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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares
05, 06 e 07 de junho de 2013
ISSN: 1981-8211
A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE CANDIDATAS EM ELEIÇÕES NA
IMPRENSA BRASILEIRA E ALEMÃ
Ellen Barros de SOUZA (USP)1
Selma Martins MEIRELES (USP)2
Introdução
Esta comunicação tem por objetivo trazer um panorama da pesquisa de mestrado em
andamento acerca da construção da imagem das candidatas aos principais cargos
executivos de Brasil e Alemanha, a saber, Dilma Rousseff e Angela Merkel,
respectivamente. Analisamos tal construção por meio das estratégias discursivo-
argumentativas utilizadas pelos enunciadores de duas publicações semanais dos dois países:
as revistas Época e Focus. O corpus do trabalho é composto por oito reportagens — sendo
quatro reportagens para cada publicação — que tratam dessas duas políticas durante a
campanha eleitoral nos dois países, especificamente no que tange ao modo como é
construída a relação entre elas e o eleitorado.
A fim de cumprir esses objetivos, baseamos nosso aporte teórico nos trabalhos de
Charaudeau (2007, 2008), Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]) e Amossy (2008).
Como metodologia, aplicamos o modelo dos tipos de ethé proposto por Charaudeau (2008),
que consiste em elencar os tipos de imagem projetada pelo discurso por meio de seu
contexto de produção e recepção, além de analisarmos as estratégias discursivo-
argumentativas propostas por Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]). Para esta
comunicação, selecionamos duas reportagens do corpus, uma para cada publicação.
1 Mestranda (bolsista CAPES) em Língua e Literatura Alemã pela Universidade de São Paulo (USP). 2 Professora Doutora do Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo (USP) –
Orientadora.
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1. O discurso jornalístico
Para Charaudeau (2007), a comunicação midiática é um fenômeno de produção do
sentido social. A informação é um ato comunicativo. Nele, estão envolvidas a linguagem e
a informação, que consistem, respectivamente, na conjunção de sistemas de valores que
comandam os signos (linguagem) e o processo de produção do discurso em situação de
comunicação (informação). Segundo o autor, a informação é enunciação. ―Ela constrói
saber e, como todo saber, depende ao mesmo tempo do campo de conhecimentos que o
circunscreve, da situação de enunciação na qual se insere e do dispositivo no qual é posta
em funcionamento.‖ (CHARAUDEAU, 2007: 36). Portanto, no discurso jornalístico, tal
saber depende de conhecimentos prévios do leitor acerca da enunciação em questão.
Ainda conforme Charaudeau (2007: 49), quem informa não deve se perguntar se é
fiel, objetivo ou transparente, mas qual o efeito produzido do modo de tratar a informação.
Isto é, segundo o autor, o efeito de verdade do discurso midiático. Nesse efeito, há a
subjetividade do sujeito na construção do discurso por meio das marcas elocutivas como
pronomes pessoais, verbos de modalidade, advérbios, entre outras. Portanto, para o autor
(2007: 49), ―tudo é escolha‖: mesmo comunicar e informar.
Corroborando com as afirmações de Charaudeau (2007) acerca do efeito de
verdade, Grillo (2004) diz que um dos pilares da prática jornalística é fundamentar sua
atividade em prol da transparência e da verdade em relação ao ―real‖ por ela mostrado.
Logo, ela se utiliza de recursos que dão o tom da realidade ou supõem que o real é aquilo
que é mostrado por ela. Por estabelecer a circulação de dizeres e saberes, acreditamos que a
mídia (neste caso, a imprensa escrita) funciona como importante criadora e divulgadora de
imagens, sendo elas positivas e negativas. Com isso, retomamos Charaudeau (2008) ao
afirmar que a relação entre mídia e político é sempre de dependência.
1.1 As publicações escolhidas para o corpus
Conforme mencionado no item ―Introdução‖, as publicações semanais escolhidas
para o corpus de nosso trabalho são as revistas semanais Época e Focus, de Brasil e
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Alemanha, respectivamente. O motivo da seleção desses dois títulos deu-se, inicialmente,
de maneira subjetiva, pois, até a primeira ida à Alemanha, Focus nos era desconhecida. A
partir desse conhecimento, investigamos o surgimento dessas duas publicações.
