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A DINÂMICA DOS DESENHOS ANIMADOS E AS RELAÇÕES DE

GÊNERO: uma leitura crítica nas aulas de Língua Inglesa

Solange Marinho Salles1

Joana d’Arc Martins Pupo2

Resumo: Este artigo, requisito do Programa de Desenvolvimento Educacional do Governo do Estado do Paraná, PDE/2012, apresenta o relato de uma experiência de Intervenção Pedagógica realizada no primeiro bimestre do ano letivo de 2013, em uma turma de 1ª. Série do Ensino Médio, do Instituto de Educação Estadual Professor Cesar Prieto Martinez, pertencente ao Núcleo Regional de Ponta Grossa na disciplina de Língua Estrangeira Moderna-Inglês. Nessa ação foi desenvolvida a Sequência Didática intitulada “A dinâmica dos desenhos animados e as relações de gênero”, pautada nas ideias de Bakhtin, Bronckart, Dolz, Noverraz e Schneuwly e nas concepções das Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná, abordando o tema ‘identidades e relações de gênero’ a partir da leitura crítica de películas de desenhos animados, em língua inglesa, articulando-a aos conteúdos sistematizados da disciplina. Os desenhos animados costumam evidenciar fatos do dia-a-dia dos ambientes sociais e das relações interpessoais. A comunicação na vida cotidiana é extremamente rica e importante; nela, estão implícitas as diversas ideologias formalizadas pela sociedade. A ideologia androcêntrica está por trás dos modelos inconscientes de conduta de meninos e meninas, ao transmitir sistemas de pensamento e atitudes sexistas que marginalizam determinados segmentos da sociedade. Isso está materializado nos discursos sociais e é reproduzido pelas mídias, inclusive ao transmitirem os desenhos animados que tanto encantam as pessoas. Procurou-se propor reflexões sobre as questões de gênero, visando o enfrentamento das práticas preconceituosas e discriminatórias dentro e fora da escola. Constatou-se a importância de oportunizar reflexões sobre os temas relacionados às diversidades. Palavras-chave: Identidades e relações de gênero. Ensino de língua inglesa. Pedagogia crítica.

1 Introdução

Este artigo, parte integrante das atividades propostas no Programa de

Desenvolvimento Educacional – PDE/2012, que é uma política pública do Estado do

Paraná, regulamentado pela Lei complementar nº 130, de 14 de julho de 2010, é

resultado de uma experiência de Intervenção Pedagógica, na disciplina de Língua

Inglesa. Todo o trabalho de elaboração do Projeto inicial e do Material Didático

buscou contemplar as teorias educacionais vigentes no Estado do Paraná.

1 Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE/2012, graduada em Letras pela UEPG com licenciatura em Língua Inglesa, Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas, especialista em Língua Portuguesa e em Gerontologia, docente de Língua Inglesa e de Língua Portuguesa no Instituto de Educação Estadual Professor Cesar Prieto Martinez, em Ponta Grossa/PR. E-mail: [email protected]

2 Professora Orientadora, Mestra em Língua Inglesa e Doutoranda em Sociologia pela UFPR, vinculada à IES – Universidade Estadual de Ponta Grossa/Setor Letras. E-mail: [email protected]

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Um dos pilares que orienta o trabalho na escola pública do Estado do Paraná,

no que toca as ações de educação direcionadas aos jovens, é o “aprender a

conviver”. Atualmente, este é um aprendizado bastante relevante, pois se valoriza

quem mantém um relacionamento respeitoso com os outros, quem sabe administrar

os conflitos e quem participa de projetos comuns.

Pensar num princípio de educação ou numa prática educativa de dimensões

humanizadoras remete à questão da diversidade que está presente na sociedade e,

portanto, também na escola.

Questões de gênero, orientação sexual, diversidade familiar, classe, religião

ou raça/etnia têm refletido no ambiente escolar as mesmas práticas preconceituosas

e discriminatórias presentes na sociedade. Comentários por parte dos/as alunos/as

e até mesmo dos/as professores/as sobre as diferenças relacionadas a toda essa

diversidade, na maioria das vezes, acontecem de maneira ofensiva e depreciativa.

Às vezes, algumas diferenças são consideradas como defeitos em relação a um

padrão dominante considerado “normal”. A esse respeito, Guacira Lopes Louro

(2010, p.12-13) afirma:

Em nossa sociedade a norma que se estabelece, historicamente, remete ao homem branco, heterossexual, de classe média urbana e cristão, e essa passa a ser a referência que não precisa mais ser nomeada. Serão os “outros” sujeitos sociais que se tornarão “marcados”, que se definirão e serão denominados a partir dessa referência. Desta forma, a mulher é representada como o “segundo sexo”, e gays e lésbicas são descritos como

desviantes da norma heterossexual.

A escola abriga diversidades. No espaço escolar, em todos os momentos da

ação curricular, as diferenças precisam ser reconhecidas e trabalhadas,

compreendidas e respeitadas, visando ao enfrentamento das práticas

discriminatórias, do preconceito, da injustiça e da exclusão.

Conforme as Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua

Estrangeira Moderna (DCE:LEM) (2008, p.26), as disciplinas pertinentes a esse nível

de educação terão, em seus conteúdos estruturantes, os campos de estudo que as

identificam como conhecimento histórico. Esses conteúdos englobam os assuntos

mais estáveis e permanentes de cada disciplina e os que se apresentam em função

do momento histórico e das atuais relações sociais. As Diretrizes propõem a

articulação entre esses conteúdos numa abordagem contextualizada.

