a criança cega e o sistema braill

Upload: adrianasantos20

Post on 15-Jul-2015

63 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

2 A criana cega e o Sistema Braille

Os pontos Braille so sementes de luz levadas ao crebro pelos dedos, para germinao do saber Helen Keller

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

Este captulo est subdividido em quatro partes. Trs delas esto interligadas por um mesmo fio condutor o Braille. Seqencialmente, o leitor encontrar um apanhado histrico sobre o surgimento do sistema Braille, em seguida o funcionamento do sistema e seus diferentes instrumentos de escrita e leitura, e por fim, a alfabetizao em Braille, o perodo preparatrio e suas diversas implicaes. A quarta parte trata sobre a importncia da estimulao precoce no mbito fisiolgico e sobre sua influncia no desenvolvimento cerebral do indivduo com deficincia visual. 2.1. A Histria do Sistema Braille A criao do Sistema Braille foi um grande marco na histria da educao de pessoas cegas. Durante muito tempo os cegos sofreram com a marginalizao e isto, infelizmente, se repetiu em quase todas as culturas. Eles foram discriminados, amaldioados e, at o sculo XVI, muitos viviam da mendicncia. A histria da educao voltada para as pessoas cegas surgiu no comeo do sculo XVIII, em Paris. Valentin Hay obteve o apoio do rei Lus XVI e da rainha Maria Antonieta de ustria, que destinaram fundos para a criao de um centro educativo, o Instituto Real para Jovens Cegos de Paris, fundado em 1784. O mtodo que Valentin utilizava era transformar as mesmas letras da escrita alfabtica em relevo. Elas eram impressas sobre o papel, de forma que cegos e videntes pudessem ler o mesmo material. A pouca eficcia deste mtodo deu-se pelo fato da leitura ser muito lenta e a escrita muito difcil. Louis Braille foi o criador do sistema que permitiu a insero dos cegos no universo da palavra escrita. Ele nasceu numa pequena cidade da Frana, Coupvray, em 1809. Foi o quarto filho do casal Simon Ren Braille e Monique Baron. Simon era seleiro e trabalhava numa oficina onde Louis gostava de brincar. Aos trs anos de idade, Louis acidentou-

17

se com um dos instrumentos de trabalho de seu pai. Na tentativa de furar um retalho de couro com uma pontiaguda sovela, feriu seu olho esquerdo provocando uma forte hemorragia. Por conta do tratamento inadequado no foi possvel eliminar a infeco. Com ela veio a conjuntivite e, logo depois, a oftalmia. Meses depois o outro olho tambm foi atingido e, aos cinco anos, Louis tinha cegueira total. Por volta dos sete anos de idade, Louis Braille freqentou a escola do recm concursado professor Antoine Brecheret, que o aceitou devido ao pedido feito pelo abade Palluy, da cidade de Coupvray. Louis contou com a ajuda de um colega que sempre o guiava at a escola e depois a sua casa. Durante dois anos ele freqentou a escola e neste perodo Brecheret percebeu sua grande inteligncia. Em 1819, Louis Braille recebeu uma bolsa de estudos do Instituto Real para Jovens Cegos. Gradativamente adaptou-se ao Instituto e a sua metodologia. A educao era baseada na repetio das explicaes e dos textos ouvidos, e tambm em algumas leituras complementares escritas no sistema de Valentin Hay. Paralelamente aos estudos, Louis tambm se interessou pela msica. As aulas eram oferecidas no prprio Instituto, onde ele ouvia e repetia o que era ensinado. Aprendeu piano e, posteriormente, tornou-se um grande organista da igreja de Notre Dame des Champs, em Paris. O francs Charles Barbier de la Serre, capito de artilharia do exrcito de Lus XIII, criou um sistema de sinais para que os soldados pudessem ler no escuro, porque era difcil transmitir ordens noite. Este mtodo consistia na leitura de pontos e traos em relevo, que combinados possibilitavam a comunicao no escuro. Denominado como escrita noturna, as ordens militares eram recebidas e decodificadas atravs do tato. Barbier acabou transformando o sistema de escrita noturna em grafia sonora, um sistema de escrita para pessoas cegas. Por ser um sistema fontico no era possvel soletrar as palavras. Para a escrita de uma s palavra eram utilizados diversos sinais, dificultando sua leitura. Com este sistema, tambm foram inventados a lousa e o puno para a escrita ttil. Barbier levou seu sistema para o Instituto dos Jovens Cegos. Professores e alunos testaram as leituras de palavras atravs deste sistema, que foi alvo de muito interesse. Alguns, porm, acharam- no complexo, mas ainda assim o sistema foi adotado como um complemento na metodologia de ensino do Instituto. Quando o sistema de Charles Barbier foi adotado no Instituto, Louis Braille logo o aprendeu. Aps sua familiarizao com o sistema, Louis percebeu a necessidade de aperfeio- lo. Por se tratar de um sistema sonoro, no era

