a produção musical evangélica no brasil

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS

    HUMANAS

    rica de Campos Vicentini

    A produo musical evanglica no Brasil

    So Paulo 2007

  • 73

    UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E

    CINCIAS HUMANAS

    A produo musical evanglica no Brasil

    rica de Campos Vicentini

    Tese apresentada Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Histria Social

    Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria de Almeida Camargo

    So Paulo 2007

  • 74

    AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE

  • 75

    FOLHA DE APROVAO rica de Campos Vicentini A produo musical evanglica no Brasil

    Tese apresentada Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo

    para obteno do ttulo de doutor em Histria Social rea de Concentrao: Historiografia e Documentao

    Aprovado em :

    Banca Examinadora Prof. Dr. _____________________________________________________________

    Instituio:___________________________ Assinatura :___________________

    Prof. Dr. _____________________________________________________________

    Instituio:___________________________ Assinatura :___________________

    Prof. Dr. _____________________________________________________________

    Instituio:___________________________ Assinatura :___________________

    Prof. Dr. _____________________________________________________________

    Instituio:___________________________ Assinatura :___________________

    Prof. Dr. _____________________________________________________________

    Instituio:___________________________ Assinatura :___________________

  • 76

    Aos meus pais Aristeu (in memorian), um grande homem

    e Esmeralda, uma verdadeira jia

  • 77

    Agradecimentos

    A Deus, criador e mantenedor de todas as coisas

    A todas as pessoas entrevistadas e contactadas para obteno do material de pesquisa

    (relacionadas nas referncias)

    Ao Hugo, Graziella, Ruben e Nathlia pelo suporte nas diferentes frentes de trabalho

    Aos meus hospedeiros em So Paulo e Rio de Janeiro Nelson, Erani, Ilza

    A meu esposo e filha, Chico e Mariane, pela pacincia em todos os momentos

    minha irm Raquel, socorro vinte e quatro horas

    Aos amigos e parentes que ofertaram para a impresso do texto

    direo e colegas de trabalho da Faclepp Unoeste

    s professoras Helosa Bellotto e Slvia Basseto que ajudaram a dar um novo rumo s

    pesquisas

    Ana Maria de Almeida Camargo, agradecimento mais do que especial pela

    orientao segura e tranqila que me fez chegar a bom termo

  • 78

    VICENTINI, rica de Campos. A produo musical evanglica no Brasil. 2007. 1554 p. Tese (Doutorado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2007. RESUMO: O objetivo da presente tese oferecer um levantamento documental acerca da produo musical evanglica no Brasil. Em termos teolgicos e institucionais, o protestantismo procurou evidenciar mais os elementos que uniam as diferentes denominaes do que os que as diferenciavam, e essa caracterstica transparece na produo musical, uma vez que h livre trnsito de cantores e compositores entre igrejas e empresas do ramo e o repertrio musical basicamente um s, oriundo da tradio norte-americana da chamada era missionria, ocorrida em meados do sculo XIX e uma posterior produo nacional, mantendo os mesmos padres musicais e literrios. Considerando os anos de 1930 a 1990, poca anterior produo e distribuio digital da msica, em que predominavam os LPs, os famosos bolaches, a pesquisa foi realizada em gravadoras e rdios das cidades de So Paulo e Rio de Janeiro atravs de um mapeamento exaustivo de todo material disponvel. Foi criado um banco de dados no Access Microsoft, onde foram cadastrados 965 lbuns, 9370 canes e 6269 artistas, alm de vrias outras informaes. Foi gerado um relatrio que procurou contemplar a maior quantidade possvel de dados, porm, para efetivo conhecimento do trabalho, recomenda-se a consulta direta ao banco de dados, disponvel em CD-rom. Palavras chave: cano, religio, protestantismo, documentao, banco de dados ABSTRACT: The objective of the present thesis is to offer a documental survey about the evangelical musical production in Brazil. In theological and institutional terms, Protestantism tried to make more evident the element that united the different denominations than the elements that made them different, and this caracteristic was made clear in the musical production, once there is free transit of singers and composers in churches and companies and the musical repertoire is basically only one, which comes from the North-American tradition of the so called missionary era in the middle of the XIX century and a later national production, maintaining the same literary and musical standarts. Considering the period between 1930 and 1990, a period before the musical production and digital distribution, in which the LPs predominated, the research was carried out in recorders and radio station in So Paulo and Rio de Janeiro cities through an intensive registration of all the available material. A database was created in the Access software Microsoft, where 965 albums, 9370 songs and 6269 artists were registered, in addition to many other pieces of information. A report was produced to provide the largest possible quantity of dada, nerthless, in order to reach effective knowledge and understanding of the research, a consult of the database, available in CD-rom, is recommended.

  • 79

    Sumrio

    PARTE I

    INTRODUO 9

    Captulo 1: Msica, religio e histria no Brasil 15

    1.1. Religiosidade e Evanglicos 17

    1.2. Evanglicos e Msica 28

    1.3. Msica e Preservao Documental 37

    Captulo 2: A produo musical evanglica 44

    2.1. As Tecnologias de Produo e Distribuio Musical 46

    2.2. Gravaes Evanglicas 59

    2.3. Gravadoras Evanglicas 66

    Captulo 3: Construindo um banco de dados 72

    3.1. Escolhas e Recortes 74

    3.2. A Criao do Banco de Dados 77

    3.3. A Alimentao do Banco de Dados 87

    CONSIDERAES FINAIS 98

    REFERNCIAS 101

    PARTE II

    Relatrio por Ordem Alfabtica de Titulares 110

  • 80

    Introduo

  • 81

    Quando comeamos a estudar a msica na igreja protestante brasileira,

    l pelos anos de 1994, vimos a necessidade de alertar, tanto msicos,

    quanto igrejas e outras entidades sobre a urgncia em preservar esse

    material que aumenta a cada dia. Depois de concludo o Mestrado,

    nossa inteno era lanar a construo de um Centro de Memria da

    Msica Evanglica no Brasil, onde a produo musical evanglica

    pudesse ser preservada e organizada a fim de ser consultada pelo

    pblico interessado.

    Para comear a trilhar o caminho necessrio para esse fim, propusemo-

    nos a fazer um levantamento documental para servir como referncia a

    esse tema to pouco estudado e preservado. Utilizando as ferramentas

    disponveis da informtica, montamos um banco de dados que

    contemplasse todas as informaes constantes dos lbuns produzidos

    no Brasil referentes msica evanglica.

    Tomamos o Long Play (LP) como referncia, buscando catalogar todos os

    lbuns que foram divulgados nessa mdia, desde o incio do sculo XX,

    quando das primeiras gravaes, at meados da dcada de 1990,

    quando as tecnologias digitais tomaram conta do mercado de gravao e

    distribuio musical.

    E assim foi que demos incio ao nosso trabalho, promovendo uma

    verdadeira investigao sobre a produo musical evanglica, visto que

    como foi dito anteriormente, nunca houve preocupao com a

    preservao desse material. As gravadoras, assim como as empresas

  • 82

    comerciais brasileiras, geralmente so muito imediatistas e preocupam-

    se com o presente: guardar coisa velha que est fora de uso s para

    juntar sujeira e ocupar espao.

    As igrejas enquanto instituio, pouco investiram na produo musical

    e o pouco que fizeram no foi preservado. Algumas das rdios mais

    antigas possuem material em seus depsitos, mesmo que mal arejados

    e entulhados de objetos, ou em qualquer cantinho perdido de suas

    instalaes. H tambm a iniciativa individual, considerando o fato de

    que a guarda se d de acordo com sua participao nas produes ou

    de acordo com suas preferncias musicais.

    As instituies pblicas1 que poderiam abrigar esse tipo de material no

    possuem em seus acervos nada referente produo musical evanglica

    ou religiosa como um todo. A msica religiosa que aparece em

    pequenas pores aquela referente aos sculos XVIII e XIX, enquanto

    msica erudita brasileira, o que se limita a algumas poucas gravaes2.

    Os lbuns religiosos lanados durante o sculo XX e que aos poucos

    foram ganhando ares mais popularescos, no foram objeto de interesse,

    nem mesmo chegaram ao conhecimento dessas instituies.

    Por outro lado, as instituies privadas, principalmente as

    denominaes religiosas protestantes, demonstram no terem a cultura

    1 Referimo-nos aos museus da imagem e do som, s bibliotecas pblicas. Durante nossos estudos estivemos visitando o Museu da Imagem e do Som, a Biblioteca Nacional, especificamente a Diviso de Msica na cidade do Rio de Janeiro, e no Centro Cultural So Paulo, a Discoteca Oneyda Alvarenga, na cidade de So Paulo. 2 sabido que existem mais gravaes realizadas fora do pas sobre msica brasileira do que as feitas aqui, tendo sido a falta de financiamento e o pouco interesse do mercado por tal produo o maior empecilho ao longo da histria.

  • 83

    de preservar sua histria, de guardar qualquer coisa que representasse

    suas atividades. Apenas os documentos legais que diziam respeito s

    questes de direito e justia que sempre foram preservados. Os

    poucos museus, centros de documentao e arquivos denominacionais

    que existem quase nada possuem das gravaes musicais que

    circulavam no meio evanglico e nem das execues musicais que se

    realizavam nos servios litrgicos.

    Como j mencionamos, medida que fomos nos deparando com as

    dificuldades de tal tarefa, decidimos fazer um recorte temporal que nos

    possibilitasse chegar a bom termo: decidimos nos dedicar produo

    musical evanglica na era anterior ao CD, ou seja, nos concentrarmos

    na produo dos primeiros discos ainda em 78 rpm e de LPs.

    Temporalmente, isso corresponderia s dcadas de 1930 1990.

    Tambm fomos levados a nos concentrar na produo musical

    evanglica do eixo Rio So Paulo. certo que para o perodo acima,

    esses eram os principais plos produtores, mas no podemos deixar de

    mencionar algumas gravadoras do Estado do Paran, Gois e Esprito

    Santo (sem contar as gravaes realizadas no Nordeste brasileiro,

    principalmente em Recife PE). Entretanto, diante de algumas

    dificuldades em nossa pesquisa, tivemos que nos concentrar nessas

    duas cidades, o que no invalida a inteno do projeto ou mesmo o

    produto final, visto que muitos cantores e grupos musicais de outras

    regies vieram gravar nesses grandes centros e as principais gravadoras

  • 84

    evanglicas, com rede de distribuio nacional, ter suas sedes nessas

    cidades.

