-se como professor convidado.

nais – não é fácil, porque estamos muito burocratizados, muito meti-dos em ideias com 200 anos. Há coisas que têm que ser mudadas. Em algumas disciplinas do curso, os manuais dizem exatamente o mesmo, com nuances de lingua-gem. É a estas doutrinas imutáveis que vou tentar dar a volta. Não formo para as competências, em-bora tenha que atender a algumas, mas não por pressão do mercado de trabalho. Os alunos têm que ser juristas preparados no plano ra-cional e emotivo para as coisas da justiça. Os alunos têm que sair do curso de Direito emocionando-se com as injustiças, com vontade de mudar o mundo. Têm que sair da-qui com sonhos.

Advocatus | Não chegam com esses ideais? Aos 18 anos, já não é essa a motivação?EVC | Infelizmente, da experiência que tenho na Faculdade de Direi-to de Lisboa, que é e continuará a ser a referência do ensino jurídico em Portugal, as turmas do primeiro ano ainda vêm com esses ideais, mas depois, à medida que o curso avança, ficam piores. Às vezes, o ensino do Direito pode piorá-los. Isso não pode deixar de tocar aos professores de Direito. Há que per-ceber por que é que estão mais competitivos e menos dispostos a arriscar e a ajudar.Esta formação para que os alunos se movam contra as injustiças é muito difícil de fazer e de avaliar.

Felizmente, aqui foi-me dada a pos-sibilidade de o fazer. Por exemplo, ensinar psicologia judiciária. É men-tira que a justiça seja uma utopia, que cada um tenha a sua. Cada pessoa tem uma sensibilidade para a justiça, mas ensinamos o conceito objetivo de justiça. Ainda estamos a viver agarrados à Constituição. Ninguém pensa no Direito no dia depois da Constituição. Se a Cons-tituição é a lei das leis, não deixa de ser mais uma lei. E se é mais uma lei, está do lado da política. Se esta é uma Faculdade de Direi-to é melhor que ensine Direito, pelo lado das regras, e não leis, pelo lado das normas. E é preciso fazer esta diferença clara: quando é que está do lado do Direito e quando é que está do lado da lei, sabendo que os dois lados não coincidem, a não ser que o legislador pergunte ao jurista se está de acordo com o Direito e se tem o consenso parti-dário. Mas se 99% dos portugue-ses achar que o homicídio é juridi-camente válido não é.

Advocatus | Além da psicologia, que outras cadeiras que não são habituais nos cursos de Direito vão ser lecionadas?EVC | A economia é uma área au-xiliar do Direito, mas, para nós, juristas, a economia é economia política, não é uma ciência exata, mas um conjunto de opções, que depende da decisão política. Va-mos dizer aos alunos: a economia é importante, trata da produção da

“Estamos muito burocratizados, muito metidos em ideias com 200 anos. Há coisas que têm que ser mudadas. Em algumas disciplinas do curso, os manuais dizem exatamente o mesmo, com nuances de linguagem. É a estas doutrinas imutáveis que vou tentar dar a volta”

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riqueza, mas o Direito trata da dis-tribuição da riqueza. Temos que estar preparados para falar com os economistas e não na situação em que, às vezes, a economia aparece, como diziam os fundadores do capitalismo e de-pois do marxismo, uma superes-trutura económica que determina a infraestrutura política e depois o jurídico como uma manifestação do político através das leis – isso é que não. Tentar pôr o Direito ao lado destas áreas.

Advocatus | A Universidade Eu-ropeia tem um modelo académi-co baseado na internacionaliza-ção. De que forma é isso visível na licenciatura?EVC | Por orientação da Universi-dade, todos os alunos devem sair um semestre, o que os ajuda muito

“Infelizmente, não temos um poder judiciário, temos uma administração da justiça”Eduardo Vera-Cruz é membro do Conselho Superior de Magistra-tura há mais de dez anos. Nes-sa qualidade – diz – nunca deu entrevistas, reservando as suas opiniões para o que considera ser o fórum próprio: “Procuro que a instituição viva no plenário todas as suas divergências e tensões. A justiça portuguesa tem passa-do por muito nos últimos tem-

pos, tem que fazer um esforço de adaptação e expresso as minhas opiniões em plenário”.“Quem está ligado ao mundo ju-diciário sabe que ando um pouco contra a corrente. Expresso isso em votos de vencido. Tenho cen-tenas de votos de vencido nes-tes anos. Sei perder. Lá dentro vive-se tudo e lá dentro se deixa tudo”, adianta.

Quanto a continuar, afirma crer que já não, pois já cumpriu vários mandatos: “Cada mandato que aceitei continuar foi porque consi-derei que ainda tinha possibilida-de de fazer infletir alguns aspetos da política interna da justiça. Mas infelizmente não temos um poder judiciário, temos uma administra-ção da justiça. Temos uma forte dependência do poder judiciário

do poder executivo. Gostava de ver a justiça portuguesa mais de-pressa em certas áreas, marchan-do noutro sentido noutras áreas e já não me vejo capaz. Nestes anos todos não fui o motor dessa mudança, seria muita pretensão pensar que faria alguma mudan-ça. É preciso que apareçam no-vos protagonistas. Creio que essa experiência chegou ao fim”.

“Ainda estamos a viver agarrados à Constituição. Ninguém pensa no Direito no dia depois da Constituição. Se a Constituição é a lei das leis, não deixa de ser mais uma lei. E se é mais uma lei, está do lado da política”

a disciplinar a sua crítica. A inter-nacionalização é um dos pilares da formação jurídica dos alunos. Temos que contrariar alguns dis-cursos que são feitos, dizendo que há sempre outros caminhos, vão lá fora e vejam exemplos experimen-tados noutros países.A Universidade Europeia está espa-lhada por dezenas de países, o que facilita o intercâmbio, e, por outro lado, os protocolos com institui-ções mesmo fora da rede europeia ajudam muito a essa realidade.

Advocatus | A licenciatura teve muita procura?EVC | Foram-nos atribuídas 25 vagas e essas estão preenchidas. Agora, não queria falar muito dis-so, porque dá sempre a ideia de que estou a falar em moto próprio, valorizando-me.

“Tenho imenso respeito por quem fez 30, 40, 50 anos de carreira em exclusividade numa instituição. Por feitio, eu tenho necessidade de me mexer. Assim que sinto que estou demasiado parado e que estou a fazer cama no lugar onde estou, imediatamente saio, para me colocar à prova”

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Opinião

Nos últimos tempos assistimos à apresentação de várias propostas legislativas sobre o direito da Famí-lia e das Crianças. Desde logo os projetos sobre a adoção por casais do mesmo sexo e a coadoção, os quais não mereceram acolhimen-to e outros que entraram em vigor este mês de outubro. Assistimos, pois, a uma crescente preocupação legislativa com es-tas temáticas, sendo que, no meu ponto de vista, a discussão des-tas matérias ainda não foi levada a cabo de uma forma transparente, direcionada e sem preconceitos. No mês de outubro entraram em vigor um conjunto de leis no âm-bito do Direito da Família e das Crianças, designadamente a lei 137/2015,de 7 de setembro, que modifica o regime das Responsa-bilidades Parentais. As Responsabilidades Parentais consistem num conjunto de pode-res/deveres que os Progenitores exercem no interesse dos filhos, designadamente velando pela sua educação, segurança e saúde, provendo ao seu sustento, assegu-rando a sua representação legal e administração dos seus bens. Assim, entendo que este diploma enferma da violação de princípios estruturantes do Direito da Família, levando a uma enorme confusão de conceitos e institutos jurídicos por parte do nosso legislador.

A este respeito, atente-se ao atual quadro legal relativo ao Instituto das Responsabilidades Parentais: (i) ar-tigos 1877.º, 1878.º 1882.º, 1901.º, 1902º, 1906.º, do Código Civil; (ii) artigos 36.º, 67.º e 69.º, da Cons-tituição da República Portuguesa; (iii) R (84) sobre as Responsabilida-des Parentais, de 28 de fevereiro de adotada pelo comité de Ministros do Conselho da Europa em 28 de fevereiro de 1984; (iv) artigos 3.º, 5.º, 7.º, 9.º e 18.º da Convenção so-bre os Direitos das Criança. Não obstante o acima referido, não quero com isto dizer que não seja imprescindível uma reflexão pro-funda e adequada entre o sangue e os afetos, sendo este, aliás, um caminho necessário tomando em consideração a evolução da estru-tura familiar tradicional para novas e diversas realidades familiares. Defendo, claramente, a necessi-dade dessa reflexão pois o atual panorama da família deixou de estar intimamente ligado ao casa-mento e ao biologismo e caminha cada vez mais para as relações emocionais e de afeto. Com efeito, esta nova lei em aná-lise assenta essencialmente na re-formulação de dois artigos, 1903.º e 1904.º do Código Civil, consa-grando apenas uma ordem prefe-rencial de pessoas, começando pelo cônjuge ou unido de facto de qualquer um dos Progenitores e só

Extensão das responsabilidades parentaisEste diploma enferma da violação de princípios estruturantes do Direito da Família, levando a uma enorme confusão de conceitos e institutos jurídicos por parte do nosso legislador.

Sócio coordenador da Área de Prática de Clientes Privados da PLMJ

RUI ALVES PEREIRA

“Não quero com isto dizer que não seja imprescindível uma reflexão profunda e adequada entre o sangue e os afetos, sendo este, aliás, um caminho necessário tomando em consideração a evolução da estrutura familiar tradicional para novas e diversas realidades familiares”

depois se passará para alguém da família destes. E pelo aditamento do artigo 1904.º A, que regula o exercício Respon-sabilidades Parentais quando a filiação da Criança se encontre es-tabelecida quanto a um dos Pais. Esta disposição legal só é aplicável a Crianças que tenham um vínculo de filiação, sendo que a morte de um dos Progenitores não extingue o vínculo de filiação. Por último, importará desmistificar algumas realidades que estão a ser confundidas na apresentação e interpretação deste diploma. Apre-sento duas situações práticas e respetivas respostas:

Caso AUm casal divorciado com um fi-lho. O Pai faleceu e a mãe casa ou uniu-se de facto com um novo companheiro, que é efetivamen-te quem cuida no dia-a-dia da Criança. Esse “padrasto” pode pedir o exercício das responsa-bilidades parentais nesta situa-ção (em conjunto com a mãe) ou só se acontecer algo à mãe? Neste caso não é possível requerer a extensão das responsabilidades parentais. O artigo 1904-A do Có-digo Civil só é aplicável a Crianças que tenham um vínculo de filiação e não dois vínculos de filiação. Sendo que a morte de um dos Progenitores não extingue o vínculo de filiação.

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“Entendemos que não seria necessário produzir diplomas que confundem realidades jurídicas já existentes e que acabam afetar toda a “família”, apenas pelo simples facto de não se legislar direta e assumidamente para realidades familiares que merecerem uma atualização normativa”

Esta nova pessoa (“madrasta” ou “padrasto”) não poderá em vida, exercer as Responsabilidades Pa-rentais em conjunto, uma vez que aquela Criança tem dois vínculos de filiação, ou seja, da Mãe (Proge-nitor sobrevivo) e do Pai (apesar da sua morte, não extingue o vínculo). Por outras palavras, o artigo 1904.º -A aplica-se, por exemplo, a Crianças que foram adotadas singularmente (apenas por uma pessoa) por um homem ou por uma mulher, pelo que apenas têm um vínculo de filiação. Acresce que o pedido, a ser possí-vel - que não é - só poderá ser feito pelo Progenitor, sendo este o único que tem legitimidade processual para o fazer, e não novo cônjuge, companheiro ou companheira. Neste caso que se apresenta, apenas podia ser possível o exer-cício das Responsabilidades Pa-rentais pelo novo “companheiro, que é efetivamente quem cuida”, em caso de morte do Progeni-tor sobrevivo (Mãe) e por morte desta para o seu companheiro, salvo disposição testamentária em contrário.

Caso BUma Criança com um vínculo de filiação (Mãe). Esta casa-se com um outro homem ou uma mulher. Foi requerida pela Progenitora a extensão das responsabilidades, a qual veio a ser decretada pelo Tribunal. Que questões se colocam em caso de separação, divórcio ou dissolução da união de facto, conforme o caso?Em caso de separação, divórcio ou dissolução da união de facto, as Responsabilidades Parentais con-tinuam a ser exercidas pela Mãe e pelo “padrasto ou madrasta”, não podendo ser anulado esse exercí-cio conjunto a não ser nos casos previstos na lei: inibição das Res-ponsabilidades Parentais. Imagine-se, agora, que a Mãe volta a casar-se com outra pessoa. Não obstante este casamento, as Res-ponsabilidades Parentais mantêm-se com ela e com o ex-marido e não com a nova pessoa com quem casou.Imagine-se, ainda, que o primeiro marido da Mãe vem a falecer, aqui diremos que é possível requer no-vamente o exercício conjunto das Responsabilidades Parentais pela Mãe relativamente ao seu novo ma-rido, já que a Criança mantém ape-nas um vínculo de filiação (Mãe). No entanto, esta hipótese que

estou a levantar, sob o ponto de vista teórico, terá sempre que pas-sar pela apreciação e decisão do tribunal, designadamente para ser avaliado este segundo pedido e a consistência do mesmo, já que estamos a falar de Crianças e o interesse superior da Criança está acima de tudo.Em jeito de conclusão, deixo a seguinte pergunta: Este diploma respeita os direitos da Criança, de-signadamente o direito à família e o seu superior interesse? Salvo o devido respeito, enten-demos que não seria necessário produzir diplomas que confundem realidades jurídicas já existentes e que acabam afetar toda a “família”, apenas pelo simples facto de não se legislar direta e assumidamente para realidades familiares que me-recerem uma atualização normativa. Por isso entendi chamar a este di-ploma a “Coadoção Light”.

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Internacional

Paulette Brown, presidente da American Bar Association

A profissão jurídica é das menos inclusivas nos EUAPaulette Brown sabe bem o que é o preconceito: nos tempos em que era a única advogada negra numa sala de audiências, perguntavam-lhe, amiúde, se era a arguida ou jornalista. Não admira, pois, que tenha eleito a diversidade e a inclusão como prioridades no seu mandato na American Bar Association. É que ela é a primeira mulher negra a liderar os mais de 400 mil advogados americanos.

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Advocatus | A sua eleição para a presidência da American Bar Association foi descrita como histórica. Concorda com esta leitura?Paulette Brown | Sinto-me hon-rada por presidir à American Bar Association e, sendo a primeira mulher de cor a liderar a Ordem, é, de facto, um momento histórico. Mas este lugar vem acompanhado de uma grande responsabilidade. E eu espero torná-lo ainda mais his-tórico sendo a melhor presidente possível, servindo os nossos mais de 400 mil membros e contribuin-do para que a justiça seja mais prevalecente no mundo. Também espero constituir um exemplo para os mais jovens, para que percebam as possibilidades que têm à frente.