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

18

possvel conhecer a ortografia. Tambm inexistiam os smbolos de pontuao, acentuao e nmeros, entre outros recursos. Sendo um sistema complexo, com a utilizao de muitos pontos, tambm havia dificuldades na leitura, que era muito demorada. Barbier foi apresentado a Braille, que tinha algumas consideraes sobre a grafia sonora. Mesmo reconhecendo as sugestes do menino, Barbier no autorizou as modificaes, julgando-as desnecessrias. Louis Braille no desistiu. Aperfeioou o mtodo at chegar aos seis pontos, quantidade mxima que pode ser percebida com a ponta dos dedos ao mesmo tempo. Em 1825, aos 15 anos de idade, chegou combinao dos seis pontos, criando assim um novo sistema, o Sistema Braille, que utilizado em todo mundo e ainda no foi superado. A utilizao do sistema no Instituto foi autorizada em carter experimental. Logo os alunos adaptaram-se a ele, facilitando os registros das aulas, as cpias de livros e a comunicao de um modo geral. Em 1829, Louis Braille tornou-se professor do Instituto. Dois anos antes escreveu seu primeiro livro em Braille A Gramtica das Gramticas. Logo depois utilizou seu sistema na msica. No Instituto, Louis era professor de matemtica, geografia e gramtica. Ensinou o sistema aos alunos, mas este s foi adotado oficialmente em 1854. Louis publicou em 1837 sua angliptografia, isto , toda a estrutura e simbologia do Sistema Braille aplicada em diversas reas matemtica, literatura, msica , que utilizada mundialmente at a atualidade. Louis Braille morreu de tuberculose, que adquiriu aos 26 anos de idade, em 6 de janeiro de 1852 e no viu seu sistema reconhecido oficialmente. No mundo, o Sistema Braille foi se espalhando de forma desordenada. Vrias adaptaes foram feitas a fim de ajust- lo a novas lnguas. Em 1949, a UNESCO recebeu uma solicitao da ndia com o pedido de racionalizar o sistema Braille mundialmente. Este fato foi reconhecido pelo Conselho Executivo da organizao mundial como um problema de importncia internacional e trabalharam para alcanar solues. Aconteceu em Paris no ano de 1950 a Conferncia Internacional de Braille, na qual participaram conhecedores de diferentes reas relacionadas ao Braille e da educao de cegos. Neste encontro foi expresso o desejo da unificao do Sistema Braille no mundo e tambm foram estabelecidos os princpios nos quais o sistema seria fundamentado. Em 1954 a UNESCO publicou um livro A escrita Braille no mundo com todo o programa sobre a utilizao do Braille. Esta publicao encontra-se esgotada.

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

19

No Brasil, Jos lvares de Azevedo, conhecido como o Patrono da Educao de Cegos nos Brasil (IBC, 2005b), foi o idealizador da escola de cegos no pas. Este brasileiro nascido cego teve a oportunidade de estudar no Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris, em 1844. Foi para a Frana com dez anos e ficou como aluno interno durante seis anos. Quando estava no Instituto, Jos lvares conheceu o sistema Braille, pois este se encontrava em fase de experimentao. Voltou para o Brasil em 1850 com grande aproveitamento e completo desenvolvimento de sua total potencialidade e capacidade, e junto com ele trouxe o propsito de criar uma escola para cegos nos mold es do Instituto francs e tambm a divulgao do sistema Braille. Com o intuito de propagar o novo sistema, Jos lvares fez palestras e demonstraes de uso nas casas e nos sales imperiais. Foi o primeiro cego que exerceu a funo de professor no Brasil, ajudando outros cegos a sarem do analfabetismo. Dentre seus alunos, ensinou a filha do mdico da Corte Imperial e conseguiu aproximar-se de D. Pedro II. Conquistou o Imperador com suas idias e, em 1854, fundouse o Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Infelizmente, Jos lvares faleceu meses antes da inaugurao e, assim como Louis Braille, tambm morreu de tuberculose. O Brasil foi o primeiro pas da Amrica Latina a reconhecer a universalizao do Sistema Braille, utilizandose de quase todos os smbolos empregados na Frana. Em 2002, a Grafia Braille para a Lngua Portuguesa foi publicada atravs do Ministrio da Educao, seguindo as recomendaes da Unio Mundial de Cegos e da UNESCO. Este trabalho o fruto de uma parceria entre as Comisses de Braille do Brasil e de Portugal desde 1996. Esta publicao um documento aprovado pela portaria n 2.678 de 24/09/2002, com o objetivo de normatizar e ser fonte de consulta visando beneficiar todas as pessoas cegas de lngua oficial portuguesa, assim como docentes e usurios do Sistema Braille. 2.1.1 O Sistema Braille O Sistema Braille possui algumas caractersticas peculiares. um sistema de leitura e escrita ttil composto por 63 sinais. Estes sinais so compostos a partir da combinao de seis pontos em relevo, isto , de um conjunto matricial (123456) chamado de sinal fundamental (ver Figura 3). O espao por ele ocupado, ou por qualquer outro sinal, denomina-se cela Braille ou clula Braille e, quando vazio, tambm considerado por alguns especialistas como um sinal, passando assim o sistema a ser composto com 64 sinais (IBC, 2005c).

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

Figura 3 Cela Braile

Cela Braile

20

Os pontos so dispostos em duas colunas verticais e paralelas, de trs pontos cada uma, e so identificados da seguinte maneira: de cima para baixo, do lado esquerdo temos os pontos 1, 2 e 3 formando a coluna ou fila vertical esquerda. De cima para baixo, do lado direito esto os pontos 4, 5 e 6 formando a coluna ou fila vertical direita. Atravs desses seis pontos possvel formar 63 smbolos diferentes. O alfabeto composto das muitas possveis combinaes. Por exemplo, as dez primeiras letras do alfabeto latino, que vo do A ao J, so derivadas das combinaes dos quatro pontos superiores 1, 2 ,4 e 5 , formando a primeira linha ou a 1 srie (ver Figura 4).