    Procuramos fazer um trabalho exaustivo no mapeamento da produo

    musical evanglica no Brasil. Visitamos e entramos em contato com dez

    gravadoras, estivemos em quatro estaes de rdio e ainda consultamos

    os acervos de duas igrejas e uma escola, alm de adquirirmos LPs por

    doao e/ou compra de colecionadores.

    Foram cadastrados em nosso banco de dados novecentos e sessenta e

    cinco lbuns, nove mil, trezentas e setenta canes, seis mil, duzentos e

    sessenta e nove artitas sendo que parte do material encontrado no

    pode ser aproveitado, porque no apresentava a nitidez necessria para

    a leitura das informaes nas cpias digitais que fizemos.

    Em todos os acervos consultados, com exceo da Rdio Transmundial,

    os LPs no possuam nenhum tipo de organizao e/ou ordenao:

    estavam simplesmente amontoados em prateleiras ou mesmo

    empilhados no cho. Houve caso de gravadoras que puseram no lixo o

    que tinham em seus depsitos e no guardaram nenhum de seus

    exemplares. Outra gravadora recente, fundada no incio de 1990, no

    guardou seus lbuns em LPs, apenas as remasterizaes em CDs que

    fundiram dois ou mais lbuns. Curiosamente, seus LPs foram

    encontrados nos acervo das rdios visitadas.

    Diante dessa postura, frente preservao da prpria produo

    musical, no podemos dizer que encontramos e catalogamos todos os

  • 85

    lbuns de determinada gravadora, visto que nem mesmo elas possuem

    a coleo completa. Porm, fomos preenchendo as lacunas existentes na

    medida em que encontrvamos os lbuns nos diferentes acervos

    consultados.

    Nesse sentido, podemos afirmar que fizemos um trabalho exaustivo a

    fim de ter uma referncia o mais prxima possvel do real sobre a

    produo musical evanglica no Brasil. Ainda podemos afirmar que o

    trabalho foi exaustivo na medida em que procurou registrar todas as

    informaes constantes nos LPs, procurando a integrao de todas

    essas informaes atravs de um banco de dados.

    Nosso objetivo, com esse levantamento documental oferecer ao pblico

    interessado um primeiro referencial sobre a produo musical

    evanglica no Brasil. Ressaltamos que a maneira com que temos

    trabalhado viabiliza a continuidade da pesquisa e insero de novos

    dados, considerando os recortes que fomos obrigados a fazer,

    conscientes de que h muito material ainda a ser cadastrado3.

    No primeiro captulo, procuramos definir algumas caractersticas do

    protestantismo brasileiro e a maneira como sua insero procurou

    ressaltar os aspectos comuns das diferentes denominaes, ao invs de

    polemizar as divergncias doutrinrias. Essa atitude fez com que o

    repertrio musical do protestantismo brasileiro fosse basicamente um,

    3 No terceiro captulo, quando explicaremos o funcionamento do banco de dado que foi construdo para gerar as informaes contidas nos relatrios, e as pesquisas realizadas, vamos esmiuar um pouco as condies em que se encontram o material musical produzido, assim como as lacunas nos acervos consultados.

  • 86

    para as diferentes instituies e posies teolgicas. Assim, a produo

    musical procurou falar da pessoa de Deus, dos problemas existenciais

    do ser humano, dos anseios e anelos de cada crente.

    No captulo dois, vamos discorrer sobre as tecnologias de produo e de

    distribuio musical e como o setor evanglico no Brasil foi se

    desenvolvendo no decorrer dos anos. Procuramos inserir um quadro

    das principais gravadoras especializadas, ressaltando os artistas mais

    conhecidos e o segmento de mercado por elas atingido.

    No captulo trs, explicamos como foi confeccionado o banco de dados,

    as estruturas sob as quais foi pensado e como procedemos

    alimentao deste, descrevendo as escolhas que fizemos ao longo do

    processo e como chegamos aos resultados ora apresentados.

    Numa segunda parte, apresentamos um dos relatrios gerados pelo

    banco de dados, onde as informaes so apresentadas por titular,

    depois em ordem alfabtica do ttulo dos lbuns. Nesse relatrio

    aparecem as informaes referente s canes ttulo e artistas. Os

    artistas tanto esto relacionado s canes ou ao lbum como um todo,

    da listagens diferentes. Tambm aparece a fonte de localizao do

    lbum, em caso da necessidade de se recuperar o mesmo.

    Recomenda-se a consulta ao prprio banco de dados, uma vez algumas

    informaes se tornam inviveis de serem impressas, devido a

    limitaes do programa em que o banco foi gerado. No entanto, sua

  • 87

    consulta digital, extremamente rica e mltipla, permitindo vrias

    consultas s informaes ali cadastradas.

  • 88

    Captulo 1 Msica, Religio e Histria no Brasil

  • 89

    Neste captulo abordaremos os conceitos norteadores de nosso trabalho,

    principalmente no que se refere religio evanglica, sua msica e

    questo documental. Faz-se necessrio refazer o caminho da insero

    do protestantismo no pas e acompanhar seu desenvolvimento e suas

    caractersticas teolgicas e institucionais.

    Tambm preciso reconhecermos o que estamos chamando de msica

    evanglica, entender suas razes fundantes e os desdobramentos que ao

    longo dos anos foram sendo agregados ao tradicional repertrio

    protestante.

    E ainda, discutir as dificuldades e possibilidades da preservao

    documental de material sonoro, diante da inexistncia de acervos

    especficos sobre a msica evanglica no Brasil, oferecendo como ponto

    de partida o presente levantamento e seu banco de dados, que nos

    permita a localizao do material e uma descrio de seu contedo.

  • 90

    1.1. Religiosidade e Evanglicos

    Qualquer sociedade possui um sistema de crenas e prticas ligadas

    viso de universo de sua cultura. So institudas normas de

    comportamento com a finalidade de se precaver contra o inesperado, o

    imprevisvel, o desconhecido. As normas religiosas de comportamento

    baseiam-se nas incertezas da vida e variam muito de uma sociedade

    para outra. So bastante evidentes nos momentos de crise, tais como

    nascimento, adolescncia, casamento, enfermidade, fome, morte. Por

    meio de cultos e rituais, pblicos ou privados, os homens tentam

    conquistar ou dominar, pela orao, por oferendas, sacrifcios, cantos,

    danas, reas de seu universo no submetidos tecnologia e razo.

    So dois os elementos constitutivos da religio: a crena e o ritual. A

    crena ou f est relacionada ao sentimento de respeito, submisso,

    reverncia, confiana e at medo em relao ao sobrenatural. Consiste

    numa aceitao voluntria de uma ordem de coisas que no pode ser

    provada pela lgica ou pelos sentidos. O outro elemento, ritual ou

    prtica, diz respeito manifestao dos sentimentos por um ou vrios

    indivduos, em qualquer meio, atravs da ao; apresenta um

    comportamento tradicional e revela, implcita ou explicitamente,

    crenas, idias, atitudes e sentimentos das pessoas que o praticam.

    no culto que o ritual se manifesta, atravs de uma srie de atos

    contidos na venerao ou na comunicao com o sobrenatural, sendo

  • 91

    este, tudo o que escapa aos sentidos do homem, que foge

    compreenso humana, observao, ao entendimento, estando acima

    das leis naturais ou fsicas, em outra dimenso.

    Para o antroplogo Felix Keesing (1961:494), a religio tem duas

    funes bsicas: ser explanatria, na medida que responde

    sistematicamente aos porqus, relacionados com a existncia, o poder,

    a providncia e a mortalidade; e ser interpenetrativa, dado que ela tende

    a interpenetrar todo comportamento importante e valorizado, em

    diferentes setores da vida humana como economia, poltica, famlia,

    lazer, esttica, segurana, arte, entre outros.

    Raymond Firth (1974: 258-66) afirma que a religio um elemento forte

    e positivo na composio e organizao da vida social, no

    estabelecimento da autoridade para a crena e para a ao, na proviso

    de significao para a ao social, em fora de ajustamento social ou na

    expresso de conceitos de criao esttica e de imaginao.

    nesta perspectiva de religiosidade que devemos entender a insero

    do protestantismo4 no Brasil. Depois de duas tentativas fracassadas

    protestantes franceses no Rio de Janeiro entre 1555 e 1560 e

    protestantes holandeses no Nordeste, entre 1630 e 1654, a tradio

    protestante inseriu-se no Brasil no comeo do sculo XIX. Seu primeiro

    4 Mendona faz a seguinte observao: Atualmente, a designao de protestantes aplicada aos no-catlicos no Brasil, por ter sentido histrico e tcnico mais acentuado, vem sendo usada preferencialmente por historiadores e socilogos, talvez pela necessidade de um conceito de relativa neutralidade. No entanto, historiadores denominacionais comprometidos diretamente com as Igrejas continuam fiis auto-identificao evanglica. A antiga auto-identificao de crente est ficando cada vez mais relegada s reas pentecostais. MENDONA & VELASQUES (1990:16)

  • 92

    impulso foi de natureza imigratria, decorrente da abertura dos portos

    brasileiros ao comrcio ingls em 1810 e do incentivo governamental

    imigrao europia poucos anos depois. A Constituio de 1824

    estabeleceu a tolerncia a cultos no-catlicos e assim, anglicanos,

    episcopais e luteranos instalaram-se no Brasil.

    Entretanto, a populao brasileira s foi diretamente afetada pela

    presena de cristos no-catlicos quando comearam a chegar ao

    Brasil os primeiros missionrios protestantes que vieram com a

    finalidade explcita de propagar sua f, a partir dos anos 1850:

    congregacionais, presbiterianos, metodistas e batistas.

    Mais do que esmiuar as particularidades de cada instituio

    eclesistica protestante interessa-nos a questo da percepo do que

    ser no-catlico, num pas onde Igreja e Estado so uma coisa s, onde

    ser brasileiro significava por extenso ser catlico, onde crena e ritual

    tinham determinadas caractersticas e, depois de uma converso, os

    ajustes que se faziam necessrios.

    A comear pela maneira como os primeiros missionrios identificavam

    os novos convertidos: o vocbulo crente designava aquele que,

    abandonando suas antigas crenas e prticas religiosas, passava a crer

    em Nosso Senhor Jesus Cristo. Mais do que convico significava

    compromisso de mudana de vida a partir de novos valores. Carregado

    de significados e difcil de ser sustentado, pela oposio que provocava

    em relao aos valores circundantes, ser crente tanto significava

  • 93

    honra, privilgio e respeito, como um estigma aos que aderiam nova

    religio.

