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A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO MATEMÁTICO ALIADA A LINGUAGEM COMPUTACIONAL GRÁFICA SCRATCH: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E CONTRADIÇÕES 1 Greiton Toledo de Azevedo 2 GD6 Educação Matemática, Tecnologias Informáticas e Educação à Distância RESUMO DO TRABALHO Este trabalho é fruto de uma pesquisa, em fase inicial de desenvolvimento, em nível de mestrado, do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal de Goiás - PPGECM/UFG. A pesquisa tem por principal objetivo analisar e compreender as implicações da linguagem computacional gráfica (Scratch) no desenvolvimento do pensamento matemático de estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental, considerando as contradições atuais do contexto escolar. Nesse mesmo movimento, pois, será desenvolvido um trabalho, em forma de projeto, em uma Escola Pública Municipal, Irmã Catarina Jardim Miranda, da cidade de Senador Canedo - Goiás, com a participação de 25 estudantes dessa mesma série escolar. A partir desse projeto, durante quatro meses, no 2º semestre de 2015, por meio das atividades didático-tecnológicas desenvolvidas, coletaremos as informações necessárias, que servirão para análise do objeto dessa pesquisa. Utilizaremos, assim, filmagens, entrevistas e diários (de bordo, de relato e de memória) como instrumentos de coleta no sentido de triangular as informações. Observaremos e analisaremos, ainda, tendo em vista os objetivos definidos, nessa pesquisa, os programas computacionais construídos pelos estudantes utilizando a linguagem de programação gráfica Scratch, como: game, animation, softwares e applets. De acordo com os dados coletados, tabulados e analisados, buscaremos perceber os resultados, indicando as implicações da linguagem computacional gráfica Scratch, no contexto escolar, mais especificamente, no desenvolvimento do pensamento matemático dos estudantes. Palavras-chave: Pensamento Matemático; Linguagem Computacional Gráfica Scratch; Processo de Ensino e Aprendizagem de Matemática; 1 A presente pesquisa encontra-se em fase de desenvolvimento, sendo orientada pelo professor Dr. Jose Pedro Machado Ribeiro e sob a coorientação da professora Dra. Gene Maria Vieira Lyra-Silva. 2 Mestrando em Educação em Ciências e Matemática -PPGECM/UFG. É graduado em matemática e especialista em Educação matemática pelo Instituto de Matemática e Estatística da Universidade Federal de Goiás - IME/UFG.

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A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO MATEMÁTICO ALIADA A

LINGUAGEM COMPUTACIONAL GRÁFICA SCRATCH: DESAFIOS,

POSSIBILIDADES E CONTRADIÇÕES 1

Greiton Toledo de Azevedo2

GD6 – Educação Matemática, Tecnologias Informáticas e Educação à Distância

RESUMO DO TRABALHO

Este trabalho é fruto de uma pesquisa, em fase inicial de desenvolvimento, em nível de mestrado, do

Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal de Goiás -

PPGECM/UFG. A pesquisa tem por principal objetivo analisar e compreender as implicações da linguagem

computacional gráfica (Scratch) no desenvolvimento do pensamento matemático de estudantes do 6º ano do

Ensino Fundamental, considerando as contradições atuais do contexto escolar. Nesse mesmo movimento,

pois, será desenvolvido um trabalho, em forma de projeto, em uma Escola Pública Municipal, Irmã Catarina

Jardim Miranda, da cidade de Senador Canedo - Goiás, com a participação de 25 estudantes dessa mesma

série escolar. A partir desse projeto, durante quatro meses, no 2º semestre de 2015, por meio das atividades

didático-tecnológicas desenvolvidas, coletaremos as informações necessárias, que servirão para análise do

objeto dessa pesquisa. Utilizaremos, assim, filmagens, entrevistas e diários (de bordo, de relato e de

memória) como instrumentos de coleta no sentido de triangular as informações. Observaremos e

analisaremos, ainda, tendo em vista os objetivos definidos, nessa pesquisa, os programas computacionais

construídos pelos estudantes utilizando a linguagem de programação gráfica Scratch, como: game,

animation, softwares e applets. De acordo com os dados coletados, tabulados e analisados, buscaremos

perceber os resultados, indicando as implicações da linguagem computacional gráfica Scratch, no contexto

escolar, mais especificamente, no desenvolvimento do pensamento matemático dos estudantes.

