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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE CANDIDATAS EM ELEIÇÕES NA IMPRENSA BRASILEIRA E ALEMÃ Ellen Barros de SOUZA (USP) 1 Selma Martins MEIRELES (USP) 2 Introdução Esta comunicação tem por objetivo trazer um panorama da pesquisa de mestrado em andamento acerca da construção da imagem das candidatas aos principais cargos executivos de Brasil e Alemanha, a saber, Dilma Rousseff e Angela Merkel, respectivamente. Analisamos tal construção por meio das estratégias discursivo- argumentativas utilizadas pelos enunciadores de duas publicações semanais dos dois países: as revistas Época e Focus. O corpus do trabalho é composto por oito reportagens sendo quatro reportagens para cada publicação que tratam dessas duas políticas durante a campanha eleitoral nos dois países, especificamente no que tange ao modo como é construída a relação entre elas e o eleitorado. A fim de cumprir esses objetivos, baseamos nosso aporte teórico nos trabalhos de Charaudeau (2007, 2008), Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]) e Amossy (2008). Como metodologia, aplicamos o modelo dos tipos de ethé proposto por Charaudeau (2008), que consiste em elencar os tipos de imagem projetada pelo discurso por meio de seu contexto de produção e recepção, além de analisarmos as estratégias discursivo- argumentativas propostas por Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]). Para esta comunicação, selecionamos duas reportagens do corpus, uma para cada publicação. 1 Mestranda (bolsista CAPES) em Língua e Literatura Alemã pela Universidade de São Paulo (USP). 2 Professora Doutora do Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo (USP) Orientadora.

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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares

05, 06 e 07 de junho de 2013

ISSN: 1981-8211

A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE CANDIDATAS EM ELEIÇÕES NA

IMPRENSA BRASILEIRA E ALEMÃ

Ellen Barros de SOUZA (USP)1

Selma Martins MEIRELES (USP)2

Introdução

Esta comunicação tem por objetivo trazer um panorama da pesquisa de mestrado em

andamento acerca da construção da imagem das candidatas aos principais cargos

executivos de Brasil e Alemanha, a saber, Dilma Rousseff e Angela Merkel,

respectivamente. Analisamos tal construção por meio das estratégias discursivo-

argumentativas utilizadas pelos enunciadores de duas publicações semanais dos dois países:

as revistas Época e Focus. O corpus do trabalho é composto por oito reportagens — sendo

quatro reportagens para cada publicação — que tratam dessas duas políticas durante a

campanha eleitoral nos dois países, especificamente no que tange ao modo como é

construída a relação entre elas e o eleitorado.

A fim de cumprir esses objetivos, baseamos nosso aporte teórico nos trabalhos de

Charaudeau (2007, 2008), Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]) e Amossy (2008).

Como metodologia, aplicamos o modelo dos tipos de ethé proposto por Charaudeau (2008),

que consiste em elencar os tipos de imagem projetada pelo discurso por meio de seu

contexto de produção e recepção, além de analisarmos as estratégias discursivo-

argumentativas propostas por Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]). Para esta

comunicação, selecionamos duas reportagens do corpus, uma para cada publicação.

1 Mestranda (bolsista CAPES) em Língua e Literatura Alemã pela Universidade de São Paulo (USP). 2 Professora Doutora do Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo (USP) –

Orientadora.

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1. O discurso jornalístico

Para Charaudeau (2007), a comunicação midiática é um fenômeno de produção do

sentido social. A informação é um ato comunicativo. Nele, estão envolvidas a linguagem e

a informação, que consistem, respectivamente, na conjunção de sistemas de valores que

comandam os signos (linguagem) e o processo de produção do discurso em situação de

comunicação (informação). Segundo o autor, a informação é enunciação. ―Ela constrói

saber e, como todo saber, depende ao mesmo tempo do campo de conhecimentos que o

circunscreve, da situação de enunciação na qual se insere e do dispositivo no qual é posta

em funcionamento.‖ (CHARAUDEAU, 2007: 36). Portanto, no discurso jornalístico, tal

saber depende de conhecimentos prévios do leitor acerca da enunciação em questão.

