a sombra do kremlin

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Prefácio

UM GAÚCHO DE CORAGEMJaner Cristaldo

A História é um lago que seca. Ao descerem, suas águas trazem àtona monstros insuspeitos. Todos os escritores gaúchos foramcúmplices da peste marxista. Não apenas os comunistas, como Faraco,Dyonélio Machado, Ciro Martins, Josué Guimarães, Ary Saldanha, LilaRipoll, Laci Osório, Ivan Pedro de Martins, Edith Hervé, Isaac Axelrud,Otto Alcides Ohlweiler, Juvenal Jacinto de Souza, Antônio PinheiroMachado Netto, que por ofício tinham de prestar culto à UniãoSoviética.

Dyonélio, após a evidência dos gulags, passou a escrever sobre aantiga Grécia. Era homem íntegro e generoso, mas mal informado. Foio mesmo movimento espiritual de Faraco, que refugiou-se em Urartu,na Armênia. Josué Guimarães foi caixeiro-viajante a serviço de Pequime Moscou. Até as pedras da Rua da Praia sabiam que estes senhoreseram comunistas, mas ai de quem o dissesse em público. Seriaexecrado como delator e expulso do rol dos vivos.

Desde os anos 30, Moscou aprendeu como conquistarintelectuais no Ocidente: bastava oferecer-lhes viagens e mordomias,com a nonchalance de quem joga milho às galinhas. A longa linhagemde intelectuais vendidos alberga desde pinheiros natos a expressõesmais altas, tipo Kazantzakis, Aragon, Neruda, Brecht, Lukács, Sartre,Simone, Jorge Amado, Graciliano Ramos e vou ficando por aqui, que alista seria infinda. O stalinismo, dogma já superado na Europa, aindavige na América Latina.

Uma estranha patologia contaminou o final de século em PortoAlegre. Por todas as partes do mundo, as sociedades derrubavammitos, monumentos, símbolos de tiranias passadas. Parece que a pestese entranhou de tal forma na universidade e nas instituições culturaisda capital gaúcha que, enquanto a humanidade avançava — para afrente, como é normal — a intelectuália do Portinho virava as costaspara o futuro e fica acariciando um baú repleto de coisas mortas.

Tiveram no entanto prestígio os escritores que teceram loas ao

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comunismo. Os que mais teceram loas foram exatamente os quetiveram chance de conhecer a União Soviética de perto. O caso maisemblemático terá sido o de Antônio Pinheiro Machado Netto, que só viauma hipótese da queda do muro de Berlim: a adesão da AlemanhaOcidental ao regime comunista.

Antônio Pinheiro Machado Netto e o Muro de Berlim —Em 1985, apenas quatro anos antes da queda do Muro, quando aAlemanha Oriental aderiu ao capitalismo, Machado Netto publicouBerlim: Muro da Vergonha ou Muro da Paz?, edição da L&PM,com terna homenagem em suas primeiras páginas a Luiz CarlosPrestes, esta alma penada que perdeu a noção da época em que vivia, emorreu encaracolado em um stalinismo obtuso, primário e criminoso.

Tendo visitado por duas vezes a URSS, a convite do Comitê dosPartidários da Paz na União Soviética, e uma terceira vez aTchecoeslováquia, pela Assembléia pela Paz e pela Vida, e sentindo-sena obrigação de pagar suas mordomias em alguma moeda — desde quenão dólares — nosso turista apressado entoa loas ao muro que durantetrês décadas constituiu o mais sinistro e desumano marco erigido pelocomunismo russo. Pincemos, cá e lá, alguns trechos desta cretinadefesa do totalitarismo.

Hoje não se pode mais falar em reunificação da Alemanha,pura e simplesmente, com fundamento tão somente na língua ehistória comuns. (...) Não se pode, todavia, afastar a hipótese de,num futuro mais ou menos remoto, vir a ocorrer a unificação (comoaconteceu no Vietnã). Esta hipótese, porém, só pode ser consideradase na chamada Alemanha Federal — RFA — passar a existir tambémum regime socialista.

