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cadernos Nietzsche 30, 2012 59 * Este artigo é parte dos resultados do meu estágio pós-doutoral na França, supervisiona- do pelo Prof. Dr. Patrick Wotling (Université de Reims Champagne-Ardennes). Agradeço ao suporte financeiro da CAPES (Projeto CAPES-COFECUB n. 611/08 “Crises e anátemas da modernidade filosófica: Spinoza e Nietzsche como sismos na metafísica da subjetividade”) e ao apoio da UNIOESTE. ** Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Toledo, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected]. A recepção de Nietzsche na França: da Revue philosophique de la France et de l´ Étranger ao período entreguerras * Wilson Antonio Frezzatti Jr** Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar as diversas formas assumidas pela recepção de Nietzsche na França no período 1890-1939. Nossa investigação histórica percorre a Revue philosophique de la France et de l´ Étranger de T. Ribot, a “moda Nietzsche” dos esnobes do início do século XX, a Grande Guerra e o período entreguerras. Uma característica bastante importante dessa recepção é a multiplicidade de perspectivas que se confrontaram diversas vezes. As interpretações e as distorções francesas, em alguns momentos, estiveram estreitamente ligadas a motivações políticas. Palavras-chave: esnobismo – fascismo – misticismo - Primeira Guerra Mundial - Revue philosophique de la France et de l´ Étranger A investigação da recepção de Nietzsche na França tem seu interesse por colocar em relevo algumas concepções acerca da filosofia nietzschiana e acerca do próprio status da atividade do pensador Friedrich Nietzsche. Algumas dessas concepções ainda aparecem atualmente em certos meios, prolongando leituras muito

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A recepção de Nietzsche na França

cadernos Nietzsche 30, 2012 59

* Este artigo é parte dos resultados do meu estágio pós-doutoral na França, supervisiona-do pelo Prof. Dr. Patrick Wotling (Université de Reims Champagne-Ardennes). Agradeço ao suporte financeiro da CAPES (Projeto CAPES-COFECUB n. 611/08 “Crises e anátemas da modernidade filosófica: Spinoza e Nietzsche como sismos na metafísica da subjetividade”) e ao apoio da UNIOESTE.** Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Toledo, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected].

A recepção de Nietzsche na França: da Revue philosophique de la France et de l´ Étranger ao período entreguerras*

Wilson Antonio Frezzatti Jr**

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar as diversas formas assumidas pela recepção de Nietzsche na França no período 1890-1939. Nossa investigação histórica percorre a Revue philosophique de la France et de l´ Étranger de T. Ribot, a “moda Nietzsche” dos esnobes do início do século XX, a Grande Guerra e o período entreguerras. Uma característica bastante importante dessa recepção é a multiplicidade de perspectivas que se confrontaram diversas vezes. As interpretações e as distorções francesas, em alguns momentos, estiveram estreitamente ligadas a motivações políticas. Palavras-chave: esnobismo – fascismo – misticismo - Primeira Guerra Mundial - Revue philosophique de la France et de l´ Étranger

A investigação da recepção de Nietzsche na França tem seu interesse por colocar em relevo algumas concepções acerca da filosofia nietzschiana e acerca do próprio status da atividade do pensador Friedrich Nietzsche. Algumas dessas concepções ainda aparecem atualmente em certos meios, prolongando leituras muito

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superficiais, distorcidas ou apoiadas em trechos retirados do con-texto: o poeta louco, o propagador do espírito bélico, o imoral, o individualista ególatra, o destruidor da harmonia social, entre ou-tras. Essas imagens do filósofo alemão aparecerão neste trabalho em meio a outras, mais favoráveis, tais como o filósofo original, o criador de teorias científicas, o inimigo da velha ordem, etc., sendo que algumas delas também se baseiam em interpretações não muito profundas. Nosso objetivo aqui é traçar, de forma crítica na medida do possível, o contexto do surgimento dessas concepções.

Iniciaremos com os textos sobre a filosofia nietzschiana publi-cados na Revue philosophique de la France et de l´ Étranger, editada na segunda metade do século XIX pelo filósofo e psicólogo francês Théodule Ribot. Embora o conteúdo dos textos seja variado, pre-valecem os temas morais, provocando interessante debate entre os resenhistas das obras sobre o filósofo alemão. Parte desse debate ocorre concomitantemente à “moda Nietzsche” dos salões parisien-ses (década de 1890 a 1914): paradoxalmente, como toda moda, ser diferente e obter realce dependia de aparentar ser um seguidor do filósofo alemão, tal qual vários outros indivíduos. Neste contexto, as imagens de profeta e de demolidor aparecem de modo impor-tante, valorizando um Nietzsche literato. Com o início da Grande Guerra (1914), o interesse sobre Nietzsche diminuiu bastante e as opiniões extremamente negativas – mesmo as fantasiosas – passam a predominar. O autor de Assim falava Zaratustra foi acusado por muitos de incentivar a agressão militar dos “bárbaros germânicos” contra os “civilizados franceses”. A animosidade contra o pensa-mento nietzschiano adiou a publicação do importante e grandioso estudo de Charles Andler sobre o filósofo alemão: Nietzsche, sa vie et sa pensée. A multiplicidade de abordagens ligadas a um uso polí-tico imediato no contexto francês ocorreu intensamente no período entreguerras, ganhando relevo uma apropriação pelos fascistas.

Temos que destacar uma das interpretações acerca da filosofia nietzschiana que aparece em nossa pesquisa: a investigação filo-sófica de Nietzsche, alemão prussiano de nascimento, parece estar

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mais adequadamente inserida no debate francês do que no debate alemão do último quarto do século XIX. Essa concepção foi forta-lecida pelos excertos em que o filósofo exalta a cultura francesa e ataca a alemã1. Assim, aproximamo-nos da proposta interpretativa de Marton (2009), na qual Nietzsche pode ser visto como um “fran-cês” entre franceses: a complexidade do pensamento nietzschiano, constituída por suas tensões e perspectivas agonísticas, refletiu-se na recepção francesa com suas “voltas e reviravoltas”.

A Revue philosophique de T. Ribot: o filósofo original versus o imoral enlouquecido

A Revue philosophique de la France et de l´ Étranger, em seu número 50 de 1900, p. 328, inclui imediatamente antes da impres-são uma nota de falecimento: “No momento de começar a imprimir, nós tomamos conhecimento da morte de F. Nietzsche, falecido em Weimar, à idade de cinquenta e seis anos, após um ataque de apo-plexia”. Não apenas Nietzsche era leitor da Revue philosophique2,

1 Por exemplo: “A minha suspeita do caráter alemão já se manifestou aos vinte e seis anos (ter-ceira extemporânea, p. 71). Os alemães são, para mim, impossíveis. Quando imagino uma es-pécie de homens contrários a todos meus instintos, é sempre um alemão [que imagino]” (EH/EH Caso Wagner § 4, KSA 6.362); e “Ainda agora a França é sede da cultura [Cultur] mais espiritual e mais refinada da Europa, e elevada [hohe] escola do gosto: mas se deve saber en-contrar essa ‘França do gosto’. Quem a ela pertence mantém-se bem oculto [...] Algo é comum a todos: eles mantêm os ouvidos fechados à furiosa tolice e ruidosa tagarelice da burguesia democrática. [...] há três coisas que ainda hoje os franceses podem exibir com orgulho, como sua herança e algo próprio, e como marca duradoura de uma antiga superioridade cultural na Europa, apesar de toda voluntária ou involuntária germanização e plebeização do gosto: [...] a capacidade para paixões artísticas [...] sua antiga e múltipla cultura [Cultur] moralista [...] uma síntese incompleta entre o Norte e o Sul” (JGB/BM 254, KSA 5.198-200).

2 Acerca da possível influência das idéias presentes na Revue philosophique sobre a filosofia de Nietzsche, especialmente sobre a noção de vontade de potência, sobre a doutrina dos im-pulsos e sobre as noções ligadas às questões culturais, cf. FREZZATTI Jr., W. A. Nietzsche e Théodule Ribot: Psicologia e superação da metafísica. In: Natureza humana, São Paulo, v. 12, n. 2, 2010, p. 1-28. Em duas cartas, uma a Paul Rée (início de agosto de 1877) e outra a Malwida von Meysenbug (4 de agosto do mesmo ano), o filósofo dá a entender que conhece muito bem o periódico (Briefe 5. 266 e 268).

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mas textos sobre ele (artigos e resenhas de livros sobre o filósofo e sobre a filosofia nietzschiana) apareciam na revista. Talvez a in-serção de seu necrológio em cima da hora indique uma elevada familiaridade dos leitores do periódico francês com o filósofo ale-mão. O filósofo e psicólogo francês Théodule Ribot foi o fundador e primeiro editor da Revue philosophique (1876-1916). Ribot, em-bora não clinicasse e não realizasse experimentos, é considerado o fundador da psicologia científica francesa e o responsável por sua consolidação enquanto disciplina independente, especificamente em relação à filosofia, ou seja, à metafísica. O periódico, que reunia partidários e adversários da “nova psicologia” (experimental e não metafísica), teve um papel central nessas discussões sobre o status da psicologia. O evento considerado o marco do sucesso desse pro-jeto de implantação de uma nova ciência é a criação, no Collége de France, em 1888, da cátedra de “Psicologia experimental e compa-rada”, assumida pelo próprio Ribot.

Fundada em 1876, a Revue philosophique agregava as discus-sões em torno da relação da psicologia com as ciências naturais e a filosofia. Percebemos que, embora mantivesse ainda uma rela-ção entre a psicologia e a filosofia, a linha editorial privilegiava a subordinação da segunda à primeira3. A sua periodicidade era

3 No texto inaugural, Ribot explicita como a revista divide os campos filosóficos: 1. Conhecimento teórico do homem: abrange a psicologia (a parte mais antiga da filosofia) acres-cida de anatomia, fisiologia, patologia mental, história e antropologia. A lógica e a estética não se distinguem da psicologia, já que a primeira envolve o estudo do mecanismo da razão humana e a segunda, a investigação do prazer causado pelo belo; 2. Moral e ciências afins: estudo das ações humanas. Uns pensam nela como a base de toda a filosofia, mas outros tentam fazer dela uma ciência humana livre de concepções religiosas e apoiada nas ciências naturais; 3. Ciências da natureza: teorias gerais, tais como o princípio de correlação das for-ças, a hipótese da evolução, as teorias químicas e as concepções acerca da vida; 4. Metafísica: aqui Ribot diz fazer uma concessão, pois todas as outras divisões estão, em algum grau, liga-das à experiência. No entanto, ainda assim o psicólogo francês relaciona a metafísica com a experiência: “A Revue guarda-lhe [à Metafísica] um lugar, pois ela não professa o empirismo puro; mas, aos próprios metafísicos, ela exigirá os fatos, persuadindo que nenhuma parte pode passar da experiência e que, onde ela falta, há apenas argúcias lógicas, criações imaginárias ou efusões místicas” (REVUE PHILOSOPHIQUE DE LA FRANCE ET L´ ÉTRANGER 1, 1876, p. 3); 5. História da filosofia: método crítico rigoroso que prevalece nos trabalhos históricos.

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semestral e possuía a seguinte estrutura: Artigos originais (Articles originaux); Notas, discussões, documentos (Notes, discussions, do-cuments), com assuntos específicos e pontuais, como, por exemplo, comentários de experimentos e teorias; Análises e relatórios críti-cos (Analyses et comptes rendus), com resenhas de livros e artigos atuais ou passados; Revisão de periódicos (Revue de périodiques), seção na qual os principais periódicos científicos e filosóficos eram listados com seus artigos; Principais artigos (Principaux articles), na qual alguns artigos da seção anterior recebiam uma resenha e um comentário crítico. A partir de 1886, o periódico passou a trazer textos da Société de Psychologie Physiologique numa nova seção.

