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23 Unidade 2 A importância da leitura A leitura como ferramenta de aprendizagem e pesquisa “A leitura traz ao homem plenitude, o discurso segurança e a escrita exatidão.” Francis Bacon Para você, a leitura de textos acadêmicos é semelhante à leitura de entretenimento, realizada em seus momentos de lazer? Qual a sua preocupação em cada um dos casos? Há alguma diferença quanto ao horário em que costuma realizar cada uma dessas leituras? www.sxc.hu

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Unidade 2

A importância da leitura

A leitura como ferramenta de aprendizagem e pesquisa

“A leitura traz ao homem plenitude, o discurso segurança e a escrita exatidão.”Francis Bacon

Para você, a leitura de textos acadêmicos é semelhante à leitura de entretenimento, realizada em seus momentos de lazer? Qual a sua preocupação em cada um dos casos? Há alguma diferença quanto ao horário em que costuma realizar cada uma dessas leituras?

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Ao longo de sua vida escolar, é possível que você tenha desenvol-vido técnicas de estudo para aperfeiçoar o conteúdo aprendido, como a seleção das ideias principais e a elaboração de um resumo ou orga-nograma.

Nesta unidade, estudaremos um pouco sobre o que se deve obser-var para buscar informações no texto e a importância da leitura de textos científicos para trabalhos acadêmicos. O objetivo não é ensinar técnicas rígidas de leitura, nas quais se presta mais atenção ao que se deve fazer do que ao que se está lendo. A intenção é apontar um ca-minho em que a leitura seja ferramenta de aprendizagem, reflexo de quando se assume uma postura investigativa no ato de ler.

Conceitos de leitura

“A leitura de mundo precede a leitura de textos.”Paulo Freire

Existem dois conceitos possíveis em relação à leitura. Ler pode ser a mera decodificação de símbolos gráficos ou pode ser o entendimento dos significados produzidos por esses símbolos, dentro de contextos diversos.

Esses conceitos de leitura começam a ser discutidos já durante o processo de alfabetização, pois este também admite duas possibilida-des. Alfabetizar pode ser apenas o reconhecimento do valor sonoro de cada letra ou a compreensão ampla dos significados que uma palavra pode ter em contextos diferentes.

Tomemos como exemplo uma criança que aprendeu a escrever a palavra “cabeça” e associou a essa palavra apenas o significado que se refere a uma parte do corpo humano. O que aconteceria com essa criança se, em algum lugar, escutasse a seguinte frase: “Joaquim era o cabeça da equipe”? Provavelmente a criança ficaria confusa, pois não aprendeu a ler no sentido amplo, isto é, levando em consideração a plurissignificação própria das palavras ao serem utilizadas em contex-tos diferentes.

Você já reparou que alguns textos são essencialmente conotativos, ou seja, são construí-dos exatamente para suscitar significados diferentes do significado real, literal, denotativo? O texto literário, por exemplo, admite o uso das palavras com significações modificadas. Ele permite ainda subversões sintáticas, pois a função da linguagem que prevalece nesse tipo de texto é a função poética, centrada principalmente no “como dizer”. Isso não implica dizer que a mensagem não é importante, mas predomina o apuro poético na linguagem, como no poema que segue.

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Trapo

O dia deu em chuvoso.A manhã, contudo, esteve bastante azul.O dia deu em chuvoso.Desde manhã estava um pouco triste.Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?Não sei: já ao acordar estava triste.O dia deu em chuvoso.Bem sei; a penumbra da chuva é elegante.Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um eleganteBem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?Deem-me o céu azul e o sol visível,Névoa, chuvas, escuros – isso tenho eu em mim.Hoje quero só sossego.Até amaria o lar, desde que o não tivesse.Chego a ter sono de vontade de ter sossego.Não exageremos!Tenho efetivamente sono, sem explicação.O dia deu em chuvoso.Carinhos? Afetos? São memórias...É preciso ser-se criança para os ter...Minha madrugada perdida, mas céu azul verdadeiro!O dia deu em chuvoso.Boca bonita da filha do caseiro,Polpa de fruta de um coração por comer...Quando foi isso? Não sei...No azul da manhã...O dia deu em chuvoso.