A revista semanal alemã Focus foi criada em janeiro de 1993 pelo grupo de mídia
Burda (Burda News Group), sediado em Munique. A concepção da publicação ocorreu de
modo a combater a liderança isolada da revista Der Spiegel, até hoje líder nas tiragens
naquele país; e, também, existia a proposta de inovar a tradicional revista semanal de
interesse geral. Com o sucesso da publicação, o grupo Burda estendeu sua grife para a
página na internet, para canais de televisão e para títulos especiais voltados à economia,
educação e vida acadêmica. Além do êxito local, Focus também teve uma versão
portuguesa, entre 1999 e 2012, contudo, o projeto foi extinto. Se em Portugal a tradução da
publicação alemã não obteve o sucesso almejado, no Brasil, as inovações gráficas e
editoriais trazidas pela Focus inspiraram a Editora Globo buscar o conceito criado pela
idealizadora europeia.
O lançamento da revista Época aconteceu em 22 de maio de 1998 conforme os
padrões editoriais da publicação alemã, antes desconhecidos no Brasil. De acordo com
Roberto Marinho, cujo editorial fora publicado na primeira edição do semanário, as
Organizações Globo estabeleceram ―um canal exclusivo com a revista alemã Focus para
adaptação ao Brasil do modelo vencedor criado por ela em 1993. No Brasil, Época é a
primeira revista semanal de informação concebida na era digital integrando texto e
ilustração de forma só possível com as ferramentas tecnológicas disponíveis hoje e nem
sequer sonhadas há duas décadas.‖. Com isso, Época era considerada ―uma publicação com
o pé no futuro‖, segundo Marinho. Além da visão de futuro, o então dono das Organizações
Globo pretendia uma revista que publicasse os fatos pelos fatos, ―sem pontos de vista
pessoais, que só aparecerão identificados em entrevistas ou colunas. A interpretação e o
julgamento da relevância dos fatos na vida do leitor são prerrogativas suas. De mais
ninguém.‖.
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2. A construção da imagem no âmbito discursivo
Quando pensamos na palavra ―imagem‖, logo a associamos a um aspecto particular
pelo qual algum objeto é percebido, através da fotografia ou das artes plásticas, por
exemplo. Porém, com o passar do tempo, a definição do termo ganhou novos aspectos.
Dentre eles, o conceito de imagem é vinculado a ciências como a física e a psicologia, além
de ser utilizado frequentemente no sentido de ―ter uma opinião‖ contra ou a favor a alguma
instituição, organização ou uma personalidade renomada. Hoje em dia é muito comum
ouvirmos falar a respeito de ―manter a imagem de uma organização‖, ―a imagem
transmitida a alguém‖ e do papel que tais expressões representam na sociedade atual.
Contudo, esta apresentação de si não se limita a artifícios, a técnicas aprendidas com
―marqueteiros‖; ela também se dá nas trocas verbais mais corriqueiras e pessoais. Diante
desse fenômeno, estudiosos como Amossy (2008) e Charaudeau (2007) retomam a noção
retórica de ethos para a pragmática e a análise do discurso.
Na Antiguidade, o termo ethos era designado para a ―construção de uma imagem de
si destinada a garantir o sucesso do empreendimento oratório‖ (AMOSSY: 2008, 10).
Atualmente, percebemos que a construção da imagem de si não se dá somente pelo
indivíduo, mas também por artifícios elaborados por terceiros – um fenômeno cada vez
mais comum se pensarmos nos períodos eleitorais, em que os políticos recorrem aos
profissionais de marketing a fim de obter maior êxito junto ao eleitor. Além disso, esse
fenômeno também pode ocorrer fora da esfera publicitária: a mídia tem papel
preponderante na construção da imagem de uma personalidade conhecida. Neste trabalho,
utilizamos a noção de imagem como o resultado de uma construção discursiva, que tem o
poder de influir nas atitudes e nas opiniões de um interlocutor.