Advocatus | Em que medida é im-portante para o sistema de jus-tiça americano e, em particular, para os advogados americanos a eleição de uma mulher e, sobre-tudo, de uma mulher pertencente a uma minoria?PB | É importante que as pessoas tenham modelos que possam se-guir em todas as profissões e car-gos. A diversidade e a inclusão são críticas para garantir que a socie-dade tem fé na justiça e equida-de do sistema legal. Pode ser-se tentado a pensar que a ABA é um microcosmo da profissão legal de-vido à atual liderança. Contudo, a profissão jurídica, contudo, é a me-nos diversa de entre as profissões comparáveis nos Estados Unidos. Apenas 12 por cento da profissão é racial e etnicamente diversa. Te-mos de fazer mais para encorajar os indivíduos de diferentes origens a ingressarem na nossa profissão, dando-lhes oportunidade de aces-so na escola, na universidade e, no fim, na advocacia.

Advocatus | A ABA percorreu um longo caminho desde o tempo em que, no início do século XX, as mulheres eram proibidas de

“A diversidade e a inclusão são críticas para garantir que a sociedade tem fé na justiça e equidade do sistema legal”

Paixão pela inclusãoPaulette Brown leva para a presidência da American Bar Association uma missão a que se tem entregado enquanto advogada – a inclu-são. Na firma de que é sócia, a Locke Lord LLP, integra o Comité de Diversidade & Inclusão. Na própria ABA, integrou a Comissão para as Mulheres na Profissão, bem como o Conselho para a Justiça Racial e Étnica. É autora de “Invisibilidade visível: as mulheres de cor nas sociedades de advogados” e foi reconhecida pelo National Law Journal como um dos “50 advogados de minorias mais influen-tes da América”. Entre os vários prémios que ganhou, inclui-se o “Margarey Brent Women Lawyers of Achievement”, da própria ABA. É Juris Doctor pela Seton Hall University School of Law e é Bachelor of Law pela Universidade de Howard.

serem membros. Como avalia essa evolução?PB | As primeiras mulheres a inte-grar a ABA foram Mary Florence Lathrop, de Denver, e Mary Gros-sman, de Cleveland, em 1918. E a primeira mulher eleita para um car-go na Ordem foi Marguerite Rawalt, em 1943.A ABA, bem como a profissão ju-rídica, nos Estados Unidos e no mundo, evoluiu muito nos domí-nios da diversidade e da inclusão desde 1918 e desde 1943. Mas, claro que é um processo em cur-so que ainda continua a merecer a nossa atenção e o nosso esforço.Fizemos um grande progresso, mas ainda há muito espaço para me-lhorar. Nas firmas de advocacia, a percentagem de mulheres que são sócias – 17 por cento – é inconsis-tente com a taxa de licenciadas – 47 por cento. E, em 2014, os advo-gados de cor eram apenas 7,33 por cento dos sócios das 200 firmas de topo dos Estados Unidos.

Advocatus | Assumiu precisa-mente como prioridade do seu mandato reforçar a diversida-de e a inclusão na ABA. De que modo?PB | Promover a diversidade e a in-clusão é, de facto, uma das quatro

metas da ABA e uma das minhas principais iniciativas como presi-dente. O poder e o alcance da ABA serão utilizados em benefício da diversidade plena e da equidade, bem como para combater o pre-conceito na profissão jurídica e no sistema de justiça.Nesse sentido, criámos a Comis-são Diversidade e Inclusão 360, que irá desenvolver um plano de ação sustentável, com métricas quantificáveis e boas práticas, de modo a aumentar a diversidade e a inclusão ao longo dos próximos dez anos.

A comissão é constituída por peri-tos de quase todos os setores da profissão, incluindo as grandes so-ciedades de advogados, as mais pequenas, empresas, governo e academia. A colaboração com ou-tros grupos e entidades com metas similares é importante para alcan-çar os melhores resultados.A comissão irá olhar para o modo como a ABA e os seus organismos lidam com a diversidade e a inclu-são e, a partir daí, desenvolver es-tratégias, delinear boas práticas e uniformizar guidelines. Assim, a ABA pode assumir-se como um re-

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advocatus.ptInternacional

curso a que os conselhos federais e locais, bem como outras organiza-ções jurídicas, podem recorrer para, também elas, acelerarem a diversi-dade e a inclusão, promovendo pro-gramas dirigidos aos advogados.

Advocatus | Trabalhou como ad-vogada in house nalgumas das

empresas do ranking Fortune 500. Sentiu discriminação? E quando mudou para as socieda-des de advogados?PB | As mulheres, e sobretudo as mulheres de cor, andaram um longo caminho desde que comecei a mi-nha carreira como advogada. Quan-do fundei a minha firma, uma firma pequena, bastava um dedo para contar os advogados como eu numa sala de audiências. Muitas vezes me perguntaram se eu era a arguida ou jornalista. Infelizmente, alguns des-tes preconceitos persistem.

Advocatus | “Justiça para todos” é também uma prioridade do seu mandato. Quais são os princi-pais problemas que se colocam no acesso à justiça na América?PB | No nosso sistema de justiça, 95 por cento dos magistrados do Ministério Público são brancos e 78 por cento são homens. E, em-bora sejam dos agentes mais im-portantes do sistema de justiça, porque decidem quem é acusado e pelo quê, são a classe em que há menos diversidade.O preconceito implícito – isto é, os preconceitos subtis ou não tão subtis que possamos ter incons-cientemente – pode ser um im-

pedimento para a diversidade e a inclusão e para um sistema de jus-tiça justo. A Comissão Diversidade e Inclusão 360 da ABA irá produzir materiais educativos e formativos para os juízes, os advogados e os defensores públicos de modo a potenciar o seu conhecimento so-bre esta matéria.O percurso da profissão jurídica começa no jardim de infância e culmina na passagem do exame à Ordem. A comissão irá identificar as falhas mais críticas neste per-curso e fazer recomendações para as reparar, após o que criará recur-sos visando eliminar essas barrei-ras e construir uma profissão mais representativa.Desde 1963 que o acesso ao apoio judiciário em processos penais nos Estados Unidos é da respon-sabilidade do governo. O caso do Supremo Gideon v. Wainright fez jurisprudência no sentido de os ar-guidos que enfrentem acusações graves terem direito a assistência jurídica suportada pelo Estado se não tivessem meios para contratar um advogado.Em matérias cíveis, nos Estados Unidos, não há direito a apoio ju-diciário – mesmo quando os casos respeitam a questões tão essen-

“Nas firmas de advocacia, a percentagem de mulheres que são sócias – 17 por cento – é inconsistente com a taxa de licenciadas – 47 por cento. E, em 2014, os advogados de cor eram apenas 7,33 por cento dos sócios das 200 firmas de topo dos Estados Unidos”

“Quando fundei a minha firma, uma firma pequena, bastava um dedo para contar os advogados como eu numa sala de audiências. Muitas vezes me perguntaram se eu era a arguida ou jornalista. Infelizmente, alguns destes preconceitos persistem”

ciais como garantir um lugar para viver ou proteção de um cônjuge abusivo. Em consequência, muitos arguidos sem defesa têm dificulda-des em fazer valer o seu caso em tribunal e o resultado pode ser se-rem despejados de casa, ficarem sem pensão de alimentos para os filhos ou perderem as pensões de que beneficiavam enquanto vete-ranos ou portadores de deficiência.Atrevo-me a dizer que os Estados Unidos têm um dos melhores siste-mas de justiça do mundo, mas nes-tas matérias o nosso país precisa de melhorar. De acordo com o “World Justice ProjectRule”, de 2015, do Law Index, os Estados Unidos es-tão em 65.º entre 99 países em acessibilidade à justiça cível.

Advocatus | Quais são os prin-cipais desafios de liderar e falar por 400 mil advogados?PB | Vou esforçar-me por ser cola-borativa e inclusiva ao serviço dos membros da American Bar Associa-tion e da sociedade. A minha mãe educou-me nos valores éticos da Bí-blia segundo os quais “a quem muito foi dado, muito será exigido”. Tento viver sob este princípio e sinto que tenho sempre de dar o meu melhor e retribuir na medida do possível.

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Sociedades

Internacionalização tem tido um peso crescente na MLGTSDar resposta às necessidades dos investidores de origem alemã e francesa em Portugal, Angola e Moçambique constituiu a motivação da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados (MLGTS) para criar duas equipas dedicadas a estes dois mercados europeus. Em entrevista, a coordenadora da French Desk, Ana Monjardino, e os cocoordenadores da German Desk, Filipe Vaz Pinto e Catarina Monteiro Pires, constatam o aumento dos índices de competitividade internacional de Portugal e o peso crescente da internacionalização na faturação da sociedade.

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“A criação de estruturas dedicadas a esses mercados permite dar aos clientes um serviço com valor acrescentado”

“Mesmo antes da criação da German Desk fomos muito solicitados para acompanhamento de investidores alemães, sozinhos ou em parceira com empresas locais ou internacionais, para investimentos em Angola e Moçambique, sobretudo nos sectores de energia e infraestruturas”

Advocatus | O que motivou a MLGTS a criar este ano a German e a French Desk?Ana Monjardino | Faz parte da es-tratégia de internacionalização da MLGTS, que resolveu apostar nos países de expressão portuguesa. A ideia das desks surgiu no sentido, não só de receber os fluentes em alemão no nosso país, como de acompanhar os investimentos nes-ses outros mercados.

Advocatus | Qual o peso da inter-nacionalização na faturação da MLGTS?Filipe Vaz Pinto | Tem sido um peso crescente. A criação destas desks significa o reconhecimento das especificidades linguísticas, culturais e técnicas em termos ju-rídicos. A criação de estruturas de-dicadas a esses mercados permite dar aos clientes um serviço com valor acrescentado.

Advocatus | Qual é o peso relati-vo do investimento em Portugal, nos países de expressão portu-guesa e do investimento portu-guês na Alemanha e na França?FVP | Isso acompanha um pouco a nossa realidade. Infelizmente, é muito maior o investimento cá do que o investimento em França ou nos mercados alemães, porque o peso relativo da nossa economia face a essas economias é muito diferente. O investimento alemão é um dos investimentos mais re-silientes que temos em Portugal, manteve-se apesar da crise e continua a crescer. Estas estru-turas fazem sentido numa lógica de longo prazo, porque permitem acompanhar a entrada e depois a permanência dos investidores em Portugal, servindo de intérpretes não só linguísticos mas em sentido verdadeiramente cultural.Catarina Monteiro Pires | É uma questão de conforto e de redução de riscos. É curioso que no ano em que decidimos formalizar a Ger-

man Desk – porque as estruturas já existiam em potência no escri-tório, já havia pessoas que tinham ligações muito fortes a França e à Alemanha – foi num contexto eco-nómico muito propício, porque 2014 foi um ano record de inves-timento alemão em Portugal. Não só se consolida uma tendência – a Alemanha como segundo parceiro comercial do nosso país – como aumentam as expetativas de in-vestimento produtivo alemão em Portugal. No círculo dos países de expressão portuguesa acontece o mesmo: mesmo antes da criação da German Desk fomos muito soli-citados para acompanhamento de investidores alemães, sozinhos ou em parceira com empresas locais ou internacionais, para investimen-tos em Angola e Moçambique, so-bretudo nos sectores de energia e infraestruturas. Acreditamos que existe um potencial grande noutras áreas menos exploradas, como agricultura, turismo e todas as áreas que envolvem soluções de engenharia.AM | No mercado francês, tem-se verificado um perfil diferenciado relativamente a África, com inves-

timento em infraestruturas e em grandes projetos, porque há uma grande necessidade. Em Portugal esse mercado já está maturado, mas há o chamariz dos benefícios fiscais que agora estão disponíveis, e o que se vê é a pessoa individual a escolher Portugal como destino de fim de vida ou de pequeno ne-gócio de um casal jovem. O investimento é diferente. Para já não há muito espaço nem interes-se, não se veem grandes empresas francesas a virem para Portugal, mas poderá mudar no futuro. Tam-bém estão a aproveitar algumas oportunidades no sector do imobi-liário e turismo, a que procuramos dar resposta adequada, procuran-do dar valor acrescentado e res-ponder às preocupações. Muitos franceses que vêm agora para cá são fluentes em inglês, portanto fa-lar francês não é uma necessidade absoluta, mas ficam tão mais con-fortáveis e confiantes quando lhes respondemos em francês. Apesar de o inglês ser o idioma dos negó-cios, continua a fazer diferença o domínio do idioma do cliente. Alguns investidores franceses po-derão também ter interesse em

Catarina Monteiro Pires, co-coordenadora da German Desk

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Sociedades

“A French Desk é uma aposta mais para futuro. Não estamos a colmatar nenhuma deficiência ou lacuna, mas estamos a incentivar os advogados que não pertencem a essa geração a não deixar cair a fluência no idioma e a apostar na diferenciação, também interna”

fazer passar o seu investimento em África através da zona franca da Madeira. É uma oportunidade a explorar.

Advocatus | Quais os objetivos das duas desks para este primei-ro ano?AM | Em termos de French Desk, não definimos valores para este primeiro ano. Pensámos que era um bocadinho ambicioso. A Fren-ch Desk tem um desafio diferente da German Desk. Todos os sócios mais velhos desta casa falam fran-cês, pelo que o valor acrescenta-do não será para eles, que vão continuar a acompanhar os seus clientes franceses. Portanto, é uma aposta mais para futuro. Não es-tamos a colmatar nenhuma defi-ciência ou lacuna, mas estamos a incentivar os advogados que não pertencem a essa geração a não deixar cair a fluência no idioma e a apostar na diferenciação, também interna. Há muita faturação que já existe associada a clientes france-ses e que ainda não vai ficar asso-ciada à French Desk, porque não há essa necessidade. Estamos a apostar mais em África, porque aí já não há tanta seniorida-de e podemos fazer a diferença, e

onde a nossa presença está a ga-nhar força.CMP | Estamos a ter retorno do nosso investimento na German Desk. Fomos naturalmente muito bem recebidos no mercado ale-mão. Apostámos muito em estar-mos na Alemanha, em termos re-uniões. Curiosamente, em julho, visitámos a Alemanha em plena crise grega, e não foi uma circunstância que transparecesse, nem investidores nem parceiros jurídicos estavam verdadeiramente preocupados com alguma desconfiança que pu-desse existir em relação ao inves-timento em Portugal. E no retorno dessa viagem já tivemos casos que foram fruto desses nossos contac-tos. Isto para explicar que, além das expetativas de investimento, o clima é propício e estamos con-vencidos que é uma aposta que faz todo o sentido.

Advocatus | O estado da justiça em Portugal é visto como um im-pedimento para o investimento?CMP | Creio que não, por várias razões. A primeira é que, apesar de tudo, temos um sistema judicial que funciona relativamente bem, comparando com outros países.