Figura 4 Alfabeto Braille

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

As prximas dez letras so formadas seguindo as combinaes das dez anteriores e mais o ponto 3, formando a segunda linha ou 2 srie, como mostra a Figura 5.

Figura 5 Alfabeto Braille

A formao da terceira linha ou 3 srie feita utilizando as combinaes da primeira linha acrescida dos pontos 3 e 6, de acordo com a Figura 6.

Figura 6 Alfabeto Braille

Os nmeros esto na 5 linha ou 5 srie e so formados com as mesmas letras da primeira linha acrescidos de um sinal de nmero que so os pontos 3, 4, 5 e 6 (ver Figura 7).

21

Figura 7 Nmeros Braille

A letra w foi acrescentada quarta linha ou 4 srie ao dcimo sinal. Louis Braille fez isto doze anos depois da inveno do sistema para suprir as necessidades do idioma ingls, de acordo com a Figura 8.

Figura 8 Outros smbolos em Braile

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

O alfabeto ocidental utiliza-se de vinte e seis sinais. A quinta linha composta por dez smbolos que utilizam os pontos 2, 3, 5, e 6 para formarem os sinais internacionais de pontuao, conforme a Figura 9. As especificidades de cada idioma como, por exemplo, a acentuao, fica a cargo dos vinte e sete sinais restantes. O mesmo vale para as abreviaturas.

Figura 9 Acentuao grfica em Braille

O Sistema Braille possui trs graus. O grau 1 a escrita por extenso, a palavra escrita letra por letra. O grau 2 a forma abreviada, onde so seguidos cdigos especiais de abreviaturas para cada idioma ou grupo lingstico. O grau 3 formado pelo conjunto de abreviaturas mais complicadas implicando um grande conhecimento da lngua, exigindo tambm do usurio um profundo desenvolvimento ttil e memria apurada. Os smbolos Braille podem ser aplicados nos textos literrios em diversos idiomas, nas simbologias matemtica e cientfica, na estenografia (taquigrafia), na msica e na informtica. A Figura 10 mostra todo o alfabeto Braille.

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

Figura 10 O alfabeto Braille

22

23

A escrita a mo feita utilizando uma prancha com reglete (um tipo de rgua cheia de celas Braille, ver Figura 11) e o puno (que uma espcie de furador, ver Figura 12). O papel 40 kg, papel manilha ou qualquer outro com gramatura em torno dos 120g/m2 colocado entre a prancha e a rgua. A escrita feita pressionando o papel com o puno para formar os pontos em relevo. Quando o papel fino, rasga, dificultando a leitura, e o papel muito grosso, alm de se empregar mais fo ra para escrever, quase no marca o outro lado, impossibilitando a leitura. Existem regletes de plstico ou de metal, de mesa ou de bolso, mas todas so formadas por duas placas presas de um lado com dobradias onde o usurio coloca o papel. A placa de cima possui os retngulos vazados, a placa de baixo formada por celas Braille em baixo-relevo, onde cada uma corresponde a um retngulo da placa de cima. A escrita na reglete feita da direita para a esquerda, invertendo a ordem da numerao dos pontos dentro da cela. Desta maneira, o baixo relevo que feito ao escrever, ficar em alto relevo quando o papel for virado para a leitura. Assim a leitura poder ser feita normalmente, isto , da esquerda para direita. Os pontos em Braille devem seguir o tamanho padro, assim como a entrelinha e o kerning. A medida da cela Braille deve estar de acordo com a unidade percentual ttil da ponta dos dedos. O conforto durante a leitura tambm no deve ser descuidado, o leitor precisa posicionar as mos de forma que fiquem um pouco abaixo dos cotovelos. Existem leitores que utilizam as duas mos, outros o dedo mdio ou anular, mas a maioria l com a ponta do indicador de uma das mos. Devido estimulao sucessiva dos dedos pelos pontos em Braille o leitor adquire uma grande percepo ttil, alguns chegam a ler 250 palavras por minuto com as duas mos e 125 com uma mo, mas a maioria faz em torno de 104 palavras por minutos. Esta rapidez s possvel porque o Braille um sistema simples (LEMOS et al. 1999, p. 27). Existem outros instrumentos que possibilitam a escrita em Braille, como, por exemplo, a mquina especial de datilografia Braille. So mquinas de tipo mecnico manual, sendo a mais conhecida mundialmente a marca Perkins. Em 1939, o Prof. David Abraham desenvolveu nos Estados Unidos o primeiro prottipo dessa mquina, mas foi s em 1946 que sua produo aconteceu. Com 170 anos, a Perkins School for Blind, em Massachussets, sua principal fabricante (LARAMARA, 2005). A Laramara Associao Brasileira de Assistncia ao Deficiente Visual, junto com a Perkins, inaugurou no Brasil a primeira fbrica de mquina de escrever Braille da Amrica Latina, em meados de 1998 (ver Figura 13). Esta mquina

Figura 11 O conjunto de materiais utilizado na escrita Braille

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

Figura 12 O puno utilizado na escrita Braille

24

tecnicamente sofisticada com finos ajustes que utilizam 756 peas, das quais 354 so diferentes. Elas precisam ser ajustadas e montadas com a preciso de um relgio. O rigoroso controle de qualidade realizado por uma operadora portadora de cegueira (UNIMED, 2005).

