a produção musical evangélica no brasil
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS
HUMANAS
rica de Campos Vicentini
A produo musical evanglica no Brasil
So Paulo 2007
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E
CINCIAS HUMANAS
A produo musical evanglica no Brasil
rica de Campos Vicentini
Tese apresentada Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Histria Social
Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria de Almeida Camargo
So Paulo 2007
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AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE
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FOLHA DE APROVAO rica de Campos Vicentini A produo musical evanglica no Brasil
Tese apresentada Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo
para obteno do ttulo de doutor em Histria Social rea de Concentrao: Historiografia e Documentao
Aprovado em :
Banca Examinadora Prof. Dr. _____________________________________________________________
Instituio:___________________________ Assinatura :___________________
Prof. Dr. _____________________________________________________________
Instituio:___________________________ Assinatura :___________________
Prof. Dr. _____________________________________________________________
Instituio:___________________________ Assinatura :___________________
Prof. Dr. _____________________________________________________________
Instituio:___________________________ Assinatura :___________________
Prof. Dr. _____________________________________________________________
Instituio:___________________________ Assinatura :___________________
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Aos meus pais Aristeu (in memorian), um grande homem
e Esmeralda, uma verdadeira jia
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Agradecimentos
A Deus, criador e mantenedor de todas as coisas
A todas as pessoas entrevistadas e contactadas para obteno do material de pesquisa
(relacionadas nas referncias)
Ao Hugo, Graziella, Ruben e Nathlia pelo suporte nas diferentes frentes de trabalho
Aos meus hospedeiros em So Paulo e Rio de Janeiro Nelson, Erani, Ilza
A meu esposo e filha, Chico e Mariane, pela pacincia em todos os momentos
minha irm Raquel, socorro vinte e quatro horas
Aos amigos e parentes que ofertaram para a impresso do texto
direo e colegas de trabalho da Faclepp Unoeste
s professoras Helosa Bellotto e Slvia Basseto que ajudaram a dar um novo rumo s
pesquisas
Ana Maria de Almeida Camargo, agradecimento mais do que especial pela
orientao segura e tranqila que me fez chegar a bom termo
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VICENTINI, rica de Campos. A produo musical evanglica no Brasil. 2007. 1554 p. Tese (Doutorado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2007. RESUMO: O objetivo da presente tese oferecer um levantamento documental acerca da produo musical evanglica no Brasil. Em termos teolgicos e institucionais, o protestantismo procurou evidenciar mais os elementos que uniam as diferentes denominaes do que os que as diferenciavam, e essa caracterstica transparece na produo musical, uma vez que h livre trnsito de cantores e compositores entre igrejas e empresas do ramo e o repertrio musical basicamente um s, oriundo da tradio norte-americana da chamada era missionria, ocorrida em meados do sculo XIX e uma posterior produo nacional, mantendo os mesmos padres musicais e literrios. Considerando os anos de 1930 a 1990, poca anterior produo e distribuio digital da msica, em que predominavam os LPs, os famosos bolaches, a pesquisa foi realizada em gravadoras e rdios das cidades de So Paulo e Rio de Janeiro atravs de um mapeamento exaustivo de todo material disponvel. Foi criado um banco de dados no Access Microsoft, onde foram cadastrados 965 lbuns, 9370 canes e 6269 artistas, alm de vrias outras informaes. Foi gerado um relatrio que procurou contemplar a maior quantidade possvel de dados, porm, para efetivo conhecimento do trabalho, recomenda-se a consulta direta ao banco de dados, disponvel em CD-rom. Palavras chave: cano, religio, protestantismo, documentao, banco de dados ABSTRACT: The objective of the present thesis is to offer a documental survey about the evangelical musical production in Brazil. In theological and institutional terms, Protestantism tried to make more evident the element that united the different denominations than the elements that made them different, and this caracteristic was made clear in the musical production, once there is free transit of singers and composers in churches and companies and the musical repertoire is basically only one, which comes from the North-American tradition of the so called missionary era in the middle of the XIX century and a later national production, maintaining the same literary and musical standarts. Considering the period between 1930 and 1990, a period before the musical production and digital distribution, in which the LPs predominated, the research was carried out in recorders and radio station in So Paulo and Rio de Janeiro cities through an intensive registration of all the available material. A database was created in the Access software Microsoft, where 965 albums, 9370 songs and 6269 artists were registered, in addition to many other pieces of information. A report was produced to provide the largest possible quantity of dada, nerthless, in order to reach effective knowledge and understanding of the research, a consult of the database, available in CD-rom, is recommended.
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Sumrio
PARTE I
INTRODUO 9
Captulo 1: Msica, religio e histria no Brasil 15
1.1. Religiosidade e Evanglicos 17
1.2. Evanglicos e Msica 28
1.3. Msica e Preservao Documental 37
Captulo 2: A produo musical evanglica 44
2.1. As Tecnologias de Produo e Distribuio Musical 46
2.2. Gravaes Evanglicas 59
2.3. Gravadoras Evanglicas 66
Captulo 3: Construindo um banco de dados 72
3.1. Escolhas e Recortes 74
3.2. A Criao do Banco de Dados 77
3.3. A Alimentao do Banco de Dados 87
CONSIDERAES FINAIS 98
REFERNCIAS 101
PARTE II
Relatrio por Ordem Alfabtica de Titulares 110
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Introduo
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Quando comeamos a estudar a msica na igreja protestante brasileira,
l pelos anos de 1994, vimos a necessidade de alertar, tanto msicos,
quanto igrejas e outras entidades sobre a urgncia em preservar esse
material que aumenta a cada dia. Depois de concludo o Mestrado,
nossa inteno era lanar a construo de um Centro de Memria da
Msica Evanglica no Brasil, onde a produo musical evanglica
pudesse ser preservada e organizada a fim de ser consultada pelo
pblico interessado.
Para comear a trilhar o caminho necessrio para esse fim, propusemo-
nos a fazer um levantamento documental para servir como referncia a
esse tema to pouco estudado e preservado. Utilizando as ferramentas
disponveis da informtica, montamos um banco de dados que
contemplasse todas as informaes constantes dos lbuns produzidos
no Brasil referentes msica evanglica.
Tomamos o Long Play (LP) como referncia, buscando catalogar todos os
lbuns que foram divulgados nessa mdia, desde o incio do sculo XX,
quando das primeiras gravaes, at meados da dcada de 1990,
quando as tecnologias digitais tomaram conta do mercado de gravao e
distribuio musical.
E assim foi que demos incio ao nosso trabalho, promovendo uma
verdadeira investigao sobre a produo musical evanglica, visto que
como foi dito anteriormente, nunca houve preocupao com a
preservao desse material. As gravadoras, assim como as empresas
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comerciais brasileiras, geralmente so muito imediatistas e preocupam-
se com o presente: guardar coisa velha que est fora de uso s para
juntar sujeira e ocupar espao.
As igrejas enquanto instituio, pouco investiram na produo musical
e o pouco que fizeram no foi preservado. Algumas das rdios mais
antigas possuem material em seus depsitos, mesmo que mal arejados
e entulhados de objetos, ou em qualquer cantinho perdido de suas
instalaes. H tambm a iniciativa individual, considerando o fato de
que a guarda se d de acordo com sua participao nas produes ou
de acordo com suas preferncias musicais.
As instituies pblicas1 que poderiam abrigar esse tipo de material no
possuem em seus acervos nada referente produo musical evanglica
ou religiosa como um todo. A msica religiosa que aparece em
pequenas pores aquela referente aos sculos XVIII e XIX, enquanto
msica erudita brasileira, o que se limita a algumas poucas gravaes2.
Os lbuns religiosos lanados durante o sculo XX e que aos poucos
foram ganhando ares mais popularescos, no foram objeto de interesse,
nem mesmo chegaram ao conhecimento dessas instituies.
Por outro lado, as instituies privadas, principalmente as
denominaes religiosas protestantes, demonstram no terem a cultura
1 Referimo-nos aos museus da imagem e do som, s bibliotecas pblicas. Durante nossos estudos estivemos visitando o Museu da Imagem e do Som, a Biblioteca Nacional, especificamente a Diviso de Msica na cidade do Rio de Janeiro, e no Centro Cultural So Paulo, a Discoteca Oneyda Alvarenga, na cidade de So Paulo. 2 sabido que existem mais gravaes realizadas fora do pas sobre msica brasileira do que as feitas aqui, tendo sido a falta de financiamento e o pouco interesse do mercado por tal produo o maior empecilho ao longo da histria.
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de preservar sua histria, de guardar qualquer coisa que representasse
suas atividades. Apenas os documentos legais que diziam respeito s
questes de direito e justia que sempre foram preservados. Os
poucos museus, centros de documentao e arquivos denominacionais
que existem quase nada possuem das gravaes musicais que
circulavam no meio evanglico e nem das execues musicais que se
realizavam nos servios litrgicos.
Como j mencionamos, medida que fomos nos deparando com as
dificuldades de tal tarefa, decidimos fazer um recorte temporal que nos
possibilitasse chegar a bom termo: decidimos nos dedicar produo
musical evanglica na era anterior ao CD, ou seja, nos concentrarmos
na produo dos primeiros discos ainda em 78 rpm e de LPs.
Temporalmente, isso corresponderia s dcadas de 1930 1990.
Tambm fomos levados a nos concentrar na produo musical
evanglica do eixo Rio So Paulo. certo que para o perodo acima,
esses eram os principais plos produtores, mas no podemos deixar de
mencionar algumas gravadoras do Estado do Paran, Gois e Esprito
Santo (sem contar as gravaes realizadas no Nordeste brasileiro,
principalmente em Recife PE). Entretanto, diante de algumas
dificuldades em nossa pesquisa, tivemos que nos concentrar nessas
duas cidades, o que no invalida a inteno do projeto ou mesmo o
produto final, visto que muitos cantores e grupos musicais de outras
regies vieram gravar nesses grandes centros e as principais gravadoras
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evanglicas, com rede de distribuio nacional, ter suas sedes nessas
cidades.
Procuramos fazer um trabalho exaustivo no mapeamento da produo
musical evanglica no Brasil. Visitamos e entramos em contato com dez
gravadoras, estivemos em quatro estaes de rdio e ainda consultamos
os acervos de duas igrejas e uma escola, alm de adquirirmos LPs por
doao e/ou compra de colecionadores.