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Assim, tratar das questões relacionadas à diversidade é, também, papel da

escola. Mas muitos/as professores/as demonstram resistência principalmente

quando essas questões estão relacionadas às identidades de gênero.

É interessante comentar que a palavra “gênero”, no sentido usado neste

artigo, deriva dos movimentos sociais de mulheres, feministas, gays e lésbicas.

“Tem uma trajetória que acompanha a luta por direitos civis, direitos humanos,

enfim, igualdade e respeito” (PEDRO, 2005, p.78).

A ideia de masculino e feminino é uma construção social que leva à

formulação do conceito de gênero que tem, assim, uma base relacional e de poder.

Para Scott (1995, p.86), “gênero é um elemento constitutivo de relações sociais

baseadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos”; é, também, “uma forma

primária de dar significado às relações de poder”.

Vivemos numa sociedade cujo padrão cultural androcêntrico reforça, de

diferentes maneiras, através de preconceitos e estereótipos, as desigualdades e a

hierarquia de gênero. Por isso, é imprescindível que a comunidade escolar

compreenda que o gênero é socialmente construído, conforme circunstâncias

históricas e culturais específicas, e perceba que a escola pode

desnaturalizar/desconstruir os estereótipos e os preconceitos e não deve contribuir

para reforçá-los.

Nesse contexto, a intervenção teve como objetivo principal colaborar com a

desnaturalização do androcentrismo, ideologia que compromete muito as relações

interpessoais na sociedade. Propôs-se, para isso, desenvolver uma Sequência

Didática (SD) a partir da leitura crítica de cenas de desenhos animados, em língua

inglesa, intermediando reflexões e discussões em torno do tema ‘Identidades e

relações de gênero’, e, ainda, trabalhar, de forma sistemática, a organização do

gênero textual ‘roteiro’ e os conteúdos linguísticos que fazem parte do programa da

disciplina de LI da 1ª série do Ensino Médio.

O presente artigo visa socializar o processo de implementação desta SD,

intitulada “A dinâmica dos desenhos animados e as relações de gênero”. Apresenta,

primeiramente, uma reflexão teórica sobre a função social da escola, sobre o ensino

da língua inglesa, seus objetivos, alguns conceitos relevantes e sobre a importância

da pedagogia crítica. Na sequência, relata como se deu a implementação e a

metodologia empregada no processo, somadas a alguns comentários considerados

relevantes, inclusive aqueles feitos por professores/as que analisaram todo o

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material, por ocasião do Grupo de Trabalho em Rede – GTR, que é parte do PDE.

Por fim, apresenta os resultados obtidos e algumas discussões pertinentes.

2 Fundamentação teórica

O ensino da Língua Estrangeira na escola não tem como objetivo apenas as

questões linguísticas, deve também “contribuir para formar alunos críticos e

transformadores” (PARANÁ, 2008, p.56). A língua, objeto de estudo dessa disciplina,

contempla as relações com a cultura, o sujeito e a identidade. O

ensino/aprendizagem de línguas é também o ensino/aprendizagem de leitura de

mundo, “é formar subjetividades, é permitir que se reconheça, no uso da língua, os

diferentes propósitos comunicativos” (Idem, p.55). Nesse sentido, tratar de temas

relevantes, a partir de uma visão crítica, articulando-os aos conteúdos

sistematizados da disciplina torna a ação pedagógica mais significativa e atende aos

propósitos atuais da educação.

As DCEs:LEM (PARANÁ, 2008, p.52) preconizam que a escola tem o papel

de informar, mostrar, desnudar, ensinar regras, não apenas para que sejam

seguidas, mas principalmente para que possam ser modificadas.

Atualmente, tem-se dado ênfase às pedagogias críticas, que, conforme Henry

A. Giroux (1997, p.25), surgiram “como resposta crítica à ideologia da prática

educacional tradicional”, buscando, inclusive, desvelar como a dominação e a

opressão são produzidas dentro dos diversos mecanismos de escolarização.

O teórico vê a escola como um local instrucional, mas também político e

cultural; um local que, embora basicamente reproduza a sociedade dominante,

também contém a possibilidade de educar os estudantes para torná-los cidadãos

ativos, críticos e transformadores. Sugere, então, uma pedagogia crítica que possa

ajudar os/as estudantes, particularmente os das classes oprimidas, a reconhecerem

que a cultura escolar dominante não é neutra e, em geral, não está a serviço de

suas necessidades.

Giroux (1997, p.28) acredita que, para que uma pedagogia crítica se realize, é

preciso encarar as escolas como esferas públicas democráticas, como locais

dedicados a fortalecer o self e o social. “As escolas como esferas públicas

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democráticas são construídas”, segundo ele, “em torno de formas de investigação

crítica que dignificam o diálogo significativo e a atividade humana”.

Giroux (1997, p.29) postula que é necessário combinar reflexão e ação,

visando fortalecer os estudantes com as habilidades e conhecimentos necessários

para tratarem das injustiças e atuarem criticamente, comprometidos com o

desenvolvimento de um mundo livre da opressão e exploração, podendo, desta

forma, interpretá-lo criticamente e mudá-lo quando necessário.

As ideias acima estiveram entre as que subsidiaram a elaboração das DCEs-

LEM, no intuito de resgatar a função social e educacional do ensino de Língua

Estrangeira (LE), bem como, o respeito à diversidade cultural, identitária e linguística

(PARANÁ, 2008, p.52). As DCEs têm orientado para um ensino que contribua para

reduzir as desigualdades sociais e desvelar as relações de poder que as produzem

e reforçam. É por esse viés que se pretendeu tratar a questão das relações de

gênero nas aulas de LI.

