a evolução da estrutura, por sexos, da população activa em

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Ana Bela Nunes* Análise Social, vol.XXVI(112-113),1991 (3.°-4.°), 707-722 A evolução da estrutura, por sexos, da população activa em Portugal — um indicador do crescimento económico (1890-1981) INTRODUÇÃO O objectivo deste trabalho é apresentar uma análise da estrutura, por sexos e por sectores de actividade, da população activa portuguesa no período indi- cado, com um triplo objectivo. Por um lado, pretendemos verificar em que medida essa análise confirma ou não as conclusões a que chegámos num estudo recente sobre a estrutura global, sectorial e regional da população activa, enquanto indicador das características do crescimento económico português 1 ; esta verificação assenta no facto de ? ao longo de um dado período, as mudanças nas estruturas sec- toriais da população activa serem acompanhadas por alterações significati- vas na composição sexual e etária daquele indicador. Por outro lado, esperamos contribuir para superar a limitação, que reco- nhecemos no trabalho acima referido, decorrente de termos tomado, na prá- tica, a população activa como equivalente ao factor produtivo «trabalho», quando ela é apenas a fonte desse recurso essencial; os recursos humanos empregues na actividade económica são tempos de trabalho de diferentes tipos e qualidades, e não quantitativos de trabalhadores. Assim, a avalia- ção do peso do trabalho feminino no total da população activa é um passo necessário para uma avaliação futura, mais correcta, dos recursos humanos, permitindo a sua conversão num equivalente a um certo tipo de trabalho, por exemplo, ao trabalho de um adulto masculino a tempo integral 2 . Exem- plificaremos este aspecto adiante, a propósito do cálculo da taxa de activi- dade. Um terceiro objectivo deste estudo é o de esclarecer algumas dúvidas levan- tadas pela crítica das fontes. * Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa. 1 Veja-se Nunes, 1989. 2 Uma análise idêntica é necessária para outros grupos específicos, como, por exemplo, os trabalhadores familiares não pagos, os grupos etários extremos e os trabalhadores ocasionais, sazonais e a tempo parcial; é igualmente indispensável avaliar a evolução sectorial dos níveis de qualificação, 707

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Ana Bela Nunes* Análise Social, vol. XXVI (112-113), 1991 (3.°-4.°), 707-722

A evolução da estrutura, por sexos,da população activa em Portugal —um indicador do crescimentoeconómico (1890-1981)

INTRODUÇÃO

O objectivo deste trabalho é apresentar uma análise da estrutura, por sexose por sectores de actividade, da população activa portuguesa no período indi-cado, com um triplo objectivo.

Por um lado, pretendemos verificar em que medida essa análise confirmaou não as conclusões a que chegámos num estudo recente sobre a estruturaglobal, sectorial e regional da população activa, enquanto indicador dascaracterísticas do crescimento económico português1; esta verificação assentano facto de? ao longo de um dado período, as mudanças nas estruturas sec-toriais da população activa serem acompanhadas por alterações significati-vas na composição sexual e etária daquele indicador.

Por outro lado, esperamos contribuir para superar a limitação, que reco-nhecemos no trabalho acima referido, decorrente de termos tomado, na prá-tica, a população activa como equivalente ao factor produtivo «trabalho»,quando ela é apenas a fonte desse recurso essencial; os recursos humanosempregues na actividade económica são tempos de trabalho de diferentestipos e qualidades, e não quantitativos de trabalhadores. Assim, a avalia-ção do peso do trabalho feminino no total da população activa é um passonecessário para uma avaliação futura, mais correcta, dos recursos humanos,permitindo a sua conversão num equivalente a um certo tipo de trabalho,por exemplo, ao trabalho de um adulto masculino a tempo integral2. Exem-plificaremos este aspecto adiante, a propósito do cálculo da taxa de activi-dade.

Um terceiro objectivo deste estudo é o de esclarecer algumas dúvidas levan-tadas pela crítica das fontes.

* Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa.1 Veja-se Nunes, 1989.2 Uma análise idêntica é necessária para outros grupos específicos, como, por exemplo, os

trabalhadores familiares não pagos, os grupos etários extremos e os trabalhadores ocasionais,sazonais e a tempo parcial; é igualmente indispensável avaliar a evolução sectorial dos níveisde qualificação, 707

Ana Bela Nunes

A fonte utilizada são os recenseamentos gerais da população, única fonteque com bastante regularidade (intervalos de tempo, para o período em refe-rência, de cerca de 10 anos) vem apresentando dados relativos à distribui-ção da população residente (ou presente) por profissões ou sectores de acti-vidade. Sobre os problemas por eles levantados para as conclusões queapresentamos aqui (como os que advêm da heterogeneidade dos critérios uti-lizados no apuramento dos dados nos diferentes censos) remetemos para acrítica das fontes realizada no trabalho referenciado na nota 1, em particu-lar na secção B do capítulo 1, sem prejuízo de curtas referências ao longodeste texto.