Foram cadastrados em nosso banco de dados novecentos e sessenta e
cinco lbuns, nove mil, trezentas e setenta canes, seis mil, duzentos e
sessenta e nove artitas sendo que parte do material encontrado no
pode ser aproveitado, porque no apresentava a nitidez necessria para
a leitura das informaes nas cpias digitais que fizemos.
Em todos os acervos consultados, com exceo da Rdio Transmundial,
os LPs no possuam nenhum tipo de organizao e/ou ordenao:
estavam simplesmente amontoados em prateleiras ou mesmo
empilhados no cho. Houve caso de gravadoras que puseram no lixo o
que tinham em seus depsitos e no guardaram nenhum de seus
exemplares. Outra gravadora recente, fundada no incio de 1990, no
guardou seus lbuns em LPs, apenas as remasterizaes em CDs que
fundiram dois ou mais lbuns. Curiosamente, seus LPs foram
encontrados nos acervo das rdios visitadas.
Diante dessa postura, frente preservao da prpria produo
musical, no podemos dizer que encontramos e catalogamos todos os
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lbuns de determinada gravadora, visto que nem mesmo elas possuem
a coleo completa. Porm, fomos preenchendo as lacunas existentes na
medida em que encontrvamos os lbuns nos diferentes acervos
consultados.
Nesse sentido, podemos afirmar que fizemos um trabalho exaustivo a
fim de ter uma referncia o mais prxima possvel do real sobre a
produo musical evanglica no Brasil. Ainda podemos afirmar que o
trabalho foi exaustivo na medida em que procurou registrar todas as
informaes constantes nos LPs, procurando a integrao de todas
essas informaes atravs de um banco de dados.
Nosso objetivo, com esse levantamento documental oferecer ao pblico
interessado um primeiro referencial sobre a produo musical
evanglica no Brasil. Ressaltamos que a maneira com que temos
trabalhado viabiliza a continuidade da pesquisa e insero de novos
dados, considerando os recortes que fomos obrigados a fazer,
conscientes de que h muito material ainda a ser cadastrado3.
No primeiro captulo, procuramos definir algumas caractersticas do
protestantismo brasileiro e a maneira como sua insero procurou
ressaltar os aspectos comuns das diferentes denominaes, ao invs de
polemizar as divergncias doutrinrias. Essa atitude fez com que o
repertrio musical do protestantismo brasileiro fosse basicamente um,
3 No terceiro captulo, quando explicaremos o funcionamento do banco de dado que foi construdo para gerar as informaes contidas nos relatrios, e as pesquisas realizadas, vamos esmiuar um pouco as condies em que se encontram o material musical produzido, assim como as lacunas nos acervos consultados.
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para as diferentes instituies e posies teolgicas. Assim, a produo
musical procurou falar da pessoa de Deus, dos problemas existenciais
do ser humano, dos anseios e anelos de cada crente.
No captulo dois, vamos discorrer sobre as tecnologias de produo e de
distribuio musical e como o setor evanglico no Brasil foi se
desenvolvendo no decorrer dos anos. Procuramos inserir um quadro
das principais gravadoras especializadas, ressaltando os artistas mais
conhecidos e o segmento de mercado por elas atingido.
No captulo trs, explicamos como foi confeccionado o banco de dados,
as estruturas sob as quais foi pensado e como procedemos
alimentao deste, descrevendo as escolhas que fizemos ao longo do
processo e como chegamos aos resultados ora apresentados.
Numa segunda parte, apresentamos um dos relatrios gerados pelo
banco de dados, onde as informaes so apresentadas por titular,
depois em ordem alfabtica do ttulo dos lbuns. Nesse relatrio
aparecem as informaes referente s canes ttulo e artistas. Os
artistas tanto esto relacionado s canes ou ao lbum como um todo,
da listagens diferentes. Tambm aparece a fonte de localizao do
lbum, em caso da necessidade de se recuperar o mesmo.
Recomenda-se a consulta ao prprio banco de dados, uma vez algumas
informaes se tornam inviveis de serem impressas, devido a
limitaes do programa em que o banco foi gerado. No entanto, sua
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consulta digital, extremamente rica e mltipla, permitindo vrias
consultas s informaes ali cadastradas.
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Captulo 1 Msica, Religio e Histria no Brasil
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Neste captulo abordaremos os conceitos norteadores de nosso trabalho,
principalmente no que se refere religio evanglica, sua msica e
questo documental. Faz-se necessrio refazer o caminho da insero
do protestantismo no pas e acompanhar seu desenvolvimento e suas
caractersticas teolgicas e institucionais.
Tambm preciso reconhecermos o que estamos chamando de msica
evanglica, entender suas razes fundantes e os desdobramentos que ao
longo dos anos foram sendo agregados ao tradicional repertrio
protestante.
E ainda, discutir as dificuldades e possibilidades da preservao
documental de material sonoro, diante da inexistncia de acervos
especficos sobre a msica evanglica no Brasil, oferecendo como ponto
de partida o presente levantamento e seu banco de dados, que nos
permita a localizao do material e uma descrio de seu contedo.
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1.1. Religiosidade e Evanglicos
Qualquer sociedade possui um sistema de crenas e prticas ligadas
viso de universo de sua cultura. So institudas normas de
comportamento com a finalidade de se precaver contra o inesperado, o
imprevisvel, o desconhecido. As normas religiosas de comportamento
baseiam-se nas incertezas da vida e variam muito de uma sociedade
para outra. So bastante evidentes nos momentos de crise, tais como
nascimento, adolescncia, casamento, enfermidade, fome, morte. Por
meio de cultos e rituais, pblicos ou privados, os homens tentam
conquistar ou dominar, pela orao, por oferendas, sacrifcios, cantos,
danas, reas de seu universo no submetidos tecnologia e razo.
So dois os elementos constitutivos da religio: a crena e o ritual. A
crena ou f est relacionada ao sentimento de respeito, submisso,
reverncia, confiana e at medo em relao ao sobrenatural. Consiste
numa aceitao voluntria de uma ordem de coisas que no pode ser
provada pela lgica ou pelos sentidos. O outro elemento, ritual ou
prtica, diz respeito manifestao dos sentimentos por um ou vrios
indivduos, em qualquer meio, atravs da ao; apresenta um
comportamento tradicional e revela, implcita ou explicitamente,
crenas, idias, atitudes e sentimentos das pessoas que o praticam.
no culto que o ritual se manifesta, atravs de uma srie de atos
contidos na venerao ou na comunicao com o sobrenatural, sendo
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este, tudo o que escapa aos sentidos do homem, que foge
compreenso humana, observao, ao entendimento, estando acima
das leis naturais ou fsicas, em outra dimenso.
Para o antroplogo Felix Keesing (1961:494), a religio tem duas
funes bsicas: ser explanatria, na medida que responde
sistematicamente aos porqus, relacionados com a existncia, o poder,
a providncia e a mortalidade; e ser interpenetrativa, dado que ela tende
a interpenetrar todo comportamento importante e valorizado, em
diferentes setores da vida humana como economia, poltica, famlia,
lazer, esttica, segurana, arte, entre outros.
Raymond Firth (1974: 258-66) afirma que a religio um elemento forte
e positivo na composio e organizao da vida social, no
estabelecimento da autoridade para a crena e para a ao, na proviso
de significao para a ao social, em fora de ajustamento social ou na
expresso de conceitos de criao esttica e de imaginao.
nesta perspectiva de religiosidade que devemos entender a insero
do protestantismo4 no Brasil. Depois de duas tentativas fracassadas
protestantes franceses no Rio de Janeiro entre 1555 e 1560 e
protestantes holandeses no Nordeste, entre 1630 e 1654, a tradio
protestante inseriu-se no Brasil no comeo do sculo XIX. Seu primeiro
4 Mendona faz a seguinte observao: Atualmente, a designao de protestantes aplicada aos no-catlicos no Brasil, por ter sentido histrico e tcnico mais acentuado, vem sendo usada preferencialmente por historiadores e socilogos, talvez pela necessidade de um conceito de relativa neutralidade. No entanto, historiadores denominacionais comprometidos diretamente com as Igrejas continuam fiis auto-identificao evanglica. A antiga auto-identificao de crente est ficando cada vez mais relegada s reas pentecostais. MENDONA & VELASQUES (1990:16)
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impulso foi de natureza imigratria, decorrente da abertura dos portos
brasileiros ao comrcio ingls em 1810 e do incentivo governamental
imigrao europia poucos anos depois. A Constituio de 1824
estabeleceu a tolerncia a cultos no-catlicos e assim, anglicanos,
episcopais e luteranos instalaram-se no Brasil.
Entretanto, a populao brasileira s foi diretamente afetada pela
presena de cristos no-catlicos quando comearam a chegar ao
Brasil os primeiros missionrios protestantes que vieram com a
finalidade explcita de propagar sua f, a partir dos anos 1850:
congregacionais, presbiterianos, metodistas e batistas.
Mais do que esmiuar as particularidades de cada instituio
eclesistica protestante interessa-nos a questo da percepo do que
ser no-catlico, num pas onde Igreja e Estado so uma coisa s, onde
ser brasileiro significava por extenso ser catlico, onde crena e ritual
tinham determinadas caractersticas e, depois de uma converso, os
ajustes que se faziam necessrios.
A comear pela maneira como os primeiros missionrios identificavam
os novos convertidos: o vocbulo crente designava aquele que,
abandonando suas antigas crenas e prticas religiosas, passava a crer
em Nosso Senhor Jesus Cristo. Mais do que convico significava
compromisso de mudana de vida a partir de novos valores. Carregado
de significados e difcil de ser sustentado, pela oposio que provocava
em relao aos valores circundantes, ser crente tanto significava
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honra, privilgio e respeito, como um estigma aos que aderiam nova
religio.