A desigualdade de gênero está intimamente ligada ao androcentrismo, que há

muito tempo impera em nossa sociedade. Esse padrão cultural, conforme Moreno

(1999, p.36), passa despercebido “pela simples razão de que temos sempre visto

dessa maneira” e, assim, parece natural. Porém, ele está presente, através da

linguagem, de forma implícita, às vezes até explícita, nos livros, na mídia, nos

pequenos gestos ou atitudes cotidianas, na forma como se educa e se ensina,

reforçando de diferentes maneiras as desigualdades e a hierarquia de gênero, seus

preconceitos e estereótipos.

Ao se falar em gênero, subentendem-se as diversas e dinâmicas

feminilidades e masculinidades. O gênero remete a

construções sociais, históricas, culturais e políticas que dizem respeito a disputas simbólicas que envolvem processos e configuração de identidades, definição de papéis e funções sociais, construções e desconstruções de representações e imagens, diferentes distribuições de recursos e de poder e estabelecimento e alteração de hierarquias entre os que são socialmente definidos como homens e mulheres e o que é – e o que não é – considerado de homem ou de mulher, nas diferentes sociedades e ao longo do tempo. (DIREITOS HUMANOS... 2007, p.16)

Gênero é uma divisão dos sexos socialmente imposta, um produto das

relações sociais de sexualidade. Importante ressaltar que o conceito de gênero

contrapõe-se a concepções essencialistas e naturalizantes, presas a diferenças de

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caráter biológico, que acabam obscurecendo as razões sociais e históricas das

diferenças e desigualdades entre homens e mulheres (SCOTT, 1995, p.72).

Parece pertinente, também, explicitar a ideia de língua/gem que deu suporte a

esta SD:

Toda língua é uma construção histórica e cultural em constante transformação. Como princípio social e dinâmico, a língua não se limita a uma visão sistêmica e estrutural do código linguístico. Ela é heterogênea, ideológica e opaca (PARANÁ, 2008, p. 53).

Bakhtin (1997, p.123) considera que “a verdadeira substância da língua [...] é

constituída [...] pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da

enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade

fundamental da língua”. E acrescenta que

As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados (BAKHTIN, 1997, p.41).

Tais ideias são relevantes, pois linguagem, discurso e ideologia são

elementos inseparáveis. “A ideologia materializa-se no discurso que, por sua vez, é

materializado pela linguagem” (FERNANDES, 2007,p.21).

Desta forma, percebe-se como a linguagem, impregnada da ideologia

androcêntrica, contribui ativamente para a formação dos padrões inconscientes de

conduta das meninas e dos meninos, transmitindo de maneira velada sistemas de

pensamento e atitudes sexistas que marginalizam os que não seguem àqueles

padrões considerados normais, levando-os a serem considerados como elementos

sociais de segunda categoria. “A linguagem reflete [...] o sistema de pensamento

coletivo, e com ele se transmite uma grande parte do modo de se pensar, sentir e

atuar de cada sociedade” (MORENO, 1999, p.16).

Há, na sociedade, um modo de pensar sexista baseado em oposições

binárias fundamentadas “num sistema de antagonismos entre forças desiguais” e

que “servem para legitimar os privilégios e a dominação dos mais poderosos”

(KELLNER, 2001, p.84).

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A linguagem desempenha um papel fundamental ao determinar o modo como

os gêneros são vistos pelos indivíduos. Isso está materializado nos discursos sociais

e é reproduzido pelas imagens veiculadas nos meios de comunicação. Conforme

Maria Inês Ghilardi-Lucena (2010, p.12),

A divisão de papéis sociais entre os gêneros é, ainda hoje, bastante acentuada e, com relação à construção da identidade do sujeito, é claro que, para as camadas da sociedade que leem os textos midiáticos, as representações de gênero são fortemente marcadas, sugerindo normas de comportamento “adequadas” aos homens e mulheres modernos.

Ao mesmo tempo,

A mídia expõe as contradições das relações de gênero e revela um paradoxo da modernidade ao incentivar as inovações (homens na cozinha, cuidando dos filhos e do espaço doméstico), por um lado, e ao manter o status quo (homens provedores do lar e frequentadores dos espaços de maior poder), por outro. [...] As discussões que surgem nas análises da produção midiática trazem à tona justamente novas formas em que tal correspondência está se deslocando, na atualidade. Algo está mudando nas relações cristalizadas na mente dos indivíduos, revelando novas possibilidades de aceitação de tais relações (GHILARDI-LUCENA (2010, p.9, 12),

Os papéis sociais de homens e mulheres estão mudando. No futuro, as

questões de identidade apresentarão “respostas diferentes – se não divergentes –“

das que têm sido propostas atualmente (GHILARDI-LUCENA, 2010, p.13). As

tecnologias de informação e comunicação, associadas a uma cultura de mídia

mexeram com o mundo; estão remodelando a maneira de pensar das pessoas e

reestruturando as sociedades local e global

Nesse contexto, Kellner e Share (2008, p.689) consideram essencial a

alfabetização crítica da mídia. Esses autores entendem que esse tipo de

alfabetização vai além de “uma série de competências comunicativas, incluindo as

habilidades de acessar, analisar, avaliar e comunicar”, pois explora o papel da

linguagem e da comunicação para definir as relações de poder e dominação,

buscando trazer à tona “as noções ideológicas, profundamente embutidas, de

supremacia branca, patriarcalismo capitalista, classismo, homofobia e outros mitos

opressivos” (KELLNER & SHARE, 2008 p.701). E é na direção da alfabetização

crítica da mídia, vista como “um processo social que requer amplitude e

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profundidade ao embasar os passos para a pedagogia transformadora”, que,

segundo os autores, se deve caminhar (Idem, p.704).

