a comédia humana - vol. 3 - honoré de balzac

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  • 8/17/2019 A Comédia Humana - Vol. 3 - Honoré de Balzac

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    Este livro foi digitalizado por Raimundo do Vale Lucas, com aintenção de dar aos cegos a oportunidade de apreciarem mais umamanifestação do pensamento humano..

    #]3IBLIo?rECA DOS SÉCULOSA COMÉDIA HUMANAD EHONORÉ DE BALZACIntroduções. Notas e Orientação de Paulo RonaiinESTUDOS DE COSTUMESCENAS DA VIDA PRIVADAEDITóRA GLOBORio de Janeiro - PÔrto Alegre - São PauloHONORÉ -DE BALZAC1? v2 A MENSAGEMO ROMEIRAL AA MULHER ABANDONADAHONORINA . BEATRIZ GOBSECKA MULHER DE TRINTA ANOSPreced"do de "Balzac" de Victor Hugoe "Honor6 de Balzac" de Th6odore de Banville

    Tradu?ao de Casimiro Fernandes. Vidal de Oliveira e Wilson Lousadacorn 1O ilustrações fora do texto1.? EDIC-1O3.1 111pRF"""XoEDITõRA GLOBORio de Janeiro - Pôrto Alegre - São Paulo#1.? EDIÇÂO1.a impressão - outubro de 19482.-" impr?ssão - novembro de 19541959DIREITOS ZXCLUBIVOS DESTA EDIQÁO (TRADUÇÕES, 11REPICIOS, NOTAS). DAEDITóRA GLOBO B. A. - PÔRTO ALEGRE - Rio GRANDE DO SUL ESTADOS UNIDOS DO BRASILBiblioteca Pablica IwArthur Vianna" S;ila Haroldo MaranhAo

    I N D I C ERaizac. D;s?itrso pronunc?ado no funeral do escritor, por Victor HugoHonoré de BaIzac, por Théodore de Banville Plano da presente edição da Comédia Humana A MENSAGEMO ROMEIRALA MULHER ABANDONADA HONORINABEATRIZ GOBSECK A MULHER DE TRINTA ANOSix xv xxv is234787158453

    5O51LUSTRA96ESBalzac, Retrato por Émile Lassalte. VIII A famosa bengala de Balzac. 1xO Romeira]. 24 Lady Brandon. Estatueta de Pierre Ripert. 25O Cavaleiro du Halga. Estatueta de Pierre Ripert. 212 George Sand em traje dehomem. Litografia de Julien. 213 Liszt na idade de 34 anos, 326 Liszt num momentode insp?raç5o. Estampa de Joseph Danhauser. 327 Cobseck. 1O4 A Duquesa de Abrantes. Quadro de Jules Bolily. sos

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    #B,4LZ,4CRetrato por Emíle Lassalle (em Galerie des Contemporains lilustres, 1841).#IVICTOR HUGO: BALZACTradução de Paulo Rónai,4 F,4MOS4 BENG,4LA DE BALZACque inspirou um romanc? i-teiro à Sra. de Gira-di*%.#IVictor Rugo, chefe reconhecido da escola -ro?rântiea, rnantinha com Bal-ac relações cordiais, embora algo àij.antes. Segundo mostra a correspondência de Balzac,os dois trabalharam juntos, desde 1839, na organização de uma sociedade de eScritorei (Société des Gens de Lettres). Oautor da Comédia Humana tinha suas reserva.r acérca da arte de Hugo, a quem mais de uma vez alude com certa ironia em suas cartasíntimas à Sra. Hanska. Hávia tamb?m, entre os dois, uma oposição ideológica. Hugo, que iniciara sua carreira de escritor como poeta da Restauração, adotava tend?ncia; liberais cada vez mais revolucionárias; Balzac, em cujas cartas e obras de mocidadese descobre ainda algum vestígio das tendências de 1793, tornara-se francamente partidário dos Bourbons e da monarquia absoluta."Êsse breve discurso de Hugo - inserido em seus Actes et Paroles, 1. Avant 1"Exil - tão característico por vários notivos, foi o primeiro reconhecimento solen,e .tem reservas do gênio de Balac por um grande escritor, como também a primeira afirmaçã

    o vigorosa, por um deinccrata, do caráter revolucienáric da obra baIzaquiana.Há no volume Choses Vues outra página importante de fingo acêrca do -nosso romancista: é e relatório coinovente da últma visita do poeta à casa de Balzac, artigoésse que resumimos em noisa Vida de BaIzac, no ].o volume deita edição.Afeus SenhorMO homem que acaba de descer a éste túmulo era daqueles a quern a dor pública faz cortejo. Na época em que vivemos desvatrecerainse tôdas a ficções. Gs olhares deténi-senão mais nas cabeças que reinam, mas sim nas cabecas que pensam, e o pais inteirotreme quando uma destas cabeça? desaparece. Hoje, o luto popular é a morte do homemde talento; o luto nacional, a morte do homem de gênio.O nome de BaIzac, meus senhores, há de fundir-se no rasto lumiíioso que nossa época deixará no futuro.O Sr. de BaIzac formava parte dessa poderosa geração de ho,- mens de letras do século

    XIX que veio depois de Napoleão, da mesma forma que a ilustre plêiade do séculoXVII veio depois de Richelicu, - como se, no desenvolvimento da civilização, houvesse uma lei que aos dominadores pela espada fizesse suceder os dominadores pelo espírito.O Sr. de BaIzac era um dos primeiros entre os maiores, um do? mais altos entre os melhores. Não é êste o momento de dizer tudo o que era esta espjéndida e soberanainteligência. Todos os seus li\ros não formam senão um único livro, livro vivo, luminoso e profundo, em que se vêem ir e vir e caminhar e mover-se, com não sei quê de assustador e de terrível acrescido ao real, tôda a nossa civilizacão contemporânea;livro traravilhoso que o poeta intitulou de com?édia e que poderia ter intituiac?,o história, que assume tôdas as lOrmas c toclos os estilos, que ultrapassa Tácito e vai até

    Suetônio, que atravessa Bcaumarcha?"s e vai até Rabelais; livro que é a obserVaÇãoe a imaginação; (luc prodigaliza o verdadeiro, o íntimo, o n -burguês, o trivial, o material, e que por vêzes, através de tôdas as realidades brusca e largamente rasgadas, deixa de repente entrever o ideal mais sombrio e maistrágico.À sua revelia, queira-o ou não, admita-o ou não, o autor desta obra imensa e estranha éda raça forte dos escritores revGlucionários. Balzac vai direito ao alvo.Agarra a sociedade moderna corpocori)(). Arranca al

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    #XI7Ia êstes, um grito, àqueles, uma máscara. Apalpa o vício, disseca a paixão. Exainiria e sonda o homem, a alma, Ocoração, as entranhas, o cérebro, o abismo que cadaum leva em si. E, por um dote ele sua natureza livre e vi-orosa, por um privilégio dasinteli--ncías do nosso tempo que, tendo \isto as revolucões de perto, percebem ni,-. lhor o objetivo da humanidade e coi?ipreendein melhor a provi-,-,e risonho e sereno dêsses estudos tei íveis que déncia, BaIzac emerl- -ri produziam melancolia em Nlolière e misantropia em Rous?eau.Eis o que éle fêz entre nós. Eis a obra que éle nos deixa, obra alta e sólida, robusto congiomera?o de blocos de granito, monu-1 1mento! Obra de cujo cimo doravante resplandecerá o seu reno-,e. Os grandes homensexecutam o seu próprio pedestal; o futuro cricarrega-se da estátua.InSua morte golpeou Paris de espanto. Voltara à França havia alguris meses. Ao sentir-se niorrer, queria rever a pátria, como Cru véspera de uma grande viagem se co.tumair abraçar a própria mãe.Teve uma vida breve, mas cheia e mais rica em obras -que em dias.Ai de nós! êste trabalhador poderoso e nunca exausto, êste filósofo, êste pensador, êste poeta, éste gênio, levou entre nós a vida de tempestades, de lutas, de pelejas,de combates, comum em todos os tempos a todos os grandes hoinens. Aorora, ei-loem