Antnio Gouva Mendona (1997:137) observa que a tica protestante
no Brasil tornou-se muito rgida devido necessidade de firmar-se
dentro de um campo religioso adverso, transformando-se em
contracultura, a partir do momento que a converso significava a
aceitao de uma forma inteiramente nova de pensar e ser. A
identificao da religiosidade popular (de origem catlica somada
religiosidade indgena e africana) com a cultura era vista como
paganismo, o que levaria o povo ao fogo do inferno. Da a necessidade
de converter cultural e religiosamente os catlicos romanos, impor-lhes
uma nova viso de mundo.
Prcoro Velasques Filho (1990: 109) ao tentar caracterizar a
religiosidade protestante inserida no Brasil aponta que, em termos de
comportamento, puritana, exigindo o cumprimento de uma disciplina
moral caracterizada pelo negativismo dos costumes: no beber, no
fumar, no danar; pietista na medida que enfatiza o contato direto do
crente com Deus, a experincia pessoal de converso e santificao ou
perfeio crist; anticatlica; e avessa a mudanas profundas na
estrutura social, defendendo, quando muito, reformas sociais de modo
que a misria no seja to acentuada.
importante ressaltarmos que a insero do protestantismo no Brasil
correspondeu ao perodo expansionista do capitalismo mundial em
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termos econmico-polticos e havia a preocupao de recuperar e
preservar a fora das Igrejas da Reforma, um tanto enfraquecidas pelos
efeitos do racionalismo e de suas divises e antagonismos, e da reao
catlica romana, cujo momento mais importante foi o Conclio Vaticano
I, realizado em 1870.
A chamada Era Missionria5 que trouxe as diferentes misses
protestantes ao Brasil procurou, diante dessas perspectivas, unificar a
mensagem religiosa, de modo a no causar confuso denominacional6.
Da alguns princpios doutrinrios comuns (enumerados acima por
Prcoro Velasques) e uma auto-identificao nica foram adotados: o
termo evanglico era individual e significava o compromisso da pessoa
com aquele conjunto de princpios doutrinrios: antes de pertencer a
esta ou quela denominao, o indivduo era evanglico.
Mendona (1990:23) ressalta que o protestantismo nunca chegou a ser
uma religio numericamente significativa, sempre esteve com as
minorias, mesmo assim, organizou-se em igrejas, institucionalizou-se e
burocratizou-se.
Para o autor, essa insero e permanncia se deveu a trs fatores:
primeiro, o incentivo piedade individual e da independncia pessoal
quanto obteno da salvao, assim como rejeio do mundo 5 Houve nos Estados Unidos um forte movimento missionrio com o objetivo de alcanar todos os povos com o Evangelho, a fim de que o Reino de Deus logo fosse implantado. Eram comuns grandes concentraes em praas pblicas, tendas, que uniam pregao e msica como meios de converso. A Educao tambm foi utilizada como um forte recurso, criando-se vrios institutos educacionais, que se contrapunham em termos didtico-pedaggicos s tradicionais escolas catlicas. 6 Como j foi mencionado, vieram missionrios de diferentes denominaes instituies: presbiterianos, metodistas, batistas, congregacionais.
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encontrou guarida numa sociedade to desajustada e desigual como a
brasileira. As classes mdias e baixas foram as primeiras a acolher esse
tipo de mensagem, sendo as que mais sofreram num pas em que
predominava um forte desequilbrio social, com um nmero reduzido de
pessoas muito ricas e um nmero bastante elevado de pessoas muito
pobres. E nesse meio, um extrato social que tentava manter o pouco
que possua.
Em segundo lugar, o protestantismo no Brasil organizou-se e cresceu
sob o primado do leigo, sendo insuficiente o nmero de pastores para
atender s igrejas espalhadas por vastas regies. Foi na zona rural e
nas cidades do interior que o protestantismo teve um crescimento mais
acelerado. Com uma populao em sua maioria analfabeta, era preciso,
primeiramente ensinar as primeiras letras, para que depois o
vocacionado pudesse ter uma formao teolgica especfica, como era
de praxe nas denominaes protestantes.
E em terceiro, o incentivo externo, principalmente americano,
investindo nos grupos protestantes aqui estabelecidos. Por muitos anos
as igrejas nacionais receberam a maior parte de seu sustento das
igrejas-mes, sendo os imveis e os salrios dos pastores pagos com
esses recursos, alm do grande investimento em educao, com a
criao de vrios colgios e posteriormente de seminrios teolgicos.
neste escopo que o protestantismo cresce e aparece no Brasil,
agregando caractersticas de uma religiosidade bem brasileira: igrejas
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com nomes e origens diferentes, mas com princpios de f e prtica
bastante semelhantes. Embora alguns pontos como por exemplo o
batismo se por imerso ou asperso7 tivesse maneiras diferentes de
ser praticado, buscava-se relevar tais questes conflitantes.
O protestantismo s se tornou numericamente mais significativo no
Brasil em meados de 1950, com o crescimento das igrejas pentecostais8.
Com uma mensagem simples, mas de forte teor comunitrio, voltada
principalmente para as massas populares que se aglomeravam nas
periferias das grandes cidades e nas zonas rurais, o pentecostalismo foi
ganhando espao na religiosidade brasileira. Igrejas como Assemblia
de Deus, Congregao Crist no Brasil, Igreja do Evangelho
Quadrangular e O Brasil Para Cristo so representantes clssicos desse
ramo do protestantismo.
O pentecostalismo herdou do protestantismo seu puritanismo e
pietismo e, como resultado, o dualismo histrico, o moralismo e o
imediatismo que tipifica a relao do fiel com Deus. Acentua, ao mesmo
tempo, a distncia entre o natural e o sobrenatural, enfatizando o falar
em lnguas estranhas; o dom de cura, que pode ser ocasional ou
permanente. O comportamento um sinal externo da salvao, da as
diferentes regras a serem seguidas por seus fiis (no podem assistir
7 O batismo um sacramento realizado em pocas e de maneiras diferentes, conforme a denominao: para metodistas e presbiterianos, o batismo se d na primeira infncia, sendo a criana aspergida com gua e apresentada pelos pais. J para os batistas, o batismo no tem uma idade determinada, mas preciso que a pessoa por vontade prpria queira fazer parte da igreja e o ritual consiste em imergir o fiel em um tanque com gua. Nas igrejas pentecostais, o batismo feito em rios e lagoas. 8 Os primeiros missionrios pentecostais vieram para o Brasil no incio do sculo XX, iniciando os trabalhos na regio Norte do pas.
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televiso, homens devem estar sempre barbeados, mulheres no podem
cortar cabelo, no podem usar cala comprida, etc.)
A religiosidade brasileira ainda conheceu uma outra manifestao,
oriunda do protestantismo, mas agregando valores como marketing e
mercado aos princpios bblicos: as igrejas neopentecostais Universal
do Reino de Deus, Renascer em Cristo, dentre outras, surgidas a partir
dos anos 1980.
Mendona (1997:165), bastante reticente quanto a chamar de igreja ou
mesmo de identificar suas origens crists, elenca cinco marcas do
neopentecostalismo: 1) caractersticas empresariais de prestao de
servios ou de oferta de bens de religio mediante recompensa
pecuniria; 2) distanciamento da Bblia, usada esporadicamente sem
nenhum rigor hermenutico ou exegtico; 3) inexistncia de
comunidade, apenas freqentadores de cultos, considerados clientes; 4)
como no h comunidade de adorao e louvor, o culto tem
caractersticas de ajuntamento de interessados na obteno imediata
dos favores do sagrado; 5) intenso ambiente de magia expulso de
demnios, curas, milagres.
A partir do movimento neopentecostal, denominao crente,
evanglico, protestante, agregou-se o gospel 9: no que o fiel se auto-
identificasse como tal, mas, por exemplo, sua msica, o adesivo do
carro, o programa de televiso, tudo gospel, e assim por diante. Para
9 O uso do termo gospel (que significa Evangelho na lngua inglesa) est relacionado a uma tendncia do mercado lanando um novo nome para produtos velhos, a fim de conquistar novos consumidores.
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estes adeptos, falar que era crente parecia muito careta, evanglico no
servia porque era necessrio mostrar que havia uma coisa diferente
na maneira de encarar o sagrado e de se relacionar com Deus, se
denominar protestante, ento, nem pensar.
Para o neopentecostal no so necessrios sinais externos que o
distingam como cristo, alis, a proposta que a pessoa continue sendo
ela mesma, com seu jeito, seus costumes e valores, mas admitindo que
todo ser humano tem necessidade de se relacionar com o sagrado, que
acreditar no sobrenatural faz parte da natureza humana e falar de Deus
est super na moda. Da a criao de comunidades bem especficas:
os surfistas de Deus, os roqueiros, pagodeiros de Deus, etc.
com essas cores e caractersticas que podemos ter uma idia de
parte da religiosidade desenvolvida pela sociedade brasileira nesses
ltimos cento e cinqenta anos. Se anteriormente o pas era catlico, a
religio hoje se apresenta pulverizada em vrias tendncias: o Censo
2000 detectou em trs por cento da populao a presena de espritas,
testemunhas de Jeov, seitas orientais e afros, alm dos dezesseis por
cento de evanglicos. Se anteriormente havia uma hegemonia
institucional, hoje encontramos vrias pequenas igrejas que procuram
responder aos anseios da sociedade, oferecendo diferentes opes de
relacionamento com o sobrenatural.
Essa presena de outras instituies se deve ao espao que os meios de
comunicao cada vez mais abrem espao para o religioso: rdios,
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canais e programas em emissoras de tv, internet, esto explicita e
constantemente divulgando f e religio.
O rdio, desde seu surgimento no Brasil foi utilizado como propagador
da f. Programas de leitura bblica, pregao e audio musical foram
inseridos nas grandes rdios do pas10. Com o passar dos anos, alm de
horrios em rdios seculares, algumas igrejas e entidades religiosas
montaram seus prprios canais11, veiculando em toda sua grade de
programao assuntos relacionados religio. Usando as diferentes
freqncias (AM e FM) as rdios evanglicas somam cerca de
quinhentas emissoras no pas12.
Atualmente, alm das ondas do rdio, a internet tambm tem servido
como propagadora do evangelho, e grande parte dos canais de rdio e
televiso oferecem suas programaes via rede, o que permite o acesso
mundial aos seus programas13.
