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Palestra do ciclo de debates Pensamento Econômico, realizada no dia 21 de maio 2009, pelo presidente da Associação keynesiana Brasileira e professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Fernando Ferrari Filho A crise financeira internacional: origem, impactos e perspectivas

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Palestra do ciclo de debates Pensamento Econômico, realizada no dia 21 de maio 2009, pelo presidente da Associação keynesiana Brasileira e professor do

Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Fernando

Ferrari Filho

A crise financeira internacional:

origem, impactos e perspectivas

Booms e Crises

• Crise Savings and Loans

Década de 1980

• Crises cambiais: “serpente européia”, México, leste da Ásia, Rússia e Brasil

• Crise da “Nova Economia”, Nasdaq: “irrational exuberance”

• Crises cambiais: Turquia, Argentina e Brasil

• Crise do Subprime

Década de 1990

Anos 2000

Booms e Crises

(i) Mercados financeiros desregulados e inovações financeiras (securities – mercados de títulos em que são consolidadas as dívidas mediante a emissão, pelo devedor, de novos títulos/dívidas, com garantias adicionais – e derivativos – ativos financeiros que derivam, integral ou parcialmente, do valor de outro ativo financeiro ou mercadoria) tornam o crédito (liquidez) mais elástico

(ii) Livre mobilidade de capitais

(iii) “Financeirização” do capital: Hedge funds, Pension funds e Sovereign Wealth Funds

O que elas têm em comum e seus efeitos?

Booms e Crises

(iv) Estabilidade gera instabilidade: Períodos prolongados de um estado estável levam a economia a se mover para um estado instável, porque consumidores, firmas e o sistema financeiro são agentes essencialmente especuladores (alavancagem “suicida”). Por quê? Expansão econômica → D e S ↑ → empréstimos ↑ → Preços dos ativos ↑ → margem de segurança ↓ → inadimplência ↑ →

Preços dos ativos ↓ → empréstimos ↓ → juros ↑ → recessão ou depressão. Enfim, crises financeiras são essencialmente endógenas e não exógenas

A crise do subprimeOrigem específica

(i) Perdas causadas pelo crescente default dos empréstimos das hipotecas de subprime, grande parte delas “securitizadas” e alavancadas através de commercial papers, amplamente distribuídas a investidores do mercado global. Os sinais da crise foram observados em agosto de 2007, ao passo que o recrudescimento e o caráter global dela manifestaram-se a partir de setembro de 2008

Dinâmica da Crise

(i) A partir de 2001/2002: Expansão da liquidez, política fiscal contra-cíclica e redução dos juros básicos dos EUA (média anual, entre 2002 e 2004, de 1,4%)

A crise do subprime(ii) Alavancagem: Bancos e instituições financeiras intermediárias passaram a financiar o setor imobiliário (empréstimos inclusive para pessoas sem histórico de crédito). A elevação dos preços dos ativos imobiliários foi expressiva, ocasionando uma situação de asset bubbles: entre 2002/1ºT e 2007/4ºT, os preços dos imóveis cresceram cerca de 183,0%

(iii) Ausência de marcos regulatórios para as práticas de alavancagem do sistema financeiro

(iv) “Descasamento” entre passivos e ativos das instituições financeiras passaram a ser frequentes

(v) Agências de rating avaliaram mal os riscos de crédito

A crise do subprime(vi) Falhas de governança corporativa nas instituições financeiras intermediárias

(vii) Alteração da taxa de juros básica dos EUA: Entre 2005 e 2007, as taxas de juros básicas dos EUA elevaram-se significativamente (médias anuais de 3,2%, em 2005, e de 5,2%, em 2006 e 2007). Consequência? Inadimplência e deflação dos preços dos ativos imobiliários