Palavras-chave: Pensamento Matemático; Linguagem Computacional Gráfica Scratch; Processo de Ensino e

Aprendizagem de Matemática;

1A presente pesquisa encontra-se em fase de desenvolvimento, sendo orientada pelo professor Dr. Jose Pedro

Machado Ribeiro e sob a coorientação da professora Dra. Gene Maria Vieira Lyra-Silva. 2Mestrando em Educação em Ciências e Matemática -PPGECM/UFG. É graduado em matemática e

especialista em Educação matemática pelo Instituto de Matemática e Estatística da Universidade Federal de

Goiás - IME/UFG.

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1 RELEVÂNCIA DO TEMA E JUSTIFICATIVAS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

A escola é urgente e desafiadora a imersão das tecnologias, especialmente a partir

do reconhecimento de que ambas se fazem presentes, constantemente, na vida humana. A

sua integração pode ser fator determinante para o desenvolvimento dos indivíduos na

dimensão social, cultural e intelectual. Assim, mais do que nunca, nessa era digital, é

preciso envolver o estudante em atividades participativas e colaborativas, que estimulem

seu raciocínio, de acordo com uma prática formativa e não meramente armazenadora de

informações, que impede ou dificulta, muitas vezes, o estudante de pensar, desenvolver

competências e construir conhecimentos. Afinal de contas, conforme Freire (2011), deve-

se repensar a escola como lugar de produção e apropriação de diversos saberes, fazer dela

um lugar para se vivenciar a educação como modo de vida, e não como conhecimento

metódico. Isso significa viver experiências múltiplas a partir da educação. O uso da

tecnologia, por outro lado, por si só, não garante os melhores resultados nesta sociedade

pós-moderna, nem tampouco na comunidade escolar. Por isso, é necessário que se siga a

filosofia educacional mais ampla e coesa, que justifique seu devido uso no cenário de sala

de aula. Isso porque, ela deve ser usada como um instrumento de aprendizagem, em que o

estudante atua e participa de seu processo de forma ativa e investigativa.

Não se trata, em hipótese alguma, de 'automatizar' o ensino ou de habilitar o aluno

para trabalhar apenas com as novas tecnologias, nem tampouco camuflar o processo de

ensino-aprendizagem, muito menos usá-las numa perspectiva mascarada de recepção e

memorização de informações. Ao contrário, é preciso explorá-las no sentido de contribuir à

construção significativa do conhecimento, em que se favoreça o desenvolvimento do

pensamento lógico-dedutivo, argumentativo e crítico-reflexivo dos estudantes. Um dos

caminhos possíveis para isso é exploração (de forma construtiva) da linguagem

computacional gráfica. Isso porque ela é uma poderosa ferramenta tecnológica que

possibilita ao estudante ser autor dos processos criativos e construtivos do conhecimento. É

um recurso que pode favorecer a participação ativa e autônoma do estudante, permitindo-

lhe pensar por uma outra perspectiva, estanque de atividades de repetição e memorização.

A linguagem de programação pode ser empreendida como um recurso que

possibilita o estudante desenvolver o seu pensamento, mais especificamente, o seu

pensamento matemático, que tem sido um dos desafios da comunidade escolar. Afinal,

conforme Freire (2011), promover situações que incentivem os estudantes a pensar é tão

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importante quanto saber ler para além da escrita, é interpretar o mundo de outra forma, de

uma maneira mais ampla, crítica e significativa. É preciso, assim, propor situações em que

os estudantes possam pensar e desenvolver-se integralmente. Isso porque, além de tudo,

conforme Demo (2000), quando o estudante tem a oportunidade de pensar, ele estará, na

verdade, se postando contra a ignorância, valorizando o questionamento, se dedicando aos

processos (re) construtivos, se opondo à condição de objeto e procedimentos acumulativos.