10 A musicloga Henriqueta Rosa Fernandes Braga conta-nos em seu livro Msica Sacra Evanglica no Brasil que em 26 de maio de 1929 deu-se a primeira irradiao evanglica pela Rdio Club do Brasil, do Rio de Janeiro, sendo o pregador o pastor luterano Rodolfo Hasse. Nesse mesmo ano, alguns cultos de domingo da Igreja Metodista do Catete foram irradiados pela Rdio Club e Rdio Educadora . Ver Braga (1961: 389 398). A Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro transmite em nossos dias seus cultos dominicais atravs da Rdio Boas Novas. 11 Uma das mais antigas emissoras ainda em funcionamento a Rdio TransMundial, que atua no pas desde 1964 quando transmitia seus programas em portugus das Ilhas Bonaire, Caribe. Hoje a RTM possui sede em So Paulo e sua principal torre de transmisso se encontra em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Outro caso interessante do pregador Manoel de Melo, um dos sucessos evanglicos na radiofonia, que em 1955 possua um programa na Rdio Tupi chamado A voz do Brasil Para Cristo, nome que acabou sendo adotado para a igreja por ele fundada. Melo ficou no ar at incio dos anos 1980, quando a emissora Tupi veio a falir. 12 So quatrocentos e setenta emissoras evanglicas no pas. Revista Veja, 8 out 2003, p. 100. 13 O site www. radios.com.br possui um link sobre rdios evanglicas no Brasil e/ou que transmitem programao em portugus e aparecem setenta e uma estaes com as quais possui parceria.
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100
A televiso brasileira tem aberto cada vez mais sua grade de horrios
aos programas evanglicos, caso por exemplo da TV Bandeirantes que
transmite todos os dias, no horrio das 21 horas, os cultos do pastor
R.R. Soares. A Record, uma das grandes redes abertas de televiso do
pas, embora no possua programao exclusivamente religiosa,
pertence Igreja Universal do Reino de Deus. Outros canais abertos,
porm de menor alcance so a RIT Rede Internacional, ligada Igreja
Internacional da Graa de Deus e o Renascer, pertencente Igreja
Renascer em Cristo.
No meio musical, a presena evanglica tem aquecido o mercado: de
acordo com a Associao Brasileira de Produtores de Discos em 2002,
catorze por cento das vendas de discos no pas possuam mensagens
crists, nmero prximo aos oito milhes de lbuns comercializados.
Esta mesma fonte contabiliza um nmero de trinta gravadoras
evanglicas existentes no pas14.
interessante observarmos que as informaes que nos so oferecidas
pelos rgos de pesquisa (IBGE, Associao Brasileira de Produtores de
Discos, Ministrio das Comunicaes, etc) conceituam de evanglicos
tanto os segmentos do protestantismo histrico, como os pentecostais e
neopentecostais, reforando o que foi anteriormente dito que a insero
do protestantismo no Brasil procurou realar o que havia de
semelhante entre as diversas doutrinas eclesisticas a fim de formar
uma frente nica de atuao e evangelizao.
14 Revista Veja, 8 out 2003, p. 100.
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101
No meio musical, essas fronteiras ficaram ainda mais tnues, visto que
h uma intensa circulao de msicas e cantores, no havendo uma
barreira institucional e/ou doutrinria capaz de barrar este ou aquele
tipo de msica e/ou cantor. interessante observar que os pontos mais
nevrlgicos no aparecem na produo musical, como por exemplo a
guarda do sbado, o tipo de batismo, interpretao escatolgica, etc.
1.2. Evanglicos e Msica
A msica sempre foi muito presente no culto protestante. Uma das
marcas da Reforma foi permitir ao povo participar do servio litrgico
atravs do canto coletivo. Lutero, um dos principais reformadores do
sculo XVI escreveu vrios corais que caracterizavam-se pelo uso da
lngua vulgar ao invs do latim, pelo emprego de valores longos e
lentamente escandidos, pelo seccionamento fraseolgico, verso por
verso, formando cadncia, pelo acompanhamento instrumental do
rgo, pela melodia no soprano em lugar de se situar no tenor, como
era costume e por uma execuo silbica e articulao simultnea de
todas as vozes, a fim de permitir uma ntida compreenso do texto
cantado.
Joo Calvino, outro grande reformador do perodo, privilegiava o uso
dos Salmos metrificados, pois em sua opinio, o texto bblico era o mais
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102
apropriado ao uso litrgico. Tambm preferia o canto congregacional em
unssono e a capella (sem acompanhamento instrumental). Ao contrrio
de Lutero que aproveitara vrias melodias populares e bastante
conhecidas, Calvino insistia que as melodias deveriam ser criadas
especificamente para cada Salmo, evitando assim qualquer associao a
msicas profanas durante o servio litrgico. Henriqueta Braga (1961:
24) conta-nos que apesar da insistncia do reformador na simplicidade
da composio, no tardaram a surgir edies com as melodias do
Saltrio Huguenote harmonizadas a vrias vozes para uso domstico,
que acabaram se tornando monumentos da msica francesa
renascentista.
Uma particularidade do protestantismo brasileiro que pouco nos foi
ensinado ou dado a conhecer desse repertrio dos primeiros
reformadores. Nossa herana musical est mais ligada aos hinos
produzidos na Era Missionria do sculo XIX. Ao calor dos movimentos
revivalistas de Moody, Spurgeon, Torrey e outros, os chamados hinos
evangelsticos, destinados a serem cantados por grandes multides
desde a sua primeira audio, caracterizavam-se por uma extrema
simplicidade musical e literria.
Dwight Moody foi conhecido evangelista leigo americano, que sempre se
fazia acompanhar por um cantor. Este, com seus solos, preparava o
ambiente para as mensagens de evangelizao. Ira Sankey foi seu
cantor mais freqente, o qual tambm compunha melodias que eram
usadas nas campanhas. Outros compositores se destacaram, como
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103
Philip Paul Bliss, James Mc Granaham, George Stebbins e Fanny
Crosby.
So desses compositores a maioria dos hinos pertencentes ao primeiro
hinrio protestante lanado no Brasil: o Salmos e Hinos. A primeira
edio foi impressa no Rio de Janeiro em 1861, com dezoito salmos e
trinta e dois hinos, traduzidos ou escritos pelo casal de missionrios
congregacionais Robert e Sarah Kalley. Com o passar dos anos novas
edies foram sendo feitas, aumentado-se a cada uma delas a
quantidade de hinos e incluindo edies com partituras15.
Srgio Paulo Freddi Jr. (1994: 96 107) em sua Dissertao de
Mestrado faz uma anlise dos Salmos e Hinos apontando que
harmonicamente as composies possuem uma estrutura verticalizada,
em que a melodia est sempre concentrada no soprano, a voz mais
aguda, o que facilitaria a identificao da melodia com o texto cantado.
Os hinos desenvolvem as funes bsicas da harmonia, usando
basicamente Tnica Dominante Subdominante. Quanto
metrificao, existe a preocupao em aproveitar letras e melodias,
fazendo com que os textos tenham acentuao pr-definida, com frases
musicais curtas, em grande maioria binrias e com grande repetio de
motivos. A estrutura rtmica da coletnea apresenta forma regular, com
respeito aos princpios bsicos da acentuao, unidades de tempo
15 A verso em uso atualmente de 1975, onde os 650 hinos foram revistos e atualizados por uma comisso de especialistas. Foi lanado em 2004 o Salmos e Hinos Cifrados contendo os 100 hinos mais cantados nas igrejas, numa verso que traz a melodia acompanhada das cifras harmnicas, usado tanto para violo como para teclado.
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104
simples e ausncia de motivos irregulares (to comuns na msica
brasileira).
A partir dessa anlise, Freddi aponta a adoo e sacralizao de uma
hinologia desvinculada da cultura local, na medida em que se baseia na
cultura sacra europia e norte-americana, tendo sido desprezada ou
desestimulada a criatividade composicional da religiosidade brasileira
em dilogo com a tradio reformada.
Outro aspecto interessante que as diferentes denominaes que aqui
se estabeleceram usufruram desse mesmo hinrio, e s mais tarde
tiveram a preocupao de organizar uma coletnea prpria para uso
litrgico, com as especificidades que lhes conviessem. A maioria das
coletneas foram organizadas depois da dcada de 192016, com exceo
dos batistas que em 1891 j tinham o Cantor Cristo17, porm, muitas
composies foram aproveitadas da edio do Salmos e Hinos. Em
contrapartida, a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil s foi
lanar seu hinrio por ocasio do centenrio da denominao, no ano
de 200318.
16 Alguns hinrios e respectivas denominaes: Harpa Crist, 1922, da Igreja Assemblia de Deus; Hinrio Evanglico, 1931, da Igreja Metodista; Hinrio Evanglico Luterano, 1938, da Igreja Evanglica de Confisso Luterana; Hinos de Louvores e Splicas a Deus, 1951, da Congregao Cristo do Brasil. interessante observarmos que embora os hinrios tenham sido criados e oficializados, nem sempre foram adotados pelas igrejas locais, que por preferncia particular, facilidade ou comodidade, continuavam usando o Salmos e Hinos ou hinos avulsos. 17 Os batistas reestruturaram seu hinrio e lhe deram um novo nome: Hinrio para o Culto Cristo, lanado em 1990. 18 O presbiterianismo adotou por muitos anos o Salmos e Hinos como hinrio oficial. Somente em 1991 a Igreja Presbiteriana do Brasil lanou o Novo Cntico que viria a substituir o antigo hinrio; e a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil o Cantai Todos os Povos em 2003.
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105
Mesmo a denominao que tem sua coleo prpria, tem a maioria das
composies retiradas do Salmos e Hinos, fazendo com que esse
repertrio seja reconhecido como o da tradio musical protestante no
Brasil. Ao observarmos as primeiras gravaes evanglicas no Brasil,
interessante notarmos que, ao invs de se escrever o ttulo da cano,
havia o costume de escrever o nmero desta no Salmos e Hinos.
Ao longo dos anos e com a confeco de diferentes edies desses
hinrios, composies de autores nacionais foram sendo agregadas.
Porm, o estilo e temtica usados nessas novas composies em nada
diferiam das j existentes. E em termos teolgicos e doutrinrios,
seguiam a linha puritano pietista do protestantismo brasileiro.
