a construção de personagem

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A CONSTRUÇÃO DE PERSONAGEM a partir da leitura de A Personagem de Beth Brait e O muro de Jean-Paul Sartre Aureir Alves de Brito, Caroline Prestes Cristinne Leus Tomé, Daiane Freitas Costa Edeuso Alexandre de Almeida, Nilsa Rodrigues Michelon, Priscilla Souza de Almeida Teoria Literária II – Narrativas Marcela Dias Pinto Perez UNEMAT – campus Universitário de Sinop

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Page 1: A Construção de Personagem

A CONSTRUÇÃO DE PERSONAGEM a partir da leitura de A Personagem de Beth Brait e O muro de

Jean-Paul SartreAureir Alves de Brito, Caroline Prestes

Cristinne Leus Tomé, Daiane Freitas CostaEdeuso Alexandre de Almeida,

Nilsa Rodrigues Michelon, Priscilla Souza de Almeida

Teoria Literária II – NarrativasMarcela Dias Pinto Perez

UNEMAT – campus Universitário de Sinop

Page 2: A Construção de Personagem

1 Recursos de construção

• Ao construir seus personagens, o escritor se utiliza de suas experiências da vida real ou imaginária, dos sonhos, do cotidiano.

• O texto é o produto final desta concepção, com elementos capazes de dar consistência à sua criação. Pela narrativa percebemos como o escritor dá forma ao caracterizar as personagens.

• Ao caracterizar as personagens precisamos, a princípio, situar o papel do narrador, aquele que conduz o leitor a este novo mundo que se abre à sua frente.

Page 3: A Construção de Personagem

1 Recursos de construção

• Para classificar o narrador, dividimos em narrador em terceira pessoa e narrador em primeira pessoa.

• A autora considera que o narrador pode se apresentar como um elemento não envolvido na história (uma câmera) ou como uma pessoa envolvida direta ou indiretamente com os acontecimentos.

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2 O narrador é uma câmera

• A autora apresenta o romance Os que bebem como os cães, de Assis Brasil, narrado na terceira pessoa, cuja personagem pouco ou nada fala durante a história. A personagem habita uma cela escura, aberta de tempos em tempos para um pátio em que prisioneiros banham-se e lavam roupas.

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2 O narrador é uma câmera• “Aos poucos ia apalpando o escuro da cela, o silêncio

da escuridão, o zumbido do próprio corpo – estava no chão frio: não era cimento nem tijolo, terra batida úmida, mas não molhada ao ponto de ensopar sua roupa – os braços para trás das costas, os pulsos algemados. [...] A posição era incômoda: as mãos nas costas, o corpo meio de lado, o rosto na areia fria.”

• Os recursos utilizados pelo narrador que, como observador pode mostrar os movimentos que vão delineando e também, o que está sentindo.

Page 6: A Construção de Personagem

2 O narrador é uma câmera

• O recurso de utilizar a narrativa na terceira pessoa aponta para a verossimilhança interna da obra. A personagem está restrita à cela e ao pátio, não tem noção de quem é e por que está ali, e de quanto tempo encontra-se assim. A composição do espaço, o desenho do ambiente, a caracterização da postura física da personagem e a utilização do discurso indireto combinam-se de forma harmônica.

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2 O narrador é uma câmera

• A apresentação de um narrador que está fora da história é um recurso antigo: “Era uma vez uma moça muito bonita...”.

• No Antigo Testamento , nas epopeias clássicas, nos contos de fada, a personagem não é posta em cena por ela mesma, mas pelo relato de suas ações.

• A utilização do discurso indireto livre é um artifício linguístico que dissipa a separação rígida entre a câmara e a personagem, uma vez que lhe confere autonomia para auscultar uma interioridade que não poderia ser captada pela observação externa.