    paz. Sai das contcsta?ões e dos ódios; entra, no mesmo dia, na glória e no túmtilo, oDaqui em diante há de brilliar acima de tôdas estas nuvens que sô"I_)-?-e nós, entre asestrê!as da pátria!Todos vós que estais aqui, n5o vos sentis tentados a invejá-lo? Por grande que sejaa riossa dor à vista de tamanha perda, resignerno-nos, meus Senhores, a estascaatastroles. Aceitemo-las no que elas tém ele pungente e de severo. Talvez seja bom, talvez se.?a necess,-"trio que, numa época como esta, um aa granCle morte coniunique de quando em quando aos espíritos devorados pela dúvida e pelo cepticismo uniabalor--ligioso. A provid?-licia sabe o que faz ao colocar assim o povo diante do mistério supremo e ao dar-lhe a morte a meditar, a morte que é a grande igualdade e também

    a grande liberdade.A providência sabe o que faz pois é êste o mais alto de todos os seus ensinamentos. Nãopode haver senão pensamentos austeros e sérios ern todos os corações quandoum espírito sublime ingressa majestosamente na outra vida, quando um dêsses sêres quedurante muito t&mpo pairavam acima da multidão com as asas visíveis do gênio, erguendode repente essas outras asas que não se vêem, vai enterrar-se bruscamenteDo desconhecido.Mas não, não é o desconhecido! Não, eu já o disse em outra ocasião dolorosa, e não me cansare de repeti-lo, não é a noite, é aé a eternidade! NãoIlé1 vltc,r!dâdãeo déizoeifiiinile té o comêço! não é o nad?"odos que me escutaís? Féretros como êste demonstram a imortalidade. Na presença de ccrtos mortos ilustres sentimos inais distintamente o destino dessa inteligência

    que atravessa aC) terra para sofrer e para ;purificar-se e que se chama o homem, e dizemos ,conosco mesi-nos ser impossível que aquêles que foram gênios durante ? ida não se"amalmas após a mortel£ 1#THEODORE DE BANVILLE:- HONORL DE 13ALZACTradu?5o de Berenice Xavier#Banvi77c, poeta parnasiano, autor tfe um Pequeno Tratado de VerEificação Francesa,mn dos partidários mais ferrenhos da teoria da "arte pela arte", oferece-nos

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    wessas páginas, extraídas de Minhas Memórias. Pequenos Estudos, um teste,munho decerto um pouco fantasiado, mas cheio de vida e fôrça persuasiva, da envolvente influéncia pessoal de Balzac, confirmada aliás por muitos conhecidos do romancista, mas pornenhum exposta com tamanha verve.VI APENAS uma vez em minha vida o grande Honoré de BaTzac. Contudo _ulgo que sou, dos homens dêsi ? tes tempos, um dos que melhor o conheceram. Isso exige uma explicação que, naturalmente, fornecerá o tema dessa historieta. No dia 25 de julho de 18,,8 realizou-se,numa das salas do Instituto, uma assembléia de todos o6 literatos que se puderam reunir. Havia então reuniões a propósito de tudo e a propósito de nada: trata?,a-se agora de reforniar a organização da Sociedade dos Homens de Letras e de fazerdessa plácida ass?ciação algo de razoável e que não, fôsse absolutamente inútil aos escritores. Como acontece em quase tôdas as assembléias, reuniram-se naquela homens eloqüentes e apa,xGnados: os Mirabeau de voz de trovão, cujo gesto espanca a tormentae a nuvem: bomens de espírito que encontram a nota inesperada e de dois seixo, fazemsaltar uma chama; anedotistas com a palavra para rir, e às vêzes para fazer rir; enfáticos Prud1ioninie?, suaves Jocrisses e sobretudo a tribo inumerável dos quenão dizem nada e fazem re?in.Ír rio ar um ruído sonoro qualquer. Em sunia, expressou-seum grande número de tolices, de ninharias, de coisas bonitas e a reunião terminou ao cair da noite, sem se ter proposto coisa alguma que tivesse senso comum, desenl

    acealiás fácil de prever. :,Por mim, ouvindo afirmar tal proposicão errônea, emitir tal Projeto absurdo ou simplesmente irrealizável, estive cem vézes a ponto de tomar a palavra para estabelecero que julgo ser a verdade ou para indicar o que me parece ser a salvação; mas fôra sempre detido por um profundo desânimo, vendo que a discussão, às vêzes ingénua, outras vêzes tempestuosa e brilhatite, perdia-se no vazio e permanecia a mil ]éguasde todo terreno prático. Uma vez que erguia assim a cabeça, disposto a gritar e contudo permanecendo mudo, vi diante de mim, do outro lado da sala, um homem de caçabeça resplandecente, poderosa, de basta cabeleira, iluminada por tôdas as chamas dabravura e do gênio. Nunca o tinha visto, ma? reconileci-o sem hesitação por seus retratos

    e sobretudo pela serrielhança corri a sua própria obra, pois a quem poderiam conviraqw21a fronte vasta aquelas madeixas esculturais, aquêles olhos dp fO9O, o longonariz" heróico e esquisito, os lábios sensuais, a barba à Rabelai,, Opescoço atlético de deus ou de touro, senão ao infatigável criador da Comédia I-_[umana?#thXviiiTHÉODORE DE BANVILLEAo mesmo tempo, tornou-se evidente para mim - e isso vi claramente no seu olhar- que BaIzac lia no meu pensamento, como se meu crânio se tives?e erguido e deixadover a nu o cérebro, recebendo diretamente as impressões mais variadas e mais violen. tas. com efeito, à medida que o meu pensamento seguia êste ou aquêle curso, havia altern

    adarnente, no? seus olhos e nos seus lábios,* aprovação, a censura, a piedade benevolente, o estímulo amistoso* benigno e a ironia invencível. Meu pensamento! Caminhava com rapidez louca, como um r"elóo?io desarranjado; quanto meno?n -eu falava, mais tinha o que dizer, e julgo que as minhas têmporas ter-se-iam -partido, se não tivéssemos finalmente deixado a sala de sessões do Instituto, ondeos poetas entram apenas durante as revoluções. Ao sair, senti um braço - o braço de Balzac - passado sob -o meu e, sem mais preâmibulo, o -rande homem continuou

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    Ocomigo a conversação iniciada. Onde a havíamos começado? Em1õrion? Em Sírio? Em que estrêla? Em que vida anterior? Foi o que não perguntei a mim mesmo, nem podia pensar em perguntar, pois entrara violentamente numa correntesobrenatural, onde perdera inteiramente a faculdade de espantar-me.- Osenhor tem razão, - disse Balzac respondendo a meti pensamento que nenhuma palavra havia traduzido - porque se trata não de modificar florões ou arabescos, masde demolir o edifício, de arrasá-lo e de reconstruí-lo. A Literatura, da qual procedem tódas as Artes e que todos os dias as cria de novo, fêz sózinha a grandeza da França e a sua incontestável superioridade sôbre as outras nações e é por isso quea França deve contar com ela! Oseu papel de rainha da civilização, ela não o preencherárealmente senão no dia em que desejar que a Literatura tenha o poder, na ordem dos fatos, como o tem na ordem das idéias e sómente então estará tão adiantada comoa China!"Êsse ponto de vista, o Mestre o desenvolveu com um poder de lógica, uma fúria de invenção, um luxo de imagens que todo leitor da Comédia Humana podera calcular.Lembro-me do encadeamento das suas idéias, parece-ine estar ainda no momento em que elasatravessavam e queimavam o meu cérebro como :serpentes de fogo; mas não cometerei osacrilégio de traduzir uma conversação de Balzac e de transcrever aqui mais doque as palavras de que me lembro. Caminhávamos pelas ruas onde os telhados pareciam abra