Mendona (1984) em sua Tese de Doutorado em Cincias Sociais faz
uma anlise do Salmos e Hinos, principalmente das composies
contidas em suas primeiras edies na perspectiva de entender como a
mensagem cantada foi responsvel pela insero de determinado tipo de
protestantismo no Brasil. Algumas observaes feitas pelo autor: a
valorizao da pessoa de Cristo em detrimento das outras pessoas da
Trindade, cnticos referentes confisso de pecados e ao convite para
converso. Grande maioria se refere ao sacrifcio expiatrio na cruz,
acentuando o teor dramtico do fato, temas relacionados vida futura,
ao cu, negao do mundo tambm so bastante enfatizados.
Mendona faz uma anlise dos hinos dividindo-os em quatro categorias:
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106
o protestantismo pietista; o protestantismo peregrino; o protestantismo
guerreiro; e o protestantismo milenarista (1984: 235 253).19
Esse tipo de repertrio foi cantado e gravado pelos evanglicos
brasileiros aproximadamente at a dcada de 1950, momento quando
chegam ao Brasil as organizaes paraeclesisticas20 e num outro vis,
o uso do rdio provoca a necessidade de mais material musical para ser
usado nas transmisses. nesse perodo que comeam a aparecer nas
igrejas os chamados corinhos, amados por uns e odiados por outros.
A expresso no diminutivo para uns significava a simplificao em
termos lingsticos e meldicos, e para outros a degenerao do estilo
musical, o que gerou muita polmica e discusso no meio evanglico.
Joo Wilson Faustini (1996) ao descrever os tipos de msica usados na
Igreja21 inclui os corinhos no contingente das canes evangelsticas por
apresentarem: 1) melodia simples, intuitiva, 2) serem breves, curtos, 3)
letras usarem uma linguagem bastante coloquial 4) contedo apela
mais para o emocional 5) por serem curtos, so facilmente
memorizveis, 6) so mais ritmados, lembrando a msica popular
(1996: 11 12).
19 Mendona se atm exclusivamente ao contedo lingstico dos hinos, em nenhum momento analisando a parte meldica, opostamente ao estudo de Freddi, que se debrua sobre o contedo musical do mesmo hinrio. 20 So considerados paraeclesisticas por no estarem ligadas a nenhuma denominao j existente, se intitularem interdenominacional e trabalharem com todos os segmentos do protestantismo. Esse tipo de organizao foi muito bem aceito, visto que placa denominacional nunca foi relevante no protestantismo brasileiro. 21 Fautisni fala em msica gregoriana, moteto polifnico, coral alemo, salmos metrificados, msica anglicana, msica religiosa russa e cano evangelstica (1996: captulo 2)
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Os corinhos eram utilizados nos acampamentos para jovens
organizados pelas entidades paraeclesisticas. De origem norte-
americana, foram traduzidos para o idioma portugus e rapidamente se
tornaram um novo modelo musical a ser seguido. Enfrentando a
oposio dos tradicionalistas, os corinhos foram incorporados ao uso
das igrejas locais, funcionando como uma espcie de vlvula de escape
jovem para os cultos bem comportados da maioria das igrejas. At
mesmo no que se refere instrumentao, os corinhos procuraram se
destacar, ao incentivar o uso do rgo eltrico, do violo e
posteriormente da bateria nos servios litrgicos.
ber Lima (1990: 68) observa que esses corinhos, sendo fruto de uma
teologia fundamentalista e de uma noo intimista de evangelho, falam
de salvao individual, piedade pessoal e esperana para o porvir, no
dando importncia questes contextualizadas. Essa afirmao
demonstra que em termos de contedo os novos corinhos nada diferiam
da hinologia tradicional herdada atravs do Salmos e Hinos.
Mas atravs dos corinhos que a msica sacra protestante vai buscar
se aproximar da msica popular brasileira,vai tentar se contextualizar,
principalmente quanto forma e estilo musical22.
o que acontece em 1977 quando a Misso Vencedores Por Cristo
lana o LP De Vento em Popa, o primeiro lbum com msicas em ritmo
22 Esse foi o tema de nossa dissertao de mestrado quando trabalhamos a popularizao da msica sacra protestante no Brasil, analisando as composies de um de seus cones, Srgio Pimenta. O ttulo do trabalho era Srgio Pimenta: cano e propaganda religiosa (1968 1987) e foi defendido em 2000, sendo orientado pelo Prof. Dr. Arnaldo Contier, na linha de pesquisa Histria da Cultura do programa de Ps Graduao em Histria Social da FFLCH USP.
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108
bossa-nova, samba, etc. Vrios compositores jovens j vinham gravando
suas canes, mas estas no diferiam muito dos padres estabelecidos.
Porm, De Vento em Popa procurou abrir espao para que esses novos
estilos pudessem ser ouvidos pela igreja protestante brasileira. Este LP
soou meio como um rudo aos ouvidos to tradicionalistas e o lbum foi
um fracasso de vendas.
Entretanto o caminho foi aberto e os jovens msicos cada vez mais se
sentiam desafiados a experimentar, a inovar, a lanar novos conceitos
no que seria louvor e adorao atravs da msica nos servios
litrgicos. At mesmo o tempo dedicado musica nos cultos foi
acrescido: o perodo de louvor compreendia a execuo de vrios
hinos/corinhos em seguida, coisa que no acontecia dentro da liturgia
tradicional, onde para cada parte do culto cantava-se apenas um hino.
Vrios grupos vocais so criados nas igrejas locais, reunies especficas
para execuo musical, os chamados Louvorzo tornam-se comuns,
em sua maioria realizado por vrias igrejas, promovendo um
intercmbio muito forte entre os jovens. Em 1979 ocorre o Congresso
Gerao 79, reunindo os jovens de todo o pas, com a presena de
grandes pregadores conhecidos internacionalmente, como Billy
Graham, e claro, muita msica. tambm durante a dcada de 1970
que surgem a maioria das gravadoras evanglicas23 que vo impulsionar
a criao musical e abrir espao para os mais diferentes tipos de
manifestaes musicais.
23 Sobre as gravadoras evanglicas estudaremos mais no prximo captulo.
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109
Em meados de 1980, com o surgimento das igrejas neopentecostais o
conceito de marketing e mercado entrou de cheio na produo musical.
Se antes os cantores eram responsveis por todas as etapas da
produo e at mesmo pela venda de seus trabalhos, entrou em cena o
produtor musical e toda uma rede de distribuio envolvendo grandes
somas de dinheiro e investimentos.
Desde os anos 1950 o meio evanglico tinha seus cantores de sucesso,
em sua maioria homens que percorriam o territrio nacional divulgando
seu trabalho, vivendo da venda de discos nas igrejas por onde
passavam. Mas na dcada de 80 comeam a surgir os super stars
evanglicos, homens, mulheres, bandas que cobram cach, esto na
mdia e requerem todo um aparato logstico para realizarem seus
shows. Surgem grupos de rock, cantores de pagode, funk, enfim, de
todos os estilos musicais, para todos os gostos e segmentos do mercado.
Continuam fazendo sucesso os cantores romnticos, as duplas
sertanejas, os grupos vocais como corais e quartetos, enfim, h espao
para todos os estilos.
Esse o universo que procuramos enfocar em nossa pesquisa,
resgatando a produo musical evanglica no Brasil, mais
especificamente no eixo Rio So Paulo, principalmente na poca
anterior ao CD e s novas tecnologias de gravao e distribuio
musical. Preservar esse material e garantir o acesso informao tem
sido nossa preocupao ao propor este levantamento documental.
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1.3. Msica e Preservao Documental
A msica uma manifestao artstica bastante particular: necessrio
o autor que a crie, o intrprete que a execute, o ouvinte que a aprecie.
Essa coletividade, essa participao intermediria entre autor e receptor
sempre foi um ponto crucial para a sua manifestao. O msico, o
intrprete ao longo da histria se constituiu como pea chave na
realizao artstica e diferentemente de outras manifestaes, o
intrprete tambm ganhou status e popularidade, tanto quanto os
autores.
Toda expresso artstica, seja ela pintura, escultura, literatura, etc, tem
seus cdigos e tcnicas que precisam ser totalmente dominados por
aqueles que se aventuram a criar. Porm, uma vez pronta a criao,
basta o apreciador l-la, para que a partir de seus cdigos de
interpretao possa construir juzo de valor e emitir um parecer sobre
ela ou simplesmente saber da sua existncia e reconhec-la em sua
essncia.
Com a msica isso no ocorre: antes da inveno da partitura, muita
msica foi cantada e tocada e nada restou dela, posto que no havia
nenhuma maneira de preservar o som. A memria era o principal
guardio documental da criao musical: passar de pai para filho, de
mestre para discpulo, de gerao para gerao era o que garantia a
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111
permanncia desta ou daquela melodia. Da encontrarmos a meno de
determinada melodia, mas no ser possvel a sua execuo.
Por muitos anos a nica maneira de registrar o som foi atravs da
escrita musical, da convencionada partitura que levou sculos sendo
aperfeioada. Cabia aos entendidos dessa escrita sua interpretao. E
ainda mais, era preciso uma pessoa que, alm de saber ler a partitura,
estivesse preparada para a execuo deste ou daquele instrumento,
para que enfim a msica pudesse se constituir em um objeto passvel
de ser (re)conhecido.
A partitura proporcionou uma verdadeira revoluo na criao e
divulgao musical. Com seu aperfeioamento tcnico mnimos
detalhes codificados para a reproduo exata do som em pouco tempo
msicos de diferentes lugares e em diferentes tempos puderam ter
contato com as mais diferentes criaes, o que produziu uma fonte de
inspirao extremamente rica para aqueles que se sentiam capazes de
criar peas musicais.
At mesmo no Brasil, um pas com reduzido nmero de pessoas
alfabetizadas, a impresso de partituras e a venda de instrumentos
musicais tinham seu pblico consumidor garantido24. Tanto que Sarah
Kalley responsvel por organizar o primeiro hinrio a ser usado pelas
24 Sobre este tema, interessante consultar o trabalho de Janice Gonalves, intitulado Msica na cidade de So Paulo (1850 1900): o circuito da partitura, onde a autora apresenta um levantamento sobre a impresso musical e seus diferentes consumidores: maestros, professores, curiosos.