CAMPOS, A. (Fernando Pessoa). Trapo. In: PESSOA, F. O eu profundo e os outros eus. São Pau-lo: Nova Fronteira; Rio de Janeiro: Record, 1980. p. 265-266.

Observe que nesse poema há uma concisão, uma seleção tão precisa de palavras que torna desnecessário haver maiores explicações sobre o assunto – o que, aliás, descarac-terizaria o texto poético. Além disso, como é atributo dos textos literários – na verdade, das artes em geral –, esse poema dá margem ampla de interpretação, pois é permeada pela subjetividade do leitor e da linguagem literária.

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Obviamente, essas características não podem ser as mesmas para o texto científico, que tem como fim a objetividade, a clareza de informações e a necessidade de comprovação das informa-ções. Desse modo, considerando essas diferenças e as funções de textos literários e científicos na sociedade, compreende-se que textos tão díspares não podem ser lidos da mesma maneira.

Para Marcondes (2000, p.17), “[...] a linguagem não é, e não deve ser examinada em abstrato, mas sempre em relação a uma situação (real ou imaginária, mas possível) em que faz sentido (ou não) usar uma determinada expressão”. Portanto, para se fazer uma leitura mais aprofundada, é preciso levar em consideração, além das informações textuais, as extratextuais – informações mais sutis que, para serem percebidas pelo leitor, exigem sua participação efetiva. Assim, leituras anteriores, situações do cotidiano, aforismos, entre outras informa-ções que estão além do texto, podem ser elementos importantes a se considerar durante a leitura.

Geralmente, para se localizar informações extratextuais é preciso ter uma leitura de mundo, ou seja, usar do conhecimento já construído por meio de experiências pessoais e aplicá-lo ao que se está lendo.

Imaginemos que num artigo de uma revista encontremos a seguinte frase: “Muitas mulheres ainda sofrem do complexo de Cinderela.” Ain-da que, em um primeiro momento, não saibamos o que é esse complexo, a maioria de nós compreenderia que se trata de algo relacionado ao fa-moso conto de fadas – mais especificamente, ao anseio de algumas mu-lheres de encontrar um príncipe encantado. Observe que a compreensão da frase só foi possível porque os conhecedores do conto de fadas tinham a informação necessária para construir o significado do enunciado.

No caso da leitura de textos científicos, o cuidado com a com-preensão de informações extratextuais deve ser ainda maior, porque esses textos não podem permitir dupla significação, uma vez que isso prejudicaria a neutralidade e a objetividade próprias da pesquisa e da comunicação científicas.

As informações no texto

“O raciocínio é um argumento em que, estabelecidas certas coisas, outras coisas diferentes se deduzem necessariamente das primeiras.”

Aristóteles

Conforme já abordado, as informações textuais podem ou não es-tar explícitas. Neste caso, outros elementos podem contribuir para que

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o leitor compreenda o significado do que não está explícito. Por exem-plo, conforme comentado anteriormente a respeito do “complexo de Cinderela”, o conhecimento prévio do leitor acerca do conto de fadas auxilia na compreensão da expressão.

A seguir, estudaremos alguns desses tipos de informações textuais e extratextuais que são menos explícitas e, por isso, exigem mais aten-ção do leitor.

Pressuposto

De acordo com o dicionário Houaiss (2004, p. 2293), um dos signi-ficados de pressuposto é “aquilo que se supõe antecipadamente [...], conjectura, suposição”.

Assim, se alguém afirma que “Joaquim parou de jogar basquete”, entende-se que Joaquim jogava basquete. Observe que essa pressupo-sição, embora pareça óbvia, é resultado de uma leitura mais ampla, de elementos que não estão explícitos no texto.

Inferência

Sabemos que nem tudo precisa ser dito com todas as letras. Muitas vezes, as informações estão no texto, mas estão “escondidas” ou “su-geridas”. Acompanhe a situação descrita a seguir:

Dois homens caminham pelas ruas de uma grande cidade, durante o período eleitoral e observam as propagandas políticas veiculadas nos outdoors e panfletos, nos quais aparecem frases como:

Minha gente, eu prometo...; Caros cidadãos de... Se eleito, acabarei com as filas... entre outras.

O primeiro comenta:– Eu acredito que essas mensagens são sinceras e verdadeiras.O outro responde:– Eu também, e acredito em Papai Noel, Coelhinho da Páscoa e Mula sem

Cabeça...