1." PARTE

A EVOLUÇÃO DA ESTRUTURADA POPULAÇÃO ACTIVA E O MODERNO

CRESCIMENTO ECONÓMICO

Começamos por apresentar aqui um resumo das principais conclusões aque a análise da estrutura sectorial da população activa global conduziu rela-tivamente às indicações sobre o crescimento económico no período. O âmbitodessa análise é o conjunto do espaço nacional e, ao nível regional, os dezoitodistritos do continente e as duas regiões autónomas, para o período poste-rior a 1890. O anexo I (A e B) apresenta uma síntese dos principais resulta-dos que construímos de acordo com o tratamento das fontes e a metodologia3

apresentados no trabalho citado. Eles conduziram às considerações que seseguem.

ANÁLISE TEMPORAL

A evolução no conjunto do período considerado (1890 a 1981) caracteriza--se pela queda do peso do sector agrícola no total (61 % para 18 %) a favorde outros sectores, com destaque para os da indústria transformadora4 (18 %para 38%), do comércio (4% para 15 %) e da administração pública e defesa(2% para 7%). O ano de 1930 constitui um momento de perturbação nessa

3 Sobre o método de taxionomia numérica e a terminologia utilizados nas análises temporale regional que se seguem remetemos o leitor para Nunes, 1989. Para maior clareza na leiturada análise que se segue, em particular no que respeita aos aspectos regionais, adiantamos resu-midamente alguns aspectos. O método de taxionomia numérica que utilizamos foi adaptadoda cluster analysis e teve como objectivo detectar regiões homogéneas caracterizadas por agru-parem regiões elementares cuja estrutura sectorial da população activa fosse próxima. A proxi-midade das estruturas foi calculada com base no conceito de distância euclidiana.

4 A indústria transformadora inclui os sectores «construção civil e obras públicas» e «elec-708 tricidade, gás e água».

A evolução da estrutura da população activa

evolução5. O período é decomponível em fases de evolução mais ou menoslenta.

Uma primeira, até 1960, engloba duas subfases: uma que abrange os anosde 1890 a 1911, em que o sector agrícola pesa cerca de 3/5 do total, e outraque abrange os anos de 1930 a 1960, que apresenta uma estrutura média emque, apesar da quebra sensível do peso do sector agrícola para valores ligei-ramente inferiores a 1/2, o sector secundário6 viu aumentar pouco o seu peso(3 pontos percentuais), contrariamente ao sector terciário7 —com particularrelevo para os serviços diversos —, que passou a pesar 1/4 do total, contramenos de 1/6 no período anterior; o ano de 1940 constitui um momento detransição integrável em qualquer das subfases definidas.

Uma segunda, de 1960 a 1981, de evolução rápida, traduz uma descidaacentuada do sector agrícola, agora claramente a favor da indústria trans-formadora, e não dos serviços diversos. Para marcar este comportamento,acrescenta-se que as estruturas de 1890 e 1960 são mais semelhantes entresi do que as de 1960 e 1981. A evolução acelera-se significativamente nasegunda década do período, sendo as estruturas de 1960 e 1970 claramentemais semelhantes entre si do que as de 1970 e 1981.

Assim, em termos tanto de continuidade como de ritmo de evolução, aanálise da estrutura da população activa indica ser incorrecto falar demoderno crescimento económico8 em Portugal antes da década de 1950.

Com efeito, de 1890 para 1900, a maioria das regiões vêem o peso do sec-tor agrícola aumentar, apesar de ligeiramente e sem repercussão na estru-tura global do País. Por outro lado, se entre 1911 e 1930 se nota uma quedanítida do sector agrícola, a contrapartida faz-se sentir na subida do sectorterciário, em particular nos serviços diversos, e não no sector transforma-dor, que diminui em todas as regiões—aspecto que não revela moderniza-ção. Para mais, de 1930 para 1940 volta a aumentar o peso do sector agrí-cola ainda de forma mais generalizada —excepto no Porto e em Setúbal—,repercutindo-se agora no conjunto do País.