Ainda conforme Charaudeau (2007: 49), quem informa não deve se perguntar se é

fiel, objetivo ou transparente, mas qual o efeito produzido do modo de tratar a informação.

Isto é, segundo o autor, o efeito de verdade do discurso midiático. Nesse efeito, há a

subjetividade do sujeito na construção do discurso por meio das marcas elocutivas como

pronomes pessoais, verbos de modalidade, advérbios, entre outras. Portanto, para o autor

(2007: 49), ―tudo é escolha‖: mesmo comunicar e informar.

Corroborando com as afirmações de Charaudeau (2007) acerca do efeito de

verdade, Grillo (2004) diz que um dos pilares da prática jornalística é fundamentar sua

atividade em prol da transparência e da verdade em relação ao ―real‖ por ela mostrado.

Logo, ela se utiliza de recursos que dão o tom da realidade ou supõem que o real é aquilo

que é mostrado por ela. Por estabelecer a circulação de dizeres e saberes, acreditamos que a

mídia (neste caso, a imprensa escrita) funciona como importante criadora e divulgadora de

imagens, sendo elas positivas e negativas. Com isso, retomamos Charaudeau (2008) ao

afirmar que a relação entre mídia e político é sempre de dependência.

1.1 As publicações escolhidas para o corpus

Conforme mencionado no item ―Introdução‖, as publicações semanais escolhidas

para o corpus de nosso trabalho são as revistas semanais Época e Focus, de Brasil e

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Alemanha, respectivamente. O motivo da seleção desses dois títulos deu-se, inicialmente,

de maneira subjetiva, pois, até a primeira ida à Alemanha, Focus nos era desconhecida. A

partir desse conhecimento, investigamos o surgimento dessas duas publicações.

A revista semanal alemã Focus foi criada em janeiro de 1993 pelo grupo de mídia

Burda (Burda News Group), sediado em Munique. A concepção da publicação ocorreu de

modo a combater a liderança isolada da revista Der Spiegel, até hoje líder nas tiragens

naquele país; e, também, existia a proposta de inovar a tradicional revista semanal de

interesse geral. Com o sucesso da publicação, o grupo Burda estendeu sua grife para a

página na internet, para canais de televisão e para títulos especiais voltados à economia,

educação e vida acadêmica. Além do êxito local, Focus também teve uma versão

portuguesa, entre 1999 e 2012, contudo, o projeto foi extinto. Se em Portugal a tradução da

publicação alemã não obteve o sucesso almejado, no Brasil, as inovações gráficas e

editoriais trazidas pela Focus inspiraram a Editora Globo buscar o conceito criado pela

idealizadora europeia.

O lançamento da revista Época aconteceu em 22 de maio de 1998 conforme os

padrões editoriais da publicação alemã, antes desconhecidos no Brasil. De acordo com

Roberto Marinho, cujo editorial fora publicado na primeira edição do semanário, as

Organizações Globo estabeleceram ―um canal exclusivo com a revista alemã Focus para

adaptação ao Brasil do modelo vencedor criado por ela em 1993. No Brasil, Época é a

primeira revista semanal de informação concebida na era digital integrando texto e

ilustração de forma só possível com as ferramentas tecnológicas disponíveis hoje e nem

sequer sonhadas há duas décadas.‖. Com isso, Época era considerada ―uma publicação com

o pé no futuro‖, segundo Marinho. Além da visão de futuro, o então dono das Organizações

Globo pretendia uma revista que publicasse os fatos pelos fatos, ―sem pontos de vista

pessoais, que só aparecerão identificados em entrevistas ou colunas. A interpretação e o

julgamento da relevância dos fatos na vida do leitor são prerrogativas suas. De mais

ninguém.‖.

