a relevancia da pragmatica na pragmatica da relevancia

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    A RELEVNCIA DA PRAGMTICA

    NA PRAGMTICA DA RELEVNCIA

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    Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    Chanceler:Dom Dadeus Grings

    Reitor:Joaquim Clotet

    Vice-Reitor:

    Evilzio TeixeiraConselho Editorial:

    Alice Therezinha Campos MoreiraAna Maria Tramunt IbaosAntnio Carlos Hohlfeldt

    Draiton Gonzaga de SouzaFrancisco Ricardo RdigerGilberto Keller de AndradeJaderson Costa da Costa

    Jernimo Carlos Santos Braga

    Jorge Campos da CostaJorge Luis Nicolas Audy (Presidente)Jos Antnio Poli de Figueiredo

    Lauro Kopper FilhoMaria Eunice Moreira

    Maria Helena Menna Barreto AbrahoMaria Waleska Cruz

    Ney Laert Vilar CalazansRen Ernaini Gertz

    Ricardo Timm de SouzaRuth Maria Chitt Gauer

    EDIPUCRS:Jernimo Carlos Santos Braga DiretorJorge Campos da Costa Editor-chefe

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    Jorge Campos

    A RELEVNCIA DA PRAGMTICA

    NA PRAGMTICA DA RELEVNCIA

    Porto Alegre2008

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    EDIPUCRS, 2008

    Capa: Josianni dos Santos Nunes

    Preparao de originais: Daniela Origem e Grasielly Hanke Angeli

    Diagramao: Josianni dos Santos Nunes

    Reviso: do autor

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    C837r Costa, Jorge Campos daA relevncia da pragmtica na pragmtica da relevncia

    [recurso eletrnico] / Jorge Campos da Costa. Dadoseletrnicos. Porto Alegre : EDIPUCRS, 2008.

    135 p.

    Modo de Acesso: World Wide Web:

    ISBN 978-85-7430-834-0 (on-line)

    1. Lingstica. 2. Pragmtica. 3. Semntica. I. Ttulo.

    CDD 410

    Ficha Catalogrfica elaborada peloSetor de Tratamento da Informao da BC-PUCRS

    Av. Ipiranga, 6681 - Prdio 33Caixa Postal 1429

    90619-900 Porto Alegre, RS - BRASILFone/Fax: (51) 3320-3523E-mail: [email protected]

    http://www.pucrs.br/edipucrs

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    SUMRIO

    APRESENTAO ..................................................................................................... 6

    INTRODUO ........................................................................................................... 8

    1 FUNDAMENTOS HISTRICO-TERICOS DA PRAGMTICA........................ 12

    1.1 As Revolues Lingsticas e as Origens da Pragmtica ............................ 12

    1.2 Pragmtica Definio, Objeto e Questes Metatericas............................ 21

    1.3 A Pragmtica como Paradigma Pr-Revolucionrio ..................................... 41

    2 A Teoria Inferencial das Implicaturas: Descrio do Modelo Clssico de

    Grice ........................................................................................................................ 47

    2.1 A Teoria Inferencial das Implicaturas: Perspect ivas e Limi taes do Modelo

    Clssico de Grice ................................................................................................... 60

    2.2 A Relevncia da Relevncia para o Modelo Clssico Ampliado .................. 86

    3 O MODELO DE GRICE AMPLIADO - UMA CLASSE DE APLICAES........1033.1 Aspectos Comunicacionais do Slogan Pol tico ............................................103

    3.2 O Dito e o Implicado no Slogan Poltico Observaes Tericas..............106

    3.3 O Dito e o Implicado no Slogan Poltico: O Clculo das Implicaturas ........109

    CONCLUSO .........................................................................................................125

    BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................128

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    APRESENTAO

    O ensaio que se segue , com pequenas alteraes, o resultado de minha

    dissertao de mestrado apresentada em 1984. Ela representa trs pretendidas

    contribuies: caracterizar uma breve investigao histrico-terica sobre a evoluo

    da Pragmtica enquanto possvel ruptura ao desenvolvimento clssico da

    Lingstica; propor um refinamento ao modelo da Teoria das Implicaturas devidas a

    Grice (67-75) em que a noo de relevncia alada categoria de supermxima,

    com a inteno de tornar tal teoria mais eficiente e, ao mesmo tempo, intacta seu

    quadro conceitual bsico; e, finalmente, tratava-se de uma proposta de possvel

    aplicao ao discurso poltico tipo slogan para avaliar a potencialidade do modelo,

    ento, refinado. Paralelamente, ainda na primeira metade da dcada de 80,

    Sperber&Wilson iniciavam seus artigos sobre o mesmo tema da Pragmtica, em

    que, tambm partindo do trabalho de Grice, iriam redundar numa teoria cognitiva

    que viria a ser conhecida como Teoria da Relevncia, cuja primeira verso de

    1986. Sua forma de abordagem distinguia-se da minha pela inteno de um novo

    modelo comunicativo no escopo das cincias cognitivas e pela superao muito

    mais ampla da proposta griceana. Meu trabalho tinha a idia, bem mais simples, depreservar Grice e de, apenas, retific-lo intrateoricamente. A coincidncia que

    tanto a TR como minha dissertao, em suas origens, tinham a intuio de que a

    noo de relevncia era mais poderosa do que parecia, como, alis, o prprio Grice

    insinuara.

    De l para c, muita coisa mudou e, exatamente por isso, permitiu-nos uma

    adequada reavaliao do trabalho em pauta. Primeiramente, a proposta de

    Pragmtica como ruptura, no sentido Kuhniano, do paradigma tradicional daLingstica, mostrou-se apropriada. De fato, a evoluo da interface

    Semntica/Pragmtica, hoje, atrai um enorme esforo terico e uma centralizao

    da pesquisa sobre a questo do significado e da inferncia na linguagem natural. A

    Pragmtica, nesse contexto, foi, sem dvida, a disciplina que mais cresceu em

    mbito internacional e mais evoluiu metodologicamente. Num segundo momento,

    cabe considerar que, tanto verdade que a noo de relevncia era um espcie de

    supermxima a subir na rvore hierrquica conceitual, que a proposta de S&W, comtal noo no centro, tornou-se extremamente bem-sucedida, especialmente em

    relao s pesquisas interdisciplinares. Por fim, o potencial de aplicao do modelo

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    griceano cada vez mais reconhecido e no seria exagero apont-lo como um dos

    candidatos mais fortes ao topo das investigaes em Filosofia da Linguagem, ao

    lado de contribuies como as de Frege, Russell e Wittgenstein.

    O presente ensaio, modesto em suas pretenses e origens, tambm se

    justifica em sua publicao por uma razo particular: um sem-nmero de

    dissertaes e teses tm sido desenvolvidas, em que o carter apologtico

    tradicional de defesa de uma teoria tem sido substitudo por um esprito crtico mais

    saudvel e produtivo, coisa que a minha dissertao original pretendia. Parecia-me,

    na poca, que uma proposta de fascinantes e elucidativos insights como a de Grice

    deveria ser abordada, num primeiro momento, atravs de uma crtica construtiva, em

    que possveis dificuldades fossem contornadas por algum tipo de refinamento.Muitas vezes, na perspectiva de academicismo oportunista, idias de alto poder

    descritivo e explanatrio so pretensamente demolidas por contra-exemplificaes

    precipitadas.

    Dezenas de estudantes que assistiram aos meus cursos na Ps-Graduao

    em Lingstica da PUCRS me deram a sensao de que compartilhavam desse

    esprito ao comearem sua trajetria de investigadores. A eles, na verdade, devo a

    coragem de publicar, quase na ntegra, um trabalho de mais de vinte anos atrs,quando o mundo era to diferente e ainda no conhecamos a proliferao

    vertiginosa das reflexes em rede e seu impacto sobre as teorias.

    Jorge Campos

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    INTRODUO

    A lingstica do sculo XX atravessou importantes momentos de convulses

    metodolgicas. Aps duas grandes revolues em que o Estruturalismo de Saussure

    e Bloomfield e o Gerativismo de Chomsky produziram, como teorias cientficas,

    expressivas contribuies nos nveis morfolgicos, fonolgicos e sintticos, a

    pesquisa lingstica continuou enfrentando srias dificuldades diante dos problemas

    altamente complexos que envolvem o fenmeno da significao em linguagem

    natural.

    A partir do intenso debate envolvendo os textos clssicos de Frege (1892),

    Russell (1905), Strawson (1950), Wittgenstein (1953), Grice (1957-1967), Austin

    (1962) e Searle (1969), entre outros, as teorias do significado se desenvolveram

    excepcionalmente. Conseqncia disso, nos ltimos quarenta anos, as subteorias

    lingsticas, Semntica e Pragmtica, constituem-se no palco de uma expressiva

    batalha metaterica, especialmente ao nvel da interface, em que se busca uma

    abordagem sistemtica de problemas relativos ao significado em linguagem natural,

    abundantemente introduzidos pelos filsofos recm mencionados. Nas comunidades

    mais tipicamente lingsticas, a investigao sobre o significado tambm se tornouum centro de conflitos, como o famoso debate provocado pelas problemticas

    relaes entre o componente sinttico e o semntico, dentro do chamado Modelo

    Padro de Chomsky (1965). As crticas a tal modelo propostas pela tendncia

    reconhecida como Semntica Gerativa passaram histria como um dos momentos

    de maior disputa terica na segunda metade do sculo passado, inaugurando uma

    agenda intensa de compromissos metodolgicos no tratamento da significao.

    Dentro desse quadro de origens modernas da abordagem do significado, oque os anos recentes tm presenciado uma proliferao de tendncias tericas

    sustentadas por diferentes concepes e fundamentos. Assim, podem-se identificar,

    ao nvel da Semntica, direes mais formalistas, naturalistas, ou ainda sociais, para

    citar apenas as mais tpicas. Em decorrncia disso, tambm se pode supor uma

    teoria pragmtica, cuja natureza seja a de complementar ou, at, de fundamentar a

    Semntica, dada a existncia de fenmenos significativos heteromrficos que

    justifiquem a necessidade de duas diferentes disciplinas. Historicamente, o que sepode evidenciar na relao entre uma Semntica de base lgica frege-russelliana e

    uma Pragmtica modelo Grice. Assumindo-se, no caso, uma diferena fundamental

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    entre acarretamentos e implicaturas, enquanto inferncias de natureza diversa,

    parece razovel aceitar-se que a Semntica se encarregue das primeiras e a

    Pragmtica, complementarmente, d conta das segundas. Da mesma forma, pode-

    se supor - Montague teria pensado, assim -uma Pragmtica formal de diticos

    necessria para a constituio de uma Semntica tambm formal. De fato, no

    sendo dessa maneira, cai-se na dificuldade de uma disciplina formalmente

    desejvel, que se apresente como inadequada para o tratamento de corriqueiras

    inferncias comunicativas da linguagem natural, ou mesmo de uma Semntica de

    Condies-de-Verdade incapaz de tratar proposies com diticos. Isso no significa

    que no possa haver tratamentos mais especficos fora da interface semntico-

    pragmtica. o que ocorre com Semnticas de base cognitiva, como a proposta porJackendoff, cujo roteiro de investigao est mais determinado pela interface com a

    Sintaxe. De maneira anloga, no outro lado, aparecem abordagens essencialmente

    pragmticas, como o caso da clssica Teoria dos Atos de Fala de Searle (1969) na

    tradio de Austin (1962), Grice (1957-75) e, entre as mais recentes, Levinson

    (1983).