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

Figura 13 Mquina de escrever em Braille

O teclado da mquina composto por nove teclas. A tecla centralizada a maior, possui um design diferente e serve para marcar o espao. As duas teclas situadas nas extremidades de cada lado do teclado ficam ligeiramente separadas das sete teclas do meio. Elas so meno res e redondas, a tecla da direita serve para retroceder e da esquerda para mudana de linha. Dos lados da tecla central existem seis teclas, sendo trs esquerda, que correspondem aos pontos 1, 2, 3, e trs direita, correspondentes aos pontos 4, 5, 6. O design delas tambm diferencia-se por serem mais alongadas que as demais. O papel colocado e enrolado manualmente e os dois botes localizados nas extremidades do rolo servem para prend- lo. A alavanca da mquina serve para recolher a cabea Braille e colocar no comeo da linha. A escrita feita pressionando simultaneamente ou em separado as teclas correspondentes aos pontos em relevo que formam o sinal desejado. Este toque simultneo permite maior rapidez na escrita. Ela feita da esquerda para direita, com a vantagem de a leitura ser feita na prpria mquina, sem precisar retirar o papel. Cada tecla corresponde a um determinado dedo para pression- la. Para a tecla de espaamento usam-se os dois polegares, as teclas 1, 2, 3 e avano de linha so pressionadas pelos dedos da mo esquerda, respectivamente dedo indicador, dedo mdio, dedo anular e dedo mnimo. O mesmo

25

acontece com as teclas do lado direito e os dedos da mo direita (ver Figura 14).

Alm dos instrumentos j citados, existem as adaptaes tiflotcnicas. Segundo Caparrs (2003, p. 307), a tiflotec- nologia o conjunto de tcnicas, conhecimentos e recursos voltados a proporcionar aos cegos e deficientes visuais os meios adequados para a correta utilizao da tecnologia, com a finalidade de favorecer a autonomia pessoal e a plena integrao social, educacional e do trabalho . A tiflotecnologia possibilitou aos cegos e aos deficientes visuais melhorias na educao, na reabilitao e na vida de um modo geral, tanto no mbito pessoal como no profissional. As chances de adaptao so mais viveis atravs do desenvolvimento tecnolgico, possibilitando assim a integrao social. Ainda segundo o autor, as adaptaes tiflotcnicas para estudantes so os ajustamentos mecnicos, eletrnicos ou informticos dos equipamentos usados na metodologia educacional do aluno cego ou com baixa viso. Os estudantes cegos possuem adaptaes tiflotcnicas especficas para este grupo, diferentes das adaptaes para os alunos de baixa viso. Como esta pesquisa est voltada para a fase preparatria ao Braille, mais precisamente para a familiarizao da cela Braille, sero citadas as adaptaes tiflotcnicas para os cegos e uma breve explicao abordar cada recurso, sem maiores detalhamentos. Caparrs (op. cit., p. 309) afirma que a sntese de voz um sistema que permite o acesso informao da tela do computador. Existem dois tipos: um para ser instalado dentro do micro e o outro um perifrico externo. Ambos possuem programas, alto- falante e fones de ouvido. A Linha Braille um aparelho que, ligado ao computador, permite que o usurio faa a leitura do contedo exibido no monitor atravs de uma linha com celas Braille, onde o contedo da tela transmitido linha a linha.

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

26

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

O Braille Falado um aparelho pequeno com um teclado Braille e voz sinttica. Com ele o usurio pode criar arquivos, fazer clculos, calendrio entre outras funes. Pode ser tambm conectado ao computador. O Braille N-Print um aparelho que, quando ajustado base da mquina de datilografia Perkins e acoplado a uma impressora convencional, transforma o texto escrito em Braille num texto impresso em tinta. Optacon um equipamento porttil que transforma o texto impresso em tinta em vibraes perceptveis ao tato, em que recebida a forma em relevo, de ma ior tamanho, de cada letra ou signo e que pode ser captada com a ponta de um dedo (CAPARRS, 2003, p. 311). O Reconhecimento ptico de Caracteres, conhecido tambm como O.C.R., um programa que captura um texto impresso em papel e transmite para o computador. A calculadora cientfica, alm de permitir a realizao de operaes, possui um sistema de voz. O livro falado possibilita ao cego a leitura verbalizada de muitas obras literrias. Trata-se de uma mdia, cd ou fitacassete narrando o contedo do livro. Existem diversas audiotecas espalhadas pelo Brasil onde estes livros so disponibilizados.

2.1.2. Alfabetizao pelo Sistema Braille Para serem alfabetizadas no sistema Braille, as crianas cegas necessitam, como qualquer outra criana, adquirir um determinado ponto de desenvolvimento, isto , uma determinada maturao para serem iniciadas na leitura e na escrita. Da mesma forma que crianas da rede regular de ensino so preparadas para utilizar o objeto lpis, crianas cegas so g radualmente ensinadas a lidar com a reglete e o puno. Cavalcante (2001) afirma que a educao infantil um perodo muito rico, onde a criana tem a possibilidade de desenvolver sua natureza bio-psico-cognitivo-social-afetiva, propiciada por uma srie de experincias significativas que as faa crescer. Por isso este autor compreende que:A criana deficiente visual, sendo cega ou com viso reduzida, necessita e tem seu direito garantido legalmente de vivenciar todas estas perspectivas de crescimento e ingresso na Educao Infantil, seja no espao educacional especializado ou na rede regular de ensino, que possibilitar o desenvolvimento de todas as suas potencialidades como individuo ativo, participante, solidrio, colaborador, crtico, construtor de sua prpria realidade, e ainda, integrado e transformador do contexto social revelado no ambiente em que est inserido (CAVALCANTE, 2001, p.28).