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2. A construção da imagem no âmbito discursivo

Quando pensamos na palavra ―imagem‖, logo a associamos a um aspecto particular

pelo qual algum objeto é percebido, através da fotografia ou das artes plásticas, por

exemplo. Porém, com o passar do tempo, a definição do termo ganhou novos aspectos.

Dentre eles, o conceito de imagem é vinculado a ciências como a física e a psicologia, além

de ser utilizado frequentemente no sentido de ―ter uma opinião‖ contra ou a favor a alguma

instituição, organização ou uma personalidade renomada. Hoje em dia é muito comum

ouvirmos falar a respeito de ―manter a imagem de uma organização‖, ―a imagem

transmitida a alguém‖ e do papel que tais expressões representam na sociedade atual.

Contudo, esta apresentação de si não se limita a artifícios, a técnicas aprendidas com

―marqueteiros‖; ela também se dá nas trocas verbais mais corriqueiras e pessoais. Diante

desse fenômeno, estudiosos como Amossy (2008) e Charaudeau (2007) retomam a noção

retórica de ethos para a pragmática e a análise do discurso.

Na Antiguidade, o termo ethos era designado para a ―construção de uma imagem de

si destinada a garantir o sucesso do empreendimento oratório‖ (AMOSSY: 2008, 10).

Atualmente, percebemos que a construção da imagem de si não se dá somente pelo

indivíduo, mas também por artifícios elaborados por terceiros – um fenômeno cada vez

mais comum se pensarmos nos períodos eleitorais, em que os políticos recorrem aos

profissionais de marketing a fim de obter maior êxito junto ao eleitor. Além disso, esse

fenômeno também pode ocorrer fora da esfera publicitária: a mídia tem papel

preponderante na construção da imagem de uma personalidade conhecida. Neste trabalho,

utilizamos a noção de imagem como o resultado de uma construção discursiva, que tem o

poder de influir nas atitudes e nas opiniões de um interlocutor.

2.1 O conceito de ethos e suas nuances

O conceito de ―imagem‖ que utilizamos neste trabalho é extraído dos estudos do

analista do discurso Patrick Charaudeau (2008), para quem a imagem está relacionada ao

ethos, o qual ―se liga àquele que fala, não é propriedade exclusiva dele; ele é antes de tudo

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a imagem de que se transcreve o interlocutor a partir do que diz.‖. Além disso, segundo o

autor,

O ethos relaciona-se ao cruzamento de olhares: olhar do outro sobre

aquele que fala, olhar daquele que fala sobre a maneira como ele pensa

que o outro o vê. Ora, para construir a imagem do sujeito que fala, esse

outro se apoia ao mesmo tempo nos dados preexistentes ao discurso – o

que ele sabe a priori do locutor – e nos dados trazidos pelo próprio ato de

linguagem (CHARAUDEAU, 2008: 115).

O ethos não é totalmente voluntário. Ele pode ser construído ou reconstruído pelo

locutor, como frequentemente acontece no discurso político. A concepção de ethos,

seguindo o proposto por Charaudeau (2008), se trata ―de uma concepção idealizada da

existência do sujeito, que pode ser aplicado ao sujeito do discurso e que (é a nossa

hipótese)3 guia a comunicação social na qual se constrói o ethos‖ (CHARAUDEAU, 2008:

116). Para o autor, o ethos é o resultado de uma dupla identidade social do sujeito falante:

na primeira identidade componente, o sujeito mostra-se como locutor; é esta que legitima a

função de este ser o comunicante em função da situação de comunicação. Na segunda, o

sujeito constrói uma figura de si como aquele que enuncia, ou seja:

uma identidade discursiva de enunciador que se atém aos papéis que ele

se atribui em seu ato de enunciação, resultado das coerções da situação de

comunicação que se impõe a ele e das estratégias que ele escolhe seguir.