(viii) Sistema financeiro ameaçado de entrar em colapso

(ix) Crise sistêmica do sistema financeiro

A crise do subprimeResumo

(i) O aumento da fragilidade financeira é produzido por um lento e não percebido processo de erosão das margens de segurança de consumidores, firmas e o sistema financeiro, uma vez que todos apresentam posturas especulativas, resultando, assim, em práticas de tomadas de recursos e de concessões de empréstimos de alto risco

(ii) Lehman Brothers, Fannie Mae, Freddie Mac e AmericanInternational Group (fornecedora de credit default swaps –derivativos que protegem o sistema financeiro frente àinadimplência dos devedores – para os bancos) propagaram a crise, mas não a originaram

A crise do subprime

(iii) Mercados financeiros integrados criam um mercado único mundial de moeda e crédito que acaba (em um contexto de inexistência de regras financeiras e cambiais estabilizantes e de instrumentos de política macroeconômica que contenham os colapsos financeiros e cambiais em nível mundial) resultando em crises de demanda efetiva

(iv) A crise financeira mundial ocorre, portanto, devido àdeficiência de marcos regulatórios e ao excesso de alavancagem do sistema financeiro, dinamizado globalmente pelo desenvolvimento dos contratos de derivativos e de securitização de crédito

A crise do subprime

Marco teórico da crise?

J.M.Keynes, The General Theory of Employment, Interest and

Money (1936): Em economias monetárias da produção, a organização dos mercados financeiros enfrenta um trade-off entreliquidez e investimento. Ou seja, por um lado, os mercados financeiros estimulam o desenvolvimento da atividade produtiva e, por outro, aumentam as oportunidades de valorização da riqueza sob a forma monetária

Conexão entre o setor financeiro e o lado real da economia,segundo J.M.Keynes?

A crise do subprime

“A posição é séria quando o empreendimento torna-se uma bolha sobre o redemoinho da especulação. Quando o desenvolvimento das atividades de um país torna-se o subproduto das atividades de um cassino, o trabalho provavelmente será mal-feito” (1936, p.159)

Por que crise é de falta de confiança e de demanda efetiva? Preferência pela liquidez afeta as tomadas de decisão dos agentes = f(renda esperada do capital e do custo de financiamento do capital; Ps ex ante associado ao custo de produção vis-à-vis Pd ex

post associado à renda esperada – Ps > Pd → Y↓ e se Ps < Pd →Y↑)

A crise do subprime

H. Minsky, Stabilizing an Unstable Economy (1986, Capítulo 9):

• Hipótese de fragilidade financeira → A crescente fragilizaçãofinanceira, devido à deterioração das margens de segurança, resulta em crise financeira

• Por quê? Segundo H.Minsky, as decisões de investimento somente podem ser tomadas conjuntamente com as decisões de como devem ser financiadas as compras dos ativos de capitais. Assim, conforme a hipótese de fragilidade financeira, a integração entre as variáveis reais e monetárias/financeiras faz com que as crises sejam essencialmente causadas por políticas arriscadas de financiamento do investimento

A crise do subprimeImpacto sobre a economia mundial e o Brasil, duração e o que fazer?

1. Economia Mundial:

(i) Escassez de liquidez e recessão nos EUA

(ii) Risco sistêmico no sistema financeiro = f(60,0% dos títulos do Tesouro dos EUA e 25,0% dos ativos privados estão em mãos de asiáticos e europeus; déficits gêmeos dos EUA)

(iii) Forte sinergia entre EUA e China (BPTC e BPCF). Ambos os países respondem por 30,0% da dinâmica do PIB mundial

A crise do subprime

(iv) Volatilidade das taxas de juros, das taxas de câmbio e dos preços dos ativos (commodities). Por quê? Fuga para títulos do Tesouro dos EUA e perspectiva de desaquecimento da economia mundial

2. No Brasil:

(i) EUA, área do Euro, China, Japão e Argentina importam cerca de 60,0% do Brasil; logo, o saldo comercial tende a ser reduzido significativamente e o déficit de BPTC continuará elevado