    Seja como for, o que parece razoavelmente consensual a intuio original

    griceana de que h uma diferena essencial entre o dito - o que vai ser decodificado- e o implicado - aquilo que vai ser inferido. Se isso assim, trata-se de investigar a

    interface semntico-pragmtica em seus aspectos mais bsicos para fundamentar a

    necessidade das duas disciplinas, ou reduzi-las, radicalmente, uma outra. A nossa

    opo a primeira, e o que se segue a tentativa de argumentar em favor dela.

    Dado o contexto acima, o ensaio que se segue abordar questes em trs

    nveis diferentes:

    1 Histrico/Terico - Nesse nvel estaro situadas as discusses sobre ateoria pragmtica, sua histria, sua posio atual dentro do contexto lingstico e sua

    interface com a semntica. A nossa hiptese, aqui, a de que a interface semntico-

    pragmtica representa, na inspirao de Kuhn (1962), um pr-paradigma de

    transio emergente na pesquisa sobre a significao em linguagem natural.

    2 Terico/Metodolgico - Nessa parte sero apresentados o modelo

    pragmtico de Grice (1967-1975), em sua potencialidade terica e seus pontos

    crticos, e uma proposta de refinamento de seu ncleo estrutural. Nesse nvel, a

    nossa hiptese a de que o modelo de Grice refinado consistente para explicar

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

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    um tipo de inferncia que se situa alm do dito, autorizada pelo remetente, captada

    pelo destinatrio e denominada implicatura, na interface com a semntica do dito.

    3 Lingstico/Discursivo - Nesse plano, completaremos a nossa

    investigao sobre o modelo pragmtico de Grice, tal como reformulado, checando,

    no mesmo momento, a sua potencialidade de aplicao. A classe de enunciados

    escolhida o discurso poltico sob a forma de slogan, e a nossa hiptese, aqui, a

    de que esse tipo de fragmento uma forma discursiva que depende,

    essencialmente, de abordagens pragmticas que possam dar conta, como o modelo

    de Grice o faz, de inferncias implcitas ditas implicaturas.

    Para atingir o nosso objetivo nesses trs nveis, o ensaio organizado em

    trs captulos que se referem a cada uma das hipteses, sem que a unidadetemtica seja perdida. No primeiro captulo ser discutido o cenrio histrico-terico

    que subjaz s pesquisas sobre a Pragmtica, seu objeto e seus limites, levando-se

    em considerao o modelo de histria da cincia de T. S. Kuhn (1962), para a

    caracterizao do conceito de pr-paradigma de transio. No que se refere ao

    objeto da pragmtica e sua posio dentro do quadro das teorias da significao

    em linguagem natural, assumiremos idias de Grice (1975), Gazdar (1979), Sperber

    e Wilson (1982) e Levinson (1983), aparecendo tambm alguma contribuio deGivn (1982).

    No segundo captulo, desenvolveremos a proposta de Grice (1967-1975)

    expressa em Logic and Conversation. A discusso da potencialidade terica do

    modelo, bem como o de seus pontos crticos, ser feita levando-se em considerao

    Thomason (1973), Kempson (1975), Sadock (1976), Karttunen e Peters (1979),

    Gazdar (1979), Sperber e Wilson (1982), Levinson (1983). Na terceira seo deste

    captulo, apresentaremos um refinamento do modelo de Grice, no sentido de torn-lomais eficiente descritiva e explanatoriamente. Para isso, levaremos em conta

    reformulaes das mximas de quantidade e qualidade, devidas a Gazdar, a

    reduo do conceito de pressuposio ao de implicatura devida a Karttunen e Peters

    (1979) e desenvolveremos, ns mesmos, uma crtica s mximas e uma

    reorganizao do conceito de relevncia, aproveitando sugestes de Sperber e

    Wilson (1982) e M. Dascal (1982)1. Tal conceito, em toda a sua complexidade,

    ocupar uma posio terica decisiva em nosso ensaio.

    1 Cabe registrar, aqui, o artigo de M. Dascal "Relevncia Conversacional" de 1977, como um dosraros trabalhos em portugus sobre a pragmtica de Grice. Cabe, tambm, a Dascal o mrito de ter

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    No ltimo captulo, a anlise de dez slogans polticos pelo modelo de Grice

    refinado ser o objeto atravs do qual devero ser atingidos dois propsitos:

    - checar a adequao descritiva do modelo sob avaliao e a capacidade

    explanatria da teoria pragmtica que ele representa;

    - trazer elucidaes descritivas e explanatrias significao extraliteral do

    discurso poltico;

    Uma expectativa de contribuio especial, nesse captulo, diz respeito

    modelagem da propriedade griceana de calculabilidade para descrever implicaturas

    encadeadas. Tais cadeias inferenciais, identificadas e descritas, permitem avanar-

    se, solidamente, na direo da objetividade dos implcitos tipo implicaturas.

    Em seu conjunto, o presente ensaio tem a inteno de servir como umareferncia terica para os debates sobre a pragmtica entre os lingistas e os

    filsofos da linguagem, bem como sugerir uma investigao mais extensa sobre as

    propriedades do discurso poltico, mais particularmente aquelas que parecem ter um

    papel determinante na fora ilocutria e perlocutria desse tipo de mensagem. Em

    suma, estamos tentando desenvolver, com nosso texto, a pesquisa terica de

    inferncias no-triviais e a aplicao ao tipo de discurso talvez mais interessante,

    pelas suas conseqncias - aquele capaz de levar ao gesto poltico.

    organizado a coleo "Fundamentos Metodolgicos da lingstica" onde aparece traduzido o textoclssico "Logic and Conversation" de H. P. Grice, por J.W.Geraldi.

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    1 FUNDAMENTOS HISTRICO-TERICOS DA PRAGMTICA

    1.1 As Revolues Lingst icas e as Origens da Pragmtica

    A anlise da Pragmtica como uma das tendncias mais recentes da

    lingstica contempornea no pode ser feita sem uma contextualizao histrica

    que permita compreend-la em toda a sua extenso. Os historiadores da lingstica,

    com raras excees, trabalham, infelizmente, dentro de uma concepo tradicional e

    relatam os principais acontecimentos lingsticos como se a cincia evolusse pela

    acumulao de conhecimentos.

    Mesmo em Meyerson, um dos precursores da nova filosofia da cincia, fica

    implcita a idia de que as teorias novas representam uma seqncia das anteriores,

    como se o progresso cientfico fosse contnuo2. Hoje, entretanto, os filsofos so

    praticamente unnimes ao condenar essa concepo de cincia cumulativa, como

    equivocada3.

    Uma das obras mais ilustres dentro da filosofia da cincia contempornea

    A Estrutura das Revolues Cientficas de T. S. Kuhn (1962). Atravs dela,

    possvel um exame mais sistemtico da seqncia de transformaes tericas na

    histria da lingstica4.

    Uma cincia, para Kuhn, pode ser entendida como uma atividade de

    resoluo de enigmas do tipo quebra-cabeas. Num perodo de estabilidade, uma

    comunidade cientfica vai resolvendo os problemas que surgem, mediante um

    conjunto de regras que subjazem pesquisa e que constituem o modelo de

    investigao compartilhado pelos cientistas daquela comunidade. Kuhn chama esse

    modelo de Paradigma5.Diz-se que uma cincia atravessa uma fase de normalidade, medida que

    os problemas esto sendo resolvidos dentro de um paradigma bem sucedido. No

    2 Emile Meyerson, Identity and Reality, 1930.3 Bachelard, Popper, Kuhn, Lakatos, Feyeraband, entre outros, so filsofos da cincia que, nasegunda metade do nosso sculo, defendem, apesar das inmeras divergncias entre si, umaconcepo de evoluo cientfica fundada na descontinuidade das teorias.4 Marcelo Dascal, no seu artigo "As Convulses Metodolgicas da Lingstica Contempornea",tambm aplicou o sistema de Kuhn para investigar as relaes entre a teoria padro de 1965 e a

    semntica gerativa. (In: Fundamentos Metodolgicos da Lingstica Contempornea, So Paulo,1978). Searle tambm utiliza os conceitos de Kuhn em seu artigo "La Revolucin Chomskyana en laLingstica", In: "Sobre Noam Chomsky: Ensayos Crticos", Madrid, 1971, pgina. 17.5 cf. Tomas Kuhn, A Estrutura das Revolues Cientficas, pgina 30.

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    momento, entretanto, em que um desses problemas persiste, desafiando o

    paradigma vigente e transformando-se numa anomalia, ocorre um perodo de crise.

    A comunidade cientfica v abalado o seu modelo de pesquisa, percebe os limites de

    seu paradigma, e comea aquilo que Kuhn conceitua como perodo de cincia

    extraordinria. Nessa fase, diz ele, comum que surjam especulaes de diversos

    tipos, propostas metafsicas, tentativas de resoluo do problema por hiptese ad

    hoc, ampliao ou reviso do modelo em crise, etc. Pode surgir, ento, um

    paradigma rival que se proponha resolver o problema at ali insolvel. Trava-se uma

    verdadeira batalha de paradigmas e, por diversas razes, surge um paradigma

    vitorioso que define uma nova fase da cincia normal para uma comunidade

    cientfica. Kuhn denomina essa descontinuidade no progresso do conhecimento derevoluo cientfica6.

    As idias de T. S. Kuhn no se esgotam, obviamente, assim, de maneira to

    simplificada. Trata-se de um quadro terico bastante frtil em sugestes histricas e

    metacientficas e, por isso mesmo, continua merecendo a ateno dos melhores

    filsofos da cincia. O debate entre suas idias e as de Popper um dos momentos

    mais expressivos do sculo XX para a fundamentao do conhecimento cientfico7.

    Contrariando um pouco as crticas de Popper, a histria da Lingstica , semdvida, um exemplo privilegiado da eficcia terica do modelo kuhniano para

    explicar o movimento de uma teoria cientfica.