Page 8: A Construção de Personagem

3 A CÂMERA FINGE REGISTROS E CONSTRÓI A PERSONAGEM

• O narrador em terceira pessoa simula um registro contínuo, focalizando a personagem nos momentos precisos que interessam ao andamento da história. No romance policial o registro detalhado do comportamento das personagens é tarefa para um narrador colocado fora da história e encarregado de acumular traços que funcionam como indícios da maneira de ser e de agir dos agentes das ações. Através desses traços a personagem vai sendo construída.

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3 A CÂMERA FINGE REGISTROS E CONSTRÓI A PERSONAGEM

• Dashiell Hammett escritor consagrado por sua literatura policial utiliza essa técnica. Esse escritor instaura um narrador em terceira pessoa, uma espécie de câmera privilegiada, que vai construindo por meio de pistas fornecidas pela narração, pelas descrições e pelo diálogo o perfil das personagens que transitam pela intriga e simbolizam o mundo que ele quer retratar. Na obra The Glass Key ( 1931) ( A chave de vidro) podemos observar como isso pode acontecer.

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3 A CÂMERA FINGE REGISTROS E CONSTRÓI A PERSONAGEM

• “era um homem de quarenta e cinco anos alto como Ned Beaumont, mas com uns vinte kilos a mais...” (HAMMETT, 1931, p. 57).

• Nesse trecho o leitor começa a visualizar duas importantes personagens, essa visualização, esse efeito de realidade vai ganhando forma a partir da descrição minuciosa de traços que apontam para a figura física das personagens. A descrição, a narração e o diálogo funcionam como os momentos de uma câmera capaz de acumular signos e combiná-los de maneira a focalizar os traços.

Page 11: A Construção de Personagem

3 A CÂMERA FINGE REGISTROS E CONSTRÓI A PERSONAGEM

• É importante destacar que o acúmulo de índices em terceira pessoa não é um privilégio dos bons ou dos maus policiais mas uma técnica de construção de personagens que permitem muitas combinações.

• No conto “ Duas Rainhas”, o escritor Dalton Trevisan caracteriza as personagens Rosa e Augusta com um tom maldoso de grandes animais e depósito ambulante de comida. Essa imagem chega ao leitor por um narrador que vai puxando um discurso cheio de metáforas, hipérboles, metonímias, diminutivos com o intuito de compor figuras grotescas.

Page 12: A Construção de Personagem

3 A CÂMERA FINGE REGISTROS E CONSTRÓI A PERSONAGEM

• “ duas gordinhas, filhas de mãe gorda e pai magro. Não sendo gêmeas usam vestido igual encarnado com bolinhas. Sob o travesseiro mil bombons, o soalho cheio de papelzinho dourado...” (TREVISAN, 1964, p. 59).

• Percebe-se que o narrador dissimula sua presença, ele não circula como uma câmera impessoal, ao contrario ele é um narrador bastante pessoal.

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3 A CÂMERA FINGE REGISTROS E CONSTRÓI A PERSONAGEM

• Ao utilizar os diminutivos - gorduchinha, bolinha, somados a hipérbole mil bombons e outros recursos de linguagem, o narrador coloca em contraste o valor semântico das palavras e as figuras que estão sendo construídas.

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4 A personagem e a câmera• A condução da narrativa por um narrador em terceira

pessoa implica, na sua condição de personagem envolvida com os acontecimentos. Por esse processo, os seres fictícios que dão a impressão de vida chegam diretamente ao leitor através de uma personagem.

• Se essa forma de caracterização e criação de personagens for encarada do ponto de vista da dificuldade representada por um ser humano de conhecer-se, seremos levados a pensar que esse recurso resulta sempre em personagens densas, dos abismos insondáveis do ser humano.

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4 A personagem e a câmera

• Tomando como medida o romance moderno, teremos que admitir que esse recurso ajuda a multiplicar a complexidade da personagem e da escritura que lhe dá existência.