Kellner e Share (2008, p.702) propõem uma alfabetização crítica da mídia que

enfoca a crítica ideológica e a análise da política de representação das dimensões

de gênero, raça, classe e sexualidade na economia política e nas relações sociais

das importantes empresas de mídia. Esse modelo amplia a noção de análise textual,

incluindo questões de contexto social, controle, resistência e prazer.

De acordo com Kellner (2004, apud KELLNER & SHARE, 2008), “as

tecnologias da comunicação são ferramentas poderosas que podem libertar ou

dominar, manipular ou esclarecer”, e é vital que os/as alunos/as aprendam a usar e

analisar criticamente esses tipos de mídia, refletir sobre questões críticas e desafiar

as suposições do senso-comum.

A alfabetização crítica da mídia tem, assim, uma abordagem que envolve o

ensino de habilidades críticas e de uso de mídia como instrumentos de comunicação

social e mudança.

Quanto ao material da cultura midiática, Kellner e Share (2008, p.705) alertam

que:

[...] é tão polimórfico, polivalente e polissêmico que requer sensibilidade para diferentes leituras, interpretações, percepções das complexas imagens, cenas, narrativas, significados e mensagens da cultura midiática. Esta última, à sua maneira, é tão complexa e desafiadora para se decifrar criticamente quanto a cultura bibliográfica.

O desenho animado, entendido como um material da cultura midiática, que se

utiliza de uma série de linguagens e, por isso considerado um texto sincrético, pode

ser lido como um todo de significação. Ao buscar apreender os sentidos de um texto

sincrético, podemos nos servir da semiótica, que, conforme Pillar (2005, p.124),

“procura descrever e analisar o que o texto diz e como ele se mostra, ou seja, como

ele faz para dizer o que diz”.

Nessa perspectiva, é possível analisar o texto tanto no seu plano do conteúdo

(do significado, do discurso produzido) como no seu plano da expressão (do

significante, das qualidades sensíveis do texto ou da imagem, sua materialidade, a

disposição no espaço, suas cores e formas).

A realização da leitura dessas múltiplas linguagens, com propriedade, envolve

o leitor com as práticas discursivas, alterando “seu estado ou condição em aspectos

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sociais, psíquicos, culturais, políticos, cognitivos, linguísticos e até mesmo

econômicos” (SOARES, 1998, p.18 apud PARANÁ, 2008, p.51).

Assim, não se deve deixar de analisar, explicitar e discutir sobre as questões

ideológicas embutidas nos textos e sobre os valores morais que eles reproduzem.

Esse é um exercício próprio de uma pedagogia crítica através do qual, conforme

afirma Pupo (2005, p.86), a transformação da sociedade sobre bases mais livres,

justas e igualitárias possa, talvez, vir a se tornar realidade.

3 A intervenção pedagógica

A Intervenção Pedagógica consistiu na aplicação da SD denominada “A

dinâmica dos desenhos animados e as relações de gênero”, em uma turma de 1ª

série do Ensino Médio do Instituto de Educação Estadual Professor Cesar Prieto

Martinez, no município de Ponta Grossa, Paraná, no primeiro bimestre do ano letivo

de 2013, na disciplina de LI.

O trabalho aconteceu em 32 horas-aula, sendo 20 no período normal e 12 em

contraturno. Todo o material utilizado foi fotocopiado e distribuído aos/as alunos/as

durante o processo.

Uma SD é um procedimento teórico-metodológico no qual são organizadas

atividades, de modo sistemático, em torno de um gênero textual, de maneira a

proporcionar aos/as alunos/as o domínio do gênero em questão, para que possam

reconhecê-lo e produzi-lo adequadamente. Uma SD estrutura-se linearmente,

partindo da leitura de um texto do gênero em foco, seguida de uma primeira

produção escrita pelos/as alunos/as, e uma série de atividades que devem

proporcionar suporte para que eles/as produzam um texto final adequado.

A SD em questão teve como foco o gênero textual ‘roteiro’ (script). Foi

dividida em quatro unidades, cada uma delas tratando, com alicerce na pedagogia

crítica, de um assunto relacionado ao tema ‘identidades e relações de gênero’,

como: estereótipos, papéis de gênero, respeito à diversidade de gênero, amizade e

preconceito de gênero. Nessa SD, procurou-se desenvolver ideias e ações que

pudessem contribuir para a análise e estudo do gênero textual roteiro, para a

reflexão sobre a questão das relações de gênero e para a aprendizagem da LI.

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3.1 Desenvolvimento da proposta

A implementação iniciou-se com os primeiros contatos com a turma e a

apresentação do Projeto. A maioria dos/as alunos/as era oriunda de outras escolas e

observou-se, desde o início, que se tratava de uma turma bastante heterogênea no

que diz respeito ao nível de conhecimento prévio de LI. Optou-se, por isso, iniciar a

implementação com uma rápida revisão de conteúdos da disciplina, o que foi

considerado pelos/as alunos/as bastante proveitosa, já que puderam relembrar as

diversas estruturas das orações com verbos nos tempos presente, passado e futuro,

suas ramificações, e daquelas com os verbos modais can e could.

A efetivação do Projeto de Intervenção Pedagógica deu-se a partir da leitura e

compreensão de textos midiáticos (desenhos animados produzidos em LI), seguidas

por reflexões e discussões sobre o tema ‘identidades e relações de gênero’, pelo

estudo do gênero textual roteiro e pela análise linguística de trechos dos roteiros

selecionados que foram considerados importantes para se produzir um texto do

gênero em foco.