    ,,ados por um ardente fp,ôr de sol, de vapores vermelhos, e em um tempo de nada, o Hipogrifo, o pensamento do grande criador, fizera, arrastando-me nas suas pegadas,um caminho de gigante e èle me mostrara, numa improvisação inaudita, o passado, o presente e o futuro de tôdas as nossas artes literárias.- Ah! Invejo-o! - disse-me um momento depois. Eu queria protestar, não com palavras (pois emudecera) mas pensando:HON,ORÉ, DE BALZAV,"Está zombando de mim!" Mas êle não me deu tempo. - Não lhe estou dirigindo - prosseguiu - um elogio que o senhor merecerá o ndentro de dez anos, talvez, se se aplicar obstinadamente a tornar-?e uni bom trabalhador; mas invejo-o como poeta lírico, porque a sua arte é a única arte à qualpertence o futuro! Numa sociedade onde o luxo cresce todos os dias, conquanto se

    torne cada vez mais democrática, os teatros, cujas dimensões vão aumentar indefinidainente, não terão mais a intimidade, as pequenas proporçoes e a pobreza relativa, necessáriaspara que se possa abraçar as concepções da poesia e zaborear-lhe os matizes delicados; aliás, é num teatro miserável, como aquêle em que foram representadas as peças de Hardy e de Shakespeare, que a Poesia prodigaliza todos os seus tesouros,porque, assim, ela supre !por si só a tudo o mais; porém, como disse Philarete- Cliasles, à medida que o espetáculo se aperfeiçoa, a arte dramática se apaga e desaparece.Nas grandes salas corifortáveis e esplêndidas, a Dança, a Música, a Pantomima, os panorarrias se substituirão prontamente à palavra, e se tornarão os únicos modosde expressão que o teatro empregará então. - Qua?nto ao romance, cada vez mais consagrad

    o aos estudos fisiológicos, uma ciência que mal acaba de nascer, a Antropologia, deve inetamorfoscá-lo completamente, e êle virá a fundir-se numa das subdivisõesda História e da História Natural. A Ciência, enfim- pGrque será a obra do nosso tempo elevar tôdas as criações do espírito ao estado científico - absorverá, rias suas diversas manifestações, todos os gêneros literários,exceto aquêle ao qual o senhor se dedicou: assim, che ará o tempo em que o único meio de ganhar dinheiro e juntar capitais sérios consistirá em saber fazer os versos!É prová?cl que hoje, ainda, se eu ouvisse afirmar uma tal enorinidade , ficasselouco de assonibro; mas repito, estava nesse dia em cond?"ções particulare? e

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    perdera a faculdade de espantar-me. Do contrário, bom Deus, o que me teria acontecido, vivendo em pleno milagr,e e vendo com meus olhos realizareitt-e mais prodígios do que já sonhara algum dia? Omaior prodígio, sem dúvida, o que seria mais incrívelse não se soubesse que o gênio faz crescer, vivifica le transforma despóticamente tudo o que se aproxima dêle é que, durante longas horas, eu conversava com Horioré de BaIzac, sem ter aberto a bÔca e sern que êle tivesse ouvido MATERIALMENTE o sorrida minha voz.Não - muito longe disso - que essa longa conversação do grande escritor tivesse sido um. monólogo; era pelo contrário uma conversação viva, animada, contraditória,corn as suas objeções, seus incidentes, suas oposições, suas réplicas, seus choques inesperados e rápidos; sómente, o que eu devia dizer, Balzac ouvia, antes de que eu o tivesse dito e quase antes de que eu o tivesse pensado, lia-o#OTHÉODORE DE BANVILLE ?_X2ntes, e respondia ao m

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    dos seus diversos domicí-11O"NORÉ DE BALZACXxisentarlios, mas que, em parte alguma, tivéramos tempo para nos ou deniorar.Lembro-me, no Bairro Latino, de uma espécie de cela de e?tudante, onde havia sôbre a mesa de madeira ;branca fôlhas de copia, clicias de riscaduras e um tinteirode fai2tiça florida; na parede, uma cabe??a de mulher de expressão divinamente desesperada, teia1 muito pequena, encaixilhada em imensa moldura de ouro, de conca?-J"dades profundas, foi-mando como que raios de luz. Depws, nou. tro moniento, quando BaIzac,falando-mesôbre a alta socieWe, dízia-me, para ?xplicar o lugar da cena: um salão como êste apercebi~me de que eiitrávamos"com efeito num salão; lembro-me de que acabávamos de subir uma bela escadaria estucada, que BaIzac abrira a porta de um apartamento corn uma chave muito p

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    1)que afogadas tal como a pintou Géniok; Rastignac, NucirigenRothschild explorando carreiras de pedras filosofaís, Vidocej-Vautrin, imperador das galés, corri osseus haréns, os seus soldados, os seus mamelucos devotados até à estupidez, as suas aclelas, ao lado das quais Ríchelieu e Olivares serviriam apenas para guardas campestres!Vi, oli céus! e foi então que todo o sangue me invadiu o cérebro e tive uma alucinação côr de fogo, como os assassinos têm alucinações côr de sangue - vi, semi-nuano seu boudoir, a perna calçada por uma meia de sêda transparente, sonhando, animada por um ardente devaneio amoroso, tôda despenteada, vestida apenas de batista, ornada de preciosas malinas, (as rainhas das rendas feitas ao fuso) a própria Senhorade Maufrigneuse! Vi, no dorso imperi 1 oso e encantador dessa Diana, o que ela não havia iriostrado ao seu amante mais adorado, um sinal ... Ali! que transportes, que harmonias de palavras, que flores de poesia lírica teriam ceiebrado dignamenteêsse sinal delicioso, escuro, fulvo, sôbre a pele de um branco luminoso e quente!Mas no momento em que ia gritar, que sei eu? correr para ela, a despeito de tôdasas conveniências, um brusco sobressalto retiniu na minha cabeça, com efeito, ogrande BaIzac e eu parávamos justamente diante do teatro da Porte-Saint-Martin, muito iluminado, cujas imediações estavam apinhadas de uma multidão tumultuosa, e lembrei-me, c

    om uma nitidez intensa, de que era neciessário entrar ali.Depois de um tal abalo de todos os meus nervos, se tivesse de assistir a tini espetáculo comum e calmo, teria morrido certamente, por uma reação que é fácil supor.

    _Mas felizmente o espetáculo ao qual assisti não foi calmo: era a primeira representação de Tragaldabas! Aplausos exaltados, gritos, assobios, bramidos, a multidão em delírio, uma orquestra de grandes horriens, no qual Victor Hugo fazia o efeito doregente, as apóstrofes, as provocações, as ameaças,X. x _; Ios desafios hom.érícos, trocados de um aa galeria para outra e além de tudo, êsse baixoformidável, Frederick, eloqüente e furioso, dirigíndo aos que assobiavam,como uma bravata, os soberbos versos írônicos do seu papel, eram, oh! eram na verdade a te

    mpestade, o desencadeamento indispensável ao estado de minha alma e sem os quais teria caído fulminado pela fadiga!Baixado o pano sôbre o verso fairioso:Et vous, sonnez, clairons, ainsi que Pour un âne!senti rima fome de náufrago, porq.ue iia.da comera havia quinz, horas! Dirigi-me não sei por que instintiva preferência para um restaurante célebre então, mas ondeeu nunca havia entrado, e resolutamente segui, no primeiro andar, o corredor dos pequenos salões reservados às boas fortunas e às conversações íntimas . A porta de um dêsses pequens salões estava aberta e vi, a uma mesa, BALZAC! e dois serviços postos:e a sopa já servida nos pratos.- Vamos! - disse-me o grande homem. E acrescentou: - o taberneiro X ... é um homem de gênio, (na verdade!) mas precisamente porque as suas sopas de mariscos são

    obras-primas, é necessário que sejam saboreadas como um beijo de duquesa, desejado durante um ano, e não devem esperar um minuto que seja.qPLANO DA PRESENTE EDIÇÃO DA COMÉDIA 1-1 UMANA?1O1 ?, 1 ;,, 1 ?- ?;1 :, - 1 DIVISÃO GERAL: ? ,? . 1. ??