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5 Apresentação da personagem por ela mesma

• Quando a personagem expressa a si mesma, a narrativa pode assumir diversas formas: diário íntimo, romance epistolar, Memórias, monólogos interior. Cada um desses discursos procura presentificar a personagem, expondo sua interioridade de forma a diminuir a distancia entre o escrito e o vivido.

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6 A PERSONAGEM É TESTEMUNHA

• A autora traz uma citação que fala sobre a convivência com Holmes, homem tranquilo que dormia cedo e acordava cedo, gostava de ficar no laboratório químico e de vez em quando passeava pelos bairros mais sórdidos da cidade.

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6 A personagem é testemunha

• Em Um estudo em vermelho, a personagem Holmes, uma pessoa que não era difícil,

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7 Resumindo as possibilidades de construção

• O poder de caracterização dos criadores da personagem aponta para uma escritura que espelhando os secretos movimentos da realidade cria e impõe seus próprios movimentos.

• A sensibilidade de um escritor, a sua capacidade de enxergar o mundo e pinçar nos seus movimentos a complexidade dos seres que o habitam realizam-se na articulação verbal.

• No mundo das palavras, nas combinações dos signos, o leitor vai perseguindo, palavra a palavra, traço a traço, uma construção que garante sua própria existência, sua independência, criando seus referentes e abrindo o mundo de leituras.

Page 20: A Construção de Personagem

7 Resumindo as possibilidades de construção

• Na construção de uma personagem, vários traços compõem sua totalidade, permitindo inúmeras leituras, dependendo da leitura do receptor. Exemplo: A Cinderela , por um lado, pode ser um exemplo de comportamento ou um símbolo erótico (Psicanálise).

• Essa análise depende dos índices fornecidos pelo texto.• Os diálogos e os monólogos são técnicas escolhidas e

combinadas pelo escritor a fim de possibilitar a existência de suas criaturas no papel (ex: narração em primeira ou terceira pessoa; discurso direto ou indiretos, entre outros).

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7 Resumindo as possibilidades de construção

• Depois da personagem pronta, o escritor vai ficar a mercê dos delírios do leitor.

• A construção de personagens obedece a determinadas leis, cujas pistas só o texto pode fornecer.

• Durante a leitura, o leitor não deve reduzir o trabalho do escritor às dimensões teóricas (Psicanálise, Sociologia, etc.) mas sim ser parcial.

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O MURO de Jean-Paul Sartre• Resumo : São três personagens (Juan, Tom e Pablo, o

protagonista) em uma cela, acusados presos por convicção política, na Espanha, por pertencerem à Brigada Internacional (comunistas). Outros personagens aparecem dialogando com os três principais: quatro interrogadores, os guardas e o médico belga. A história se passa nas últimas 24 horas dos personagens principais. Começa com o interrogatório, voltam para a cela, a noite o médico vai examiná-los, e, na manhã seguinte, dois deles são fuzilados e Pablo volta para o interrogatório.

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O MURO: Características• Narrador em Primeira Pessoa (Pablo):“[...] sentia-me apatetado com e com a cabeça vazia [...] (SARTRE p.09)

• Mas, às vezes, tem característica de terceira pessoa – devido ao ausentamento de si na narrativa, para se ver em outra perspectiva, quando referido-se a si diz:

“[...] há pelo menos uma hora suava em bicas e não havia sentido nada.”(SARTRE p.17).

• Narrador Onisciente:“ Juan sentia um medo terrível de sofrer, não pensava senão na nisso; Era

próprio da idade. Eu já não pensava muito no assunto e não era o medo de sofrer que me fazia transpirar” (Idem p.18).

“Tom continuou a engrolar palavras, com uma espécie de distração. Certamente falava para não poder pensar.” (Ibidem, p. 21).

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O MURO: Características• Sartre – conhece a história e influencia na obra.• “O muro é mais que um obra da juventude de Jean-Paul Sartre; é a

obra da juventude de todos nós. Escrita no período anterior à segunda guerra mundial, revela uma capacidade de questionamento surpreendente e atual” (da Editora, Contracapa).