    Antnio Gouva Mendona (1997:137) observa que a tica protestante

    no Brasil tornou-se muito rgida devido necessidade de firmar-se

    dentro de um campo religioso adverso, transformando-se em

    contracultura, a partir do momento que a converso significava a

    aceitao de uma forma inteiramente nova de pensar e ser. A

    identificao da religiosidade popular (de origem catlica somada

    religiosidade indgena e africana) com a cultura era vista como

    paganismo, o que levaria o povo ao fogo do inferno. Da a necessidade

    de converter cultural e religiosamente os catlicos romanos, impor-lhes

    uma nova viso de mundo.

    Prcoro Velasques Filho (1990: 109) ao tentar caracterizar a

    religiosidade protestante inserida no Brasil aponta que, em termos de

    comportamento, puritana, exigindo o cumprimento de uma disciplina

    moral caracterizada pelo negativismo dos costumes: no beber, no

    fumar, no danar; pietista na medida que enfatiza o contato direto do

    crente com Deus, a experincia pessoal de converso e santificao ou

    perfeio crist; anticatlica; e avessa a mudanas profundas na

    estrutura social, defendendo, quando muito, reformas sociais de modo

    que a misria no seja to acentuada.

    importante ressaltarmos que a insero do protestantismo no Brasil

    correspondeu ao perodo expansionista do capitalismo mundial em

  • 94

    termos econmico-polticos e havia a preocupao de recuperar e

    preservar a fora das Igrejas da Reforma, um tanto enfraquecidas pelos

    efeitos do racionalismo e de suas divises e antagonismos, e da reao

    catlica romana, cujo momento mais importante foi o Conclio Vaticano

    I, realizado em 1870.

    A chamada Era Missionria5 que trouxe as diferentes misses

    protestantes ao Brasil procurou, diante dessas perspectivas, unificar a

    mensagem religiosa, de modo a no causar confuso denominacional6.

    Da alguns princpios doutrinrios comuns (enumerados acima por

    Prcoro Velasques) e uma auto-identificao nica foram adotados: o

    termo evanglico era individual e significava o compromisso da pessoa

    com aquele conjunto de princpios doutrinrios: antes de pertencer a

    esta ou quela denominao, o indivduo era evanglico.

    Mendona (1990:23) ressalta que o protestantismo nunca chegou a ser

    uma religio numericamente significativa, sempre esteve com as

    minorias, mesmo assim, organizou-se em igrejas, institucionalizou-se e

    burocratizou-se.

    Para o autor, essa insero e permanncia se deveu a trs fatores:

    primeiro, o incentivo piedade individual e da independncia pessoal

    quanto obteno da salvao, assim como rejeio do mundo 5 Houve nos Estados Unidos um forte movimento missionrio com o objetivo de alcanar todos os povos com o Evangelho, a fim de que o Reino de Deus logo fosse implantado. Eram comuns grandes concentraes em praas pblicas, tendas, que uniam pregao e msica como meios de converso. A Educao tambm foi utilizada como um forte recurso, criando-se vrios institutos educacionais, que se contrapunham em termos didtico-pedaggicos s tradicionais escolas catlicas. 6 Como j foi mencionado, vieram missionrios de diferentes denominaes instituies: presbiterianos, metodistas, batistas, congregacionais.

  • 95

    encontrou guarida numa sociedade to desajustada e desigual como a

    brasileira. As classes mdias e baixas foram as primeiras a acolher esse

    tipo de mensagem, sendo as que mais sofreram num pas em que

    predominava um forte desequilbrio social, com um nmero reduzido de

    pessoas muito ricas e um nmero bastante elevado de pessoas muito

    pobres. E nesse meio, um extrato social que tentava manter o pouco

    que possua.

    Em segundo lugar, o protestantismo no Brasil organizou-se e cresceu

    sob o primado do leigo, sendo insuficiente o nmero de pastores para

    atender s igrejas espalhadas por vastas regies. Foi na zona rural e

    nas cidades do interior que o protestantismo teve um crescimento mais

    acelerado. Com uma populao em sua maioria analfabeta, era preciso,

    primeiramente ensinar as primeiras letras, para que depois o

    vocacionado pudesse ter uma formao teolgica especfica, como era

    de praxe nas denominaes protestantes.

    E em terceiro, o incentivo externo, principalmente americano,

    investindo nos grupos protestantes aqui estabelecidos. Por muitos anos

    as igrejas nacionais receberam a maior parte de seu sustento das

    igrejas-mes, sendo os imveis e os salrios dos pastores pagos com

    esses recursos, alm do grande investimento em educao, com a

    criao de vrios colgios e posteriormente de seminrios teolgicos.

    neste escopo que o protestantismo cresce e aparece no Brasil,

    agregando caractersticas de uma religiosidade bem brasileira: igrejas

  • 96

    com nomes e origens diferentes, mas com princpios de f e prtica

    bastante semelhantes. Embora alguns pontos como por exemplo o

    batismo se por imerso ou asperso7 tivesse maneiras diferentes de

    ser praticado, buscava-se relevar tais questes conflitantes.

    O protestantismo s se tornou numericamente mais significativo no

    Brasil em meados de 1950, com o crescimento das igrejas pentecostais8.

    Com uma mensagem simples, mas de forte teor comunitrio, voltada

    principalmente para as massas populares que se aglomeravam nas

    periferias das grandes cidades e nas zonas rurais, o pentecostalismo foi

    ganhando espao na religiosidade brasileira. Igrejas como Assemblia

    de Deus, Congregao Crist no Brasil, Igreja do Evangelho

    Quadrangular e O Brasil Para Cristo so representantes clssicos desse

    ramo do protestantismo.

    O pentecostalismo herdou do protestantismo seu puritanismo e

    pietismo e, como resultado, o dualismo histrico, o moralismo e o

    imediatismo que tipifica a relao do fiel com Deus. Acentua, ao mesmo

    tempo, a distncia entre o natural e o sobrenatural, enfatizando o falar

    em lnguas estranhas; o dom de cura, que pode ser ocasional ou

    permanente. O comportamento um sinal externo da salvao, da as

    diferentes regras a serem seguidas por seus fiis (no podem assistir

    7 O batismo um sacramento realizado em pocas e de maneiras diferentes, conforme a denominao: para metodistas e presbiterianos, o batismo se d na primeira infncia, sendo a criana aspergida com gua e apresentada pelos pais. J para os batistas, o batismo no tem uma idade determinada, mas preciso que a pessoa por vontade prpria queira fazer parte da igreja e o ritual consiste em imergir o fiel em um tanque com gua. Nas igrejas pentecostais, o batismo feito em rios e lagoas. 8 Os primeiros missionrios pentecostais vieram para o Brasil no incio do sculo XX, iniciando os trabalhos na regio Norte do pas.

  • 97

    televiso, homens devem estar sempre barbeados, mulheres no podem

    cortar cabelo, no podem usar cala comprida, etc.)

    A religiosidade brasileira ainda conheceu uma outra manifestao,

    oriunda do protestantismo, mas agregando valores como marketing e

    mercado aos princpios bblicos: as igrejas neopentecostais Universal

    do Reino de Deus, Renascer em Cristo, dentre outras, surgidas a partir

    dos anos 1980.

    Mendona (1997:165), bastante reticente quanto a chamar de igreja ou

    mesmo de identificar suas origens crists, elenca cinco marcas do

    neopentecostalismo: 1) caractersticas empresariais de prestao de

    servios ou de oferta de bens de religio mediante recompensa

    pecuniria; 2) distanciamento da Bblia, usada esporadicamente sem

    nenhum rigor hermenutico ou exegtico; 3) inexistncia de

    comunidade, apenas freqentadores de cultos, considerados clientes; 4)

    como no h comunidade de adorao e louvor, o culto tem

    caractersticas de ajuntamento de interessados na obteno imediata

    dos favores do sagrado; 5) intenso ambiente de magia expulso de

    demnios, curas, milagres.

    A partir do movimento neopentecostal, denominao crente,

    evanglico, protestante, agregou-se o gospel 9: no que o fiel se auto-

    identificasse como tal, mas, por exemplo, sua msica, o adesivo do

    carro, o programa de televiso, tudo gospel, e assim por diante. Para

    9 O uso do termo gospel (que significa Evangelho na lngua inglesa) est relacionado a uma tendncia do mercado lanando um novo nome para produtos velhos, a fim de conquistar novos consumidores.

  • 98

    estes adeptos, falar que era crente parecia muito careta, evanglico no

    servia porque era necessrio mostrar que havia uma coisa diferente

    na maneira de encarar o sagrado e de se relacionar com Deus, se

    denominar protestante, ento, nem pensar.

    Para o neopentecostal no so necessrios sinais externos que o

    distingam como cristo, alis, a proposta que a pessoa continue sendo

    ela mesma, com seu jeito, seus costumes e valores, mas admitindo que

    todo ser humano tem necessidade de se relacionar com o sagrado, que

    acreditar no sobrenatural faz parte da natureza humana e falar de Deus

    est super na moda. Da a criao de comunidades bem especficas:

    os surfistas de Deus, os roqueiros, pagodeiros de Deus, etc.

    com essas cores e caractersticas que podemos ter uma idia de

    parte da religiosidade desenvolvida pela sociedade brasileira nesses

    ltimos cento e cinqenta anos. Se anteriormente o pas era catlico, a

    religio hoje se apresenta pulverizada em vrias tendncias: o Censo

    2000 detectou em trs por cento da populao a presena de espritas,

    testemunhas de Jeov, seitas orientais e afros, alm dos dezesseis por

    cento de evanglicos. Se anteriormente havia uma hegemonia

    institucional, hoje encontramos vrias pequenas igrejas que procuram

    responder aos anseios da sociedade, oferecendo diferentes opes de

    relacionamento com o sobrenatural.

    Essa presena de outras instituies se deve ao espao que os meios de

    comunicao cada vez mais abrem espao para o religioso: rdios,

  • 99

    canais e programas em emissoras de tv, internet, esto explicita e

    constantemente divulgando f e religio.

    O rdio, desde seu surgimento no Brasil foi utilizado como propagador

    da f. Programas de leitura bblica, pregao e audio musical foram

    inseridos nas grandes rdios do pas10. Com o passar dos anos, alm de

    horrios em rdios seculares, algumas igrejas e entidades religiosas

    montaram seus prprios canais11, veiculando em toda sua grade de

    programao assuntos relacionados religio. Usando as diferentes

    freqncias (AM e FM) as rdios evanglicas somam cerca de

    quinhentas emissoras no pas12.

    Atualmente, alm das ondas do rdio, a internet tambm tem servido

    como propagadora do evangelho, e grande parte dos canais de rdio e

    televiso oferecem suas programaes via rede, o que permite o acesso

    mundial aos seus programas13.