Assim, como referimos acima, só entre 1960 e 1981 o ritmo de transfor-mação da estrutura em análise se acelera e o seu sentido é inequívoco.

Tal como observámos na nota 5, o comportamento do indicador em estudonão será seguramente apenas justificado por alterações dos critérios no apu-ramento dos dados.

5 A causa de tal facto residirá fundamentalmente na alteração de critérios por parte da enti-dade recenseadora (pela primeira vez, em 1930 tenta-se fazer uma classificação por sectores,contrariamente à classificação por profissões, utilizada nos censos anteriores) e também em poten-ciais efeitos dos condicionamentos conjunturais internacionais e associados a outros estrutu-rais internos (veja-se Baganha, 1988 e Rosas, 1986).

6 O sector secundário inclui as indústrias extractivas e transformadoras e ainda o sector dostransportes e comunicações.

7 O sector terciário inclui o «comércio», a «administração pública e defesa» e os «serviçosdiversos».

8 Veja-se Kuznets, 1987.

Ana Bela Nunes

ANALISE REGIONAL

Algumas breves considerações sobre a análise regional confirmam o queacabámos de concluir.

A evolução do índice de assimetria regional —média das distâncias dasestruturas das vinte regiões elementares à estrutura do País — revela umaumento das assimetrias, lento até 1930-40, rápido até 1970, e uma atenua-ção dessas assimetrias na última década do período9. A principal razão destecomportamento tem a ver com o comportamento mais ou menos dinâmico,no sentido da modernização mais ou menos rápida, das regiões que compõemos grupos de regiões de estrutura próxima (que designamos no anexo I-B por«regiões homogéneas») relativamente ao conjunto do País. Sintoma distoé o esvaziamento do grupo médio a favor do de transição entre o médio eo agrícola (que entre 1950 e 1960 engloba a maioria das regiões) e, entre 1960e 1970, o esvaziamento do último a favor do grupo constituído pelas regiõesde maior peso do sector agrícola.

De notar ainda que só a partir de 1940 se forma um grupo constituídopor regiões com uma estrutura claramente industrial e moderna. Até aí, elasnão revelavam ainda uma semelhança das suas estruturas. São elas Lisboa,Porto — histórica e tradicionalmente, os únicos pólos de actividade econó-mica não agrícola em Portugal10 — e Setúbal, que até àquela data revela umaestrutura bastante próxima da de Aveiro e Faro, facto que se deve a ter umpeso do sector primário11 idêntico ao daquelas regiões (apesar do peso redu-zido do sector agrícola, a pesca ocupa cerca de 11 % da população activatotal).

A título complementar, apresentamos ainda no anexo I-A duas decompo-sições do quadro n.° 1, que analisámos atrás. O quadro n.° 2 é uma decom-posição da indústria transformadora e o quadro n.° 3 uma sectorializaçãoda indústria transformadora em sentido estrito, cujo total aparece no qua-dro anterior. A sua construção é apenas possível para o período posteriora 1930 por ausência de dados sobre a desagregação deste sector nos censosde 1890, 1900 e 1911.

Não pretendendo analisar aqui os dois quadros agora referidos, apenaschamaremos a atenção para a confirmação da década de 1950 como o iní-cio da época de moderno crescimento económico em Portugal.

9 O moderno crescimento económico caracteriza-se por nas fases iniciais do seu processotender a acentuar as assimetrias (regionais, internacionais, na distribuição do rendimento, etc),mas a prazo tender, inversamente, a atenuá-las, graças ao alastramento dos efeitos económicosfavoráveis da industrialização e modernização. Mesmo que neste caso concreto se associe estaatenuação aos efeitos das transformações políticas da segunda metade da década de 1970, éde lembrar que o moderno crescimento económico é uma época económica e, como tal, é umprocesso não apenas ligado às transformações económicas, mas também às políticas e culturais.

10 Veja-se Justino, 1988.710 n O sector primário inclui os sectores da «agricultura» e da «pesca».

A evolução da estrutura da população activa

Verifica-se, posteriormente àquela data, a perda de peso do conjunto daindústria transformadora em sentido estrito a favor dos sectores da cons-trução civil e obras públicas e da electricidade, gás e água, facto que estáassociado ao crescimento urbano e dos transportes e comunicações, à cons-trução de infra-estruturas energéticas ligadas aos aspectos tecnológicos doque alguns autores designam por segunda revolução industrial e ainda aosurto de actividades terciárias modernas, como, por exemplo, as ligadas aoturismo.