O sujeito aparece, portanto, ao olhar do outro, com uma identidade

psicológica e social que lhe é atribuída, e, ao mesmo tempo, mostra-se

mediante a identidade discursiva que ele constrói para si. O sentido

veiculado por nossas palavras depende ao mesmo tempo daquilo que

somos e daquilo que dizemos. (CHARAUDEAU, 2008: 115).

Ao retomar a citação do autor, quando ele afirma que o ―outro se apoia ao mesmo

tempo nos dados preexistentes ao discurso – o que ele sabe a priori do locutor‖, podemos

relacioná-la ao conceito de ethos prévio de Amossy (2008) — que é algo como a

representação prévia do ethos do locutor antes que ele fale —, o qual consiste na construção

antecipada da imagem pela opinião pública. Esta imagem prévia afeta a construção que o

3 Parênteses introduzidos pelo autor.

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próprio enunciador faz de si mesmo. Ou seja, se a imagem de determinado político é dada

pela mídia e pela sociedade como a de alguém autoritário, este, provavelmente, alimenta

esta ideia, transmitindo as características presentes de um indivíduo com este perfil.

Além da noção de ethos prévio, também trabalhamos, aqui, com o conceito de ethos

projetivo cunhado por Meyer (2007), o qual ―é a imagem do outro que fala‖, ―aquele que o

auditório imagina‖ (MEYER, 2007: 55-56); ou seja, isso consiste na imagem presumida do

orador compartilhada pelo auditório. Neste caso, lidamos com a ideia de que o enunciador

da reportagem já possui a imagem prévia, presumida das duas políticas (seja por

reportagens anteriores, veiculadas pela mesma revista ou por outra; por discursos proferidos

por elas em algum momento; por entrevistas dadas anteriormente ou por depoimentos de

outrem, etc.) e constrói a imagem na qual ele acredita ser aquela que irá influenciar o

auditório (o eleitor).

2.2 Os tipos de ethé

Com o intuito de analisar a imagem dos últimos presidentes franceses, Charaudeau

(2008: 119) propôs a categorização do ethos em duas grandes frentes: pela credibilidade e

pela identificação. A importância dessa categorização para a pesquisa se dá diante da

maneira como ela é elaborada tanto para o discurso político em si como para o discurso da

mídia (ambos enfoques do estudioso francês), pois política e mídia, por fim, necessitam dos

mesmos elementos para obter o êxito que almejam.

2.2.1 Os ethé de credibilidade

Para que seja aceito, o sujeito político deve produzir uma imagem que corresponda

aos anseios do seu eleitorado. Portanto, para ter credibilidade, é necessário que o político

construa uma identidade discursiva de tal modo que os outros (a mídia, o eleitor) o julguem

digno de crédito. Para que esse indivíduo seja digno de crédito, é preciso verificar se aquilo

que ele diz corresponde sempre ao que ele pensa (condição de sinceridade ou transparência)

ou ao que ele faz (condição de performance) (2008: 119). No caso de ele revelar-se incapaz

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de prometer o que cumpre, mentiroso, será desacreditado. Segundo Charaudeau (2008: 120),

a credibilidade no discurso político é fundamental, uma vez que há o desafio em tentar

persuadir o eleitor de que o candidato possui essa qualidade. Porém, obter a credibilidade é

algo complexo, pois ela deve seguir, segundo o autor, três condições: a de sinceridade, de

performance e de eficácia.

Na esfera midiática, o sujeito que informa tem a necessidade de credibilidade, pois

seu desafio é transmitir uma informação clara e objetiva, para que ela seja aceita pelo

público, o qual pressupõe que o que está sendo reportado seja claro e verdadeiro. Logo, o

político tem de cumprir as três condições mencionadas, já o jornalista tem de cumprir

somente a condição de sinceridade.