Uma das maiores bobagens veiculadas no Brasil sobre o Murode Berlim é que ele foi erguido para evitar as fugas de alemães daRDA para a parte oeste de Berlim. Esta asneira é veiculada até porpessoas que gozam de alguma credibilidade no Brasil, e por órgãosde comunicação, que se apresentam como veículos fiéis à verdade.

Todos os epítetos lançados contra o muro — afronta àliberdade, vergonha, etc., etc. — escondem apenas o ressentimento e afrustração dos fazedores de guerra que, naquela linha de fronteira,viam o começo da terceira guerra mundial por que tanto sonham, epara cujo deflagrar tudo fazem, com vistas a salvar o capitalismo dacrise irreversível em que está mergulhado.

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É natural que na RDA e nos demais países socialistas atendência seja a diminuição do índice de criminalidade, de vez que asinfrações penais que têm origem na miséria, numa vida difícil eatormentada, com dificuldades econômicas e financeiras, tendem adesaparecer por completo nos países socialistas, e muitoparticularmente na RDA.

Mas, decorridas quatro décadas, essa mesma AlemanhaOcidental — eis a grande verdade — não resolveu problemas vitais dopovo alemão que vive na região ocidental. Mais do que isso. Hoje aRepública Federal da Alemanha — RFA—, como todo mundocapitalista, é um país atormentado por uma crise de vastas proporções,crise política, econômica, social e moral.

A realidade alemã ocidental hoje reflete a crise que avassala osistema capitalista. Na RFA a situação social também vem seagravando. Progressivamente aumenta a pobreza.

Os sindicatos da RFA estão prevendo que até 1990 cerca de 100mil pessoas perderão seus empregos, atualmente, por força daautomação. Afora, evidentemente, o desemprego resultante da crisedo capitalismo que existe na RFA e em todo o ocidente capitalista, eque vai continuar.

Os meios de comunicação de massa do Ocidente já “decretaram”que nos países socialistas não há liberdade para os cidadãos e que,especialmente, inexiste liberdade de imprensa. Também “decretaram”que os direitos humanos não são respeitados no mundo socialista.

Daqui cinco anos, na RDA, não haverá mais desconfortohabitacional — todas as famílias terão sua casa.

Acho que chega. Este senhor, defensor dos restos podres dostalinismo, foi Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

A paranóia parece ser genética. Um outro Pinheiro Machado, oLuiz Carlos, durante décadas, pretendeu submeter os genes às leis dadialética, defendendo as experiências fajutas de Lyssenko, pupilo deStalin que por seu dogmatismo quase arrasou com a agricultura russa,tornando-a dependente, até hoje, de grãos do Ocidente. Luiz Carlosteve certa sorte: não teve editores que publicassem suas asneiras. Omesmo não aconteceu com Antônio.

Josué Guimarães e a fortaleza assediada — Um outroescritor gaúcho, viajante e venal, foi Josué Guimarães, morto em 1986.

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As Muralhas de Jericó, publicado postumamente em 2001, sãorelatos de sua viagem à União Soviética e China comunista emmarço-abril de 1952, como correspondente especial do jornal ÚltimaHora, do Rio de Janeiro. O livro foi escrito em junho daquele ano e sópublicado doze anos após a queda do muro de Berlim e dez anos após odesmoronamento da União Soviética.

Na apresentação do livro, Maria Luiza Ritzel Remédios afirmaque o autor-narrador parece sentir-se como o Josué da Bíblia que, nocomando dos israelitas, penetrou a citadela inexpugnável, pois ele estáa alcançar a União Soviética até então separada do mundo ocidental. Eaqui já vai um equívoco da prefaciadora. Os anos 50 constituíramtalvez o auge da influência de Stalin no Ocidente. Escreve Josué:

Este livro tem a pretensão de derrubar as muralhas queseparam, praticamente, o Ocidente do Oriente, fazendo deste mundoum só. Para tanto faltam engenho e arte. Porém, se não tiver a forçae a magia das trombetas do Profeta, se não for capaz de destruir asmuralhas simbólicas que hoje têm o nome de Cortina de Ferro, quepelo menos sirva para tirar desse muro de indiferença uma únicapedra. Só isto justificaria a veleidade de publicá-lo. Pois a frestaassim aberta daria para que duas mãos se apertassem,fraternalmente, iniciando uma era de compreensão e vontade, únicossentimentos que ainda poderão devolver a Paz aos homens.