Igualmente se observa a perda de peso dos sectores da indústria transfor-madora, à partida ainda compatíveis com unidades produtivas de tipo edimensão mais tradicionais (ligadas à tecnologia da primeira revolução indus-trial, pouco exigente na concentração dos factores produtivos e na qualifi-cação da mão-de-obra — comummente associadas hoje em dia, com poucorigor, a termos como «indústria ligeira», «indústria de bens de consumo»ou «indústria de mão-de-obra intensiva»), a favor das indústrias mais moder-nas, como a química, a metalurgia e afins ou a do papel e tipografia.

2.a PARTE

A EVOLUÇÃO DA ESTRUTURAPOR SEXOS DA POPULAÇÃO ACTIVA PORTUGUESA

As nossas expectativas relativamente à capacidade esclarecedora de umaanálise da evolução por sexos da população activa foram amplamente con-firmadas para o caso português.

No anexo n incluímos os dados em que assentámos este estudo e a pro-pósito dos quais passamos a sistematizar algumas considerações a respeitodo que revelam sobre o início do processo de industrialização e moderniza-ção da economia portuguesa e sobre a taxa de actividade económica.

1. A PROPÓSITO DO INÍCIO DA ÉPOCA DO MODERNO CRESCI-MENTO ECONÓMICO

A evolução da estrutura por sexos da população activa e das taxas de acti-vidade masculina e feminina fora do sector agrícola é elucidativa e confirmaa década de 1950 como a de arranque de um crescimento de tipo novo.

É sobretudo de 1950 para 1960 que o crescimento do número de activosmasculinos no total da população empregue no sector das indústrias trans-formadoras foi mais significativo e que a diferença para os activos femini-nos no mesmo sector foi maior— este salto acelerou-se ainda mais na décadaseguinte, mas nesta já o crescimento da mão-de-obra feminina foi igualmenteforte. 711

Ana Bela Nunes

É na década de 1960 que o peso dos trabalhadores femininos no sectordos serviços diversos deixa de ser superior a metade, o que aponta para umamodernização daquele sector relativamente ao período anterior, em que nasua estrutura interna pesariam os serviços domésticos (e onde nos temposmais recuados se incluem rubricas como a dos «criados e criadas», que, emparte, forneceriam na prática trabalho agrícola — aspecto sociológico dasestruturas económicas).

A análise da evolução da taxa de actividade complementará ainda os argu-mentos que aqui avançámos.

2. A PROPÓSITO DA TAXA DE ACTIVIDADE12

As elevadas taxas de actividade (população activa total/população resi-dente —ou presente— total) verificadas no início do período em análise(superiores a 42 % e atingindo mesmo o valor de 49,5 % em 1890) estão liga-das à elevada percentagem de trabalhadores femininos no total da popula-ção activa empregue no sector agrícola. Duas observações sobre este factose afiguram pertinentes:

a) Ele aponta para a confirmação das nossas suspeitas, anunciadas no tra-balho cujas conclusões reproduzimos na l.a parte desta comunicação,de que nos censos iniciais está contabilizada como população activa umaparte significativa não só de trabalho familiar não pago, mas ainda dasmulheres casadas domésticas, grupos que na altura pesavam sobretudono sector agrícola;

b) Ele pode em parte ser justificado pelo grande peso que a unidade fami-liar, enquanto núcleo de actividade económica, terá tido em Portugalaté relativamente tarde, revelando uma estrutura social em que a sepa-ração entre a esfera do económico e a do familiar ainda não está muitomarcada. Não será um mero acaso o facto de o número de trabalhado-res femininos per capita nas actividades não agrícolas, em geral, ten-der a diminuir até 1960 (8,6 % para 5,6%, cerca de 35 % em percenta-gem), com particular relevo para a indústria transformadora; no início,a taxa de actividade feminina neste sector varia entre 52% e 40% damasculina, para entre 1940 e 1960 aqueles valores passarem a ser infe-riores a 30%.

Fazemos notar que, tal como Kuznets provou a partir da análise de umnúmero alargado de economias nacionais13, também em Portugal se veri-fica uma relativa estabilidade da taxa de actividade masculina, entre 26 %

12 O facto de termos desprezado as rubricas «actividades mal definidas» e afins, em algunsanos (até 1940 e em 1970), dado o seu peso excessivo (superior a 1 %), e por isso potencial-mente capaz de afectar as estruturas, pode tornar quantitativamente imprecisa esta análise, masnão infirmará as conclusões aqui apresentadas.