Os textos que tratam diretamente do pensamento de Nietzsche aparecem entre os volumes 34 (1892) e 123 (1937), sendo um total de cinqüenta e um, incluindo o necrológio (1900) e um pequeno texto de 1863 do próprio filósofo alemão, traduzido por Geneviève Bianquis (1937). Há apenas seis artigos, e o restante é composto por resenhas ou notas bibliográficas. Entretanto, é justamente nesses últimos que ocorre o debate propriamente francês sobre a filosofia nietzschiana4. Nesses relatos críticos, os resenhistas posicionavam--se sobre o texto analisado e sobre a filosofia nietzschiana, havendo autores de resenhas que a defendiam em algumas ocasiões (por exemplo, Georges Palante e Louis Weber) e aqueles que a rejeitavam (por exemplo, Alfred Fouillée e Lucien Arréat). Os próprios rese-nhistas argumentavam e contra-argumentavam uns contra os outros por meio das análises críticas. Podemos, através desses debates, traçar um perfil da recepção francesa de Nietzsche entre filósofos,

4 Os títulos das subseções das comptes rendus podem nos dar uma noção de como o pensamen-to de Nietzsche era visto pelos franceses. Geralmente, as resenhas de livros sobre Nietzsche encontravam-se sob o título “Philosophie générale” ou “Histoire de la philosophie”. As duas resenhas do volume 56 (1903) estão na subseção “Philosophie nietzschéenne”; as seis do volume 59 (1905), na subseção “Ouvrages sur Nietzsche”; e aquela do volume 87 (1919), na subseção “Sociologie”. O auge da “moda Nietzsche” ocorreu na década de 1900 e, durante a Grande Guerra, a rejeição do pensamento nietzschiano era muito forte.

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psicólogos e fisiologistas no período entre 1890 e 1937, sendo níti dos um aumento e uma radicalização de sua rejeição na época da Grande Guerra (1914-1918). Daremos alguns exemplos desses debates.

O primeiro aparecimento de Nietzsche na Revue philosophique ocorre na resenha crítica (compte rendu) de Lucien Arréat sobre um livro alemão de Robert Schellwien: Max Stirner und Friedrich Nietzsche, Erscheinungen des modernen Geistes, und das Wesen des Menschen (Max Stirner e Friedrich Nietzsche, aparecimento do espí-rito moderno e da essência do homem, 1892)5. O autor da resenha considera que o livro tem um real interesse, já que traz dois filó-sofos pouco conhecidos dos franceses6, “apesar das riquezas para-doxais e o mérito literário” que possuem na Alemanha. Schellwien vê Nietzsche e Stirner como profetas audaciosos e construtores de uma filosofia individualista: esse seria o lugar deles na história do

5 Cf. ARRÉAT, L. Compte rendu: Robert Schellwien. Max Stirner und Friedrich Nietzsche, Erscheinungen des modernen Geistes, und das Wesen des Menschen. Leipzig: Pleffer, 1892. In: Revue philosophique da la France et de l´ Étranger, Paris, n. 34, 1892, p. 331-335.

6 Arréat, em nota, diz achar que há um estudo sobre Nietzsche na Revue Bleue. Esse periódico foi publicado entre 1863 e 1939, assumindo vários nomes. Seu primeiro nome foi La Revue Politique et Littéraire, recebendo o título Revue Bleue a partir de julho de 1884 devido à cor de sua cobertura. Paralelamente, publica-se a Revue Scientifique, conhecida também por Revue Rose. Arréat refere-se ao artigo de Téodor de Wyzewa: “Frédéric Nietzsche: le dernier mé-taphysicien” (tomo XLVIII, 2ème semestre 1891, p. 586-592). Wyzewa era um musicologista francês, pertecente ao movimento simbolista, criador, em 1885, de La Revue Wagnérienne e autor de outros textos sobre Nietzsche: “La jeunesse de Frédéric Nietzsche” (1896), “L´ Amitié de Frédéric Nietzsche et de Richard Wagner” (1897), “Documents nouveaux sur Frédéric Nietzsche” (1899), “À propôs de la mort de Nietzsche” (1900) e “Un ami de Frédéric Nietzsche: Erwin Rohde” (1902). Sobre a relação dos wagnerianos franceses com Nietzsche, cf. MARTON, S. Voltas e reviravoltas: acerca da recepção de Nietzsche na França. In: MARTON, S. (org.). Nietzsche, um “francês” entre franceses. São Paulo: Barcarolla: Discurso, 2009, p. 20-22. Em CARASSUS, E. Le Snobisme et les lettres françaises: de Paul Bourget à Marcel Proust. 1884-1914. Paris: Armand Colin, 1966, p. 359, encontramos referências a outros textos sobre Nietzsche publicados no início da década de 1890 na França: Jean de Nethy, Revue Blanche 23/abril/1892; Charles Victor Cherbuliez, Revue des Deux Mondes 1/outubro/1892; Louis Stein, Revue Bleue 9/dezembro/1893; e Henri Albert, Mercure de France janeiro 1893 a janeiro 1894.

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pensamento moderno – ao negar-se o absoluto, afirma-se o indivi-dual, e os dois filósofos pretendem libertar o pensamento e o indi-víduo de tudo o que lhe aprisiona. Após apresentar as diretrizes principais da obra em alemão, Arréat, em outra nota, afirma que o principal livro de Nietzsche é Além de bem e mal e que soube, por um jornal alemão, que Nietzsche sofreu de alienação mental e permanece em um asilo: lamenta que Schellwien não dê detalhes biográficos de Nietzsche e Stirner. Em seguida, o resenhista fran-cês apresenta os dois pensadores conforme Schellwien, acrescen-tando que o autor corrige e avança “essas doutrinas extravagantes” através de uma dialética muito elaborada (identidade dos contrá-rios: ser e pensar, liberdade e necessidade). Arréat, no fim, parece corroborar a conclusão do texto alemão: as teorias de Nietzsche e Stirner marcam uma reação necessária ao aviltamento do homem e ao triunfo da mediocridade, “que talvez sejam a paixão secreta, inconfessável do socialismo e da democracia”.

O tom quase reticente de Arréat no texto acima descrito, talvez por sentir que conhecia muito pouco o pensamento nietzschiano, é substituído por um posicionamento mais claro na segunda aparição de Nietzsche na Revue philosophique: a resenha de Friedrich Niet-zsche. Ein psychologisher Versuch (Friedrich Nietzsche. Um ensaio psicológico, 1893), de Wilhelm Weigand. Para o resenhista francês, Weigand escreve um livro interessante, sem pedantismo e exagero, pois é um poeta com conhecimento filosófico e entende “os tormen-tos intelectuais desta geração nova, da qual Nietzsche tornou-se, na Alemanha, em um dos profetas amados7.” O livro pretende, emu-lando Caso Wagner, tratar o “problema Nietzsche” como um caso para um psicólogo, pois encontraríamos na alma nietzschiana tudo o que aflige a alma moderna “plena de contradições”: para abor-dar o pensamento nietzschiano não bastariam filosofia e discurso

7 ARRÉAT, L. Compte rendu: Wilhelm Weigand. Friedrich Nietzsche. Ein psychologisher Versuch. Munchen: Luksachik, 1893. In: Revue philosophique da la France et de l´ Étranger, Paris, n. 36, 1893, p. 105.

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racional, é necessário ser psicólogo e artista. Apoiando-se em Weigand, Arréat destaca que o filósofo alemão sempre apresentou desequilíbrio, sofrimento, exagero e crítica exacerbada: Nietzsche escrevia sobre “a noite que envolvia seu espírito”. Segundo Wei-gand, pouco importa se os livros de Nietzsche contêm mais erros do que verdades, pois sua força vem de ter sentido profundamente as misérias da existência. Para Arréat, Weigand é simpático a Niet-zsche, mas pretende corrigir o filósofo alemão pelo espírito francês do século XVIII e pelo espírito de Goethe. No final da resenha, o escritor francês censura Wiegand, utilizando-se da imagem do Nietzsche profeta. Ao acusar o autor do livro de ter saudades de um passado destruído e medo do futuro, afirma: “Os melhores profetas nunca vêem longe no futuro: é uma desculpa para a revolução de ontem, uma segurança contra aquela de amanhã8”.

Embora ainda feita de modo indireto e, por vezes, metafórico, as críticas de Arréat contra Nietzsche se intensificam. Na rese-nha de Friedrich Nietzsche´s Weltanschauung und ihre Gefahren (A visão de mundo de Friedrich Nietzsche e seus perigos, 1893), de Ludwig Stein, o francês detecta o crescimento da literatura sobre Nietzsche e considera que a importância do herói não a justifica. Apesar de Stein reagir contra a”influência maléfica da pretensa filosofia de mundo de Nietzsche”, que seria um novo rebento, em forma aforismática, da escola cínica, ele recusa-se, segundo Arréat, a perceber os traços de desequilíbrio mental dos últimos escritos nietzschianos: “ele esquece que o terreno já estava preparado, sem dúvida, pela doença, e não poderia produzir frutos absolutamente sãos9.” Na França e na Alemanha, sentencia, os charlatães ten-tam de tudo para aparecer, o melhor seria ignorá-los. Na resenha do livro de Rudolf Steiner, Friedrich Nietzsche, ein Kämpfer gegen

8 Ibidem, p. 106.9 Idem, Compte rendu: Ludwig Stein. Friedrich Nietzsche´s Weltanschauung und ihre

Gefahren. Berlin: 9. Reimer, 1893. In: Revue philosophique da la France et de l´ Étranger, Paris, n. 37, 1894, p. 682.

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seine Zeit (Friedrich Nietzsche, um combatente contra seu tempo, 1895)10, Arréat novamente acusa o autor de não perceber os defei-tos de Nietzsche, embora reconheça que a doutrina nietzschiana seja apresentada com clareza. As qualidades literárias do filósofo alemão mascarariam as suas falhas lógicas e incoerências. A con-cepção de indivíduo é absurda, o Übermensch é um “monstro in-compreensível” e, não contente em atacar o socialismo, Kant e a objetividade científica, Nietzsche desfiguraria suas próprias idéias, tornando-as um delírio. O “ilustre e infortunado pensador” exagera tanto um pensamento correto que o deforma11.

De modo geral, parece que Arrét preocupa-se constantemente em apontar nos livros resenhados a falta de percepção, por parte de seus autores, da loucura e do desequilíbrio de Nietzsche12. Além disso, procura minimizar o impacto dos escritos do filósofo alemão13. Ao desqualificar a filosofia nietzschiana, evidencia os ró-tulos de louco, profeta e poeta.

10 Cf. Idem, Compte rendu: Rudolf Steiner. Friedrich Nietzsche, ein Kämpfer gegen seine Zeit. Weimer: E. Felber, 1895. In: Revue philosophique da la France et de l´ Étranger, Paris, n. 41, 1896, p. 463-464.

11 Cf. Idem, Compte rendu: Ernst Horneffer. Nietzsches Lehre von der Ewigen Wiederkunft und deren bisherige Veröffentlichung. Leipzig: Naumann, 1900. In: Revue philosophique da la France et de l´ Étranger, Paris, n. 50, 1900, p. 314.

12 Faz isso até mesmo numa análise grafológica publicada na Revue philosophique em 1903 pela Baronesa de Ungern-Sternberg. Arréat, para discordar da posição que, nos primeiros escritos de Nietzsche, sua letra indicava saúde, solidez e também genialidade, afirma que as conclusões da grafologia não podem ser levadas em conta, pois são provisórias, hipotéticas e baseadas em poucos elementos (cf. Idem, Compte rendu: Isabelle, Freifrau von Ungern-Sternberg. Nietzsche im Spiegelbilde seiner Schrift. Leipzig: Naumann, sd. In: Revue phi-losophique da la France et de l´ Étranger, Paris, n. 56, 1903, p. 103-106). Uma exceção, no entanto, parece ser a resenha de Nietzsche et les théories biologiques comtemporaines (1911), de Claire Richter. Arréat aponta que a autora não esconde sua real simpatia por Nietzsche, porém ela constata o niilismo exagerado do “último período consciente do infeliz filósofo que assume um aspecto trágico” (Idem, Compte rendu: Claire Richter. Nietzsche et les théories biologiques contemporaines. Paris: Mercure de France, 1911. In: Revue philosophique da la France et de l´ Étranger, Paris, n. 72, 1911, p. 318): Richter considera que a necessidade mórbida de dissecar continuamente seus pensamentos anuncia os primeiros estágios da do-ença cerebral de Nietzsche.