Mas, na verdade, o que é pensar? Mais especificamente, o que é raciocinar

matematicamente? Ainda, como possibilitar o desenvolvimento do raciocínio matemático

de estudantes (especialmente, crianças e adolescentes) no contexto escolar? É possível

promover um cenário que, de fato, valorize, na atual conjectura educacional, a criticidade e

argumentação reflexiva do conhecimento matemático, tendo como pano de fundo às

contradições existentes? O currículo, as salas superlotadas, materiais didático-pedagógicos

quase inexistentes e as avaliações externas à escola têm, de certa forma, ditado como se

deve proceder o processo de ensino-aprendizagem, em especial, de matemática? Esses

elementos e tantos outros influenciam, numa crescente negativa, as ações dos professores

e, consequentemente, numa dimensão pior, afetam a aprendizagem dos estudantes. O que

se tem percebido é uma exigência às escolas similar ao módulo empresarial, igualando-se

aos meandros de prazos e metas, como se fossem, conforme Freitas (2015), empresas, não

mais escolas. Essas e tantas outras questões carecem de uma compreensão mais ampla e

fundamentada para, de início, serem compreendidas e, por extensão, em parte, superadas.

Neste mesmo sentido, Freitas (2015) vislumbra, em forma de condenação, a

perspectiva empresarial instaurada nos contextos escolares. Reitera que essa influencia

competitiva, em que o estudante torna-se produto do processo, é contraditória e se assenta

em um retrocesso sem fim. Um dos grandes problemas das reformas educacionais

contemporâneas, em especial dessas baseadas em princípios empresariais, é a ausência de

discussão e definição do que se entende por um "bom ensino" ou de "uma boa

aprendizagem". Em outra dimensão, porém não estanque, nem tampouco menos

importante, o uso de tecnologias (em especial, linguagens computacionais gráficas) no

processo de ensino e aprendizagem de matemática deve ser pensado nessa mesma

orientação, em que o estudante deve ser visto como sujeito de um processo maior, não

como objeto, muito menos como produto mercadológico.

Diante deste contexto, permeado, em parte, pelo modelo empresarial, por

exigências contraditórias curriculares e avaliativas, bem como por ações pedagógicas

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repetitivas e mecânicas, que desfavorecem a criticidade, o pensamento lógico e o poder

argumentativo dos estudantes nas aulas de matemática, têm culminado neles (geralmente, a

partir 6º ano do Ensino Fundamental) o desgosto por essa disciplina e a sensação de que

ela é somente um depósito de proposições, fórmulas e procedimentos sem sentido. Além

disso, as agências de avaliações externas de educação, especialmente em matemática -

como: Programa internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), Sistema de Avaliação da

Educação Básica (Saeb), entre outras - apontam que a maior parte dos estudantes chega no

Ensino Médio ou até mesmo no Superior sem aprender o esperado de Matemática. Nesta

perspectiva, pois, é preciso (re) pensar em formas que supere a concepção de que aprender

matemática se dá pela repetição de exercícios e reprodução de informações conceituais, até

porque o problema não é montar uma operação matemática, nem sequer encontrar resposta

para ela, mas a de possibilitar a sua interpretação e a sua compreensão.