712 n Veja-se Kuznets, 1971.

A evolução da estrutura da população activa

e 31 %, comparativamente à revelada pelo comportamento da mão-de-obrafeminina. A tendência de evolução daquele indicador, no caso português,foi no sentido da quebra, a que não deve ser estranho o facto de Portugalser um país de forte emigração. As razões para a inversão da tendência veri-ficada entre 1930 e 1960 terá a ver com factores demográficos, em particu-lar: a) quebra da taxa de natalidade entre 1930 e 1940; b) prolongamentoda duração média de vida (sobretudo entre 1940 e 1950), não compensadaainda pela chegada mais tardia ao mercado de trabalho nem pela diminui-ção da idade de reforma14.

No caso da mão-de-obra feminina, as alterações das estruturas demográ-ficas (a par eventualmente de outros factores, como a guerra colonial) terãocomeçado a ter grande influência (em particular na queda da taxa de natali-dade) para explicar o aumento do peso das mulheres activas per capita, após1960, para níveis semelhantes aos do início do século; mas agora este fenó-meno faz-se sentir sobretudo fora do sector agrícola, em particular nos sec-tores da «indústria transformadora», «comércio» e «administração públicae defesa».

A análise da evolução da taxa de actividade global ponderada (anexo IIB)parece confirmar ainda a tese de que os efeitos agregados do crescimentoeconómico são mais o resultado da melhoria qualitativa nos factores pro-dutivos e nos meios técnicos e organizativos que os enquadram do que dasua expansão quantitativa.

Se se desprezarem os dois primeiros valores (eventualmente ainda exage-rados, apesar da ponderação utilizada para a população feminina), a ten-dência relativamente à oferta de trabalho per capita não se apresenta muitodefinida e a sua expansão quantitativa (sem levar em conta factores quetenham melhorado a sua eficiência) não pode ter contribuído muito para ocrescimento do produto per capita, também no caso português15. Se a taxade actividade subiu significativamente de 1940-50 para 1960 (a década de 1950foi de arranque do moderno crescimento económico e de lenta evolução dosníveis e estruturas demográficas), ela volta a descer, não menos nitidamente,na década de 1960. Assim, a década de consolidação da nova época econó-mica ainda terá dependido menos da quantidade «bruta» deste factor pro-dutivo. O ligeiro aumento verificado nos anos de 1970 terá a ver com os efei-tos da evolução demográfica (diminuição da taxa de natalidade e retornode residentes nas ex-colónias africanas) e o consequente aumento do empregofeminino.

A análise por sexos da estrutura da população activa permite ainda escla-recer um pouco mais a anormalidade dos valores do Recenseamento Geralda População de 1930. Recordemos que naquele ano se detecta um peso«anormalmente» baixo do sector agrícola, um peso «exageradamente» alto

14 Veja-se Nazareth, 1985.15 Veja-se Nunes, Mata e Valério, 1989. 713

Ana Bela Nunes

do sector dos serviços diversos e uma quebra da indústria transformadora,ainda mais ou menos estranha perante a evolução esperada.

Na sua dissertação de doutoramento, Maria Ioannis Baganha defende queo aumento da população activa empregue nos serviços teria sido uma con-sequência de dificuldades conjunturais do sector industrial. Elas teriam afec-tado sobretudo o emprego feminino e levado a uma deslocação significativade população activa feminina da produção industrial para os serviços domés-ticos. Ora verifica-se que a queda da população activa no sector da indús-tria transformadora é relativamente proporcional nos dois sexos, facto quenão acontece relativamente aos sectores agrícola e de serviços, em que as res-pectivas quebra e expansão se dão exclusivamente na população activa femi-nina. Sem pôr totalmente em causa a teoria defendida pela autora, para oque seria necessário analisar outros indicadores16, parece claro que a altera-ção de critérios no apuramento do censo de 1911 para o de 1930, nomeada-mente a passagem de uma classificação por profissões para uma classifica-ção sectorial, se repercutiu fortemente no tratamento da população activafeminina, facto também reconhecido pela autora em referência.