27

O perodo da educao infantil caracteriza-se pelo seu carter ldico. uma fase marcante para o desenvolvimento da criana, que nesta etapa educacional favorece o descobrimento e a construo de noes, isto , o desenvolvimento e o conhecimento do mundo fsico e social (lngua, matemtica, cincias naturais e sociais). Alm disso, beneficia o desenvolvimento psicolgico infantil em diferentes campos. Segundo Kramer (2003), a educao infantil permite que a criana desenvolva a autonomia, cooperao, criatividade, responsabilidade, senso critico, alm da formao da auto-estima positiva, isto , da formao do cidado. Na psicomotricidade, por exemplo, possvel o desenvolvimento de atividades que permitam a explorao do corpo e do espao fsico, assim como a coordenao motora, a postura e a mobilidade. Segundo Cavalcante (2001, p.29) o corpo ser o principal meio da criana interagir com o mundo que a circunda. O conhecimento do prprio corpo, assim como as relaes espao-temporais, sero fundamentais no desenvolvimento da mobilidade e orientao da criana com deficincia visual, favorecendo sua independncia na locomoo. Para aprendizagem da leitura e escrita no sistema Braille, requisito bsico que a criana cega adquira uma motricidade fina (movimentos manuais finos, analticos e intencionais) associados ao desenvolvimento perceptivo-ttil. No desenvolvimento das percepes, importante propiciar atividades de estimulao multissensorial que ajudem no desenvolvimento dos esquemas sensriosmotores-perceptivos e da cognio atravs dos sentidos. As atividades devem favorecer a curiosidade como meio de reflexes, concepo de opinio, escolha de idias, alm de instituir relaes coerentes, integrar as percepes ao seu aperfeioamento cognitivo. A criana deficiente visual precisa desenvolver a habilidade de pensar, apontar e decifrar os diversos estmulos, desta forma lhe ser despertada a conscincia das sensaes, adquirindo desta maneira subsdios atravs das diferentes partes do seu corpo. Segundo Piero et al. (2003, p.193) a percepo sensorial constitui o fundamento do conhecimento. Os estmulos sensoriais podem ser caracterizados como tteis-cinestsicos, auditivos, olfativos, gustativos e visuais, sendo este ltimo relacionado s crianas que tenham resduos visuais. A estimulao ttil deve ser proporcionada logo nos primeiros meses de existncia da criana. No necessrio que as experincias sejam realizadas somente com as mos. O tato expande-se por toda a superfcie do indivduo, permitindo experincias com diferentes partes do corpo. Andar descala sobre diferentes texturas pode ter resultado mais significativo para ela que tocar as mesmas texturas com as mos... (PIERO et al., 2003, p.195). De acordo com o

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

28

autor, a falta de viso transforma o tato num importante meio de informao e se torna fundamental quando agregado cegueira, falta tambm o sentido da audio como no caso dos surdo-cegos. O caso da escritora americana Helen Keller um bom exemplo de como o tato importante. Helen Keller (1880 1968) era cega, surda e muda desde a infncia. Atravs do tato e muita determinao ela conseguiu, com a orientao de sua professora Anne Sullivan Macy, aprender a ler e escrever pelo sistema Braille. Alm disso, o tato foi o sentido pelo qual ela aprendeu a falar. Captando com as pontas dos dedos as vibraes da garganta de sua professora ela conseguiu falar por imitao. Helen Keller tambm foi filsofa e conferencista. Convidada para apresentar palestras, ela viajou pelo mundo todo.Em 1953 a convite oficial do governo brasileiro e da Fundao para o Livro do Cego no Brasil veio ao Brasil onde realizou visitas e palestras no Rio de Janeiro e em So Paulo e seu exemplo estimulou e deu grande impulso educao e reabilitao de cegos no Brasil, recebendo da Legio Brasileira de Assistncia o ttulo de Membro Honorrio. Uma mesa redonda realizada com sua presena na Federao das Indstrias do Estado de So Paulo deu origem criao, no SENAI (Servio Nacional de Aprendizagem Industrial) e um Servio de Orientao e Colocao Profissional de Cegos, que hoje j colocou nas indstrias de So Paulo grande nmero de deficientes da viso (ARTENT, 2005).

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

Para tornar a estimulao ttil com as crianas cegas mais enriquecedora necessrio proporcionar atividades com objetos reais, mais do que atividades com objetos que so apenas representaes simblicas. Neste ltimo caso, quando utiliz- los importante, deve-se chamar pelo nome correto, isto , pelo nome que aquilo representa, como por exemplo: um carro de brinquedo, que bem diferente de apenas um carro. A diversidade no tamanho dos objetos, as diferentes temperaturas, a resistncia, a presso, a extenso, as superfcies e as formas so informaes adquiridas atravs do tato. Assim como o movimento, que tambm pode ser experimentado por este sentido, objetos que balanam, as portas que fecham, as gavetas que abrem, etc. Todas essas experincias sero teis para a segurana pessoal da criana quando ela se tornar mais independente. Assim como o tato, a estimulao auditiva tambm fundamental para a criana cega. A audio responsvel por 75% das impresses sensrias transmitidas ao crebro (OLIVEIRA, 2002). Atravs dela conhece-se a linguagem, diferencia-se as pessoas, os objetos, os animais. Quanto mais cedo este sentido for estimulado, melhores sero os