(Texto criado pela autora especialmente para este livro.)

Mesmo que o segundo homem não tenha dito claramente que não acredita nas mensagens, é possível reconhecer a opinião dele sobre as propagandas políticas, não é mesmo? Quando ele diz acreditar em seres que são irreais, pode-se perceber a relação que faz entre eles e as mensagens vinculadas, também irreais ou imaginárias, nesse caso: mentiras.

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Para tornar mais clara a diferença entre informações pressupostas e implícitas, consideremos o seguinte enunciado:

Paulo já praticava ações de caridade.

Considerando-se o uso do adjunto adverbial “já”, a frase permite a pressuposição de que Paulo continua praticando ações de caridade. Se a frase for analisada em seu contexto, podemos inferir que Paulo é uma pessoa altruísta, ou um cidadão atuante, entre outras possibi-lidades. A inferência é, portanto, uma possibilidade de interpretação advinda de um determinado contexto. Já a pressuposição envolve uma interpretação de elementos linguísticos do enunciado.

Intertextualidade

A intertextualidade é a relação que se estabelece entre dois textos, quando um se remete a outro de maneira implícita ou explícita. Isso não ocorre exclusivamente em textos escritos, pois muitas vezes utili-zamos a intertextualidade em nosso discurso diário para ilustrar uma ideia ou situação.

Quando alguém tira um dia para se dedicar a afazeres domésticos, como limpeza e manu-tenção da casa, algumas pessoas dizem que “ficou de Amélia”, expressão relacionada aos versos da canção de Ataulfo Alves e Mário Lago, Ai, que saudades da Amélia – embora a letra não explicite a dedicação da personagem-título a trabalhos domésticos.

Retomando o exemplo do complexo de Cinderela, compreende-mos que, para quem não conhece a expressão, é imprescindível o co-nhecimento do conto de fadas para o entendimento da frase.

A intertextualidade é utilizada cotidianamente, muitas vezes de maneira espontânea e acidental. Trata-se de um recurso que pode tor-nar mais próximo o vínculo entre leitor e texto, desde que aquele te-nha conhecimento do texto ao qual se faz referência.

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Leitura de textos científicosPara Brenner e Jesus (2008, p. 10), “a leitura é de importância

fundamental para o desenvolvimento de qualquer trabalho científico”. Por esse motivo, acreditamos que a leitura também faz parte de um procedimento metódico na busca pela construção do conhecimento.

A pesquisa bibliográfica – ou seja, o levantamento de obras que o auxiliam a desenvolver seu trabalho, dando-lhe suporte teórico – se desenvolve a partir da leitura e, partindo-se do pressuposto de que toda pesquisa científica precisa de fundamentação teórica, a leitura torna-se ferramenta essencial para o início e o desenvolvimento de um trabalho científico.

Num primeiro momento, a leitura é o caminho para a busca e seleção de informações que darão sustentação teórica ao trabalho. Posteriormente, a leitura poderá ser utilizada na análise e na inter-pretação de dados coletados durante a investigação científica. Dessa forma, entendemos que a leitura permeia todo o processo de investi-gação científica e, por essa razão, deve ser realizada de maneira clara e eficiente.

Um pesquisador pode ter de ler textos bastante distintos, dependendo do estudo ao qual se dedica. Para alguns, pode ser fundamental analisar relatórios e tabelas; para outros, coletar e analisar notícias diversas e, para alguns, talvez seja imprescindível tanto a análise de rela-tórios como de notícias diversas.

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Para que a leitura de um texto seja qualitativa, é necessário loca-lizar as informações essenciais, e isso depende do conhecimento e da postura do leitor diante do texto.

Se o leitor está diante de, por exemplo, um ensaio, será necessário procurar a tese (isto é, a proposição do autor para o assunto estudado), identificar a postura assumida pelo autor do texto em relação ao tema e também os argumentos que ele apresenta para defender seu posicio-namento.

Porém, se o texto lido é um depoimento, será necessário procurar outro tipo de informação, tais como as pessoas envolvidas, o fato narra-do, os indícios de tempo, espaço, entre outras informações pertinentes.