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    -XICenas da Vida Política.. . ...... vol. x11 Cenas da Vida Militar.......... vol. xII Cenas da Vida Rural ........... vol.XIII-XIVESTUDOS FILOSÓFICOS: vol. XV-XVIIESTUDOS ANALITICOS, vol. XVIIDIVISÃO POR VOLUNIES:P,7u7O Rónai: A Vída de Balzac.Prefácio à Comédia Humana. Ao "Chat-qui-Pelot&". OBailo de Sceaux. Memó?-"as de Duas Jovens Espôsas. A BÔlaa. Modesta Mignon,IL H1,7)Polyte Taine: Balzac.Uma Estréia na Vida. Alberto Savarus. A Vendeta. Uma Dupla Família. A Paz Conjugal.A Sra. Firmiani. Estudo de Mu. lher. A Falsa Amante. Uma Filha de Eva.VIctor Hugo: Balzac. - Théodore de Banville: Honoré de RaZzac. A Mensagem. ORomeiral. A Mulher Abandonada. Honorina. Beatriz. Gobseck. A Mulher de Trinta Anos.

    #XXV1P L A N OP L A N OXXV11IV. Anatole France: Balzac. - Fernand Baldensperger: Balzac, e, critor universal. (Especia17nente escrito para a presente ediÇdO.)O Pai Goriot. OCoronel Chabert. A Missa do Ateu. A Interdiçào.O Contrato de Casamento, Outro Estudo de Mulher.

    V. Sainte-Beuve: Balzae.Ursula Mirou6t. Eug6nia Grandet.O Cura de Tours;Os Celibatários: Pierrette.VI. Teófilo Braga: Balzac e o naturalismo no romance.Uni Conchego de Solteirão. Os Parisienses na Província: OIlus. tre Gaudissart; A Musa do Departamento, As Rivalidades: A Solteirona; OGabinete das Antiguidades.VII. Êmile Faguet: Balzac, Ilusões Perdidas.VTTI. Émile Zola: Chaudes-Aigues e Balzac. - Stefun Ziveig: Os subterrâneos de Balzac.História dos Treze: Ferragus; A Duquesa de Langeais; A l?lerJna dos Olhos de Ouro. Ilistória da Grandeza e da Decadência, de César Birotteau. A Casa Nueingen.IX. Georg Brandes: BaIza^,_

    Esplendores e Misérias das Cortesãs, Os Segredos da Princesa de Cadignan. Facino Cane. Sarrasine. Pedro Grassou.X. Paul Bourget: Balzac e o Prinio Pons, V. Grib: Balzac. Uma análisC marxista.Os Parentes Pobres: A Prima Bette; OPrimo Pons.rr. Marcel Bouteron: Balzac e os Irmãos da Consolaçõo. - Hugo von Hoffmanstahl: Sôbre caracteres no romance e no dra;??a.Um Homem de Negócios. Um Príncipe {Ia Boèrnia. Gaudissart 11. Os Funcionários. Os Comediantes sem o Saberem. Os Pequenos Burgueses. OAvêsso da História Contemporânea.XII, Pierre Mille: Balzac. - Raymond Mortimer, 1ntroduçõo a Balzac. Uni Episódio do Terror. Um Caso Tenebroso. ODepu,ado de Areis. Z. Marcas. - A Bretanha em 1799.Uma Paixão no Deserto.XIII. Ramon Fernandez: O método de Balzac. humanidade vista por Balzac.

    #Os Camponeses. OMédico Rural.Ronald de Carvalho: AXIV 3farcel Proust: o caso Lemoine num romance de BaIzac. - Nestor Vítor: H. de Balzac.O Cura da Aldeia. OLírio do Vale.XV. Ernst Curtíus: A influéncia de Balzac.A Pele de Onagro. Jesus Cristo em Flandree. Melmoth Apaziguado. Massimilia Doni. A Obra-Prima Ignorada. Gambara. A procura do Absoluto.XVI. Benedetto Croce: Balzac.O Filho Maldito. Adeus. Os Maranas. OConscrito. "El Verdugo". Um Drama à Beira-Mar

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    . Mestre Cornelius. A Estalagem Vermelha. Sôbre Catarina de Medicis. OElixirda Longa Vida. os Proscritos.XVII. Henry James: Balzac.Luís Lambert. Serafita. - Fisiologia do Casamento. Pequenas Conjugal.da Vida "NllséríasOs editôres agradecem ao ;5r. Arístides Monteiro por ter-se encarregado, a começar doin volume, da t?adu?ão dos trechos em que ocorrem têrmos de herdldica .1

    #1%OESTUDOS DE COSTUMES

    #1, 111CENAS DA"VIDA PRIVADA

    #A MENSAGEMTradução de Casimiro Fernandes

    #* As notas introdutivas ao texto baIzaquiano, da autoria de Paulo Rónai, est" compostas em grifo.jÉ5m 817,1 forma primiti-va, A Mensagem ("Le Message"), não era uma narrativa independente. Enquadrada na novela OConselho*, publicada em 1832, constituía apenasum caso contado por uma da6 personagens.Dis,ute-se num salão a maneira por que a literatura deve contribuir para o melhora

    mento dos costumes, A dona da casa acha que os clássicos tinham razão em apresentarsublimes exemplos de vir!ude, e censura os autores modernos por pretenderem moralizar o público mostrando-lhe as conseqüências extremas dos vícios e dos crimes. Um Sr. de Villaines, com o intuito de impedir o namôro de um desafeto com a bela Condêssad"Esther, ali presente, entra a tomar parte na discussão aparentemente para combater a tese da dona da casa. Na opinião do Sr. de Villaines, as frases mais bonitas de Bossuet ou de Fénelon, não teriam o menor efeito sôbre uma mulher moderna, prontaa se lançar nos braços de um galaonteador. "Ela nem as escutaria. . . Se, porém, lhecontasse uma espantosa aventura recenteinente acontecida que pintasse de maneira energi . ca as desgraças inevitáveis a que tÓ)das as paixões ilegítimas estãosujeitas, ela refletiria ... e ... !alvez. . . -

    A "aventura espantosa" em aprèço é a história contada na atual Mensageni. A maioria dosouvintes, porém, não concorda com o narrador quanto ao efeito moralizantedessa narrativa, e um aa das senhoras presentes observa com muito acérto: "É um desastre, mas não uma lição. Você nos representou a Condêssa tão Íeliz, seu marido tão bem adestradque a moral de seu exemplo é, em cOnscléncia, Pouco edificante".. OSr. de Villaines passa então a relatar outra história ainda mais terrível (atualmente incluída em Outro Estudo de Mulher),* Esta novela, inalmente, não entrou Da Comédia Huviana senão emParte; tini de seus episódios figura em A Mensagem, outro em outro Estudo de mulher. (Éste último incluído no IV volume da presente ediçã?).J Os trechos suprimidoseneGntram-se na Histoire des wuvi?es de 11. de13aIzac, de Spoelberch de Loveuioui, pp. 14-21.

    #corn a qual consegue licidade tão grande", cretos tormentos que sucesso tão completo qual, por castigo de pela condêssa.Êsse, em resumo, acabou por suprimir, mana.convencer a Condéssa d"Esther. "Ndo llq, f,., conclui ela, "que nos leve a enfrentar os se, as paixões ilegítimas nos fazem sofrer-, Lrn de sua intriga faz coraro Sr. De Villaines, o suas maquinações, se apaixona perdidarne)?t,o enrêdo de OConselho, novela que Bala, distribuindo-lhe as partes pela Comédia Hu.Enquanto a história estava inclilída no Conselho, havia un, contradição flagrante entreseu conteiWo e a ?pretensa moralidade do conjunto. Laure, a irmã de BaIzac,