2.1 O conceito de ethos e suas nuances
O conceito de ―imagem‖ que utilizamos neste trabalho é extraído dos estudos do
analista do discurso Patrick Charaudeau (2008), para quem a imagem está relacionada ao
ethos, o qual ―se liga àquele que fala, não é propriedade exclusiva dele; ele é antes de tudo
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a imagem de que se transcreve o interlocutor a partir do que diz.‖. Além disso, segundo o
autor,
O ethos relaciona-se ao cruzamento de olhares: olhar do outro sobre
aquele que fala, olhar daquele que fala sobre a maneira como ele pensa
que o outro o vê. Ora, para construir a imagem do sujeito que fala, esse
outro se apoia ao mesmo tempo nos dados preexistentes ao discurso – o
que ele sabe a priori do locutor – e nos dados trazidos pelo próprio ato de
linguagem (CHARAUDEAU, 2008: 115).
O ethos não é totalmente voluntário. Ele pode ser construído ou reconstruído pelo
locutor, como frequentemente acontece no discurso político. A concepção de ethos,
seguindo o proposto por Charaudeau (2008), se trata ―de uma concepção idealizada da
existência do sujeito, que pode ser aplicado ao sujeito do discurso e que (é a nossa
hipótese)3 guia a comunicação social na qual se constrói o ethos‖ (CHARAUDEAU, 2008:
116). Para o autor, o ethos é o resultado de uma dupla identidade social do sujeito falante:
na primeira identidade componente, o sujeito mostra-se como locutor; é esta que legitima a
função de este ser o comunicante em função da situação de comunicação. Na segunda, o
sujeito constrói uma figura de si como aquele que enuncia, ou seja:
uma identidade discursiva de enunciador que se atém aos papéis que ele
se atribui em seu ato de enunciação, resultado das coerções da situação de
comunicação que se impõe a ele e das estratégias que ele escolhe seguir.
O sujeito aparece, portanto, ao olhar do outro, com uma identidade
psicológica e social que lhe é atribuída, e, ao mesmo tempo, mostra-se
mediante a identidade discursiva que ele constrói para si. O sentido
veiculado por nossas palavras depende ao mesmo tempo daquilo que
somos e daquilo que dizemos. (CHARAUDEAU, 2008: 115).
Ao retomar a citação do autor, quando ele afirma que o ―outro se apoia ao mesmo
tempo nos dados preexistentes ao discurso – o que ele sabe a priori do locutor‖, podemos
relacioná-la ao conceito de ethos prévio de Amossy (2008) — que é algo como a
representação prévia do ethos do locutor antes que ele fale —, o qual consiste na construção
antecipada da imagem pela opinião pública. Esta imagem prévia afeta a construção que o
3 Parênteses introduzidos pelo autor.
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próprio enunciador faz de si mesmo. Ou seja, se a imagem de determinado político é dada
pela mídia e pela sociedade como a de alguém autoritário, este, provavelmente, alimenta
esta ideia, transmitindo as características presentes de um indivíduo com este perfil.
Além da noção de ethos prévio, também trabalhamos, aqui, com o conceito de ethos
projetivo cunhado por Meyer (2007), o qual ―é a imagem do outro que fala‖, ―aquele que o
auditório imagina‖ (MEYER, 2007: 55-56); ou seja, isso consiste na imagem presumida do
orador compartilhada pelo auditório. Neste caso, lidamos com a ideia de que o enunciador
da reportagem já possui a imagem prévia, presumida das duas políticas (seja por
reportagens anteriores, veiculadas pela mesma revista ou por outra; por discursos proferidos
por elas em algum momento; por entrevistas dadas anteriormente ou por depoimentos de
outrem, etc.) e constrói a imagem na qual ele acredita ser aquela que irá influenciar o
auditório (o eleitor).
2.2 Os tipos de ethé
Com o intuito de analisar a imagem dos últimos presidentes franceses, Charaudeau
(2008: 119) propôs a categorização do ethos em duas grandes frentes: pela credibilidade e
pela identificação. A importância dessa categorização para a pesquisa se dá diante da
maneira como ela é elaborada tanto para o discurso político em si como para o discurso da
mídia (ambos enfoques do estudioso francês), pois política e mídia, por fim, necessitam dos
mesmos elementos para obter o êxito que almejam.