13 Arréat, referindo-se a O anticristo, diz que, por ser exagerado, Nietzsche foi injusto com a Igreja e que o verdadeiro perigo para a Igreja não é uma obra em particular, mas a decadência

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Outros autores de resenhas na Revue philosophique, no entanto, viram coerência em Nietzsche, mesmo levando em consideração uma pretensa loucura ou pretensas contradições. H. Daudin, na resenha de La morale de Nietzsche (1902), concorda com seu au-tor, Pierre Lasserre, que o filósofo alemão não despreza a razão simplesmente. Devido à sua experiência pessoal dolorosa, Nietzs-che buscaria uma conciliação entre instinto e pensamento racio-nal. Ele teria tentado mostrar que se deve encontrar, para cada temperamento, uma conciliação entre a espontaneidade afetiva e a consciência refletida, e, para isso, é necessário organizar a multi-plicidade de conhecimentos objetivos pelo conjunto de sentimen-tos potentes14. Daudin acrescenta, ainda baseado em Lasserre, que Nietzsche foi criticado por ter louvado a brutalidade e desprezado a razão, mas, mais do que ninguém, ele teria conhecido o estado de indecisão e fraqueza que resulta da hipertrofia da inteligência.

Georges Palante opõe-se a outro resenhista que desprezava as idéias de Nietzsche como irracionalismo e loucura: Alfred Fouil-lée, que, em seu livro Nietzsche et l´ immoralisme (1902), pretende refutar “o novo Protágoras” e seu individualismo e imoralismo por meio da noção de idéias-forças15. Fouillée, segundo Palante, é obrigado a atacar as contradições existentes entre o “ilusionismo nietzschiano” e suas teorias fortemente dogmáticas (eterno retorno

secular que ataca, transforma ou destrói todas as instituições humanas (cf. Idem, Compte rendu: Engelbert Lorenz Fischer. Friedrich Nietzsche: Der “Antichrist” in der neuesten Philosophie. Manz: Regenburg, 1901. In: Revue philosophique da la France et de l´ Étranger, Paris, n. 52, 1901, p. 332).

14 Cf. DAUDIN, H. Compte rendu: Pierre Lasserre. La morale de Nietzsche. Paris: Mercure de France, 1902. In: Revue philosophique da la France et de l´ Étranger, Paris, n. 55, 1903, p. 112.

15 Alfred Fouillée expõe suas concepções sobre moral e ataca Nietzsche em dois artigos na Revue philosophique: “Les jugements de Nietzsche sur Guyau d´ après des documents inédits” (n. 52, 1901); e “La volonté de conscience comme fondement philosophique de la morale” (n. 66, 1908). A doutrina das ideias-força pretende reconciliar o idealismo metafí-sico com o naturalismo e o mecanicismo: a mente é uma causa eficiente, e as idéias têm a tendência a se efetivarem no momento oportuno. Sobre as idéias-força, Fouillée escreveu: L´ Évolutionisme des idées-forces (1890), La Psychologie des idées-forces (1893) e La morale des idées-forces (1907).

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e além-do-homem), porque o “panfenomenalismo” nietzschiano se-ria uma filosofia irrefutável16. Embora Palante discorde do “severo julgamento” do imoralismo de Nietzsche, pois Fouillée o atribui à decadência e à falta de razão, ele se diz irritado com as críti-cas contra a originalidade: Fouillée esforça-se por mostrar que a maioria das teses nietzschianas foi retirada de outros autores, es-pecialmente filósofos franceses17. Mas, pergunta Palante, o que isso diminui a originalidade de Nietzsche no conjunto de sua construção filosófica, especialmente em relação às conseqüências da vontade de potência? Quanto às contradições, Palante as considera nume-rosas, mas, sobretudo, aparentes: a extrema visibilidade dessas contradições, justamente, deveria nos alertar sobre essa aparência. A filosofia de Nietzsche não é algo fixo, mas em movimento: teses opostas, em tal filosofia, podem ser verdadeiras em planos dife-rentes e em diversos “graus da evolução de seu pensamento”. Não se trata de, para Palante, colocar Nietzsche ao lado de uma lógica rígida, porém de uma lógica mais flexível, que se move como a pró-pria vida, ligada aos pensamentos intuitivos. A Nietzsche conviria o pensamento de Émerson: “Um terror que nos afasta da confiança em nós mesmos18.” O resenhista reconhece o pensamento nietzs-chiano como móvel e multiforme, apresentando planos diversos de uma mesma idéia. Ele questiona se Fouillée realmente entendeu o imoralismo nietzschiano. Se esse imoralismo se limitasse a ape-nas apontar as imperfeições e as hipocrisias da moralidade vigente, ele seria banal. Entretanto, Palante aponta que a originalidade de Nietzsche consiste em rejeitar todo ideal, exterior ou interior, im-posto ou sugerido, direta ou indiretamente, proposto pela sociedade ao indivíduo. O filósofo alemão denunciaria a mentira de todos os

16 Cf. PALANTE, G. Compte rendu: Alfred Fouillée. Nietzsche et le immoralisme. Paris: F. Alcan, 1902. In: Revue philosophique da la France et de l´ Étranger, Paris, n. 55, 1903, p. 94.

17 Por exemplo, a primeira dissertação de Genealogia da moral seria cópia do capítulo dez de A vida de Jesus, de Ernest Renan (Reino de Deus dos pobres) (cf. Ibidem, p. 96).

18 ÉMERSON. Ensaios (Apud Ibidem, p. 97).

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racionalismos herdeiros das religiões que, em nome de uma idéia (unidade, igualdade e fraternidade universais), querem impor ao indivíduo um conformismo: submissão à sociedade e à mentalidade vigente. Nietzsche, segundo Palante, junto com Karl Marx e Max Stirner, privilegiaria a ação em detrimento da teoria19.

Sobre a questão da relação entre a obra de Nietzsche e a lou-cura, Palante se posiciona claramente em outra resenha, publicada em 1905: Nietzsches Philosophie (1904), de Arthur Drews. Consi-derado um bom trabalho sobre o conjunto do pensamento de Niet-zsche, o volumoso livro rejeita a noção de filosofia que toma seu ponto de partida no cogito cartesiano e tem como meta explicar a realidade através do pensamento. Essa concepção desembocaria no “subjetivismo fenomenalista” de Nietzsche. O “cogito, ergo sum” não pode penetrar a essência das coisas e se dissolve em suas pró-prias conseqüências. O filósofo alemão, segundo Drews, mostrou isso não apenas por sua filosofia, mas também por seu destino. O sacrifício de Nietzsche não deveria ser em vão e deveria ensinar que toda tentativa de entender o Ser imediatamente na consciência individual leva fatalmente à loucura, ao aniquilamento completo e à extinção da inteligência. Drews contrapõe à filosofia subjetivista o que ele denomina de monismo concreto do espírito absoluto in-consciente. Palante questiona se a filosofia nietzschiana procede da cartesiana, mas seu foco principal é derrubar a idéia de refutar uma filosofia por suas consequências, principalmente de considerá-la como causa de loucura. O subjetivismo fenomenalista do mundo não exclui a perfeita saúde mental. Diz Palante: “deve-se ver que

19 No restante do texto, Palante utilizará Nietzsche para defender o individualismo contra os ataques de Fouillée. Apesar desse embate, o resenhista afirma que não considera Fouillée um intelectualista autoritário, já que ele teria sido um dos primeiros a abraçar o kantismo na França. O problema estaria em sua teleologia imanente: o altruísmo é bom em si, e o egoís-mo, mau em si. Georges Palante publica três artigos na Revue philosophique que discutem individualismo, moral e a filosofia de Nietzsche: “Le dilettantisme social et la philosophie du ‘surhomme’” (n. 50, 1900); “Anarchisme et individualisme: étude de psychologie sociale” (n. 63, 1907); e “Deux types d´ immoralisme” (n. 65, 1908).

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os filósofos são como os alimentos: agradam a uns e não a outros20”. O resenhista afirma que o que nos convém em um momento, não convém em outro, e, acrescenta, talvez baseado no prefácio de A gaia ciência, que uma inteligência firme se mantém intacta a essas mudanças, as quais são para ela condição de saúde. Além disso, a doença de um homem, ele arremata, tem efeito retroativo sobre o valor do que ele fez anteriormente?

Na resenha de Théodule Ribot, em 1903, transparece a idéia de que Nietzsche é muito falado, mas pouco conhecido de fato. O livro em questão é do filósofo italiano e membro da Academia dos Linceus Francesco Orestano: Le idee fondamentali di F. Nietzsche nel loro progressivo svolgimento: esposizione e critica (A idéia funda-mental de F. Nietzsche em seu desenvolvimento progressivo: exposição e crítica, 1903). Orestano justifica o aparecimento de mais um livro sobre Nietzsche, considerando sua genial originalidade que poucos tentaram penetrar profundamente. Os quatro primeiros capítulos da obra correspondem aos quatro períodos da produção nietzschiana propostos pelo italiano: 1) 1869-1876: principalmente, O nasci-mento da tragédia e Considerações extemporâneas; 2) 1876-1879: os textos de Humano, demasiado humano; 3) 1880-1884: no qual Nietzsche atinge sua completa independência intelectual: Aurora, Assim falava Zaratustra, A gaia ciência e textos sobre o eterno re-torno; e 4) 1885-1888: no qual Nietzsche quer dar uma expres-são sistemática e completa à sua doutrina: Caso Wagner, Nietzsche contra Wagner, Além de bem e mal, Genealogia da moral, A von-tade de potência, O anticristo, póstumos sobre vontade de potência e Estudos e fragmentos21. Ribot afirma que, em sua resenha, não se deterá sobre os três primeiros capítulos, pois as obras desses períodos foram tão analisadas e discutidas que Orestano só pode

20 Idem, Compte rendu: Arthur Drews. Nietzsches Philosophie. Heidelberg: Carl Winter, 1904. In: Revue philosophique da la France et de l´ Étranger, Paris, n. 59, 1905, p. 323.

21 Orestano parece referir-se às obras conforme a edição NIETZSCHE, F. Werke. Leipzig: C. G. Naumann, 1895-1913. 15 Bd.

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se diferenciar dos outros nos detalhes22. Acerca do quarto período, o francês concorda plenamente com Orestano a respeito de Assim falava Zaratustra. Esse livro pertence a uma fase do pensamento de Nietzsche que ele mesmo superou, o que se contrapõe àqueles que “entendem Nietzsche apenas por esse livro”. Assim falava Zaratus-tra foi escrito numa intensa atividade poética do filósofo alemão: “sua destinação natural era traduzir um conjunto complexo de pen-samentos filosóficos e científicos numa obra de arte23.” Uma con-seqüência importante dessa perspectiva assumida pelos autores é o abandono da noção de Übermensch: após Assim falava Zaratustra, o além-do-homem aparece muito raramente e perde sua significação, sendo substituído pela idéia de uma humanidade mais potente. Em A vontade de potência, haveria um conjunto de aspectos que se opo-riam à sua obra de arte (Assim falava Zaratustra), notadamente um antidarwinismo. Com isso, percebemos que Ribot entende o além--do-homem a partir de um ponto de vista progressista e darwinista. Outro aspecto do livro italiano valorizado pelo psicólogo francês é que Orestano, ao contrário dos outros que escreveram sobre o pen-samento nietzschiano, estuda longamente os póstumos (volume XV das obras completas). Nesses textos, segundo Ribot, encontrar-se-ia uma nova tábua de valores. Ao comentar o quinto e último capítulo, no qual Orestano faz uma análise da posição do pensamento nietzs-chiano24, o psicólogo francês considera a obra como uma das mais completas sobre a filosofia de Nietzsche.