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    constantemente preocupada com, as lições morais que podiam (ou não podiam) ser tiradas das obras do irmão, escreve a uma amiga com evidente mau humor: "NO Conselho, deque me fala, a primeira história não é um conselho, nem uma moral que possa terefeito sôbre a jovem senhora, porque ela nada demonstra, a não ser que não se deve viajar em diligência. Mas um marído pode cair do tejadilho tanto qua-nto um amante; não há moralidade na narrativa que tenda a justificar a mulher."*Sob sua segunda forma, A Mensagem ficou uma história independente, contada em primeira pessoa não se sabe por quem e sein a moralidade anunciada na primeira redação.Essa modificação foi das mais felizes, pois o caso relatado por Balzac não comporta liçãoalguma, justamente por ter um sabor de absoluta autenticidade. Nem noslembramos de procurá-la, tão encantados ficamos com a pureza do desenho, a dosagem admirável dos pormenores, a mistura feliz do cômico e do trágico, da ironia e da emoção, que fazem dêsse conto de poucas páginas uma obraprima n? gênero. Entre as muitasqualidades de BaIzac não figuram geralment, a sobriedade, a res?.,rva, a economia, masaqui aparecem elas em absoluta harmonia. Há nesse pequeno conto um equilíbrio tão perfeito de recursos e efeitos que a gente se esquece de esta" lendo uma obra literúriae vê a cena como realidade. Tudo ali é vivo, natural, simples, profundamente verdadeiro. Em poitc.,7s obr?,,S BaIzac se terá aproximado de tal forma da elegância fina de Voltaire e do patético frusto e empolgante do abade Prévost.Urna carta da Sra. de Berny, conservada por acaso, ** mostrcnos quanto a leitora

    mais fiel de BaIzac - e a amante a quem t?ü bem se aplica o panegírico das mulheres maduras em A Mensageni

    #- ficou impressionada ao ler êste belo conto:,1Oh., ain1 go, acabo de chorar com a tua Julieta; sobretudo o ela recebe os cabelos me fêz uma impressão dolorosa.trecho em que ual era a dor mai . s vi . va. se a de perder o amante pergunta.va-me q vo a dar-me uma res,,i,,O ou a de o perder morto, e não me atrepo,ta. Julieta possuí naqueles cabelos um tesouro que lhe suscitará sempre lembrançaspuras; mas que é que se lhe poderia oferecer para consOld-1a se o amante ahouvesse abandonado por causa de outra mulher? Nada".* Lettres de Laure Surville de BaIzac, 1831-1837. Publicadas por A. Chancerel e

    J. N. Faure-Biguet. Plon, Paris. 1932, p. 49.** Em Ilanotaux et Vicaire, La Jeunesse de BaIzae, pp. 251-252.

    #AO SR. MARQUÊS DAMASO PARETOiSEmpRE tive o desejo de contar uma história simples e verdadeira, no decorrer da qual um, jovem e sua amante fôssem toinados de pavor e se refugiassem um no coraçãodo outro, como duas crianças que se achegam ao encontrar uma serpente na orla de uni bosque.corn risco de diminuir o interêsse por minha narrativa ou de passar por um presumido, começo por anunciar-lhes o fim da minha história. Eu desempenhei uni papelne?te drama quase vulgar; se êle lhes interessar, a culpa será tanto minha quanto da verda

    de histórica. Muitas coisas verdadeiras são soberanamente aborrecidas. Por isso, metade do talento está em escolher no verdadeiro o que se pode tornar poético.Em 18ig, eu ia de Paris para Motilins. Oestado de minha bôlsa obrigava-me a viajar no tejadilho da diligência. Os inglêses, todos o sabem, consideram os lugaressituados nessa parte aérea da carruagera os melhores. Durante as primeiras léguas da estrada eu encontrei mil excelentes razões para justificar a opinião dos nossos vizinhos.Um rapaz, que me pareceu ser um pouco mais rico do que eu, subiu, por oôsto, ao meu lado, para a banqueta. Acolheu meus ?3

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    argumentos com sorrisos inoferisivos. Em breve, uma certa concordância de idade ede pensamento, o nosso idêntico amor pelo ar livre, pelos ricos aspectos das regiões que descobríamos à medida que a pesada viatura avançava; depois, não sei que atração magnética, impossível de explicar, fizeram nascer entre nós essa espécie de intimidade momentânea a que os viajantes se entregam com dobrada disposicão porqueêsse sentimento efêmero parece cessar pronta-1mente e não criar raízes para o futuro.Não tínhamos ainda percorrido trinta léguas e já falávamosInde mulheres e de amor. com tôdas as preocupações oratórias requeridas em semelhantes ocasiões, conversamos naturalmente a respeito das nossas amantes. jovens ambos,não tínhamos chegado ainda senão à mi,ther de uma certa idade, quer dizer a mulherque Se encontra entre trinta e cinco e quarenta anos.1) Marquês Da)naso Pareto: ver a nota 4 de Honorina, neste, volume,111

    #12 CENAS DA VIDA PRIVADAOli! um poeta que nos tivesse escutado, de Montargis a não sei que -estação de muda, teria recolhido expressões bastante infla. madas, retratos admiráveis e bemdoces confidências! Nossos terno. res pudicos, nossas interjeições silenciosas e nossos olhares ainda acanhados possuíam uma eloqüência cujo encanto ingénuo jamais consegui encon

    trar de novo. Sem dúvida é preciso permanecer vem para compreender a mocidade.Por isso, entendemo-no? maravilha sôbre todos os pontos essenciais da paixão.E, de início, tínhamos começado por assentar como fato e como principio que não havia nada mais idiota na sociedade que um aa certidão de nascimento; que muitasmulheresde quarenta anos eram mais Jovens que certas mulheres de vinte, e que, afinal, asmulheres tinham realmente a idade que aparentavam ter. Êsse sis. tema não punha têrnio ao amor, e nós nadávamos, a falar verdade, num oceano sem limites.Enfim, depois de têrnios feito nossas amantes jovens, encanta. doras, devotadas, condêssas, dotadas de bom-gôsto, espirituais, finas; depois de lhes têrmos dadolindos pés, uma pele assetinada e mesmo suavemente perfumada, nós nos confessamos, êle, qu

    e a senhora tal tinha trinta e oito anos, e eu, por minha vez, que adorava uma quadragenária.Depois disso, libertos um e outro duma espécie de vago temor, retomamos num crescendo as nossas confidências, descobr indo que éramos colegas em amor. Discutimosqual de nós dois revelaria mais sentimentos. Um tinha feito certa vez duzentas le, "uas para ver a sua amante durante uma hora. Ooutro tinha-se arriscado a passar por um lôbo e a ser fuzilado num parque, para comparecer a um encontro noturno. Emsuma, tôdas as nossas loucuras! Se há prazer em recordar os perigos passados, não é também delicioso evocar os prazeres desvanecidos? É gozar duas vêzes. Os perigos, as grandes e pequenas felicidades, tudo nos contávamos, até mesmo as brincadeiras.A condêssa do meu amigo fumara um charuto para lhe agradar; a minha fazia o meu chocolat

    e e não passava uni ?a sem me escrever ou me ver; a sua fôra morar com êle durante trêsdias, com risco de perder-se; a minha tinha feito ainda melhor, ou piorse quiserem.Nossos maridos, ailiás, adoravam as nossas condêssas; viviarn eserzvos do encanto que possuem tôdas as mulheres amorosas; e, mais palermas do que a lei o permite,êles Dão nos ofereciam mais peri,go do que o necessário para#aumentar o nosso prazer. Oli! como o vento levava depressa as nossas palavras e as nossas risadas!Ao chegar a Pouilly, examinei muito atentamente a pessoa do meu novo amigo. Sim, acreditei fàcilmente que êle devia ser seriamente amado.