• Pablo o narrador envolvido:• “Tudo se pôs a girar e me surpreendi sentado no chão – ria tão forte

que as lágrimas me vieram aos olhos” (SARTRE, p.33).

• Não é só descritivo mas subjetivo também:“Penso que ele tinha tanta inteligência quanto uma porta, mas sem dúvida não era mau.” (Idem, p.16)

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O MURO: Características• O diálogo, em discurso direto, serve para caracterizar o que sentem e o

que se passa com as personagens:“– Juan Mirbal? – É aquele que está na esteira. – Levante-se – ordenou o oficial.” (Ibidem, p.28). “– Está amanhecendo.” (Ibidem, p.27).

• Desta forma, a narração em primeira pessoa não se compromete tanto com o “fato”, pois, supostamente, não é uma interpretação de fala de sua parte, mas a utilização de discurso direto o isenta indiretamente de descrições.

• Monólogos interior que influencia na primeira pessoa“Entretanto eu estava ali, podia salvar a pele entregando Gris e me recusava a

fazê-lo. Achava aquilo muito cômico; era pura obstinação. Pensei: “Já é ser cabeçudo”; e uma hilaridade esquisita me invadiu” (Ibidem, p. 31).

Page 26: A Construção de Personagem

Personagens• Personagem: Juan Mirbal – o mais moço, irmão de um ativista; Etimologia: latim – Ioannes, que significa, em hebraico, Javé é misericordioso. Outras

ligações como João, John, etc.

• Personagem complexa – redonda, assim como os outros prisioneiros que já estavam “mortos”.

“Nós três o olhávamos porque ele estava vivo. Fazia gestos de gente viva, tinha inquietações de um vivo; [...] Nós não sentíamos mais o nosso corpo – não o sentíamos como ele, em todo o caso” (SARTRE, p. 22).

• Descrito com certo tipo por Pablo:“Juan não falava nunca; sentia medo e além disso era muito jovem para ter uma opinião”

(Ibidem, p. 11). “Três dias antes era uma criança traquina, mas agora tinha o ar de um velho, nunca mais

seria um jovem.” (Ibidem, p.14)Mais tarde:“No fim de um momento o pequeno levou a gorda pata à boca e tentou mordê-la. O

belga desvencilhou-se rapidamente e recuou horrorizado até o muro.” (Ibidem p.23).

Page 27: A Construção de Personagem

Personagens• Tom Steinbock– mais forte e gordo, irlandês; muitas vezes

caricaturado pelo narrador, Pablo.“Tom, porém, era bem falante e sabia perfeitamente o espanhol.”

(SARTRE, p.11)“Tom era forte, mas sobrava-lhe banha. Eu pensava nas balas de fuzil

ou nas pontas das baionetas que em breve iam penetrar naquela massa de carne macia como numa barra de manteiga. Essa ideia não me teria o mesmo efeito se ele fosse magro.” (Ibidem, p. 12).

• Os quatro civis examinando papéis para julgá-los estão atrás de Ramón Gris, personagens secundárias, que não se tem nem seus nomes citados.

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Personagens

• Ramón Gris, o procurado que nunca aparece diretamente na narrativa, mas desencadeia toda a ação. (Por sua causa que os três estão presos).

• O médico belga que não tinha seu nome pronunciado se caracteriza por uma personagem plana. Assim descrita por Pablo, o narrador:“Nós três o olhávamos porque ele estava vivo. Fazia gestos de gente viva, tinha inquietações de um vivo; ele tiritava no porão, como deviam tiritar todos os vivos; possuía um corpo obediente e bem nutrido.” (Ibidem p.22)

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Referências

• BRAIT, Beth. A personagem. 07. Ed.São Paulo: Ática, 1985.

• SARTRE, Jean-Paul. O muro. Tradução de H. Alcântara Silveira. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2005 (original, Le Mur. Editions Gallimard, 1939.)