    De Saussure a Chomsky, passando por Hjelmslev, Jakobson, Bloomfield,

    Lakoff, Katz, Montague, entre outros, a lingstica, do sculo XX para c, tem sido

    uma sucesso de fases em que, aps um perodo relativamente curto da cincia

    normal, surgem problemas anmalos que colocam em crise o modelo vigente;

    aparecem as tentativas de ampliao, a fase da cincia extraordinria, e finalmente,um paradigma revolucionrio que inaugura uma nova etapa de cincia lingstica

    normal. Foi assim com o modelo estrutural, com o gerativo-transformacional, e est

    por se definir, assim, no nosso entendimento, com o modelo de interface

    Semntica/Pragmtica.

    exatamente por isso que faremos, nesta seo, uma retomada da histria

    das revolues lingsticas inspirados pela interpretao de T. Kuhn. Parece-nos

    6 Ibid, pgina 142.7 Esse debate entre kuhnianos e popperianos a base da obra "A Crtica e o Desenvolvimento doConhecimento", Cultrix, 1975.

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

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    possvel, atravs dela, demonstrar, com clareza, que a interface

    Semntica/Pragmtica representa, dentro de um contexto de cincia extraordinria,

    um candidato tpico a um paradigma de transio.

    Nesse sentido, examinaremos os modelos mais expressivos da lingstica

    contempornea e, para poder corroborar a nossa hiptese, tentaremos destacar a

    questo-problema que, para ns, est subjacente s rupturas metodolgicas

    anteriores e continua a produzir anomalias na lingstica: o significado em linguagem

    natural e a forma de abord-lo.

    Inicialmente diremos que das origens da pesquisa lingstica, entre os

    gregos, at o sculo XX identificamos um perodo pr-paradigmtico e,

    conseqentemente, pr-cientfico, pelo menos num sentido mais forte da palavracincia. A Gramtica Normativa, a Filologia e a Gramtica Comparativa no

    delimitaram seu objeto de investigao nem constituram um mtodo prprio.

    Saussure (1916), no seu clssico trabalho Cours de Linguistique Gnerle,observou

    que, por isso, no se podia falar da cincia lingstica at ali8. Foram essas

    consideraes ao nvel da Filosofia da Lingstica que permitiram a ele estabelecer o

    primeiro paradigma de cientificidade para a disciplina. Definiu-a como cincia da

    linguagem humana e props suas famosas dicotomias como duplas de conceitosorganizados para a constituio de seu mtodo. A fim de no se perder na

    heterogeneidade de aspectos envolvidos no fenmeno da linguagem humana,

    Saussure, com uma lucidez cientfica surpreendente para sua poca, considerou

    que a linguagem poderia ser abordada a partir de seus dois componentes: a

    Langue, o componente essencial, social por natureza, e a Parole, o componente

    secundrio, cuja natureza era a manifestao individual da Langue. Com essa

    operao metaterica, Saussure conseguiu definir a lingstica, em sentido restrito,como a disciplina cientfica da Langue, conjunto de signos organizados entre si que

    representa a estrutura social da linguagem.

    O paradigma, dito, ento, estrutural, iria caracterizar a comunidade cientfica

    europia, no que se refere s pesquisas sobre a linguagem, durante um longo

    tempo. A escola fonolgica de Praga e a teoria de Hjelmslev conhecida como

    Glossemtica foram, apenas, tentativas de aplicaes do paradigma saussuriano, no

    8 F. de Saussure, Curso de Lingstica Geral, pgina 10.

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    sentido de reafirmar o carter formal da lngua em oposio substncia da fala e

    do pensamento9.

    Ainda aqui, nota-se a eficincia do modelo de T. Kuhn para a histria da

    Lingstica. Quando se est em fase de cincia normal, o progresso no deixa de

    acontecer, uma vez que os especialistas enriquecem o ncleo estrutural da teoria e

    aumentam a sua potencialidade de aplicao, como aconteceu com a contribuio

    de Trubetzkoy em 1926 e de Hjelmslev em 194310.

    preciso ressaltar, agora, um aspecto importante da histria do paradigma

    estrutural. As ampliaes tericas que ele sofreu buscaram reforar o que

    poderamos denominar viso formalista da linguagem enquanto objeto de descrio

    terica. A prova maior disso est no fato de que, em Hjelmslev, a questo dosignificado totalmente reduzida ao plano das relaes intralingsticas, atravs da

    noo de forma e substncia.11 No h nem em Saussure, nem em seus seguidores,

    qualquer semntica como conexo linguagem-mundo.

    J nos Estados Unidos, a lingstica estrutural no foi apenas uma variao

    da europia. Bloomfield (1926), por exemplo, critica o psicologismo do tipo

    saussuriano e defende uma posio behaviorista, ao contrrio de Sapir, defensor da

    tendncia mentalista. O radicalismo bloomfieldiano tinha, na poca, entretanto, umafinalidade muito clara: era preciso evitar o subjetivismo e a metafsica que surgiriam,

    inevitavelmente, com as investigaes interdisciplinares em termos de Lingstica,

    Fisiologia, Neurologia, Psicologia, etc. A questo do significado, para ele, era um

    ponto crucial das investigaes, uma vez que s poderia ser resolvida com o

    progresso do conhecimento extralingstico. A conseqncia dessa posio que,

    entre 1930 e 1955, a Semntica foi praticamente excluda da Lingstica nos

    Estados Unidos como, de resto, j o fora na Europa. Harris (1955), por exemplo,como j o fizera Hjelmslev na Europa, tenta reforar o paradigma bloomfieldiano

    retirando o sentido como critrio para distinguir elementos, a fim de aumentar o rigor

    do procedimento formal12.

    9 cf. Louis Hjelmslev, Prolegmenos a uma Teoria da Linguagem, pgina 55.10 A Escola de Praga e a de Copenhague no foram seno o que chamamos de ampliao do modeloSaussuriano.11 L. Hjelmslev, op. cit. pgina 61.12 A sua obra Methods in Structural Linguistics fez de Harris o grande terico do distribucionalismo,ltima fase do estruturalismo americano. Harris pode ser considerado um dos mais bem conceituadosrepresentantes da segunda gerao bloomfieldiana.

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

    16

    Uma sntese, para os fins deste ensaio, das propriedades da lingstica

    estrutural poderia ser a que se segue:

    Essas no so, obviamente, as nicas propriedades do modelo estrutural,

    mas aquelas que so pertinentes aos objetivos desse ensaio.

    E foi nos Estados Unidos que a crise do estruturalismo se manifestou de

    maneira mais clara, ainda no interior da prpria sintaxe. Os artigos de Harris (1955-

    1957) j prenunciavam a necessidade de uma mudana nos rumos da pesquisa,

    tendo em vista que o paradigma vigente se defrontava com alguns problemas como

    estes, por exemplo:

    a) no dava conta das relaes sistemticas entre frases como no caso da

    ativa e passiva;

    b) no explicava fenmenos como a supresso, a adio, a redundncia,

    etc.;

    c) no conseguia sistematizar a distino entre tipos de frases como a

    interrogativa e a afirmativa, por exemplo;

    d) no era capaz de evitar frases anmalas como o po comeu o menino;

    e) no conseguia descrever as ambigidades de maneira rigorosa.

    Em 1957, apareceu a tese de Chomsky: Estruturas Sintticas. Essa obra

    sistematizou a crise do paradigma estrutural, levantou contra-exemplos e

    candidatou-se a resolver os problemas at ali insolveis. Aps um perodo deindefinies no campo da lingstica, surgia uma proposta de paradigma

    Paradigma Estrutural (Saussure e Bloomfield)

    a) Objeto: A lngua (linguagem humana enquanto abstrao social)

    b) Mtodo: indutivo (da observao dos fatos lingsticos particulares para a

    generalizao ao nvel das lnguas)

    c) Finalidade: descrever a estrutura de lnguas particulares enquanto cdigos

    sociais e comportamentos (Psicologia Social na Europa, Psicologia Behaviorista nos

    Estados Unidos)

    d) Teorias fortes: Fonologia e Morfologia (os aspectos formais da linguagem)

    e) Problemas anmalos: como tratar o significado (a Semntica praticamente

    excluda da Lingstica) e como descrever relaes sintticas mais profundas.

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    COSTA, J. C.

    17

    revolucionrio que iria abrir uma etapa de dcadas de cincia normal: A Gramtica

    Gerativo-Transformacional.

    O modelo de 1957, enquanto teoria, absorveu o paradigma anterior num

    fenmeno que se poderia chamar de reduo estrutural e trouxe mudanas,

    principalmente na sintaxe. Dentro do novo programa, as estruturas sintticas

    deveriam ser investigadas de forma autnoma para que se pudesse construir uma

    teoria gramatical slida e rigorosa. A gramtica seria vista, a partir da, como um

    mecanismo destinado a especificar todas as frases gramaticais de uma lngua e

    nenhuma agramatical. Quanto Semntica, Chomsky limitou-se a caracteriz-la

    como necessria, mas prematura, apontando para as indesejveis obscuridades que

    a noo de significado poderia atrair para a regio da sintaxe.A normalizao da pesquisa dentro da comunidade lingstica veio a

    apresentar seu primeiro grande progresso em 1965, quando surgiu a obra Aspectos

    da Teoria da Sintaxe em que Chomsky, aproveitando sugestes de Lees, Katz,

    Fodor e Postal, entre outros, elaborou a ento denominada Teoria Padro. O

    objetivo principal, na poca, era descrever e explicar todas as relaes lingsticas

    entre o sistema fonolgico e o semntico de uma dada lngua. Dentro dessa teoria,

    as regras de sintaxe eram de natureza diferente em relao s fonolgicas e ssemnticas. Enquanto a Sintaxe era gerativa, a Fonologia e a Semntica eram

    interpretativas. Um outro aspecto que se destacava era o tratamento sistemtico de

    noes como competncia e performance, estrutura profunda e estrutura superficial.

    De volta ao modelo de Kuhn, poder-se-ia dizer que, nesse momento,

    completava-se a revoluo chomskyana, iniciada em 1957. A fundamentao

    histrico-terica e metodolgica da Gramtica Gerativo-Transformacional revelava,

    agora, mudanas profundas em relao ao estruturalismo de Saussure e Bloomfield.As principais caractersticas do paradigma Gerativo-Transformacional em

    seu incio poderiam ser assim resumidas:

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

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    Paradigma Gerativo-Transformacional

    a) Objeto: a competncia (a capacidade humana, de base inata, para a linguagem)

    b) Mtodo: hipottico-dedutivo (de um conjunto de suposies assumidas derivava-se ateoria da linguagem, em parte pela abstrao, em parte pela observao de diversas

    lnguas/indutivismo)

    c) Finalidade: - descrever as regras, ou princpios internos que um falante ideal usa para

    produzir e compreender infinitas oraes gramaticais;

    - buscar propriedades universais nas diversas lnguas (Gramtica Universal)

    d) Teoria forte: a sintaxe

    e) Problemas anmalos: o significado (o componente semntico e sua posio no modelo)

    J em Aspectos, Chomsky continua a observar o carter provisrio da

    pesquisa sobre a Semntica13. As tentativas de Katz e Fodor (1964) e Katz e Postal

    (1964) no eram suficientemente fortes para que o paradigma chomskyano

    resistisse s presses sobre a fragilidade do seu modelo quanto ao problema do

    significado, exata funo do componente semntico e sua relao com o sinttico.