29

resultados. A me neste perodo exerce papel fundamental porque participa da primeira experincia sonora da criana. Sua voz ser a garantia concreta de sua presena e colaborar para o treino do ouvido. Estimular a me a contar histrias, conversar, cantar para a criana muito importante para o treinamento da audio. tarefa de aprendizagem escutar e associar sons a determinadas situaes, assim como a imitao dos sons ajuda a criana na aquisio da linguagem. Imitando, a criana internaliza os sentimentos de prazer necessrios para repetir e tornar clara a produo dos seus prprios sons (BARRAGA et al., 1983 apud PIERO et al., 2003, p. 196). A educao musical uma outra forma de proporcionar um excelente treinamento auditivo. Atravs dela possvel potencializar a sensibilidade auditiva facilitando seu relacionamento com o mundo. A educao rtmica beneficia no s o treinamento sonoro, mas tambm outras habilidades como a concentrao, memria, movimentos corporais, criatividade e paralelamente conceitos espaciais, de intensidade, fora e at de forma (op. cit, p. 197). As estimulaes do paladar e do olfato tambm so importantes para o desenvolvimento da criana cega. O sentido do olfato determina ou influencia o paladar. Quando o crebro recebe informaes de ambos os sentidos fica muito difcil identificar de qual sentido vem determinada informao. As primeiras experincias relacionadas ao olfato e ao paladar devem ser prazerosas. No primeiro sentido porque uma maneira de estimular os movimentos da criana em relao ao objeto e isto ajudar posteriormente para orientla. Em relao ao paladar, as percepes exercem influncia sobre os costumes alimentares no futuro, por isto a preocupao em promover boas experincias. Atravs das atividades da vida diria possvel propiciar vrios momentos onde estes sentidos so estimulados, de preferncia possibilitando a associao a outras caractersticas dos objetos explorados como formato, cor, material, entre outros fatores. A educao infantil permite que a criana desenvolvase no campo scio-afetivo. fundamental que a criana tenha uma auto- imagem positiva e identificao prpria. A convivncia com outras crianas da mesma faixa-etria, assim como adultos que no sejam de sua famlia, permite uma troca de experincias que ajudaro minimizar o egocentrismo prprio da primeira infncia. A diversidade na sala de aula importante no somente por incluir vrias culturas, mas tambm as particularidades, as diferenas de cada um. Aprender a relacionar-se e a conviver com pessoas que tm capacidades diferentes importante para o desenvolvimento de valores ticos, assim como a dignidade

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

30

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

do ser humano, o respeito ao outro e a solidariedade. Compartilhar interesses, trocar sentimentos e valores ajudam na socializao e na interao com o grupo. importante desenvolver experincias em que a criana aceite e conviva com as diferenas fsicas, tnicas, sociais, religiosas e sexuais, e que, em paralelo, a criana, ao aumentar seu processo de socializao, seja tambm valorizada nas suas possibilidades de ao e desenvolvimento. No campo lingstico, importante a aquisio de diferentes formas de representao verbal, tanto na expresso pessoal como no processo de socializao. A comunicao no caso das crianas com deficincia visual s ser plausvel a partir da percepo do sentido concreto das palavras como base de conhecimento dela prpria, dos outros, dos objetos e do seu entorno. A expanso da capacidade de representao e a formao de base para o processo de construo da linguagem escrita so feitas atravs de diferentes expresses, assim como a comunicao infantil que revelada por meio da msica, do teatro, das conversas, dos livros, dos desenhos, etc. No campo cognitivo, preciso considerar que a criana constri e conhece conceitos e noes a partir de suas experincias com os objetos. Atravs das atividades ela pode incorporar dados e relaes, enfrentando desafios, desenvolvendo seu pensamento, trocando informaes com seus pares e com out ros adultos. Segundo Cavalcante:a interao ativa e significante da criana deficiente visual com o mundo concreto representada por diferentes construes das suas relaes com os objetos do mundo circundante, envolvendo manipulao, explorao e discriminao referentes s caractersticas, funo do objeto, conceito ou representao, noo de casualidade e permanncia do objeto.(CAVALCANTE, 2001, p.29).

Estas construes ajudaro mais tarde na descoberta do sistema Braille. Vygotsky, em seus clebres estudos de psicolo gia e demais cinc ias humanas, enfatiza que desenvolvimento e aprendizagem so processos mtuos: quanto maior a aprendizagem, maior o desenvolvimento. Afirma com isso que o bom aprendizado aquele que se adianta ao desenvolvimento. O processo de aprendizagem ocorre quando h situaes de aprendizagem que o provoquem. Para ele, quando o aluno estimulado em diversas atividades desafiadoras e, principalmente, quando ele participa de situaes de prtica social (BRUNO, 1997, p. 34). A convivncia de crianas cegas e videntes numa mesma sala de aula na pr-escola um bom exemplo disto. O trabalho em grupo importante na mediao cultural como formador dos processos interpsicolgicos (plano social) e conceituais.