No fundo, Josué quer absolver Stalin dos crimes tremendos deque, já na época, era acusado. Ao falar da Muralha da China, Josué adefine como “um símbolo de defesa de um povo que, até hoje, nãoencontrou segurança e que sabe que nenhuma barreira material serácapaz de deter a ambição de outros povos, o desejo de destruição deoutras gentes. Talvez seja a Muralha, nos dias de hoje, um símbolomuito vivo para os chineses. (...) está a ensinar-lhes que só uma coisapoderá deter uma agressão: é a união de todos, o trabalho de sol a sol eum sentimento de igualdade que lhes dê força e independência”.

Em 52, Mao estava plenamente empenhado na formidável tarefade matar chineses. Mas nada disso interessa a Josué. Em seu turismo,o autor tem a ventura de ver o Grande Timoneiro na Praça Vermelha:

Mao Tse-tung já chegou. Daqui se avista o presidente cercadode seus auxiliares e do general Chu Têh (...) Sou capaz de distinguir oseu famoso sorriso daqui de onde estou. Ambos já tiveram a cabeça aprêmio, na sede de vingança do exilado de Formosa. Pela de MaoTse-tung, que, antes de mais nada, é um intelectual dos mais puros,

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foi oferecida a quantia de 250 mil dólares.O intelectual dos mais puros matou 65 milhões de compatriotas

seus. Em Moscou, então, tudo é lindo.

O nível cultural do povo soviético talvez seja hoje um dos maiselevados do mundo. Tive grande preocupação em observar esteaspecto. (...) Uma tarde, a delegação brasileira, ao deixar o HotelNacional, teve a atenção de todos despertada para uma aglomeraçãoà porta de uma livraria que nós havíamos visto várias vezes. Homense mulheres disputavam a primazia na porta e muitos outros saíamde lá de dentro empunhando um livro qualquer. Fomos nos informardo que havia. E o espanto foi tanto, para nós, brasileiros, queninguém comentou o sucedido depois, ruminando lá as suasincompreensões e engolindo seco seu espanto. Tratava-se,simplesmente, de mais uma edição de um livro sobre filosofia,disputado de tal maneira que me lembrou episódio igual, numabanca de São Paulo, no dia em que saiu uma edição nova da revistaGrande Hotel, uma cretiníssima coleção de histórias de amores malcorrespondidos de mistura com a vida secreta de Hollywood econselhos sobre a melhor maneira de encontrar um marido.

E seriam intelectuais os que tanto esforço faziam paracomprar um pesado livro sobre filosofia? A resposta é negativa everdadeira. Talvez seja difícil para nossa mentalidade compreender ointeresse do operário de uma fábrica qualquer por um assunto sério,de cultura. Ou o desejo da moça que dirige um trem elétricosubterrâneo — naquele esplêndido Metrô de Moscou — em comprarum livro que trata de problemas transcendentais, fora das coisasdiárias ou das estórias de casamentos frustrados. Mas para eles issoé uma coisa natural e não representa nenhum esnobismo ou atitude.

Nenhuma palavrinha sobre as prisões de intelectuais edissidentes, que há muito vinham sendo enviados para os gulags. Esteé o tom sempre baboso do livro. Tudo é grandioso, eficaz, inteligente,tudo é esperança no futuro e no homem novo, nas observações deJosué. Nenhuma palavrinha sobre a sufocação da literatura porZdanov. Nenhuma menção ao desastre na agricultura provocado porLyssenko.

Se na época os crimes de Mao eram pouco conhecidos, sobre oscrimes de Stalin o autor não podia alegar desconhecimento. Pois trêsanos antes de sua viagem, havia estourado em Paris a chamada affaireKravchenko, depois da qual não mais era permissível a uma pessoa

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informada ignorar o que ocorria na União Soviética.