22 Cf. RIBOT, T. Compte rendu: Francesco Orestano. Le idee fondamentali di F. Nietzsche nel loro progressivo svolgimento: esposizione e critica. Palermo: Reber, 1903. In: Revue phi-losophique da la France et de l´ Étranger, Paris, n. 55, 1903, p. 454.

23 Orestano Apud Ibidem, p. 454.24 Nesse capítulo, Orestano critica Vaihinger por ter associado Nietzsche a Schopenhauer

e Darwin. Isso não seria possível, pois a vontade nietzschiana não é coisa-em-si, e o filóso-fo alemão não aceita a seleção natural. O italiano associa Nietzsche a Heráclito. Orestano afirma também que, embora repudie toda metafísica, o filósofo alemão constrói uma: o feno-menalismo absoluto. Além disso, por utilizar a noção de tempo infinito, a doutrina do eterno retorno é metafísica. O filósofo italiano critica os “paradoxos morais” nietzschianos e o acusa de unilateralismo: por que tomar o ponto de vista da vontade de potência e não, por exemplo, o do amor? Porém, Orestano ressalta dois aspectos que, embora não originais, Nietzsche

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Apesar de encontrarmos nesses últimos colunistas da Revue philosophique equívocos sobre a filosofia nietzschiana, eles se opõem a Arréat num aspecto crucial: dão ao pensamento nietzs-chiano um estatuto filosófico.

A “moda Nietzsche”: ser diferente imitando Nietzsche

Carassus (1966), em seu estudo sobre o esnobismo e a litera-tura francesa entre 1884 e 1914, faz várias referências dispersas sobre a presença de Nietzsche entre os snobs. O autor apresenta uma multiplicidade de definições do termo esnobismo (snobisme), considerando-o fluido e possuidor de várias nuanças, mas man-tendo relação com as novidades e as modas, dando-lhe um ca-ráter paradoxal: consciência de uma superioridade verdadeira ou imaginária, que pode isolar ou, ao contrário, estimular reuniões; admiração de caráter artístico, intelectual ou social; satisfação de se sentir na moda; desejo de parecer ultrapassar a moda e mesmo desprezá-la; desafio à vulgaridade; necessidade de promoção; ne-cessidade de lutar contra o determinismo social; se, em aspectos inferiores, é vaidade e tolice sem discernimento, em aspectos eleva-dos, responde à inquietação humana25. Um dos locais privilegiados para o exercício do esnobismo eram os salões mundanos parisien-ses, onde as novidades artísticas e intelectuais se disseminavam. O salão de Henriette e Robert de Bonnières era um dos mais famo-sos, frequentado por Hippolyte Taine, Ernest Renan e Edmond de Goncourt. Henriette gostava de dizer: “Eu traduzo Nietzsche, mi-nha querida, esse é um filósofo cujo gênio vai tudo perturbar [bou-leverser]. Ele nega o fenômeno26.” Os snobs nem sempre liam sobre

imprimiria neles sua genialidade: 1) Toda ética ou toda religião que nega a vida é falsa; e 2) A sociedade deve ser dirigida pelos indivíduos superiores.

25 Cf. CARASSUS, E., Ibidem, p. 5-6 e 604-606.26 Cf. Ibidem, p. 87.

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o que falavam, mas Carassus considera que, entre aqueles que se diziam wagnerianos e nietzschianos, a leitura ocorria geralmente, embora preponderasse o exagero e a ausência de espírito crítico27.

Nietzsche, segundo Carassus, aparece como um entre muitos outros modismos. Entre 1884 e 1914, ele relaciona os seguintes: o naturalismo; as nevroses; as pinturas de Gustave Moreau; os po-emas de Baudelaire e de Mallarmé; a poesia inglesa pelo viés de Bourget; Tolstói; Wagner; o ocultismo e o misticismo; o socialismo e o anarquismo; e os novos profetas: o demolidor Nietzsche e o poeta italiano Gabriele d´ Annunzio28. O filósofo alemão, além de seu próprio modismo, aparece associado também a outros29, sendo que a “moda Nietzsche” e suas polêmicas parecem ter perdurado da década de 1890 até o início da guerra em 1914.

Em 1894, surge Dégénérescence, a tradução francesa de Entar-tung (1892), de Max Nordau, texto em que o desprezo pelos valores vigentes, uma importante característica dos esnobes, era um sin-toma de degeneração e histeria30. Outros sintomas seriam lascívia, uso de excitantes, consumo de alimentos artificialmente adultera-dos, misticismo e egotismo. Associados ao misticismo, estavam o simbolismo, o wagnerianismo e o tolstoismo. Associados à egolatria, apareciam os parnasianos, os demonologistas e os admiradores de Henrik Ibsen e de Nietzsche31. Assim, temos desde cedo a ligação do filósofo alemão ao esnobismo, e, neste período, o fator comum é a nevrose, a degeneração e a loucura. Um exemplo dessa liga-ção é o artigo publicado no Le Figaro em 1895 por Léon Daudet:

27 Cf. Ibidem, p. 192-193.28 Cf. Ibidem, p. 168.29 Além daqueles modismos que iremos citar adiante, Carassus aponta que as obras de Ibsen

e Nietzsche, do modo que eram entendidas, favoreciam o esnobismo anarquista e o esnobis-mo ocultista. Por exemplo, em Faut-il devenir mage? (1909), de F. Divoire, o filósofo alemão aparecia juntamente com Péladan e Eliphas Lévi. (cf. Ibidem, p. 374 e 399)

30 Cf. Ibidem, p. 180-181.31 Carassus indica que, no texto de Nordau, a questão da degeneração incluía uma crítica

alemã às letras francesas (cf. Ibidem, p. 181).

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um resumo do romance Les Kamtchatka do próprio autor. A crítica aos esnobes mórbidos estava presente na obra: uma das persona-gens – uma mulher sedutora – levantava à noite para ler Nietzsche32.

Após o esnobismo das nevroses, uma discussão estética fica em evidência até 1904, quando ela também é considerada ultrapassada e a ação e a energia passam estar em voga33. A partir de então, o modismo é superar a decadência e rejeitar os autores nórdicos. Os nomes de Maurice Barrès (anarquismo), d´Annunzio (paganismo), Napoleão, Henri Berson (sua filosofia era considerada um hino à vida) e Nietzsche estão em evidência34. Uma grande atenção é di-recionada aos autores latinos, e a expressão do filósofo alemão é vista mais como latina do que como germânica35. O exotismo dos escritores estrangeiros era preconizado como uma forma de infun-dir sangue novo à literatura francesa36. O sentimento mediterrâneo da volúpia, das flores, da paixão e do desejo violento se juntam a um élan ideal e místico, aos apelos da pureza e do espírito.

32 Cf. Ibidem, p. 171.33 Cf. Ibidem, p. 206-208.34 Deve-se chamar atenção para dois fatos: 1) Nietzsche também estava em evidência no

esnobismo estético; e 2) As questões estéticas, por sua vez, também estavam presentes, e de forma importante, após 1904, misturando-se com a exortação ao fortalecimento.

35 Enquanto Edouard Schuré e Téodor de Wyzewa mostravam Nietzsche como um destruidor, Georges Sorel, Daniel Halévy e Daudet percebiam no filósofo alemão uma estética mediter-rânea perpassada por antigermanismo e antidemocracia (cf. Ibidem, p. 294).

36 O esnobismo e sua propagação do exotismo e dos estrangeirismos, obviamente, não esta-vam livres de fortes resistências. Em 1894, Edmond de Goncourt escrevia em seu periódico que o estado atual do espírito francês era de domesticação, e indignava-se contra a admiração aos estrangeiros. O socialista Léon Blum criticava d´Annunzio e o culto aos estrangeiros pelos esnobes. No início da década de 1910, artigos em periódicos denunciavam o perigo do esnobismo: os esnobes se consideravam avançados, mas seus detratores ressaltavam que eles rejeitavam toda idéia sana, proba, tradicional e francesa. Por exemplo, uma charge de d´Ostoya em L´ Assiete au beurre de 29/janeiro/1910 traz a seguinte legenda:

“- Que faites-vous pour le moment, cher maître? M. Robert de Montesquiou: - Je traduis em français mes premiers poèmes.” Em 1914, o esnobismo, no geral, passou a estar mais afinado e harmonioso com a alma

nacional. Carassus comenta que, paradoxalmente, de Tolstói a Nietzsche e d´Annunzio, o desenvolvimento do esnobismo desemboca, na época da guerra, mais em um chauvinismo elegante que em um internacionalismo antimilitarista (cf. Ibidem, p. 212-213, 353 e 538).

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D´Annunzio, segundo o crítico literário Daumic (1895), unia rea-lismo, o gosto por uma psicologia semelhante à de Bourget, bau-delairianismo (perversidade católico-erótica), evangelismo russo, pré-rafaelismo, o gosto por Nietzsche e Wagner; enfim, representava uma Itália plástica e voluptuosa. O Nietzsche mediterrâneo aca-bou por se opor ao wagnerismo, pois alguns consideravam que este estava impregnado de uma vulgaridade germânica37. Os escritores Georges Casella e Ernest Gaubert, autores de Nouvelle littérature (1895-1905), exaltavam Zaratustra por sua contribuição em aniqui-lar na França a hipocrisia sentimental germânica38.

Entre o fim do século XIX e início do século XX, Hughes Rebell publica em L´Ermitage os primeiros excertos de Nietzsche. Rebell, apoiado em sua interpretação de Nietzsche, rejeitava a democracia e o “cristianismo tristonho”, e buscava uma vida exuberante, mag-nificente e rica em atividades estéticas. Contra o obscurantismo, o socialismo e a anarquia, ele propunha a união de três aristocracias: a do nome, a do dinheiro e a do pensamento39.

Nietzsche atraia os esnobes também por um pretenso individua-lismo de sua filosofia. Muitos queriam se transformar em nietzschia-nos e há uma proliferação de além-do-homens: no início do século XX, o esnobismo nietzchiano está no auge. O conhecimento sobre Nietzsche era superficial e seu nome estava ligado a grosserias. O nietzschianismo simplificado e deturpado, segundo Carassus40, assumiu diversas formas nos salões franceses: o imoralismo gros-seiro que pregava a licença de tudo fazer para os além-do-homens; o esteticismo que glorifica as sensações multiplicadas por meio do apelo a todas as formas de arte e beleza; o individualismo que va-loriza a originalidade e a independência; ataques contra a demo-cracia, Tolstói e Ibsen (por exemplo, Léon Daudet e Maurice Pujo).

37 Cf. Ibidem, p. 352-353 e 358.38 Cf. Ibidem, p. 358.39 Cf. Ibidem, p. 359-360.40 Cf. Ibidem, p. 363.

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Os exemplos na literatura também são abundantes. Clarisse Hellé-nault, personagem de La Ville Lumière (1904), de Camille Mauclair (pseudônimo de Séverin Faust), considerava-se desprovida de pre-conceitos e discípula de Nietzsche, mas sua liberdade é artificial e uma desculpa para suas taras. Embora Mauclair condene os esno-bes nietzschianos, os capítulos do livro são precedidos de epígra-fes extraídas de Assim falava Zaratustra. Em Mouettes (1906), de Paul Adam, a personagem Chambalot teve que renunciar a viver porque não teve coragem de fazer outros sofrerem. Richard Peaus-sier, personagem de Grands bourgeois (1906), de Abel Hermant, segue o mesmo padrão esnobe de Hellénault41. Em L´ Homme de désir (1913), de Robert Vallery-Radot, o protagonista confessa ter se associado, em seus delírios intelectuais, ao misticismo, isto é, Oscar Wilde e Nietzsche.