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112
igrejas protestantes no Brasil, teve a preocupao em fazer uma edio
com partituras25.
Foi apenas com o desenvolvimento de tcnicas de reproduo e
gravao do som que passamos a realizar um registro que por ele
mesmo permitia a apreciao daquela criao por parte do ouvinte
(posto que para ouvir msica no necessrio conhecer a escrita
musical para ler a partitura, ou saber executar um instrumento). A
partir do sculo XX, a msica conquistou um suporte que lhe abriu
ainda mais espao na sociedade e aumentou sua fora e o nmero de
apreciadores.
Com essas tecnologias a revoluo foi ainda mais radical. Os meios de
comunicao em massa, foram tanto responsveis por essa revoluo
como fruto dela: rdio, cinema, televiso sempre se beneficiaram da
produo musical e tambm impulsionaram a mesma.
Se, nos sculos anteriores houve uma produo musical bastante
significativa, que foi preservada atravs da partitura, o sculo XX
possibilitou a democratizao do registro, uma vez que aquele msico
que no dominava completamente as teorias musicais para escrever sua
partitura, agora podia simplesmente gravar sua execuo, e assim ter
garantido seu registro. Isso acarretou um grande aumento nas msicas
que passaram a ficar para a histria.
25 A primeira edio fora lanada em 1861 e em 1868 foi feita a edio com msica.
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113
muito interessante pensarmos na quantidade de msicas que foram
executadas e fizeram parte da vivncia de diferentes grupos sociais.
Muita material se perdeu: coisas boas, ruins, medianas. Se hoje
conhecemos os clssicos da msica porque suas obras sobreviveram
a todas as intempries: a prpria conservao da partitura original,
disseminao de cpias, ao crivo do gosto e do belo de cada
momento, capacidade de saber executar com preciso o que foi
determinado pelo autor, etc.
Ainda muito grande a quantidade de msica que executada e faz
parte de diferentes vivncias sociais. Nem tudo foi ou est sendo
gravado, mas o nmero de registros e a variabilidade dos suportes fez
crescer vertiginosamente essas cifras. Muitas composies boas, muitas
ruins e outras medianas esto ficando como registro de um tempo
histrico.
Ningum faz msica pensando que ela vai ser um documento histrico.
As pessoas mais sensveis e que possuem certas habilidades fazem
msica como uma maneira de expressar seus sentimentos, de
extravasar suas emoes. E sentimentos e emoes extremamente
pessoais so envolvidos, esto embalados dentro de um arcabouo
cultural e social coletivo. Da o enriquecimento do saber histrico,
quando este passou a encarar a produo artstica como um documento
to relevante quanto um papel administrativo ou um fato poltico.
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114
A grande questo que se apresenta agora como preservar esses
documentos musicais que so produzidos cada vez em maior
quantidade e variedade. partitura escrita em papel, somaram-se os
cilindros gravveis, os discos gravados em micro-sulcos em 78, 45 e 33
1/3 rpm, os tapes (tambm conhecidos como fita cassete), os discos a
laser (CD, DAT, MD, DVD) e por fim o protocolo de compresso de udio
Mpeg udio Layer, o Mp3 (que assim foi popularizado, sendo que hoje j
estamos na verso 5)26. Se, anteriormente a partitura escrita em papel
exigia sua conservao cuidando-se da temperatura e umidade que
estava exposta, hoje as novas mdias exigem, alm desses cuidados, a
conservao dos aparelhos que fazem a reproduo: gramofones,
tocadores de discos e fitas, aparelhos de som, etc.
So raras as instituies pblicas no Brasil que possuem material
fonogrfico e/ou audiovisual. E, nas poucas instituies que
encontramos esse tipo de acervo, no aparece nada especificamente
religioso, muito menos evanglico. Dentre as instituies privadas,
principalmente as denominaes religiosas protestantes, os poucos
museus, centros de documentao e arquivos que existem quase nada
possuem sobre as gravaes musicais que circulavam no meio
evanglico, tampouco sobre as execues musicais que se realizavam
nos servios litrgicos.
As gravadoras, assim como as empresas comerciais brasileiras,
demonstram ser muito imediatistas e preocupando-se apenas com o
26 Todas essas mdias sero descritas no captulo 2, referente produo e distribuio musical.
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115
presente: para a maioria, guardar acervo velho que est fora de uso s
para juntar sujeira e ocupar espao. Principalmente com a introduo
do CD, muitas gravadoras procuraram se desfazer de seus LPs em
estoque e, em muitos casos, nem mesmo um exemplar de cada lbum
foi preservado. Dentre as emissoras de rdio, apenas as mais antigas
possuem algum material em seus depsitos, mesmo que entulhados de
materiais e mal arejados, ou em algum cantinho perdido de suas
instalaes. As mais novas, porm, trabalham apenas com msica
digital, estando todo repertrio armazenado em computadores, e nunca
tiveram em suas dependncias os tais bolaches.
Ainda resta-nos a iniciativa individual, onde a guarda se d de acordo
com a produo (os artistas geralmente preservam seus trabalhos) ou
suas preferncias. A grande dificuldade nesse tipo de acervo podermos
ter acesso a ele ou mesmo chegar ao conhecimento de sua existncia.
Apesar das leis existentes com relao ao depsito legal e registro
autoral e a partir de 2003 a obrigatoriedade do GRA (registro nacional
por msicas gravadas), as gravaes evanglicas muitas vezes esto
margem do sistema. No h nada sistematizado que possa oferecer um
quadro, mesmo que aproximado sobre a produo musical evanglica
no pas.
As prprias gravadoras no possuem acervos completos de sua
produo, os catlogos mudam de tempos em tempos e mesmo lbuns
que continuam disponveis no mercado, mudam de numerao,
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116
recebem novas capas e/ou encartes e no h a preocupao em
guardar esses diferentes exemplares.
Para comearmos a pensar em despertar a necessidade da preservao
documental, uma boa maneira seria oferecer os nmeros e valores
referentes a essa produo, mostrando que existe muito material
perdido por a, ou desconhecido e que pode ser uma rica fonte de
informao para novas pesquisas.
Ao visitarmos gravadoras, emissoras de rdio, igrejasq e pessoas
envolvidas com a produo musical evanglica, fomos recolhendo
informaes e material que, aps serem armazenados num banco de
dados, foram organizados em relatrios que procuram mostrar as
informaes ali contidas sobre artistas, canes e tudo que ao longo do
sculo XX esteve envolvido na produo musical evanglica do pas.
Foi um verdadeiro trabalho de garimpagem, principalmente diante da
pouca preocupao da sociedade brasileira com relao preservao
documental. Estamos conscientes de que no chegamos ao fim do
trabalho, que o material pesquisado e encontrado apenas parte do que
um dia existiu, mas, cremos que, como primeiro passo e ponto de
partida para o total reconhecimento da produo musical evanglica, o
que apresentamos neste trabalho de suma importncia e servir como
uma verdadeira obra de referncia a todos aqueles que se interessarem
pelo conhecimento da religiosidade no pas.
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117
Podemos afirmar que nosso trabalho pioneiro e se, no contempla a
totalidade do material produzido, procuramos ser rigorosos e
minuciosos na descrio do material encontrado, o que faz com que
nosso levantamento documental sirva como modelo para outros que
queiram identificar e localizar fundos referentes a este ou a qualquer
outro tema relacionado.
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Captulo 2 A Produo Musical
Evanglica
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Neste captulo descreveremos as tecnologias de gravao e de
distribuio musical, com o objetivo de conhecermos o desenvolvimento
dessa rea e acompanharmos os diferentes desdobramentos do mercado
fonogrfico.
Vamos tambm descrever a produo musical evanglica,
acompanhando os relatos das primeiras gravaes realizadas, assim
como o crescimento do mercado a partir dos programas evanglicos no
rdio, a diversificao e ampliao destes em conseqncia do aumento
no nmero de evanglicos no pas.
Vamos ainda elencar as principais gravadoras do ramo evanglico,
estando elas em atividade ou no, ressaltando seus principais artistas e
rea de influncia no mercado.
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2.1. As Tecnologias de Produo e Distribuio Musical
Ao falarmos sobre produo musical no sculo XX, faz-se necessrio
acompanharmos a evoluo tecnolgica, tanto da gravao quanto da
distribuio musical, uma vez que a msica deixa de ser preservada
exclusivamente atravs da sua escrita para ser preservada enquanto
som.
Se, at meados do sculo XIX uma das nicas maneiras de se registrar
ou preservar uma msica era atravs da escrita musical, da partitura,
a partir desse momento, outras tcnicas foram sendo desenvolvidas,
aprimorando e aperfeioando a reproduo musical. J no mais se
fazia necessria a presena de msicos executando as diferentes obras
musicais, reconhecidas e estudadas atravs de partituras, com todo seu
cdigo de significao e interpretao. A msica passa a ser ouvida e
preservada pela sua execuo, possibilitando que at mesmo msicos
analfabetos (da escrita musical) pudessem registrar suas criaes.
Assim, torna-se interessante acompanhar como se deu a evoluo das
tecnologias de produo e distribuio musical. Para isso vamos
acompanhar o trabalho de Eduardo Vicente (1996) que em sua
Dissertao de Mestrado, A msica popular e as novas tecnologias de
produo musical: uma anlise do impacto das tecnologias digitais
no campo de produo da cano popular de massas, apresentada no
Departamento de Sociologia da Unicamp divide em quatro fases esse
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desenvolvimento tecnolgico: a fase mecnica - relacionada aos
aparelhos reprodutores de cilindros e discos distribudos
comercialmente a partir das ltimas dcadas do sculo XIX; a fase
eltrica - que se inicia a partir de 1925, marcada pelo desenvolvimento
de tecnologias como a estereofonia, o microssulco (que permite o
surgimento dos LPs), a gravao em fita; a fase eletrnica - resultante
da criao dos transistores, levando ao aprimoramento das tcnicas de
high fidelity, ao desenvolvimento dos estdios multi-canais e de
equipamentos portteis como os walkmans e tapes automotivos; e,
finalmente, a fase digital - marcada pela criao de equipamentos
digitais de gravao e reproduo de udio e tambm hardwares e
softwares, contribuindo para a virtualizao da produo musical.