Em 1949, Victor Kravchenko, alto funcionário soviético,denunciou em Paris os crimes de Stalin. Tendo trocado a URSS pelosEstados Unidos, relatou esta opção em Eu escolhi a liberdade, livroem que denunciava a miséria generalizada e os gulags do regimestalinista. O livro foi traduzido ao francês em 1947 e teve um sucessofulminante. A revista Les Lettres Françaises publicou três artigosdifamando Kravchenko, apresentando-o como um pequeno funcionáriorusso recrutado pelos serviços secretos americanos. Kravchenkoprocessou a revista, no que foi considerado, na época, o julgamento doséculo. No banco dos réus estava nada menos que a RevoluçãoComunista.

Em seu testemunho, Kravchenko trouxe ao tribunal MargaretBuber-Neumann, mulher do dirigente comunista alemão HeinzNeumann, como também o ex-guerrilheiro antifranquista ElCampesino, ambos aprisionados por Stalin em campos deconcentração. Kravchenko, que perdeu toda sua fortuna produzindoprovas no processo, teve ganho de causa. Recebeu da revista francesa,como indenização por danos e perdas ... um franco simbólico.

A história de Kravchenko é fascinante, envolve diversos países,desde a finada União Soviética até Estados Unidos, França, Alemanha,Espanha. Seu livro rendeu-lhe boa fortuna. Levado à falência com oscustos do processo, foi morar no Peru, onde investiu em minas de ouroe de novo enriqueceu. Acabou suicidando-se em um hotel em NovaYork. A partir de seu processo, ninguém mais podia negar o universoconcentracionário soviético. 1949 é a data limite para um homem quese pretenda honesto abandonar o marxismo.

Três anos depois, Josué Guimarães, jornalista e correspondenteinternacional — profissional bem informado por definição — aindalouvava a União Soviética de Stalin.

Há um detalhe curioso em As Muralhas de Jericó. Tendosido escrito em 1952, permaneceu inédito por meio século, só tendosido publicado postumamente em 2001. Ora, de 52 para cá, muita águacorreu sob o moinho da História. Em 1956, Nikita Kruschovdenunciou, no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética,os crimes de Stalin.

Não era a CIA, muito menos a imprensa capitalista ocidental queos denunciava, mas o mais alto dirigente soviético. Kravchenko era umdissidente, mas Kruschov era o secretário-geral do Partido Comunista

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da União Soviética (PCUS). Se a affaire Kravchenko, apesar da fartaabundância de provas, deixara alguma dúvida em comunistas maistestarudos, a partir do XX Congresso nenhuma dúvida mais erapermissível.

Em 89 caiu o Muro e em 91 desmoronou o império tão amadopor Josué. Seria mais que oportuno, para a imagem póstuma doescritor, que seu depoimento permanecesse inédito. Mas pelo jeito aviúva acreditou nas potocas do marido.

Sérgio Faraco, gaúcho e covarde — Outro gaúcho covarde éSérgio Faraco. Em Lágrimas na Chuva, publicado em 2002, relataperíodo de pouco mais de ano vivido pelo autor em Moscou, em 1963 e64.

“Depois de uma série de conflitos com chefetes políticos ligadosaos partidos brasileiro e soviético” — diz-nos o editor na orelha —“Faraco foi internado em regime de reclusão, sob pesada bateria demedicamentos, numa clínica de reeducação. Era este, na época, umprocedimento de rotina em relação àqueles que se rebelavam contra oultra-esquerdismo do Partido”.

Ora, quais foram os gestos de rebeldia do heróico mártirgaúcho?

Pelo que lemos em sua memória, foram basicamente duasatitudes: mantinha relações com uma russinha e insistia em escutarWagner a todo volume em seu dormitório. Fora isso, em uma viagem àArmênia, demonstrou insólita coragem ao perguntar a um mandaletelocal como podiam avançar na automação do que quer que fosse, se asmoradias não dispunham de vasos sanitários e as necessidades eramfeitas nos quintais, em latrinas. A tradutora nem sabia o que eralatrina.

Ou seja, os armênios não haviam chegado sequer ao conceito delatrina. Em função disto, o rebelde escritor foi enviado a uma clínica dereeducação, onde dispunha de quarto individual, com chuveiro e vasosanitário (um progresso em relação à Armênia) e mais uma enfermeiraque vinha pegar-lhe a mãozinha quando deprimido. Gulag classe A,com direito a cafuné. Pra dissidente algum botar defeito.