Desde cedo, portanto, as caricaturas do pensamento de Nietzs-che estavam presentes. Entretanto, as condenações dessas leituras superficiais e dos exageros também42. Jean Rameau (artigo “La vie et la littérature”, Le Gaulois 7/outubro/1898) revela que as nietzsche-ries, na verdade, são extraídas de d´ Annunzio, Ibsen, George Sand e dos periódicos anarquistas: são adornos de salão dissimulados com o nome de Nietzsche. Remy de Gourmont (artigo “Les Nietzschéen-nes”, Mercure de France julho 1903), em resposta aos artigos de Ledrain (L´ Éclair) e G. Deschamps (Les Temps), lamenta os usos literários de Nietzsche, afirmando que somente uma leitura super-ficial da filosofia nietzschiana se prestaria a confusões43. Abel Her-mant, no Le Figaro de 29/maio/1904, escreveu que, do mesmo modo que havia o “Schopenhauer das damas” e o “Wagner das famílias”,

41 Como mais um exemplo dos absurdos escritos em nome de Nietzsche, Carassus indica que a noiva de Richard, Hélène Bricquart, lê para ele um texto sobre o “sexo problemático do além-do-homem” (Ibidem, p. 361).

42 Cf. Ibidem, p. 360-362.43 Gourmont ataca principalmente os livros Inconstance de Mme d´ Houville e La nouvelle

esperance de Anne de Noailles. Carassus isenta esta última obra de grosserias, pois nela o esnobismo presente está ligado à insatisfação e à busca de si próprio (cf. Ibidem, p. 361-362).

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havia o “Nietzsche dos salões”. Paul Léautaud (Journal 18/agosto/1905) ataca os romances pretensamente nietzschianos de Paul Adam e de Mme. de Noailles, cujos protagonistas são pes-soas agressivas que destroem tudo o que lhes impede de atingirem seus objetivos. Acusa esses autores de snobs. Henri Albert44, no artigo “Nietzsche et M. Paul Adam”, Mercure de France, janeiro 1906, acusa o “agradável diletantismo dos esnobes” de transfor-mar algumas sentenças de Nietzsche em “dinheiro miúdo dos sa-lões”. Romain Rolland, em La Foire sur la place (1908), lamenta ver Nietzsche e Ibsen como joguetes e divertimento dos esnobes45. Marcel Prévost, em Lettres à Françoise mariée (1908), escreve46:

Pobre glorioso mestre saxão! Com seu camarada de Dantzig, o

44 O germanista francês Henri Albert foi um dos primeiros tradutores das obras de Nietzsche na França: Ainsi parlait Zarathoustra (1898); Le Crépuscule des idoles: Le Cas Wagner: Nietzsche contra Wagner: L´ Antéchrist (1899); Pages choisies (1899); La Généalogie de la morale (1900); Aurore (1901); Le Gai Savoir (1901); Le voyageur et son ombre: Opinions et sentences mêlées (1902); La volonté de puissance (1903); Considérations inactuelles (1907-1922); Ecce homo (1909). Todas essas obras foram publicadas pela Mercure de France e, com exceção de Pages choisies, fazem parte da coleção Oeuvres complètes de Frédéric Nietzsche. Também foram publicadas pela Mercure de France: Par delà le bien et le mal (1898), traduzi-da por L. Weiscopf e Georges Art, e editada por Henri Albert; Humain, trop humain I (1899), traduzida por Alexandre-Marie Desrousseaux; e L´ Origine de la tragédie (1901), traduzida por Jean Marnold e Jacques Morland. Antes dos livros traduzidos por Henri Albert, encon-tramos apenas duas obras publicadas por A. Schulz: À travers l´ oeuvre de Frédéric Nietzsche. Extraits de tous ses ouvrages (1893), traduzido por P. Lauterbach e Adrien Wagnon, e Le Cas Wagner: un problème musical (1893), traduzido por Daniel Halévy e Robert Dreyfus. A revista literária Mercure de France foi fundada por Jean Donneau de Visé, em 1672, com o objetivo de informar a sociedade elegante sobre a vida na corte e sobre os debates artísticos e intelectuais. De 1672 a 1674, circula com o nome Mercure Galant, mudando para Nouveau Mercure Galant em 1677 e, em 1724, para Mercure de France. A revista foi descontinuada entre 1811 e 1815 e encerrada em 1825. O nome Mercure de France foi retomado por Alfred Vallete em 1890 para uma revista literária ligada ao movimento simbolista. Em 1894, começa a publicar livros: entre eles, os primeiros livros de Nietzsche em francês.

45 Marcel Proust vai ponderar que, mesmo sendo distorções, esses equívocos serviram para difundir a arte de Nietzsche e Ibsen (cf. Ibidem, p. 364).

46 Curiosamente, o mesmo Prévost fez anteriomente ao texto citado um uso grosseiro de Nietzsche. Em Dame potelée (Dama rechonchuda), a Dama é nomeada por seu primo Émile de surfemme, e este se autodenomina de surhomme. “Para as naturezas superiores, a vida deve ser espremida como um limão” é uma das mensagens do livro.

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misógino Schopenhauer, ele terá partilhado o estranho privilégio de seu um filósofo para esnobes, um patrono leigo para pessoas de pretensão e de meia-cultura [...] Na verdade, com o carnaval filosófico, a mascarada filosófica dos esnobes e dos tolos permanecerá uma das características mais divertidas de nossa época.47

Em 1911, Louis Thomas, no capítulo “Ce que nous devons à Nietzsche” de Le Divan, proclama que, enquanto a moda do nietzschianismo grosseiro e esnobe não passar, ninguém pode de-clarar-se discípulo de Nietzsche48. O surgimento de alguns livros como La morale de Nietzsche (1902) de Pierre Lasserre e La vie de Nietzsche (1909) de Halévy permitiu uma visão menos simplista da filosofia nietzschiana.

O início da Grande Guerra provocou uma grande rejeição do nietzschianismo49. Paul Bourget (Némésis, 1917-1918), por exem-plo, condenava o esnobismo por tratar as idéias como bibelots, o que era muito perigoso para a ordem social. A obra critica espe-cialmente o surhomme nietzschiano. Contudo, mais uma vez, houve vozes que se levantaram para defender Nietzsche. O poeta Jean Cocteau, no artigo “Ainsi ne parlait pas Zarathoustra”, em Le Mot 1/julho/1915, tentar tirar a culpa do filósofo alemão pela guerra, declara-se discípulo de Nietzsche e prega a superioridade do indi-víduo sobre a massa, iniciando uma querela com Maurice Barrès (L´ Echo de Paris 2/outubro/1915)50.

47 Apud Ibidem, p. 362.48 Cf. Ibidem, p. 363.49 No entanto, Carassus pondera que desde 1909 o esnobismo nietzschiano enfrentava forte

concorrência de um novo modismo: o balé russo e seu “aspecto divinamente animal” (Ibidem, p. 364 e 369). Mesmo antes do início da guerra (julho/agosto de 1914), o filósofo alemão já era considerado fora de moda por alguns. Em 9 de janeiro de 1914, no Le Temps, Abel Hermant declarava que, embora ainda favorito nos salões, Nietzsche estava démodé, “feliz-mente para sua verdadeira glória” (Apud Ibidem, p. 363).

50 Cf. Ibidem, p. 363.

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Loucura e barbárie contra a civilisation: Nietzsche, causador da Grande Guerra

A rejeição do pensamento nietzschiano e de seus defensores franceses teve seu auge com o início da Grande Guerra em 1914. Em alguns meios, Nietzsche foi considerado culpado de ter incen-tivado os agressivos e impiedosos germânicos a se lançarem contra os civilizados e cultos franceses51. Ao filósofo alemão, eram atribu-ídos o individualismo, a imoralidade e a falta de compaixão em um tal grau que apenas a loucura podia suportá-los. Um bom exem-plo desse julgamento é o texto de Sirieyx de Villers52, La Faillite du surhomme et la psychologie de Nietzsche (A falência do além--do-homem e a psicologia de Nietzsche, 1920). Consideramos essa obra um bom exemplo, porque, em seus exageros, mistura moral, religião, misticismo e, aparentemente, uma espécie de pseudo-he-gelianismo, ou seja, concentra as diferentes distorções realizadas contra Nietzsche. Além disso, Villers faz uma análise psicológica do filósofo alemão, tentando justificar sua filosofia por seu perfil psicológico. Essa abordagem é uma entre várias outras que apare-ceram nesse período53. La Faillite du surhomme tem o prefácio de

51 Um cartaz canadense de propaganda durante a guerra mostrava o afundamento de um navio por um submarino alemão com os dizeres: “Kultur vs. Humanity. Will help stop this”. Em outro cartaz, este de alistamento americano, temos uma mulher adormecida vestida com as cores da bandeira americana: “Civilization calls every man, woman and child”. Os carta-zes podem ser vistos em www.firstworldwar.com/posters/usa2.htm e www.firstworldwar.com/posters/canada.htm.

52 Sirieyx de Villers é pseudônimo da poetiza e crítica musical francesa Émilie de Villers. Suas principais obras são Adonis (1909) e Ames de la mer (1911). Esta última, uma peça em versos, retrata uma humanidade pré-histórica e uma invasão de atlantes na costa da Bretanha. Escreveu também um romance histórico, Le Templier de Penmarch (1936). Sirieyx estudava história da arte e religião e buscava uma solução filosófica para restabelecer a harmonia entre razão e sentimento (cf. SCHURÉ, É. Prefáce. In: VILLERS, Sirieyx de. La Faillite du surhomme et la psychologie de Nietzsche. Paris: Nilsson, 1920, p. 16-17).

53 O exemplo mais famoso é o de Lou Salomé, escrito em 1894, que considera a filosofia nietzschiana produto da inveja que Nietzsche nutria por deus (cf. ANDREAS-SALOMÉ, L. Nietzsche em suas obras. Tradução: J. C. Martins Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1992.).

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Edouard Schuré54, que, por ter conhecido Nietzsche pessoalmente, faz uma descrição fisiognomônica do filósofo.

Schuré entende que o livro prefaciado vem cobrir uma falha do texto de Daniel Halévy (La vie de Frédéric Nietzsche, 1909)55. Considera a biografia de Nietzsche bem completa, mas escrita em um tom bajulador e sem uma conclusão filosófica, pois o autor es-taria preocupado em defender o filósofo de seus detratores. Sirieyx corrigiria essa falha. Assim, o autor francês pretende mostrar os meandros não só da filosofia nietzschiana, mas também da própria mente do filósofo alemão, revelando a sua influência maléfica so-bre a cultura francesa.

O autor francês cita seu próprio artigo “Nietzsche et le surhomme” (Précurseurs et Révoltés, 15/agosto/1905, reproduzido na Revue des Deux Mondes), no qual diz ser notável que um escritor alemão de qualidade declare-se partidário da cultura latina e iro-nize sem piedade a grosseria de seus compatriotas. Na Alemanha, o nome de Nietzsche sempre esteve ligado a escândalos: na uni-versidade, devido às suas críticas contra a academia; sua simpa-tia ao espírito francês; os pangermanistas aclamaram sua teoria do além-do-homem como o “evangelho da força bruta”; os militaristas alemães encontraram em Nietzsche uma justificação para sua sel-vageria56. O que teria permitido a entrada das idéias nietzschianas na França seriam o ceticismo e o desprezo pelos valores religiosos

54 Édouard Schuré foi escritor e estudioso das religiões. Nasceu em Estraburgo em 1841, ou seja, na Alsácia, o que lhe propiciou o conhecimento das culturas francesa e alemã. Conheceu Richard Wagner em uma viagem à Alemanha, passando a ser seu divulgador na França. No entanto, após a Guerra Franco-Prussiana e a anexação da Alsácia pelo Império Alemão, passou a criticar as tendências germanistas e a defender a cultura francesa, acredi-tando que suas raízes remontavam aos celtas. Pouco tempo depois, retoma os vínculos com Wagner e a cultura germânica, embora considerasse o culto ao compositor alemão exagerado. Seu estudo comparado das religiões levou-o a tentar encontrar um substrato comum a todas elas: em 1889, publica Os grandes iniciados. Um esboço da história secreta das religiões. No início do século XX, entra em contato com a Antroposofia de Rudolf Steiner. Schuré conhe-ceu Nietzsche pessoalmente na casa de Wagner.