    10 A musicloga Henriqueta Rosa Fernandes Braga conta-nos em seu livro Msica Sacra Evanglica no Brasil que em 26 de maio de 1929 deu-se a primeira irradiao evanglica pela Rdio Club do Brasil, do Rio de Janeiro, sendo o pregador o pastor luterano Rodolfo Hasse. Nesse mesmo ano, alguns cultos de domingo da Igreja Metodista do Catete foram irradiados pela Rdio Club e Rdio Educadora . Ver Braga (1961: 389 398). A Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro transmite em nossos dias seus cultos dominicais atravs da Rdio Boas Novas. 11 Uma das mais antigas emissoras ainda em funcionamento a Rdio TransMundial, que atua no pas desde 1964 quando transmitia seus programas em portugus das Ilhas Bonaire, Caribe. Hoje a RTM possui sede em So Paulo e sua principal torre de transmisso se encontra em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Outro caso interessante do pregador Manoel de Melo, um dos sucessos evanglicos na radiofonia, que em 1955 possua um programa na Rdio Tupi chamado A voz do Brasil Para Cristo, nome que acabou sendo adotado para a igreja por ele fundada. Melo ficou no ar at incio dos anos 1980, quando a emissora Tupi veio a falir. 12 So quatrocentos e setenta emissoras evanglicas no pas. Revista Veja, 8 out 2003, p. 100. 13 O site www. radios.com.br possui um link sobre rdios evanglicas no Brasil e/ou que transmitem programao em portugus e aparecem setenta e uma estaes com as quais possui parceria.

  • 100

    A televiso brasileira tem aberto cada vez mais sua grade de horrios

    aos programas evanglicos, caso por exemplo da TV Bandeirantes que

    transmite todos os dias, no horrio das 21 horas, os cultos do pastor

    R.R. Soares. A Record, uma das grandes redes abertas de televiso do

    pas, embora no possua programao exclusivamente religiosa,

    pertence Igreja Universal do Reino de Deus. Outros canais abertos,

    porm de menor alcance so a RIT Rede Internacional, ligada Igreja

    Internacional da Graa de Deus e o Renascer, pertencente Igreja

    Renascer em Cristo.

    No meio musical, a presena evanglica tem aquecido o mercado: de

    acordo com a Associao Brasileira de Produtores de Discos em 2002,

    catorze por cento das vendas de discos no pas possuam mensagens

    crists, nmero prximo aos oito milhes de lbuns comercializados.

    Esta mesma fonte contabiliza um nmero de trinta gravadoras

    evanglicas existentes no pas14.

    interessante observarmos que as informaes que nos so oferecidas

    pelos rgos de pesquisa (IBGE, Associao Brasileira de Produtores de

    Discos, Ministrio das Comunicaes, etc) conceituam de evanglicos

    tanto os segmentos do protestantismo histrico, como os pentecostais e

    neopentecostais, reforando o que foi anteriormente dito que a insero

    do protestantismo no Brasil procurou realar o que havia de

    semelhante entre as diversas doutrinas eclesisticas a fim de formar

    uma frente nica de atuao e evangelizao.

    14 Revista Veja, 8 out 2003, p. 100.

  • 101

    No meio musical, essas fronteiras ficaram ainda mais tnues, visto que

    h uma intensa circulao de msicas e cantores, no havendo uma

    barreira institucional e/ou doutrinria capaz de barrar este ou aquele

    tipo de msica e/ou cantor. interessante observar que os pontos mais

    nevrlgicos no aparecem na produo musical, como por exemplo a

    guarda do sbado, o tipo de batismo, interpretao escatolgica, etc.

    1.2. Evanglicos e Msica

    A msica sempre foi muito presente no culto protestante. Uma das

    marcas da Reforma foi permitir ao povo participar do servio litrgico

    atravs do canto coletivo. Lutero, um dos principais reformadores do

    sculo XVI escreveu vrios corais que caracterizavam-se pelo uso da

    lngua vulgar ao invs do latim, pelo emprego de valores longos e

    lentamente escandidos, pelo seccionamento fraseolgico, verso por

    verso, formando cadncia, pelo acompanhamento instrumental do

    rgo, pela melodia no soprano em lugar de se situar no tenor, como

    era costume e por uma execuo silbica e articulao simultnea de

    todas as vozes, a fim de permitir uma ntida compreenso do texto

    cantado.

    Joo Calvino, outro grande reformador do perodo, privilegiava o uso

    dos Salmos metrificados, pois em sua opinio, o texto bblico era o mais

  • 102

    apropriado ao uso litrgico. Tambm preferia o canto congregacional em

    unssono e a capella (sem acompanhamento instrumental). Ao contrrio

    de Lutero que aproveitara vrias melodias populares e bastante

    conhecidas, Calvino insistia que as melodias deveriam ser criadas

    especificamente para cada Salmo, evitando assim qualquer associao a

    msicas profanas durante o servio litrgico. Henriqueta Braga (1961:

    24) conta-nos que apesar da insistncia do reformador na simplicidade

    da composio, no tardaram a surgir edies com as melodias do

    Saltrio Huguenote harmonizadas a vrias vozes para uso domstico,

    que acabaram se tornando monumentos da msica francesa

    renascentista.

    Uma particularidade do protestantismo brasileiro que pouco nos foi

    ensinado ou dado a conhecer desse repertrio dos primeiros

    reformadores. Nossa herana musical est mais ligada aos hinos

    produzidos na Era Missionria do sculo XIX. Ao calor dos movimentos

    revivalistas de Moody, Spurgeon, Torrey e outros, os chamados hinos

    evangelsticos, destinados a serem cantados por grandes multides

    desde a sua primeira audio, caracterizavam-se por uma extrema

    simplicidade musical e literria.

    Dwight Moody foi conhecido evangelista leigo americano, que sempre se

    fazia acompanhar por um cantor. Este, com seus solos, preparava o

    ambiente para as mensagens de evangelizao. Ira Sankey foi seu

    cantor mais freqente, o qual tambm compunha melodias que eram

    usadas nas campanhas. Outros compositores se destacaram, como

  • 103

    Philip Paul Bliss, James Mc Granaham, George Stebbins e Fanny

    Crosby.

    So desses compositores a maioria dos hinos pertencentes ao primeiro

    hinrio protestante lanado no Brasil: o Salmos e Hinos. A primeira

    edio foi impressa no Rio de Janeiro em 1861, com dezoito salmos e

    trinta e dois hinos, traduzidos ou escritos pelo casal de missionrios

    congregacionais Robert e Sarah Kalley. Com o passar dos anos novas

    edies foram sendo feitas, aumentado-se a cada uma delas a

    quantidade de hinos e incluindo edies com partituras15.

    Srgio Paulo Freddi Jr. (1994: 96 107) em sua Dissertao de

    Mestrado faz uma anlise dos Salmos e Hinos apontando que

    harmonicamente as composies possuem uma estrutura verticalizada,

    em que a melodia est sempre concentrada no soprano, a voz mais

    aguda, o que facilitaria a identificao da melodia com o texto cantado.

    Os hinos desenvolvem as funes bsicas da harmonia, usando

    basicamente Tnica Dominante Subdominante. Quanto

    metrificao, existe a preocupao em aproveitar letras e melodias,

    fazendo com que os textos tenham acentuao pr-definida, com frases

    musicais curtas, em grande maioria binrias e com grande repetio de

    motivos. A estrutura rtmica da coletnea apresenta forma regular, com

    respeito aos princpios bsicos da acentuao, unidades de tempo

    15 A verso em uso atualmente de 1975, onde os 650 hinos foram revistos e atualizados por uma comisso de especialistas. Foi lanado em 2004 o Salmos e Hinos Cifrados contendo os 100 hinos mais cantados nas igrejas, numa verso que traz a melodia acompanhada das cifras harmnicas, usado tanto para violo como para teclado.

  • 104

    simples e ausncia de motivos irregulares (to comuns na msica

    brasileira).

    A partir dessa anlise, Freddi aponta a adoo e sacralizao de uma

    hinologia desvinculada da cultura local, na medida em que se baseia na

    cultura sacra europia e norte-americana, tendo sido desprezada ou

    desestimulada a criatividade composicional da religiosidade brasileira

    em dilogo com a tradio reformada.

    Outro aspecto interessante que as diferentes denominaes que aqui

    se estabeleceram usufruram desse mesmo hinrio, e s mais tarde

    tiveram a preocupao de organizar uma coletnea prpria para uso

    litrgico, com as especificidades que lhes conviessem. A maioria das

    coletneas foram organizadas depois da dcada de 192016, com exceo

    dos batistas que em 1891 j tinham o Cantor Cristo17, porm, muitas

    composies foram aproveitadas da edio do Salmos e Hinos. Em

    contrapartida, a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil s foi

    lanar seu hinrio por ocasio do centenrio da denominao, no ano

    de 200318.

    16 Alguns hinrios e respectivas denominaes: Harpa Crist, 1922, da Igreja Assemblia de Deus; Hinrio Evanglico, 1931, da Igreja Metodista; Hinrio Evanglico Luterano, 1938, da Igreja Evanglica de Confisso Luterana; Hinos de Louvores e Splicas a Deus, 1951, da Congregao Cristo do Brasil. interessante observarmos que embora os hinrios tenham sido criados e oficializados, nem sempre foram adotados pelas igrejas locais, que por preferncia particular, facilidade ou comodidade, continuavam usando o Salmos e Hinos ou hinos avulsos. 17 Os batistas reestruturaram seu hinrio e lhe deram um novo nome: Hinrio para o Culto Cristo, lanado em 1990. 18 O presbiterianismo adotou por muitos anos o Salmos e Hinos como hinrio oficial. Somente em 1991 a Igreja Presbiteriana do Brasil lanou o Novo Cntico que viria a substituir o antigo hinrio; e a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil o Cantai Todos os Povos em 2003.

  • 105

    Mesmo a denominao que tem sua coleo prpria, tem a maioria das

    composies retiradas do Salmos e Hinos, fazendo com que esse

    repertrio seja reconhecido como o da tradio musical protestante no

    Brasil. Ao observarmos as primeiras gravaes evanglicas no Brasil,

    interessante notarmos que, ao invs de se escrever o ttulo da cano,

    havia o costume de escrever o nmero desta no Salmos e Hinos.

    Ao longo dos anos e com a confeco de diferentes edies desses

    hinrios, composies de autores nacionais foram sendo agregadas.

    Porm, o estilo e temtica usados nessas novas composies em nada

    diferiam das j existentes. E em termos teolgicos e doutrinrios,

    seguiam a linha puritano pietista do protestantismo brasileiro.