Do alto desta omissão, quarenta anos nos contemplam. Quatrodécadas antes, Faraco havia sentido na carne o preço a ser pago, naUnião Soviética, por pequenas molecagens. Escritor, não lhe terá sido

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difícil imaginar o quanto custava qualquer discordância com a linha doPartido. Em idade provecta, a tardia madalena alegretense demonstrasua coragem denunciando, em 2002, fato ocorrido nos 60.

Seu depoimento, se feito na época de seu retorno, seria deextraordinário valor para sua geração. Seria o relato insuspeito de ummilitante comunista que, em sua viagem iniciática ao paraíso soviético,fora tratado como doente mental apenas por escapadelas a umadisciplina absurda, típica de seminários católicos. Seria oportuníssimo,logo após 64.

Erico Verissimo pergunta a Faraco se não pensava escreversobre sua estada na União Soviética. “Respondi que, de fato, tinha essaintenção, embora minha experiência não fosse edificante. Ele ficoupensativo, depois disse que, se era assim, talvez fosse ainda menosedificante narrá-la, enquanto vivíamos, no Brasil, sob uma ditaduramilitar. Ele tinha razão” — diz Faraco.

Ora, os militares lutavam para que o Brasil não virasse o imensogulag que o futuro escritor então testemunhara. Em função de umregime que jamais o pôs na prisão, mesmo sendo comunista, Faracosilencia sobre o regime comunista que o internou em um hospitalpsiquiátrico, mesmo sendo comunista.

Escritor, Faraco intuiu o que Erico há muito já intuíra. Sedissesse uma só palavrinha contra a Santa Madre Rússia, adeuseditoras, adeus honras literárias, adeus imprensa amiga, adeusresenhas e teses universitárias. O gaúcho de Alegrete, que não tevesequer a hombridade de despedir-se da humilde moscovita que oaquecera nos seus dias cinzas às margens do Volga, baixa a crista.

Mas seu livro tem um grande mérito: nos revela a cumplicidadecom a tirania do mais celebrado escritor gaúcho, tido como campeão daliberdade. Não por acaso, a universidade e imprensa gaúchas idolatramErico.

Covardes e omissos foram também todos os demais escritoresgaúchos que, sem pertencerem ao Partido, silenciaram sobre os crimesdo comunismo. Mário Quintana, por exemplo, refugiava-se em umafrase cômoda: “eu não entendo de problemas sociais”. Moacyr Scliar foipremiado pela ditadura de Fidel Castro. Ou seja, estava cotadíssimopara a Academia Brasileira de Letras. E filho de Verissimo,Verissiminho é. Luis Fernando, o rebento, até hoje apóia toda ditadura,desde que de esquerda.

Falar em comunistas gaúchos e não citar Luís Carlos Prestes é

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ignorar o embuste maior que Porto Alegre já produziu. Embalado pelasproezas de uma coluna absurda, que se tornou famosa por suas“gloriosas” retiradas, ao refugiar-se nas margens do Prata acabousendo contaminado pela mosca azul do poder. Treinado em Moscou,veio a mando do Kremlin fazer a “revolução” no Brasil. Deu no quedeu: uma intentona ridícula e sangrenta, liderada por desvairados quede Brasil pouco ou nada conheciam. Preso e derrotado, acaboumorando vários anos em Moscou. Cego e teimoso, em todo esse temponão conseguiu ver o que Loureiro constatou em apenas dois meses.Morreu em odor de stalinismo. E ainda hoje há quem queira erguer-lhemonumentos.

Apenas dois gaúchos, em todos os cem anos do século passado,ousaram escrever contra a barbárie. Um foi o jornalista OrlandoLoureiro, que publicou , editora Globo, 1954, dez anos antes da viagemdo alegretense deslumbrado. O outro é este que assina este prefácio.

Orlando Loureiro, gaúcho e corajoso — O depoimento deOrlando Loureiro, cria de Santa Cruz do Sul, foi editado pela Globo esuas reflexões são decorrentes de uma viagem à ex-União Soviética, nosmeses de dezembro de 1952 e janeiro de 1953, ou seja, antes da mortedo Paizinho dos Povos. E na mesma época em que Josué Guimarãesgirava bolsinha entre Moscou e Pequim.