(ii) Redução das linhas de créditos (especialmente as ACCs), elevação dos juros e overshooting do câmbio

A crise do subprime(iii) Vários setores têm apresentado queda de lucratividade (alimentos, mineração, automotivo, máquinas e equipamentos, papel e celulose, energia e petróleo etc.), as quedas na Bovespa reduzem a capacidade das empresas captarem recursos no mercado acionário e as exportações líquidas estão diminuindo. Em suma, desaquecimento do PIB (doméstico e externo) e aumento do desemprego

(iv) Os preços (inflação) tendem a ser reduzidos = f(D↓)

(v) Por que o sistema financeiro brasileiro não foi afetado? Os bancos brasileiros não possuiam derivativos externos lastreados em subprime e outros títulos, pois a Selic, ao longo to tempo, sempre ofereceu maiores rentabilidades

Fonte: IPEADATA e FGV Dados.

Inflação no Brasil (%) 1° quadrimestre 2008 vis-à-vis 1°

quadrimestre 2009 e acumulada em 12 meses

2,08

3,23

1,72

-0,92

5,53

4,73

-2,00

-1,00

0,00

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

6,00

IPCA IGP-DI

1° quadrimestre 2008 1° quadrimestre 2009 12 meses

A crise do subprime

3. Quanto tempo durará a crise?

(i) Depende do grau de intervenção das Autoridades Econômicas. Estima-se que, até o presente momento, já foram injetados, sejam pelos bancos centrais, sejam pelos tesouros nacionais, cerca de US$ 5,0 trilhões. Ademais, as taxas básicas de juros dos principais bancos centrais reduziram-se acentuadamente: FED = 0,25% ao ano; BCE = 1,0% ao ano; Banco da Inglaterra = 0,5% ao ano; e Banco do Japão = 0,0% ao ano. A despeito das referidas medidas, há um consenso de que a crise terá repercussão sobre a economia mundial nos próximos 2 ou 3 anos

(ii) No Brasil, reduções de alíquotas de IPI e de IR para pessoa física, ampliação dos investimentos do PAC e flexibilidade do superávit fiscal (3,8% para 2,5% do PIB) foram medidas adequadas (porém, tardias). Falta, todavia, uma redução mais abrupta da Selic

12,50

11,4811,75

12,1812,45

13,00

13,5013,75

13,42

12,75

11,30

12,50

11,4811,75

12,1812,45

13,00

13,5013,75

13,42

12,75

11,30

10,25

11,5011,80

12,10

11,25

12,8113,00

13,19

11,5011,80

12,10

11,25

12,8113,00

13,19

8,00

9,00

10,00

11,00

12,00

13,00

14,00

15,00

2007.01 2007.07 2008.01 2008.07 2009.1

Evolução da Selic (%), janeiro/2007-

abril/2009

Fonte: IPEADATA.

(%) 2006 2007 2008 2009 2010

Crescimento Mundial 5,1 5,0 3,2 [-1,0; -0,5] [1,5; 2,5]

Economias Avançadas 2,9 2,6 0,8 [-3,5; -3,0] [0,0;0,5]

Estados Unidos 2,9 2,2 1,1 -2,6 0,2

Zona do Euro 2,8 2,6 0,9 -3,2 0,1

Japão 2,4 2,1 -0,7 -5,8 -0,2

Economias Emergentes 7,9 8,0 6,1 [1,5; 2,5] [3,5; 4,5]

Argentina 8,5 8,6 6,5 0,0 1,5

Brasil 3,8 5,4 5,1

-1,3; - 0,5; - 0,5;

2,5 3,5

China 11,6 11,9 9,7 6,7 8,0

Fonte: FMI.

NOTA: Para o Brasil, previsões do FMI, Relatório Focus (18.05.2009), OCDE e IPEA, respectivamente.

Taxa de Crescimento do PIB (%)

Países selecionados

Fonte: Contas Nacionais trimestrais IBGE.