    Mendona (1984) em sua Tese de Doutorado em Cincias Sociais faz

    uma anlise do Salmos e Hinos, principalmente das composies

    contidas em suas primeiras edies na perspectiva de entender como a

    mensagem cantada foi responsvel pela insero de determinado tipo de

    protestantismo no Brasil. Algumas observaes feitas pelo autor: a

    valorizao da pessoa de Cristo em detrimento das outras pessoas da

    Trindade, cnticos referentes confisso de pecados e ao convite para

    converso. Grande maioria se refere ao sacrifcio expiatrio na cruz,

    acentuando o teor dramtico do fato, temas relacionados vida futura,

    ao cu, negao do mundo tambm so bastante enfatizados.

    Mendona faz uma anlise dos hinos dividindo-os em quatro categorias:

  • 106

    o protestantismo pietista; o protestantismo peregrino; o protestantismo

    guerreiro; e o protestantismo milenarista (1984: 235 253).19

    Esse tipo de repertrio foi cantado e gravado pelos evanglicos

    brasileiros aproximadamente at a dcada de 1950, momento quando

    chegam ao Brasil as organizaes paraeclesisticas20 e num outro vis,

    o uso do rdio provoca a necessidade de mais material musical para ser

    usado nas transmisses. nesse perodo que comeam a aparecer nas

    igrejas os chamados corinhos, amados por uns e odiados por outros.

    A expresso no diminutivo para uns significava a simplificao em

    termos lingsticos e meldicos, e para outros a degenerao do estilo

    musical, o que gerou muita polmica e discusso no meio evanglico.

    Joo Wilson Faustini (1996) ao descrever os tipos de msica usados na

    Igreja21 inclui os corinhos no contingente das canes evangelsticas por

    apresentarem: 1) melodia simples, intuitiva, 2) serem breves, curtos, 3)

    letras usarem uma linguagem bastante coloquial 4) contedo apela

    mais para o emocional 5) por serem curtos, so facilmente

    memorizveis, 6) so mais ritmados, lembrando a msica popular

    (1996: 11 12).

    19 Mendona se atm exclusivamente ao contedo lingstico dos hinos, em nenhum momento analisando a parte meldica, opostamente ao estudo de Freddi, que se debrua sobre o contedo musical do mesmo hinrio. 20 So considerados paraeclesisticas por no estarem ligadas a nenhuma denominao j existente, se intitularem interdenominacional e trabalharem com todos os segmentos do protestantismo. Esse tipo de organizao foi muito bem aceito, visto que placa denominacional nunca foi relevante no protestantismo brasileiro. 21 Fautisni fala em msica gregoriana, moteto polifnico, coral alemo, salmos metrificados, msica anglicana, msica religiosa russa e cano evangelstica (1996: captulo 2)

  • 107

    Os corinhos eram utilizados nos acampamentos para jovens

    organizados pelas entidades paraeclesisticas. De origem norte-

    americana, foram traduzidos para o idioma portugus e rapidamente se

    tornaram um novo modelo musical a ser seguido. Enfrentando a

    oposio dos tradicionalistas, os corinhos foram incorporados ao uso

    das igrejas locais, funcionando como uma espcie de vlvula de escape

    jovem para os cultos bem comportados da maioria das igrejas. At

    mesmo no que se refere instrumentao, os corinhos procuraram se

    destacar, ao incentivar o uso do rgo eltrico, do violo e

    posteriormente da bateria nos servios litrgicos.

    ber Lima (1990: 68) observa que esses corinhos, sendo fruto de uma

    teologia fundamentalista e de uma noo intimista de evangelho, falam

    de salvao individual, piedade pessoal e esperana para o porvir, no

    dando importncia questes contextualizadas. Essa afirmao

    demonstra que em termos de contedo os novos corinhos nada diferiam

    da hinologia tradicional herdada atravs do Salmos e Hinos.

    Mas atravs dos corinhos que a msica sacra protestante vai buscar

    se aproximar da msica popular brasileira,vai tentar se contextualizar,

    principalmente quanto forma e estilo musical22.

    o que acontece em 1977 quando a Misso Vencedores Por Cristo

    lana o LP De Vento em Popa, o primeiro lbum com msicas em ritmo

    22 Esse foi o tema de nossa dissertao de mestrado quando trabalhamos a popularizao da msica sacra protestante no Brasil, analisando as composies de um de seus cones, Srgio Pimenta. O ttulo do trabalho era Srgio Pimenta: cano e propaganda religiosa (1968 1987) e foi defendido em 2000, sendo orientado pelo Prof. Dr. Arnaldo Contier, na linha de pesquisa Histria da Cultura do programa de Ps Graduao em Histria Social da FFLCH USP.

  • 108

    bossa-nova, samba, etc. Vrios compositores jovens j vinham gravando

    suas canes, mas estas no diferiam muito dos padres estabelecidos.

    Porm, De Vento em Popa procurou abrir espao para que esses novos

    estilos pudessem ser ouvidos pela igreja protestante brasileira. Este LP

    soou meio como um rudo aos ouvidos to tradicionalistas e o lbum foi

    um fracasso de vendas.

    Entretanto o caminho foi aberto e os jovens msicos cada vez mais se

    sentiam desafiados a experimentar, a inovar, a lanar novos conceitos

    no que seria louvor e adorao atravs da msica nos servios

    litrgicos. At mesmo o tempo dedicado musica nos cultos foi

    acrescido: o perodo de louvor compreendia a execuo de vrios

    hinos/corinhos em seguida, coisa que no acontecia dentro da liturgia

    tradicional, onde para cada parte do culto cantava-se apenas um hino.

    Vrios grupos vocais so criados nas igrejas locais, reunies especficas

    para execuo musical, os chamados Louvorzo tornam-se comuns,

    em sua maioria realizado por vrias igrejas, promovendo um

    intercmbio muito forte entre os jovens. Em 1979 ocorre o Congresso

    Gerao 79, reunindo os jovens de todo o pas, com a presena de

    grandes pregadores conhecidos internacionalmente, como Billy

    Graham, e claro, muita msica. tambm durante a dcada de 1970

    que surgem a maioria das gravadoras evanglicas23 que vo impulsionar

    a criao musical e abrir espao para os mais diferentes tipos de

    manifestaes musicais.

    23 Sobre as gravadoras evanglicas estudaremos mais no prximo captulo.

  • 109

    Em meados de 1980, com o surgimento das igrejas neopentecostais o

    conceito de marketing e mercado entrou de cheio na produo musical.

    Se antes os cantores eram responsveis por todas as etapas da

    produo e at mesmo pela venda de seus trabalhos, entrou em cena o

    produtor musical e toda uma rede de distribuio envolvendo grandes

    somas de dinheiro e investimentos.

    Desde os anos 1950 o meio evanglico tinha seus cantores de sucesso,

    em sua maioria homens que percorriam o territrio nacional divulgando

    seu trabalho, vivendo da venda de discos nas igrejas por onde

    passavam. Mas na dcada de 80 comeam a surgir os super stars

    evanglicos, homens, mulheres, bandas que cobram cach, esto na

    mdia e requerem todo um aparato logstico para realizarem seus

    shows. Surgem grupos de rock, cantores de pagode, funk, enfim, de

    todos os estilos musicais, para todos os gostos e segmentos do mercado.

    Continuam fazendo sucesso os cantores romnticos, as duplas

    sertanejas, os grupos vocais como corais e quartetos, enfim, h espao

    para todos os estilos.

    Esse o universo que procuramos enfocar em nossa pesquisa,

    resgatando a produo musical evanglica no Brasil, mais

    especificamente no eixo Rio So Paulo, principalmente na poca

    anterior ao CD e s novas tecnologias de gravao e distribuio

    musical. Preservar esse material e garantir o acesso informao tem

    sido nossa preocupao ao propor este levantamento documental.

  • 110

    1.3. Msica e Preservao Documental

    A msica uma manifestao artstica bastante particular: necessrio

    o autor que a crie, o intrprete que a execute, o ouvinte que a aprecie.

    Essa coletividade, essa participao intermediria entre autor e receptor

    sempre foi um ponto crucial para a sua manifestao. O msico, o

    intrprete ao longo da histria se constituiu como pea chave na

    realizao artstica e diferentemente de outras manifestaes, o

    intrprete tambm ganhou status e popularidade, tanto quanto os

    autores.

    Toda expresso artstica, seja ela pintura, escultura, literatura, etc, tem

    seus cdigos e tcnicas que precisam ser totalmente dominados por

    aqueles que se aventuram a criar. Porm, uma vez pronta a criao,

    basta o apreciador l-la, para que a partir de seus cdigos de

    interpretao possa construir juzo de valor e emitir um parecer sobre

    ela ou simplesmente saber da sua existncia e reconhec-la em sua

    essncia.

    Com a msica isso no ocorre: antes da inveno da partitura, muita

    msica foi cantada e tocada e nada restou dela, posto que no havia

    nenhuma maneira de preservar o som. A memria era o principal

    guardio documental da criao musical: passar de pai para filho, de

    mestre para discpulo, de gerao para gerao era o que garantia a

  • 111

    permanncia desta ou daquela melodia. Da encontrarmos a meno de

    determinada melodia, mas no ser possvel a sua execuo.

    Por muitos anos a nica maneira de registrar o som foi atravs da

    escrita musical, da convencionada partitura que levou sculos sendo

    aperfeioada. Cabia aos entendidos dessa escrita sua interpretao. E

    ainda mais, era preciso uma pessoa que, alm de saber ler a partitura,

    estivesse preparada para a execuo deste ou daquele instrumento,

    para que enfim a msica pudesse se constituir em um objeto passvel

    de ser (re)conhecido.

    A partitura proporcionou uma verdadeira revoluo na criao e

    divulgao musical. Com seu aperfeioamento tcnico mnimos

    detalhes codificados para a reproduo exata do som em pouco tempo

    msicos de diferentes lugares e em diferentes tempos puderam ter

    contato com as mais diferentes criaes, o que produziu uma fonte de

    inspirao extremamente rica para aqueles que se sentiam capazes de

    criar peas musicais.

    At mesmo no Brasil, um pas com reduzido nmero de pessoas

    alfabetizadas, a impresso de partituras e a venda de instrumentos

    musicais tinham seu pblico consumidor garantido24. Tanto que Sarah

    Kalley responsvel por organizar o primeiro hinrio a ser usado pelas

    24 Sobre este tema, interessante consultar o trabalho de Janice Gonalves, intitulado Msica na cidade de So Paulo (1850 1900): o circuito da partitura, onde a autora apresenta um levantamento sobre a impresso musical e seus diferentes consumidores: maestros, professores, curiosos.