55 Cf. SCHURÉ, É., Ibidem, p. 19.56 Cf. Ibidem, p. 9-11.

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e pela convicção filosófica, propagados por sábios desde Voltaire. Schuré se pergunta como o além-do-homem, máscara cobrindo o desespero, a contradição e a loucura (“o mal é mais belo que o bem porque é potente”), pôde seduzir grande parte da juventude francesa57. É extremamente difícil, segundo ele, fazer os homens aceitarem uma idéia nova, porém extremamente fácil seduzir por meio de uma atitude nova. Nietzsche teria encontrado essa nova atitude: a bravata do ateísmo. Os jovens imprudentes e “as femi-nistas, ávidas de aparecer”, segundo Schuré, se apressaram em adotá-la. Em 1910, nos salões parisienses da moda, um homem de sucesso deveria ser anarquista e uma mulher distinta deveria se dizer nietzschiana. Assim, teria sido grande a estupefação francesa quando, em 1914, “hordas germânicas se atiraram sobre a França, com a aprovação de noventa e três intelectuais do Além-Reno58.” Ainda segundo o autor francês, os argumentos desses intelectuais para defender as atrocidades eram os do além-do-homem. Quando H. Taine afirmou que Nietzsche era o escritor mais notável da Ale-manha no último quarto do século XIX, não desconfiou do papel singular que “esse negador dos valores mais caros à humanidade deveria jogar na vida política de sua pátria 59.”

Nietzsche, para Schuré, produziu esses males de modo incons-ciente e involuntário. Se estivesse vivo, provavelmente se escanda-lizaria com os crimes atrozes ligados ao seu nome. Mas, pergunta o autor, “agora que o militarismo prussiano foi derrotado pelo homem consciente de sua alma divina e da solidariedade humana, que o es-piritualismo militante venceu o materialismo prático, o que restou de Nietzsche?60” A negação das verdades espiritualistas ensinadas pelos grandes sábios desemboca na guerra e depois malogra.

57 Cf. Ibidem, p. 13-14.58 Ibidem, p. 14.59 Ibidem, p. 9.60 bidem, p. 14.

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O perfil psicológico de Nietzsche é traçado por Schuré61, e, em-bora tenha pontos em comum com a análise psicológica de Sirieyx, diferencia-se desta em alguns aspectos. O filósofo alemão, segundo o autor, muda bruscamente de um idealismo transcendental para um materialismo agressivo. A passagem de um entusiamo afirma-tivo para uma negação demolidora afeta suas mais altas capaci-dades. Esse fenômeno psicológico dá à sua fisionomia um caráter dominante62. O autor concorda com Sirieyx: a causa primeira dessa instabilidade está no desacordo entre a alma e a inteligência de Nietzsche, ou seja, sua sensibilidade sutil era mais poderosa que sua inteligência arrogante e paradoxal, e esmagou-a. As decepções no amor e as frustrações de sua ambição não são suficientes para explicar sua existência atormentada. A chave estaria na sua ami-zade e no seu rompimento com Richard Wagner, esta seria a causa imediata da revolta intelectual de Nietzsche. O seu entusiasmo por Wagner era imenso, mas havia uma idéia fixa que envenenaria sua alma: querer ser superior ao compositor alemão como pensador, como filósofo e como criador. Baseado em informações prestadas pela irmã de Nietzsche, Elizabeth Föster-Nietzsche, Schuré afirma que, após a inauguração de Bayreuth, o filósofo alemão esperava ser anunciado como colaborador de Wagner e filósofo iniciador de uma nova era. Como isso não ocorreu, Nietzsche abandona o músico.

61 Cf. Ibidem, p. 20-30.62 Sirieyx descreve a análise fisiognomônica que Schuré faz de Nietzsche, realizada no artigo

de Précurseurs et Révoltés já mencionado: “Conversando com ele, eu fiquei surpreendido com a superioridade de seu espírito e da extraordinariedade de sua fisionomia. Fronte larga, cabelos curtos e lisos, malares salientes de eslavo. O vigoroso bigode pendente, o perfil audacioso da face lhe teriam dado o ar de um oficial de cavalaria, caso eu não soubesse, desde o início, quanto era tímido e arrogante ao mesmo tempo. A voz musical, o falar lento denotava uma organização de artista, o andar prudente e meditativo era o de um filósofo. Nada mais engana-dora que essa calma aparente de seu extravasamento. O olhar fixo traía o trabalho doloroso do pensamento. Era, ao mesmo tempo, o olhar de um observador agudo e de um visionário faná-tico. Esse duplo caráter dava-lhe alguma coisa de inquietante, principalmente porque ele pa-recia sempre pensar sobre um ponto único. Nos momentos efusivos, esse olhar se umedecia de uma suavidade de sonho, mas, logo, ele tornava-se novamente hostil” (Schuré Apud VILLERS, S. de. La Faillite du surhomme et la psychologie de Nietzsche. Paris: Nilsson, 1920, p. 40).

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O cristianismo de Parsifal teria sido apenas uma desculpa: o orgu-lho foi a causa principal e não a religião ou a filosofia. O problema do filósofo alemão agrava-se com o início de um processo de auto-destruição. Concomitantemente, passa a querer superar não apenas Wagner, mas todos os filósofos e até mesmo Jesus Cristo. Apenas ele estaria correto e seu deus soberano é o “eu com sua vontade de potência”. Nietzsche decreta a anarquia universal, que desemboca nas tiranias mais cruéis com funestas consequências sociais: o bol-chevismo e a Grande Guerra. Schuré nega as interpretações daque-les que pensam que a loucura do filósofo tem uma causa cerebral e atávica, já que seu pai também sofreu uma alienação mental. O atavismo poderia ter sido vencido pela vontade, mas a ambi-ção intelectual e o orgulho espiritual extremos impediram que isso acontecesse. Nietzsche confirmou a frase de Schiller: “Infelicidade àqueles que maldizem os sonhos de sua juventude!”.

A análise de Sirieyx, além de se basear também numa psi-cologia moralista como a de Schuré, tem fortes traços místicos e religiosos. O eixo de seu “julgamento severo, mas equitativo63” é Zaratustra: a autora tentará mostrar, por meio de doutrinas es-piritualistas, que Nietzsche deturpou o verdadeiro profeta persa, transformando-o numa figura maléfica. La Faillite du surhomme, além do prefácio de Schuré e da conclusão, tem sete capítulos. No primeiro (Nietzsche, sa jeunesse, son caractere, son évolution), faz uma investigação do perfil (pseudo)psicológico do filósofo alemão. No segundo e quarto capítulos (L´ Enfantement de Zarathoustra e Ainsi parla Zarathoustra), apresenta o Zaratustra nietzschiano. Desenvolve sua própria concepção de Zaratustra no terceiro capí-tulo (Le vrai Zaratustra), e, nos três últimos capítulos (Le Chemin de l´ Invisible; L´ Invisible; e Dans l´ invisible des consciences se sont elabores les plans du visible), Sirieyx discorre sobre suas concep-ções metafísicas e espiritualistas.

63 SCHURÉ, É., Ibidem, p. 16.

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No subconsciente de Nietzsche, segundo Sirieyx64, estava pre-visto o cataclisma de 1914-1918. Haveria, na existência humana, dois tipos de missões: as brancas, que procuram elevar a humani-dade ao bem e à beleza, e as negras, que buscam o mal e a queda da humanidade. As duas missões são emanadas por potências invisí-veis do universo, cujo influxo se cristaliza no cérebro de indivíduos superiores e marcados pelo destino65. Esses indivíduos suportam uma enorme carga de bem ou de mal. Caso haja, em um indivíduo, contradições entre a alma e o espírito ou um atavismo racial, há o naufrágio da razão. Foi por isso que o filósofo alemão passou a ser portador de uma missão negra. Nietzsche possuía duas linhas atá-vicas opostas que não podiam se harmonizar: ele não tinha na alma a maldade que queria encarnar66. Seus sonhos premonitórios (a morte do pai) revelam sua elevada intuição, e um atavismo polonês o inclinava para a arte, acentuando sua sensibilidade. Sua autocrí-tica e autoritarismo exacerbados, junto com a crença de que isso lhe tornava superior, foram fomentados pela idéia de que um an-cestral polonês se opôs à eleição de um rei. No entanto, ao lado do rigor consigo próprio e com os outros, havia suavidade. O filósofo indignou-se com o panfleto de Wagner contra os parisienses venci-dos de 1871 e chorou quando soube do incêndio do Louvre durante a mesma guerra. Acreditava que, apesar dos soldados alemães terem vencido os franceses, a cultura alemã não havia vencido a

64 Cf. VILLERS, S. de, Ibidem, p. 37-38.65 Segundo Schuré, a relação entre o invisível e o visível proposto pela autora fundamenta-

-se nas pesquisas, na época recentes, sobre a matière radiante (radioatividade) de Crookes, Becquerel, Curie e Gustave Lebon. Porém, Sirieyx extrai uma conclusão que esses cientistas não ousaram: a matéria é apenas uma condensação do espírito, é o invisível organizado. O elemento rádio, por exemplo, desmaterializa-se pela radiação. Assim, o átomo não é uma uni-dade indestrutível; ao dissolver-se, retorna ao grande reservatório universal. Considerando os sonhos e as materializações espíritas, Sirieyx faz mais uma nova conclusão: o Éter é o agente universal que faz a ligação entre o visível e o invisível. E o invisível é a alma da Divindade (cf. SCHURÉ, É., Ibidem, p. 32-33).

66 Cf. VILLERS, S. de, Ibidem, p. 41-44.

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francesa67. O esforço de expulsar toda generosidade e ternura de si arruinou sua saúde mental68. Amava a humanidade à sua maneira: privilegiava a intelectualidade em detrimento da felicidade69. Seu aristocratismo é próprio das raças eslavas e latinas70.

No capítulo A geração de Zaratustra, a autora francesa cita as obras de Nietzsche, mas não investiga seus conceitos, preocupando--se primordialmente com a personagem Zaratustra. O além-do-ho-mem seria o próprio Nietzsche, o homem sem deus, sem amigos, o ególatra que, após arruinar o mundo, escala as ruínas e vangloria-se de ter sido o único a permanecer71. O cérebro do filósofo alemão foi o produto de dois princípios opostos e contraditórios, e, por isso, pressentia a mudança que viria a ocorrer. Ele foi um sintoma do que ocorria na consciência alemã e, nas grandes transformações, as leis morais e religiosas são abaladas. Nietzsche, na verdade, seria um pro-feta, uma grande inteligência que foi usada pela missão negra, mas sua alma não era maléfica. Além disso, não só o filósofo teria enlou-quecido, mas também toda Alemanha72. A figura de Zaratustra/Niet-zsche foi tão sedutora que não só os militaristas prussianos se viram justificados, mas até mesmo os pacifistas foram seduzidos. Grande parte dos jovens franceses aderiram ao egoísmo do além-do-homem, sendo prestigioso, entre os artistas e intelectuais, ser nietzschiano. Zaratustra seduzia por dois motivos principais: 1) o pérfido Zara-tustra prometia uma humanidade melhor que a hipócrita vigente; e 2) um grande filósofo – Nietzsche – validava e justificava o ego-ísmo, o viver segundo a natureza primitiva. Nietzsche teria escolhido

67 Cf Ibidem, p. 53.68 Cf. Ibidem, p. 71.69 Cf. Ibidem, p. 78.70 Cf. Ibidem, p. 80.71 Cf. Ibidem, p. 94-102.72 Essa argumentação de Sirieyx assemelha-se àquela de Nietzsche sobre Sócrates e Atenas:

não apenas Sócrates era decadente, mas toda Atenas (cf. GD/CI O problema de Sócrates § 9, KSA 6.71-72). Estaria a autora usando Nietzsche contra ele próprio? Talvez o mesmo possa ser dito da análise fisiognomônica de Schuré e aquela sobre Sócrates que Nietzsche descreve no mesmo texto (cf. GD/CI O problema de Sócrates §3, KSA 6.68-69).

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Zaratustra como profeta da brutalidade e do sarcasmo por esperteza. Se tivesse escolhido, por exemplo, Moisés para ser portador da in-versão de valores, as pessoas não teriam aceitado, pois ele é bem conhecido73. É também por Zaratustra que o filósofo alemão entende a Grécia: Ormuz e Arhiman, os deuses do bem e do mal no Zoroas-trismo, transformaram-se em Apolo e Dionísio74.