A fim de cumprir as três condições essenciais, o político tem de construir para si

imagens que reforçam a sua credibilidade: a de sério, de virtuoso e de competente. Além do

próprio político, a mídia também tem papel preponderante na construção das imagens

mencionadas. Por exemplo, é comum verificarmos no jornalismo impresso a menção a

alguma qualidade/defeito de algo ou de alguém por meio dos discursos direto e indireto e

pelas manchetes de capa.

Conforme Charaudeau (2008: 136-137),

O ethos de credibilidade é, ao mesmo tempo, um construto e um atributo,

ou, mais precisamente, uma construção sobre um atributo. É um construto

em virtude da maneira pela qual o sujeito encena sua identidade

discursiva. É um atributo em virtude da identidade social que o sujeito

possui e que depende, ao mesmo tempo, de seu estatuto e da maneira

como o público o percebe. (...) se constrói em uma interação entre

identidade social e identidade discursiva, entre o que o sujeito quer

parecer e o que ele é em seu ser psicológico e social. (CHARAUDEAU,

2008: 136-137)

2.2.2 Os ethé de identificação

Ao contrário dos ethé de credibilidade, os quais buscam a adesão do público através

de suas qualidades técnicas, os ethé de identificação possuem imagens que são extraídas do

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afeto: o cidadão, mediante um processo de identificação, procura fundir sua identidade à do

político.

Por se tratar de tipos de imagens que procuram tocar o maior número de pessoas

possível, o político arrisca-se e opta por jogar com valores opostos e contraditórios: ora ele

é tradicional, ora é moderno; ora é poderoso, ora é modesto; ora remete-se à sua vida

pública, ora à vida privada, a fim de definir-se como ―humano‖, entre outros.

Os possíveis tipos de ethos de identificação, segundo Charaudeau (2008: 138),

podem ser os ligados à inteligência, à potência, ao caráter, à humanidade e à liderança

(―ethos de chefe‖). Os quatro primeiros tipos são relacionados à pessoa do político,

enquanto que a autoridade é voltada ao cidadão. Por isso, explicaremos somente a imagem

de ―chefe‖, que estará presente na análise de uma das duas reportagens extraídas do corpus

deste trabalho.

— Ethos de “chefe”: segundo a perspectiva do autor, a imagem de ―chefe‖ condiz

com as figuras de um guia, de um soberano e de um comandante; portanto, figuras de

cunho vinculado aos afetos pessoais. Elas não são as de um ―chefe‖ como nos é conhecido,

são figuras nas quais é depositada a confiança do povo. Então, esta imagem de ―chefe‖ é

distante daquela que é disseminada nos dias atuais, que é a de uma figura de liderança, de

responsabilidade e até mesmo autoritária.

3. As estratégias discursivo-argumentativas

Para que haja a argumentação, é preciso que, ―num dado momento, realize-se uma

comunidade efetiva dos espíritos‖ e as ―condições prévias para a argumentação‖

(PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2005 [1958]: 16). Isto seria o acordo que ambas

as partes, orador e auditório, estabelecem na deliberação. Para que a argumentação se

configure, a condição essencial é a existência de uma linguagem em comum entre as partes

a fim de possibilitar a comunicação. Com isso, no âmbito do discurso jornalístico, o

auditório é constituído pelos leitores do jornal ou revista e o orador é o sujeito que noticia o

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acontecimento. E para que a argumentação da publicação ocorra, ela e o leitor têm de

possuir uma linguagem afim para que a mensagem do emissor chegue ao destinatário.

Contudo, para Amossy (2008: 124), a interação entre orador e auditório acontece

necessariamente ―por meio da imagem que fazem um do outro. É a representação que o

enunciador faz do auditório, as ideias e as reações que ele apresenta, e não sua pessoa

concreta, que modelam a empresa da persuasão.‖.