31

2.2. O crebro e a estimulao precoce A estimulao precoce de extrema importncia quando tratamos de deficincia visual. Independentemente do grau da deficincia, o estimulo fundamental para o progresso do indivduo. Para conseguir dados mais esclarecedores entrevistei a Dr Ana Rosa Airo Barbosa, mdica neuropediatra do municpio do Rio de Janeiro, formada pela FioCruz e professora do curso de medicina da Unigranrio. Como palestrante do Instituto Helena Antipoff 1 , ministra cursos de aperfeioamento aos professores da rede muncipal de ensino, divulgando a relevncia da estimulao precoce no universo do deficiente visual. O crebro foi, durante evoluo humana, adquirindo determinadas caractersticas ao longo da evoluo da nossa espcie. O ser humano com o desenvolvimento normal, ao nascer, possui um determinado potencial, isto , ele ter capacidade para atingir certos objetivos, como a capacidade para andar, para falar, para ver, para interagir. Mas, ao nascer, o crebro humano ainda no est pronto, mesmo existindo o potencial para atingir estes objetivos, o que acontece nos primeiros anos de vida e principalmente ao longo da primeira infncia, do zero aos quatro anos, assim como ao longo de toda a vida, influenciar no desenvolvimento deste crebro. O crebro ou encfalo est divido em dois hemisfrios, o esquerdo e o direito, e est segmentado em reas ou lobos: a frontal (responsvel pelo planejamento), a parietal (sensibilidade geral), a occipital (viso) e a temporal (audio). Atravs das ligaes neuronais se estabelece o funcionamento cerebral. Os neurnios so responsveis por construir o complexo mundo do raciocnio. Por meio das sinapses, que so as trocas de informaes de uma clula para outra, ocorre a transmisso do impulso nervoso. O sistema nervoso formado pelo sistema nervoso central, localizado dentro do crnio e da coluna vertebral, e pelo sistema nervoso perifrico, que est distribudo por todo o organismo. Atravs da percepo, o homem a capaz de vincular os sentidos a outros aspectos da vida (ver Figura 15), como o comportamento e o pensamento. No campo da percepo podemos destacar trs aspectos importantes: a sensao, que a capacidade de codificar certos aspectos da energia fsica e qumica; os sentidos, que so diferentes modalidades sensoriais; e os sistemas sensoriais, que so os conjuntos de1

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

O Instituto Helena Antipoff o nico centro de referncia do municpio do Rio de Janeiro, reconhecido em todo o pas, que produz conhecimento e confecciona recursos multissensoriais para a atualizao dos professores e desenvolvimento e aprendizagem dos alunos da rede municipal de ensino. Localiza -se na rua Mata Machado, numero 15 Maracan, Rio de Janeiro.

32

regies do sistema nervoso conectadas entre si, cuja funo possibilitar as sensaes. O homem possui sistemas sensoriais que coletam informaes para planejar e controlar seu comportamento (ver Figura 16). De acordo com a tradio, cons ideramos cinco sistemas perceptivos: o visual, o auditivo, o olfativo, o gustativo e o ttil. No sentido do tato diferenciam-se ainda cinco sistemas: o contato fsico, a presso profunda, a dor, o calor e o frio.

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

Figura 15 O crebro e a percepo

Figura 16 O crebro e suas reaes s aes

O sentido cinestsico responsvel por fazer-nos perceber as alteraes na posio do corpo, no movimento dos msculos, dos tendes e das articulaes. O sentido esttico ou vestibular nos faz perceber as alteraes no equilbrio do corpo. O sentido orgnico est relacionado com percepo das alteraes ligadas manuteno e regulao de funes do corpo, como sede e fome, por exemplo. O crebro no funciona de maneira linear, no est desassociado do sentimento. A memria est diretamente relacionada com a experincia e o afeto, o filtro da emoo e do tempo. Em uma situao contada, por exemplo, o crebro registra tambm o que se foi sentido naquele momento, filtra e armazena de acordo com os valores e os sentimentos do ouvinte. O crebro humano nico, porque os tipos de sinapses que cada pessoa faz so diferentes em cada indivduo. O tipo e a qualidade da alimentao, as doenas que a pessoa apresentou, os estmulos que ela recebeu, tudo isto vai delineando o indivduo. As sinapses que ela faz dependem da sua vivncia, das suas experincias, apesar de existir um padro cerebral geral que mais ou menos igual para toda a espcie humana, existe um padro do desenvolvimento do crebro que especfico, individual e exclusivo em cada um de ns. O ser humano que nasce sem nenhum comprometimento, sem nenhuma seqela, nasce programado com o potencial cerebral para desenvolver, por exemplo, a

33

fala. Este indivduo possui reas cerebrais para desenvolver a fala ntegra. Mas se este mesmo indivduo no estiver num meio social que propicie isto, ele no falar. Ao longo da histria da humanidade foram descobertos vrios casos verdicos e documentados de pessoas que, isoladas do convvio humano durante sua infncia, sobreviveram e desenvolveram um comportamento diferente da sua espcie. Apesar de serem humanas, providas de todo potencial, o meio social no favoreceu este desenvolvimento. Um dos casos mais famosos no mundo o das meninas- lobo da ndia. Em 1920, duas meninas aparentando oito anos e, a outra, um ano e meio aproximadamente, vivam entre lobos em uma caverna, prxima de um vilarejo nos arredores de Calcut. Eram duas crianas que andavam de quatro, no falavam, no sorriam e possuam maior acuidade visual noite, assim como os lobos. Foram levadas a um orfanato pelo reverendo Singh, onde receberam cuidados dele e de sua esposa. Segundo relatos, as crianas no demonstravam senso de humor, de curiosidade e nenhuma ligao de afeto com outras pessoas. Quando a menina mais nova morreu, aps um ano no orfanato, a maior chorou, foi a nica vez em que ela demonstrou emoo. Com idade e fsico de menina de oito anos, seu comportamento era de uma criana de menos de dois anos, no falava, mas foi lentamente entendendo algumas palavras. Mais tarde comeou a falar algumas delas. Infelizmente sua vida foi breve. Aps oito anos no orfanato ela morreu (CAGLIARI, 2005). Assim como a estrutura cerebral e seu funcionamento levaram milhes de anos para evoluir, a interao do homem com o meio fsico e social estabelece mudanas no desenvolvimento do indivduo, nas suas funes psquicas, nas idias, no pensamento. Esta foi uma percepo central no desenvolvimento das idias de Vygotsky (1998a). Nesta pesquisa, a idia de promover o convvio das crianas cegas com as crianas videntes por intermdio de um objeto de Design favorece o desenvolvimento do indivduo numa realidade de mundo de cegos e videntes. O convvio das duas realidades numa idade tenra ajudar na formao de indivduos com um olhar menos exclusivista e, por isso, mais interativo s peculiaridades do meio. De acordo com a Dr Ana Rosa Airo, existem muitas pesquisas que investigam at que ponto a sociedade influncia na formao do indivduo e quando isto acontece. A primeira infncia, que vai do zero aos quatro anos, o perodo em que acontece o maior nmero de sinapses na vida de uma pessoa. Depois disto, as sinapses vo diminuindo muito at o indivduo chegar adolescncia. Este perodo que vai da infncia at a adolescncia a poca em que o crebro est predisposto a aprender mais. Isto no significa que no