Não temos situações significativas de corrupção, que são normalmen-te os casos que inspiram maior desconfiança internacionalmente. Já várias vezes em contratos inter-nacionais notei resistência em su-bordinar os litígios e países tercei-ros, mesmo no contexto da União Europeia, e em Portugal notei me-nos essa resistência.Essas reformas judiciárias têm sido feitas um pouco por toda a Euro-pa. É certo que é um sistema len-to, mas também é um país com o contexto económico sabido e não se esperam decisões com uma ce-leridade como a do sistema inglês. O acesso à justiça é relativamente razoável no nosso país – as taxas de justiça e as custas – em compa-ração, por exemplo, com a Ingla-terra. E comparado com a Alema-nha, o sistema português é menos complexo. Portanto, creio que para um investidor internacional não é um fator dissuasor. Outra razão forte é que quando falamos da Alemanha falamos de contratos comerciais e industriais, que normalmente estão sujeitos a causas arbitrais e, portanto, sur-ge uma segunda linha, uma lin-guagem comum tendencialmente universal, que não gera qualquer desconfiança aos investidores. FVP | Há alguma diferença entre o investimento direcionado para Portugal e direcionado para esses países. Nota-se alguma preocu-pação por parte dos investidores quanto ao enquadramento insti-tucional onde se passarão even-tuais litígios. Fruto do seu estádio de desenvolvimento, são países que oferecem menos garantias em termos de visibilidade e estabilida-de. Em termos de perecibilidade e estabilidade, que é o que mais preocupa os investidores, não há nada de especialmente negativo em Portugal.

Advocatus | Nem em termos fiscais?AM | Não, os clientes não parecem angustiados com isso. Às vezes, fazem perguntas sobre licencia-mento, parte administrativa, por-que aí as coisas podem complicar-se. Se a pessoa quiser fazer um investimento industrial quer ter a certeza que vai ter todas as licen-ças e autorizações para o fazer. Mas rapidamente percebem que é perfeitamente exequível e não mui-to diferente, nem necessariamente pior, do que o que acontece no seu país de origem. A minha experiên-cia é que a administração francesa é muito mais difícil que a nossa.

Filipe Vaz Pinto, co-coordenador da German Desk

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FVP | O fiscal é, por excelência, uma área em que a estabilidade é importante. Quando os investi-mentos são feitos a médio e longo prazo, é muito importante que os investidores saibam com que re-gras contar. Recentemente, tivemos uma re-forma do IRC, que foi aprovada no pressuposto de que se processaria num quadro de estabilidade ao lon-go dos próximos anos. É evidente que cada vez que há uma mudan-ça pode gerar algum embaraço, obriga a explicar e a refazer con-tas. Os investidores trabalham com modelos financeiros, mas admitem alguma banda de variação. Desde que as coisas ocorram dentro de uma banda de variação razoável faz parte do risco político baixo as-sociado a Portugal.

Advocatus | De acordo com a vossa experiência, Portugal tem melhorado os índices de compe-titividade internacional?AM | Sim, Portugal já começa a ser visto noutra ótica.FVP | Mesmo naquilo que gerava habitualmente embaraços, como o tempo de constituição de socie-dades, o trabalho feito por vários governos para facilitar e agilizar os negócios tem contribuído para me-lhorar os índices.

Advocatus | Como acompanha-ram a polémica dos vistos gold?AM | Não tive nenhum caso em mãos que ficasse bloqueado, mas fiquei preocupada, porque era um programa que estava a correr bem e de repente encravou completa-mente o sistema. Foi um pouco difícil de explicar a paralisação do

sistema. Foi um tiro no pé, porque era uma boa ideia que estava a funcionar muitíssimo bem e de re-pente, por causa de uns barulhos, houve um shut down do sistema, que podia não ter acontecido.FVP | Ao contrário do que às vezes somos levados a pensar, os vistos gold ou semelhantes existem em praticamente todos os países da União Europeia. São um instrumento que os Es-tados utilizam para captar in-vestimento e que são úteis. Se o instrumento na sua conceção e execução tinha falhas de pormenor elas devem ser corrigidas, mas não se deve deixar de ter o instrumento porque ele foi mal executado, se é que foi.

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“Apesar de tudo, temos um sistema judicial que funciona relativamente bem, comparando com outros países. Não temos situações significativas de corrupção, que são normalmente os casos que inspiram maior desconfiança internacionalmente”

Ana Monjardino, coordenadora da French Desk

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Europa

Europa com ou sem fronteiras?O mais recente movimento de refugiados fez acender a controvérsia em torno das fronteiras na Europa comunitária. Poderão/deverão os Estados suspender Schengen nestas circunstâncias? Quatro opiniões para ler nas páginas seguintes.

Terão os países que integram o Espaço Schengen legitimidade para, unilateralmente, suspender a livre circulação de pessoas e bens e repor as fronteiras? Esta é uma questão que a recente onda de re-fugiados veio colocar na ordem do dia na Europa. Para o sócio fun-dador da CCA Ontier, Carlos Cruz, a questão não reside tanto na re-gulamentação, como na vontade política da UE em implementá-la e na capacidade de o fazer, atento o fluxo de candidatos a asilo. Alerta, ainda, para algumas particularida-des no atual movimento migrató-rio de refugiados que aconselham algum cuidado, nomeadamente “a

clara tutela de máfias que contro-lam os canais e a forma das deslo-cações, o mercantilismo subjacen-te à escolha dos países de asilo e o perigo da exportação do terroris-mo”.Já Maria Meca, mestre em Direito Público, Internacional e Europeu, pela Universidade Católica Portu-guesa do Porto, defende um ins-trumento convencional que tutela de forma clara e coerente os direi-tos humanos, sob pena de se estar perante “um retrocesso incontes-tável no regime de proteção inter-nacional”. E critica os que, pro-clamando-se europeístas, criam “mecanismos tacanhos dentro do

sistema de asilo” que os ilibam das obrigações a que estão vinculados, moldando a definição de refugiado como melhor lhes aprouver.Também João Paulo Teixeira de Matos, sócio diretor do Depar-tamento de Direito Europeu e da Concorrência da Garrigues Por-tugal, considera que a União Eu-ropeia continua a não dispor dos meios e mecanismos mais eficazes nestas matérias. E questiona se “a introdução de controlos fronteiri-ços direcionada principalmente a cidadãos sírios não porá em causa uma das condições de que Schen-gen faz depender a reintrodução temporária de controlos fronteiri-

ços – serem realizados indepen-dentemente da nacionalidade”.Por sua vez, Ricardo Branco, con-sultor da Abreu Advogados e as-sistente da Faculdade de Direito de Lisboa, opta por citar o professor de Ciência Política canadiano Jo-seph Carens, corroborando a tese de que “s fronteiras devem ser ge-ralmente abertas e as pessoas de-vem ser consideradas normalmen-te livres de deixarem o seu país de origem e de se estabelecerem num outro, ficando apenas sujeitas aos constrangimentos aplicáveis aos próprios cidadãos dos seus países de destino”.

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Esta desgraça não é só um problema da UE, mas, pela sua dimensão humana, uma questão da comunidade internacional, devendo por isso envolver outros países, mormente aqueles que

são habituais recetores de emigração.

Os novos refugiados

Para efeitos deste artigo, detive- -me a revisitar os conceitos sub-jacentes ao estatuto de refugiado, vertidos originariamente na Con-venção de Genève de 28 de julho de 1951.Basicamente são elegíveis as pes-soas que, estando fora do seu país de origem, têm fundado temor de perseguição, em caso de regresso ao mesmo, por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião po-lítica ou pertença a grupo social.

Sócio fundador da CCA Ontier

“A questão não reside, parece, na regulamentação, outrossim na vontade política da UE em a implementar, e na capacidade, razoável e humana de o fazer, atento o afluxo maciço de candidatos, com todo o cortejo de dramas e misérias que entra por nossas casas todos os dias e não deixa ninguém indiferente”

São ainda consideradas as pes-soas obrigadas a deixar o seu país por motivo de conflitos armados, violência generalizada ou violação dos direitos humanos.A questão dos refugiados teve par-ticular incidência no rescaldo da segunda guerra, com as migrações e os realinhamentos políticos ine-rentes e subsequentes, que provo-caram a deslocalização de milhões de pessoas.A conclusão que tiro com essa lei-tura foi que os conceitos me pare-cem absolutamente atuais e ade-quados, ou seja, infelizmente, não envelheceram nem obsolesceram.Ainda são direitos dos refugiados a informação em língua inteligível, o acesso a alojamento adequado e o de não ser expulso para fronteiras de territórios onde a sua vida e a sua liberdade sejam ameaçadas.Não tendo sido Portugal, por ra-zões geográficas óbvias, o primei-ro país de asilo, a interação jurídica do nosso país com o surto de re-fugiados que tem assolado outras fronteiras da UE processar-se-á no quadro de processos de reinstala-ção, nos termos do artº 35.º da Lei nº 27/2008, que transpõe uma sé-rie de diretivas europeias.A questão não reside, parece, na re-gulamentação, outrossim na vonta-de política da UE em a implementar, e na capacidade, razoável e huma-na de o fazer, atento o afluxo maci-ço de candidatos, com todo o cor-tejo de dramas e misérias que entra por nossas casas todos os dias e não deixa ninguém indiferente.Há, porém, particularidades no

“Há particularidades no atual movimento migratório de refugiados que, sem nunca prescindir do espírito de coração aberto, aconselham algum cuidado, quais sejam a clara tutela de máfias que controlam os canais e a forma das deslocações, o mercantilismo subjacente à escolha dos países de asilo (porquê sempre a Europa?) e o perigo da exportação do terrorismo”

CARLOS CRUZ

asilo (porquê sempre a Europa?) e o perigo da exportação do terrorismo.Dito isto, na abordagem, haverá al-guns aspetos que importa sublinhar.Em primeiro lugar, esta desgraça não é só um problema da UE, mas, pela sua dimensão humana, uma ques-tão da comunidade internacional, devendo por isso envolver outros países, mormente aqueles que são habituais recetores de emigração.Em segundo lugar, não havendo ilusões que a UE não pode aceitar todos os refugiados deverá fazer um enorme esforço humanitário no sentido de conceder asilo ao maior número possível, respeitando as-sim os valores que estão na génese da sua própria existência.Em terceiro lugar, é imperativo que se coordenem todos os esforços no sentido de erradicar nos países de origem dos refugiados, as cau-sas que os levam a estes atos de desespero.O papel de Portugal será o de abrir tão generosamente quanto possível as suas portas, pois essa é a ances-tral maneira de sentir do povo, de-volvendo o bem-estar e a alegria de viver a pessoas e famílias destroça-das. Há com certeza, por esse país fora, comunidades desertificadas e envelhecidas que acolherão estes novos membros de braços abertos e até com vantagens.Durante e depois da segunda guer-ra, Portugal, por motivos eminen-temente políticos, falhou o papel de acolhimento que podia e devia ter tido nessa altura. Chegou, pois, a hora de nos limparmos perante a história.

atual movimento migratório de re-fugiados que, sem nunca prescin-dir do espírito de coração aberto, aconselham algum cuidado, quais sejam a clara tutela de máfias que controlam os canais e a forma das deslocações, o mercantilismo sub-jacente à escolha dos países de

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Europa

nos – nomeadamente, ao nível do artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que es-tabelece uma proibição absoluta e uma garantia inderrogável de tortura e maus tratos – ou de um instrumento de aplicação regional ou universal.Importante é afirmar a insatisfatória utilidade da Convenção de Gene-bra, principalmente no que diz res-peito à (não) consagração de um princípio de non-refoulement de caráter absoluto, de um direito ao asilo expresso e de critérios claros de determinação do estatuto de re-fugiado.Ora, o princípio de non-refoule-ment, constante do artigo 33.º n.º 1 da Convenção de Genebra, é a pe-dra angular do Direito Internacional dos Refugiados, tendo passado a ser uma obrigação legal decorrente do Direito Internacional Consue-tudinário, adquirindo natureza jus cogens.

Em termos concretos, o non-refou-lement consiste na obrigação es-tatal de não rejeitar um requerente de asilo na fronteira e/ou de não o expulsar do seu território para um Estado, seja o de origem ou qual-quer outro, onde a sua vida ou li-berdade estejam ou possam vir a estar ameaçadas.Apesar de o artigo 42.º, n.º 1 afir-mar o carácter inderrogável do princípio de non-refoulement e, por consequência, o carácter hu-manitário da própria Convenção, a verdade é que se trata de uma pro-teção longe de ser absoluta, tendo em conta as exceções presentes no artigo 33.º, n.º 2 e por se encon-trar limitada pela dependência en-tre “a ameaça à vida ou liberdade” e um dos cinco motivos de perse-guição constantes da definição de refugiado.Facto é, que nós, europeístas, Es-tados de direito e tão proclamados defensores dos direitos humanos, temos sido os primeiros a afastar-nos das responsabilidades e com-promissos internacionais, criando mecanismos tacanhos dentro do sistema de asilo que nos iliba das obrigações a que estamos vincu-lados, moldando a definição de refugiado como melhor nos aprou-ver, marginalizando os interesses humanitários em prol dos político-económicos, potenciando dispari-dades relativamente ao número de pedidos de asilo nos diferentes Es-tados e impedindo uma análise de fundo a solicitudes, a que apelida-

Les autres…

Facto é, que nós, europeístas, Estados de direito e tão proclamados defensores dos direitos humanos, temos sido os primeiros a afastar-nos das responsabilidades e compromissos internacionais, criando mecanismos tacanhos dentro do sistema de asilo que nos iliba das obrigações a que estamos vinculados, moldando a definição de refugiado como melhor nos aprouver.

Mestre em Direito Público, Internacional e Europeu, pela Universidade Católica Portuguesa do Porto

MARIA MECA

“Sem um instrumento convencional que tutele de forma clara e coerente os direitos em questão, então falaremos de um retrocesso incontestável no regime de proteção internacional”

advocatus.pt

“Importante é afirmar a insatisfatória utilidade da Convenção de Genebra, principalmente no que diz respeito à (não) consagração de um princípio de non-refoulement de caráter absoluto, de um direito ao asilo expresso e de critérios claros de determinação do estatuto de refugiado”

mos, injustificadamente, de “pedi-dos manifestamente infundados”.Nós, europeístas, temos optado pela soberania estatal, adotando medidas ilegais e, ostensivamente, violadoras de direitos humanos.

O deslocamento forçado é uma realidade vivenciada há muito pela Comunidade Internacional. Entre passivismos e disputas inter-es-taduais, a preocupação pelas po-líticas de asilo foi, durante largos anos, única e exclusivamente resi-dual.A Convenção de Genebra de 1951 é o principal instrumento jurídico-normativo na defesa dos direitos dos refugiados, ao estabelecer a primeira e clássica definição de re-fugiado no seu artigo 1A(2).Segundo esta disposição, “(...) o termo ‘refugiado’ aplicar-se-á a qualquer pessoa que (...) receando, com razão ser perseguida em virtu-de da sua raça, religião, filiação em certo grupo social ou das suas opi-niões públicas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país; (...)”.No entanto, dadas as suas com-prometedoras lacunas, a Conven-ção de Genebra tem dificultado a prossecução dos objetivos que o sistema de asilo visa salvaguardar.Na verdade, sem um instrumento convencional que tutele de forma clara e coerente os direitos em questão, então falaremos de um retrocesso incontestável no regime de proteção internacional. Pouco interessa se falamos de uma re-novação ao nível do Direito Inter-nacional dos Refugiados, de uma mudança de direção para o Direito Internacional dos Direitos Huma-

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O processo europeu originou um enorme nível de integração entre os estados-membros fruto de uma progressiva

transferência de soberania. Tendo-se percorrido um longo – e frequentemente lento – caminho, a verdade é que a União, nesta e noutras matérias, continua a não dispor dos meios e

mecanismos mais eficazes.