2.2.1 Os ethé de credibilidade
Para que seja aceito, o sujeito político deve produzir uma imagem que corresponda
aos anseios do seu eleitorado. Portanto, para ter credibilidade, é necessário que o político
construa uma identidade discursiva de tal modo que os outros (a mídia, o eleitor) o julguem
digno de crédito. Para que esse indivíduo seja digno de crédito, é preciso verificar se aquilo
que ele diz corresponde sempre ao que ele pensa (condição de sinceridade ou transparência)
ou ao que ele faz (condição de performance) (2008: 119). No caso de ele revelar-se incapaz
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de prometer o que cumpre, mentiroso, será desacreditado. Segundo Charaudeau (2008: 120),
a credibilidade no discurso político é fundamental, uma vez que há o desafio em tentar
persuadir o eleitor de que o candidato possui essa qualidade. Porém, obter a credibilidade é
algo complexo, pois ela deve seguir, segundo o autor, três condições: a de sinceridade, de
performance e de eficácia.
Na esfera midiática, o sujeito que informa tem a necessidade de credibilidade, pois
seu desafio é transmitir uma informação clara e objetiva, para que ela seja aceita pelo
público, o qual pressupõe que o que está sendo reportado seja claro e verdadeiro. Logo, o
político tem de cumprir as três condições mencionadas, já o jornalista tem de cumprir
somente a condição de sinceridade.
A fim de cumprir as três condições essenciais, o político tem de construir para si
imagens que reforçam a sua credibilidade: a de sério, de virtuoso e de competente. Além do
próprio político, a mídia também tem papel preponderante na construção das imagens
mencionadas. Por exemplo, é comum verificarmos no jornalismo impresso a menção a
alguma qualidade/defeito de algo ou de alguém por meio dos discursos direto e indireto e
pelas manchetes de capa.
Conforme Charaudeau (2008: 136-137),
O ethos de credibilidade é, ao mesmo tempo, um construto e um atributo,
ou, mais precisamente, uma construção sobre um atributo. É um construto
em virtude da maneira pela qual o sujeito encena sua identidade
discursiva. É um atributo em virtude da identidade social que o sujeito
possui e que depende, ao mesmo tempo, de seu estatuto e da maneira
como o público o percebe. (...) se constrói em uma interação entre
identidade social e identidade discursiva, entre o que o sujeito quer
parecer e o que ele é em seu ser psicológico e social. (CHARAUDEAU,
2008: 136-137)
2.2.2 Os ethé de identificação
Ao contrário dos ethé de credibilidade, os quais buscam a adesão do público através
de suas qualidades técnicas, os ethé de identificação possuem imagens que são extraídas do
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afeto: o cidadão, mediante um processo de identificação, procura fundir sua identidade à do
político.
Por se tratar de tipos de imagens que procuram tocar o maior número de pessoas
possível, o político arrisca-se e opta por jogar com valores opostos e contraditórios: ora ele
é tradicional, ora é moderno; ora é poderoso, ora é modesto; ora remete-se à sua vida
pública, ora à vida privada, a fim de definir-se como ―humano‖, entre outros.
Os possíveis tipos de ethos de identificação, segundo Charaudeau (2008: 138),
podem ser os ligados à inteligência, à potência, ao caráter, à humanidade e à liderança
(―ethos de chefe‖). Os quatro primeiros tipos são relacionados à pessoa do político,
enquanto que a autoridade é voltada ao cidadão. Por isso, explicaremos somente a imagem
de ―chefe‖, que estará presente na análise de uma das duas reportagens extraídas do corpus
deste trabalho.
— Ethos de “chefe”: segundo a perspectiva do autor, a imagem de ―chefe‖ condiz
com as figuras de um guia, de um soberano e de um comandante; portanto, figuras de
cunho vinculado aos afetos pessoais. Elas não são as de um ―chefe‖ como nos é conhecido,
são figuras nas quais é depositada a confiança do povo. Então, esta imagem de ―chefe‖ é
distante daquela que é disseminada nos dias atuais, que é a de uma figura de liderança, de
responsabilidade e até mesmo autoritária.