No relato que segue, procurou-se apresentar o desenvolvimento da

implementação, na sequência das ações realizadas durante as 32 horas-aula em

que se deu este trabalho.

Numa conversa inicial, mais informal, sobre desenhos animados em geral

tratou-se das intenções dessas produções e seu público alvo. Os/as alunos/as

consideram que as produções têm o intuito de divertir e distrair e concordam que

pessoas de todas as idades apreciam esse tipo de produção. Eles/as disseram que

costumam assistir aos desenhos animados com frequência e citaram as séries que

mais gostam. Passou-se a uma conversa sobre a série “The Simpsons”: o que esta

série costuma apresentar, se busca retratar fatos da imaginação/ficção ou da

realidade, quais os personagens que conheciam e que indivíduos da sociedade

esses personagens representam. A maioria dos/as alunos/as já tinha assistido a pelo

menos um episódio dessa série.

A partir do direcionamento da conversa, os/as alunos/as foram percebendo

que a série “The Simpsons” retrata o dia-a-dia de uma família americana e que,

através de seus personagens, faz críticas ao comportamento humano, à sociedade

capitalista e, particularmente, ao modo de vida da sociedade estadunidense. Fez-se

um rápido comentário sobre o histórico da série que foi criada pelo cartunista Matt

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Groening para a emissora FOX e exibida pela primeira vez em 1989, nos Estados

Unidos da América.

Após essa conversa inicial, foi feita a apresentação dos personagens que

atuaram na primeira cena que os/as alunos/as iriam assistir. A turma pôde ler a

descrição desses personagens no material que tinha recebido.

É importante destacar que, antes de assistirem a cada cena selecionada na

SD, foram feitos comentários sobre o contexto de sua produção e sobre os autores.

Orientados a ficarem atentos ao tom de voz, expressões corporais e faciais

dos personagens, os/as alunos/as assistiram à cena da unidade 1, de

aproximadamente 1 minuto de duração, em inglês e sem legendas. Trata-se de uma

cena do 19º episódio, da 17ª temporada, “Girls just want to have sums”, escrito por

Matt Selman e dirigido por Nancy Kruse, que foi ao ar em abril de 2006.

Na cena, a personagem Juliana Krellner, após uma ‘belíssima’ apresentação

de um musical que dirigia, vai ao palco e recebe os aplausos da plateia e os

cumprimentos de Seymour Skinner, diretor da Springfield Elementary School. O

diretor diz a Juliana que não era surpresa para ele todo aquele sucesso, pois ela

costumava obter excelentes notas na escola. Juliana lembra-se de ter obtido uma ou

duas vezes o conceito B em Matemática e Skinner argumenta que aquilo era óbvio,

já que ela era uma menina. A plateia fica espantada e ele, ao tentar se corrigir, acaba

dizendo que não sabia por que as meninas eram piores em Matemática e Ciências,

“as verdadeiras disciplinas”. Isso gera um desconforto maior na plateia que atira nele

objetos diversos.

Ao serem questionados sobre detalhes da cena, os/as alunos/as mostraram

ter percebido que houve um desentendimento, porém não souberam explicar

exatamente o porquê. Os/As alunos/as receberam o roteiro e, depois de terem sido

alertados para observarem a estrutura deste gênero textual, acompanharam a sua

leitura que foi feita em voz alta, com pausa em cada fala dos personagens para que

fosse verificado o seu entendimento, o que foi facilitado pela presença de palavras

cognatas. Ao final da leitura, a turma assistiu à cena novamente.

Ao realizarem as atividades escritas de compreensão do texto, foi necessário

fazer uma breve revisão dos pronomes interrogativos (question words). Essa

atividade foi realizada com o grupo todo e as respostas completas (com sujeito,

predicado e complementos) foram escritas no quadro-de-giz.

Na atividade seguinte, que consistiu em organizar frases relacionadas ao

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texto na sequência dos acontecimentos da cena, os alunos/as não sentiram

dificuldade. Percebeu-se que eles/as têm mais facilidade na leitura do que na

oralidade e na escrita.

Passou-se, então para a análise linguística de trechos do texto que

contemplavam o conteúdo ‘grau comparativo dos adjetivos’. Foi solicitado aos/as

alunos/as que localizassem e transcrevessem os dois trechos do texto que

apresentavam comparações (“[...] boys are better at Math, Science…” e “I don’t

know why girls are worse”) e que identificassem os elementos comparados (meninos

e meninas). As questões sugeridas em seguida permitiram uma reflexão sobre

estereótipos relacionados a gênero. Foram citados pelos alunos/as estereótipos

ligados à maneira de dirigir, cozinhar, de expressar sentimentos e à força física.

Essa atividade culminou na produção de frases, em inglês, com o uso da estrutura

do grau comparativo. Para facilitar aos/as alunos/as essa produção, foi dada uma

explicação sobre a estrutura do grau comparativo das orações no quadro-de-giz e

foram resolvidos os exercícios do “Grammar Focus 1”, que é parte integrante do

material didático elaborado.

Após a correção das frases produzidas, foi trabalhado o uso dos termos such

e so. Depois disso, a turma fez uma leitura silenciosa do texto “Stereotype” e

respondeu questões em língua portuguesa sobre o texto. Isso permitiu que fosse

verificado entendimento do texto por parte dos/as alunos/as.

A leitura propiciou uma reflexão sobre os estereótipos e sua influência no

fortalecimento dos preconceitos. Propiciou, também, dissociar os conceitos de

preconceito e sexismo. Foi percebido pelos/as alunos/as que os estereótipos estão

longe de representar a verdade dos fatos e, também, que têm efeitos negativos.

