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Andrea dos Santos Nascimento – Departamento de Psicologia UFES – [email protected] Caroline Camilo dos Santos – Faculdade Brasileira Multivix – [email protected] Fabiana Pancieri – Faculdade Brasileira Multivix – [email protected] Macksoara dos Passos Rossmann – Faculdade Brasileira Multivix – [email protected] Patricia Ferro Bermudes – Faculdade Brasileira Multivix – [email protected] Priscila Silva de Oliveira – Programa de Pós-Graduação em Psicologia-UFES/ Faculdade Brasileira Multivix - [email protected] Thais FaccoKrause – Faculdade Brasileira Multivix – [email protected]
A REPRESENTAÇÃO SOCIAL ACERCA DO ABORTO ENTRE ESTUDANTES DO
CURSO DE DIREITO
ANDREA DOS SANTOS NASCIMENTO
CAROLINE CAMILO DOS SANTOS
FABIANA PANCIERI
MACKSOARA DOS PASSOS ROSSMANN
PATRÍCIA FERRO BERMUDES
PRISCILA SILVA DE OLIVEIRA
THAÍS FACCO KRAUSE
RESUMO
Trata-se de uma pesquisa cujo objetivo é identificar a representação social de 89 alunos
finalistas do Curso de Direito de duas instituições formadoras, uma pública e uma particular, a
respeito do aborto (provocado ou não provocado). Procuramos mapear possíveis
concordâncias e discordâncias de opiniões entre os gêneros e a influência da religião sobre as
representações, para tanto foi aplicado um questionário online aos participantes. Como técnica
de análise de dados foi utilizada a técnica de associação livre de palavras. Observou-se que,
em relação a descriminalização do aborto 51% dos respondentes concordam com essa medida
e, no que tange ao gênero, 60% das mulheres concordam com a descriminalização enquanto
56% dos homens discordam. A religião não apareceu como reforçadora de influência na
tomada de decisão pró-aborto em 50% dos homens e 64,5% das mulheres. Sobre as
representações sociais acerca do aborto, seguindo os critérios de conexidade (intensidade e
quantidade das amostras), 05 elementos aparecem como hipótese de centralidade: morte (24),
escolha (18), vida (16), crime (12), mulher (11). Uma das conclusões é de que ainda existe no
campo representacional masculino a ideia da responsabilidade da decisão do aborto para a
mulher.
PALAVRAS-CHAVE: Descriminalização; Aborto; Direitos Sexuais e Reprodutivos
INTRODUÇÃO
O debate sobre o aborto, de forma geral, gira em torno de duas questões já estabelecidas. De
um lado, tem-se a visão da sua prática como uma grave violação moral, centrada na
heteronomia e sacralidade da vida; por outro lado, tem-se a concepção desta prática como um
exercício de autonomia reprodutiva das mulheres e no âmbito dos direitos humanos (WIESE
E SALDANHA, 2014).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é considerado aborto a interrupção da
gestação antes da 22ª semana, quando o feto pode estar pesando menos de 500 gramas.
Etimologicamente, aborto quer dizer privação do nascimento. Advém do latim abort, onde ab
significa privação e ortus, nascimento. Em 2015, pela primeira vez o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) realizou uma estimativa sobre o aborto no Brasil. De acordo
com a pesquisa, mais de 8,7 milhões de brasileiras com idade entre 18 e 49 anos já fizeram ao
menos um aborto na vida. Destes, 1,1 milhão de abortos foram provocados. Uma
consideração que precisa ser feita acerca desta pesquisa é que muitas mulheres não assumem
o abortamento por ser uma prática ilegal no país, segundo o Código Penal (BRASIL, 2010),
portanto, esse número pode ser subestimado.
Em 2007, entrou em pauta no Congresso Nacional o projeto de Lei “Estatuto do Nascituro” de
autoria do Deputado Luiz Bassuma (PT-BA) e Miguel Martini (PHS-MG) que prevê a
proteção integral do Nascituro, este definido como ser humano concebido, mas ainda não
nascido.
O Estatuto do Nascituro traz discussões significativas para a sociedade, principalmente para
as mulheres, uma vez que, segundo o estatuto (artigo 3º), a natureza humana é reconhecida
desde o momento da concepção, assegurando-lhe direitos legais. Um exemplo disso é o
artigo 10 do projeto de lei, que defende a permanência do feto até o final da gestação, haja ou
não perspectiva de desenvolvimento.