O Zaratustra nietzschiano destruiria a unidade entre Deus, a Alma e o Amor75. Essas três entidades abstratas são infinitas e os fins últimos de todo ser pensante. Ao matar Deus, mata-se o Invi-sível, que é infinito, ao contrário do visível; destrói-se a harmonia, porque o ser moral foi suprimido. Dessas cinzas, apenas uma coisa pode restar: a loucura. O homem deve seguir as leis do Invisível: o homem bruto que utiliza a força, como Zaratustra prega, deveria evoluir para uma alma elevada e pura. Abrir mão dessa evolução resulta em loucura76.

Ao pérfido Zaratustra, Sirieyx vai contrapor o verdadeiro Zara-tustra e suas qualidades morais e religiosas77. Seu nome, em persa, significa esplendor do ouro, brilhante como o ouro. Zaratustra foi um iniciado, isto é, um fundador de religião e um mensageiro da divindade. Os preceitos do zoroastrismo (bem e mal) foram grava-dos entre as leis humanas que devem reger o mundo ariano e o fazer evoluir sempre para destinos melhores. Seria isso que Nietzsche tentou inverter e impedir.

A ciência humana, segundo Sirieyx, não é suficiente para abar-car o Invisível, para isso precisamos da religião (prece, moral e penitências que fortaleçam a alma). Nietzsche teria desprezado total-mente esse caminho, pois o orgulho e a hipertrofia do ego impedem

73 Cf. VILLERS, S. de, Ibidem, p. 107.74 Cf. Ibidem, p. 110.75 Cf. Ibidem, p. 183-185.76 Cf. Ibidem, p. 194.77 Cf. Ibidem, p. 107-128.

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o homem de ser religioso, porém não impedem a ciência de com-preender. O filósofo alemão considerou o visível como o todo, mas o visível é apenas aparência, aquilo do qual temos consciência78.

A doutrina do Zaratustra negro elaborada por Nietzsche, quando sua vontade tornou-se instrumento do mal, foi posta em ação pelos militares prussianos. Ela foi criada primeiramente no Invisível das almas; porém, foi nele também que a reação surgiu inicialmente79. A vontade boa de uma raça (a francesa) provocou o heroísmo que resistiu à brutalidade germânica. Forças espiritu-ais benéficas inundaram o mundo em resposta ao avanço do mal. Os alemães acreditaram na força bruta como única visibilidade no mundo, rejeitando as forças morais. O amor e os sacrifícios pela pátria corresponderam à renúncia e ao sacrifício ascéticos. O Invi-sível manifestou-se sobre a alma dos combatentes: foi visto como Joana d´ Arc planando nos céus dos campos de Marne. Aparições como essa inspiraram a alma daqueles que tombaram pela França.

Dessa forma, Sirieyx e Schuré aumentam a já extensa lista de distorções sobre a filosofia nietzschiana. Às tradicionais imagens de louco, profeta, ególatra, gênio da contradição, adicionam as-pectos ligados a uma religiosidade chauvinista e a um misticismo pseudo-hegeliano racista80.

78 Cf. Ibidem, p. 220-222.79 Cf. Ibidem, p. 231-235.80 Não foi apenas por uma mistura de ressentimento de guerra com doutrinas místicas buscando

raízes puramente arianas que Nietzsche acabou envolvido em planos maléficos de dominação do mundo. Mais recentemente, o filósofo alemão foi incluído em um clássico das teorias da conspiração: no complô judaico-maçônico de escravização da humanidade. O húngaro Aron Monus, considerado um radical de direita, em Os segredos do Império nietzschiano (Les secrets de l´ Empire nietzschéen, 1992), afirma sobre a instauração de um império universal para dominar toda a humanidade: “Esse império deverá ser fundado, como foi o Terceiro Reich, sobre a ideologia de Friedrich Nietzsche. Com efeito, quando da ocasião daquela evocação [XII Conferência Internacional dos Supremos Conselhos do Rito Escocês Antigo, dezembro de 1984], não foi uma conferência consagrada ao pensamento de ideologia alemã, mas uma festa solsticial contendo, em parte, uma convocação histórica relativa à ordem maçônica em questão. Se, para definir o objetivo oculto da seita, a evocação de Nietzsche é necessária, é porque sua ideologia é fundamental como base do império judaico-maçônico” (MONUS, A.

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O período entreguerras: do esnobismo ao fascismo

No contexto do debate sobre o caráter da filosofia nietzschiana, ocorrido desde antes da Primeira Guerra até o fim da mesma, alguns intelectuais constroem uma oposição entre Nietzsche e Goethe81. Havia, desde fins do século XIX, um sentimento de inferioridade dos franceses em relação aos alemães, causado não apenas pela derrota na guerra contra a Prússia, mas também por uma forte per-cepção de que a Alemanha era o berço do espírito humano82. Antes da Grande Guerra, não apenas Nietzsche era admirado por alguns franceses, mas Goethe também. Com o início da guerra, a oposição de Nietzsche à Prússia foi esquecida, e, como vimos, o filósofo foi

Les secrets de l´ empire nietzschéen. Santon: Interseas, 1992, p. 656). Essa evocação, segundo Monus, aparece em um texto da conferência acima citada, assinado por Raoul L. Mattes e Henri L. Baranger: com os sucessos dos esforços do Rito Escocês Antigo, “tornar-nos-emos, segundo a palavra de Nietzsche, livres em um dever pleno de amor” (Apud Ibidem, p. 585). Essa citação faz com que Monus construa absurdos sobre absurdos. Ele parte da idéia que a liberdade pensada por Nietzsche era privilégio da raça do além-do-homem e que a única ideologia que pode sustentar a dominação de todos os povos da terra é a do filósofo alemão (cf. Ibidem, p. 659). O complô faz parte de várias conspirações mirabolantes: o financiamento judeu de Hitler: o Führer foi manipulado pela Maçonaria de Jerusalém, pelo trabalho de Hajalmar Schacht, e tinha como meta o fim do mundo e o extermínio dos povos para o nascimento de um novo império, judaico. Aliás, teriam sido os franco-maçons judeus que teriam sugerido a Hitler a ideologia nietzschiana; o desprezo dos Estados Unidos, inclusive de sua comunidade judaica, pela sorte dos judeus europeus na Segunda Guerra Mundial; o apoio de políticos franceses de esquerda, como François Mitterand, ao plano secreto; o envolvimento da maçonaria francesa e judia no Holocausto; o assassinato de membros das casas reais européias; o favorecimento, por Hiroíto, ao plano judaico-maçônico, quando o Imperador japonês abriu mão de seus poderes divinos após a derrota do Japão; o incentivo dos judeus para que outros povos, principalmente europeus, se mesticem com negros, tendo como objetivo a degeneração da raça; a resolução da contradição entre os interesses judaico-maçônicos e os de Hitler por meio da filosofia de Hegel: “a contradição é a raiz de todo movimento e de toda manifestação vital” (cf. Ibidem, p. 585, 657-658 e 660). Mais uma vez, vemo-nos diante de uma interpretação abusiva e delirante sobre Nietzsche, agregada ao racismo, ao misticismo e à política.

81 Cf. SERRA, M. Goethe, Nietzsche et le sentiment national em France dans l´ entre-deux--guerres. In: Nietzsche-Studien, Berlin, n. 14, 1985, p. 337-344.

82 Cf. Charles Maurras, “À Jacques Bainville”, 1922 (Apud Ibidem, p. 339). Para Maurras, o crescimento da influência alemã na França foi favorecido pelos “falsos mitos igualitários da Revolução Francesa”.

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responsabilizado pelo conflito. E, embora houvesse também críticas a Goethe83, o que prevaleceu, segundo Serra84, foi a superioridade de Goethe sobre Nietzsche85. Em outras palavras, Goethe era asso-ciado à humanidade e Nietzsche, ao individualismo e ao egoísmo.

O início da Grande Guerra abortou a publicação de Nietzsche: sa vie et sa pensée de Charles Andler. A obra, em vários volumes, foi publicada entre 1920 e 1931. O próprio autor declara no pre-fácio: “Os acontecimentos retardaram em seis anos a publicação deste livro. Ele estava começando a ser impresso no momento em que se lançam sobre o Marne em 1914, a batalha que, mais cer-tamente que Valmy, abriu uma nova era86.” Germanista cônscio das impropriedades cometidas contra Nietzsche, Andler afirma acreditar que sua investigação é trabalho de um historiador “não atingido pela ‘maladie historique’87,” ou seja, de um historiador que não caiu na tentação de demonizar o filósofo alemão. O au-tor claramente pretende isentar Nietzsche de ter incentivado os ataques alemães. Utilizando Humano, demasiado humano § 442 (KSA 2.288), Andler lembra que o filósofo alemão lamentou a mi-litarização dos exércitos nacionais europeus e o desperdício de “homens superiormente civilizados” (Menschen der höchsten Civi-lisation) e “superiormente formados” (Höchstgebildeten), que são sempre sacrificados em grande número: “É por isso que este livro é dedicado à memória dos jovens germanistas franceses diante dos quais ele foi projetado. Eles salvaram, doando suas vidas por seu

83 Por exemplo, Maurice Barrès, em “Quelles limites poser au germanisme intellectuel”, Revue Universalle, 1 e 15/janeiro/1922, discorre sobre o pensamento alemão, o qual, apesar do amor dos franceses por ele, quis destruí-los. O autor considera importante saber como o pensamento de Goethe e Schiller tornou-se nocivo e destrutivo (cf. Ibidem, p. 343).

84 Cf. Ibidem, p. 343.85 O monarquista Léon Daudet, por exemplo, denunciava “a misogenia do sifilítico transcen-

dente de Sils Maria” e exaltava “o erotismo olímpico do gênio de Weimar” (cf. Ibidem, p. 343).

86 ANDLER, C. Nietzsche - sa vie et sa pensée. v. I. Paris: Gallimard, 1958, p. 15. A última frase faz referência às palavras de Goethe sobre a vitória francesa em Valmy (1792).

87 Ibidem, p. 15.

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país, essa civilização européia, na qual eles sempre acreditaram que a Alemanha de Goethe, de Beethoven e de Nietzsche saberia encontrar seu lugar88.” No início do livro, há uma dedicatória aos germanistas mortos na guerra:

À memória de meu colegaROBERT GAUTHIOT

Mestre de conferências na École des Hautes ÉtudesCapitão de Infantaria

ede meus antigos alunos na Sorbonne

e na École Normale SupérieureJean AILHAUD Jacques LÉVY Joseph ARREN Georges MORILLOT

André ARNOULD Victor PAULINJean BLUM Louis PELLOUX

Ernest BONNET René PIGNET Achille BURGUN Émile RAFFUTIN

Gaston CAMINADE Paul RENAULTJoseph CLAVERIE Paul SOULASMaurice ÉVRAT Henri STELZGeorges HILD Jean VIGNÉRAS

Paul LAMBERT Jacques WOLFgermanistas franceses

mortos na Grande Guerrapela pátria e pela humanidade

com um doloroso afeto.89

88 Ibidem, p. 15.89 Ibidem, p. 8.

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Sobre a ligação do filósofo alemão com o pensamento francês, Andler a aceita com satisfação, mas diz que insistirá, em seu livro, na “helvetização” de Nietzsche, julgando-a mais profunda90.

Maurice Barrès, embora em seus textos iniciais tenha forte in-fluência de Assim falava Zaratustra, após a declaração de guerra e até sua morte, dirige uma campanha pela recuperação da elite nacional e pela restituição de uma inteligence francesa isenta da influência alemã. A construção do confronto entre Nietzsche e Go-ethe está ligada a essa campanha91. Como fizeram com Nietzsche, os franceses também gostavam de lembrar que Goethe admirava a França e tinha sofrido a influência de escritores dessa nação. Fausto, bem recebido pelos românticos franceses, era a antítese do paganismo dionisíaco e do imperialismo belicista atribuído aos alemães. E, durante a Primeira Guerra, os franceses reforçaram esses aspectos. Gabriel Faure recordou o reconhecimento de Go-ethe à vitória dos revolucionários franceses sobre os prussianos em Valmy (1792): “O que pensaríeis vós, Goethe, da hipocrisia de vossos compatriotas de hoje? Pois eu não poderia crer que vós tivésseis suportado a espécie de loucura coletiva que se apoderou dos cérebros germânicos92.”