CONCLUSÃO

A consideração simultânea da evolução da estrutura por sexos da popu-lação activa portuguesa e da taxa de actividade contribuiu para uma melhoraferição dos recursos humanos disponíveis e revela aspectos organizativose institucionais da economia que confirmam as características e o ritmo docrescimento económico português ao longo do século xx17, e nomeadamenteque Portugal só entra na época do moderno crescimento económico a par-tir da década de 1950. Por outro lado, o forte crescimento económico con-seguido a partir daquela data não terá sido devido fundamentalmente a umaumento quantitativo do factor trabalho, mas a melhorias qualitativas nosfactores produtivos em geral e nos meios técnicos, organizativos e institu-cionais, cujos contributos para o crescimento há que aferir.

BIBLIOGRAFIA

BAGANHA, M. I. Bennis, International Labor Movements: Portuguese Emigration to the UnitedStates 1820-1930, dissertação de doutoramento apresentada na Universidade da Pensilvânia,1988.

JUSTINO, David, A Formação do Espaço Económico Nacional: Portugal, 1810-1910y Lisboa,Vega, 2 vols., 1988.

16 Veja-se Rosas, 1986, e Valério, 1982.714 17 Veja-se ainda Nunes, Mata e Valério, 1989.

A evolução da estrutura da população activa

KUZNETS, Simon, Economic Growth of Nations. Total Output and Production Structure, NewHaven, Belknap Press of Harvard, 1971.

KUZNETS, Simon, Modern Economic Growth. Rate, Structure and Spread, New Haven, YaleUniversity Press, 1987.

NAZARETH, J. Manuel, «A demografia portuguesa do século xx: principais linhas de evoluçãoe transformação», in Análise Social, Lisboa, vol. xxi, n.os 87-88-89, 1985.

NUNES, Ana Bela, População Activa e Actividade Económica em Portugal dos Finais doSéculo XIX à Actualidade. Uma Contribuição para o Crescimento Económico Português,dissertação de doutoramento apresentada no Instituto Superior de Economia, da Universi-dade Técnica de Lisboa, 1989.

NUNES, Ana Bela, Eugénia Mata e Nuno Valério, «Portuguese economic growth 1833-1985»,in The Journal of European Economic History, Roma, vol. 18, n.° 2, 1989.

ROSAS, Fernando, O Estado Novo nos Anos Trinta: Elementos para o Estudo da NaturezaEconómica e Social do Salazarismo (1928-1938), Lisboa, Estampa, 1986.

VALÉRIO, Nuno, As Finanças Públicas Portuguesas entre as Duas Guerras Mundiais, disser-tação de doutoramento apresentada no Instituto Superior de Economia, da Universidade Téc-nica de Lisboa, 1982.

715

{QUADRO N.° 1]

ANEXO IA

Distribuição sectorial da população activa e índice de assimetria regional em Portugal nos anos e à data dos recenseamentos

Principais sectores I

TotalAgricultura

ValorPeso

PescaValorPeso

Indústria extractivaValorPeso

Indústria transformadoraValorPeso

Transportes e comunicaçõesValorPeso

ComércioValorPeso

Administração pública e defesaValorPeso

Serviços diversosValorPeso

índice de assimetria regional . .

1890

: 530,5

536,461

26,61

4,5+ 0

447,618

52,52

103,34

58,02

301,712

13

1900

2 457,3

1 507,661

21,51

4,3+ 0

456,319

66,43

141,86

52,12

208,38

13

1911

2 545,0

1 442,457

19,41

9,2+ 0

547,822

76,83

154,36

54,32

240,79

14

1930

2 516,7

1 237,049

39,42

11,0+ 0

467,819

71,93

145,46

88,23

456,018

15

1940

2 775,2

1 423.751

36,91

19,31

566,120

83,93

190,17

100,94

354,313

18

1950

3 196,5

1 523,148

46,01

25,11

757,424

107,33

255,38

114,84

367,411

20

1960

3 315,6

1 398,342

46,81

26,21

932,528

122,24

308,69

119,24

362,011

23

1970

3 060,9

965,932

36,91

12,2+ 0

1009,233

147,35

377,212

156,65

356,612

25

3 848,7

705,318

32,61

18,01

1 480,438

191,75

581,615

253,07

586,215

21

A evolução da estrutura da população activa

[QUADRO N.° 2]Indústria transformadora

TotalIndústria transformadora em

sentido estrito:ValorPeso

Construção civil e obras públi-cas:

ValorPeso

Electricidade, gás e água:ValorPeso

índice de assimetria regional .