A construção significativa do conhecimento de matemática no 6º ano do Ensino

Fundamental é, entre outras propostas, uma das situações primordiais para a vida da

criança e do adolescente não só dentro da escola, mas, principalmente, para sua

convivência fora dela. Além disso, segundo os documentos oficiais do Ministério da

Educação (MEC) e alguns estudos de educadores matemáticos, como: Lorenzato (2010),

Fiorentini (1995), Nacarato (2013), Papert (2008), Valente (1999), entre outros, apontam

que é nessa série escolar que a formalização dos conceitos matemáticos começa (ou pelo

menos deve) ganhar mais espaço nas aulas. Aprender bem os conceitos lógicos,

operacionais e relacionais, desenvolver o pensamento e competências matemáticas

necessárias neste ano escolar constituem-se como uma das situações essenciais para o

desenvolvimento da aprendizagem do estudante para, sobretudo, sua atuação nessa

sociedade cada vez mais complexa e dinâmica. E isso implica necessariamente (re) pensar

o processo da construção do conhecimento de matemática em outro movimento, diferente

pelo qual é imposto pelo atual sistema educacional.

A afirmativa de que os ambientes de matemática são pobres em recursos que

estimulem o pensamento e a expressão de ideias é habitual. Parte desse pensamento se

encontra força no próprio sistema básico de ensino. Longe das aproximações sucessivas

empresariais, o desenvolvimento do pensamento matemático do estudante deve caminhar

por uma outra lógica impulsionadora, sendo sustentada e nutrida por situações em que a

produção, a análise e a compreensão se configurem como peças fundamentais do processo,

não como elementos subalternos. Nesse mesmo complexo, num sentido mais específico, as

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concepções apontadas por alguns estudiosos da área da educação matemática e informática

- em especial, Papert (2008) e Resnick (2000) - nos permitem compreender que a

linguagem computacional gráfica é um dos caminhos possíveis para o desenvolvimento do

raciocínio matemático, desde que esteja amalgamada a ações pedagógicas efetivas e não

subversivas a um sistema que visa atender e, ao mesmo tempo, alimentar meramente o

processo metódico, quantitativo e mercadológico.

Um simples algoritmo3 'para fazer um personagem/objeto mover-se na tela' requer

um conhecimento que vai além dos comandos de programação, demanda um pensar

criativo, lógico, capaz de organizar essas informações, que não necessariamente pode ser

medido ou mensurado. O Scratch, sendo uma linguagem computacional gráfica, pode

contribuir, por meio da construção de algoritmos, no desenvolvimento de competências

fixadas nos documentos oficiais do ministério da Educação: capacidade de resolução de

problemas, cálculo mental e capacidade de se comunicar matematicamente. Além disso,

essa linguagem computação gráfica possibilita, aos estudantes, ter a oportunidade de

desenvolver habilidades de comparar, relacionar, investigar, induzir, refutar contradições

ao construir projetos gráficos ou animações e games, que envolvem uma série de

pensamentos lógicos, relacionais e operatórios. O seu uso também pode propiciar

vantagens pedagógicas, possibilitando um trabalho mais favorável à superação de lacunas

que os alunos têm no desenvolvimento do raciocínio matemático, mas que não

necessariamente se subvertem ao modelo repetitivo e tecnicista como geralmente é

acentuado no uso das tecnologias.

Diante desse contexto, esse trabalho, de cunho investigativo, se estrutura no sentido

de compreender as implicações do uso da linguagem computacional gráfica Scratch na

construção do pensamento matemático de estudantes de 6º ano do Ensino Fundamental,

considerando as contradições vigentes do contexto escolar. Busca, assim, responder o

seguinte problema de pesquisa: Quais são as implicações do uso da linguagem

computacional gráfica (Scratch) na construção do pensamento matemático de estudantes

de 6º ano do Ensino Fundamental, considerando as contradições vigentes do contexto

escolar?

3 Em informática, conjunto de regras e procedimentos lógicos e operacionais perfeitamente definidos, que

levam à solução de um problema em um número finito de etapas.