Conforme Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]: 22), o auditório é o conjunto

daqueles que o orador pretende influenciar com sua argumentação. Diante disso, ele faz

uma sistematização e presume as origens psicológicas ou sociológicas do auditório para que

o orador possa persuadir efetivamente. Se jornal e leitor possuem uma linguagem em

comum, logo, a publicação também sabe das características de seu público e, com isso, a

argumentação ocorre de modo fluido. Confirmando essa ideia, o autor diz: ―Por isso a

cultura própria de cada auditório particular transparece através dos discursos que lhe são

destinados, de tal maneira que é, em larga medida, desses próprios discursos que nos

julgamos autorizados a tirar alguma informação (...)‖ (PERELMAN & OLBRECHTS-

TYTECA, 2005 [1958]: 23).

Se o orador procura saber que características o seu auditório tem, consequentemente

haverá a adaptação daquele ao seu auditório. O importante não é saber se o orador

considera o objeto da argumentação verdadeiro, e sim qual o parecer daqueles a quem ele

se dirige. Cabe ao auditório o papel de determinar a qualidade da argumentação o

comportamento do orador.

Nos estudos de Charaudeau (2010), a argumentação também está presente, e,

segundo o autor, ela é um modo de organização do discurso. Para ele, a ―argumentação é o

resultado textual de uma combinação entre diferentes componentes que dependem de uma

situação que tem finalidade persuasiva‖ (CHARAUDEAU, 2010: 207). Além disso, ele

trabalha com o princípio de organização do discurso, como, por exemplo, o da imprensa,

em que predominam os procedimentos discursivos da narração e da descrição (presentes na

reportagem), bem como da argumentação (em comentários, editoriais e análises) e da

modalização.

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Para o estudioso, a reportagem é um tipo de texto que tem a finalidade de explicar,

que noticia uma série de eventos, ―descrevendo duas características. Essas descrições

funcionam como prova em relação à explicação desenvolvida.‖ (CHARAUDEAU, 2010:

122). Além de explicar, a reportagem é resultado de uma construção subjetiva do

enunciador, já que ele conta, faz uma narrativa acerca do fato. Com isso, os procedimentos

linguísticos podem ser diversos: desde a utilização de artigos definidos e tempos verbais até

recursos retórico-argumentativos como a ironia, a analogia, a metáfora, dentre outros.

Partindo de tais noções mencionadas anteriormente é que baseamos nossas análises

dos trechos das reportagens que virão a seguir.

4. Procedimentos de análise

Para a comunicação no evento, extraímos duas reportagens de nosso corpus,

composto por oito reportagens no total, sendo quatro da revista alemã Focus e quatro da

revista Época. Os títulos dos dois textos são ―As faces de uma chanceler‖ (Die Gesichter

einer Kanzlerin, no texto original), de Focus, e ―A construção da candidata Dilma‖, de

Época. A reportagem alemã foi publicada na edição do dia 06/04/2009. A brasileira está na

edição do dia 22/02/2010. Iniciemos, primeiramente, a análise da reportagem da revista

Focus, baseada nos estudos de Charaudeau (2008, 2010), no que dizem respeito aos tipos

de ethé e aos procedimentos discursivos, e Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]), no

que tange às estratégias argumentativas presentes no discurso.

4.1. Os ethé de liderança e fraqueza de Angela Merkel

Para fins de contextualização, a reportagem faz um percurso dos compromissos

internacionais da chanceler Angela Merkel naquele ano eleitoral. Inúmeros encontros com

chefes de Estado são mencionados e sua liderança no cenário internacional é destacada,

porém, sua atuação na Alemanha suscita dúvidas.

No trecho a seguir, observamos os procedimentos discursivos da narração e da

modalização:

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―Na quarta-feira passada, a chefe do governo alemão deve motivar os políticos na

luta contra a crise‖4

Quanto ao procedimento discursivo da narração, a presença do adverbial ―na quarta-

feira passada‖ (―am Mittwoch vergangener Woche‖) relata quando o encontro de Merkel

com outros políticos acontecerá. Destacamos a escolha lexical que o enunciador faz ao

nomear a chanceler de ―a chefe do governo alemão‖ (―die deutsche Regierungschefin‖) ao

mencionar o encontro dela com outros líderes mundiais. Nesse trecho, a modalização,

presente com o verbo dever, é uma característica da língua alemã, em que cada verbo

modal possui sua carga semântica. Neste caso, ―deve‖ (―muss‖) significa uma obrigação.