    Entre 1964 e 1968, um verdadeiro movimento de bastidores foi intensamente

    praticado. Lingistas como Lakoff, Postal, Ross, McCawley e Fillmore, entre outros,

    atacavam o modelo padro e propunham inmeros contra-exemplos que abalavam a

    comunidade dos gerativistas14.

    O termo Semntica Gerativa, sugerido por Lakoff (1963), foi adotado como

    representando o conjunto de crticas teoria padro. Era o comeo de uma crise do

    paradigma Gerativo-transformacional e o incio de uma fase de cincia

    extraordinria.

    No incio, a divergncia fundamental era quanto autonomia da sintaxeproposta por Chomsky (1965). Os adeptos da Semntica Gerativa sustentavam a

    inexistncia de uma fronteira ntida entre a sintaxe e a semntica e, por isso, no

    viam nenhuma razo para que se separassem os dois tipos de fenmenos. Para

    13 Cf. Noam Chomsky, Aspectos da Teoria da Sintaxe, pgina 239.14 As obras Toward Generative Semantics, de G. Lakoff (1963), Linguistics Anarchy Notes, dePostal (1967) e Is Deep Structure Necessary?, de Lakoff e Ross (1968) so algumas das crticas da

    poca, s publicadas em 1976 sob o ttulo de Notes from the Linguistic Undergroundcorrespondente ao volume 7 da srie Syntax Semantics, sob a responsabilidade de J. McCawley.Na mesma linha, Fillmore (1966-1967-1969-1971) defende a sua conhecida Gramtica dos Casos,como uma crtica ao conceito padro de estrutura profunda.

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    COSTA, J. C.

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    eles, as estruturas sintticas eram formalmente idnticas s semnticas, e, assim,

    propunham um nico sistema de regras, fazendo desaparecer a distino entre

    transformaes e regras de interpretao semntica. Postal (1971) disse tratar-se

    da adoo do princpio da homogeneidade das representaes e das regras

    sintticas e semnticas. A partir da, outras divergncias foram surgindo. Se o

    componente sinttico no era autnomo, ento no haveria uma estrutura sinttica

    profunda, mas uma representao semntica subjacente completa da orao,

    caracterizada como forma lgica, constituda no de sintagmas nominais e verbais,

    mas de um predicado e um ou mais argumentos. Como as divergncias

    aumentassem, Chomsky (1972) ainda tentou alguns reajustamentos, aceitando que

    certos aspectos do significado eram determinados pela estrutura superficial.15Props, ento, o desdobramento da estrutura superficial em dois nveis, o sinttico e

    o semntico, ligados entre si por regras de reajustamento, abandonando a distino

    entre categorias lexicais e traos. A partir da, todos os smbolos da gramtica

    seriam conjuntos de traos, e as categorias sintticas seriam representadas por uma

    nova teoria formulada como a Teoria X Barra. Chomsky tentava, de todas as

    maneiras, proteger o seu paradigma, criando dispositivos que reforassem o ncleo

    terico do seu modelo. Estava convicto de que as diferenas entre a semnticagerativa e a interpretativa eram, apenas, de cunho terminolgico.

    J eram quase dez anos de especulaes e Chomsky (1975/76/77) ainda

    faria algumas revises na teoria Padro Ampliada16. Reformulou o conceito de

    representao semntica, adotou a tese de que a estrutura superficial era base da

    interpretao semntica e admitiu que seu modelo poderia ir alm da gramtica de

    orao, mediante novas regras para esse tipo de interpretao. Era o problema

    anmalo da significao persistindo em mais um paradigma na histria dalingstica. No decorrer dos anos seguintes, duas foram as direes com relao

    interface sintaxe/semntica. Por um lado, o programa de pesquisa gerativista

    estabilizou-se com o fortalecimento de uma sintaxe autnoma, movimento que

    Chomsky vem trazendo ao longo do modelo de Princpios e Parmetros e proposta

    Minimalista. Em tais modelos, basicamente, o que foi o componente semntico

    15 A Teoria padro foi ampliada em Language and Mind (1972) e nos trs trabalhos reunidos na obra

    Studies on Semantics in Generative Grammar, tambm de 1972.16 As obras que marcam essa tentativa so Conditions on Transformations (1973), Reflections onLanguage (1975), Questions of Form and Interpretation (1975), Conditions on Rules of Grammar(1976) e Filter and Control (1977).

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

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    reduziu-se noo de forma lgica na interface conceptual-intencional. Por outro

    lado, os que pretendiam investigar, centralmente, a significao em linguagem

    natural passaram a dedicar-se interface semntico-pragmtica, dentro da qual a

    sintaxe estilo gerativista cumpre inexpressivo papel. A idia de uma lgica da

    linguagem natural em pessoas como Lakoff e McCawley acabou-se esvaziando

    entre um certo tipo de empirismo que se anexou aos abstratos modelos iniciais

    chomskyanos de um lado, e a atrao pela intencionalidade comunicativa, de outro.

    Ainda que as comunidades lingsticas tentassem normalizar o processo, a questo

    do significado continuou gerando uma enorme inquietao metodolgica, e o

    conseqente aparecimento de novos paradigmas de investigao.

    Com relao a esse perodo de cincia extraordinria, Kuhn observa, commuita propriedade, que normal a retomada de reflexes filosficas, o

    questionamento das bases epistemolgicas do paradigma agonizante e, inclusive, o

    recurso pesquisa interdisciplinar como sada para as anomalias que desafiam os

    especialistas. Isso explica por que, de repente, a Lingstica, a Psicologia, a

    Sociologia e a Filosofia estavam todas na mesma encruzilhada terica durante os

    anos setenta e, tambm, por que houve uma proliferao de teorias lingsticas

    dentro de uma disciplina de pouco mais de um sculo de investigaes sistemticas.E foi desse encontro de filsofos e lingistas que comeou a se delinear a idia, j

    definida anteriormente, de paradigma pr-revolucionrio: a Pragmtica interface

    Semntica.

    Na histria da Filosofia da Linguagem, a Pragmtica aparece, inicialmente,

    como um campo verdadeiramente interdisciplinar. Na tentativa de sistematiz-la,

    encontramos um grande nmero de tericos e tendncias, de diversas reas, que

    tratam de fenmenos ditos pragmticos. Frege (1892) parece ter sido um dosprimeiros a detectar, em suas investigaes lgicas, o problema da pressuposio e

    sua relao com o contexto. Peirce, no final do sculo XIX, referiu-se relao dos

    signos com seus interpretantes, como uma das partes da semitica, e parece ter

    sido o inspirador do trabalho de Morris (1938), que lanou a Pragmtica,

    oficialmente, como a rea da Semitica que estudaria a relao entre os signos e

    seus usurios. Em seu trabalho sobre a Lgica e Matemtica, de 1939, Carnap

    tambm sublinha a necessidade de uma disciplina como a Pragmtica sendo um

    dos ramos da Semitica, ao lado da Semntica e da Sintaxe. As Investigaes

    Filosficas, obra inovadora de Wittgenstein (1953), foi uma das primeiras a

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    COSTA, J. C.

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    caracterizar a importncia do contexto para a significao. O seu conceito de jogos

    de linguagem uma das origens epistemolgicas das teorias contemporneas

    sobre o sentido das palavras. Na sua linha, Austin (1962) produziu os seus Atos de

    Fala que Searle (1969) aprofundaria numa das mais divulgadas tendncias da

    moderna Filosofia da Linguagem. Ao contestar o famoso texto de Russell (1905),

    Strawson (1950) tambm acusou a existncia da Pragmtica ao retomar o fenmeno

    da pressuposio, definido por Frege (1892), Lakoff (1971), McCawley (1971),

    Fillmore (1971), entre outros lingistas da chamada Semntica Gerativa que

    chegaram compreenso da Pragmtica como uma alternativa para a Lingstica

    em crise. Grice (1967/1975), com seu princpio da cooperao e suas mximas da

    conversao, props uma das mais fortes teorias pragmticas contemporneas.Stalnaker (1974), Sadock (1974), Kripke (1977), Donnellan (1978), Karttunen e

    Peters (1979), Gazdar (1979), Sperber e Wilson (1981) e Levinson (1983), entre

    outros expressivos nomes da Filosofia, da Lgica e da Lingstica, discutiram

    fenmenos ditos pragmticos em seus textos17. Trata-se realmente, de uma das

    mais interessantes reas da pesquisa recente sobre a linguagem e, por isso,

    aparece em nosso ensaio como a possibilidade de mais uma revoluo lingstica,

    dentro desse quadro tpico de cincia extraordinria que ainda hoje estamospresenciando.

    Para justificar, entretanto, a nossa hiptese da existncia de um paradigma

    pr-revolucionrio nessa Pragmtica embrionria, devemos suspender,

    provisoriamente, a nossa anlise da histria das revolues lingsticas, para

    examinar, detidamente, as caractersticas desse novo modelo em relao ao

    estrutural e gerativo-transformacional, perfeitamente conhecidos. Ao tratar da

    Pragmtica, devemos colocar todos os detalhes numa espcie de microscpioterico para oferecer uma viso to precisa quanto possvel dessa disciplina.

    1.2 Pragmtica Definio, Objeto e Questes Metatericas

    Na primeira seo tentamos avaliar as origens da Pragmtica dentro do

    contexto histrico das pesquisas sobre a linguagem. Para isso, fizemos uma

    17 Faa-se justia, aqui, ao texto de Keenan (1972), Two Kinds of Presupposition in NaturalLanguage, um dos primeiros a apontar, na rea da lingstica, para o estudo da pressuposioenquanto fenmeno pragmtico.

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

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    reconstruo, um tanto detalhada, das duas grandes revolues lingsticas a

    estrutural e a gerativo-transformacional, pelo modelo de Kuhn.

    Nesta parte, entraremos na discusso de questes metatericas, tendo em

    vista que pretendemos desenvolver tpicos que implicam problemas metodolgicos

    ligados Pragmtica.

    Como se disse anteriormente, as pesquisas sobre a linguagem

    desenvolvem-se, hoje, num ambiente terico tpico de cincia extraordinria.

    Diversas disciplinas disputam os mesmos fenmenos lingsticos. Nesse contexto, a

    definio de Pragmtica esbarra em inmeros problemas. Tentemos contorn-los.