Então, numa atividade em grupo, os alunos/as preencheram um diagrama

relacionado aos estereótipos de gênero.

Iniciou-se a Unidade 2 com a apresentação do desenho animado “The

impossible dream”, produzido em 1983, por Tina Jorgenson, Dagmar Doubkova e

Magda Sandersova.

A animação, toda em linguagem não-verbal, apresenta o dia a dia de uma

família, na qual a mulher, submissa ao marido, além de trabalhar como costureira

numa fábrica de roupas, tem a responsabilidade de todas as tarefas domésticas e os

cuidados e educação dos/as filhos/as.

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Figura 1 – Alunos/as assistindo ao desenho animado “The impossible dream”.

Fonte: Acervo particular da autora.

O filme de animação possibilitou uma discussão interessante sobre a questão

dos papéis de gênero. Os/as alunos/as comentaram como é feita a divisão das

tarefas em suas casas. Em algumas, essas tarefas são, ainda, responsabilidade

exclusiva das mulheres; em outras, essas tarefas são divididas entre todos os

membros da família. Foi proposto que os/as alunos/as enumerassem, em inglês,

todas as atividades realizadas pelos personagens masculinos e femininos. Para

isso, contaram com o auxílio de dicionário. Essa atividade objetivou trabalhar o

vocabulário que seria usado pelos/as alunos/as na sua primeira produção escrita. A

turma foi dividida em grupos e foi pedido a cada grupo que escrevesse o roteiro de

uma cena da animação. Para isso, foram orientados a seguir o modelo do roteiro

trabalhado na unidade anterior.

É importante ressaltar que produzir um texto é um processo que envolve

conhecimento prévio do assunto, organização e ordenação de ideias, a escrita de

um rascunho, revisão e reescritas. Não é uma tarefa fácil, mesmo em língua

materna.

Os/as alunos/as iniciaram a atividade tentando descrever, em língua inglesa,

os personagens que participaram da cena escolhida por eles/as. Como estavam

sentindo muita dificuldade em expressar suas ideias, a descrição de todos os

personagens do filme foram feitas em conjunto, no quadro de giz. Percebeu-se a

limitação de vocabulário dos/as alunos/as e, também, de conhecimento das

estruturas frasais da língua inglesa.

Na sequência, os/as alunos/as começaram a estruturar seus textos, porém

não se atendo ao modelo de roteiro que deveria ser seguido. Interessante observar

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que a maioria dos grupos, antes de criar os diálogos, procurou escrever um texto

narrativo da cena escolhida. Foi preciso dar suporte e orientar cada grupo durante

toda a produção.

Na Unidade 3, os/as alunos/as assistiram a outra cena da série “The

Simpsons”, que foi extraída do 10º episódio, da 16ª temporada. O episódio, intitulado

“I’m getting married”, escrito por J. Stewart Burns e dirigido por Nancy Kruse, foi ao

ar em 18 de março de 2005. Na cena, Verônica, irmã de Marge, pede a Homer que

realize a cerimônia de seu casamento. Marge fica entusiasmada, mas acaba

desapontada ao saber que a irmã pretende se casar com uma mulher.

Durante os comentários feitos após a apresentação e a leitura do roteiro

dessa cena, pôde-se perceber que, no geral, os/as alunos/as não consideram a

homossexualidade como algo natural, mas como “falta de caráter ou doença”. Foi

explicado então que gênero é uma construção social.

Após a discussão, foi feita uma análise detalhada do roteiro: sua forma e

estrutura. A partir daí, foram trabalhados os conhecimentos gramaticais necessários

para organizar um texto desse gênero, de maneira coerente. Conforme cada um

desses itens ia sendo abordado, os/as alunos/as fizeram as adaptações nos textos

que tinham produzido na unidade anterior. Essa atividade foi bastante esclarecedora

e permitiu um olhar mais detalhado sobre os elementos de um roteiro.

Na última unidade, antes de apresentar a cena que seria analisada, fez-se

comentários sobre as amizades. Os/As alunos/as escreveram no quadro-de-giz o

que consideram importante na escolha de suas amizades, como mostra a imagem

abaixo:

Figura 2 – Foto de atividade realizada pelos/as alunos/as no quadro-de-giz. Fonte: Acervo particular da autora.

Em seguida, iniciou-se a sessão de vídeo. A cena contemplada foi retirada do

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15º Episódio, da 8ª Temporada, intitulado “Homer’s phobia”. Exibido em 16 de

fevereiro de 1997, o episódio foi escrito por Ron Hauge e produzido por Mike B.

Anderson. Nesse episódio, Homer Simpson conhece John e os dois se tornam

grandes amigos. A cena apresentada mostra o momento em que Homer descobre

que John é homossexual, motivo que faz com que a amizade fique estremecida.

Durante a discussão sobre o que acontecera nessa cena, os/as alunos/as

mostraram não concordar com a atitude do personagem Homer, que se afasta do

amigo por preconceito de gênero. Considera-se muito positiva essa atitude dos/as

alunos/as, pois se verifica um novo olhar sobre a homossexualidade, antes vista

como repugnante.

Ao serem concluídas as atividades sugeridas na SD, os/as alunos/as

preencheram uma ficha de avaliação da proposta pedagógica implementada. As

respostas das questões presentes na ficha demonstraram que os/as alunos/as em

geral gostaram de ter participado desse projeto pela “dinâmica do trabalho”.

Consideraram as aulas diferentes e sugeriram que fossem ofertados outros projetos

desse tipo: “É uma aula diferente e boa de participar”; “Poderia ter mais projetos”.