Anos

1930 1940 1950 1960 1970 1981

467,8

337,072

124,927

5,81

566,1

433,377

127,122

5,71

757,4

592,878

154,721

9,91

932,5

690,974

227,224

14,42

11

1 009,2

736,873

256,125

16,32

14

1 480,4

1 008,668

442,330

29,42

24

[QUADRO N.° 3]Indústria transformadora em sentido estrito

TotalAlimentares, bebidas e tabacos:

ValorPeso

Têxteis, vestuário e calçado:ValorPeso

Madeira, cortiça e mobiliário:ValorPeso

Papel e tipografia:ValorPeso

Minerais não metálicos:ValorPeso

Química:ValorPeso

Metalurgia, máquinas, materialeléctrico e de transporte:

ValorPeso

Indústrias diversas:ValorPeso

índice de assimetria regional

1930

337,0

36,911

162,948

40,112

9,33

8,12

2,91

53,216

23,67

13

433,3

65,915

199,146

58,914

12,83

16,04

8,92

57,113

14,73

16

592,8

77,313

240,441

92,416

18,13

25,94

10,52

84,014

44,27

18

1960

690,9

72,810

254,437

100,915

26,94

39,46

30,84

144,221

21,53

18

1970

736,8

60,8

264,136

107,815

31,34

48,37

39,85

158,721

26,14

23

1981

1 008,6

106,010

312,031

117,012

49,55

65,46

75,57

246,224

36,94

28

Nota: Unidades — valor em milhares de indivíduos; peso em percentagens.

Fonte: Nunes, 1989.

0 Tacto de os totais não corresponderem, eventualmente, ao somatório das parcelas deve-se a erros de arredondamento. 717

oS

ANEXO I-B

RA

RT (M-A)

RM

RT (M-I)

1890

BragançaViana do CasteloVila RealViseu

AveiroBejaBragaCastelo BrancoCoimbraÉvoraFaroGuardaLeiriaPortalegreSantarémMadeira

1900

BragançaViana do CasteloVila RealViseu

BejaGuardaLeiria

AveiroBragaCastelo BrancoCoimbraÉvoraFaroPortalegreSantarémAçoresMadeira

1911

BragançaViana do CasteloVila RealViseu

BejaGuardaLeiriaSantarém

AveiroBragaCastelo BrancoCoimbraÉvoraFaroPortalegreAçoresMadeira

1930

BejaBragançaÉvoraPortalegreViana do CasteloVila RealViseuGuardaLeiriaSantarémAçores

AveiroBragaCastelo BrancoCoimbraFaroMadeira

1940

BejaBragançaGuardaViana do CasteloVila RealViseuAçoresCastelo BrancoCoimbraÉvoraLeiriaPortalegreSantarém

FaroMadeira

1950

BejaBragançaVila Real

Castelo BrancoCoimbraÉvoraGuardaLeiriaPortalegreSantarémViana do CasteloViseuAçoresFaroMadeira

1960

BejaBragançaVila RealViseu

Castelo BrancoÉvoraGuardaPortalegreViana do CasteloAçores

CoimbraFaroLeiriaSantarémMadeira

1970

BejaBragançaGuardaPortalegreViana do CasteloVila RealViseuÉvora

Castelo BrancoCoimbraFaroLeiriaSantarémAçoresMadeira

1981

BejaBragançaGuardaPortalegreViana do CasteloVila RealViseuÉvora

Castelo BrancoCoimbraFaroSantarémAçoresMadeira

Leiria

ANEXO I-B (continuação)

RI

GR

RS

1890

LisboaPortoSetúbalAçores

1900

LisboaPortoSetúbal

1911

LisboaPortoSetúbal

1930

LisboaPortoSetúbal

1940

AveiroBragaSetúbal

LisboaPorto

1950

AveiroBragaSetúbal

LisboaPorto

1960

AveiroBragaSetúbal

LisboaPorto

1970

AveiroBragaPortoSetúbalLisboa

1981

AveiroBragaPortoSetúbalLisboa

Nota — RA, região agrícola; RT (M-A), região de transição entre a região média e a região agrícola; RM, região média; RT (M-I), região de transição entre a região média e a região industrial; RI,região industrial; GR, grupo não homogéneo (residual); RS, região de serviços. l

$

I1IIi'

ANEXO II-A

Distribuição sectorial e por sexos da população activa (nos anos e à data dos recenseamentos)

Principais sectores[QUADRO N.° 4]