3. As estratégias discursivo-argumentativas
Para que haja a argumentação, é preciso que, ―num dado momento, realize-se uma
comunidade efetiva dos espíritos‖ e as ―condições prévias para a argumentação‖
(PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2005 [1958]: 16). Isto seria o acordo que ambas
as partes, orador e auditório, estabelecem na deliberação. Para que a argumentação se
configure, a condição essencial é a existência de uma linguagem em comum entre as partes
a fim de possibilitar a comunicação. Com isso, no âmbito do discurso jornalístico, o
auditório é constituído pelos leitores do jornal ou revista e o orador é o sujeito que noticia o
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acontecimento. E para que a argumentação da publicação ocorra, ela e o leitor têm de
possuir uma linguagem afim para que a mensagem do emissor chegue ao destinatário.
Contudo, para Amossy (2008: 124), a interação entre orador e auditório acontece
necessariamente ―por meio da imagem que fazem um do outro. É a representação que o
enunciador faz do auditório, as ideias e as reações que ele apresenta, e não sua pessoa
concreta, que modelam a empresa da persuasão.‖.
Conforme Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]: 22), o auditório é o conjunto
daqueles que o orador pretende influenciar com sua argumentação. Diante disso, ele faz
uma sistematização e presume as origens psicológicas ou sociológicas do auditório para que
o orador possa persuadir efetivamente. Se jornal e leitor possuem uma linguagem em
comum, logo, a publicação também sabe das características de seu público e, com isso, a
argumentação ocorre de modo fluido. Confirmando essa ideia, o autor diz: ―Por isso a
cultura própria de cada auditório particular transparece através dos discursos que lhe são
destinados, de tal maneira que é, em larga medida, desses próprios discursos que nos
julgamos autorizados a tirar alguma informação (...)‖ (PERELMAN & OLBRECHTS-
TYTECA, 2005 [1958]: 23).
Se o orador procura saber que características o seu auditório tem, consequentemente
haverá a adaptação daquele ao seu auditório. O importante não é saber se o orador
considera o objeto da argumentação verdadeiro, e sim qual o parecer daqueles a quem ele
se dirige. Cabe ao auditório o papel de determinar a qualidade da argumentação o
comportamento do orador.
Nos estudos de Charaudeau (2010), a argumentação também está presente, e,
segundo o autor, ela é um modo de organização do discurso. Para ele, a ―argumentação é o
resultado textual de uma combinação entre diferentes componentes que dependem de uma
situação que tem finalidade persuasiva‖ (CHARAUDEAU, 2010: 207). Além disso, ele
trabalha com o princípio de organização do discurso, como, por exemplo, o da imprensa,
em que predominam os procedimentos discursivos da narração e da descrição (presentes na
reportagem), bem como da argumentação (em comentários, editoriais e análises) e da
modalização.
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Para o estudioso, a reportagem é um tipo de texto que tem a finalidade de explicar,
que noticia uma série de eventos, ―descrevendo duas características. Essas descrições
funcionam como prova em relação à explicação desenvolvida.‖ (CHARAUDEAU, 2010:
122). Além de explicar, a reportagem é resultado de uma construção subjetiva do
enunciador, já que ele conta, faz uma narrativa acerca do fato. Com isso, os procedimentos
linguísticos podem ser diversos: desde a utilização de artigos definidos e tempos verbais até
recursos retórico-argumentativos como a ironia, a analogia, a metáfora, dentre outros.
Partindo de tais noções mencionadas anteriormente é que baseamos nossas análises
dos trechos das reportagens que virão a seguir.
4. Procedimentos de análise
Para a comunicação no evento, extraímos duas reportagens de nosso corpus,
composto por oito reportagens no total, sendo quatro da revista alemã Focus e quatro da
revista Época. Os títulos dos dois textos são ―As faces de uma chanceler‖ (Die Gesichter
einer Kanzlerin, no texto original), de Focus, e ―A construção da candidata Dilma‖, de
Época. A reportagem alemã foi publicada na edição do dia 06/04/2009. A brasileira está na
edição do dia 22/02/2010. Iniciemos, primeiramente, a análise da reportagem da revista
Focus, baseada nos estudos de Charaudeau (2008, 2010), no que dizem respeito aos tipos
de ethé e aos procedimentos discursivos, e Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]), no
que tange às estratégias argumentativas presentes no discurso.