    A histria da filosofia e da lingstica parecem demonstrar que h, pelo

    menos, dois grandes momentos na vida terica da Pragmtica: o primeiro refere-ses obras que apontam e, at, exigem a existncia dessa disciplina sem, entretanto, ir

    muito alm disso. Chamaremos a esse momento de clssico. O segundo refere-se

    ao contexto contemporneo em que a abordagem de fenmenos pragmticos

    comea a ocorrer, e os tericos, ento, se lanam em busca de uma definio que

    delimite o objeto especfico de uma teoria pragmtica. Chamaremos a esse segundo

    momento de perodo moderno ou da busca da autonomia.

    No sentido de organizar os problemas que enfrentamos para uma definioda Pragmtica e uma delimitao do seu objeto, sugerimos a obra de Austin (1962)

    How to Do Things with Words como uma linha divisria entre o perodo clssico e o

    da autonomia. Trata-se, indiscutivelmente, de um trabalho que, pela primeira vez,

    tenta sistematizar os fenmenos pragmticos e vai alm das puras sugestes,

    propondo um modelo de abordagem, hoje conhecido como Atos de Fala.

    No perodo clssico, do final do sculo XIX at 1962, a Pragmtica foi

    definida de maneira no homognea por Peirce (1897), Morris (1938), Carnap(1939) e Bar-Hillel (1954). Frege (1898) e Wittgenstein (1953) tiveram uma grande

    intuio dos fenmenos pragmticos, mas no chegaram a acusar a existncia

    terica de disciplina.

    No perodo moderno, de 1962 at hoje, surgiu uma grande quantidade de

    autores e definies. Destacam-se, entre outros, Searle (1969), Thomason (1973),

    Stalnaker (1974), Montague (1974), Kempson (1975), Grice (1967/75), Smith e

    Wilson (1979), Gazdar (1979), Sperber e Wilson (1982), Levinson (1983, 2000),

    Bach(87), Turner(99), Carston(99), Bianchi(2004), Jaszczolt(2006) e Recanati(2004).

    As tentativas desse perodo buscam definir o campo prprio da pesquisa pragmtica

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    COSTA, J. C.

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    e uma metodologia rigorosa e especfica que permitam caracteriz-la como

    disciplina cientfica, pelo menos altura do que a Sintaxe e a Semntica j

    construram em termos de arquitetura formal.

    Examinemos, inicialmente, as definies do perodo clssico.

    Peirce (1897) parece ter sido um dos primeiros a acusar a existncia da

    Pragmtica. Embora ele se refira mais exatamente ao pragmatismo, dentro de outra

    concepo; dele que Morris (1938) retira a sugesto para o seu famoso tringulo

    semitico. Ao lado da Sintaxe e da Semntica, a Pragmtica seria a disciplina

    encarregada de estudar a relao entre os signos e seus usurios18.

    Na mesma linha de Morris, Carnap (1919) defende a existncia de

    Pragmtica como uma disciplina emprica que se utilizaria dos conhecimentos deoutras cincias como a Biologia, a Psicologia, a Fsica e, principalmente, das

    Cincias Sociais19. Stalnaker (1972) observa que, nos textos tericos iniciais, h

    bastante obscuridade, ainda, na definio do objeto da Pragmtica, o que torna

    difcil a sua delimitao20. O que caracteriza essa fase, sem dvida, o fato de que

    os tericos como Morris ou Carnap, compreenderam a necessidade de

    investigaes que sistematizassem os fenmenos ligados ao uso da linguagem,

    antes de estabelecer, com clareza, os limites desse fenmeno e o aparatoconceptual dessa investigao.

    O primeiro grande passo no sentido de definir o objeto da Pragmtica foi

    dado, sem dvida, por Bar-Hillel (1954). No seu artigo clssico, Expresses

    Indiciais, ele trata de avaliar o papel do contexto para a determinao da referncia

    de uma sentena21. Examinando trs tipos de sentenas,

    (1) O gelo flutua sobre a gua(2) Est chovendo

    18 Desde Peirce (1897), a semitica dividida em trs reas, considerando-se a definio de signocomo relao tridica. No seu clebre tringulo, Gramtica caberia o estudo do representamen, ousigno primeiro, nas suas relaes entre si; Lgica, o estudo da relao entre o representamen e oobjeto; e Retrica, a investigao das relaes entre representamen e interpretante. Morris (1938),realmente, aproximou-se de Peirce e definiu a Semitica constituda da Sintaxe (relao dos signosentre si), da Semntica (relao dos signos com seus objetos) e da Pragmtica (relao dos signoscom os seus usurios).19 R. Carnap, Fundamentos de Lgica e Matemtica, 1975, p. 21.20

    E.C. Stalnaker, Pragmtica (In: Pragmtica Problemas, Crticas, Perspectivas da Lingstica,1982, Org. M. Dascal), p. 59.21 Este artigo considerado um dos mais importantes na histria da Pragmtica exatamente porcaracterizar, pela primeira vez, o contexto gramaticalizado atravs dos elementos indiciais.

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

    24

    (3) Estou com fome

    ele observa que, enquanto (1) pode ser perfeitamente entendida e avaliada, (2) e (3)

    apresentam problemas quanto determinao do estado-de-coisas a que se

    referem, provocados pela presena de elementos indiciais que remetem a

    significao a uma dependncia do contexto.

    Para que (2) possa ser avaliada em toda a sua extenso, necessita-se saber

    o lugar e momento de sua produo. No caso da sentena (3), alm do momento em

    que produzida, necessrio que se saiba quem a proferiu.

    A partir da, Bar-Hillel, para distingui-los, chamar (1) de assero e (2) e (3)

    de sentenas indiciais, desde que (1), emparelhada a qualquer contexto, formejuzos que se refiram sempre mesma proposio e que (2) e (3) sejam sentenas

    declarativas no equvocas22.

    O importante desta distino est no fato de que (1) pode ser avaliada como

    verdadeira ou falsa, independente de informaes do contexto, o que no ocorre

    com (2) e (3). Pela bem conhecida frmula de Tarski, O gelo flutua sobre a gua

    verdadeira se, e somente se, o gelo flutua sobre a gua. Isto quer dizer, em poucas

    palavras, que (1) verdadeira, uma vez que corresponde, realmente, a um estadodo mundo. (2) e (3), entretanto, s poderiam receber um valor-verdade a partir de

    informaes quanto ao tempo, ao espao e produo da sentena. Bar-Hillel

    observa que possvel atribuir-se um valor-de-verdade a sentenas como (2) e (3),

    mas sempre levando-se em considerao o par ordenado sentena-ocorrncia-

    contexto. (3) depende ainda mais do contexto, tendo em vista que, mesmo

    produzida por uma nica pessoa em duas ocorrncias distintas, j no ter a mesma

    referncia por causa da mudana do tempo T1 para T2.A argumentao de Bar-Hillel prende-se tentativa de demonstrar que deve

    haver um esforo terico para a Pragmtica, pelo menos em dois aspectos

    diferentes: uma Pragmtica descritivista capaz de investigar o carter indicial da

    linguagem e uma Pragmtica pura capaz de construir sistemas lingsticos

    indiciais23.

    Duas contribuies indiscutveis esto presentes no texto de Bar-Hillel. Em

    primeiro lugar, ter caracterizado, de maneira clara, a importncia do contexto, sob a

    22 Cf. Expresses Indiciais, p. 31.23 Ibid., p. 31.

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    COSTA, J. C.

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    forma de expresses indiciais, para a interpretao semntica. A Pragmtica estaria,

    por isso, articulada Semntica das Condies-de-Verdade. Alm disso, Bar-Hillel

    teve de definir o contexto como Descries-de-Contexto, para que ele fosse

    considerado como entidade lingstica e, assim, pudesse formar, junto com a

    sentena, um par ordenado de elementos de mesma natureza.

    Passemos, agora, anlise das concepes mais modernas, ou seja, da

    fase em que os tericos buscam uma posio mais definida para a Pragmtica.

    Aqui, cabe fazer referncia obra de Austin (1962), que propusemos ser um

    marco divisrio entre as duas fases. Sero algumas idias suas que iro influenciar

    profundamente os tericos modernos.

    Seguindo a tradio do segundo Wittgenstein (1953), que viu a necessidadede se examinar a significao da linguagem natural dentro do seu contexto-de-uso,

    Austin procurou estabelecer relaes entre a funo de certos enunciados e a

    linguagem enquanto ato comunicativo.

    Para ele, todo proferimento um ato complexo ou um complexo de atos,

    envolvendo trs aspectos fundamentais do uso da linguagem24:

    a) O aspecto locucionrio consiste no proferimento de uma sentena com

    um certo sentido e uma certa referncia. constitudo de trs atos distintos: o atofontico (phonetic act), isto , os sons pronunciados; o ato fsico (phatic act), que

    consiste em pronunciar determinados vocbulos em determinada ordem de acordo

    com o lxico e a gramtica de uma lngua, e o ato rtico (rhetic act) em que os

    vocbulos usados expressam um sentido e referem-se a alguma coisa.

    b) O aspecto ilocucionrio consiste no ato que o locutor realiza ao

    praticar um ato locucionrio, ou seja, a fora com que o enunciado foi empregado.

    Ao afirmar Eu prometo te ajudar, o locutor est realizando uma promessa. Poderiaser uma ordem ou uma advertncia, por exemplo.

    c) O aspecto perlocucionrio consiste no ato que um locutor realiza por

    meio de seu ato ilocucionrio. Diz respeito ao efeito que o locutor pretende, com seu

    ato ilocucionrio, provocar no seu ouvinte. Ao fazer uma promessa, por exemplo, o

    locutor poderia estar acalmando o ouvinte.

    24 J. Austin, How to Do Things with Words, p. 95-100.

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

    26

    Searle (1969), no seu clssico Speech Acts, retoma as idias de Austin e

    as amplia. Ele defende a idia de que significado e ato ilocucionrio no devem ser

    tratados como a mesma coisa (Falcia do ato de fala).

    Um enunciado como Passe-me o po pode ser perfeitamente entendido no

    seu significado, embora o ouvinte possa ter dificuldade de saber se se trata de um

    pedido ou uma ordem.

    Rejeitando a distino austiniana, entre o ato ilocucionrio e locucionrio,

    Searle reformula a tipologia dos atos de fala da seguinte maneira25:

    a) Atos de proferimento (utterance acts) atos de articulao da cadeia

    sonora apenas

    b) Atos proposicionais (propositional acts) pelos quais o locutor refere-sea um objeto e predica algo dele

    c) Atos ilocucionrios (illocutionary acts) asseres, promessas, pedidos,

    advertncias, etc.

    d) Atos perlocucionrios (perlocutionary acts) as conseqncias e os

    efeitos provocados pelos atos ilocucionrios. Uma das idias mais interessantes de

    Searle a que consiste em definir-se a referncia como o resultado de um ato de

    fala, ou seja, no a frase que expressa uma proposio, mas o locutor que,atravs dela, pratica o ato proposicional.

    Austin e Searle so, sem dvida, pioneiros da Pragmtica em sua fase

    moderna, embora no situem suas investigaes iniciais dentro desse rtulo

    disciplinar.