A suspensão de Schengen

A par do euro, nada talvez sim-bolize mais a União Europeia que os acordos de Schengen. Nas pa-lavras do Presidente Juncker no recente discurso sobre o estado da União, “a livre circulação de pessoas ao abrigo de Schengen é um símbolo único da integração europeia”. Assinado em 1985 e in-tegrando desde 1997 o direito da União, Schengen suprimiu o direito dos estados membros aderentes de estabelecerem fronteiras estre si, dando origem a um espaço sem fronteiras com mais de 400 milhões de pessoas.Não obstante a criação deste am-plo espaço de livre circulação, em circunstâncias muito especiais, Schengen permite a reintrodução unilateral e temporária de contro-los fronteiriços internos. É neces-sário que estejam em causa sérias ameaças à segurança e ordem pú-blicas, devendo o estado em causa notificar a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu. Foi o que a Alemanha fez no passado mês de setembro, como resposta à crise dos refugiados, tendo a medida ob-tido a concordância da Comissão. Não é a primeira vez que são re-introduzidos controlos fronteiriços internos. Encontramos exemplos durante os campeonatos mundiais e europeus de futebol como forma de lidar com a deslocação massiva de pessoas e com a segurança dos eventos. Mas a situação com mais pontos de contacto com a atual tal-vez se tenha vivido em 2011 quan-

Sócio diretor do Departamento de Direito Europeu e da Concorrência da Garrigues

Portugal

“O que pode ser questionado é se (…) a introdução de controlos fronteiriços direcionada principalmente a cidadãos sírios não porá em causa uma das condições de que Schengen faz depender a reintrodução temporária de controlos fronteiriços – serem realizados independentemente da nacionalidade”

do a França, em resposta a uma vaga de imigração tunisina, fechou parte da sua fronteira com Itália di-ficultando a passagem de um com-boio que transportava imigrantes.Poucos são os direitos que se de-vem considerar absolutos, sendo compreensível que circunstâncias muito excecionais possam, pela sua excecionalidade, originar a compressão temporária desses direitos. Perante uma ameaça sé-ria, real e significativa à segurança e ordem públicas de um estado-membro é compreensível que o di-

“Se a mesma questão se colocasse, por exemplo, num estado federal e não numa união entre estados, a decisão sobre os controlos fronteiriços não seria tomada ao nível de um estado federado, mas sim ao nível supra estadual da federação”

advocatus.pt Europa

JOÃO PAULO TEIXEIRA DE MATOS

reito à livre circulação possa sofrer compressões. Mas o que pode ser questionado é se a atual “crise” dos refugiados sírios constitui uma verdadeira ameaça à segurança e ordem públicas, no caso concreto da Alemanha, se a introdução de controlos fronteiriços é uma medi-da adequada e proporcional à ale-gada ameaça e, acima de tudo, se a introdução de controlos frontei-riços direcionada principalmente a cidadãos sírios não porá em causa uma das condições de que Schen-gen faz depender a reintrodução temporária de controlos fronteiri-ços – serem realizados indepen-dentemente da nacionalidade.O processo europeu originou um enorme nível de integração en-tre os estados-membros fruto de uma progressiva transferência de soberania. Tendo-se percorrido um longo – e frequentemente len-to – caminho, a verdade é que a União, nesta e noutras matérias, continua a não dispor dos meios e mecanismos mais eficazes. Se a mesma questão se colocasse, por exemplo, num estado federal e não numa união entre estados, a deci-são sobre os controlos fronteiriços não seria tomada ao nível de um estado federado, mas sim ao nível supra estadual da federação. Por outro lado, os controlos não seriam certamente efetuados por autori-dades locais, mas sim por forças de segurança supra-estaduais. Da-qui decorrem algumas importantes consequências – em primeiro lugar,

sendo a decisão tomada a um nível supra estadual diminui-se o risco de decisões motivadas por interes-ses particulares de um determina-do estado; em segundo lugar, sen-do o controlo efetuado igualmente a nível supra estadual, minimiza-se também o risco de descriminação em função da nacionalidade.Mas a União é o que é e compete-nos a nós europeus saber conviver com as suas fragilidades e com os seus benefícios, num processo de aperfeiçoamento e melhoria con-tinuada, sempre norteada pelos princípios estruturantes da Europa.

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Europa advocatus.pt

Um pensamento e um pensador para a suspensão de Schengen“As fronteiras devem ser geralmente abertas e as pessoas devem ser consideradas normalmente livres de deixarem o seu país de origem e de se estabelecerem num outro, ficando apenas sujeitas aos constrangimentos aplicáveis aos próprios cidadãos dos seus países de destino”.

Consultor da Abreu Advogados e assistente da Faculdade de Direito de Lisboa

RICARDO BRANCO

No seu artigo “Aliens and Citizens: The Case for Open Borders”, de 1987 - publicado na Review of Po-litics n.º 49, n.º 2), o professor de Ciência Política canadiano Joseph Carens, partindo da observação de como “Tantas pessoas pobres e opri-midas desejam deixar os seus países de origem do terceiro mundo com o intuito de se instalarem em socieda-des ocidentais dinâmicas”, propôs-se demonstrar quão “poucas [são as] razões para essas pessoas serem mandadas embora de volta para os seus países de origem”.Neste artigo, Carens afirmou o comprometimento de uma tese das “fronteiras abertas” com o ca-minho para o respeito pelos seres humanos como pessoas livres e moralmente iguais entre si, impon-do-se pois perguntar o que justi-fica a detenção de indivíduos nas fronteiras e o uso de armas contra os mesmos, por oficiais e em fron-teiras que encontram a razão da respetiva existência na função de repelirem criminosos, subversores ou invasores armados, quando a maioria dos indivíduos detidos em fronteira são “pessoas comuns, pacíficas, em busca apenas da oportunidade de construírem vidas decentes e seguras para si e para as suas famílias”.Carens sustenta a resposta a esta pergunta em três linhas de pen-samento aparentemente antagó-nicas entre si, mas “convergentes nas conclusões a que lhe permi-

tem chegar quanto às migrações”, i.e., à conclusão de que todas as pessoas, independentemente do seu local de origem, são livres e moralmente iguais entre si, quan-do colocadas, se se quiser, numa “posição original”, no sentido de Rawls, cujo “...objetivo primeiro (...) é o de minimizar os efeitos de con-tingências moralmente irrelevantes na distribuição de benefícios so-ciais.”. Tudo isto associado à so-brevalorização, ainda rawlsiana, da liberdade e da sua restringibilidade apenas pela questão de “ordem pública” que é a da própria auto-preservação da liberdade.Em segundo lugar, para Carens, o individualismo liberal, centrado na propriedade e na prevalência do in-dividual face ao colectivo, também acaba por favorecer a preconiza-ção das migrações e das fronteiras abertas quando leva a pensar que receber um ou vários estrangeiros num território nacional deve de-pender da decisão, protegida con-tra o Estado, de alguém receber ou deixar de receber outrem - inde-pendentemente da respectiva na-cionalidade – na sua propriedade. Assim, Carens invoca o exemplo do fazendeiro americano, a quem o Estado, em princípio, não terá o di-reito de negar a pretensão de aco-lher, no seu rancho, trabalhadores de outras nacionalidades.A linha utilitarista, finalmente, é também, segundo este autor, uma linha favorecente da preconização

das migrações, pois, segundo ele, é universalmente muito saliente a melhoria de vida dos migrantes quando logram levar a bom porto os intentos da sua migração, ga-nhos bem maiores do que as per-das imputáveis aos cidadãos dos Estados de destino.Três linhas de pensamento que levam o autor em causa a defen-der sem reservas, neste seu arti-go, que “as fronteiras devem ser geralmente abertas e as pessoas devem ser consideradas normal-mente livres de deixarem o seu país de origem e de se estabele-cerem num outro, ficando apenas sujeitas aos constrangimentos aplicáveis aos próprios cidadãos dos seus países de destino”; e em que mergulham tanto – no caso das duas primeiras – as mais pro-fundas raízes das tradições cons-titucionais europeias, como – no caso do utilitarismo – os próprios motivos da construção da União; e que forçosamente, também na “questão dos refugiados”, cujos contornos noticiosos e políti-cos são por demais conhecidos, fornece dos motes mais válidos para a interpretação da 2.ª parte do artigo 2.º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schen-gen, a qual faz parte do acervo da União Europeia pelo menos desde Amesterdão e serve de base jurí-dica às chamadas “suspensões” por força do fluxo de refugiados, presentemente noticiadas.

“O que justifica a detenção de indivíduos nas fronteiras e o uso de armas contra os mesmos, por oficiais e em fronteiras que encontram a razão da respetiva existência na função de repelirem criminosos, subversores ou invasores armados”

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advocatus.pt Opinião

O advogado tradicional, à portuguesa, deixou de poder existir com a última grande crise. Esta crise serviu para que

algumas empresas acordassem e as novas refletissem sobre a forma como entram no mercado. O admirável mundo novo

da advocacia portuguesa começa a desenhar-se.

A advocacia portuguesa está

a mudar

Se fizermos uma viagem global na pesquisa das ofertas de serviços jurídicos vislumbramos surpresas extraordinárias. O mundo mudou e Portugal ainda não abriu os olhos para a realidade que já pula e avan-ça lá fora. Trata-se de pensarmos uma advo-cacia para dentro de portas ou uma verdadeira industria legal capaz de competir num mercado global. Penso que esta alteração de pa-radigma está muito mais ligada ao empreendedorismo individual que à alteração da postura das grandes sociedades portuguesas. Estas úl-timas, vítimas do seu próprio cres-cimento, não podem mudar muito – essa mudança seria destrutiva ou, de forma mais moderada, po-deria, mesmo assim, ser um fator de riscos incontroláveis.Ao invés, os jovens advogados, poderão ter uma capacidade de mudança dimensional, sofisticada, alicerçada no bom uso das tec-nologias, da proximidade com o cliente e na obtenção do resultado esperado – o cliente, se puder es-colher, pretende evitar os proble-mas e não reagir a situações que lhe consomem o tempo e a energia que seriam dedicados ao seu pró-prio negócio.O termo Startup Legal começa a ser ouvido em Portugal e já tem fei-to alguns estragos entre a comuni-dade jurídica. Trata-se de estragos

NUNO DA SILVA VIEIRA

Managing partner da Vieira Advogados

que se relacionam com o abanão e desconforto dirigido a quem pen-sa que as coisas vão ser sempre assim. Estão enganados. Quem escolhe os modelos das ofertas jurídicas são os clientes e esses já reclamam serviços jurídicos iguais aos que encontram em Londres, Belfast, Chicago ou Singapura.Essa reclamação dos clientes portu-gueses deriva das experiências que já têm, das viagens que fazem e dos advogados e modelos jurídicos que as congéneres internacionais que se relacionam com eles vão apre-sentando e oferecendo. É de fácil leitura que Portugal tem exportado cada vez mais. Se exporta cada vez mais, relaciona-se com um número maior de empresas estrangeiras. Se se relaciona com mais empresas estrangeiras adapta-se cada vez mais a modelos desconhecidos. Se esses modelos forem melhores e mais eficientes tenderá a procurá--los em Portugal para ser mais efi-ciente. Se não encontrar esses mo-delos em Portugal irá recorrer, como já acontece, a serviços globais.Não se duvide que, quando um cliente procura um escritório de advogados, existe um conjunto de pressupostos, pré-concebi-dos, que serão elementares para a sua escolha, tais como o preço, a comunicação, a organização, a eficiência e a visão da socieda-de. Não temos qualquer receio ao

“Os clientes já não acreditam naquela ida estória do preço à hora, cobrado por um advogado que se julga a estrela da cidade, sem capacidade de delegação de tarefas e embrenhado em prazos e papeladas que vão decorando o seu posto de trabalho – mesa, secretária ou depositários de recordações com pó”

afirmar que o preço é, nos dias de hoje, um dos fatores mais relevan-tes para a compra dos serviços jurídicos. Os clientes já não acre-ditam naquela ida estória do preço à hora, cobrado por um advogado que se julga a estrela da cidade, sem capacidade de delegação de tarefas e embrenhado em prazos e papeladas que vão decorando o seu posto de trabalho – mesa, se-cretária ou depositários de recor-dações com pó. Hoje os clientes procuram pre-ços fixos, dinâmicas de organiza-ção, comunicação in time, apoio à gestão e eficiência legal. Cada um destes propósitos só poderá ser oferecido por uma sociedade de advogados que tenha a plena consciência da globalização dos serviços jurídicos, da necessidade multidisciplinar dos seus advoga-dos e de ferramentas essenciais como a tecnologia e a capacidade de comunicação em diferentes lín-guas e cenários.O advogado tradicional, à portu-guesa, deixou de poder existir com a última grande crise. Esta crise serviu para que algumas empresas acordassem e as novas refletissem sob a forma como entram no mer-cado. O admirável mundo novo da advocacia portuguesa começa a desenhar-se e eu já conheço mui-tos advogados que pretendem fa-zer parte dele.

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Entrevista

É a mais recente fusão no panorama da advocacia nacional. A Pedro Raposo & Associados, a Sá Miranda & Associados e a Almeida Correia, Ney da Costa & Associados são agora a PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, uma sociedade com 14 sócios e mais de uma centena de advogados. A fusão, explicam os três sócios fundadores, permitiu ganhar massa crítica e, ao mesmo tempo, reforçar a proximidade com o cliente, atributos que consideram indispensáveis para dar resposta às exigências do mercado.