  • 112

    igrejas protestantes no Brasil, teve a preocupao em fazer uma edio

    com partituras25.

    Foi apenas com o desenvolvimento de tcnicas de reproduo e

    gravao do som que passamos a realizar um registro que por ele

    mesmo permitia a apreciao daquela criao por parte do ouvinte

    (posto que para ouvir msica no necessrio conhecer a escrita

    musical para ler a partitura, ou saber executar um instrumento). A

    partir do sculo XX, a msica conquistou um suporte que lhe abriu

    ainda mais espao na sociedade e aumentou sua fora e o nmero de

    apreciadores.

    Com essas tecnologias a revoluo foi ainda mais radical. Os meios de

    comunicao em massa, foram tanto responsveis por essa revoluo

    como fruto dela: rdio, cinema, televiso sempre se beneficiaram da

    produo musical e tambm impulsionaram a mesma.

    Se, nos sculos anteriores houve uma produo musical bastante

    significativa, que foi preservada atravs da partitura, o sculo XX

    possibilitou a democratizao do registro, uma vez que aquele msico

    que no dominava completamente as teorias musicais para escrever sua

    partitura, agora podia simplesmente gravar sua execuo, e assim ter

    garantido seu registro. Isso acarretou um grande aumento nas msicas

    que passaram a ficar para a histria.

    25 A primeira edio fora lanada em 1861 e em 1868 foi feita a edio com msica.

  • 113

    muito interessante pensarmos na quantidade de msicas que foram

    executadas e fizeram parte da vivncia de diferentes grupos sociais.

    Muita material se perdeu: coisas boas, ruins, medianas. Se hoje

    conhecemos os clssicos da msica porque suas obras sobreviveram

    a todas as intempries: a prpria conservao da partitura original,

    disseminao de cpias, ao crivo do gosto e do belo de cada

    momento, capacidade de saber executar com preciso o que foi

    determinado pelo autor, etc.

    Ainda muito grande a quantidade de msica que executada e faz

    parte de diferentes vivncias sociais. Nem tudo foi ou est sendo

    gravado, mas o nmero de registros e a variabilidade dos suportes fez

    crescer vertiginosamente essas cifras. Muitas composies boas, muitas

    ruins e outras medianas esto ficando como registro de um tempo

    histrico.

    Ningum faz msica pensando que ela vai ser um documento histrico.

    As pessoas mais sensveis e que possuem certas habilidades fazem

    msica como uma maneira de expressar seus sentimentos, de

    extravasar suas emoes. E sentimentos e emoes extremamente

    pessoais so envolvidos, esto embalados dentro de um arcabouo

    cultural e social coletivo. Da o enriquecimento do saber histrico,

    quando este passou a encarar a produo artstica como um documento

    to relevante quanto um papel administrativo ou um fato poltico.

  • 114

    A grande questo que se apresenta agora como preservar esses

    documentos musicais que so produzidos cada vez em maior

    quantidade e variedade. partitura escrita em papel, somaram-se os

    cilindros gravveis, os discos gravados em micro-sulcos em 78, 45 e 33

    1/3 rpm, os tapes (tambm conhecidos como fita cassete), os discos a

    laser (CD, DAT, MD, DVD) e por fim o protocolo de compresso de udio

    Mpeg udio Layer, o Mp3 (que assim foi popularizado, sendo que hoje j

    estamos na verso 5)26. Se, anteriormente a partitura escrita em papel

    exigia sua conservao cuidando-se da temperatura e umidade que

    estava exposta, hoje as novas mdias exigem, alm desses cuidados, a

    conservao dos aparelhos que fazem a reproduo: gramofones,

    tocadores de discos e fitas, aparelhos de som, etc.

    So raras as instituies pblicas no Brasil que possuem material

    fonogrfico e/ou audiovisual. E, nas poucas instituies que

    encontramos esse tipo de acervo, no aparece nada especificamente

    religioso, muito menos evanglico. Dentre as instituies privadas,

    principalmente as denominaes religiosas protestantes, os poucos

    museus, centros de documentao e arquivos que existem quase nada

    possuem sobre as gravaes musicais que circulavam no meio

    evanglico, tampouco sobre as execues musicais que se realizavam

    nos servios litrgicos.

    As gravadoras, assim como as empresas comerciais brasileiras,

    demonstram ser muito imediatistas e preocupando-se apenas com o

    26 Todas essas mdias sero descritas no captulo 2, referente produo e distribuio musical.

  • 115

    presente: para a maioria, guardar acervo velho que est fora de uso s

    para juntar sujeira e ocupar espao. Principalmente com a introduo

    do CD, muitas gravadoras procuraram se desfazer de seus LPs em

    estoque e, em muitos casos, nem mesmo um exemplar de cada lbum

    foi preservado. Dentre as emissoras de rdio, apenas as mais antigas

    possuem algum material em seus depsitos, mesmo que entulhados de

    materiais e mal arejados, ou em algum cantinho perdido de suas

    instalaes. As mais novas, porm, trabalham apenas com msica

    digital, estando todo repertrio armazenado em computadores, e nunca

    tiveram em suas dependncias os tais bolaches.

    Ainda resta-nos a iniciativa individual, onde a guarda se d de acordo

    com a produo (os artistas geralmente preservam seus trabalhos) ou

    suas preferncias. A grande dificuldade nesse tipo de acervo podermos

    ter acesso a ele ou mesmo chegar ao conhecimento de sua existncia.

    Apesar das leis existentes com relao ao depsito legal e registro

    autoral e a partir de 2003 a obrigatoriedade do GRA (registro nacional

    por msicas gravadas), as gravaes evanglicas muitas vezes esto

    margem do sistema. No h nada sistematizado que possa oferecer um

    quadro, mesmo que aproximado sobre a produo musical evanglica

    no pas.

    As prprias gravadoras no possuem acervos completos de sua

    produo, os catlogos mudam de tempos em tempos e mesmo lbuns

    que continuam disponveis no mercado, mudam de numerao,

  • 116

    recebem novas capas e/ou encartes e no h a preocupao em

    guardar esses diferentes exemplares.

    Para comearmos a pensar em despertar a necessidade da preservao

    documental, uma boa maneira seria oferecer os nmeros e valores

    referentes a essa produo, mostrando que existe muito material

    perdido por a, ou desconhecido e que pode ser uma rica fonte de

    informao para novas pesquisas.

    Ao visitarmos gravadoras, emissoras de rdio, igrejasq e pessoas

    envolvidas com a produo musical evanglica, fomos recolhendo

    informaes e material que, aps serem armazenados num banco de

    dados, foram organizados em relatrios que procuram mostrar as

    informaes ali contidas sobre artistas, canes e tudo que ao longo do

    sculo XX esteve envolvido na produo musical evanglica do pas.

    Foi um verdadeiro trabalho de garimpagem, principalmente diante da

    pouca preocupao da sociedade brasileira com relao preservao

    documental. Estamos conscientes de que no chegamos ao fim do

    trabalho, que o material pesquisado e encontrado apenas parte do que

    um dia existiu, mas, cremos que, como primeiro passo e ponto de

    partida para o total reconhecimento da produo musical evanglica, o

    que apresentamos neste trabalho de suma importncia e servir como

    uma verdadeira obra de referncia a todos aqueles que se interessarem

    pelo conhecimento da religiosidade no pas.

  • 117

    Podemos afirmar que nosso trabalho pioneiro e se, no contempla a

    totalidade do material produzido, procuramos ser rigorosos e

    minuciosos na descrio do material encontrado, o que faz com que

    nosso levantamento documental sirva como modelo para outros que

    queiram identificar e localizar fundos referentes a este ou a qualquer

    outro tema relacionado.

  • 118

    Captulo 2 A Produo Musical

    Evanglica

  • 119

    Neste captulo descreveremos as tecnologias de gravao e de

    distribuio musical, com o objetivo de conhecermos o desenvolvimento

    dessa rea e acompanharmos os diferentes desdobramentos do mercado

    fonogrfico.

    Vamos tambm descrever a produo musical evanglica,

    acompanhando os relatos das primeiras gravaes realizadas, assim

    como o crescimento do mercado a partir dos programas evanglicos no

    rdio, a diversificao e ampliao destes em conseqncia do aumento

    no nmero de evanglicos no pas.

    Vamos ainda elencar as principais gravadoras do ramo evanglico,

    estando elas em atividade ou no, ressaltando seus principais artistas e

    rea de influncia no mercado.

  • 120

    2.1. As Tecnologias de Produo e Distribuio Musical

    Ao falarmos sobre produo musical no sculo XX, faz-se necessrio

    acompanharmos a evoluo tecnolgica, tanto da gravao quanto da

    distribuio musical, uma vez que a msica deixa de ser preservada

    exclusivamente atravs da sua escrita para ser preservada enquanto

    som.

    Se, at meados do sculo XIX uma das nicas maneiras de se registrar

    ou preservar uma msica era atravs da escrita musical, da partitura,

    a partir desse momento, outras tcnicas foram sendo desenvolvidas,

    aprimorando e aperfeioando a reproduo musical. J no mais se

    fazia necessria a presena de msicos executando as diferentes obras

    musicais, reconhecidas e estudadas atravs de partituras, com todo seu

    cdigo de significao e interpretao. A msica passa a ser ouvida e

    preservada pela sua execuo, possibilitando que at mesmo msicos

    analfabetos (da escrita musical) pudessem registrar suas criaes.

    Assim, torna-se interessante acompanhar como se deu a evoluo das

    tecnologias de produo e distribuio musical. Para isso vamos

    acompanhar o trabalho de Eduardo Vicente (1996) que em sua

    Dissertao de Mestrado, A msica popular e as novas tecnologias de

    produo musical: uma anlise do impacto das tecnologias digitais

    no campo de produo da cano popular de massas, apresentada no

    Departamento de Sociologia da Unicamp divide em quatro fases esse

  • 121

    desenvolvimento tecnolgico: a fase mecnica - relacionada aos

    aparelhos reprodutores de cilindros e discos distribudos

    comercialmente a partir das ltimas dcadas do sculo XIX; a fase

    eltrica - que se inicia a partir de 1925, marcada pelo desenvolvimento

    de tecnologias como a estereofonia, o microssulco (que permite o

    surgimento dos LPs), a gravao em fita; a fase eletrnica - resultante

    da criao dos transistores, levando ao aprimoramento das tcnicas de

    high fidelity, ao desenvolvimento dos estdios multi-canais e de

    equipamentos portteis como os walkmans e tapes automotivos; e,

    finalmente, a fase digital - marcada pela criao de equipamentos

    digitais de gravao e reproduo de udio e tambm hardwares e

    softwares, contribuindo para a virtualizao da produo musical.