Entretanto, a interrupção da gravidez, para a Lei brasileira de nº 2.848 de 1940 que ainda está
em vigor, abre-se exceção para este procedimento em apenas dois casos: (I) violência sexual e
(II) risco de morte para a gestante (SOARES, 2003; MARIUTTI, 2010).
Galinkin e Santos (2010) ponderam de forma justificadora que:
[...] o Direito vem contribuindo, também na construção de uma mulher doméstica,
dada aos sentimentos e à emoção. Assim, ao cometer crimes, essa mulher poderia
ser justificada pela passionalidade ou pela loucura que foge à uma racionalidade
hegemônica [...] (p.492).
De acordo com estes autores, mesmo que se tenha alcançado relevante mudança em torno das
relações de gênero e no que diz respeito a experiência da mulher enquanto figura ativa e
autônoma, ainda não há como negar os estereótipos e os papeis sociais construídos ao longo
da história, que acabam alimentando o pensamento social que aprisionam o gênero ao corpo,
naturalizando o que é ser homem e o que é ser mulher.
A maternidade é dada como algo natural e de desejo de todas as mulheres, negando que
muitas mulheres não desejam a vivência da gestação ou mesmo da maternidade. Nesse
sentido, somente a criminalização do aborto não reduz os índices de abortamento clandestino,
ele está presente em nossa sociedade e envolve questões de saúde física e psicológica da
mulher.
Atrelado a maternidade, está a discussão acerca do aborto. Esse permanece, permeado por
conflitos, entre admitir a maternidade como opção e não por obrigação e o controle social da
função reprodutiva das mulheres, um dos pontos centrais de disputa política (vinculada a
questões religiosas) em nossa sociedade.
[...] O comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH) estabeleceu que o
respeito ao direito à vida das mulheres inclui o dever dos Estados de adotarem
medidas para evitar que elas recorram a abortamentos inseguros e clandestinos que
ponham em risco a sua saúde, especialmente quando se trata de mulheres pobres e
afrodescendentes [...] (RADIS, 2008, p11).
Assim, é preciso rever o modelo de assistência às famílias, fazendo uso da Lei Nº 9.263, de
12 de Janeiro de 1996 que regula o §7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do
planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências. Em seu §7º, lê-se:
[...] Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade
responsável, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao
Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito,
vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas [...]
(BELO, 1999, p.118).
Para Helborn (2012), a literatura a respeito dos abortos clandestinos realizados em países em
desenvolvimento traz dados inquestionáveis em relação aos graves impactos no que diz
respeito à saúde da mulher, sendo mais do que relevante rever as disputas políticas que
cercam esse assunto, envolvendo a reprodução, o sexo e principalmente o domínio dos corpos
femininos, compreendendo as realidades sociais, culturais nas quais estão inseridas e que as
levam a determinar os desfechos de suas gravidezes não planejadas.
O aborto é considerado um problema de saúde pública, sobressaindo-se justamente
quando existem conflitos entre os direitos e os deveres morais que o colocam como
um problema ético. Há uma polêmica em torno de qual obrigação ética gera o
direito ao aborto e quem são os titulares desse direito ou dever. (WIESE;
SALDANHA, 2014, p.538).
Heilborn (2012) pondera que os homens isentam-se da responsabilidade do abortamento
mesmo quando eles custeiam o procedimento, reconhecendo, portanto, a parceira como a
responsável principal pelo ato. Recaem sobre a mulher os principais custos (sociais, físicos e
psicológicos) da reprodução, ou mesmo da interrupção.
A Teoria das Representações Sociais, segundo Moscovici (1978), teórico responsável pela
elaboração da Teoria da Representação Social (TRS) operacionaliza o pensamento social em
sua dinâmica e em sua diversidade. Para tanto, divide em duas formas diferentes de se
conhecer e de se comunicar: a consensual e a científica. A primeira está atrelada aos fatos
cotidianos e a conversação informal. Enquanto a segunda integra-se à busca de conceitos
justificáveis, bem como a hierarquia interna (ALEXANDRE, 2004).