    Montague (1970) adotou, em parte, a proposta de Bar-Hillel observando que

    ela, realmente, havia esclarecido, um pouco mais, a definio de Pragmtica sem,

    contudo, elucidar de que forma se daria esse tipo de abordagem. Para Montague, aPragmtica, pelo menos em seu nvel inicial, deveria seguir os passos da

    Semntica, em sua viso mais moderna, a teoria dos modelos, que poderia vir a

    trabalhar no s com os conceitos de verdade e satisfao, ao nvel da

    interpretao, bem como no de contexto-de-uso26.

    Para isso, seria necessrio determinar o conjunto de todos os contextos-de-

    uso possveis ou aspectos relevantes dos possveis contextos tomados como

    ndices, ou pontos de referncia na terminologia de D. Scott (1970). Alm disso,

    25 J. Searle, Actos de Langages, p. 61.26 R. Montague, Formal Philosophy, p. 96.

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    COSTA, J. C.

    27

    seria preciso especificar para cada ponto de referncia (1) o conjunto de objetos

    presentes com respeito a ele, bem como a intenso de cada predicado e constante

    individual da linguagem L, o que implicaria especificar a denotao ou extenso de

    uma constante c com relao (1). Finalmente, a Pragmtica de Montague exigiria

    uma interpretao dos operadores de L.

    O que fica claro que Montague e seus colaboradores aceitaram a

    Pragmtica como disciplina formal que investiga as expresses indiciais, ou seja,

    aquelas cujos valores semnticos dependem do contexto-de-uso. Dentro do seu

    modelo, a Pragmtica e a Semntica deveriam ser equivalentes em sua

    metodologia, ampliando-se, apenas, ao nvel semntico, a noo de mundo possvel

    para ajustar-se de contexto-de-uso, mantendo-se as diferenas entre ambos osconceitos.

    Aqui, a Pragmtica poderia ser definida como uma disciplina capaz de

    sistematizar os aspectos relevantes do contexto para que uma sentena com

    elementos indiciais pudesse ser interpretada semanticamente. Esta definio,

    embora mantenha a Pragmtica como rea de pesquisa ligada Semntica, ou

    seja, sem autonomia, representa, pelo menos, uma disciplina lingstica, na

    interveno de Bar-Hillel e seu conceito de descries-de-contexto.Na dcada de 60, ao contrrio, principalmente dentro das linhas

    transformacionalistas, havia uma tendncia de identificar a Pragmtica como uma

    teoria de performance, dedicada, exclusivamente, ao uso da linguagem, sem

    competncia para tratar da estrutura lingstica27. Essa posio, embora tenha

    representantes qualificados, at hoje, (Kempson, 1975 e Smith e Wilson, 1975), no

    foi muito desenvolvida, tendo em vista apresentar dificuldades difceis de serem

    superadas como, por exemplo, a determinao da fronteira entre gramticaindependente-do-contexto e interpretaes dependentes-de-contexto. Pelo contrrio,

    os especialistas em fenmenos pragmticos esto, especialmente, interessados na

    relao entre as estruturas lingsticas e os princpios do uso da linguagem.

    Nesse sentido, uma definio ampliada daquela sugerida por Bar-Hillel

    (1954) poderia ser esta: A Pragmtica o estudo daquelas relaes entre linguagem

    e contexto que so gramaticalizadas, ou decodificadas na estrutura da linguagem28.

    27 J. Katz, Propositional Structure and Illocutionary Force, p. 19.28 S. Levinson, Pragmatics, p.9.

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

    28

    Essa definio abre um pouco mais o espectro da Pragmtica porque,

    atravs dela, no s os fenmenos diticos, mas a pressuposio e os atos de fala

    poderiam ser abordados. Quanto a isso, embora essa definio seja bastante

    razovel, ela excluiria do objeto da Pragmtica os fenmenos conhecidos, depois de

    Grice (1967), como implicaturas, e que so, indiscutivelmente, interessantes na

    anlise da significao lingstica. Alm disso, haveria muitos problemas

    decorrentes da necessidade de se distinguir uma simples correlao entre formas

    lingsticas e contexto dos casos em que os fatores contextuais so absorvidos,

    organicamente, na estrutura lingstica. Isso sem contar o fato de que as lnguas

    particulares podem codificar de forma diferente os elementos contextuais, o que

    exigiria uma Pragmtica universal, distinta daquela, para lnguas especficas.Stalnaker (1972) defendeu uma definio semelhante, ento mais ampliada. Para

    ele o mais importante fornecer uma lista de problemas que exigem a interveno

    de uma teoria pragmtica. Essa teoria seria, assim, o estudo da dixis, da

    pressuposio, da implicatura, dos atos de fala e aspectos da estrutura do

    discurso29. Para Stalnaker, a Sintaxe estuda as sentenas, a Semntica estuda as

    proposies e a Pragmtica investiga o estudo dos atos lingsticos e dos contextos

    nos quais so executados. Seria necessrio definir os tipos relevantes dos atos defala como os ilocucionrios, por exemplo, bem como caracterizar os traos do

    contexto, indispensveis para determinar a proposio como, por exemplo, os

    indiciais. Stalnaker no pretende, no caso, dar autonomia Pragmtica, mas

    garantir-lhe um espao terico, mediante o levantamento de fenmenos lingsticos,

    inequivocamente dependentes de contexto.

    Uma outra tendncia bastante significativa e que permite ajustar a

    pragmtica dentro de uma teoria da linguagem defendida por lingistas como VanDijk (1976). Assim como a Semntica se estabelece no estudo das condies-de-

    verdade, a Pragmtica poderia ser definida em relao s condies-de-adequao.

    Ela seria assim, como queria Hymes (1971), o estudo da competncia comunicativa,

    ou seja, da habilidade dos falantes em usar sentenas adequadas a um determinado

    contexto. Essa posio, porm, se defronta com vrios problemas. No permite a

    distino clara entre Pragmtica e Sociolingstica, continua, como no modelo de

    Chomsky, na dependncia de uma lngua ideal ou teria que se desdobrar em n

    29 R. C. Stalnaker, op. cit., p. 80.

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    COSTA, J. C.

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    tipos para abranger cada dialeto. Alm disso, finalmente, no seria capaz de explicar

    os fenmenos pragmticos em que a quebra de regras conversacionais ,

    exatamente, a maneira intencional de informar algo mais30.

    Mais recentemente, uma definio tem sido bastante discutida nos meios

    lingsticos e filosficos. Deve-se, em sua origem, a G. Gazdar (1979). Para ele, a

    Pragmtica igual ao significado menos as condies-de-verdade31.

    Nesse trabalho, a posio de Gazdar, aparentemente simples, uma das

    mais significativas dentro das reflexes contemporneas sobre a definio do objeto

    da Pragmtica. Na sua concepo, a Semntica das Condies-de-Verdade , das

    teorias semnticas, a mais aceitvel e, portanto, uma tentativa de esclarecer o

    campo da Pragmtica deve considerar o significado como um complexo defenmenos em que a questo da proposio e das condies-de-verdade se

    distingue dos outros aspectos significativos. A Semntica do tipo Tarski para a

    linguagem natural continuaria, como o deseja Davidson (1970), em sua caminhada

    de poucas, mas rigorosas, conquistas tericas, e a Pragmtica ficaria encarregada

    dos outros aspectos que compem o significado de um enunciado.

    Dessa forma, considerando-se dois enunciados como

    (4) Tancredo gosta de Brizola

    (5) At Tancredo gosta de Brizola

    observa-se que as condies-de-verdade so as mesmas para os dois enunciados.

    (5), porm, parece dizer que, alm de Tancredo, outras pessoas gostam de Brizola e

    que ele, Tancredo, no seria o mais provvel a ser atribudo esse sentimento.

    Caberia Semntica, ento, considerar as condies-de-verdade e deixar para umateoria pragmtica a descrio e a explicao do excesso de significado.

    Gazdar entende, tambm, que muito difcil tratar a Semntica de maneira

    autnoma. Discutindo exemplos de Kamp (1976) e Dretske (1972), ele demonstra

    que o mesmo enunciado pode apresentar proposies falsas ou verdadeiras de

    acordo com as informaes do contexto. Consideremos os exemplos abaixo

    (6) O povo escolheu Lula para Presidente por um equvoco

    30 Aqui, estamos pensando na quebra de regras no sentido griceano.31 G. Gazdar, Pragmatics: Implicature, Presupposition and Logical Form, p. 2.

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

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    (7) O povo escolheu Lula para Presidente por um equvoco

    em que a informao do contexto refere-se acentuao maior do enunciado no

    lugar sublinhado. Para que (6) seja verdadeira, o povo escolheu Lula por um

    equvoco, porque deveria ter escolhido outro candidato. J para (7) ser verdadeira, o

    equvoco do povo est no fato de t-lo escolhido para aquele cargo.

    Isto significa, em ltima anlise, que, em situaes como essa, para se

    estabelecer a condio-de-verdade, depende-se de informaes contextuais. A

    Semntica, nesse caso, deve trabalhar de forma conjugada com a Pragmtica,

    tendo em vista que os aspectos significativos diversos na constituio de um

    enunciado no se separam no estabelecimento das condies-de-verdade.Katz (1977) argumentou que se poderia considerar a diferena entre

    Pragmtica e Semntica, tomando-se em considerao o exemplo de uma carta

    annima como ponto de referncia para um contexto nulo. Searle (1979) e Gazdar

    (1979) recusam a propriedade do exemplo de Katz. Realmente, impossvel anular-

    se o contexto assim. Katz parece ter insinuado que, numa carta annima, o

    remetente est neutralizado. verdade, mas como indivduo real, no como

    indivduo possvel. E esse possvel j tem uma propriedade que no se teridentificado. Em outras palavras, uma carta annima j indica uma caracterstica do

    remetente: seu anonimato. Tanto verdade que essa caracterstica pode at acabar

    denunciando seu produtor. O destinatrio efetua, sem dvida, juzos sobre quem

    teria escrito a carta. Alm disso, existem outras propriedades do contexto que no

    so eliminadas pelo carter annimo da carta. Imaginemos a seguinte situao:

    Joo recebe um bilhete assim:

    (8) Jobim o candidato do povo

    mesmo no identificando o remetente diretamente, Joo pode julgar que se trata de

    um integrante do governo ou, quem sabe, de um ardil do prprio Jobim. Essa

    especulao j revela como difcil livrar-se do contexto ou neutraliz-lo, como

    queria Katz.

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    COSTA, J. C.

    31

    Por outro lado, como observa Levinson (1983), o contedo semntico parece

    ser a base sobre a qual outras manifestaes do sentido ocorrem32. Isso quer dizer,

    em ltima anlise, que tambm a autonomia da Pragmtica pouco provvel.