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    MENSAGEM13rapaz de estatura "éc"a, mas muito bem proirinagine-se umtendo uni rosto feliz e cheio de expressão. Seus cabe porcionaá", os olhos, azuis; os lábios eram levemente rosados; jos erarn negros eo hos; uma palidez graciosa decorava, ainos dentes, brancos e parel? e Um liceirO traço de bistre cercava-lhe os da, as suas feições finas. se convalescendo. Acrescente-se a iszo que olhos, conio Ee êle estIveséle tinha mãos brancas, bem modeladas, cuidadas como devem ser a? de um aa mulher bonita; que era inteligente, parecia bastante- se terá muita dificuldade em concordar que oir,struídol e nao a fazer honra a uma condêssa. Enfim, mais de rneu arnito,,O poderiurna moça o teria desejado para marido, pois êle era visconde e possuía entre doze e quinze mil francos de renda, sem contar as esperanças.A um aa légua de Pouilly, a diligência virou. Meu infeliz ca. marada julgou dever, para sua segurança, atirar-se as bordas de um campo recentemente arado, em vezde agarrar-se à banqueta, como eu fiz, e acompanhar o movimento da diligência. Não deu o impulso necessário ou escorreoou, não sei como se passou o acidente, mas êle foi esmagado pela viatura, que lhe caiu sôbre o corpo. Nós o transportamos para acasa de um camponês.Em meio aos gemidos que lhe arrancavam as dores atrozes, êle conseguiu incumbir-me de uma dessas missões a que os últimos desejos de um moribundo dão um caráter

    sagrado. Agonizante, o pobre rapaz atormentava-se, com tôda a candura de que se étantas vêzes vítima em sua idade, com a dor que sentiria sua amante, se soubesse de repente da sua morte por um jornal. Pediu-me que eu tôsse pessoalmente comunicá-la.Depois fêz com que eu procurasse uma chave suspensa a uma fita que êle trazia ao peito, pendurada. Encontrei-a meio enterrada rna carne. Omoribundo não proferiu o menor queixume quando eu a extraí, o mais delicadamente que me foi possível, da chagaque ela havia produzido. No momento em que acabava de me dar tôdas as instruções necessárias#para buscar na sua casa, em Charité-sur-Loire, as cartas de amor que sua amante lhe havia escrito, e que me rogou instantemente devolver a ela, perdeu a palavraem meio de uma o frase; mas seu último gesto1 ine féz compreender que a fatal chave seria um penhor da minha missão junto à sua mãe.

    Aflito por não poder formular nenhuma frase de agradecímento, Porque êle não duvidava do meu zêlo, fitou-rrie com um olhar "úPlice durante um instante, disse-meadeus, saudando-me com um InOvimento de cílios, depois inclinou a cabeça, e morreu.Suamorte foi o único acidente funesto resultante da queda da carruagem.- Êle teve um pouco de culpa, - disse-me o condutor. nEm Charité, cumpri o testamento verbal dêsse pobre viajante. Sua Mãe estava ausente; isso foi uma espécie de felicidade para

    #14 CENAS DA VIDA PRIVADAmim. Contudo, tive que consolar a dor de uma vellia emprc,,,Ida que cambaleou quando eu lhe contei a morte do seu jovem patrà,. ela caiu semimorta numa cadeira ao

    ver a tal chave ainda tint? de sangue; mas como eu estava conipletamente preocupado corQ um sofrimento maior, o -de uma mulher a quem o destino arreba, tava seu derradeiro amor, deixei a velha criada prosseguindo ,, curso de suas prosopopéias, e leveia preciosa correspondência, cui. dadosamente lacrada pelo meu amigo de um dia.O castelo onde residia a condêssa ficava a oito léguas de MOU. lins, e para chegar a êle era preciso ainda fazer algumas léguas ern suas terras. Era-me então bastantedifícil desobrigar-me da ruin11, mensagem. Por um concurso de circunstâncias que é inútil expli. car, eu só tinha o dinheiro necessário para atingir Moulins. Entretanto,

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    corri o entusiasmo da juventude, resolvi fazer o caminio a pé, e ir bastanteligeiro para tomar a dianteira à propagação das nmás notícias, que caminham tão ràpidamente.Informei-me do caminho mais curto, e fui pelos atalhos do Bourbonnais, levando,por assim dizer, um morto sôbre os ombros. À medida que me aproximava do castelode Montp-ersan, eu ia ficando cada vez mais espantado com a singular peregrinação que havia empreendido. Minha imaginação inventava mil fantasias ro. manescas. Eu imaginavatôdas as situações em que poderia ericontrar a Sra. Condêssa de Montpersan, ou,para obedecer à poética dos romances, a Julieta muito amada do jovem viajante. Forjavarespostas inteligentes às pergirritas que eu supunha deverem ser-me feitas. Em cada volta de bosque, em cada caminho baixo, era um aa repetição da cena de Sósia2e da sua lanterna, a quem êle presta contas da batalha. Para vergonha do meu coração,eu não pensei de início senão em minha atitude, em meu espírito, na habilidade que eu queria desenvolver; mas, assim que entrei -na região, um aa sinistra reflexão atravessou-mea alma como um raio que sulca e despedaça um véu de nuvens cinzentas. Que terrível notícia para uma mulher que, completamente ocupada nesse momento com seu jovemamigo, esperava de hora em hora alegrias sem nome, depois de ter enfrentadomil dificuldades para levá-lo legalmente à sua casa.Enfim, havia ainda uma caridade cruel em ser o mensageiro da morte. Por i",) euapressava o passo, enlameando-me e atolan? do-me nos cam?_".?hos do Bourbonnais.

    #Em breve alcancei uma grande avenida de castanheiros, no fim da qual as formasdo cas-2) sósia: personagem da comédia antiga e do Anfitrião, de Moliè" re. Leva a Alemena, espôsa. do general Anfitrião, ?de quem é eS-c",tvo" uma mensagem. Para se desempenharbem da sua tarefa, Sósia faz pri, meiro uma repetição em que a sua lanterna substitui Alemena.A ME_NSAGEM15telo de Nlontpersan desenharam-se no céu como nuvens escuras de contornos claros e fantásticos.Ao chegar à porta do castelo, encontrei-a escancarada. Essa circunstância imprevista . destruía os meus planos e as minhas su. - Contudo, entrei resolutamente,

    e em seguida tive a meuposiçoes. e latiram como verdadeiros cães de campo. A lado doi-" cães qu uma gorda criada, e, quando lhe disse que eu ,êsse ruído, acorreu ora condêssa, elaindicou com um gesto de mão queria falar à senhos maciços durn parque à inglêsa que serpenteaNa em tôrno do ocastelo, e me respondeu:- A senhora condêssa anda por aí ...- obrigado - disse eu com um ar ironico.o seu por aí podia fazer-me errar durante duas horas pelo parque.Urna formosa menina de cabelos encaracolados, de faixa côrde-rosa, de vestido branco e com uma capa frisada, chegou nesse meio tempo, e ouviu ou adivinhou a perguntae a resposta. Ao ver-me, ela desapareceu gritando com leve acento agudo:

    - Mamãe, está aí um senhor que lhe quer falar.E eu a seguir, através as curvas das alamedas, os saltos e os pulos da capinha branca, que, semelhante a um fogo-fátuo, indicava-me o caminho que seguia a menina.o É preciso dizer tudo: no último silvado da avenida, eu tinha levantado o colarinho, escovado o meu chapéu usado e minhas calças com as beiras do meu casaco, ocasaco com as suas mangas, e asn1mangas uma com a outra; depois o abotoara cuidadosamente para inostrar o#pano dos reversos, sempre um pouco mais novo que o resto; fizera descer a extre

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    midade das calças sôbre as botas, engenhosamente polidas no capim. Graças a êssetrajar de gascão, eu e?perava não ser tomado pelo contínuo da sub-prefeitura; mas, quandohoje me transporto -pelo pensamento a essa hora da minha mocidade, rio por vêzes de mim mesmo.De repente, no momento em que eu compunha a minha atitu 1 de, na volta de uma verde sinuosidade, em meio a mil flores ilununadas Por um cálido raio de sol,divisei Julicta e seu marido. A linda menina trazia a mãe pela mão, e era fácil perceber-se que a Condêssa apressara o passo ao ouvir a frase ambígua da filha.Surpreendida pelo aspecto dum desconhecido que a cumprimentava cO111 um ar bastante constrangido, ela parou, e fêz.me um gesto friamente "polido e uma adorável expressãode amuo que, para n"m, revelava tôdas as -suas esKranças frustradas. Procurei, mas em vãO, algumas das minhas belas frases tão laboriosamente preparadas. Durante êsse

    momento de hesitação mútua, o marido pôde entrar "elli cella" 1?1"ríadesde pensamentos atravessaram-me o cérebro. Para