Ao associar o conhecimento científico ao senso comum constroem-se representações mentais,
construídas socialmente sobre os fenômenos da vida social. A importância de conhecer as
representações sociais sobre um tema específico se justifica, pois a partir delas é possível se
inferir concepções de mundo e orientações para a ação (FRANCO, 2004).
O presente estudo objetiva investigar a Representação Social acerca do aborto de um grupo de
universitários do curso de graduação em Direito, de duas instituições de ensino superior (uma
pública e uma particular) localizadas no município da grande Vitória/ES. O referencial teórico
basilar é a Teoria da Representação Social, por ser entendida sob o contexto que as engendram
a partir da sua funcionalidade nas interações sociais do cotidiano (SPINK, 1994).
O conceito de representação social teve seu início na sociologia e na antropologia, a partir da
obra de Durkheim e de Lévi-Bruhl (Guareschi e Jovchelovitch,1994). A TRS surgiu mais
tarde na França 1961, a partir dos estudos de Moscovici, que resgatou o conceito de
representações coletivas de Durkheim, onde substitui o “coletivo” pelo “social”.
A TRS é um modelo de apreensão da realidade, tanto na perspectiva social como individual.
Moscovici (2004) propõe uma Psicologia Social que focalize a pessoa e os processos
psicológicos, a partir de sua inserção social. Uma psicossociologia que estuda o homem em
sociedade, onde o individuo possui papel ativo, participando do processo de construção
social, da mesma maneira que é criado por ela. As representações sociais trazem a marca das
histórias social e individual. Com efeito:
[...] Na perspectiva psicossociológica de uma sociedade pensante, os indivíduos não
são apenas processadores de informações, nem meros ‘portadores’ de ideologias ou
crenças coletivas, mas pensadores ativos que mediante inumeráveis episódios
cotidianos de interação social, produzem e comunicam incessantemente suas
próprias representações e soluções específicas para as questões que se colocam a si
mesmas [...] (SÁ, 1993, p.28 citado por Galinkin e Santos, 2010, p.494).
As “representações sociais“ devem ser vistas como uma maneira especifica de compreender e
comunicar o que já sabemos [...] “seu objetivo é abstrair sentido do mundo e introduzir nele
ordem e percepções, que produzam o mundo de uma forma significativa” (MOSCOVICI
2004, p.46).
Entendendo o aborto como um tema polêmico no Brasil, essa pesquisa se justifica
cientificamente na contribuição teórica da mesma para o meio acadêmico. Além de apresentar
a proposta de uma pesquisa exploratória que possa fomentar uma discussão que tem sido
pouco difundida no Espírito Santo, e por isso tem deixado lacunas a serem preenchidas. Este
estudo pretende contribuir com discussões acerca da problemática dentro do contexto
acadêmico do Estado do Espírito Santo.
A avaliação da representação social do tema em questão se deu através da elaboração e
aplicação de questionário a partir dos seguintes eixos norteadores: a) existência (ou não) de
alguma diferença na representação social entre os gêneros acerca do aborto (provocado ou
não), b) a influência da religião para a construção da representação social dos participantes e
c) impressões acerca da legalização/ descriminalização do aborto na percepção dos
participantes.
MÉTODO
Propomos aqui um estudo exploratório que faz uso de métodos de abordagem qualitativa,
baseando-se na Teoria das Representações Sociais, que é amplamente utilizada pela pesquisa
no campo da psicologia sendo formas de conhecimento. Inserem-se mais especificamente
entre as correntes que estudam o conhecimento do senso comum (SPINK, 1994).
A pesquisa foi proposta tendo como participantes os estudantes, de ambos os gêneros,
finalistas do curso de Direito, pois se parte do pressuposto de que nos períodos finalistas as
discussões acerca da temática proposta já estejam mais consolidadas, e pela entrada eminente
no mercado de trabalho.
A pesquisa foi dividida em duas fases: a primeira teve por foco a exploração do tema e do
instrumento necessário para a segunda fase da pesquisa. Além da importância de um estudo
exploratório acerca da temática abordada, fez-se necessário um estudo do instrumento
utilizado.