O marco inicial do desenvolvimento da produo musical por meios
mecnicos pode ser situado no ano de 1888, atravs da comercializao
do phonograph aparelho mecnico de gravao e reproduo sonora
atravs de cilindros perfurados, inventado por Thomas Edison em 1878
pela North American Phonograph Company e do concorrente
graphophone desenvolvido pela Bell Telephone Company. As empresas
visavam o uso desses equipamentos em escritrios para o registro de
textos ditados, mas, diante do fracasso de tal oferta, perceberam que
poderiam us-los como meio de entretenimento, o que demandaria o
fornecimento de cilindros j gravados, entrando a Columbia como
pioneira no fornecimento desses cilindros.
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Paralelamente aos cilindros gravveis, Emile Berliner desenvolveu o
gramophone, um aparelho de reproduo de sons que utilizava discos
em lugar dos cilindros de Edison. Estes discos se reproduziam a uma
velocidade de 78 rpm (rotaes por minuto). Em 1893, Berliner formou
uma empresa para a venda de material gravado, uma vez que seu
equipamento fora criado j pensando na indstria do entretenimento e,
no ano de 1900 eram, oferecidos cinco mil ttulos a seus clientes, tendo
a empresa criado o primeiro estdio comercial de gravaes (Vicente
1996: 15).
Eduardo Vicente (1996:16), citando um pesquisador ingls, Simon
Frith, aponta que num primeiro momento no havia uma preocupao
essencial com a escolha do que ouvir, uma vez que qualquer som
reproduzido apresentava interesse para estes primeiros ouvintes.
Porm, com a difuso dos equipamentos, o gosto do pblico tornou-se
mais seletivo e, conseqentemente, a produo musical passou a
adquirir maior importncia.
J nesse perodo inicial ocorreram disputas e batalhas em torno de
formatos e padres a serem seguidos. O sistema de discos no gravveis
do gramophone de Berliner tornou-se hegemnico no mercado,
desaparecendo os cilindros gravveis. Alm disso, o estilo musical
predominante nesse perodo inicial foi o da msica erudita europia,
criando-se um referencial elitista de alta cultura, mesmo sendo a
principal consumidora a classe mdia.
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Os sistemas mecnicos de gravao e de reproduo musical logo foram
superados pelo desenvolvimento da gravao eltrica, tornando-se esta
a base tecnolgica para todos os outros grandes desenvolvimentos
posteriores, tanto no que se refere mudana de velocidade de rotao
dos discos, quanto criao da estereofonia e dos recursos de high
fidelity. A empresa responsvel por essa inovao foi a Western Eletric
durante a dcada de 1920.
Neste perodo das gravaes eltricas, esta limitava-se a ser o registro
de uma performance real. De um modo geral, o trabalho dentro do
estdio resumia-se a reunir numa sala de gravaes todos os msicos
participantes da sesso, posicion-los a distncias variveis do
microfone em funo do volume relativo que cada instrumento deveria
ter dentro do conjunto, abaf-los se fosse o caso e, depois de tudo
pronto, gravar a msica o nmero de vezes que fosse necessrio at a
obteno de um registro considerado ideal.
Diante das limitaes tecnolgicas, as freqncias graves provenientes
dos naipes das cordas das orquestras tiveram que ser substitudas
pelos sopros. Tais freqncias podiam causar um alargamento
excessivo dos sulcos do disco matriz, fazendo com que no momento da
reproduo, a agulha no tivesse estabilidade. Instrumentos de
percusso graves e grandes volumes sonoros tambm no eram viveis
naquele momento.
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interessante observarmos que as dificuldades presentes nas
gravaes afetaram diretamente o modo de se fazer msica, inclusive a
durao de uma cano acabou se fixando em torno de trs a quatro
minutos porque no padro de 78 rpm esse era o tempo disponvel em
cada face do disco e mesmo com um novo suporte, essa durao mdia
permaneceu (Vicente 1996: 19).
O formato dos discos tambm foi sofrendo mudanas tecnolgicas: os
discos de Berliner de 78 rpm foram cedendo lugar aos novos padres.
Uma disputa entre a CBS e RCA gerou uma diviso no mercado: os LPs
de 33 1/3 rpm (padro proposto pela CBS) seriam destinados msica
erudita e os discos de 45 rpm (padro proposto pela RCA) ficariam
reservados para a gravao e distribuio da msica popular atravs
dos chamados singles ou compactos. Em pouco tempo, no entanto o LP
se tornou predominante na distribuio de todos os gneros musicais.
A terceira fase do desenvolvimento tecnolgico a eletrnica se firmou
a partir da dcada de 1930, com o desenvolvimento do magnetophone,
aparelho que utilizava uma fita plstica revestida por uma camada de
material magntico, onde se gravavam os sons. Este produto foi
desenvolvido na Alemanha pela AEG.
No incio dos anos 50, os gravadores tinham sido unanimemente
adotados pela indstria. Alm de uma considervel queda nos custos de
produo, houve uma flexibilizao no processo de gravao:
instrumentos podiam ser adicionados posteriormente a uma primeira
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gravao e diferentes gravaes podiam ser sobrepostas. Dessa
maneira, somente os melhores momentos permaneceriam, fazendo com
que a gravao passasse a ser um evento ideal e no real.
Com essa tecnologia, o engenheiro de som passou a ter um papel mais
decisivo na qualidade das gravaes. Era responsvel por controlar
diferentes canais que captavam os sons de vrios microfones, sendo
introduzido trabalho de mixagem e equalizao. Um bom produto
dependia no s de bons msicos para ter sucesso garantido, mas
tambm de uma boa equipe tcnica.
O msico foi ficando cada vez mais isolado durante a gravao, para
evitar que o som de seu instrumento aparecesse no microfone do outro.
Este distanciamento tornou necessrio o uso de fones de ouvido, a fim
de que todos os msicos pudessem se escutar.
Efeitos sonoros, nem sempre possveis de serem executados numa
performance ao vivo passaram a ser agregados s produes musicais.
O sistema de gravao que inicialmente trabalhava com dois canais, o
grave e agudo, rapidamente foi sendo sobreposto, fazendo com que em
pouco tempo se conseguisse trabalhar com oito canais.27
O desenvolvimento de gravadores multi-canais no demorou a
acontecer: oito, dezesseis, vinte e quatro pistas podiam ser
sincronizadas entre si, oferecendo uma quantidade praticamente
27 Vicente cita que o primeiro lbum a ser gravado no sistema de 8 canais foi o Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band dos Beatles, entre nov/66 e abr/67. O produtor utilizou 2 gravadores de 4 canais acoplados, o que gerou um efeito de 8 canais. (1996: 25)
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ilimitada de canais simultneos de gravao. Isto possibilitou uma
melhor qualidade e racionalizao no processo de produo, fazendo
com que a performance musical registrada se tornasse cada vez mais a
ideal.
No entanto, a gravao em multi-canais trouxe uma transformao na
atuao do msico. Se, na poca da gravao em disco, os msicos
eram simplesmente reunidos em torno do microfone para o registro de
sua performance, durante o uso dos primeiros tapes, passaram a ser
separados por biombos dentro da sala e utilizavam fones de ouvido para
poderem se acompanhar. J com os multi-canais, passaram a tocar
separadamente, gravando suas participaes a partir da audio do
registro das performances dos outros msicos que os antecederam, o
que levou a uma maior racionalizao e planejamento a fim de evitar
resultados indesejveis.
Com os multi-canais, o trabalho ps-gravao passou a considerar o
que era antes produto final como matria-prima, cabendo aos tcnicos
de som dar o acabamento atravs da equalizao, efeitos e mixagem de
cada trilha. Com essa atividade, houve uma reestruturao da diviso
do trabalho na produo musical, pois a equipe tcnica passou a ser
to importante quanto os msicos que realizam as performances.
Eduardo Vicente para falar sobre a quarta e ltima fase da tecnologia
de gravao e distribuio musical - a digital - faz uma explicao dos
conceitos digital e analgico. Segundo Vicente (1996: 31), os processos
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analgicos de gravao so aqueles nos quais as caractersticas de uma
onda sonora so representadas, por analogia, atravs das flutuaes em
um campo eletromagtico. O autor exemplifica:
[...] as vibraes provocadas no ar pela voz de um
cantor so convertidas, atravs de um microfone, em
variaes de um potencial eltrico e armazenadas,
desse modo, em uma fita magntica. Para a
reproduo dos sons gravados, a fita tocada e seus
sinais so amplificados e endereados a um alto-
falante, no qual so transformados em vibraes de
um cone de papelo. Ao propagarem pelo ar, estas
vibraes reproduzem o som. (Vicente (1996: 31)
O sistema digital, por sua vez, subdivide a onda sonora em fatias
(amostras) e cada uma delas tem sua localizao matematicamente
determinada no tempo e no espao da onda. Essas amostras so
reproduzidas em intervalos de tempo to curtos que nos do a sensao
de um som contnuo. Esse sistema, alm de eliminar o rudo resultante
das pequenas variaes na tenso eltrica, abriu a possibilidade de uma
ampla manipulao das caractersticas do som obtido (altura, volume,
forma de onda, etc.)
A criao do protocolo MIDI Musical Instruments Digital Interface foi
muito importante para o desenvolvimento e difuso das tecnologias
digitais de produo musical. O protocolo procurou estabelecer um
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padro de comunicao comum a todos os equipamentos que
trabalhavam com o processamento digital da informao musical. Com
esse acordo, a partir de 1982 equipamentos de diferentes marcas
poderiam ser interligados, recebendo e transmitindo dados entre si.
Uma srie de equipamentos foram desenvolvidos para serem utilizados
nos estdios de gravao: samplers, sintetizadores, baterias eletrnicas,
sequencers, mdulos multi-timbrais, gravadores digitais, mdulos de
efeitos, softwares arranjadores e DAWs (Digital udio Workstations). No
vem ao caso esmiuar cada um desses equipamentos, mas, o que
importante ressaltar, que com esses recursos digitais houve a
possibilidade de novos procedimentos tcnicos que resultaram em
maior qualidade aliada a baixo custo.