Pedro Raposo, Miguel Miranda e Almeida Correia, sócios fundadores da PRA

O mercado português tem margem para crescer

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Advocatus | O que levou as três sociedades a abandonarem per-cursos autónomos para envere-darem por este projeto de fusão?Pedro Raposo | Todos os escri-tórios queriam ter uma massa crítica maior, todos queriam ter, numa lógica de proximidade com o cliente, um maior número de lo-calizações, não obstante serem escritórios com dimensões dife-rentes, que estavam em estádios de desenvolvimento diferentes. O projeto existe numa lógica de continuidade. Chegámos à con-clusão, ao fim de um ano e meio, que os três projetos eram formais, na medida em que a coincidência de propósitos e objetivos entre as três sociedades já era muito gran-de. Este passo foi, por isso, nor-mal. Não há, nem de longe, nem de perto, uma rutura, mas sim uma continuidade.Miguel Miranda | O elemento novo e que é formal é a agregação das três estruturas. A sintonia de interesses que existia, agregada à complementaridade, traduz-se numa restruturação em termos de organização. Mas a forma de olhar para a advocacia e de fazer advo-cacia não se altera, os perfis das sociedades mantêm-se, o que, na minha perspetiva, traz três inputs grandes para este projeto. Um de-les está relacionado com a histó-ria e a tradição de advocacia da Almeida Correia, Ney da Costa & Associados; outro prende-se com a organização, na medida em que neste período conseguimos afi-nar o processo para o tornar mais eficaz; e o terceiro tem a ver com toda a dinâmica que resulta do facto de haver uma estrutura que agora tem pé em quatro pontos do território nacional.Almeida Correia | A nossa firma é a mais pequena, mas, ao mesmo tempo, fomos o agente provoca-dor. Tudo surgiu há cerca de dois anos, numa conversa de amigos – eu e o Pedro conhecemo-nos há mais de 12 anos. Coloquei-lhe o desafio ‘Porque não o Porto?’, a que ele me respondeu ‘Vamos pen-sar nisso’. E na sequência dessa conversa acabámos por concluir que, embora sendo realidades di-ferentes, havia uma coisa que nos unia – a perspetiva que temos da advocacia. Sem prejuízo das par-ticularidades de cada um. Por um lado, nós, uma advocacia mais tradicional, virada para o cliente de empresa mas sobretudo para o cliente particular, aquele advogado que, para alguns, está em vias de

extinção. E, pelo outro lado, duas sociedades mais viradas para o futuro, uma com uma organização mais pequena mas invejável, com certificação de qualidade, e outra com um crescimento muito grande.

Advocatus | Mas a fusão não faz desaparecer as três sociedades como marcas individuais?PR | Do ponto de vista formal, o que se passou foi uma fusão por incorporação, isto é, as duas so-ciedades foram incorporadas na PRA. Houve uma alteração de nome, passou a ser PRA – Raposo,

Fátima de Sousa, [email protected]

“A sintonia de interesses que existia, agregada à complementaridade, traduz-se numa restruturação em termos de organização. Mas a forma de olhar para a advocacia e de fazer advocacia não se altera”

“Houve uma evolução notável nas sociedades de advogados”Pedro Raposo presidiu à Asso-ciação das Sociedades de Ad-vogados de Portugal (ASAP), pretexto para um convite a que se pronunciasse sobre o pano-rama atual das sociedades. E, na sua opinião, são dos grupos que, no setor da prestação de serviços, tem crescido de forma mais organizada, que mais se tem modernizado, sem neces-sidade da intervenção de tercei-ros. Houve, afirma, “uma evolu-ção notável”: “O mercado, hoje em dia, é muito competitivo,

mas é um mercado com requisi-tos de qualidade muito exigen-tes. Tem levado a que a maioria das sociedades esteja constan-temente num ciclo de melhoria, desde a forma como prestam o serviço, à forma como se im-plantam no mercado e à forma como tratam os colabores ou se modernizam tecnologicamen-te”. Diz ainda o sócio fundador da nova RPA que, nos últimos anos, as sociedades de advoga-dos se tornaram mais robustas e mais resilientes.

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Entrevista

Sá Miranda e Associados. E agru-pámos todos os sócios das três sociedades – temos 14 agora –, no Porto agregámos os escritórios da Sá Miranda e da Almeida Correia num só e passámos a ter localiza-ções em Lisboa, Porto, Albufeira e Ponta Delgada.As sociedades de advogados não são propriamente como uma socie-dade industrial. São, naturalmente, os clientes, mas são muito os ad-vogados que as fazem. A massa crítica de sócios é fundamental. Uma sociedade concebida única e exclusivamente na lógica de um ou dois sócios e um conjunto de colaboradores enfrenta problemas gravíssimos do ponto de vista da responsabilidade, da gestão, da gestão dos próprios clientes. Só é possível as sociedades crescerem se aumentarem a massa crítica, em número e qualidade. Todos nós, com este salto, temos um crescimento imediato pelo simples facto de estarmos juntos, mas temos um potencial de cres-cimento futuro muito superior a este somatório.É verdade que alterámos a marca, mas procurámos agrupar o que

identificámos como tendo valor, salvaguardando o que era impor-tante para todos, independente-mente das posições de cada um, ou seja, salvaguardámos o valor, o conhecimento do mercado. De qualquer forma, é óbvio que a ins-tituição é importante, mas há uma coisa que é insubstituível e essa são os advogados.MM | Reforço esta ideia. Acima da marca há um capital humano que é o fator que é verdadeiramente de valorizar num projeto desta nature-za. Quando decidimos juntar as es-truturas, pensámos sobretudo nos aspetos positivos que poderiam advir, nomeadamente do ponto de vista da realização interna, isto é dos advogados, dos associados e dos sócios, que podem, assim, desmultiplicar-se, aumentando a especialização e ganhando maior capacidade de desenvolvimento pessoal. A realização pessoal das equipas, que até aqui trabalhavam em estruturas autónomas, foi prio-ritária para nós, tal como garantir que, neste processo, era salva-guardada a qualidade do serviço ao cliente, que, em nenhum mo-mento, abdicávamos dessa quali-

dade. Foi esse esforço que fizemos durante mais de um ano, visando preparar este momento.AC | Para nós, a questão da marca nunca foi um problema. Também tínhamos uma, claro, mas deixá-mo-la cair em nome deste projeto. Fundamentalmente, entendemos que a relação de confiança é o mais importante, isto é, mais do que uma marca, o importante são as pes-soas. Isso esteve sempre em cima da mesa. Nós não queremos deixar os nossos clientes entregues a uma marca, mas entregues a advogados que conhecem e em quem confiam. É isso que queremos preservar.Advocatus | A Almeida Correia, Ney da Costa & Associados ti-nha, como disse, uma vertente mais tradicional. Há lugar para essa advocacia numa socieda-de – e estou novamente a fazer minhas as suas palavras – mais virada para o futuro?AC | Reconhecemos que a pe-quena sociedade tradicional ou o advogado em prática isolada são realidades, digamos, ameaçadas, quer por força da especialização, cada vez mais exigente, quer pela concorrência, nomeadamente das

“Uma sociedade concebida única e exclusivamente na lógica de um ou dois sócios e um conjunto de colaboradores enfrenta problemas gravíssimos do ponto de vista da responsabilidade, da gestão, da gestão dos próprios clientes. Só é possível as sociedades crescerem se aumentarem a massa crítica, em número e qualidade”

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grandes sociedades de advoga-dos que passaram a ter interesse no mercado do cliente particular. Há uns anos, se olhássemos para essas grandes sociedades, não víamos essa vocação, mas hoje já possuem departamentos próprios. Mas, nesta vertente, e pelo número de anos que já temos nesta área, podemos enriquecer a PRA. Acha-mos que este mercado não está em extinção e que faz todo o senti-do nesta sociedade. PR | Acho que o tema das socieda-des de advogados tem a ver com a capacidade de resposta face à dimensão do problema do cliente. Há uns anos, havia a ideia de que as sociedades de advogados eram umas entidades como a água, sem cheiro nem gosto, em que o cliente era um referencial que aparecia do lado de lá…Mas eu não acredito nessa advocacia. A identificação com o cliente, o trabalhar em con-junto com o cliente, o partilhar ris-cos, o assumir responsabilidades que é algo próximo da advocacia praticada pelo “advogado con-selheiro” nunca deixou de existir. Nem concebo a advocacia de ou-tra forma. A diferença a que o Almeida Cor-reia se refere é de escala e de ca-pacidade de resposta. A advoca-cia é de tal forma técnica que um advogado generalista tem mais dificuldade em dar resposta. A capacidade de resposta que uma estrutura tem perante as necessi-dades do cliente é que muda: exige maior rapidez, segurança, especia-lização. Mas a cumplicidade com o cliente tem de existir. Porque se não existir estamos a falar de outra coisa qualquer que não advocacia. Esse é um desafio grande quando temos estruturas maiores, há que fazer com que todas as pessoas estejam cientes disso.MM | Essa preservação é, aliás, um dos fatores que justifica este projeto. E os escritórios que temos permitem-nos precisamente estar próximos dos clientes.Advocatus | Já há muito tempo que não acontecia uma fusão desta natureza no mercado por-tuguês. O mercado exigia proje-tos com maior dimensão?MM | A dimensão permite chegar a um nível de especialização que é o único compatível com o tipo de questões que atualmente é coloca-do pelo cliente. Cada vez mais, o Direito tem uma componente técni-ca muito específica. Há clientes de nicho, de áreas que são completa-mente técnicas, com legislação que

muda quotidianamente e só uma equipa com suficiente massa crítica é que consegue dar uma resposta acertada num tempo razoável. Isso não se consegue de outra manei-ra. As sociedades de advogados são sociedades de pessoas e as pessoas têm o tempo limitado. E ou a estrutura lhes dá tempo para estudarem, para praticarem e para aumentarem o grau de eficácia ou o tempo acaba e a capacidade de resposta fica limitada.

“A advocacia é de tal forma técnica que um advogado generalista tem mais dificuldade em dar resposta. A capacidade de resposta que uma estrutura tem perante as necessidades do cliente é que muda: exige maior rapidez, segurança, especialização”

“Administração da justiça deve ser acompanhada de investimento”Esta entrevista aconteceu numa altura em que se desconhecia ainda como se vai organizar a tutela da justiça, mas Miguel Miranda entende que, indepen-dentemente dessa organiza-ção, terá sempre pela frente o “enorme desafio” de “conseguir acelerar o processo de deci-são” dos tribunais. Um desafio que, sustenta o fundador da Sá

Miranda & Associados, agora incorporada na PRA, “é incom-patível com a fatia de orçamen-to que é dedicada a esta área”: “Além de haver necessidade de alteração de mentalidade dos agentes judiciais, no que toca à administração da justiça é pre-ciso que seja acompanhada de um investimento em infraestru-turas, sobretudo tecnologias”.

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Advocatus | A Almeida Correia foi a que deu um salto maior em termos de dimensão. Sentia essa limitação?AC | Fundamentalmente, defrontá-vamo-nos com um problema, que era o facto de não dispormos de meios humanos e técnicos para responder às exigências dos clien-tes. Se não déssemos este passo, estou convencido de que a socie-dade entraria numa curva descen-dente. A dimensão permite dar res-posta, em tempo útil e competente, a um conjunto muito diversificado de solicitações dos clientes.Advocatus | Mas isso não signi-fica, de certa forma, dar razão a quem vaticana o fim da advoca-cia dita tradicional?AC | Admito que haverá quem so-breviva. O mundo atual não é o mundo em que iniciei a advocacia, há 36 anos. Nessa altura, por um lado, as leis mantinham-se duran-te muito tempo sem qualquer tipo de alteração e, por outro, o Direito estava integrado em determinados ramos que todos conhecíamos. Hoje tudo é regulamentado pelo Direito e somos contemplados com nova legislação de áreas muito di-

versificadas. As áreas tradicionais ainda se conservam, mas é uma advocacia que tem vindo a decres-cer em termos de mercado, face à concorrência, o que até poderia ser salutar, e em qualidade, dada quantidade dos que a ela se dedi-cam nem sempre bem preparados.

Advocatus | Há complementa-ridade nas áreas de prática na nova sociedade? Como se vão posicionar no mercado em ter-mos de oferta?PR | Não há algo de relativamente novo, mas alguma complementari-dade. O que há sobretudo é uma melhoria substancial em algumas áreas e um apurar daquilo que já fazíamos. O objetivo é manter um grau de especialização das diferentes equipas e manter a proximidade aos clientes, sendo o acréscimo de localizações indiscutivelmen-te uma mais-valia para todos. O que é claro para nós é que con-seguimos agregar, em qualquer uma das quatro localizações, um conjunto de especialidades trans-versais. Conseguimos, para um cliente que tenha necessidade

de determinado serviço jurídico, prestar esse serviço com a mes-ma qualidade em Lisboa, no Por-to, em Albufeira e em Ponta Del-gada e isso não é algo que exista no mercado. Muitas vezes, o que acontece é que há parcerias, mas nesse tipo de prática manter o standard do serviço, a mesma for-ma de trabalhar, não é obviamente exequível. É isso que ganhamos quando entramos numa lógica de diferenciação no mercado.As três sociedades já tinham um grande ajustamento em relação à forma de trabalhar e à visão da advocacia. Até nos surpreendeu o facto de ser tão comum. Nas es-truturas, o ponto de partida era claramente muito próximo, o que é tranquilizador para nós.

Advocatus | Quais são as ambi-ções da nova PRA?PR | Primeiro há que acabar o que foi começado, isto é, a integração completa e absoluta fruto da fusão. Há um conjunto de mecanismos que se afinam naturalmente ao longo do tempo, não é algo que se fala por decreto. O principal desa-fio nesta altura é o de demonstrar

Entrevista

“Esta condição relativamente rara de haver uma sociedade com escritórios efetivos nestas localizações potencia um conjunto de mais-valias no serviço ao cliente, potencia uma capacidade”

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aos nossos clientes e aos nossos colaboradores que aquilo que di-zemos é verdade, ou seja, que não há uma diferença substancial en-tre o que fazíamos e o que vamos continuar a fazer, que, aliás, vai ser melhor.Depois, não há dúvida de que esta condição relativamente rara de ha-ver uma sociedade com escritórios efetivos nestas localizações poten-cia um conjunto de mais-valias no serviço ao cliente, potencia uma capacidade de resposta mais rá-pida, que se traduz, naturalmente, numa satisfação acrescida. É essa sinergia que queremos aproveitar. Mas sobretudo volto a frisar que o facto de termos aumentado subs-tancialmente o número de sócios nos permite continuar a crescer de uma forma mais tranquila. É a massa crítica que nos dá um in-tervalo de segurança ao nível da responsabilidade, da representa-ção perante o cliente, da gestão de equipas. Mesmo que não fizésse-mos mais nada, só este acréscimo nos permitiria continuar a crescer. E com 14 sócios vamos natural-mente crescer.

Advocatus | Então está nos vos-sos horizontes recrutar?MM | Ninguém parou o recruta-mento.PR | A Sá Miranda deve ter cresci-do nos últimos anos 20 por cento, a PRA a mesma coisa. Mas esta fusão nunca foi sobre crescimento, porque todos crescíamos.Advocatus | E a expansão para mercados externos está nos vossos planos?MM | A nossa vocação próxima é o crescimento sustentado. Embo-ra o nosso enfoque principal seja o mercado nacional, há, efetivamen-te, uma lógica de esse crescimento não ocorrer apenas a nível nacio-nal. Já temos parcerias em várias localizações de África, em Timor, no Brasil. A nossa ideia é aprofun-dar essa componente, eventual-mente até criar outras localizações que possam representar uma mais-valia, nomeadamente na própria Europa. PR | Mas sempre numa lógica de parcerias. O importante, na lógica de internacionalização, é garantir que os nossos clientes, quando se internacionalizam, têm o mesmo serviço que cá. É importante ga-rantir que vão conseguir fazer in-vestimentos com a maior seguran-ça possível. E é importante garantir que nós, enquanto escritório, temos capacidade de lhes assegurar isso.