Verificou-se que atividades diferenciadas estimulam o aprendizado dos/as alunos/as

e facilitam o alcance dos objetivos

Segundo o relato dos/as alunos/as, durante a implementação, foram

propostas reflexões sobre um tema social específico – “gênero”, “homossexualidade

e estereótipos”; houve articulação entre a temática proposta e conhecimentos da

língua inglesa; foram abordados conteúdos da disciplina já conhecidos e trazidos

novos conhecimentos como conjugar verbos no presente, passado e futuro e

escrever roteiro.

Os alunos/as consideraram a experiência transformadora para a sua vida

pessoal e social: “Eu pude refletir sobre estereótipo e ver o quanto é ruim”;

“aprendendo a respeitar cada um como é”, “aprendi muitas coisas que vou levar para

o resto da vida”.

Importante mencionar que, concomitantemente à aplicação da SD aconteceu

o Grupo de Trabalho em Rede – GTR, que consiste em uma das estratégias

utilizadas pelo PDE para socializar, com os demais professores/as da Rede, os

estudos realizados pelos professores/as PDE nesse Programa. O GTR apresentou

três temáticas; a primeira tratou da análise do Projeto de Intervenção Pedagógica; a

segunda, da análise do Material Didático e a terceira buscou a socialização de uma

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prática de ensino vivenciada pelos professores/as participantes, voltada ao tema

“identidade e relações de gênero”.

A Temática 1 deste GTR tratou do Projeto de Intervenção Pedagógica

intitulado “A dinâmica dos desenhos animados e as relações de gênero: uma leitura

crítica nas aulas de língua inglesa”. Os/as professores/as que o analisaram

consideraram o tema abordado no Projeto – Identidade e relações de gênero –

delicado e difícil, mas bastante importante. Destacaram a relevância de ser

trabalhado na escola, visto que a maioria desses professores/as percebem, no

espaço escolar, o preconceito e a discriminação de gênero, o sexismo e a

homofobia, ainda que muitas vezes velados, entre alunos/as e principalmente

colegas. Ficou claro que, na opinião desses/as professores/as, a escola não pode se

manter alienada diante dessas questões e pode contribuir para mudanças positivas

na sociedade no que se refere ao respeito às diferenças.

A proposta foi vista como um “campo fértil” para alargar horizontes e rever

conceitos sobre as diversidades que permeiam o cotidiano escolar. Também, foi

considerada atrativa para os/as alunos/as ao sugerir discussões a partir de cenas de

desenhos animados, um gênero tão apreciado pelos/as adolescentes:

Ao longo do projeto fui percebendo a aplicabilidade e a relevância do assunto proposto. O uso de material de animação foi uma escolha das mais felizes. Embora já trabalhasse com recursos audiovisuais isso veio a reforçar a ideia de continuar com essa prática, bem como ampliar a aplicação. Dentro dessa temática pode-se, indubitavelmente, atingir os objetivos de disseminar o combate às más práticas sociais como: bullying, preconceitos de todos os tipos, as diferentes práticas sexuais e o comportamento heterodoxo do ser humano. Os educadores modernos não podem apenas se dedicar ao ensino formal e restrito da disciplina.

Os/as professores/as participantes deste GTR destacaram a influência do/a

professor/a como formador/a de opinião em relação ao tema abordado e sugerem

que cada professor/a faça uma reflexão sobre suas posturas e atitudes em sala de

aula, pois, segundo eles, melhor que palavras são os exemplos que são dados.

Consideraram, no entanto, o trabalho extenso para o tempo disponível, já que o

tema "Identidades e relações de gênero" pode abrir um amplo campo para

discussões.

Na Temática 2, os/as professores/as analisaram o Material Didático-

Pedagógico que foi produzido durante a segunda fase do PDE. A Sequência Didática

(SD) foi considerada relevante e bem elaborada desde a sua apresentação. Os

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professores/as julgaram as atividades propostas ricas, diversificadas e pertinentes, o

que, segundo eles/as contribuiriam para que os objetivos fossem alcançados.

Os/as professores/as comentaram que cada unidade da SD, ao partir de uma

cena de episódio de desenhos animados seguida da leitura de seu ‘roteiro’ (script),

apresentava um tópico propício ao debate do tema proposto de maneira articulada

com os conteúdos da disciplina, remetendo os/as alunos/as a constantes processos

reflexivos através de atividades criativas e com orientação discursiva, dando, ainda,

suporte aos/as alunos/as para a produção do gênero textual em foco: o roteiro

(script).

As atividades propostas no material, relacionadas à gramática, na opinião dos

professores/as, estão postas de forma contextualizada e as práticas em grupo foram

vistas positivamente por permitem um melhor desempenho dos/as alunos/as.

Foi comentado que as atividades de reestruturação dos textos possibilitam um

constante aprendizado e/ou aperfeiçoamento de estruturas gramaticais e

vocabulares condizentes com a série da turma a que se destinam e com o nível de

conhecimento em que os alunos/as normalmente se encontram nesta série. Os

enunciados, feitos em língua inglesa, foram considerados claros, porém alguns

professores/as prefeririam que fossem feitos em língua portuguesa, porque

percebem que seus/suas alunos/as têm um vocabulário bastante restrito. Foi

sugerido que o material fosse adaptado para a realidade de cada professor/a e

turma.

No geral, os/as professores/as apontaram que o Material Didático-Pedagógico

está de acordo com as Diretrizes Curriculares e é perfeitamente aplicável nas turmas

de 1ª série do Ensino Médio, assim como, se adaptado, em outras séries do Ensino

Médio e até mesmo do Ensino Fundamental.