A pr-produo, assim chamado o sequenciamento de partes do arranjo
musical mesmo antes do ingresso do artista no estdio, levou a uma
significativa reduo nos custos de produo. A montagem de estdios
de gravao de menor porte e custo, porm com um padro compatvel
com de estdios mais requintados, provocou uma pulverizao das
atividades e do aparato da produo musical.
O msico da fase digital foi sendo influenciado a ter em sua formao
conhecimentos de outras reas at ento um pouco distantes, como
informtica, engenharia eletrnica, tecnologia de udio e at mesmo o
domnio da lngua inglesa, para fazer uso de diferentes equipamentos.
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Todo esse aparato tecnolgico facilitou a vida do msico
cantor/compositor que, no dispondo de banda prpria, poderia deixar
toda a produo musical sob responsabilidade do estdio na produo
dos arranjos, arregimentao e regncia dos msicos e gravao e
mixagem do trabalho.
O trabalho de gravao em separado iniciado pelos multi-canais foi
enriquecido pelo uso de instrumentos digitais freqentemente usados
como base dos arranjos musicais. Tais instrumentos geram informaes
e no sons musicais, o que leva possibilidade de mudanas nos
timbres utilizados.
Na dcada de 1990 um estdio podia ser montado atravs de trs
esquemas bsicos: 1) estdio analgico-digital, que utilizava um tape
multi-canais analgico em sincronizao com equipamentos digitais. 2)
estdio digital com tape que utilizava um gravador multi-canais digital e
que possua um esquema de funcionamento praticamente igual ao
analgico-digital e, 3) estdio digital tapeless, que utilizava para as
gravaes um computador que digitalizava os sons em tempo real,
diretamente no hard disk.
Atualmente o sistema analgico foi praticamente abandonado nas
gravaes em estdio e a cada dia novos softwares e equipamentos so
criados, ampliando as possibilidades da produo musical.
Quanto distribuio da produo musical, Vicente chama nossa
ateno para o fato de que o problema da mdia, ou do suporte dessa
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produo musical desde seus primrdios apresentou uma forte disputa
entre diferentes elementos. A primeira se deu entre os discos de
Berliner e os cilindros gravveis de Edison. A partir da vitria dos discos
no gravveis este padro foi hegemnico at o final da dcada de 1960.
Durante esse tempo, no entanto, o disco sofreu grandes modificaes: o
micro sulco, os discos de 45 rpm e os Long Plays de 33 1/3 rpm,
alm do surgimento da estereofonia, desenvolvida em 1958.
Outras inovaes na distribuio musical surgiram sob a forma de
novas mdias. O tape domstico foi o primeiro desta lista. Estes
comearam a ser comercializados pela Philips em 1969. Apresentavam
inmeras inovaes e vantagens em relao aos discos: facilidade de
transporte e armazenamento, recursos de avano e retrocesso e, acima
de tudo, a possibilidade de gravar e regravar os sons. Em pouco tempo
a venda de aparelhos gravadores cassete superou a venda de aparelhos
toca discos.
Numa outra etapa, os compact discs foram lanados simultaneamente
pela Sony e Philips em 1979. Rapidamente os discos de vinil foram
cedendo espao para esta nova mdia, porm, para as fitas cassetes no
representou uma ameaa imediata. Somente aps o desenvolvimento de
verses de CDs gravveis e a popularizao de aparelhos gravadores de
CD, que as fitas cassetes foram sendo deixadas para um segundo
plano.
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As vantagens do CD sobre outras mdias estava na quantidade de
informao capaz de serem nele armazenados cerca de 740 Mb, o que
equivale a aproximadamente 74 minutos de som digitalizado em
estreo. Alm disso, a qualidade do som digital era muito mais
significativa, fazendo com que a leitura tica do som se tornasse quase
unanimidade.
A fabricao de CDs no Brasil teve incio em 1987, porm, at hoje
pouco se sabe de sua constituio fsicoqumica, o que tem acarretado
uma srie de dificuldades quanto sua preservao e durabilidade.
Um produto que ficou restrito rea industrial da produo musical foi
o DAT Digital udio Tape, lanado comercialmente pela Sony em 1989,
para ser um substituto digital para a fita cassete. Porm, em funo do
seu alto custo, nunca chegou a ser um equipamento de uso domstico.
Em pouco tempo, uma nova mdia foi lanada para substituir o cassete:
o MD MiniDisc. Essa mdia digital consiste num disco regravvel de
tamanho menor, mas de capacidade de armazenamento equivalente
do CD. poca de seu surgimento, foi usado por diversas produtoras
para lanamentos musicais e tornou-se padro em rdios de todo o
mundo.
A acelerao tecnolgica tem contribudo, e muito, para a distribuio
musical. Em pouco tempo, as novas mdias so superadas e outros
produtos so lanados, cada vez com mais qualidade e menor custo.
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Dentro dessa proposta, surgiu o DVD Digital Versatile Disk.
Inicialmente lanado para suceder o videocassete, rapidamente foi
testado e aprovado para diferentes finalidades: som, imagem, dados.
Apresentado pela primeira vez no mercado em 1996, nos Estados
Unidos, o DVD foi um dos mais importantes lanamentos da indstria
de eletro-eletrnicos nos ltimos anos.
Alm de uma qualidade de digitalizao de udio superior a de um CD
convencional, o DVD possibilita alternativas de espacializao do som
muito mais complexas do que as da estereofonia, o que leva a uma
qualidade de resoluo mais aprimorada, bem como a incluso nos
discos de videoclipes, cenas de estdio, de shows ao vivo, etc.
Atualmente, a mdia mais badalada do momento o Mp3 Mpeg udio
Layer 3, um protocolo de compresso de udio. Surgiu como uma das
conseqncias do desenvolvimento do DVD e permitiu a digitalizao de
msica em arquivos at dezesseis vezes menores do que os obtidos com
os outros formatos. O Mp3 existe desde 1992, mas sua popularizao
s ocorreu a partir de 1997 com a criao do Winamp, um software que
permite a reproduo dos arquivos Mp3 em computador.
Arquivos em Mp3 passaram a ser adotados com freqncia cada vez
maior em substituio ao CD single para a divulgao das msicas de
trabalho dos lbuns. A primeira iniciativa se deu em setembro de 1997
quando a Capitol Records lanou o single Eletric Barbarella, da banda
Duran Duran pela rede.
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Equipamentos portteis de Mp3 esto se tornando uma verdadeira febre
no mercado consumidor musical, mais uma vez somando qualidade,
quantidade e baixo custo. Um aparelho simples, do tamanho de um
isqueiro chega a armazenar dez horas de msica28.
Em nossos dias, a distribuio da produo musical tem uma srie de
facilidades tecnolgicas, que permitem uma rpida divulgao do
material produzido. A questo agora : como garantir os direitos
autorais e manter a lucratividade das empresas envolvidas no ramo?
So questes totalmente em aberto, que tm gerado grande polmica e
uma ampla discusso jurdica.
2.2. Gravaes Evanglicas
Desde o incio do sculo XX, quando chegaram ao Brasil as primeiras
tcnicas de reproduo e gravao musical, temos registros da
produo de msica sacra evanglica.
Para podermos conhecer essa trajetria, vamos usar como referncia o
trabalho da professora e musicloga Henriqueta Rosa Fernandes Braga
(1961) que em seu livro Msica sacra evanglica no Brasil: contribuio
sua histria, faz um relato minucioso das primeiras gravaes
28 Outras verses esto disponveis no mercado, sendo que o MP5 capaz de gravar e reproduzir vdeos, alm de msicas e armazenamento de qualquer tipo de dados digitalizados.
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evanglicas no Brasil29; e tambm a tese de doutorado de Eduardo
Vicente (2001), Msica e disco no Brasil: a trajetria da indstria nas
dcadas de 80 e 90, na qual o autor dedica um captulo especial para a
produo musical religiosa brasileira.
Uma reportagem de jornal escrita em 193630 relata que um senhor, de
nome Jos Arajo Coutinho Jnior, residente na cidade de So Paulo
dos Agudos SP, raspou a cera de um cilindro usado e nele gravou um
hino de um dos mais populares hinrios do Brasil, o Salmos e Hinos31.
Se nos cega o sol ardente era o ttulo do hino, executado por um
pequeno coral a quatro vozes, cujo som foi reproduzido em surdina no
ano de 1901.
O uso de cilindros gravveis foi rapidamente abandonado pela indstria
musical, e diante do predomnio dos discos, em pouco tempo alguns
ttulos evanglicos foram lanados atravs dos grandes selos. Conta-nos
Henriqueta Rosa que em 1912 o Coro da Igreja Evanglica Fluminense
do Rio de Janeiro gravou seis discos de dez polegadas sob o selo32
Favorite. A fbrica germnica Favorite atuava no Brasil em conexo com
29 Tivemos acesso ao acervo de discos que pertenceram Henriqueta Rosa e nem tudo que ela menciona no livro foi possvel localizar, porque ela nunca chegou a ter todo esse material e muitas coisas no resistiram ao uso e a ao do tempo. 30 B.J. A victrola ao servio do Senhor. O Cristo. Rio de Janeiro, 30 set 1936, p.3. 31 O Salmos e Hinos foi a primeira coletnea de hinos sacros lanada no Brasil em 1861 pelo casal de missionrios Robert e Sarah Kalley. Este hinrio continua em uso estando hoje em sua quinta edio, com seiscentos e cinqenta hinos. 32 Eduardo Vicente oferece-nos uma explicao sobre o uso do termo selo: A expresso derivada dos rtulos coloridos e chamativos que eram afixados aos compactos de 45 rpm que comearam a ser utilizados nos EUA e na Inglaterra em fins dos anos 50 como estratgia de promoo dos LPs. (Posteriormente), o termo passou a distinguir os vrios departamentos que estavam sendo criados na poca para cuidar dentro das gravadoras de diferentes gneros musicais como o jazz, o rock, o pop, a msica erudita, etc. No mercado nacional, entretanto, muito comum que se denomine como selos tambm s pequenas empresas independentes, ficando gravadora reservado para as mdias e grandes. (VICENTE, 2001: 10). Em nosso texto, usaremos o termo selo nesses dois sentidos.
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a Casa Faulhaber, responsvel tcnico pela