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

34

se possa aprender em outras pocas da vida, j foi descoberto que at os oitenta anos o crebro tem potencial para novas sinapses, mas quanto mais jovem for o indivduo mais fcil isto se torna. A criana apresenta no crebro a chamada plasticidade neuronal, que a capacidade do crebro de descobrir novos caminhos neuronais, fazendo assim novas sinapses. Por exemplo, um indivduo sofre um derrame e tem atingida a parte do crebro motora responsvel por um movimento de um rgo. Atravs da fisioterapia, da reabilitao, estimula-se o crebro a criar novos caminhos atravs do movimento do membro paralisado. Ao realizar um movimento mecanicamente, s com o trabalho motor, o crebro registra o movimento e comea a buscar novas conexes ou, em alguns, casos reaver as antigas para tornar este movimento possvel. Em um adulto a resposta fisioterpica muito boa, mas em uma criana isto espetacular, justamente pela plasticidade neuronal. Da mesma forma que os benefcios so grandes na criana, por causa do crebro que ainda est em desenvolvimento, qualquer malefcio tambm ser muito mais significativo para ela em comparao ao adulto. Uma desnutrio, por exemplo, muito mais grave na criana. A falta dos nutrientes afetar o desenvolvimento cerebral, enquanto no adulto afeta momentaneamente, quando ele volta a se alimentar o problema est resolvido. No crebro, a busca por novos caminhos neuronais para substituir as reas lesadas tambm chamada de plasticidade neuronal. Este o fundamento da reabilitao e da estimulao precoce: estimular o crebro a buscar novos caminhos para substituir as reas lesadas, criando novas sinapses, novas linhas neuronais. Nesta pesquisa, a escolha por trabalhar com o perodo da educao infantil se deu justamente por se tratar de crianas com o crebro em desenvolvimento quando a estimulao precoce muito promissora. Particularmente, o sistema visual tem no crebro diversas reas distintas que so responsveis por aes, por exemplo, a rea relativa a ver o movimento, o objeto uma; a rea relativa a perceber a cor outra; existe aquela ligada ao reconhecimento da figura humana, que o plano tridimensional, que difere do bidimensional. Existem casos em que o indivduo no reconhece o rosto humano pessoalmente, mas consegue v- lo numa fotografia. Neste caso, a pessoa v, mas o crebro no consegue interpretar adequadamente aquela informao. Quando se estimula um indivduo, o que est sendo estimulado no s a questo da viso, mas sim de toda a integrao destas reas que esto relacionadas viso.

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

35

PUC-Rio - Certificao Digital N 0310186/CA

Numa pessoa que v, o olho responsvel por pelo menos 4/5 das informaes que a nossa sensibilidade capta do real. Num homem com viso normal, os outros quatro sentidos, juntos, trazem- lhe apenas 1/5 do material informativo originrio do mundo que o rodeia, sendo que este 1/5 sub utilizado (VEIGA, 1983). As dificuldades estticas enfrentadas por uma pessoa cega esto ligadas basicamente visualidade, mas isso no impede que ela explore os outros canais sensoriais porque esta deficincia sensorial no est vinculada aos outros sentidos. Com a perda de um rgo sensrio, no caso a viso, a tendncia que este seja atenuado pelo uso mais intenso dos outros sentidos. O cego tende a desenvolver maior acuidade ttil, porque utiliza o tato com muita freqncia, conduzindo ao aperfeioamento gerado pelo treino. Este aprimoramento pode ocorrer tambm com qualquer pessoa vidente, desde que os seus outros sentidos sejam estimulados (OLIVEIRA, 2002). No caso das pessoas com deficincia visual que tenham um resduo visual, preciso que este indivduo seja estimulado mesmo que seja somente a parte motora. Se ele no tiver este estmulo, com o tempo as vias pticas atrofiam e ele perde este resduo. O crebro tende a anular aquele olho que perturba a viso, e com o tempo a atrofia acontece. A estimulao precoce visa manter este resduo com funcionalidade, ajudando na integrao das reas cerebrais. O aprendizado uma questo de solidificao do conhecimento no crebro, mas para que ele acontea de fato preciso que a criana esteja motivada, caso contrrio ela no aprende.