Na Temática 3 do GTR, Fórum 3, foram discutidas as experiências e

resultados observados na implementação da SD a partir do relato das ações que já

haviam sido desenvolvidas no momento da abertura dessa Temática. Foi solicitado

aos/as professores/as que aplicassem em suas aulas uma das atividades da SD e

comentassem com o grupo no Fórum ‘Vivenciando a Prática’ ou que sugerissem,

nesse Fórum, uma nova atividade para tratar do tema ‘Identidades e relações de

gênero’.

Baseados/as no relato apresentado, no Fórum 3, os/as professores/as

comentaram que a implementação estava sendo bem sucedida por ter tido um bom

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preparo e planejamento. Consideraram muito importante ter sido feita inicialmente a

revisão de alguns conteúdos, dando um suporte maior para os/as estudantes na

realização das atividades.

Foi bastante comentado o fato de terem sido testados com antecedência os

equipamentos da escola que seriam utilizados, como a TV multimídia, controles etc.

Os/as professores/as consideraram essa ação essencial para o bom andamento da

aula, visto que algumas das cursistas já haviam passado por dificuldades pelo não

funcionamento dos equipamentos durante suas aulas.

Os/as professores/as consideraram uma boa ideia o trabalho com desenhos

animados e a estratégia de passar os vídeos sem as legendas, pois os/as alunos/as

deveriam estar mais atentos, por despertar o interesse deles/as e, ainda, favorecer o

exercício da imaginação. Bastante valorizada foi a ação de oportunizar ao/a aluno/a

reflexões sobre o tema e a sua própria realidade.

Ao tratarem das ações que envolviam a produção de texto, os/as

professores/as consideraram importante e necessário o uso do dicionário. Uma das

professoras considerou a análise do gênero textual "roteiro" (script) e a concomitante

correção e adaptação da primeira produção textual dos/as alunos/as, a mais

trabalhosa, mas, também, a mais enriquecedora.

No Fórum ‘Vivenciando a Prática’, os/as professores/as trouxeram ideias

bastante interessantes para se tratar do tema ‘Identidades e relações de gênero’,

utilizando filmes, músicas e dinâmicas. Uma das professoras decidiu aplicar

atividades da SD em uma turma de 9º ano do Ensino Fundamental e relatou uma

experiência positiva: com a proximidade do dia das mães, esta professora promoveu

uma análise sobre como são formadas as famílias atualmente e foram levantados

vários tipos de família. Ela comentou que, a partir das discussões, alguns/as

alunos/as puderam falar sobre os papéis de pai e, principalmente, os de mãe que

são assumidos independentemente do sexo de cada um. Outra professora, que é da

área de História, embora não explicando exatamente como isto se daria, falou da

possibilidade de exibir uma das cenas sugeridas e orientar discussões a respeito dos

valores, voltando-se aos conteúdos de sua disciplina.

Os comentários dos/as professores/as mostraram que o material didático

produzido pode ser adaptado e aplicado em turmas de outras séries, inclusive do

Ensino Fundamental e também que, por ter um aspecto interdisciplinar, pode ser

utilizado nas aulas de outras disciplinas.

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3 Considerações finais

Os resultados da implementação da Sequência Didática foram considerados

relevantes tanto no que diz respeito à abordagem do tema ‘Identidades e relações

de gênero, como no desenvolvimento de ações que permitiram o conhecimento do

gênero textual ‘roteiro’ e a sua produção, em língua inglesa.

A abordagem do tema a partir da análise de cenas de desenhos animados

tornou as discussões mais fáceis de serem conduzidas, pois foram analisados de

forma crítica alguns comportamentos preconceituosos e sexistas de personagens da

ficção, o que sugeriu que cada um/a dos/as alunos/as que participaram do Projeto e

cada um dos professorea participantes do GTR refletisse sobre suas próprias

atitudes nas suas relações interpessoais. Objetivou-se promover discussões e

reflexões sobre o tema com o intuito de tornar mais respeitosas, cordiais e

amistosas as interações sociais dentro e fora da escola. Os resultados dessas

discussões talvez não sejam vistos imediatamente, pois vivemos numa sociedade

ainda muito arraigada na ideologia androcêntrica. No entanto, a sensação é a de

terem sido dados os primeiros passos em direção à desnaturalização do

androcentrismo.

Quanto ao desenvolvimento de ações que permitiram o conhecimento do

gênero textual em foco, considerou-se o trabalho no formato de Sequência Didática

muito interessante e produtivo. Os/as alunos/as puderam analisar, na execução

desse trabalho, os roteiros das cenas reproduzidas, cada um dos elementos que

compõem esse gênero textual e, ao final, produzir um roteiro, em língua inglesa.

Observou-se, durante o processo, que os/as alunos/as, em sua maioria, têm

facilidade na leitura, mas sentem dificuldade na escrita em língua inglesa

principalmente por não terem ainda construído um potencial de vocabulário

suficiente. Considera-se, por isso, necessário que os professores/as invistam mais

em atividades que propiciem a construção e fixação de vocabulário e em práticas de

escrita na língua alvo. Dessa forma, a aprendizagem poderá ser mais efetiva.

O processo do ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira relacionado à

compreensão de um mundo pluricultural pode ser um dos caminhos para as

transformações nas práticas sociais. Se existe a intenção de contribuir para formar

alunos/as críticos/as, transformadores/as e humanizados/as, a abordagem dos

temas relacionados às diversidades devem estar presentes no cotidiano da escola

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nas aulas de LI e demais disciplinas que compõem a grade curricular, como uma

prática institucional, promovendo, assim, a socialização dos conhecimentos

sistematizados e acumulados historicamente e relacionando-os à realidade social.

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