    Tomemos, novamente, o enunciado (8).

    (9) Jobim o candidato do povo

    se trocssemos o nome prprio por uma descrio do tipo O candidato do PT, o

    enunciado

    (10) O candidato do PT o candidato do povo

    apresentaria uma variao de sentido que o tornaria ambguo. Dentro da linha de

    Donnellan (1966), a anlise poderia ser assim:

    Uma primeira interpretao mostra a descrio apenas com o valor

    referencial Jobim, identificando, portanto, (8) e (9); a segunda revela o valor

    atributivo da descrio: Jobim seria o candidato do povo por ser apoiado pelo PT.

    Parece evidente que a variao de significado de (8) e (9) poderia ser tarefada Pragmtica, j que as condies-de-verdade no se alteraram. Mas, como o

    prprio exemplo sugere, no poderia dispensar o trabalho da Semntica sobre a

    determinao da referncia. As variaes de significado se estabelecem sobre uma

    base proposicional e, por isso, no possvel consider-las sem interpretar essa

    base.

    Aqui estamos ao lado dos que defendem a interao entre Semntica e

    Pragmtica como uma sada altamente frtil para os inmeros problemas designificao que ocorrem quando se aborda a linguagem natural33.

    Alm da posio de Gazdar, que situa a Pragmtica, mediante uma

    definio negativa, em relao Semntica, cabe considerar, ainda, as tendncias

    que a encaram como teoria da compreenso dos enunciados. O objetivo

    fundamental, nesse sentido, de uma teoria pragmtica seria explicar como um

    falante (A) e um ouvinte (B) dialogam e se entendem dentro de um contexto (C).

    32 S. Levinson, Pragmatics, p. 124.33 J. Atlas & S. Levinson, It Clefts, Informativeness and Logical Form (In: Radical Pragmatics Cole(org.)), p. 56.

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

    32

    Colocada a questo desse modo, um modelo terico de um ato comunicativo bem-

    sucedido deve apreender as relaes entre esses trs elementos, A, B e C.

    Esse tipo de abordagem tambm depende, obviamente, de uma

    conceituao clara de contexto34. Trata-se, ento, de caracteriz-lo, teoricamente,

    nas suas propriedades, bem como nas propriedades que decorrem das relaes dos

    interlocutores com ele.

    Lewis (1969) e Shiffer (1972) identificam a noo de contexto com a de

    conhecimento mtuo35. Aqui, entretanto, ele no visto, apenas, como

    conhecimento compartilhado em que o cdigo lingstico comum a A e B. Se fosse

    assim, estaramos de volta ao modelo estrutural e noo de Langue em

    Saussure. O conhecimento mtuo, enquanto contexto de um enunciado, diz respeito interseco de base lingstica e pragmtica que permite a A e B reconhecerem-se

    em estado de comunicao, ou seja, compreenderem-se reciprocamente no que

    dito e no que inferido.

    O modelo clssico de representao este36:

    (1) A sabe que P (4) B sabe que (1)

    (2) B sabe que P (5) A sabe que (4)(3) A sabe (2) (6) B sabe (3)

    e, assim, infinitamente.

    Este conceito de conhecimento mtuo tem tido muitos defensores e tambm

    muitas crticas. Para Sperber e Wilson (1982), um dos primeiros problemas que

    surgem est na dificuldade de distino entre o conhecimento mtuo e o que no

    mtuo. Como se observa, na realidade, os interlocutores no podem, numaquantidade limitada de tempo, processar um conjunto infinito de informaes, e uma

    teoria precisa de um modelo restrito que d conta desse fenmeno, mediante

    procedimentos finitos37. Alm disso, no so raros os casos em que contexto e

    conhecimento comum no se identificam, conforme estes enunciados demonstram:

    34 D. Sperber e D. Wilson, Theories of Comprehension, p. 61.35 Ibid., p. 61.36

    Clark e Marshall (1981) e Clark e Carlson (1983) defendem a possibilidade de utilizao desseconceito como uma estratgia indutiva. Sobre essa questo, a crtica mais rigorosa est em Sperbere Wilson (1982).37 D. Sperber e D. Wilson, op. cit., p. 63.

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    COSTA, J. C.

    33

    (11) Eu vou votar no candidato socialista

    (12) Eu vou votar no candidato que est falando agora

    O enunciado (10) no parece ser de mais difcil compreenso do que a de

    (11), embora o conhecimento mtuo seja mais difcil de estabelecer indutivamente.

    Sperber e Wilson (1982) observam que, na relao do conhecimento mtuo

    com o contexto, parece haver dois problemas fundamentais:

    (a) O conhecimento mtuo no condio suficiente para pertencer ao

    contexto

    (b) O conhecimento mtuo no condio necessria para pertencer ao

    contexto.38Dizer que o conhecimento mtuo no condio suficiente para ser

    pertencente ao contexto implica dizer que uma proposio pode ser mutuamente

    conhecida sem fazer parte do contexto. Uma sentena que possua uma expresso

    como a casa pode ser perfeitamente entendida, e a referncia pode ser procurada

    no contexto, sem que o conhecimento mtuo que os interlocutores tenham sobre as

    referncias de diversos casos intervenham. Isto quer dizer que o contexto real usado

    na compreenso de uma sentena pode ser bem menor que o conhecimento comumou mtuo.

    Alm disso, uma proposio pode pertencer ao contexto sem ser

    mutuamente conhecida. Parece claro que a perfeita compreenso de um enunciado

    exige o conhecimento mtuo como condio necessria, mas a comunicao diria

    permite uma forma imperfeita que entendida como suficiente para aquela situao.

    Imaginemos um dilogo entre dois polticos, Fernando Henrique Cardoso (FHC) e

    Maluf, em que aquele, acreditando que este no tem um avio prprio, pergunta dequalquer maneira para incomod-lo:

    (13) Voc tem viajado muito no seu avio particular?

    e Maluf que, realmente, tem um avio prprio, responde:

    S quando viajo por motivos oficiais.

    38 Ibid, p. 65.

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

    34

    FHC, nesse momento, infere que estava enganado e que Maluf tem um

    avio. Nessa situao os interlocutores esto sendo levados a assumir algo como

    conhecimento mtuo, sem que isso tivesse sido condio necessria para o

    entendimento. Pelo contrrio, foi o entendimento que gerou o conhecimento mtuo.

    A partir de contra-exemplos como esse, Sperber e Wilson (1982) propem,

    ento, um modelo pragmtico prprio, ainda como teoria da compreenso.

    Para eles, seria possvel aproveitar algumas das sugestes de Grice (1975)

    para organizar um sistema mais simples e rgido de abordagem pragmtica que o

    daquele filsofo, sistema esse em que o conceito de relevncia proposto como

    uma espcie de mxima geral e nica, atravs da qual uma inferncia quasi-

    dedutiva pode ser calculada a partir da relao entre um enunciado e um contexto.Esse tipo de inferncia no-trivial denominado por Sperber e Wilson de

    Implicao Contextual39.

    J que se trata de um dos modelos mais recentes e interessantes de

    pragmtica, cabe um exemplo ilustrativo de clculo de uma implicao pragmtica.

    (14) (A) Voc est apoiando a eleio do Serra?

    (B) Eu? Sou do PT

    (13) (B) parece ser um tanto estranha, j que os termos utilizados para a negativa

    no parecerem ser suficientes. Dado o contexto (14), entretanto, podemos operar

    com o modelo de Sperber e Wilson.

    (15) a) Serra candidato do PSDB presidncia

    b) O PT tem candidato prprioEntretanto, 13 (B), como enunciado, somado (14) a) e b), enquanto

    contexto, permite a implicao contextual de que o locutor de 13 (B) no pode ser

    considerado favorvel eleio de Serra.

    Dentro do modelo de Sperber e Wilson, a teoria pragmtica uma espcie

    de teoria da compreenso de inferncias, autorizadas ou no pelo locutor, mas

    dependentes do par ordenado enunciado-contexto.

    39 Ibid. p. 73

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    COSTA, J. C.

    35

    A essas alturas, depois de termos apresentado as definies do perodo

    clssico e algumas sugestes mais interessantes da fase moderna, cabe-nos um

    posicionamento mais decisivo com relao definio de pragmtica e delimitao

    do seu objeto.

    Levinson (1983) observa, com muita propriedade, que existem, hoje,

    inmeros fenmenos de significao que a abordagem semntica no tem

    condies de explicar40. Ao nvel da conversao, por exemplo, enquanto prtica

    comunicativa concreta, a significao pode ser excepcionalmente carregada de

    inferncias ainda no totalmente descritas. As recentes teorias sobre a anlise do

    discurso e da conversao, em contribuies como as de Sacks e Schegloff (1979),

    Goodwin (1977) ou Gumperz (1977), revelam as vrias tendncias que a Pragmticapode assumir. O prprio Levinson (1983), alis, apresenta um quadro bastante

    ilustrativo sobre os diversos componentes do contedo comunicacional de um

    enunciado. Atravs dele, possvel compreender melhor a necessidade de uma

    teoria pragmtica bem como a heterogeneidade dos fenmenos que parecem recair

    sob a sua rbita.

    Como se v, se a semntica das condies-de-Verdade pretende serrigorosa tratando apenas do primeiro aspecto, como possvel uma teoria

    pragmtica coesa, rigorosa e formalizvel, com fenmenos to heterogneos sob

    seu alcance terico?

    Realmente, a posio de Gazdar (1979) a mais coerente e ns a

    endossamos aqui. Pragmtica = significado menos as Condies-de-Verdade. Esse

    poderia ser, sem dvida, o objeto da Pragmtica. Caberia a ela, ento, diante dos

    problemas decorrentes da multiformidade de seu objeto, buscar uma metodologia

    40 S. Levinson, op. cit., p. 38.

    Elementos do Contedo Comunicacional de um Enunciado

    1 Condies-de-verdade ou acarretamentos2 Implicaturas Convencionais3 Pressuposies4 Condies de Adequao5 Implicaturas Conversacionais generalizadas6 Implicaturas Conversacionais particularizadas7 Inferncias baseadas na estrutura conversacional

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

    36

    adequada que permitisse a adequada tenso entre o descritivo e o explanatrio.

    Essa posio, entretanto, envolve inmeros problemas de ordem metaterica. As

    relaes entre Semntica e Pragmtica so bem mais complexas e preciso

    investig-las mais profundamente se quisermos entender, com clareza, a

    possibilidade de uma teoria pragmtica homognea como centro de um paradigma

    revolucionrio.

    Passemos, ento, anlise de questes metatericas subjacentes s

    tentativas de definio da Pragmtica bem como a delimitao de seu objeto.