O primeiro instrumento utilizado para a coleta de dados foi o Teste de Associação Livre de
Palavras (TALP). O TALP é uma técnica interrogativa para a coleta de elementos que
constituem uma representação, onde se faz uso de estímulos indutores com o objetivo de
evocar respostas implícitas ou latentes em relação ao objeto pesquisado. No TALP foi contida
a questão aberta “Escreva às três primeiras palavras, ou expressões, que lhe vem à cabeça
quando você ouve a palavra aborto". Através das respostas, foi possível observar a frequência
média das palavras mais evocadas pelos estudantes do curso de direito. A fim de encontrar a
Representação Social do público alvo, realizou-se o agrupamento das palavras segundo o
sentido conceitual.
Como segundo instrumento foi utilizado à escala Likert, que se baseia na escala Thustone,
tendo como objetivo mensurar atitudes com base numa escala de intervalos. A escala Likert
usa um formato fixo de escolhas e é destinada a medir atitudes e opiniões. Essa escala de
cunho ordinal mede o nível de concordância/discordância. Assume que a força/intensidade de
uma experiência é linear dentro de uma forma contínua entre “Concordo Totalmente a
Discordo totalmente”. Porém, a escala do tipo Likert tem uma elaboração mais simples e não
medirá quanto uma atitude é mais ou menos favorável.
Ambos os instrumentos foram dispostos na plataforma online SurveyMonkey®, onde ao todo
foram contidos 74 itens, incluindo um Questionário Sociodemográfico, Teste de Associação
Livre de Palavras e a Escala do tipo Likert com 62itens.
Após o pré-teste, realizado em novembro de 2014, o instrumento foi ajustado para melhor
compreensão dos participantes. Durante o período de Dezembro de 2014 à Maio de 2015 o
questionário esteve disposto de forma online e os alunos de ambos os gêneros, matriculados
do 7º ao 10º período do curso de Direito de uma faculdade pública e uma privada foram
convidados a participar do estudo.
RESULTADOS
O trabalho foi realizado com estudantes dos últimos períodos (7º, 8º, 9º e 10º) do curso de
Direito de duas faculdades, uma pública e uma particular, da cidade de Vitória-ES, em um
total de 415 alunos matriculados. Desta forma participaram 30,3% alunos do sétimo período;
6,7% alunos do oitavo; 30,3% alunos do nono; 20,2% alunos do décimo e 12,4% que não
identificaram o período que estão cursando. A pesquisa foi aderida por 89 estudantes, que
corresponde a 21,4% da amostra, sendo que 59 participantes declararam ser do sexo feminino
e 30 do masculino. A grande maioria da amostra foi constituída por mulheres, o que pode ter
influenciado nos resultados.
Quanto à idade, 87,6% dos alunos possuem entre 18 a 30 anos, 13,5% entre 30 a 50 anos e
1,1% acima de 50 anos.
Ao todo, 89 sujeitos aceitaram participar da pesquisa, porém, ao decorrer do levantamento do
questionário, verificamos que o número total de respostas nas questões era variável, isso
porque, alguns participantes deixaram algumas questões em branco. Invalidaríamos com isso,
18 (21%) questionários online, optamos então por manter a análise de todos os questionários,
uma vez que possuem a maioria das questões respondidas, inclusive as que remetem para os
indicadores mais relevantes para este estudo, ou seja, foram considerados na análise.
De acordo com os dados obtidos em relação às perguntas referentes à descriminalização do
aborto verificamos que na afirmativa “O aborto deveria ser legalizado” do total de respostas
obtidas (79) 39,2% dos participantes responderam que discordam, em contra ponto, 51,8%do
total de participantes concordam com a afirmativa. Nessa questão a opinião entre os gêneros
foram distintas. Assim observam-se nos dados, a maioria das mulheres 65,8% foi de opinião
favorável. Entretanto, do total de homens, a maioria afirmou discordar da legalização do
aborto, 34,1%.
Com o intuito de afirmar a questão indicada acima, citamos também: “Acho que o aborto não
deve ser legalizado”, que do número total de respostas obtidas (76), 50% discordam da
afirmativa e 50% concordaram. Do total de respondentes, 65,7% foram mulheres e 34,2%
homens.
Na afirmativa “Sou contra o aborto induzido”, de 77 respostas obtidas, 51 foram de mulheres,
onde 54% discordaram da afirmativa e 26 foram homens, cujos 45% concordaram com a
afirmativa.