A viagem foi logo após um Congresso dos Povos pela Paz, emViena, uma dessas reuniões em que os fiéis discípulos de Stalinpregavam a guerra. Neste encontro, entre outras cortesãsinternacionais, rodavam a baiana Sartre, Jorge Amado, Pablo Neruda,Louis Aragon. De Viena, Loureiro é selecionado para ir a Moscou. Temcomo companheira de comitiva, entre outras personalidades, MariaDella Costa, o que explica em boa parte sua carreira no Brasil. Ela viude perto a tirania e silenciou. Palmas para a atriz. O mesmo nãoocorreu com Loureiro. Jornalista, o autor não precisou de lupa para verque havia uma só imprensa no mundo soviético:

Na URSS nunca existem duas opiniões a respeito de um mesmofato ou acontecimento, porque o direito de pensar e opinar éprerrogativa apenas das elites diri gentes. O governo pensaprodigiosamente por 200 milhões de cabeças, obedientes e sub missasdentro das fronteiras da contraditória democracia do proletariado.(...) As rotativas dessa poderosa usina geradora do pensamentocomunista rodam ininterruptamente, dia e noite, para alimentar

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uma das mais fantásticas organizações de propaganda mundial deque se tem notícia. Essa verdadeira enxurrada de literatura marxistainunda os pontos mais re motos da terra e representa a persistentecontribuição de Moscou aos seus fiéis, para as tarefas de catequese eproselitismo do proletariado universal. São milhares de toneladas depapel e tinta despejadas mensalmente na garganta anônima dasgrandes capitais do mundo, numa batalha obsedante pelaarregimentação dos rebanhos humanos extraviados na voragem dosconflitos sociais e econômicos do nosso tempo.

Jorge Amado, “ruidoso camelô do marxismo”, como dizLoureiro, participa desta comitiva e sabe disto muito bem. Em umavisita à União dos Escritores Soviéticos, diz a Loureiro: “Na RússiaSoviética todo o trabalho intelectual é regiamente pago. As tiragens sãogeralmente elevadas e os escritores recebem grandes somas em direitosautorais. Há poetas que podem viver como milionários.”

Amado sabe o que quer. Loureiro prefere contar o que vê:

A União dos Escritores funciona como um Vaticano para amoderna literatura so viética. O julgamento das obras a seremlançadas obedece a um critério estreito e sectário de crítica literária.Esta função é exercida por um conselho reunido em assembléia, quediscute os novos livros e sobre eles firma a opinião oficial dasociedade. A exegese não se restringe aos aspectos literários ouartísticos da obra julgada, senão que abrange com particularseveridade o seu conteúdo filosófico, que deve estar em harmonia comos con ceitos da “realidade socialista” e guardar absoluta fidelidadeaos princípios ideológicos da doutrina marxista. Se o livroapresentar méritos do ponto de vista dessa moral conven cionada, seresistir ao crivo desse teste de eliminatória, então passará por umrigoroso trabalho de equipe dentro dos órgãos técnicos da União,podendo vir a transformar-se num legítimo best-seller, com tiragensastronômicas de 2 a 3 milhões de exemplares. E o seu modesto eobscuro autor poderá ser um nouveau riche da literatura e seráfestejado e exal tado e terminará ganhando o cobiçado Prêmio Stalin.

O que explica a fortuna dos Amados e Nerudas da vida, ambosdetentores do Prêmio Stalin, suas inúmeras traduções e tiragensmilionárias, às custas da opressão, massacre e assassinato de milhõesde seres humanos.

Loureiro morreu em 2004, aos 85 anos, praticamente ignoradopelos gaúchos, enquanto os escritores comunistas e venais eram

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caitituados pela imprensa e universidade. O relato de viagens deLoureiro, um dos raros brasileiros a intuir a essência do regimesoviético — outro foi Osvaldo Peralva, em O Retrato (1962) —escassamente mereceu uma segunda edição. Agora, mais de meioséculo depois, recebe a terceira.

São Paulo, 15 de setembro de 2013

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