4.1. Os ethé de liderança e fraqueza de Angela Merkel
Para fins de contextualização, a reportagem faz um percurso dos compromissos
internacionais da chanceler Angela Merkel naquele ano eleitoral. Inúmeros encontros com
chefes de Estado são mencionados e sua liderança no cenário internacional é destacada,
porém, sua atuação na Alemanha suscita dúvidas.
No trecho a seguir, observamos os procedimentos discursivos da narração e da
modalização:
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―Na quarta-feira passada, a chefe do governo alemão deve motivar os políticos na
luta contra a crise‖4
Quanto ao procedimento discursivo da narração, a presença do adverbial ―na quarta-
feira passada‖ (―am Mittwoch vergangener Woche‖) relata quando o encontro de Merkel
com outros políticos acontecerá. Destacamos a escolha lexical que o enunciador faz ao
nomear a chanceler de ―a chefe do governo alemão‖ (―die deutsche Regierungschefin‖) ao
mencionar o encontro dela com outros líderes mundiais. Nesse trecho, a modalização,
presente com o verbo dever, é uma característica da língua alemã, em que cada verbo
modal possui sua carga semântica. Neste caso, ―deve‖ (―muss‖) significa uma obrigação.
Conforme mencionado no item 3, a descrição é um procedimento discursivo
presente na reportagem, por meio do verbo no presente do indicativo ―ama‖ (―liebt‖), no
trecho a seguir:
―Merkel ama medidas estratégicas‖5
Além do procedimento da descrição, observamos a presença do verbo amar, que não
é recorrente em textos do gênero jornalístico. Na descrição, ao dizer que Angela Merkel
―ama medidas estratégicas‖, o enunciador procura reforçar a imagem de líder da chanceler
por meio de um traço de exagero, pois um líder tem como característica estabelecer
estratégias para atingir um objetivo. Neste caso, para contornar os efeitos da crise
econômica que atingia os Estados Unidos e os países europeus em 2009.
No discurso da revista alemã, observamos a presença das técnicas argumentativas
do sarcasmo e da ironia, nos dois trechos a seguir:
―Ela se inclina aliviada em seu blazer rosa-choque‖6
4 Do texto original:―Am Mittwoch vergangener Woche muss die Deutsche Regierungschefin erneut Politiker
zum Kampf gegen die Krise motivieren― 5 Do texto original: ―Merkel liebt strategisches Vorgehen‖ 6 Do texto original: ―Sie lehnt sich erleichtert in ihrem magentafarbenen Blazer zurück―
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O sarcasmo consiste em uma manifestação intencional, maliciosa, por meio de
palavras e gestos, que procura levar o alvo ao ridículo. Já a ironia consiste em dizer o
contrário daquilo que se fala. Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]) dizem que a
ironia é uma argumentação indireta. Ela ―sempre supõe conhecimentos complementares
acerca de fatos‖. E que ―Logo, a ironia não pode ser utilizada nos casos em que pairam
dúvidas acerca das opiniões do orador. Isto dá à ironia um caráter paradoxal: se a
empregam, é porque há utilidade em argumentar; mas, para empregar, é porque há utilidade
em argumentar.‖ (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2005 [1958]: 235).
Na sequência anterior existe o sarcasmo, pois a intenção do enunciador é fazer esse
jogo paradoxal entre ―aliviada‖ e ―blazer rosa-choque‖. Afinal, a tonalidade dessa cor não
possui leveza.
A ironia está presente na sequência ―Brown tem atestado a „forte liderança‟ dela.
Entre seus compatriotas, que foram governados pela Dama de Ferro Margaret Thatcher,
Merkel é considerada um peso-pesado político‖7. Precisamente, nas aspas em ―forte
liderança‖, porque a sequência discursiva faz vários contrapontos entre a imagem da
chanceler alemã no exterior – simpática, pragmática, que sabe negociar nos pequenos
círculos, enfim, uma grande líder – e a imagem interna – de uma governante muito
moderada, de retórica fraca, que não está tão atenta quanto deveria aos problemas da
Alemanha.
Além da ironia, a estratégia argumentativa da analogia está presente nos trechos
sublinhados, já que o enunciador tece uma analogia entre a liderança política de Angela
Merkel com a ex-primeira-ministra britânica. A forma linguística ―gilt als‖ (―é
considerada‖) é recorrente na língua alemã, e indica algo a ser comparado como parecido,
análogo.