    #19CENAS DA VIDA PRIVADAA MENSAGEM17não dar a ver meu embaraço, pronunciei algumas frases insignifi, cantes, indagando se as pessoas presentes eram realmente o senho, conde e a Sra. Condêssa de Montpers

    an.Essas tolices permitirarri-nI, julgar num único relance de olhos, e analisar, corn uma perspl"cáci, rara na idade que eu tinha, os dois esposos cuja solidão ia ser tão -violentamente perturbada.O marido parecia ser o tipo dos gentis-homens que são atual. mente o mais belo ornamento das províncias. Trazia grandes s,1pa, tos de grossas solas: apresento-osem primeiro lugar porque êles me Inimpressionaram aínda mais vi\airiente que a casaca negra en?,,,!Ile. cida, a sua calça usada, a sua gravata frouxa e o seu colarinho "1 -rugado. Havia naquele lionicin um pouco de inagistrado, 1-1lito de cons,elheiromunicipal, tôda a importância de um maire 1 de Cantão ao qual nada resiste, e o azedume

    de um carididato eleitoral pe. ri(?dicamente recusado desde 1816; incrível mistura de bom-senso camponês e de tolices; nada de maneiras, mas a arrogância da ri, queza; muita submissão à mulher, mas julgando-se o senhor, e pronto para resistir naspequenas coisas, sem ter nenhuma preocupaçào com os assuntos importantes; no mais, umrosto emurchecido, encarquilhado, crestado; alguns cabelos grisalhos, longos e lisos, eis o homem.Mas a condêssa! ali! que vivo e brusco contraste fazia ao lado do marido! Era umamulherzinha delgada e graciosa, de porte encantador; franziria -e tão delicada,que se teria mêdo de quebrar-lhe os ossos ao tocá-la. Vestia um traje de musselina branca; na cabeça trazia um gorro com fitas côr-de-rosa; tinha uni cinto também côrde-rosa e u

    nia blusa tão deliciosamente cheia por suas -espáduas e pelos mais formososcontornos, que ao vê-los nascia no fundo do coraç5o uma irresi.,tível vontade de possuí-los. Seus olhos -eram vivos, nQgros, -expressi?os; seus movinientos, suaveç; seu pé, encantador. Nem um velho dom-joão lhe daria mais de trinta anos, tal era ajuventude que havia em seu rosto e nos mínimos detalhes da sua cabeça. Quanto ao caráter, pareceu-me ter tanto da Condêssa de Lignolles como da Marquesa de B. . ., dois tipos de mulher semprc vÍvos na memória de umhomem, após ter lido o romance de#Lomet."3) maire: chefe da adminiCtração. comunal ou cantonal. (o cantãO é uma circunscrição territ-

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    c-i-jal formada por várias comunas.)4) Louuet: Jean-Baptiste Louvet de Couvray (176O-1797), convencional da Gironde e romancista, autor dos Amôres do Cavalheiro FaublO, famoso romance dos costuniesligeiros do século XVI,Il. o herói é uru belo rapaz, grande conquistador de mulheres,a cuja existência flãú li" ga,das Intimamente três moças, a Marquesa de B, que o inicia noarnor, a Condêssa de Lv1?oles, caprichosa e apaixonada, e Sofia de Pontis,qUe representa o amol" ingénuo e puro. Fau),"as ?ma as três, e dep?,is de uma eérie de peripécias e aventuras com outras admiradoras suas ac?1ba por desposar a terceira.. jogo em todos os segredos daquele casal, e tomei Eu penetrei nplomática digna de um velho embaixador. Talvez resolução dia sido essa a única vez da minha vida em que eu tive tato e ,,insistia a habilidade dos cortesãos ou das pesunia tenh conipreendi em que,soas da so.ciedade. -cocupados, eu tive que travar muitas Depois dêses .dias despi res atos da vida, e não fazer nada a batalhas para destilar os menOnão er obedecendo à cadência da etiquéta e do bom-t(m, que secarn as emoções mais generosas.

    _ Senhor conde, desejaria falar-lhe em particular, - disse eu com uni ar misterioso e dando alguns passos para trás.g ige n te £1e me seguiu. Julieta deixounos sós e afastou-se negliginente, como mulher que tem a certeza de saber os segredos do marido no inomento em que quiser.

    ,Contei resumidamente ao conde a morte do meu companheiro, de viagem. Oefeito que essa notícia produziu sôbre êle provou-me que êle tinha muito viva afeição aoseu jovem colaborador, e esca descoberta deu-me coragem para reponder-lhe assimno diálogo que se seguiu entre nós dois.- Minha mulher vai ficar desesperada - exclamou êle - e eu terei que tomar muitasprecauções para comunicar-lhe êsse doloroso acontecimento,- Dirigindo-me de inicio ao senhor, - disse-lhe eu - cumpri um dever. Eu não queria desincumbir-me junto à senhora condéssa desta missão confiada por um desconhecido,sem preveni-lo; mas êle me confiou também uma espécie#de honroso fideicomisso, um. segrêdo de que não tenho o direito de dispor. Pdlc, alto conceito que êle transmit,u sôrr,e o seu caráter, pen?e1 que o senhor nãose oporia a que eu cumprisse êsses últili?os desejos. A senhora condêssa terá liberdade

    de romper o silêncio que me foi imp:ôsto.Ao ouvir o seu ciogio, o gentil-homem balançou a cabeça dando mostras de agrado. Respondeu-me com um cumprimento um tanto embaraçado, e terminou deixando-me o campolivre. Voltamos pelo mesmo caminho.Nesse momento, o sino anunciou o alrnôço, fui convidado a participar dêle. Achando-nos sérios e silenciosos, Julieta examinou. nos furtivamente. Estranhamente surprêsapor ver seu marido usando um Pretexto frívolo para nos proporcionar um colóquio, ela parou e lanÇOu-me um dêsses olhares que só às mulheres é dado lançar. Havia nesse olhar tôd a curiosidade permitida a uma dona de casa que recebe um estraiffio,caído em seu lar como das nuvens; havia nêle tôdas as interrogações que mereciam a minha indunien. tária, a minha mocidade e a minha fis,"onomia, contrastes sinQuIar"1 e mais o desdém da amante idolatr"ada, aos olhos de queinn os

    #isCENAS DA VIDA PRIVADAMENSAGEM19homens nada representam, com exceção de um só; havia ainda nêle temores involuntários, mêdo, e o aborrecimento de ter um hósPed, i?nesperado, quando, sem dúvida,ela dedicava ao seu amor tôdas as delícias da solidão.Compreendi aquela eloqüência muda, e a ela respondi cora um sorriso cheio de piedade, de compaixão. Então, contemplei,, por instantes em todo o esplendor da sua

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    beleza, num dia sere?no, no rrwio de uma estreita alamêda bordada de flores. Vendo aquêlequadro admirável, não pude conter um suspiro.- Ah! senhora, acabo de fazer uma viagem bem penosa, elu. preendida... únicamentepor sua causa.- Senhorl - disse-me ela.- Oh1 - tornei -eu venho em nome daquele que a chania julicta.Ela empalideceu.A senhora não o verá hoje.Èle está doente? - indagou ela em voz baixa.Sim - respondi-lhe. - Mas, por favor, modere-se... Fui encarregado por êle de confiar-lhe alguns segredos que lhe concernem, e acredite que jamais mensageiroalgum será mais -discreto mais devotado.- Que há?- E se êle não mais a amasse?- Ohi isso é impossível! - -exclamou ela deixando escapar um leve sorriso que não eranada menos que franco.De súbito, sentiu uma espécie de estremecimento, lançou-me um olhar fulvo e impetuoso, corou e disse:- Êle está vivo?Deus meu! que frase terrível! Eu era jovem idemais para sustentar-lhe a veemência; não respondi, e fitei aquela infeliz mulher com um ar apalermado.- Responda, senhor! responda! - exclamou ela.- Sim, senhora.