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2 CONSTRUCIONISMO: LINGUAGEM COMPUTACIONAL GRÁFICA SCRATCH

A teoria construcionista é percebida, conforme Papert (2008), sobre a suposição de

que as crianças farão melhor descobrindo por si mesmas o conhecimento específico de que

precisam. Ela defende que é possível o estudante construir o conhecimento, sem anular os

processos intelectuais e causais da imaginação e criatividade. Condena o tecnicismo e a

reprodução de informações que pouco contribuem para a formação e desenvolvimento do

estudante. Dialoga também com as ideias defendidas por Freire (2011), no sentido

tradicional, de que a visão de 'ensinar' não deve ser resumida ou limitada no ato de

'transferir conhecimento', mas criar possibilidades para a sua própria produção ou a sua

construção de forma crítica e significativa. Tem-se, portanto, uma proposta educadora que

incorpora em suas diretrizes, a leitura de mundo do educando, sua visão crítica da

realidade, o diálogo amalgamado entre teoria e prática e que busca, sobretudo, conferir a

seus sujeitos elementos para o exercício de emancipação.

A teoria construcionista, iniciada por Papert, fundamenta-se na linguagem

computacional Logo, como proposta para a construção do pensamento matemático de

estudantes (especialmente, crianças e adolescentes). Desenvolveu-se e, por consequência,

influenciou, e continua a influenciar, diversos projetos e pesquisas ao redor do mundo. O

Scratch4 é um exemplo de uma linguagem computacional gráfica como sucessora do Logo,

que foi concebido e desenvolvido pelo Lifelong Kindergarten Group, do MIT (com

financiamento da National Science Foundation, Intel Foundation, Nokia e consórcio de

pesquisa do MIT Media Lab.), que permite o desenvolvimento de aplicativos que integram

recursos de multimídia, de forma intuitiva e dinâmica. Seu objetivo primário é facilitar a

introdução de conceitos de matemática e de computação, enquanto também induzindo o

pensamento criativo, o raciocínio sistemático e o trabalho colaborativo (SCRATCH, 2015).

Segundo Resnick (2013), diretor do MIT, a linguagem computacional gráfica Scratch

possibilita, aos estudantes, construir ideias lógicas, relacionais e operatórias,

desenvolvendo, ao mesmo tempo, a compreensão de conceitos matemáticos, como:

coordenada (no plano cartesiano), variável, números aleatórios, entre outros.

A linguagem computacional gráfica Scratch é intuitiva e não há necessidade de

linhas de códigos-fontes extensos, nem tampouco sintaxes complexas. Usa-se, ao contrário,

4SCRATCH, disponível em: < https://scratch.mit.edu/scratch2download/> Acesso em: 05 de jul. de 2015.

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blocos lógicos (como se fossem tijolos ou peças do brinquedo Lego), que implementam as

estruturas básicas de um programa. A linguagem computacional gráfica no contexto

escolar, conforme Resnick (2013), propicia a construção de programas (diga-se: softwares)

de forma mais simples, além de estimular o pensamento matemático, e de permitir

visualizar graficamente a execução do programa construído, que é uma perspectiva

diferente de atividades repetitivas e mecânicas. A figura a seguir mostra a interface de um

jogo (Pingue-Pongue) construído no Scratch, utilizando diferentes comandos lógicos e

relacionais, iterações operatórias e sistema de condição, bem como o uso de controle de

velocidade (da animação) e variáveis.

Um programa pode ter diferentes objetos, que se movimentam sobre um ambiente

denominado palco. Estes objetos são constituídos por diferentes tipos de blocos, a saber:

eventos, movimento, aparência, controle, sensores, operadores, som, caneta, variáveis e

mais blocos. Cada bloco reuni, em sua estrutura, diversos tipos de comandos, que se

'encaixam' somente de forma lógica e estratégica, fazendo sentido sintaticamente, não

ocorrendo, assim, erros de sintaxe. Por consequência, as crianças e os adolescentes voltam-

se somente para a lógica necessária, que precisam para construir programa no Scratch. Por

exemplo, um operador relacional tem um formato geométrico hexagonal, que pode ser

inserido como condição de teste de uma estrutura de decisão ou condição "se [...]"