    O marco inicial do desenvolvimento da produo musical por meios

    mecnicos pode ser situado no ano de 1888, atravs da comercializao

    do phonograph aparelho mecnico de gravao e reproduo sonora

    atravs de cilindros perfurados, inventado por Thomas Edison em 1878

    pela North American Phonograph Company e do concorrente

    graphophone desenvolvido pela Bell Telephone Company. As empresas

    visavam o uso desses equipamentos em escritrios para o registro de

    textos ditados, mas, diante do fracasso de tal oferta, perceberam que

    poderiam us-los como meio de entretenimento, o que demandaria o

    fornecimento de cilindros j gravados, entrando a Columbia como

    pioneira no fornecimento desses cilindros.

  • 122

    Paralelamente aos cilindros gravveis, Emile Berliner desenvolveu o

    gramophone, um aparelho de reproduo de sons que utilizava discos

    em lugar dos cilindros de Edison. Estes discos se reproduziam a uma

    velocidade de 78 rpm (rotaes por minuto). Em 1893, Berliner formou

    uma empresa para a venda de material gravado, uma vez que seu

    equipamento fora criado j pensando na indstria do entretenimento e,

    no ano de 1900 eram, oferecidos cinco mil ttulos a seus clientes, tendo

    a empresa criado o primeiro estdio comercial de gravaes (Vicente

    1996: 15).

    Eduardo Vicente (1996:16), citando um pesquisador ingls, Simon

    Frith, aponta que num primeiro momento no havia uma preocupao

    essencial com a escolha do que ouvir, uma vez que qualquer som

    reproduzido apresentava interesse para estes primeiros ouvintes.

    Porm, com a difuso dos equipamentos, o gosto do pblico tornou-se

    mais seletivo e, conseqentemente, a produo musical passou a

    adquirir maior importncia.

    J nesse perodo inicial ocorreram disputas e batalhas em torno de

    formatos e padres a serem seguidos. O sistema de discos no gravveis

    do gramophone de Berliner tornou-se hegemnico no mercado,

    desaparecendo os cilindros gravveis. Alm disso, o estilo musical

    predominante nesse perodo inicial foi o da msica erudita europia,

    criando-se um referencial elitista de alta cultura, mesmo sendo a

    principal consumidora a classe mdia.

  • 123

    Os sistemas mecnicos de gravao e de reproduo musical logo foram

    superados pelo desenvolvimento da gravao eltrica, tornando-se esta

    a base tecnolgica para todos os outros grandes desenvolvimentos

    posteriores, tanto no que se refere mudana de velocidade de rotao

    dos discos, quanto criao da estereofonia e dos recursos de high

    fidelity. A empresa responsvel por essa inovao foi a Western Eletric

    durante a dcada de 1920.

    Neste perodo das gravaes eltricas, esta limitava-se a ser o registro

    de uma performance real. De um modo geral, o trabalho dentro do

    estdio resumia-se a reunir numa sala de gravaes todos os msicos

    participantes da sesso, posicion-los a distncias variveis do

    microfone em funo do volume relativo que cada instrumento deveria

    ter dentro do conjunto, abaf-los se fosse o caso e, depois de tudo

    pronto, gravar a msica o nmero de vezes que fosse necessrio at a

    obteno de um registro considerado ideal.

    Diante das limitaes tecnolgicas, as freqncias graves provenientes

    dos naipes das cordas das orquestras tiveram que ser substitudas

    pelos sopros. Tais freqncias podiam causar um alargamento

    excessivo dos sulcos do disco matriz, fazendo com que no momento da

    reproduo, a agulha no tivesse estabilidade. Instrumentos de

    percusso graves e grandes volumes sonoros tambm no eram viveis

    naquele momento.

  • 124

    interessante observarmos que as dificuldades presentes nas

    gravaes afetaram diretamente o modo de se fazer msica, inclusive a

    durao de uma cano acabou se fixando em torno de trs a quatro

    minutos porque no padro de 78 rpm esse era o tempo disponvel em

    cada face do disco e mesmo com um novo suporte, essa durao mdia

    permaneceu (Vicente 1996: 19).

    O formato dos discos tambm foi sofrendo mudanas tecnolgicas: os

    discos de Berliner de 78 rpm foram cedendo lugar aos novos padres.

    Uma disputa entre a CBS e RCA gerou uma diviso no mercado: os LPs

    de 33 1/3 rpm (padro proposto pela CBS) seriam destinados msica

    erudita e os discos de 45 rpm (padro proposto pela RCA) ficariam

    reservados para a gravao e distribuio da msica popular atravs

    dos chamados singles ou compactos. Em pouco tempo, no entanto o LP

    se tornou predominante na distribuio de todos os gneros musicais.

    A terceira fase do desenvolvimento tecnolgico a eletrnica se firmou

    a partir da dcada de 1930, com o desenvolvimento do magnetophone,

    aparelho que utilizava uma fita plstica revestida por uma camada de

    material magntico, onde se gravavam os sons. Este produto foi

    desenvolvido na Alemanha pela AEG.

    No incio dos anos 50, os gravadores tinham sido unanimemente

    adotados pela indstria. Alm de uma considervel queda nos custos de

    produo, houve uma flexibilizao no processo de gravao:

    instrumentos podiam ser adicionados posteriormente a uma primeira

  • 125

    gravao e diferentes gravaes podiam ser sobrepostas. Dessa

    maneira, somente os melhores momentos permaneceriam, fazendo com

    que a gravao passasse a ser um evento ideal e no real.

    Com essa tecnologia, o engenheiro de som passou a ter um papel mais

    decisivo na qualidade das gravaes. Era responsvel por controlar

    diferentes canais que captavam os sons de vrios microfones, sendo

    introduzido trabalho de mixagem e equalizao. Um bom produto

    dependia no s de bons msicos para ter sucesso garantido, mas

    tambm de uma boa equipe tcnica.

    O msico foi ficando cada vez mais isolado durante a gravao, para

    evitar que o som de seu instrumento aparecesse no microfone do outro.

    Este distanciamento tornou necessrio o uso de fones de ouvido, a fim

    de que todos os msicos pudessem se escutar.

    Efeitos sonoros, nem sempre possveis de serem executados numa

    performance ao vivo passaram a ser agregados s produes musicais.

    O sistema de gravao que inicialmente trabalhava com dois canais, o

    grave e agudo, rapidamente foi sendo sobreposto, fazendo com que em

    pouco tempo se conseguisse trabalhar com oito canais.27

    O desenvolvimento de gravadores multi-canais no demorou a

    acontecer: oito, dezesseis, vinte e quatro pistas podiam ser

    sincronizadas entre si, oferecendo uma quantidade praticamente

    27 Vicente cita que o primeiro lbum a ser gravado no sistema de 8 canais foi o Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band dos Beatles, entre nov/66 e abr/67. O produtor utilizou 2 gravadores de 4 canais acoplados, o que gerou um efeito de 8 canais. (1996: 25)

  • 126

    ilimitada de canais simultneos de gravao. Isto possibilitou uma

    melhor qualidade e racionalizao no processo de produo, fazendo

    com que a performance musical registrada se tornasse cada vez mais a

    ideal.

    No entanto, a gravao em multi-canais trouxe uma transformao na

    atuao do msico. Se, na poca da gravao em disco, os msicos

    eram simplesmente reunidos em torno do microfone para o registro de

    sua performance, durante o uso dos primeiros tapes, passaram a ser

    separados por biombos dentro da sala e utilizavam fones de ouvido para

    poderem se acompanhar. J com os multi-canais, passaram a tocar

    separadamente, gravando suas participaes a partir da audio do

    registro das performances dos outros msicos que os antecederam, o

    que levou a uma maior racionalizao e planejamento a fim de evitar

    resultados indesejveis.

    Com os multi-canais, o trabalho ps-gravao passou a considerar o

    que era antes produto final como matria-prima, cabendo aos tcnicos

    de som dar o acabamento atravs da equalizao, efeitos e mixagem de

    cada trilha. Com essa atividade, houve uma reestruturao da diviso

    do trabalho na produo musical, pois a equipe tcnica passou a ser

    to importante quanto os msicos que realizam as performances.

    Eduardo Vicente para falar sobre a quarta e ltima fase da tecnologia

    de gravao e distribuio musical - a digital - faz uma explicao dos

    conceitos digital e analgico. Segundo Vicente (1996: 31), os processos

  • 127

    analgicos de gravao so aqueles nos quais as caractersticas de uma

    onda sonora so representadas, por analogia, atravs das flutuaes em

    um campo eletromagtico. O autor exemplifica:

    [...] as vibraes provocadas no ar pela voz de um

    cantor so convertidas, atravs de um microfone, em

    variaes de um potencial eltrico e armazenadas,

    desse modo, em uma fita magntica. Para a

    reproduo dos sons gravados, a fita tocada e seus

    sinais so amplificados e endereados a um alto-

    falante, no qual so transformados em vibraes de

    um cone de papelo. Ao propagarem pelo ar, estas

    vibraes reproduzem o som. (Vicente (1996: 31)

    O sistema digital, por sua vez, subdivide a onda sonora em fatias

    (amostras) e cada uma delas tem sua localizao matematicamente

    determinada no tempo e no espao da onda. Essas amostras so

    reproduzidas em intervalos de tempo to curtos que nos do a sensao

    de um som contnuo. Esse sistema, alm de eliminar o rudo resultante

    das pequenas variaes na tenso eltrica, abriu a possibilidade de uma

    ampla manipulao das caractersticas do som obtido (altura, volume,

    forma de onda, etc.)

    A criao do protocolo MIDI Musical Instruments Digital Interface foi

    muito importante para o desenvolvimento e difuso das tecnologias

    digitais de produo musical. O protocolo procurou estabelecer um

  • 128

    padro de comunicao comum a todos os equipamentos que

    trabalhavam com o processamento digital da informao musical. Com

    esse acordo, a partir de 1982 equipamentos de diferentes marcas

    poderiam ser interligados, recebendo e transmitindo dados entre si.

    Uma srie de equipamentos foram desenvolvidos para serem utilizados

    nos estdios de gravao: samplers, sintetizadores, baterias eletrnicas,

    sequencers, mdulos multi-timbrais, gravadores digitais, mdulos de

    efeitos, softwares arranjadores e DAWs (Digital udio Workstations). No

    vem ao caso esmiuar cada um desses equipamentos, mas, o que

    importante ressaltar, que com esses recursos digitais houve a

    possibilidade de novos procedimentos tcnicos que resultaram em

    maior qualidade aliada a baixo custo.