Conforme mencionado no item 3, a descrição é um procedimento discursivo

presente na reportagem, por meio do verbo no presente do indicativo ―ama‖ (―liebt‖), no

trecho a seguir:

―Merkel ama medidas estratégicas‖5

Além do procedimento da descrição, observamos a presença do verbo amar, que não

é recorrente em textos do gênero jornalístico. Na descrição, ao dizer que Angela Merkel

―ama medidas estratégicas‖, o enunciador procura reforçar a imagem de líder da chanceler

por meio de um traço de exagero, pois um líder tem como característica estabelecer

estratégias para atingir um objetivo. Neste caso, para contornar os efeitos da crise

econômica que atingia os Estados Unidos e os países europeus em 2009.

No discurso da revista alemã, observamos a presença das técnicas argumentativas

do sarcasmo e da ironia, nos dois trechos a seguir:

―Ela se inclina aliviada em seu blazer rosa-choque‖6

4 Do texto original:―Am Mittwoch vergangener Woche muss die Deutsche Regierungschefin erneut Politiker

zum Kampf gegen die Krise motivieren― 5 Do texto original: ―Merkel liebt strategisches Vorgehen‖ 6 Do texto original: ―Sie lehnt sich erleichtert in ihrem magentafarbenen Blazer zurück―

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O sarcasmo consiste em uma manifestação intencional, maliciosa, por meio de

palavras e gestos, que procura levar o alvo ao ridículo. Já a ironia consiste em dizer o

contrário daquilo que se fala. Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]) dizem que a

ironia é uma argumentação indireta. Ela ―sempre supõe conhecimentos complementares

acerca de fatos‖. E que ―Logo, a ironia não pode ser utilizada nos casos em que pairam

dúvidas acerca das opiniões do orador. Isto dá à ironia um caráter paradoxal: se a

empregam, é porque há utilidade em argumentar; mas, para empregar, é porque há utilidade

em argumentar.‖ (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2005 [1958]: 235).

Na sequência anterior existe o sarcasmo, pois a intenção do enunciador é fazer esse

jogo paradoxal entre ―aliviada‖ e ―blazer rosa-choque‖. Afinal, a tonalidade dessa cor não

possui leveza.

A ironia está presente na sequência ―Brown tem atestado a „forte liderança‟ dela.

Entre seus compatriotas, que foram governados pela Dama de Ferro Margaret Thatcher,

Merkel é considerada um peso-pesado político‖7. Precisamente, nas aspas em ―forte

liderança‖, porque a sequência discursiva faz vários contrapontos entre a imagem da

chanceler alemã no exterior – simpática, pragmática, que sabe negociar nos pequenos

círculos, enfim, uma grande líder – e a imagem interna – de uma governante muito

moderada, de retórica fraca, que não está tão atenta quanto deveria aos problemas da

Alemanha.

Além da ironia, a estratégia argumentativa da analogia está presente nos trechos

sublinhados, já que o enunciador tece uma analogia entre a liderança política de Angela

Merkel com a ex-primeira-ministra britânica. A forma linguística ―gilt als‖ (―é

considerada‖) é recorrente na língua alemã, e indica algo a ser comparado como parecido,

análogo.