Podemos concluir, então, que a leitura não é sempre a mesma para todos os textos, assim como são diferentes as leituras de um pesquisa-dor e de um leitor fruidor (que busca uma obra por gosto, por diver-são) diante de um mesmo texto.

A leitura esperada por parte do pesquisador é crítica, reflexiva e pressupõe um diálogo com o texto lido. Exige-se, pois, uma postura ativa do leitor, que atua na construção de seu conhecimento.

Para tanto, o pesquisador deve:

• ler com clareza;

• perceber e selecionar informações essenciais;

• estabelecer relações entre as informações e ideias apresentadas;

• dialogar com o texto, relacionando seu conhecimento às informa-ções abordadas.

Assumindo essa postura, o pesquisador tem as primeiras ferramen-tas para produzir um texto consistente, claramente articulado e funda-mentado. No intuito de tornar a orientação mais prática, aconselha-se o seguinte caminho:

1. Leitura de contato

Esse momento consiste na leitura de todo o texto sem fazer ano-tações e sem deter-se por muito tempo em nenhum trecho. Nesse pri-meiro contato, tenciona-se conhecer o conteúdo geral do texto, suas informações principais. Portanto, na leitura de contato é importante atentar para o todo, para a ideia central do texto.

2. Leitura em profundidade

Nessa fase, detém-se nos parágrafos e nas unidades significativas, fazendo anotações à margem do texto ou em fichas (no caso de ficha-mento). Essa segunda leitura tem o objetivo de minimizar dificulda-

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des quanto ao entendimento do texto. Resolvem-se, então, as questões vocabulares e teóricas por meio de buscas no dicionário e em outras fontes para superar esses obstáculos.

O fichamento é uma estratégia de estudo bastante utilizada, na qual o leitor resume o livro, menciona citações importantes para seu trabalho e elabora seu parecer sobre a obra, além de relacionar essas informações com leituras anteriores e com o assunto do trabalho.No endereço eletrônico http://www2.iq.usp.br/docente/famaxim/disciplina/4603000/aulas/2fichamento.pdf, há vários exemplos de fichamento para você conhecer e verificar a qual se adapta melhor.

3. Síntese das ideias

Nessa fase, sintetizam-se as ideias principais do texto. Nesse mo-mento, assim como em todo o processo de leitura como ferramenta de aprendizagem, deve-se ter em mente, de forma bem clara, o que se busca no texto.

Para se chegar à síntese do texto, é preciso acompanhar os cami-nhos percorridos pelo autor, sua proposta e os argumentos utilizados. Portanto, a síntese é feita após leitura atenta e cuidadosa e permite ao leitor condensar as ideias principais apresentadas no texto.

A síntese também possibilita ao leitor a análise crítica do texto e a comparação com outras leituras. Essa associação das principais con-tribuições de diferentes obras é, aliás, bastante importante para fins acadêmicos, pois demonstra uma leitura abrangente e reflexiva.

Discordando do autor

É possível que você se sinta muito frustrado simplesmente por não concordar com o ponto de vista do autor. [...] Quando você está lendo, é como se estivesse conversando com uma pessoa tagarela que fala sem parar, sem lhe dar chance de replicar. Pode ser muito sufocante se você discordar num nível fundamental e desejar levan-tar uma objeção. Torna-se muito difícil continuar a ler até o final do texto.

Por outro lado, muitas ideias parecem implausíveis quando você as encontra pela primeira vez. Se você fosse ler apenas aquilo com o que concorda, não aprenderia muito. Faz parte de estudar apren-der a lidar com o sentimento de descontentamento em relação ao que o autor está dizendo – distanciando-se dos seus sentimentos hostis – e continuar a ler para ver que argumentos são apresenta-dos. Ao final, é possível que você possa ou não concluir que o autor tem razão, mas precisa dar a si próprio a chance de descobrir o que

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está sendo apresentado.

[...]

O distanciamento é naturalmente mais um ideal do que algo que possa acontecer o tempo todo. É natural que você tenha reações, especialmente quando discorda do que leu. Na verdade, você pode usar essas reações de maneira construtiva. Quando discordar de um texto, tente escrever suas críticas e contra-argumentos ponto por ponto, ao invés de apenas sentir-se irritado. É possível que você aprenda muito reagindo contra o que lê, se isso o ajudar a orga-nizar suas próprias ideias.