TotalM: valor

pesoF: valor

peso

AgriculturaM: valor

pesoF: valor

peso

PescaM: valor

pesoF: valor

peso

Indústria extractivaM: valor

pesoF: valor

peso

Indústria transformadoraM: valor

pesoF: valor

peso

21

11

1890

530,5609,364

921,236

536,4054,469

482,031

26,621,9834,6

17

4,54,3

960,24

447,6289,965

157,735

21

11

1900

457,3726,3

70731,0

30

507,6127,375

380,325

21,519,792

1,88

4,34,0

930,37

455,3320,0

70135,330

21

11

1911

545,0848,1

73696,8

27

442,4107,977

334,423

19,419,0980,42

9,28,9

960,44

547,8392,672

155,228

21

11

1930

516,7823,872

692,928

237,0072,7

87164,313

39,438,297

1,23

11,010,6960,44

467,8367,379

100,521

22

11

1940

775,2143,077

632,223

423,7202,8

84220,9

16

36,936,1980,82

19,318,194

1,26

566,1433,0

76133,124

32

11

1950

196,5471,8

77724,623

523,1284,5

84238,6

16

46,045,198

0,92

25,123,493

1,67

757,4585,3

77172,123

32

11

1960

315,6713,0

82602,6 .

18

398,3292,6

92105,6

8

46,845,9980,82

26,225,4970,83

932,5757,6

81174,9

19

1970

3 060,92 263,1

74797,826

965,9788,3

82177,718

36,935,897

1,13

12,211,8960,44

1 009,2744,9

74264,2

26

32

1

11

1981

848,7544,466

304,434

705,3445,8

63259,5

37

32,631,697

1,03

18,017,2950,85

480,4108,175

372,225

ANEXO II-A (continuação)

Transportes e comunicações.M: valor

pesoF: valor

peso

ComércioM: valor

pesoF: valor

peso

Administração pública e defesa .M: valor

pesoF: valor

peso

Serviços diversosM: valor

pesoF: valor

peso

1890

52,550,3%2,24

103,372,27031,130

58,057,9

1000,1

+ 0

301,758,519

243,281

1900

66,462,0934,47

141,896,06845,832

52,151,9

1000,2

+ 0208,345,422

162,978

76,873,496

3,44

154,3124,68129,719

54,353,9990,51

240,767,928

172,972

1930

71,968,195

3,85

145,4125,78619,614

88,285,8972,43

456,055,512

400,588

1940

83,975,991

8,09

190,1159,28431,016

100,997,697

3,33

354,3120,334

234,166

107,399,793

7,67

255,3216,6

8538,715

114,8105,992

8,98

367,4111,330

256,170

1960

122,2111,49110,79

308,6260,9

8547,715

119,2108,19111,19

362,0111,031

251,069

1970

147,3129,68817,712

377,2282,7

7594,525

155,6122,47933,121

356,6147,641

209,059

1981

191,7161,78430,016

581,6382,866

198,834

253,0171,16881,932

586,2226,239

360,161

i!

12

!

Ia

Nota — Unidades: valor em milhares de indivíduos; peso em percentagens. O facto de os totais não corresponderem, eventualmente, ao somatório das parcelas deve-se a erros de arredondamento.

Ana Bela Nunes

ANEXO II-B

População residente e taxa de actividade global

População residente(nos anos e à data dos recenseamentos)

IQUADRO N.° 5}

Anos

18901900191119301940 . . . .1950196019701981

Total

5 102,95 446,85 999,16 802,47 755,48 510,28 889,48 648,49 833,0

Nota — Valores em milhares de indivíduos.

Taxa de actividade (nos anos e à data dos recenseamentos)

[QUADRO N.° 6]

Anos

189019001911193019401950196019701981

Taxa de actividade não ponderada

49,545,142,437,035,837,637,335,439,1

Taxa de actividade ponderada

38,536,934,832,031,333,034,131,432,8

Nota — As ponderações são as utilizadas por S. Kuznets em Kuznets, 1971, p. 57:

População activa agrícola = população activa masculina+0,2 população activa agrí-cola feminina;

População activa não agrícola = população activa não agrícola masculina + 0,6 popu-lação activa não agrícola feminina.

É possível que a ponderação do sector agrícola seja demasiado exigente para os momentos maisrecentes, mas em 1960 ela parece ter sido ainda válida para diversos países (como a França, a Holanda,o Canadá e o Japão), em que o trabalho feminino não pago representa 70 % a 80 % do total dapopulação activa feminina; quando este peso é pequeno, qualquer ponderação é irrelevante.

722