Juntamente com a direita francesa de entreguerras, Barrès acre-ditava que se poderia instaurar uma hegemonia cultural francófila e antiprussiana no além-Reno93. Em La Politique rhénane (1922), o autor francês fala de uma Alemanha que se beneficiou de uma in-fluência francesa, cujos frutos a “prussianização” destruiu. Através de uma nova influência francesa, a Alemanha tornar-se-ia pacífica.

90 Cf. Ibidem, p. 15. Para mais detalhes sobre Andler e o pensamento nietzschiano na França, cf. MARTON, S., Ibidem, p. 26-28.

91 Cf. SERRA, M., Ibidem , p. 34492 Gabriel Faure, “De Montmirail à Valmy (1814-1914)”, Revue des Deux Mondes, 15/de-

zembro/1914 (Apud Ibidem, p.342). Goethe esteve presente à batalha de Valmy, integrando o exército prussiano derrotado. Após a batalha, o poeta escreveu que, com essa batalha, uma nova era estava começando.

93 Cf. Ibidem, p. 345-346.

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Goethe seria o exemplo a ser seguido por intermédio dos france-ses. Em “Quelles limites poser au germanisme intellectuel” (1922), Barrès propõe que todos os escritores alemães de caráter univer-sal sofreram influência francesa, mas essa literatura teria perdido terreno para as correntes românticas e francófobas. A formação nacional do Império alemão teria levado ao abandono progressivo dos princípios humanitários e universais. O melhor do germanismo estaria na França e não na Alemanha. Ao mesmo tempo em que diminuía a força da influência francesa no mundo, os alemães de-turpavam Goethe e Schiller. Em conseqüência, a juventude alemã teria ido à guerra com sentimentos nietzschianos.

Em 1923 (ano da morte de Barrès), surge uma corrente fas-cista saída de L´ Action française94, orientada para a Itália e não para a Alemanha95. No entanto, o nome de Nietzsche não é deixado de lado. Georges Valois, nesse mesmo ano, republica “L´ Homme qui vient” (1906), numa tentativa de conciliar o socialismo e a monarquia, na qual utiliza o filósofo alemão para buscar uma re-sistência social contra “os agentes patogênicos da decadência” e outros pretensos males. Por achar que o nacionalismo, bem como o socialismo e o comunismo, havia fracassado, Valois prega um fas-cismo com forte viés internacionalista96. Assim, Nietzsche acaba tornando-se um referencial para essa corrente fascista internacio-nalista. Por exemplo, uma entrevista de Mussolini com o tradutor inglês de Nietzsche, Oscar Lévy, em 1924, tem repercussões na

94 L´ Action française era um movimento monarquista contrarrevolucionário e nacionalista baseado na revista Bulletin de l´ Action Française. Foi fundado por Maurice Pujo e Henri Vaugeois em 1898. Seu principal nome foi Charles Maurras, mas Maurice Barrès, Léon Daudet, Alphonse Daudet, Jacques Bainville, Jules Lemaître e Georges Valois também con-tribuíram de alguma forma. O movimento posicionou-se pela condenação do capitão Alfred Dreyfus (1894) e dissolveu-se no final da Segunda Guerra.

95 Cf. Ibidem, p. 348-350.96 Valois acaba preso pela República de Vichy, sendo deportado para um campo de prisio-

neiros nazista, onde morre.

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França: o duce elogia Nietzsche, queixando-se do “reacionário ale-mão Hitler”.

No início dos anos 1930, surge uma direita fortalecida na França que passa por cima das dubiedades de Valois. Além disso, nessa época, a imagem que se tinha da Alemanha na França se mo-difica, especialmente entre os fascistas: ela deixa de ser um inimigo para tornar-se um aliado ou mesmo um modelo97. O nome de Niet-zsche volta a ter força, justificando uma separação entre “o novo” e “o velho” e apoiando o predomínio do sentimento em detrimento da razão (inspiração romântica). Drieu La Rochelle98, desde L´ Eu-rope contre les patries (1931), ataca o nacionalismo pré-fascista de Barrès e a manutenção do Tratado de Versailles e das reparações de guerra. Devia-se, segundo La Rochelle99, buscar a herança comum européia, em que se faria ouvir a voz mais pura da Alemanha: Höl-derlin, Nietzsche, Goethe e Schiller. Em 1933, aparece Nietzsche de Thierry Maunier (com segunda edição em 1935), cujo tema era a conciliação entre o espírito clássico e a paixão romântica100. Ao co-mentarem esse texto, Robert Brasillach e Arnaud Dandieu101 exal-tam que ele exprime de modo muito adequado a juventude francesa e européia: Nietzsche é o precursor de uma nova maneira de pensar e agir. Dandieu, em “Le Sang de Nietzsche”, La Revue mondiale, 15/julho/1933, declara: “Gostaríamos que o sangue francês, o san-gue europeu, aquele de Nietzsche, de Rabelais e de Descartes se unissem para fazer despontar sua possante generosidade102.” Esse apelo foi ouvido pelo fascismo internacionalista francês.

97 Cf. Ibidem, p. 348.98 La Rochelle colaborou com os nazistas e cometeu suicídio em março de 1945.99 Cf. Ibidem, p. 350.100 Cf. Ibidem, p. 351.101 Brasillach era nacionalista e futuro colaboracionista. Dandieu era associado ao movi-

mento Ordre Nouveau, que buscava superar a decadência da civilização por uma mudança espiritual.

102 Apud Ibidem, p. 351.

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Essas ideologias, contudo, não fizeram desaparecer a concep-ção da “Alemanha de duas culturas e duas almas103.” Jean Édouard Spenlé, reitor da Academia de Dijon, em La pensée allemande de Luther à Nietzsche (1934), defendia a existência de uma Alemanha goethiana e humanista, que estava sobrepujada pelo irracionalismo oriundo de Lutero e Nietzsche. Apesar disso, Spenlé afrancesa Nietzsche para incluí-lo nessa cultura germânica humanista. Como Goethe, Nietzsche tentou criar uma nova pátria e uma nova saúde, e sabia o que era genuinamente germânico. Em conseqüência, o filósofo alemão rompeu com o nórdico Wagner e se aproximou dos moralistas franceses. Por outro lado, J. Gaudefroy-Demombynes, “Hitler ou la faillite du surhomme. Nietzsche source de Hitler”, Mercure de France 1/outubro/1932, culpa Nietzsche pela falta de conhecimento que os alemães têm de Goethe e pela rejeição do Tratado de Versailles pela juventude alemã.

Outras concepções, tanto acadêmicas (filosóficas ou literárias) quanto políticas, tal como aquela que afirmava que Goethe nunca foi considerado um poeta nacional na Alemanha104, vão tornar o quadro da imagem de Nietzsche ainda muito mais complexo. Tanto o espectro político à direita como à esquerda formavam blocos mul-tifacetados, e os radicalismos estavam sempre presentes na década de 1930. O debate sobre a cultura germânica de influência francesa se esvazia, segundo Serra105, em 1936-37 devido à queda da Repú-blica de Weimar e ao fortalecimento de Hitler. Fica muito bem claro que uma Alemanha francófila sempre fora uma Utopia. Às vésperas da Segunda Guerra, Heinrich Mann publica na França uma antolo-gia nietzschiana, que sofre uma grande rejeição da esquerda. Espe-cialmente fomentada por Lukács, nessa época, a esquerda francesa

103 Ibidem, p. 352.104 Cf. Ibidem, p. 352.105 Cf. Ibidem, p. 352.

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tinha uma impressão demoníaca de Nietzsche106. Para nós, é impor-tante ressaltar que esses usos de Nietzsche, e mesmo de Goethe, desconsideravam o que estava escrito em suas próprias obras.

Em nosso percurso sobre a recepção de Nietzsche na França entre as décadas de 1890 e de 1930, demos ênfase às perspecti-vas que distorceram ou simplificaram a filosofia nietzschiana, mas também àquelas iniciativas que tentavam mostrar a inadequação daquelas apropriações e a complexidade do pensamento nietzs-chiano. É visível o anseio de apropriação do nome de Nietzsche, tanto no sentido de louvá-lo quanto no de desprezá-lo, pelas cor-rentes políticas em disputa. Poderíamos perguntar por que esses intelectuais franceses preocupavam-se tanto em estar contra ou a favor do filósofo alemão – e mais, por que necessitam divulgar isso em periódicos de grande circulação. Porém, essa questão extra-pola os âmbitos deste trabalho.

Outro aspecto bastante importante que gostaríamos de ressal-tar é aquele já apontado por Marton (2009): a multiplicidade de interpretações. Se entendermos a própria filosofia nietzschiana, e mesmo o próprio Nietzsche, como um campo de tensão de impulsos, vemos que essa configuração se reflete em sua recepção na França:

Era como um campo de batalha que Nietzsche designava a si mesmo. Se com a expressão queria ressaltar a complexidade de seu pensamento, com ela hoje se pode sublinhar as tensões que o atravessam. Espaço de conflito, sua obra se põe como o território em que se confrontam múltiplas interpretações. Bem mais, ela se põe como o território em que se defrontam apropriações de diferentes partidos, sejam eles políticos, literários e acadêmicos. Prova disso são os jogos de imagens e contra-imagens que se testemunham no correr dos tempos107.

106 Cf. Ibidem, p. 354.107 MARTON, S., Ibidem, p. 20-21.

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As distorções e simplificações, tanto exaltando quanto desmerecendo o pensamento nietzschiano, não ficaram presas ao contexto francês. Especialmente as acusações de irracionalismo, imoralismo, irreligião e mentor teórico da guerra ou do nazismo têm impedido um melhor entendimento dessa filosofia, mesmo em nosso meio. O mesmo efeito é obtido quando se recusa à obra de Nietzsche o status filosófico, atribuindo-se a ela somente a qualidade de poesia ou profecia exaltada. A percepção das distorções, ou melhor, daquilo que representa um uso abusivo das idéias nietzschianas e diferenciá-las de diferentes interpretações ou perspectivas, ao menos no debate filosófico, nem sempre é fácil sem um conhecimento mais aprofundado dos textos nietzschianos. Mesmo entender a filosofia nietzschiana como um campo de tensões e conflitos envolve uma maior familiaridade com a mesma. É nesse contexto que, no Brasil, o Grupo de Estudos Nietzsche (GEN), fundado em 1996 pela profa. Scarlett Marton, e do qual fazemos parte desde o início, exerce um papel fundamental. Centro de formação que prima por investigações criteriosas do pensamento nietzschiano, o GEN tem sido referência nacional e internacional no estudo filosófico de Nietzsche. Além da produção de perspectivas sobre a obra do filósofo alemão por seus membros, o GEN também se constitui num espaço no qual outras perspectivas são apresentadas e debatidas: refiro-me aos Encontros Nietzsche (XXXI edição no segundo semestre de 2011) e à publicação dos Cadernos Nietzsche e da coleção Sendas & Veredas.

Abstract: The aim of this article is to present the different forms taken by the reception of Nietzsche in France during the period 1890-1939. Our historical research approaches the T. Ribot´s Revue philosophique de la France et de l’ Étranger, the “Nietzsche-fashion” of the snobs of the early twentieth century, the First World War, and the interwar period. A very im-portant characteristic of this reception is the multiplicity of perspectives that confronted one another several times. The French interpretations and distortions been closely linked to political motivations sometimes.Key-words: fascism - First World War - mysticism – snobbery - Revue philosophique de la France et de l´ Étranger

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Artigo recebido em 10/02/2012.Artigo aceito para publicação em 5/03/2012.

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