Em 2008, quando a crise começou, apostámos no mercado nacional e duplicámos a dimensão de lá para cá. Temos visto que o mercado nacional tem margem para conti-nuarmos a crescer sem ser neces-sário montar um escritório noutra localização. Até porque isso impli-ca necessariamente, se quisermos manter a qualidade do serviço, a mesma capacidade de resposta, destacar pessoas, ou seja, reduzir a capacidade interna.Se fizemos a fusão porque enten-demos que precisávamos de mais capacidade interna era estranho que agora a reduzíssemos. Alguns escritórios podem ter sentido que o mercado português é pequeno, mas, para nós, ainda tem muita margem para crescer.

“A nossa vocação próxima é o crescimento sustentado. Embora o nosso enfoque principal seja o mercado nacional, há, efetivamente, uma lógica de esse crescimento não ocorrer apenas a nível nacional”

“Estou cético quanto ao novo regime de estágios”Convidado a pronunciar-se so-bre o novo estatuto da Ordem dos Advogados, Almeida Cor-reia reconhece que havia uma alteração que poderia ter algum significado no desenvolvimento da advocacia – as sociedades multidisciplinares, mas acabou por ser abandonada. É, particu-larmente, crítico do novo regime de estágios, considerando que a redução para um ano e meio

não favorece a qualificação dos jovens advogados. Sobretudo porque se segue a um corte na redução dos cursos, de cinco para quatro anos e, nalguns ca-sos, para três, em função do pro-cesso de Bolonha. E porque se segue também à exclusão dos estagiários da prática do apoio judiciário. Por tudo isto, afirma: “Não sei se vamos ter melhores advogados. Estou muito cético”.

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Penal

O penalista Carlos Pinto de Abreu não hesita em usar o termo promiscuidade para descrever as relações que existem entre alguns reguladores e alguns magistrados, considerando que este estado de coisas prejudica a descoberta da verdade e penaliza os cidadãos.

Há promiscuidade entre reguladores e MP

Advocatus | As áreas fiscal e fi-nanceira têm-se evidenciado como cada vez mais relevantes na prática da advocacia. Esta-mos perante uma mudança? Carlos Pinto de Abreu | As áreas de atividade mais relevantes nos anos mais próximos são as que se relacionam com a economia e a finança, a planificação fiscal e os contenciosos tributários, sobre-tudo nas vertentes da prevenção e da repressão penal, com asso-ciação aos crimes de titulares de cargos políticos e públicos e rela-cionados com a banca e o mundo financeiro em geral. Trabalho num pequeno escritório que é considerado uma boutique e, por isso, temos uma perceção maior e mais transversal dos casos individuais e episódicos e um co-nhecimento menor das atividades da indústria legal e do contencioso de massa. Aparentemente há uma aposta dos grandes escritórios e das au-ditoras nas atividades que possam gerar um maior retorno financeiro com recursos humanos menos exi-gentes mas com um investimento maior em sistemas de informação, de apoio à decisão e na gestão de actos da massa. Não se me afigura, porém, que o estádio de evolução se assemelhe ainda ao de outros países da Euro-pa e do resto do mundo, especial-mente os anglo saxónicos, em que a “indústria legal” está muito mais dispersa por entidades diversas e muito mais “liberta e avançada”, pelo menos no terreno pragmático, tecnológico e da prática quotidia-na. Em Portugal, só mesmo os proces-sos de cobrança e de insolvência, ligados sobretudo a bancos e a so-ciedades de aquisição de créditos ou de prestação de serviços nesse domínio, têm já um know how es-

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pecífico e uma prática assinalável de modernidade. Presumo, porém, que vamos assistir a uma evolução sem retrocesso em que os serviços artesanais estarão circunscritos a áreas muito específicas: direito pe-nal, direito da família, direitos das pessoas em geral, só para exempli-ficar. Essa tem sido a nossa apos-ta: na estratégia de valor acrescen-tado, na inteligência prática e na diferenciação dos serviços.

Advocatus | Uma das mudanças mais significativas reportada na criminalidade de colarinho bran-co, a nível mundial, foi o aumento da agressividade dos regulado-res e do Ministério Público. Foi notado também em Portugal? CPA | A sã, leal e séria coopera-ção recomenda-se e vai existindo, cada vez mais; mas o que não se entende é o seguidismo mediático, a agressividade gratuita, o autismo acrítico, o subjetivismo interessado e um direito penal ou sancionatório do inimigo. Infelizmente, em certos casos, as-siste-se em Portugal a uma cres-cente e surda promiscuidade entre alguns reguladores e alguns magis-trados que nada tem que ver com a necessária articulação e coope-ração institucionais. Articulação e cooperação institucionais que são, claro, desejáveis, se sérias, cons-trutivas e boas, e só o são quando

se mantêm cuidadosas, rigorosas, independentes e isentas, sem inér-cias nem capitulação aos media ou sujeição à facilidade. Digo propositadamente a expres-são promiscuidade porque, com exceções, a relação entre ambos não é de cooperação mas de sub-missão, quantas vezes por impre-paração, ou por confiança cega ou por inércia ou até por preguiça de alguns dos investigadores ou mes-mo de alguns dos magistrados do Ministério Público e de juízes. E porque as suas atividades não têm, como deviam ter, como prin-cipal escopo a descoberta da verdade e a melhoria dos proce-dimentos, mas simplesmente o “despachar” processos, triturando pessoas, ou, pior, o alijamento de responsabilidades próprias, o me-diatismo da intervenção e a satis-fação dos impulsos mais primários de “passar a bola”, de punir o es-tereótipo, de condenar o sistema, de perseguir pessoas sem curar de saber se são responsáveis.Não se estuda a realidade, não se percebem as diferenças, não se distingue o erro da culpa e não se chega sequer julgar, absolvendo ou condenando, com fundamentos racionais e devidamente compro-vados.Nem se preocupam minimamen-te os reguladores com aquele que deve ser o seu fito último: melhorar instituições e procedimentos, de-pois de informar, formar, acompa-nhar e prevenir, evitar erros, fisca-lizar processos, educar pessoas, e só, mais tarde, cumpridos os míni-mos, condenar, isto se tudo o mais falhar ou for ineficaz. A tentação de responder a este estado de coisas apenas pela via mais agressiva, sancionatória e draconiana só tem prejudicado os cidadãos, arguidos culpados ou inocentes e cidadãos vítimas, ou

pelo menos alguns deles, ainda que a lei esteja do seu lado, por-quanto a mesma ou não é cumpri-da ou é interpretada pró regulador e em favor da acusação ou da so-lução oficial.Isto ainda que a solução oficial seja forjada pelos intervenientes políticos, pelos opinion makers e pelas agências de comunicação para esconder males mais graves, estruturais ou endémicos, para branquear condutas bem mais gra-ves de negligência profissional, de desinteresse permanente, de apro-priação abusiva, de nepotismo e até de corrupção ou de tráfico de influências, para não dizer mesmo de atentado ao Estado de Direito Democrático.

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O risco das sociedades multidisciplinaresCarlos Pinto de Abreu não crê que, num futuro próximo, haja alterações de fundo ao quadro legal que levou à aprovação do novo Estatuto da Ordem dos Advogados. Mas reconhece que “os tempos são de mudanças imprevisíveis, muitas vezes me-teóricas e avassaladoras”: “Por isso, vamos esperar (talvez não muito!) para nos confrontarmos com a exigência (ou, na prática, com a direta ou indireta instala-ção) das sociedades multidisci-plinares, quer por via de tentativa de imposição externa, quer por via, até, da previsível e sub-rep-tícia concorrência desleal das sociedades estrangeiras (em jurisdições onde as regras são mais permissivas e total ou par-cialmente abertas a não profis-

sionais) com sociedades nacio-nais (que ainda têm que cumprir normas obstáculo à abertura dos capitais e à delegação da gestão a não profissionais)”. Entende, pois, que este é “cla-ramente um domínio em que deveria haver regulamentação universal e critérios comuns, igualitários e não discrimina-tórios que, por seu turno, não abastardassem a advocacia e a mantivessem nos trilhos de uma missão digna e de interesse pú-blico em que ainda se conside-re o advogado como elemento essencial da administração da justiça, com garantias, direitos e imunidades próprias, desig-nadamente com a manutenção da proteção ampla do sigilo profissional”.

“Vamos assistir a uma evolução sem retrocesso em que os serviços artesanais estarão circunscritos a áreas muito específicas”

“O que não se entende é o seguidismo mediático, a agressividade gratuita, o autismo acrítico, o subjetivismo interessado e um direito penal ou sancionatório do inimigo”

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advocatus.ptPenal

São tempos muito perigosos. E em que nenhum cidadão está a salvo das calúnias, das inércias ou dos verdadeiros abusos de poder.

Advocatus | O modelo de inves-tigação interna “estilo EUA” e a autodenúncia têm estado a ganhar notoriedade em todo o mundo, com as empresas a ten-tar antecipar a intervenção ex-terna. Tal é notório na sua expe-riência profissional? CPA | A autodenúncia como ante-cipação da defesa da instituição (e da pessoa), com a consequente culpabilização de outras institui-ções (e pessoas) passou a ser um triste sinal dos tempos, também em Portugal. Sobretudo, no com-bate à corrupção, na área finan-ceira e da concorrência, o sistema de isenção da responsabilidade, formal ou informalmente instituí-do, com ou sem lei habilitante, ou

“E quer o objeto da criminalidade, quer o objeto das investigações vai passar essencialmente pela intromissão, destruição ou preservação, aproveitamento ou conhecimento, recolha e análise ou espionagem e manipulação, da informação”

“Maior desconfiança se sente ainda na atuação das autoridades que não é, quase nunca, nem previsível nem, muitas vezes até, concorde com a lei”

mesmo contra a regra e o princípio que ainda vigora, o da legalidade, já foi generalizadamente aceite, até na mentalidade dos decisores e operadores. Os riscos de um sis-tema deste tipo são bem conheci-dos: inércia da supervisão, convite à delação, escolha do bode expia-tório, impunidade dos mais culpa-dos, preservação dos verdadeiros infractores. Estes perigos de uma investigação primacialmente as-sente na delação, mais a mais com a clara assunção por parte da regulação de que o importan-te é “parecer” e “aparecer” como polícias musculados e de costu-mes e não regular seriamente, agir preventivamente e educar serena e recatadamente, como autoridades respeitadas e respeitadoras, vão com certeza exponenciar novas situações de discriminação e de injustiça. O risco que se começa a notar nas próprias empresas é que a desconfiança interna e a imple-mentação de compartimentos es-tanques passe a ser o maior obs-táculo para que o fluxo necessário de informação circule normalmen-te, até por medo de incompreen-são ou de precipitada reação. Maior desconfiança se sente ainda na atuação das autoridades que não é, quase nunca, nem previsível nem, muitas vezes até, concorde com a lei, mas sim precipitada e autoritária de tal modo que é im-possível prever respostas minima-mente construtivas ou antecipar atuações pedagógicas.Não vamos ter autoridades pró-ativas e que apostem na pre-venção, mas sim meramente reati-vas a apostar na repressão.

Advocatus | O cibercrime e a cibersegurança são apontados como as próximas áreas de gran-de desenvolvimento. Concorda? CPA | Os termos que claramente se colocarão num presente ime-diato ou num futuro bem próximo serão os da segurança da infor-mação e da veracidade, comple-tude e fidedignidade dos fluxos de informação. A aquisição, guarda, acesso e divulgação de informa-ção são, hoje, claramente, os ati-vos mais estratégicos e valiosos de uma qualquer instituição, seja ela de pequena, média, grande ou enorme dimensão. E quer o objeto da criminalidade, quer o objeto das investigações vai passar essencial-mente pela intromissão, destruição ou preservação, aproveitamento ou conhecimento, recolha e análi-se ou espionagem e manipulação,

da informação, com consequên-cias imprevisíveis na mudança dos paradigmas da criminalidade e do combate à mesma. Daí a crescente necessidade de dar atenção espe-cial à prevenção e a uma regula-mentação cuidada. Quer a proteção digital, quer a ob-tenção de prova digital exigem no-vas abordagens, novos cuidados, novas regras e novos procedimen-tos. Claramente uma regulação rigorosa, clara e participada, uma supervisão atuante e pedagógica, um compliance adequado, forte e esclarecido, uma auditoria perma-nente, operante e invasiva e uma investigação séria, isenta, aprofun-dada e, por isso, não comprome-tida, são, tudo, vetores imprescin-díveis ao sucesso das finalidades que pretendemos atingir: o escru-puloso cumprimento das regras, por todos, operadores, reguladores e investigadores.

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Direito a Falar

Convenção não está preparada para proteção de refugiados em massaCentenas de milhares de pessoas tentam chegar à Europa fugidas da guerra, levantando novos desafios para as sociedades europeias. Gonçalo Matias, vice-diretor da Católica Global School of Law e diretor do Observatório das Migrações, analisa a crise dos refugiados e a legislação que visa a sua proteção no Direito a Falar, uma parceria entre o ETV e o Advocatus.

“Pode dizer-se que alguém que foge de uma situação de miséria profunda em consequência, por exemplo, de alterações ambientais ou dificuldades no acesso a comida e água, é um migrante económico e não um refugiado?”

ETV | Esta crise humanitária a que estamos a assistir é algo que já se vinha a desenhar há alguns anos ou foi completamente ines-perado?Gonçalo Matias | Infelizmente não me surpreendeu. Quem acompa-nha estes fenómenos desde há al-guns anos que se tinha apercebido que há um aumento da pressão mi-gratória, sobretudo ao longo da ba-cia do Mediterrâneo, embora, du-rante este ano, seja surpreendente o aumento significativo do núme-ro de pessoas que têm chegado às fronteiras europeias. Por outro lado, o recrudescimento do confli-to na Síria também provocou o au-mento exponencial destes núme-ros. Sobretudo durante os meses de inverno, costumava haver uma acalmia do movimento justamente

porque as condições climatéricas não eram propícias, mas, infeliz-mente, por força do desespero das pessoas e das redes clandestinas que operam nestes contextos, nem sequer essas foram respeitadas.

ETV | Estamos a falar, em estima-tiva, de quantas pessoas?GM | De acordo com os números do Alto Comissariado das Nações Unidas, este ano estamos a falar de cerca de 500 mil pessoas. Este número tem aumentado de forma dramática ao longo das últimas semanas. Neste cerca de meio mi-lhão de pessoas, 53% são sírios, mas depois há pessoas de outras nacionalidades, como Afeganistão, Eritreia ou mesmo a Nigéria. Há todo o tipo de situações. Não nos podemos centrar apenas na Síria e

na situação do conflito sírio. É ver-dade que isso explica cerca de me-tade das pessoas envolvidas neste movimento, mas há que pensar em todos os outros e não só naqueles que são refugiados, como também naqueles que não obtêm o estatuto.