NORTHEDGE, A. Leitura e anotações. In: _____. Técnicas para estudar com sucesso. Tradução de: FONTES, S. M.; RODRIGUES, A. D. s.l.: The Open University; Florianópolis: Ed. da UFSC, 1998. p. 30-31.

Praticando a leitura de textos científicos

“O homem vive em múltiplos mundos, mas cada mundo tem uma chave, e o homem não pode passar de um ao outro sem essa chave, quer dizer, sem mudar a intencionalidade

e o correspondente modo de apropriação da realidade.”Karel Kosik

Ao longo desta unidade, observamos que a leitura para entreteni-mento e para fins acadêmicos é distinta, pois, se na primeira a preocu-pação central é divertir-se, na segunda objetiva-se a análise acurada e a leitura atenta.

A leitura para fins acadêmicos torna imprescindível a apreciação crítica, em que o leitor não apenas assimila as ideias do autor, mas também reflete sobre elas.

Segundo Furlan (1995) apud Brenner e Jesus (2008, p. 11-12),

[...] existe uma relação autor-texto-leitor, pois a leitura não é apenas um conjunto de regras de explicação de um texto, um objeto pronto e acabado que deve ser assimilado. Ler um texto pressupõe o diálogo com o autor, ouvindo sua compreensão de mundo e dos significados nele implícitos.

Para reconhecer as ideias, a perspectiva pela qual um objeto é vis-to, é preciso interagir com o texto, identificar as informações princi-pais, sanar possíveis dúvidas, comparar o que é dito com informações conhecidas e, só então, terá sido feita uma leitura crítica.

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A seguir, retomaremos algumas práticas que podem viabilizar a leitura significativa e participativa. Para tanto, leremos um excerto de texto científico e, com base nele, discutiremos a importância da leitura de contato, da leitura de profundidade e da síntese.

A ciência é uma das grandes conquistas do ser humano; o conhecimento científico atual representa o acúmulo de toda experiência vivida pela hu-manidade, ao longo de muitos séculos. De Aristarco de Samos, passando pelo grande Galileu, até um Mário Schenberg, a ciência de hoje é a síntese de um grande trabalho engendrado pelo homem.

São incontestáveis as realizações da ciência, inegáveis as conquistas científicas que possibilitaram ao homem penetrar no âmago da matéria, colocar engenhos espaciais nos confins do universo, conhecer os complexos moleculares responsáveis pela vida ou desvendar parte do enigma que é a mente humana [...].

É inegável, também, que a ciência provocou novas relações entre os ho-mens, modificou as formas de convivência, acelerou a criação da moderna civilização tecnológica que fez o homem assimilar todo um novo elenco de ideias e valores, de necessidades materiais e mentais, de aspirações e expec-tativas.

Realmente seria injusto, como diz Regis de Morais, desconhecermos as grandes realizações com as quais os cientistas tornaram a vida mais amena, porém, também seria insensato vermos a ciência como algo infalível.

De onde vem a visão da ciência como de uso infalível ou como a grande esperança para a solução dos problemas da humanidade? E a visão da ciência como apolítica ou neutra?

[...]

(Fonte: PANTANO FILHO, R. Ciência, ideologia e poder. In: AMARAL, E.; ANTÔNIO, S.; PATROCÍNIO, M. F. Novo manual Nova Cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 88).

Em uma leitura de contato, toma-se ciência do tema geral contem-plado pelo texto – nesse caso, trata-se do papel da ciência na evolução da humanidade. Embora possa parecer simples, esta atividade exige concentração, persistência e atenção do leitor, que precisa vencer as primeiras dificuldades que um texto científico possa impor, como des-conhecimento do assunto tratado, dificuldades de interpretação devi-das à linguagem acadêmica, entre outros.

Já em uma leitura de profundidade, procura-se resolver esses pro-blemas de entendimento, buscando-se esclarecimentos sobre o voca-bulário e informações sobre teóricos ou ideias das quais não se têm

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conhecimento. Por exemplo: Se o leitor desconhece o significado da palavra “engendrado”, precisa buscar a solução no dicionário; e, se não conhece Aristarco de Samos ou outro teórico citado no texto, deve buscar informações em outras fontes.