Referente à questão “Todas as mulheres têm o direito de escolher interromper uma gravidez
indesejada”, obtivemos 72 respostas. Da opinião geral, 36,1% discordam da afirmativa, e
48,6% concordam. Das 48 mulheres, 27,8% discordam e 58,3% concordam. E dos 24
homens, 54,6% discordam e 29,6% concordam.
Quando questionados sobre a orientação religiosa, as religiões mais citadas por 59 mulheres
foram: Católica (50,8%), Evangélica (13%), Sem religião (11%). E as mais citadas por 30
homens foram: Católica (40%), Sem religião (13%), Cristão (10%).
Ainda nas questões referentes à religião, verificamos que do total de respostas encontradas
(81), 59% participantes discordam quanto à religião influenciar na sua tomada de decisão
sobre o aborto, em contraponto, outros 32% responderam que concordam quanto à influência
da religião sobre o tema. Do total de respostas entre 28 homens, 50% discordam quanto à
influência da religião em sua tomada de decisão e 39,8% concordam. Do totalde53 mulheres,
64,5% discordam e 28,3% concordam que a religião influencia sobre o tema.
Em “Sou contra o aborto por causa dos meus valores religiosos” ambos os gêneros
demonstram discordar, considerando que do total de mulheres que responderam (50) 72%
discordaram, e do total de homens (26), 65,8% discordaram.
Na questão que avalia se o sujeito considera que fazer aborto é um pecado, entre as mulheres
que formam um total de 51 respostas, 49,1% discordam da questão, em contraponto, outras
33,3% concordaram. Já entre os homens, do total de 26 participantes, 46,5% discordam e
30,7% concordam com a afirmativa.
Ainda dentro das questões que consideram a influencia da religião, na afirmativa “Deus
(Buda, Oxalá, ou outra entidade religiosa da sua crença), pune quem induz o aborto”, do total
de respostas das mulheres (47) 53,9% discordam da afirmativa, porém, 40,4% das
participantes mantiveram opinião neutra. Do total de homens que responderam essa questão
(27) a maioria, 40,7%, discordou, e outra parcela dos participantes, 26,9%, manteve opinião
neutra.
No que tange ao o teste de evocação livre cujo termo indutor, a palavra “Aborto”, observamos
que houve 261 palavras evocadas pelos participantes que constituíram o corpus inicial para
análise. Após categorização, observamos alta variabilidade das respostas apresentadas pelos
participantes. Para análise das informações recolhidas pelo teste foi utilizada a análise
semântica, levando em consideração a aproximação de sentido numa dada circunstância.
No que tange aos agrupamentos das palavras evocadas, observamos que no grupo dos
homens, a primeira palavra a ser a mais evocada foi morte (06), seguida por vida (04) e
irresponsabilidade (03). A segunda evocação para a palavra “aborto” foi escolha (04), mulher
(03) e a terceira: insegurança (03).
Já no grupo das mulheres, a primeira palavra a ser a mais evocada foi escolha (12), seguida
por vida (11) e morte (09). A segunda evocação para a palavra “aborto” foi vida (14), escolha
(08) e a terceira: insegurança, crueldade e crime (04).
Comparando os dois grupos, esses dados parecem apontar, que o aborto está relacionado a
uma escolha e a questão que envolve a morte, em contrapartida da vida. Não obstante,
observamos que ainda é visto como “crime”, “crueldade” e uma questão individual do gênero
feminino.
DISCUSSÃO
Na última década, coletâneas publicadas no país sobre saúde reprodutiva, incluem a discussão
sobre o aborto e publicações inteiras foram dedicadas ao tema, visto que o mesmo é
considerado ilegal, a salvo algumas exceções. A sua punição não tem contido o aumento dos
números de abortos realizados, o que tem se observado são suas consequências, visto que uma
das principais causas de morbimortalidade materna ocorre advinda de procedimentos mal
feitos, tornando-o uma questão de saúde pública.
Partindo dessa realidade, nossa pesquisa buscou identificar qual é a Representação Social dos
estudantes de Direito sobre o aborto, uma vez que se tornarão agentes indispensáveis na
discussão e fomentação de uma doutrina legislativa que diminua os impactos negativos para a
saúde, tanto física quanto psicológica, da mulher que o procedimento abortivo produz em
muitas mulheres que recorrem de forma clandestina.