ETV | O que diferencia aos olhos da Lei um refugiado de um mi-grante por razões económicas?GM | Essa distinção existe cla-ramente definida na Convenção para a Proteção dos Refugiados de 1951, revista em 1967 num proto-colo. Um refugiado é alguém que foge de uma perseguição, que tem no seu país de origem uma situa-ção que põe em risco a sua vida. O chamado migrante económico é alguém que sai do seu país em busca de melhores condições de

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“A própria União Europeia, quando reproduziu para a realidade europeia os mecanismos da Convenção, acabou também por estabelecer algum tipo de presunções, isto é, há países de onde se presume que as pessoas fogem em situação de perseguição e outros onde isso não acontece”

vida. Do ponto de vista jurídico o tratamento é completamente dis-tinto. Enquanto o refugiado tem a proteção da Convenção e os paí-ses de acolhimento têm a obriga-ção de recebê-lo e conferir essa proteção, estando inclusivamente impedidos de devolvê-lo à origem, no caso dos migrantes econó-micos a situação não é essa. Os Estados de acolhimento só rece-bem se quiserem e podem alterar o seu estatuto ao longo do tempo. Em muitos destes casos a linha que distingue o refugiado do mi-grante económico é muito ténue. Pode dizer-se que alguém que foge de uma situação de miséria profunda em consequência, por

exemplo, de alterações ambientais ou dificuldades no acesso a comi-da e água, é um migrante económi-co e não um refugiado? É alguém que receia mais ou menos pela sua vida do que alguém que foge de um conflito político? Tenho dúvidas e, portanto, julgo que seria conve-niente uma reformulação e uma re-ponderação dos conceitos.

ETV | À luz das regras atuais, no caso dos sírios que fogem à guerra, todos têm o direito ao es-tatuto de refugiado? GM | De acordo com a Convenção deve haver uma entrevista indivi-dual. Cada pessoa deve apresentar o seu caso e o seu caso deve ser

apreciado. A Convenção não está pensada para situações em massa. Por outro lado, a própria União Eu-ropeia, quando reproduziu para a realidade europeia os mecanismos da Convenção, acabou também por estabelecer algum tipo de pre-sunções, isto é, há países de onde se presume que as pessoas fogem em situação de perseguição e ou-tros onde isso não acontece.

ETV | Surpreendeu-o a forma como algumas pessoas em Por-tugal e na Europa viram esta questão? GM | Infelizmente também não me surpreendeu, porque eu vou con-vivendo com este tema há alguns

Liderar pelos valoresETV | Como é que a Europa pode ajudar a fomentar a esta-bilidade, democracia e respei-to pelos direitos humanos no Norte de África e Médio Orien-te, sem ser atraída para uma guerra?Gonçalo Matias | A resposta mais óbvia é a militar, mas não creio que seja a principal nem a mais eficiente. A liderança euro-peia deve ser uma liderança por exemplo e pelos valores, que é aquilo que sempre representou. E o modo como reagimos a esta crise também marcará o modo como, enquanto Europa, somos vistos por estes países. Muitas destas pessoas são líderes en-tre as suas comunidades, de-sempenham cargos importantes e um dia, regressando, terão a

capacidade de contribuir para a construção do seu país. O maior exemplo democrático que nós podemos dar – veja-se o que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial com os europeus nos Estados Unidos – é receber as pessoas, dar-lhes proteção e acolhimento e um dia quando elas regressarem saberão replicar na construção dos seus países aquilo que viveram entre nós.

ETV | Mas será que o modelo multicultural está bem como está ou devia ser revisto? GM | A chanceler Merkel em tem-pos disse que o multiculturalismo falhou. Eu creio que é uma ex-pressão muito usada em muitos contextos e que nem sempre é muito clara. Talvez prefira falar em

cosmopolitismo, que é no fundo um produto do mundo global. Nós hoje somos capazes, por for-ça da formação que tivemos, de enriquecer com a convivência en-tre várias culturas. Felizmente há cidades dentro e fora da Europa que são exemplos disso mesmo. Nós temos é que saber conviver e tirar o verdadeiro partido e valor dessa diversidade, em vez de es-tarmos, por um lado, a “guetizar” as pessoas ou, por outro lado, com políticas assimilacionistas.

ETV | É necessário um sistema mais parecido com o dos Esta-dos Unidos?GM | É um sistema que tem pro-vado sucesso assinalável. Há vá-rias cidades nos Estados Unidos que são exemplo desse cosmo-

politismo sem perder as referên-cias dos valores americanos e o valor da dignidade do ser huma-no, que todos nós temos de res-peitar e é uma matriz do nosso pensamento. ETV | Considera que Portugal é um país que acolhe bem os es-trangeiros?GM | Os números de refugiados são mais baixos, mas Portugal teve e tem muitos imigrantes. É um exemplo de acolhimento de imigrantes. Ainda em junho foi atribuído a Portugal, pelo MIPEX, um índice de comparação, o se-gundo lugar entre os países que melhor acolhem os imigrantes e, portanto, a nossa experiência é um sucesso internacionalmente reconhecido.

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“A Europa tem de perceber que este é um problema comum e a resposta tem que ser conjunta”“A suspensão de Schengen é, em primeiro lugar, temporária e excecional, e está prevista nos tratados. Portugal já suspendeu Schengen mais de dez vezes, em situações como o Euro 2004 ou a cimeira da NATO. Não é algo que nunca tenha acontecido na história da EU”

anos e estou habituado a ver as várias reações, que são sempre muito passionais. Penso que o mais importante é que as autorida-des tomem as providências neces-sárias e estejam à altura das suas responsabilidades. É fundamental que a Europa encontre uma res-posta conjunta a este problema. É evidente que se os Estados fo-rem deixados isolados a lidar com esta dificuldade, como foi o caso da Grécia, de Itália numa primeira fase ou agora o caso da Hungria e da Croácia, a tendência será para as reações mais fechadas e de me-nor acolhimento. A Europa tem de perceber que este é um problema comum e a resposta tem que ser conjunta, como disse aliás, e muito bem, a chanceler Angela Merkel, que, numa primeira fase, disse que a resposta tinha de ser conjunta, mas depois, dando um sinal da sua própria iniciativa política, anuncia o acolhimento de refugiados. De-pois houve um momento em que Schengen foi suspenso e também há muita polémica à volta disso e foi visto como um recuo da Alema-nha. Eu confesso que não vejo o problema assim, porque se as pes-soas entram em território da UE e não são imediatamente registadas à entrada, por exemplo na Hun-gria, suspendendo aquilo a que se chama o sistema de Dublin, é compreensível que se a Alemanha

Direito a Falar

dá um sinal político de que recebe as pessoas e as pessoas estão a entrar em território da UE sem esse registo inicial, terão que fazê-lo na chegada às fronteiras. A suspen-são de Schengen é, em primeiro lu-gar, temporária e excecional, e está prevista nos tratados. Portugal já suspendeu Schengen mais de dez vezes, em situações como o Euro 2004 ou a cimeira da NATO. Não é algo que nunca tenha acontecido na história da UE.

ETV | A resposta europeia, neste momento, está a ser preparada com dois pilares: a questão das quotas e a questão da tentativa de controlo da emigração ilegal ao longo do Mediterrâneo. Acha que está a ser eficaz ou estamos presos em questões burocráti-cas?GM | Infelizmente, o problema é ex-traordinariamente complexo e não há respostas simples e imediatas. Há aqui três pilares nesta resposta, que são o problema da relocaliza-ção dentro da UE destas pessoas, o combate às redes de emigração clandestina e o reforço das políti-cas de cooperação e resolução de conflitos na origem.

ETV | No caso da Síria isso é mui-to complicado…GM | Em todos os casos eu diria que é complicado por razões di-

ferentes. Há outras situações de Estados que não são propriamen-te falhados, mas onde a situação de miséria é de tal forma gritante que a ajuda ao desenvolvimento demorará anos a produzir efeitos. O primeiro pilar da relocalização é importante, mas infelizmente tam-bém dificilmente poderá responder a toda a gente, porque eu acho muito difícil que seja concedido o estatuto de refugiado a 500 mil pessoas. Aliás o número de julho era de 40 mil pessoas e agora há de aumentar para 160 mil, ou seja, há aqui uma diferença muito subs-tancial entre as pessoas que já cá estão e aquelas a quem a Europa irá conceder o estatuto.

ETV | Suponhamos que é conce-dido esse estatuto a 500 mil pes-soas. Ainda assim seria 1% da população europeia. O que está em causa é a falta de capacidade do acolhimento ou a xenofobia? GM | Os números, apesar de tudo, não são números avassaladores na proporção da população eu-ropeia. Em todo o caso, é preciso ter em conta que a aplicação dos mecanismos legais não favorece a concessão do estatuto, porque são extremamente restritivos. Repare que são mecanismos que foram aprovados no pós-Segunda Guer-ra Mundial, portanto estão muito desatualizados.

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“Se uma crise com estas dimensões não justifica a ponderação dos mecanismos que foram adotados depois da Segunda Guerra Mundial eu pergunto: o que é que justificará?”

Na última edição do Advocatus, reproduzimos a entrevista de Luís Ma-galhães, sócio da KPMG, ao Direito a Falar. Parte das declarações foi autonomizada numa caixa com o título “Alguns políticos têm prazer sádico em aumentar impostos”, o qual é passível de induzir em erro dado que reproduz apenas parcialmente a afirmação do consultor, não respeitando o sentido da mesma – “Às vezes, vejo no debate político mais aceso algumas afirmações que parecem levar a crer que alguns políticos terão algum prazer sádico em aumentar impostos”. Aqui fica o esclarecimento que se impunha.

ETV | Até pode haver, por exem-plo, pessoas que fogem da Síria não por serem alvo de persegui-ção, mas por terem participado na guerra civil do lado do Estado Islâmico ou outro grupo armado. A esses não é reconhecido o es-tatuto. GM | Por isso mesmo é que eu penso que era muito importante re-ver estes mecanismos legais e per-ceber de que modo é que eles se adequam à realidade atual. Se uma crise com estas dimensões não justifica a ponderação dos meca-nismos que foram adotados depois da Segunda Guerra Mundial eu pergunto: o que é que justificará? Quando é que nós nos vamos sen-tar e rever não só o próprio tratado, como os mecanismos europeus desadequados a lidar com esta si-tuação? Deixe-me só acrescentar um ponto relativamente às redes de emigração clandestina. As re-des de emigração clandestina não distinguem refugiados de migran-tes e vão cobrar pelas travessias os valores que sabemos a pessoas que se encontram na situação de pedir asilo ou a outras que são mi-grantes económicos.

ETV | E algumas dessas redes são até ligadas aos grupos que fazem guerra nesses países. GM | Justamente. E portanto há uma necessidade de combate a

estas redes que passa por meios policiais, militares e outros, mas também seria muito útil a adoção de canais legais de migração, por-que isto desincentivava extraor-dinariamente estas redes, se as pessoas soubessem, nos países de origem, que têm canais para se candidatar ao estatuto de refugia-do ou de migrante e têm formas transparentes e céleres de obter uma resposta.

ETV | Isso poderia ser feito com a rede consular?GM | Evidentemente. Ou até re-correndo mecanismos online e in-formáticos que em todo o tempo estão disponíveis. Estas pessoas são refugiadas, mas não deixam por isso de ter acesso à tecnolo-gia, porque muitas são de classe média, média alta, e precisam de ter esta informação e transparência para perceber de que modo é que se podem relacionar com a UE. O

pior é deixá-las na ignorância e su-jeitas a estas redes, que, no fundo, se alimentam desse desconheci-mento.

ETV | Acha que é a maior catás-trofe humanitária na Europa des-de a Segunda Guerra Mundial? GM | Eu não tenho dúvidas que sim. Esta é uma catástrofe de di-mensões muito grandes e relati-vamente às quais nós só estamos ainda a ver a ponta do iceberg. Neste momento chegaram à Euro-pa apenas 6% de todos os refu-giados sírios. Volto a dizer que não é apenas o problema da Síria. Nós estamos e vamos ser cada vez mais confrontados com proble-mas de diversos países da África Subsariana, com refugiados am-bientais, com refugiados por falta de acesso à alimentação. Um pro-blema dos próximos 30 a 50 anos é garantir o acesso à alimentação da população mundial.

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A Constituição da República Por-tuguesa considera a proteção do ambiente numa dupla perspetiva: trata-se de uma tarefa fundamen-tal do Estado e de um direito fun-damental dos cidadãos (artigos 9º e 66º da CRP). Em concretização das normas constitucionais, surgiu, em 1987, a primeira lei de bases do ambiente - a Lei nº 11/87, de 7 de abril. A rápida evolução científica e tecnológica e a intensa atividade le-gislativa e regulamentar nos vários domínios específicos do ambiente ao longo dos quase 30 anos que decorreram desde a publicação da primeira lei de bases do ambiente justificavam a sua revisão profunda ou mesmo a substituição por uma nova lei, o que aconteceu este ano, com a aprovação, publicação e en-trada em vigor da Lei nº19/2014, de 14 de abril. A nova lei de bases do ambiente tem menos de meta-de dos artigos da lei anterior e está dividida em seis capítulos: âmbi-to, objetivos e princípios gerais da política de ambiente; direitos e deveres ambientais; âmbito de aplicação da política de ambiente; conciliação da política de ambiente com outras políticas sectoriais; ins-trumentos da política de ambiente; e disposições finais.No artigo 7.º é reconhecido aos cidadãos e às empresas o direito a recorrerem aos tribunais compe-tentes, sejam eles comuns ou ad-ministrativos, para proporem ações ou procedimentos cautelares para defesa de direitos subjetivos e in-teresses legalmente protegidos postos em causa por agressões

Comentário à Nova lei de Bases do AmbienteA rápida evolução científica e tecnológica e a intensa atividade legislativa e regulamentar nos vários domínios específicos do ambiente ao longo dos quase 30 anos que decorreram desde a publicação da primeira lei de bases do ambiente justificavam a sua revisão profunda ou mesmo a substituição por uma nova lei.

Advogado e professor universitário

Opinião

ANTÓNIO BARRETO ARCHER

“É reconhecido aos cidadãos e às empresas o direito a recorrerem aos tribunais competentes, sejam eles comuns ou administrativos, para proporem ações ou procedimentos cautelares para defesa de direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos postos em causa por agressões ambientais ou para pedir a cessação imediata de atividades causadoras de ameaça ou de dano ao ambiente”

ambientais ou para pedir a cessa-ção imediata de atividades causa-doras de ameaça ou de dano ao ambiente.Os artigos 10.º e 11.º definem dez componentes ambientais, dos quais seis são componentes am-bientais naturais: o ar; a água ou, mais rigorosamente, os recursos hídricos; o meio marinho; o solo e o subsolo; e a paisagem. E quatro são componentes ambientais hu-manos: as alterações climáticas, os resíduos, o ruído e os produ-tos químicos. Para cada um dos dez componentes ambientais, a lei de bases do ambiente estabelece apenas normas e princípios gerais, pelo que, dentro das matérias es-pecíficas abrangidas por cada um daqueles componentes ambientais há uma infinidade de atos jurídicos

normativos da União Europeia e de diplomas legais e regulamentares nacionais. A lei de bases do am-biente também descreve generica-mente as diferentes categorias de instrumentos de política ambiental, que se traduzem na criação de di-reito objetivo, pelo que são, tam-bém, instrumentos de direito do ambiente com regulamentação es-pecífica própria, tanto ao nível do Direito da União Europeia como a nível do direito interno. É este com-plexo de atos normativos, que, no seu conjunto, define os detalhes técnico-jurídicos do sistema (ou or-denamento) jurídico português em matéria ambiental de acordo com uma estrutura global que pode compreender-se mais facilmente na representação esquemática que se apresenta na Figura 1.