Figura 1 Jogo (Pingue-Pongue) construído no Scratch 2.0

Fonte: produção própria, 2015.

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O Scratch exigirá do estudante não só o pensamento lógico e estrutural matemático

dos comandos computacionais, mas também a criação de sequências de comandos (do

simples ao mais complexo) de forma organizada e sistemática. Isso porque, conforme

Resnick (2009, p. 60, tradução nossa) "[...] não é preparar as pessoas para seguir uma

carreira profissional como programadores, mas para incentivar uma nova geração de

estudantes criativos, pensadores críticos e que possam, por meio das tecnologias, expressar

suas ideias, nas apenas consumi-las". A linguagem computacional deve ser utilizada como

ferramenta para o estudante construir o seu conhecimento e o seu pensamento, não

meramente (re) produzir técnicas computacionais.

Diante do exposto, é possível perceber que, à luz das argumentações de Papert

(2008), Valente (1999) e Resnick (2013), a linguagem computacional gráfica Scratch pode

ser empreendida como uma possibilidade para desenvolver o pensamento de matemática,

no sentido contrário ao processo de atividades mecânicas, alienantes e alienadas,

incorporado no universo escolar. Pode também ser vista como uma das formas de

contribuir no desenvolvimento do raciocínio lógico, operatório e relacional matemático,

dos estudantes, de uma forma significativa, contrapondo a perspectiva camuflada e

receptora de informações. Em diálogo com essa mesma perspectiva do desenvolvimento do

pensamento matemático, por meio da linguagem computacional Scratch, encontramos

forças em Freire (2011) e Freitas (2015) para discutir, no sentido restrito, as contradições

vigentes escolares, que muitas vezes dificultam (ou impossibilitam) o desenvolvimento do

pensamento do estudante, bem como a sua participação enquanto sujeito de um processo

maior e mais significativo. Em articulação com as ideias, aqui apresentadas, pelos autores e

pelos documentos de avaliação (PISA e SAEB), bem como os documentos oficiais do

Ministério da Educação, nos permite compreender as contradições, no sentido de repetição

Figura 2 Bloco (simples) do Scratch e fragmentos de algoritmo

Fonte: produção própria, 2015.

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e alienação da produção do conhecimento no contexto escolar e, consequentemente, o

desfavorecimento do pensamento matemático dos estudantes do 6º ano.

3 TRILHANDO CAMINHOS: DIREÇÃO E MÉTODOS

A fim de responder o problema, ora delineado, nessa pesquisa, será desenvolvido

um trabalho investigativo em uma Escola Pública Municipal, Irmã Catarina Jardim

Miranda, situada na cidade de Senador Canedo - Goiás, com os estudantes do 6º ano do

Ensino Fundamental. Para coleta e análise dos dados, desenvolveremos um projeto de

matemática (denominado por MATTICS), no contraturno escolar, que envolverá a

participação de, no máximo, 25 estudantes.

A partir do movimento desse projeto, durante quatro meses, por meio das atividades

didático-tecnológicas desenvolvidas, coletaremos as informações necessárias, que servirão

para análise do objeto dessa pesquisa. Desta forma, assim, utilizaremos os seguintes

instrumentos de coleta: filmagens, entrevistas, diário de bordo preenchido pelo professor

pesquisador, diários de campo preenchido por professores envolvidos no projeto, cadernos

de relato dos vinte e cinco estudantes - participantes da pesquisa. Além disso, no sentido de

triangular as informações, observaremos e analisaremos, tendo em vista os objetivos

definidos na pesquisa, os projetos computacionais construídos pelos estudantes utilizando a

linguagem de programação gráfica Scratch, como: game, animation, softwares, etc. Para

que os dados sejam coletados, no sentido mais específico, será investigado, em articulação

constante entre teoria e prática, as estratégias lógicas de matemática adotadas pelos

estudantes ao construírem os programas e desenvolverem as situações-problema propostas,

utilizando a linguagem computacional gráfica Scratch.