    A pr-produo, assim chamado o sequenciamento de partes do arranjo

    musical mesmo antes do ingresso do artista no estdio, levou a uma

    significativa reduo nos custos de produo. A montagem de estdios

    de gravao de menor porte e custo, porm com um padro compatvel

    com de estdios mais requintados, provocou uma pulverizao das

    atividades e do aparato da produo musical.

    O msico da fase digital foi sendo influenciado a ter em sua formao

    conhecimentos de outras reas at ento um pouco distantes, como

    informtica, engenharia eletrnica, tecnologia de udio e at mesmo o

    domnio da lngua inglesa, para fazer uso de diferentes equipamentos.

  • 129

    Todo esse aparato tecnolgico facilitou a vida do msico

    cantor/compositor que, no dispondo de banda prpria, poderia deixar

    toda a produo musical sob responsabilidade do estdio na produo

    dos arranjos, arregimentao e regncia dos msicos e gravao e

    mixagem do trabalho.

    O trabalho de gravao em separado iniciado pelos multi-canais foi

    enriquecido pelo uso de instrumentos digitais freqentemente usados

    como base dos arranjos musicais. Tais instrumentos geram informaes

    e no sons musicais, o que leva possibilidade de mudanas nos

    timbres utilizados.

    Na dcada de 1990 um estdio podia ser montado atravs de trs

    esquemas bsicos: 1) estdio analgico-digital, que utilizava um tape

    multi-canais analgico em sincronizao com equipamentos digitais. 2)

    estdio digital com tape que utilizava um gravador multi-canais digital e

    que possua um esquema de funcionamento praticamente igual ao

    analgico-digital e, 3) estdio digital tapeless, que utilizava para as

    gravaes um computador que digitalizava os sons em tempo real,

    diretamente no hard disk.

    Atualmente o sistema analgico foi praticamente abandonado nas

    gravaes em estdio e a cada dia novos softwares e equipamentos so

    criados, ampliando as possibilidades da produo musical.

    Quanto distribuio da produo musical, Vicente chama nossa

    ateno para o fato de que o problema da mdia, ou do suporte dessa

  • 130

    produo musical desde seus primrdios apresentou uma forte disputa

    entre diferentes elementos. A primeira se deu entre os discos de

    Berliner e os cilindros gravveis de Edison. A partir da vitria dos discos

    no gravveis este padro foi hegemnico at o final da dcada de 1960.

    Durante esse tempo, no entanto, o disco sofreu grandes modificaes: o

    micro sulco, os discos de 45 rpm e os Long Plays de 33 1/3 rpm,

    alm do surgimento da estereofonia, desenvolvida em 1958.

    Outras inovaes na distribuio musical surgiram sob a forma de

    novas mdias. O tape domstico foi o primeiro desta lista. Estes

    comearam a ser comercializados pela Philips em 1969. Apresentavam

    inmeras inovaes e vantagens em relao aos discos: facilidade de

    transporte e armazenamento, recursos de avano e retrocesso e, acima

    de tudo, a possibilidade de gravar e regravar os sons. Em pouco tempo

    a venda de aparelhos gravadores cassete superou a venda de aparelhos

    toca discos.

    Numa outra etapa, os compact discs foram lanados simultaneamente

    pela Sony e Philips em 1979. Rapidamente os discos de vinil foram

    cedendo espao para esta nova mdia, porm, para as fitas cassetes no

    representou uma ameaa imediata. Somente aps o desenvolvimento de

    verses de CDs gravveis e a popularizao de aparelhos gravadores de

    CD, que as fitas cassetes foram sendo deixadas para um segundo

    plano.

  • 131

    As vantagens do CD sobre outras mdias estava na quantidade de

    informao capaz de serem nele armazenados cerca de 740 Mb, o que

    equivale a aproximadamente 74 minutos de som digitalizado em

    estreo. Alm disso, a qualidade do som digital era muito mais

    significativa, fazendo com que a leitura tica do som se tornasse quase

    unanimidade.

    A fabricao de CDs no Brasil teve incio em 1987, porm, at hoje

    pouco se sabe de sua constituio fsicoqumica, o que tem acarretado

    uma srie de dificuldades quanto sua preservao e durabilidade.

    Um produto que ficou restrito rea industrial da produo musical foi

    o DAT Digital udio Tape, lanado comercialmente pela Sony em 1989,

    para ser um substituto digital para a fita cassete. Porm, em funo do

    seu alto custo, nunca chegou a ser um equipamento de uso domstico.

    Em pouco tempo, uma nova mdia foi lanada para substituir o cassete:

    o MD MiniDisc. Essa mdia digital consiste num disco regravvel de

    tamanho menor, mas de capacidade de armazenamento equivalente

    do CD. poca de seu surgimento, foi usado por diversas produtoras

    para lanamentos musicais e tornou-se padro em rdios de todo o

    mundo.

    A acelerao tecnolgica tem contribudo, e muito, para a distribuio

    musical. Em pouco tempo, as novas mdias so superadas e outros

    produtos so lanados, cada vez com mais qualidade e menor custo.

  • 132

    Dentro dessa proposta, surgiu o DVD Digital Versatile Disk.

    Inicialmente lanado para suceder o videocassete, rapidamente foi

    testado e aprovado para diferentes finalidades: som, imagem, dados.

    Apresentado pela primeira vez no mercado em 1996, nos Estados

    Unidos, o DVD foi um dos mais importantes lanamentos da indstria

    de eletro-eletrnicos nos ltimos anos.

    Alm de uma qualidade de digitalizao de udio superior a de um CD

    convencional, o DVD possibilita alternativas de espacializao do som

    muito mais complexas do que as da estereofonia, o que leva a uma

    qualidade de resoluo mais aprimorada, bem como a incluso nos

    discos de videoclipes, cenas de estdio, de shows ao vivo, etc.

    Atualmente, a mdia mais badalada do momento o Mp3 Mpeg udio

    Layer 3, um protocolo de compresso de udio. Surgiu como uma das

    conseqncias do desenvolvimento do DVD e permitiu a digitalizao de

    msica em arquivos at dezesseis vezes menores do que os obtidos com

    os outros formatos. O Mp3 existe desde 1992, mas sua popularizao

    s ocorreu a partir de 1997 com a criao do Winamp, um software que

    permite a reproduo dos arquivos Mp3 em computador.

    Arquivos em Mp3 passaram a ser adotados com freqncia cada vez

    maior em substituio ao CD single para a divulgao das msicas de

    trabalho dos lbuns. A primeira iniciativa se deu em setembro de 1997

    quando a Capitol Records lanou o single Eletric Barbarella, da banda

    Duran Duran pela rede.

  • 133

    Equipamentos portteis de Mp3 esto se tornando uma verdadeira febre

    no mercado consumidor musical, mais uma vez somando qualidade,

    quantidade e baixo custo. Um aparelho simples, do tamanho de um

    isqueiro chega a armazenar dez horas de msica28.

    Em nossos dias, a distribuio da produo musical tem uma srie de

    facilidades tecnolgicas, que permitem uma rpida divulgao do

    material produzido. A questo agora : como garantir os direitos

    autorais e manter a lucratividade das empresas envolvidas no ramo?

    So questes totalmente em aberto, que tm gerado grande polmica e

    uma ampla discusso jurdica.

    2.2. Gravaes Evanglicas

    Desde o incio do sculo XX, quando chegaram ao Brasil as primeiras

    tcnicas de reproduo e gravao musical, temos registros da

    produo de msica sacra evanglica.

    Para podermos conhecer essa trajetria, vamos usar como referncia o

    trabalho da professora e musicloga Henriqueta Rosa Fernandes Braga

    (1961) que em seu livro Msica sacra evanglica no Brasil: contribuio

    sua histria, faz um relato minucioso das primeiras gravaes

    28 Outras verses esto disponveis no mercado, sendo que o MP5 capaz de gravar e reproduzir vdeos, alm de msicas e armazenamento de qualquer tipo de dados digitalizados.

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    evanglicas no Brasil29; e tambm a tese de doutorado de Eduardo

    Vicente (2001), Msica e disco no Brasil: a trajetria da indstria nas

    dcadas de 80 e 90, na qual o autor dedica um captulo especial para a

    produo musical religiosa brasileira.

    Uma reportagem de jornal escrita em 193630 relata que um senhor, de

    nome Jos Arajo Coutinho Jnior, residente na cidade de So Paulo

    dos Agudos SP, raspou a cera de um cilindro usado e nele gravou um

    hino de um dos mais populares hinrios do Brasil, o Salmos e Hinos31.

    Se nos cega o sol ardente era o ttulo do hino, executado por um

    pequeno coral a quatro vozes, cujo som foi reproduzido em surdina no

    ano de 1901.

    O uso de cilindros gravveis foi rapidamente abandonado pela indstria

    musical, e diante do predomnio dos discos, em pouco tempo alguns

    ttulos evanglicos foram lanados atravs dos grandes selos. Conta-nos

    Henriqueta Rosa que em 1912 o Coro da Igreja Evanglica Fluminense

    do Rio de Janeiro gravou seis discos de dez polegadas sob o selo32

    Favorite. A fbrica germnica Favorite atuava no Brasil em conexo com

    29 Tivemos acesso ao acervo de discos que pertenceram Henriqueta Rosa e nem tudo que ela menciona no livro foi possvel localizar, porque ela nunca chegou a ter todo esse material e muitas coisas no resistiram ao uso e a ao do tempo. 30 B.J. A victrola ao servio do Senhor. O Cristo. Rio de Janeiro, 30 set 1936, p.3. 31 O Salmos e Hinos foi a primeira coletnea de hinos sacros lanada no Brasil em 1861 pelo casal de missionrios Robert e Sarah Kalley. Este hinrio continua em uso estando hoje em sua quinta edio, com seiscentos e cinqenta hinos. 32 Eduardo Vicente oferece-nos uma explicao sobre o uso do termo selo: A expresso derivada dos rtulos coloridos e chamativos que eram afixados aos compactos de 45 rpm que comearam a ser utilizados nos EUA e na Inglaterra em fins dos anos 50 como estratgia de promoo dos LPs. (Posteriormente), o termo passou a distinguir os vrios departamentos que estavam sendo criados na poca para cuidar dentro das gravadoras de diferentes gneros musicais como o jazz, o rock, o pop, a msica erudita, etc. No mercado nacional, entretanto, muito comum que se denomine como selos tambm s pequenas empresas independentes, ficando gravadora reservado para as mdias e grandes. (VICENTE, 2001: 10). Em nosso texto, usaremos o termo selo nesses dois sentidos.

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    a Casa Faulhaber, responsvel tcnico pela