Esquema da estrutura sistemática do ordenamento jurídico ambiental português após a entrada em vigor da Lei nº19/2014, de 14 de abril.

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NOTÍCIAS

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A Sérvulo & Associados reforçou as áreas de Público e Societário, com o regresso das advogadas Mafalda Carmona e Ana Filipa Mo-rais Antunes, que se encontravam a finalizar o doutoramento. Para Financeiro entrou Inês Palma Ra-malho, anteriormente assessora jurídica no Banco de Portugal e no gabinete do secretário de Es-tado Adjunto do primeiro-ministro, integrando a Estrutura de Acom-panhamento dos Memorandos. A

área de Fiscal foi reforçada com Teresa Pala Schwalbach, de cujo percurso fazem parte a MC&A – Sociedade de Advogados e a Delloite & Associados. Na área de Europeu e Concorrência, a Sér-vulo contratou Alberto Saavedra, anteriormente adjunto da secre-tária de Estado do Tesouro e com experiência como advogado nas sociedades MLGTS e SRS. A es-tas contratações, juntam-se as de quatro advogados estagiários.

Sérvulo reforça-se com novas contratações

PLMJ é firma do ano nos Life Sciences Annual Awards

A PLMJ foi distinguida com o prémio Portugal Firm of the Year pelos Life Sciences Annual Awards 2015 do Euromoney Legal Media Group. Este prémio reconhece a equipa de saú-de, ciências da vida e farmacêutico da PLMJ, coordenada pelo sócio Eduardo Nogueira Pinto, que foi tam-bém nomeado como “star” pela pu-blicação LMG Life Sciences. Os ven-cedores foram escolhidos com base na pesquisa recolhida através de mil questionários elaborados pelos pa-res para o guia Life Sciences Europe.

PLMJ, JPAB e Caiado Guerreiro na transação do Grupo PiedadeA PLMJ foi a assessora jurídica do Fundo de Reestruturação em-presarial na venda de participação de 60% que detinha no Grupo Piedade à Oeneo, que adquiriu 40% das ações detidas pela Fa-mília Piedade. O grupo de trabalho constituído por Eduardo Sáragga Leal, Jorge Serrote e Manuel Se-queira foi liderado por Duarte Schmidt Lino, sócio e coordena-dor da equipa de Private Equity. Já a José Pedro Aguiar-Bran-co & Associados assessorou

os fundadores do Grupo Pie-dade no processo de alienação da área de produção de vedan-tes de cortiça e de reaquisição do controlo da vertente imobi-liária, agropecuária e florestal. Por sua vez, o Grupo Oeneo foi apoiado pela Caiado Guerreiro & Associados, com uma equipa lide-rada pelos sócios Ricardo Rodri-gues Lopes e João Caiado Guer-reiro, que incluiu também Joana Gomes dos Santos, David Coim-bra de Paula e Susana Alberto.

State Wind Energy Investments. A operação envolveu uma equipa multidisciplinar da sociedade, que incluiu os escritórios de Lisboa e de Madrid. Em Portugal, a equipa foi coordenada pelo sócio Diogo Hor-ta Osório, numa equipa que incluiu os associados Joana Soares Quiri-no, José Braga da Cruz e Louren-ço Corte-Real (Direito Societário), a sócia Maria da Glória Leitão e a associada Sandra Silveira (labo-ral), o sócio Nuno Sá Carvalho e a associada Sara Quaresma (imo-biliário), e o sócio Duarte Abecasis e a associada Ana Isabel Marques (Direito Público). Em Espanha, es-tiveram envolvidos os sócios Jose Luis Rodríguez e Federico Roig, e o associado Jose Manuel Llanos.

Cuatrecasas apoia Enel na venda de parques eólicos

A Cuatrecasas, Gonçalves Pereira prestou assessoria jurídica à Enel Green Power España na venda, por 900 milhões de euros, da Finerge Gestão de Projectos Energéticos, empresa que agrupava todos os seus ativos em Portugal, à First

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Cuatrecasas e Linklaters lideram ranking ibérico de M&AA Cuatrecasas, Gonçalves Pereira lidera o ranking ibérico de fusões e aquisições da Mergermarket em número de operações, tendo realizado, nos primeiros nove me-ses do ano, 44 operações, no va-lor de 4,5 mil milhões de dólares. Já a Linklaters, no mesmo período, realizou 20 operações, que totali-zaram 26 mil milhões de dólares, o que lhe concedeu a liderança em termos de valor e a quarta po-sição em número de operações.

A Uría Menéndez ocupa a segunda posição em número de operações e a quinta em valor, com 33 opera-ções (14,2 mil milhões de dólares). Segue-se a Garrigues, em terceiro lugar em número e em sétimo em valor, com 30 operações (13,5 mil milhões de dólares). A Freshfields Bruckhaus Deringer ocupa a segun-da posição em termos de valores, com 20,8 mil milhões de dólares, e a Baker & McKenzie a terceira, com 19,2 mil milhões de dólares.

VdA é a mais distinguida no Women in Tax Leaders GuideA Vieira de Almeida & Associados (VdA) é a sociedade de advogados nacional com mais distinções no Women in Tax Leaders Guide, da International Tax Review, que indi-ca um total de 25 advogadas da área fiscal em Portugal. São cinco as advogadas da VdA na lista: Ca-tarina Belim, Rita Chambel, Con-ceição Gamito, Rita Magalhães e Teresa Teixeira Mota. A PLMJ e a Uría Menéndez contam com duas distinções cada – Serena Cabrita Neto e Maria Inês Assis, do es-critório português, e Cláudia Reis

Duarte e Marta Pontes, da socie-dade ibérica. Com uma indicação cada estão a Eduardo Paz Ferrei-ra & Associados (Clotilde Celorico Palma), a Cuatrecasas, Gonçalves Pereira (Tânia de Almeida Fer-reira), a CMS Rui Pena & Arnaut (Raquel Fernandes), a Rogério Fernandes Ferreira & Associa-dos (Marta Machado de Almeida) e a Garrigues (Isabel Vieira dos Reis). Foram ainda distinguidas profissionais da PwC, BTOC Tax, KPMG, EY e Deloitte, assim como em prática privada.

FT Innovative Lawyers Awards premeia sociedades portuguesasCuatrecasas, Gonçalves Pereira, Garrigues, Linklaters e Vieira de Almeida & Associados (VdA) foram as sociedades de advogados a operar em Portugal vencedoras do Financial Times Innovative Lawyers Awards 2015. A Linklaters rece-beu os prémios de sociedade mais inovadora em “competition law” e “outstanding innovation 2015”. A Cuatrecasas foi distinguida como sociedade mais inovadora em Cor-

porate e Direito comercial. Por seu turno, a VdA foi reconhecida como sociedade “game changing” da Europa (fora do Reino Unido), num ranking que também inclui a PLMJ. Já a Garrigues foi indicada como sociedade mais inovadora da Euro-pa (fora do Reino Unido). A Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Sil-va & Associados está na segunda posição, a Cuatrecasas na quarta, a Uría Menéndez na quinta.

Abreu Advogados aumenta faturação em 71%

A ABBC Advogados assessorou a operação de aumento de capital da Science4You, de mais de sete mi-lhões de euros, no âmbito da sua estratégia de internacionalização. O trabalho jurídico incluiu assessoria na

negociação e preparação da docu-mentação contratual e societária e foi coordenado pelo advogado Márcio Carreira Nobre, associado da equipa de Comercial & Societário, liderada pelo sócio Nuno Azevedo Neves.

ABBC assessora aumento de capital da Science4You

de. Os dados são avançados pelo relatório de sustentabilidade 2013/2014 da sociedade. “Estimu-lar os recursos humanos, em con-junto com a eficácia da estratégia de implementação, é benéfico para o valor económico da sociedade”, afirma a sociedade.“A sustenta-bilidade é uma matéria que sem-pre nos preocupou. Este relatório, o quarto que publicamos desde 2008/2009, prova-o”, diz o mana-ging partner, Duarte de Athayde. A publicação é um contributo volun-tário, no sentido de “promover o desenvolvimento sustentável, a ci-dadania corporativa e um ambiente de trabalho motivador, participativo e produtivo”.

A Abreu Advogados cresceu 71% em faturação, 47% em força de trabalho e 32% em rentabilida-

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Pessoas

O até agora senior manager financial services tax na PWC Londres é a mais recente contratação da Telles. O advogado, que integra a sociedade enquanto associado, tem mais de 12 anos de experiência profissional e irá apoiar a equipa de direito fiscal, os clientes do sector financeiro e o processo de internacionalização.

É o novo consultor da SRS Advogados, reforçando a desk de Moçambique, na área de projetos. Entre 2011 e 2013, foi advogado da Empresa Municipal de Transportes Rodoviários de Maputo, no sector dos transportes, e entre 2009 e 2010, desempenhou funções de técnico jurídico na DDJ Law.

JOÃO LUÍS ARAÚJO

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O sócio fundador da RFF & Associados fala sobre o tema “Portugal como plataforma de investimento” no seminário organizado pela USA Branch da International Fiscal Association (IFA) e pela Portugal-US Chamber of Commerce. O evento decorre a 2 de novembro, em Nova Iorque.

O sócio da PLMJ é o autor de um guia prático sobre o novo regulamento da União Europeia sobre as sucessões. O advogado, que coordenada a equipa de clientes privados da sociedade, elaborou a obra, que visa dotar os profissionais que trabalham estas matérias, tais como magistrados, advogados e notários, de elementos ao estudo e reflexão sobre a nova legislação.

MÁRCIO RICARDO

ROGÉRIO M. FERNANDES FERREIRA

RUI ALVES PEREIRA

www.zoo.pt

VENHA DESCOBRIRUMA NOVAESPÉCIEDE ZOO.No Jardim Zoológico, a nossavida é proteger a vida dos animais.Por isso, temos como principalmissão, a conservação, reproduçãoe reintrodução de espécies em viasde extinção. Neste espaço commilhares de animais em habitats renovados, várias apresentaçõesdiárias e atracções, descobre sempre algo de novo a cada visita que faz.Ao fim de tantos anos, nuncaestivemos com tanta vida.

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Um precioso coração floralO perfumista Alberto Morillas apresenta Flower by Kenzo L’Élixir, inspirado nos campos de rosas da Bulgária, o principal ingrediente. Composto por aromas de polpa de framboesa, tangerina, flor de laranjeira, baunilha Bourbon, Praline e notas empoadas, que exalam sensualidade e tornam esta fragrância deliciosa e viciante. O elegante frasco assume as cores de um vermelho intenso, enquanto a papoila é vestida de ouro.

Mais de 8 mil experiências de sonhoA Odisseias lançou uma nova gama de 33 packs, com mais de 8 mil experiências à escolha. Divide-se entre as coleções Fugas, Spa, Gourmet, Aventura e Ocasiões Especiais, que inclui os packs Felicidades, Parabéns, Love, Surpresa, Momentos Inesquecíveis, Feliz Natal e Boas Festas, bem como guias de desconto. Os novos conjuntos estão mais leves e alteraram as imagens de capa e catálogos.

O espírito da aeronáuticaA Breitling criou o “verdadeiro relógio do comandante de bordo”, Chronoliner. Uma reinterpretação do espírito da aeronáutica num estilo original que não passa de moda. Com cronógrafo, cronómetro certificado para medir os tempos de voo, um segundo fuso horário de 24 horas, lunete em cerâmica preta de alta tecnologia e vidro anti riscos.

A energia do look citadinoA Chilli Backpack faz parte da linha Color Block, coleção de outono-inverno da Pelcor. O formato é trendy, prático e sofisticado, combinando pele de cortiça com cores contrastantes. Tem uma pega no topo, tampa e fechamento através de tiras para maior segurança, bolso interior e exterior com fecho. A mala está disponível em duas paletas: Tri cork, em que a cor natural da cortiça é combinada com tons de cinzento e turquesa; e Tri rust, com um novo tom de castanho-ferrugem, conjugado com turquesa e amarelo açafrão.

Emoção virtuosa e sensível da noiteA Mercedes apresenta a terceira fragrância da coleção Mercedes-Benz Club VIP, Black Leather, by Honorine Blanc. O perfume abre com um aroma distinto, suave e vigoroso, com a suculência da bergamota envolvida em acordes de lírio. O coração une o incenso raro, salva esclareia e notas amadeiradas de patchuli, enquanto a base é composta por resina de láudano e notas de âmbar combinadas com couro.

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PARCEIROS PATROCINADOR ÚNICO

ENTIDADES PARTICIPANTES 2015ABBC | Abreu Advogados | Albuquerque & Associados | Amaral Cabral & Associados | BNP Paribas Securities Services | Caiado Guerreiro & Associados | Campos Ferreira, Sá Carneiro & Associados | Cardigos | CCA - Ontier | Centro de Informação Europeia Jacques Delors | CMS Rui Pena & Arnaut | Cuatrecasas, Gonçalves Pereira | Deloitte | EY - Ernst & Young | FIND | Garrigues | Gómez-Acebo & Pombo | Gouveia Pereira, Costa Freitas & Associados | In-Lex | Kennedys | KPMG | Linklaters | Macedo Vitorino & Associados | Miranda | Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados | Nobre Guedes, Mota Soares & Associados | PARES | PBBR | PLEN | PLMJ | PwC | Randstad Professionals | Raposo Bernardo & Associados | Raposo, Sá Miranda & Associados | Rogério Fernandes Ferreira & Associados | Serra Lopes, Cortes Martins & As-sociados | Sérvulo | Sousa Machado, Ferreira da Costa & Associados | SPS Advogados | SRS - Sociedade Rebelo de Sousa | Telles | Uría Menéndez - Proença de Carvalho | Vieira de Almeida e Associados

Recruiting Lounge | Mesas Redondas | Workshops | Hora do Sócio

LOCAL Edifício da Biblioteca João Paulo II, 1º piso - Universidade Católica Portuguesa, Lisboa | Evento exclusivo para

alunos da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa

Gabinete de Carreiras [email protected] | Telefone: 217 214 240 | www.fd.lisboa.ucp.pt

Direito é na Católica

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Obrigada a todos os clientes, colaboradores e investidores que fazem da EDP uma marca global, inovadora e sustentável: Uma Superbrand.

Uma vez mais, os portugueses colocam a EDP no topo das suas marcas preferidas.