Analisaremos, ainda, os registros dos estudantes (por meio do caderno de relato) de

cada encontro, que contemplarão (conforme orientação, que faremos) as explicações e as

estratégias utilizadas para a construção de programas computacionais em Scratch, como,

por exemplo: as relações estabelecidas entre variáveis e distâncias, números positivos e

negativos, sistema do plano cartesiano, controle de velocidade dos personagens, as

combinações entre os comandos de movimentação/rotação e sensores, laços de repetição

(Lê-se: loops), 'se um personagem fazer isso ou aquilo o que acontece, os 'porquês', as

condições', entre outros. Se, porventura, os estudantes apresentarem informações mais

gerais ou truncadas em seus respectivos cadernos de memória (acerca de seus projetos

computacionais construídos), assim, então, os entrevistaremos, no sentido de esclarecer as

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eventuais dúvidas que possam surgir na análise dos dados. Essas entrevistas, embora no

sentido condicional, se alicerçarão na configuração de semiestruturada, porque

articularemos tantos as perguntas fechadas, quanto as abertas, na perspectiva de que os

estudantes possam se expressar em alguns momentos de forma orientada, mas também, em

outros, de forma espontânea e livre. Essas entrevistas serão registradas no caderno de

bordo do professor pesquisador, mas, por outro lado, caso o estudante permita,

utilizaremos os gravadores de áudio.

Diante desse movimento, a proposta desta pesquisa se assenta na abordagem

qualitativa, pois se centra na interpretação de fenômenos, na busca da compreensão de

significado, em diferentes perspectivas, para além de dados numéricos. Se sustenta ainda

na perspectiva qualitativa pelo fato de objetivar a: "[...] transitoriedade de seus resultados;

não neutralidade do pesquisador que, no processo interpretativo, vale-se de suas

perspectivas e filtros vivenciais prévios dos quais não consegue se desvencilhar"

(GARNICA, 2004, P. 86).

4 TECENDO ALGUMAS INFORMAÇÕES E CONSIDERAÇÕES

É importante destacar que todos os dados de coleta, na referida pesquisa, serão,

minuciosamente, armazenados pelo período de cinco anos e, depois desse tempo, serão

picotados e reciclados. Os dados referidos serão elaborados e adequados conforme a

necessidade observada pelo pesquisador, obedecendo, fielmente, às orientações

metodológicas da pesquisa qualitativa em educação matemática, sem deixar de prezar pelo

resguardo e a confidencialidade das pessoas envolvidas.

Além disso, destacamos que todas as informações necessárias ao esclarecimento

dos sujeitos da pesquisa(e seus responsáveis), quanto ao desenvolvimento, coleta de dados,

garantia de privacidade e divulgação dos resultados, estão no documento, Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Nessa perspectiva, a obtenção da autorização

dos sujeitos (estudantes, direção, coordenação, secretaria da educação de Senador Canedo)

foi feita mediante apresentação do TCLE antes do início da pesquisa, e em tudo que nela

há. Depois desse trabalho, será divulgado os resultados não só para a área de Educação e

Educação Matemática, mas, sobretudo, para comunidade escolar. Espera-se, em suma, que

a pesquisa contribua para um repensar sobre a construção do pensamento matemático por

meio da linguagem computacional gráfica Scratch.

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Espera-se que, ao longo da investigação, a linguagem computacional Scratch

contribua, articulada com ações pedagógicas efetivas, na construção do pensamento

matemático do estudante, quando se valoriza, durante o processo pedagógico, as relações

lógicas, condicionais (entre variáveis) e operatórias. Espera-se, ainda, que as implicações

do uso dessa linguagem computacional, no contexto escolar, possibilite o estabelecimento

e o desenvolvimento de estratégias lógicas matemáticas.

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