Observamos que a chanceler alemã possuía um ethos prévio — pois ela já era
conhecida e estava tentando sua reeleição —, o qual seria confirmado ou não por meio do
7 Do texto original: ―Brown hat ihr gerade erst offentlich ‚Führungsstärke‘ attestiert. Bei seinen
Landesleuten, die sich einst von der eisernen Lady Maggie Thatcher regieren ließen, gilt Merkel als
politisches Schwergewicht.―
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discurso da revista. Na reportagem ocorre uma tentativa de ―duplicar‖ a imagem de Angela
Merkel, ao fazer o contraponto entre como ela é vista por líderes de outros países e pelos
seus compatriotas. Neste caso, o ethos projetivo do enunciador é construído em duas
frentes: o da liderança internacional e o da possível fraqueza no âmbito interno.
Passemos, agora, para a análise da reportagem da revista Época.
4.2 O ethos em construção de Dilma Rousseff
Ao contrário de Angela Merkel, que possuía um ethos prévio no momento do
discurso proferido pela revista Focus, a então candidata à Presidência do Brasil, Dilma
Rousseff, não possuía uma imagem prévia, na qual o leitor de Época identificasse de
imediato. Para isso, a revista publicou uma reportagem sobre a ―construção da candidata
Dilma‖, cujo título é o que está entre aspas.
Vale ressaltar o que dizem Perelman & Olbrechts-Tyteca em relação à narração, que
constitui uma técnica argumentativa muito utilizada pela retórica tradicional e que a
imprensa nos habituou à seleção dos fatos ao contar o que é relevante, ―visando quer a uma
argumentação explícita, quer a uma argumentação que se espera ver o leitor efetuar por si
só.‖ (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2005 [1958]: 132).
Por tratar-se de um texto que aborda exclusivamente essa construção, o
procedimento discursivo da narração é o único que observamos nas sequências a seguir. Por
isso, trabalhamos com a ideia de que o ethos de Dilma Rousseff estava em construção, no
ano de 2010, porque ela não era conhecida tanto da mídia quanto da população em geral. A
seguir, algumas sequências discursivas que abordam o ethos em construção da então
candidata:
―A candidatura de Dilma começou a ser construída involuntariamente em 2005‖
―Começou a misturar frases mais coloquiais e amigáveis em meio a estatísticas‖
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―A Dilma técnica foi substituída pela Dilma política, risonha e candidata à
Presidência‖
―Lula encarregou Dilma de elaborar o Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC)‖
―figura constante nas viagens do presidente Lula‖
―Dilma adotou uma postura mais ativa‖
O procedimento da narração é observado nas sentenças cujos verbos estão no
pretérito perfeito: ―começou‖, ―encarregou‖, ―adotou‖, que indicam uma ação concluída
anteriormente. Além disso, a transformação de uma Dilma de perfil técnico para um perfil
mais político e eleitoreiro está na locução na passiva ―foi substituída‖. Conforme
mencionado no item 3, a reportagem tem o intuito de narrar e explicar um acontecimento,
logo, tais procedimentos foram observados nos excertos anteriores do discurso da revista
Época.
Considerações finais
Pretendemos, neste artigo, estabelecer um panorama da pesquisa em nível de
mestrado em andamento. Por meio de duas reportagens extraídas do corpus de nosso
trabalho, analisamos a construção da imagem das duas então candidatas aos principais
cargos executivos de Brasil e Alemanha através das estratégias discursivo-argumentativas
utilizadas pelos enunciadores das duas publicações semanais desses países: as revistas
Época e Focus. Não há, ainda, uma conclusão da pesquisa, mas observamos, nessas
análises, que a imagem política de Angela Merkel é forte e positiva no exterior, porém, na
Alemanha, a imagem é de fraqueza e insegurança. No Brasil, a atual presidente Dilma
Rousseff era desconhecida da mídia e da população em geral, e não havia um ethos prévio
da então candidata, por isso, o ethos projetivo dela ainda estava em construção. Diante de
tais análises, concluiremos nossa pesquisa e investigaremos se tais imagens se confirmarão
ou destoarão dessas que estão presentes neste artigo.
IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares
05, 06 e 07 de junho de 2013
ISSN: 1981-8211
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