Na terceira leitura, na qual se faz a síntese das ideias, o leitor pro-cura as informações centrais apresentadas em cada parágrafo, grifan-do-as e/ou fazendo anotações nas margens do texto. Veja um exemplo:

A ciência é uma das grandes conquistas do ser humano; o conheci-mento científico atual representa o acúmulo de toda experiência vivida pela humanidade, ao longo de muitos séculos. De Aristarco de Samos, passando pelo grande Galileu, até um Mário Schenberg, a ciência de hoje é a síntese de um grande trabalho engendrado pelo homem.

São incontestáveis as realizações da ciência, inegáveis as conquistas científicas que possibilitaram ao homem penetrar no âmago da matéria, colocar engenhos espaciais nos confins do universo, conhecer os complexos moleculares responsáveis pela vida ou desvendar parte do enigma que é a mente humana [...].

É inegável, também, que a ciência provocou novas relações entre os homens, modificou as formas de convivência, acelerou a criação da moderna civilização tecnológica que fez o homem assimilar todo um novo elenco de ideias e valores, de necessidades materiais e mentais, de aspirações e expectativas.

Realmente seria injusto, como diz Regis de Morais, desconhecermos as grandes realizações com as quais os cientistas tornaram a vida mais amena, porém, também seria insensato vermos a ciência como algo infalível.

De onde vem a visão da ciência como de uso infalível ou como a grande esperança para a solução dos problemas da humanidade? E a visão da ciência como apolítica ou neutra?

[...]

É importante destacar que os grifos correspondem a uma marca-ção individual que possibilita ao leitor a retomada de ideias principais. Desse modo, para realizar a seleção das informações mais relevantes, o leitor deve considerar, além da totalidade do texto e da relação entre as partes, a maneira como costuma estudar, a relevância do texto para o que está estudando e seu conhecimento prévio acerca do assunto.

Não há maneira correta de sublinhar. Você pode ter tido excelentes razões para marcar palavras bem diferentes. Depende do que sua mente focaliza enquanto você lê. (NORTHEDGE, 1998, p. 41)

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Dessa maneira, resolvidos os problemas de entendimento, come-ça-se a ler os parágrafos destacando e/ou resumindo as ideias centrais de cada um deles. No caso do trecho de texto que estamos estudando, podemos analisá-lo resumidamente da seguinte maneira:

• No primeiro parágrafo, toma-se conhecimento da tese, o ponto de vista do autor em relação à ciência – “A ciência é uma das grandes conquistas do ser humano”. Trata-se de uma afirmação geral que nos permite declarar que o autor reconhece o grande valor da ciên-cia para a evolução do homem.

• No segundo e no terceiro parágrafos, o autor apresenta argumen-tos para confirmar a sua tese. São citados alguns avanços humanos que foram possibilitados devido ao desenvolvimento da ciência (segundo parágrafo) e a sua influência em nossa atual organização social (terceiro parágrafo).

• No quarto parágrafo, o autor reafirma a importância de dar os devidos créditos à ciência pelas melhorias proporcionadas em nos-so modo de vida. Contudo, o texto apresenta uma ressalva à ideia de que a ciência é infalível.

• No quinto parágrafo, dando continuidade à ressalva apresentada no parágrafo anterior, o autor questiona o leitor sobre algumas ideias bastante difundidas acerca da ciência, o que revela seu real posicionamento sobre ela: A ciência é uma grande conquista hu-mana, mas não pode assumir o estatuto de verdade incontestável.

Perceba que o posicionamento do autor, embora não esteja ex-plícito, é percebido pelo leitor por meio da estrutura argumentativa do texto: inicialmente, o autor valoriza a importância da ciência em nossa sociedade e, nos últimos parágrafos, faz ressalvas quanto à in-contestabilidade da ciência.

É importante ressaltar que essa estrutura não implica em contra-dição das ideias do autor. Este aborda diferentes aspectos do mesmo tema para demonstrar que concorda, mas não totalmente, com a im-portância que se costuma dar à ciência.

Uma leitura detalhada, na qual se busque o entendimento dos parágrafos e de suas ideias nucleares, é fundamental no processo de aprendizagem e na pesquisa, pois é por meio desse exercício que você produzirá seu diálogo com as ideias reconhecidas e as transformará num texto científico, de sua autoria.