Observamos que a chanceler alemã possuía um ethos prévio — pois ela já era

conhecida e estava tentando sua reeleição —, o qual seria confirmado ou não por meio do

7 Do texto original: ―Brown hat ihr gerade erst offentlich ‚Führungsstärke‘ attestiert. Bei seinen

Landesleuten, die sich einst von der eisernen Lady Maggie Thatcher regieren ließen, gilt Merkel als

politisches Schwergewicht.―

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discurso da revista. Na reportagem ocorre uma tentativa de ―duplicar‖ a imagem de Angela

Merkel, ao fazer o contraponto entre como ela é vista por líderes de outros países e pelos

seus compatriotas. Neste caso, o ethos projetivo do enunciador é construído em duas

frentes: o da liderança internacional e o da possível fraqueza no âmbito interno.

Passemos, agora, para a análise da reportagem da revista Época.

4.2 O ethos em construção de Dilma Rousseff

Ao contrário de Angela Merkel, que possuía um ethos prévio no momento do

discurso proferido pela revista Focus, a então candidata à Presidência do Brasil, Dilma

Rousseff, não possuía uma imagem prévia, na qual o leitor de Época identificasse de

imediato. Para isso, a revista publicou uma reportagem sobre a ―construção da candidata

Dilma‖, cujo título é o que está entre aspas.

Vale ressaltar o que dizem Perelman & Olbrechts-Tyteca em relação à narração, que

constitui uma técnica argumentativa muito utilizada pela retórica tradicional e que a

imprensa nos habituou à seleção dos fatos ao contar o que é relevante, ―visando quer a uma

argumentação explícita, quer a uma argumentação que se espera ver o leitor efetuar por si

só.‖ (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2005 [1958]: 132).

Por tratar-se de um texto que aborda exclusivamente essa construção, o

procedimento discursivo da narração é o único que observamos nas sequências a seguir. Por

isso, trabalhamos com a ideia de que o ethos de Dilma Rousseff estava em construção, no

ano de 2010, porque ela não era conhecida tanto da mídia quanto da população em geral. A

seguir, algumas sequências discursivas que abordam o ethos em construção da então

candidata:

―A candidatura de Dilma começou a ser construída involuntariamente em 2005‖

―Começou a misturar frases mais coloquiais e amigáveis em meio a estatísticas‖

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―A Dilma técnica foi substituída pela Dilma política, risonha e candidata à

Presidência‖

―Lula encarregou Dilma de elaborar o Programa de Aceleração do Crescimento

(PAC)‖

―figura constante nas viagens do presidente Lula‖

―Dilma adotou uma postura mais ativa‖

O procedimento da narração é observado nas sentenças cujos verbos estão no

pretérito perfeito: ―começou‖, ―encarregou‖, ―adotou‖, que indicam uma ação concluída

anteriormente. Além disso, a transformação de uma Dilma de perfil técnico para um perfil

mais político e eleitoreiro está na locução na passiva ―foi substituída‖. Conforme

mencionado no item 3, a reportagem tem o intuito de narrar e explicar um acontecimento,

logo, tais procedimentos foram observados nos excertos anteriores do discurso da revista

Época.

Considerações finais

Pretendemos, neste artigo, estabelecer um panorama da pesquisa em nível de

mestrado em andamento. Por meio de duas reportagens extraídas do corpus de nosso

trabalho, analisamos a construção da imagem das duas então candidatas aos principais

cargos executivos de Brasil e Alemanha através das estratégias discursivo-argumentativas

utilizadas pelos enunciadores das duas publicações semanais desses países: as revistas

Época e Focus. Não há, ainda, uma conclusão da pesquisa, mas observamos, nessas

análises, que a imagem política de Angela Merkel é forte e positiva no exterior, porém, na

Alemanha, a imagem é de fraqueza e insegurança. No Brasil, a atual presidente Dilma

Rousseff era desconhecida da mídia e da população em geral, e não havia um ethos prévio

da então candidata, por isso, o ethos projetivo dela ainda estava em construção. Diante de

tais análises, concluiremos nossa pesquisa e investigaremos se tais imagens se confirmarão

ou destoarão dessas que estão presentes neste artigo.

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Referências

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