    No resta dvida de que, dentro do atual contexto de pesquisa sobre a

    linguagem, os fenmenos pragmticos so de indiscutvel relevncia. Isso significa

    que, ou outras disciplinas os absorvem, ou a Pragmtica tem seu espao tericogarantido. Tudo est no fato de que, conforme j vimos anteriormente, sendo esse

    um perodo de cincia extraordinria, suas relaes com a Semntica, com a

    Psicolingstica e com a Sociolingstica ainda no esto bem definidas41.

    Exatamente por isso, as diversas tentativas de definio recaem em dificuldades, at

    ento, intransponveis.

    Givn (1982) traa um paralelo entre os diversos sistemas lgico-dedutivos e

    a Pragmtica, para afirmar que, ao nvel da significao em linguagem natural, algica dedutiva no tem as melhores condies j que o sistema significativo das

    lnguas humanas inerentemente pragmtico. Isso quer dizer que o significado

    implica, necessariamente, fatores do contexto na sua constituio.

    O que ocorre, aqui, que a linguagem natural possui uma base lgica

    indiscutvel que se pode observar em qualquer silogismo bem formado. Essa base

    lgica, entretanto, est numa relao de indeterminao com as variaes

    significativas do contexto. atravs dessa relao da sentena com o contexto queo enunciado se adapta em sua ocorrncia s exigncias comunicacionais. A questo

    que diz respeito produo de novas informaes, por exemplo, s pode ser

    resolvida por uma teoria pragmtica j que, desde Peirce (1897) e Wittgenstein I

    (1921), sabe-se que a lgica no pode expressar informaes novas, somente

    tautologias ou contradies. A comunicao lingstica, por sua vez, opera sempre

    41 T. Givn, Logic versus Pragmatics, with Human Language As the Referee: Toward Na EmpiricallyViable Epistemology, p. 84.

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    entre dois extremos. O grau de redundncia ou de novidade no pode ser

    apreendido dedutivamente, mas inferido de forma pragmtica42.

    Givn levanta trs argumentos significativos para demonstrar que a

    linguagem natural trabalha com aspectos pragmticos inapreensveis pelos sistemas

    dedutivos:

    a) A dependncia do contexto Para os lgicos, duas sentenas como

    Joo presidente; ele presidente (tautologia)

    Joo presidente; ele no presidente (contradio)

    representam sistemas fechados, entretanto o uso da linguagem em um contexto

    comunicativo sempre aberto num sentido genrico, pelos dados culturais

    potencialmente implcitos no lxico, ou num sentido imediato, onde a relao dofalante com o ouvinte pode determinar significados.

    b) A relao falante-ouvinte Para os lgicos, o contexto objetivo, uma

    lista aberta de premissas. A linguagem em seu uso eu e tu. Eu fao

    julgamentos que, provavelmente, sejam o contexto para ti. Os sistemas

    dedutivos nunca se sentem confortveis diante do eu e tu.

    c) A relevncia-tpica Aqui, ocorre que, s pragmaticamente, possvel

    julgar a relevncia de um determinado tpico na comunicao.O argumento de Givn parece ajustar-se bem s inmeras questes que so

    levantadas entre Semntica Lgica ou das Condies-de-Verdade e Pragmtica.

    Parece indiscutvel, num primeiro momento, que Gazdar (1979) colocou bem o

    problema, definindo a Pragmtica como o significado (menos) as condies-de-

    verdade. Com isso, ele estava, tanto quanto Givn, reservando Semntica Lgica

    somente o tratamento das proposies enquanto condies-de-verdade, restando

    para a Pragmtica todas as outras manifestaes do sentido. Givn, porm, ressaltao carter imanentemente pragmtico de linguagem natural e at sugere que os

    sistemas lgico-dedutivos nunca poderiam, por isso, tratar de todos os aspectos da

    linguagem natural.

    Para ns, no resta nenhuma dvida de que os fatores pragmticos da

    linguagem humana so, hoje, inquestionveis, mas impossvel que eles no se

    estabeleam sobre uma base lgica da linguagem em termos de significao. O

    segundo Wittgenstein foi genial ao perceber os jogos da linguagem, mas foi ctico

    42 Ibid, p. 122.

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

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    demais ao supor que eles representassem uma proliferao infinita de significados.

    Existe, sem dvida, o conhecimento mtuo como conjunto de crenas, como

    memria enciclopdica, como regras da lngua, como regras de inferncia, como

    intenes comunicativas, como presena fsica do contexto, etc. Mas esse

    conhecimento mtuo permanece, no ato comunicativo, no momento do enunciado

    em estado potencial. Nesse momento, s os fatores relevantes do contexto para

    aquele ato comunicativo interagem com a base lgico-significativa do enunciado.

    Desta forma, cabe Semntica Lgica investigar a proposio, mesmo das

    linguagens naturais, porque essa base realmente deve ser assumida. O exemplo

    mais ilustrativo disso o fato de que, ao formularmos um clculo lgico, podemos

    traduzi-lo normalmente, em linguagem natural. Alm disso, inmeras sentenas deuma lngua qualquer podem ser formalizadas sem problemas. O que ocorre, aqui,

    a dificuldade em serem verificados os limites claros entre a Semntica e a

    Pragmtica.

    Cabe, ento, uma reflexo ao nvel metaterico, sobre esses limites. Se a

    Semntica das Condies-de-Verdade para a linguagem natural pretende manter o

    mesmo rigor da Semntica Formal, ela no poder se defrontar com aspectos do

    contexto que intervm na significao total de um enunciado. E aqui, sim, voltamos aGivn para insistir no fato de que a linguagem natural fundamentalmente

    pragmtica. Uma vez, entretanto, que as informaes do contexto sejam fornecidas

    por uma teoria pragmtica, no h razes que impeam o desenvolvimento de uma

    semntica para a linguagem natural. O que pretendemos, com Givn, denunciar a

    absoluta impossibilidade, at agora, de uma Semntica das Condies-de-Verdade,

    autnoma, para a linguagem humana.

    s vezes, o enunciado s parece independer completamente do contexto, eisso que torna um tanto obscura a fronteira entre semntica e pragmtica43.

    Parece, no entanto, bastante claro, que possvel tratar logicamente de

    enunciados em linguagem natural por sistemas dedutivos clssicos. Esse

    tratamento, entretanto, s pode ser feito, exaustivamente, num nico contexto: o

    43 Quando Russell (1905) e Strawson (1950) se defrontam com a sentena O rei da Frana calvo,o que realmente ocorre que este enunciado, uma vez num contexto terico, est neutralizando aspropriedades de contexto reais.

    As divergncias comeam medida que Russell leva at a ltima instncia a sua coerncia e noadmite a interferncia de fatores pragmticos. Strawson, por sua vez, devolve ao enunciadopropriedades do contexto no-terico e abre um problema terico que, em Russell, no tinha razode existir.

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    terico, ou seja, aquele em que o enunciado pode ser substitudo por variveis, em

    que as propriedades de outros contextos reais ou possveis que ele carrega so

    destitudas de valor comunicacional. evidente que, nesse caso, a operao de

    neutralizao de contextos em um enunciado terico estar justificada por axiomas

    pragmticos na constituio das teorias.

    Num manual de lgica proposicional, por exemplo, as sentenas que ali

    esto, para satisfazer as operaes demonstradas, encontram-se destitudas da

    significao que receberiam de outros contextos. Essas sentenas, contudo, embora

    guardem propriedades intencionais ligadas ao lxico e pragmtica, esto

    reduzidas sua forma lgica. evidente que, nesse caso, a linguagem natural no

    mais o ato comunicativo, mas fragmento de linguagem objeto. O papel de uma teoriada linguagem, alis, talvez seja exatamente isolar, dentro do contexto terico,

    apenas as propriedades com que pode trabalhar44.

    Aps essas consideraes sobre a natureza da teoria e sobre as fronteiras

    entre a Semntica e a Pragmtica na abordagem da linguagem natural, podemos

    dizer que a nossa proposta tambm considera que, embora as duas disciplinas se

    ocupem, em princpio, do mesmo objeto, a natureza dos fenmenos especficos de

    que tratam parece determinar uma metodologia prpria. Givn sugere, e tem razo,que entre sistemas dedutivos e os pragmticos existem diferenas importantes e

    irredutveis45.

    Sistemas pragmticos

    abertosdependentes de contextocontnuo/no discretoindutivo/abdutivo

    Sistemas lgico-dedutivos

    fechadoscontexto livrediscretodedutivo

    Nesse sentido, a Pragmtica pode ser entendida de acordo com a proposta

    de Gazdar (1979), mas estar, tanto quanto Semntica, sem autonomia para tratar

    da linguagem natural.

    A partir da, poderiam ser colocadas duas posies alternativas para a

    Pragmtica.

    44 Russell estava certo. Donnellan (1977) tentou demonstrar o contrrio, mas Kripke (1977) nopermitiu. Para mais detalhes ver o artigo de Kripke Speakers Reference and Semantic Referencede 1977.45 T. Givn, op. cit., p. 83.

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    A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia

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    a) Disciplina complementar da Semntica das Condies-de-Verdade

    (referncia) cabe a ela descrever os componentes do significado

    dependentes de contexto para que a Semntica possa absorv-los e

    formaliz-los.

    b) Disciplina da significao total da linguagem natural (atos

    comunicativos sentido e referncia)

    Nesse caso, ela depender da Semntica, j que os componentes do

    significado de que trata parecem estabelecer-se sobre a base da referncia (pelo

    menos, as questes relativas a essa possvel base se encontram em estado mais

    adiantado de formalizao).

    Aqui, cabe, finalmente, tentar resumir a nossa posio para uma definiopositiva da Pragmtica e para a delimitao do seu objeto.

    Consideremos, para esse fim, trs tipos de inferncias contextuais:

    a) o contexto lingstico (o lxico e a gramtica de uma dada lngua)

    ele que permite o sentido na concepo fregeana e as implicaturas

    conversacionais, por exemplo.

    b) o contexto possvel (lexicalizado ou gramaticalizado) ele que

    aparece no caso das pressuposies existenciais e, tambm, no casodas expresses indiciais.

    c) o contexto real (o contexto de produo do enunciado) Se o

    enunciado-objeto est sendo considerado um fragmento retirado de

    uma conversao, ento as propriedades do ato comunicativo devem

    ser consideradas. ele que possibilita os atos de fala, as implicaturas

    conversacionais, etc.

    Pragmtica, ento, caberia a tarefa de descrever fenmenos designificao em que os trs tipos de contexto interferissem. Em outras palavras, a

    Semntica seria a disciplina das condies-de-verdade dos enunciados, a

    Semntica da Referncia. A pragmtica seria a disciplina das condies

    comunicativas dos enunciados; Pragmtica do sentido, das implicaturas e dos atos

    de fala.

    Poder-se-ia, tambm, esclarecer as diferenas entre Semntica e

    Pragmtica usando-se a diferena entre o dito e o implicado. O dito est na

    relao do enunciado com o contexto comunicacional.

  • 7/27/2019 A Relevan