Crescimento do PIB brasileiro (por setores de

atividade), acumuladas em 4 trimestres -

2007/2008

5,4

7,8

5,85,65,3

5,8

4,3

6,3 6,36,7

5,45,9 6,0

6,3

5,1

5,9

7,2

4,7

6,3

5,7

4

5

6

7

8

out-dez 2007 jan-mar 2008 abr-jun 2008 jul-set 2008 out-dez 2008

Agropecuária Indústria Serviços PIB total

Fonte: IPEADATA.

Taxa de Desemprego do IBGE (%),

janeiro/2007-março/2009

10,1

9,79,5 9,5

98,7

8,2

7,4

8

8,7 8,6 8,5

7,9 7,8

8,1

7,59 7,5 7,6

6,8

8,28,5

9

7,6

10,1

9,910,1

9,3

5

6

7

8

9

10

11

2007.01 2007.04 2007.07 2007.10 2008.01 2008.04 2008.07 2008.10 2009.1

%

Evolução do comércio varejista do Brasil, outubro/2007-março/2008 vis-à-vis outubro/2008-

março/2009

Fonte: IBGE.

4,80

-2,80

5,00

2,10

-4,00

-3,00

-2,00

-1,00

0,00

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

6,00

Outubro 2007 à março 2008 Outubro 2008 à março 2009

Sem sazonalidade Com sazonalidade

A crise do subprime

4. O que fazer?

(i) É necessária a regulamentação de operações derivativas “exóticas” e outras práticas (alavancagem excessiva de instituições financeiras) que ocasionam a “festa” dos investidores e bancos. Em suma, regulação financeira

(ii) A ação estatal (políticas fiscal e monetária contra-cíclicas) éfundamental para remediar e prevenir futuras crises

(iii) Coordenação global entre as diferentes políticas nacionais (fiscal, monetária e cambial)

(iv) Reestruturação do Sistema Monetário Internacional: criação tanto de uma moeda de reserva universal, quanto de um órgão jurídico-institucional supranacional

A crise do subprime

Em suma:

• H.Minsky (1986, Capítulo 13): Big Government e Big Central Bank devem ser parte da “funcionalidade”das economias capitalistas e não soluções ex post

• J.M.Keynes (1936, Capítulo 24): Articulação de um ambiente institucional (“socialização do investimento”) favorável à tomada de decisões de gastos dos agentes; Políticas fiscal, monetária e de rendas

• J.M.Keynes, International Clearing Union (1944): Criação de um International Market Maker

Fonte: IPEADATA.

Taxa de Câmbio (R$/US$)

Média mensal, janeiro/2008-abril/2009

2,312,21

2,312,312,38

2,272,17

1,80

1,611,591,621,661,691,711,731,77

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

2,50

3,00

2008.01 2008.04 2008.07 2008.10 2009.01 2009.04

R$/US$

Evolução da Balança Comercialoutubro/2007-abril/2008 vis-à-vis outubro/2008-

abril/2009

Fonte: IPEADATA.

13.584,62

11.845,72

10.500,00

11.000,00

11.500,00

12.000,00

12.500,00

13.000,00

13.500,00

14.000,00

Saldo BC

US$ milhões

Outubro 2007 à abril 2008 Outubro 2008 à abril 2009

Índice BOVESPA

Evolução em pontos, janeiro/2008-abril/2009

Fonte: IPEADATA.

0

10.000

20.000

30.000

40.000

50.000

60.000

70.000

80.000

02/01/2008 05/03/2008 07/05/2008 07/07/2008 04/09/2008 03/11/2008 07/01/2009 10/03/2009

Referências

Dossiê da Crise (2008). http://www.ppge.ufrgs.br/akb

Keynes, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest

and Money

Kregel, J. (2008). Minsky`s Cushions of Safety. http://www.levy.org

Minsky, H. (1986). Stabilizing an Unstable Economy.