Quanto às questões formuladas de acordo com a escala Likert, destacam-se algumas
observações: Em relação à legalização do aborto a amostra total apresenta-se favorável à
questão; entretanto, torna-se necessário observar que em 76 respostas obtidas, 65%,7 eram de
mulheres e apenas 34,2% de homens.
Do número total dos sujeitos masculinos, 59,5% discordam da legalização e somente 37,3%
concordam, mostra uma postura mais facilmente aceita pela sociedade, concordando com o
código penal atual. Em contraponto, 59,6% das mulheres concordam e 28,8% discordam,
supondo uma postura mais ligada aos movimentos feministas da atualidade que discutem a
respeito dos direitos reprodutivos das mulheres como apontado pelo estudo de Dutra et.al
(2010).
Outro dado apontado pelo estudo mostra que os participantes em geral acreditam que não há
influência da religião na tomada de decisão sobre o abortamento, porém, se declaram
pertencentes de alguma religião, o que confirma a pesquisa de Dutra et. al (2010) e Brito et. al
(2000), supondo que os jovens universitários estão mais voltados a defender a laicidade do
País, sem deixar que suas crenças e valores pessoais fiquem a frente de discussões de âmbito
coletivo.
É importante pontuar ainda que a não resposta pode ocorrer a partir de uma escolha
consciente do participante, tendo em vista a delicadeza e complexidade do tema.
Ao serem questionados sobre a legalização do aborto, e a aceitação do aborto induzido nota-se
uma queda de 30% no número de participantes respondentes. A análise de não respostas não
pretende levantar fatos, porém pode ser utilizada como ponto de partida para reflexão da
dificuldade existente na reflexão acerca da temática para o grupo estudado.
Um dado interessante foi que 73,6% dos participantes afirmam estar atentos às discussões que
permeiam este assunto como visto em pesquisa anterior (BRITO et. al, 2000) e, um número
expressivo de 54% relata conhecer alguém que já realizou pelo menos um aborto.
Sobre as representações sociais acerca do aborto, seguindo os critérios de conexidade
(intensidade e quantidade das amostras), 05 elementos aparecem como hipótese de
centralidade: morte, escolha, vida, crime, mulher. Uma das conclusões é de que ainda existe
no campo representacional masculino a ideia da responsabilidade da decisão do aborto para a
mulher.
Ao analisarmos a pesquisa, assistimos por parte das mulheres, futuras operadoras do Direito,
posições favoráveis à legalização do aborto. Ou seja, essas pessoas não se veem nos
pressupostos da lei. O que indica o sentimento de que a lei vigente não medita um consenso
social extenso e não desempenha sua função reguladora. Em contra partida, observamos que o
sexo masculino compartilha e concorda com a realidade em que o tema se encontra assim
como nos achado em estudos de Dutra et.al (2010).
Assim, os resultados obtidos neste estudo proporcionam reflexões que servirão para maior
amadurecimento do assunto, a fim de promover a qualificação e humanização entre os futuros
profissionais de direito e também daqueles das diversas áreas envolvidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Frente aos objetivos deste estudo, observamos que houve uma diferença na compreensão
acerca da temática do aborto em relação ao gênero dos participantes, uma vez que a maioria
das mulheres acredita que esse procedimento deveria ser legalizado e em contrapartida, a
maioria dos homens discorda desta afirmativa.
Sem dúvidas, não consideramos que os resultados obtidos abrangem todo o universo
acadêmico ou mesmo do curso analisado, é necessário que haja um maior número de
informações para que o grupo seja melhor caracterizado. Considerar a ótica dos graduandos
em Direito é buscar compreender como esses profissionais lidam com o confronto das
proibições legais e com as situações reais, as quais farão parte de sua realidade.
Os resultados encontrados apontam a importância de uma legislação que efetivamente cuide
da saúde da mulher. Avaliamos que nosso estudo proporcionou uma reflexão nas discussões
referentes ao tema e no que tange aos direitos reprodutivos das mulheres, na tentativa de se
alcançar uma legislação que efetivamente cuide da saúde da mulher e não de interesses
religiosos fundamentalistas.
Considerando o contexto da “ilegalidade” do aborto no Brasil verifica-se que leis restritivas
são ineficazes em seus objetivos moralistas, mas eficazes na promoção da predação social
pela expansão do aborto ilegal (FRAGOSO et al., 1979), tornando-se um problema complexo
de saúde pública no Brasil.
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