    - É verdade? Oh! diga-me a verdade, eu posso ouvi-la. Diga! Qualquer sofrimento há de ser menos pungente que a incerteza, para mim.Eu respondi com duas lágrimas, que me foram arrancadas pelOS estranhos acentos#corn que a?quelas frases foram ditas.Ela apoiou-se a uma árvore, lançando um débil grito.n- Senhora, - disse-lhe eu - olhe o seu marido.- Terei,_ uni marido?Dizendo ela fugiu e desapareceu.- Oalniôço está esfriando, - exclamou o conde. - Venha, senhor.Segui, então, o dono da casa, que me conduziu a uma sala de ,efeições onde vi uni jantar servido com todo o luxo a que as mesas parísienses nos acostumaram. Haviacinco talheres: os dos dois esposos, o da menina, o meu, que deveria ser o seu,

    e um último destinado a um conego de Saint-Denis, que, após a oração de graças, perguntou:- Mas ande está a nossa cara condêssa"- Oh1 ela virá em seguida - respondeu o conde, que, depois de nos ter servido comsolicitude a sopa, encheu o seu próprio prato, que esvaziou com uma rapidez maravilhosa.- Oh! meu sobrinho - exclamou o cônego - se sua mul-her estivesse aqui você seria mais comedido.- Papai vai adoecer, - disse a menina com ar brejeiro.Um instante após êsse singular episódio gastronômico, e no mo. mento em que o conde trinchava com decisão um pedaço de não sei que animal caçado, entrou uma criadade quarto e disse:- Senhor, não encontramos a senhora condêssa!

    A essa frase, ergui-me com um movimento brusco temendo alguma desgraça, e a minhafisionomia exprimiu tão vivamente os meus temores, que o velho cônego me acompanhouao jardim. Por atenção, o marido veio até à porta.- Fiquem! fiqueral não se inquietem - gritou-nos êle.Mas não nos acompanhou. Ocônego, a criada de quarto e eu percorremos os caminhos e os tabuleiros de relva do parque, chamando, escutando, e tanto mais inquietosporque eu anunciei a morte do jovem visconde. Às pressas, contei as circunstâncias dêssefatal acontecimento, e percebi que a criada de quarto era extremamente afeiçoada à sua ama, porque penetrou muito melhor que o cônego nos segredos do meu terror.

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    Fomos aos tanques, visitamos tudo sem encontrar a condêssa, nem o menor vestígio dasua passagem. Enfim, na volta, seguindo "4O longo de um muro, ouvi gemidos#surdos e profundamente abafados que !pareciam sair de uma espécie de celeiro. Pelas dúvidas, entrei nêle. Ali descobrimos Julieta que, movida pelo instinto do desespêro,sepultara-se no meio do feno. Ela escond-era a cabeça para ab;?far os seus gritos horríveis, obedecendo a um invencível pudor: `""1 soluços, choros de criança, mas mais penetrantes, mais dolo"sOs- Não havia mais nada no mundo para ela. A criadapuxou ,`a Patroa, que se deixou manobrar com a apática indiferença do animal moribundo. Essa rapariga não sabia dizer outra coisa que"ValOs, senhora, vamos....,O ?Clho cônego perguntava:XIas que tem ela? Que tem você, minha sobrinha? Finalmente, ajudado :pela criada,transportei Julicta para o seu quarto; rccOlllendei cuidadosamente que velassempor ela e que

    #&I2OCENAS DA VIDA PRIVADAdissessem a todos que a condès?a tinha uma enxaqueca. Depois? \O? tamos, o cônego eeu, para a sala de refeições.Havia já algum tempo que tínhamos deixado o colide, e tornei a pensar nêle senão no momento em que passei no pcri?til.. a sua indiferença surpreendeu-me. Mas o metiespanto aum?211t," quando o encontrei filosóficamente sentado à mesa: comera quas?e

    todo o almôço, com grande prazer da filha, que sorria por ver o pai em flagrante desobediência às ordens da condêssa.A singular despreocupação daquele marido foi-me crplicada pela altercação que se estabeleceu de súbito entre o conego e êle.O conde estava submetido a uma dieta severa que os médicos !h, haviam impôsto para curá-lo, de uma doença grave cujo nome me escapa; e, arrastado por essa glutoneriaferoz tão familiar aos con. valescentes, o apetite do animal tinha superado nêle tôda a sensibi. lidade do homem. Num momento eu tinha visto a natureza em tÔda a sua verdade, sob dois aspectos bem diferentes que colocavaril o conego no próprio seioda mais horrível dor.A noite foi triste. Eu estava cansado. Ocônego empregava tóda a sua inteligência paraadivinhar a causa do chôro da sua sobri-,??a.

    O marido digeria silenciosamente, depois de se ter contentado com uma explicação bastante vaga que a condêssa mandou dar-lhe p,?la criada de quarto sôbre a suaindisposição, e que foi, creio eu, airibuída aos incômodos naturais da mulher. Todos nos deitamos cedo.Ao passar diante do quarto da condêssa para ir ao dormitóri@ a que me conduzia um criado, eu timidamente pedi notícias suas. Reconhecendo a minha voz, ela me fêzentrar e quis falar-me; ria?, não podendo nada articular, inclinou a cabeça, e eu me retirei.Apesar das emoções cruéis que eu tinha partilhado com a huca-fé da mocidade, dormi, exausto pela fadi?oa da marcha forçada. A ,?,lia hora avançada da noite, fuidespertado pelo áspero ruído dos ai-? do meu cortinado violentamente puxados sôbre as

    varas de fe-"O, Vi a condêssa sentada nos pés da minha cama. Seu rostotôda a luz duma lâmpada colocada sôbre a mesa.- É mesmo verdade, senhor? - disse-me ela. - Não sei co,11O posso viver depois#désse liorrív?e1 golpe que acaba de ferir-me; r)íis neste momento estou calma. Quero saber tudo.- Que calma! - pensei comigo, ao perceber a assustadora palidez do seu rosto,que contrastava com a côr castanha da cabc"1e"?-13, ao ouvir os sGris guturais dasua voz, ao ficar estupefato pela devastação que denotavam as suas feições alteradas.

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    Ela já estava estiolada, como uma fôlha despojada das últiIiias tinjas que lhe imprime o outono. Os olhos vermelhos e incha,4O?, despidos de tôda a sua beleza, refletiamapenas lima dor amar " "_a C profunda; onde ainda há pouco cintilava o sol, dir-se-ia haver agora uma nuvem cinzenta.A MENSAGEM 21Narrei-lhe corri simplicidade, sem muito insistir em certas cir~stâncias dolorosas deriais para ela, o acidente rápido que a priContei-lhe o primerro dia da nossa viazem, tão cheio vara do arni9O- gpelas recordações do seu anior.Ela não chorou: ccutava com avidez, a cabeça inclinada para rni?rl, como um médico zeloso que observa um mal. Aproveitando .uni rnornento em que ela me pareceuter inteiramente aberto o seu- aos sofrimentos e querer mergulhar em sua desgraça com coraçao n todo o ardorque dá a primeira febre do desespêro, falei-lhe dos temores que afligiram o-nobre moribundo, e disse-lhe como e porquê éle ine encarregara daquela fatal mensagem. Seus olhos secaram-se então ao fogo lúgubre que brota das mais profundas regiõeso da alma. Ela empalideceu ainda mais. Quando lhe estendi as cartas que eu guardava debaixo do meu travesseiro, ela as agarrou maquinalmente; depois estremeceuviolentamente,e disse-me numa voz cavernosa:- E eu que queimava as suas! Nada tenho dêlel nadal nada! E bateu com fôrça na fronte.

    - Senhora. . . - disse-lhe.Ela fitou-me, com um movimento convulsivo.- Eu cortei uma madeixa dos seus cabelos - disse eu, prosseguindo. - Ei-la aqui.E ajpresentei-lhe êsse último, êsse incorrutível despôjo daquele que ela amava.Ali! se o leitor tivesse recebido como eu as lágrimas escaldantes que tombaram#então ?ôbre as minhas mãos, saberia o que é o reconhecimento quando está assim tão próximo d benefício! Ela apertou-me as mãos, e, com uma voz abafada, com umolhar brilhante de febre, um olhar onde refulgia a sua frágil ventura através de horríveis sofrimentos:- Ali! o senhor ama! - disse ela. - Seja sempre feliz! não PCrca jamais aquela que lhe é cara!Ela não terminou, e fugiu com o seu tesouro.

    No dia seguinte, essa cena noturna, confundida com meus sonhos pareceu-me ser uma ficção. Foi preciso, para convencer-me da doloro-a verdade, que eu procurasseinfrutiferamente as carw, sobO meu travesseiro.S,-ria inútil narrar os acontecimentos do dia seguinte. F,quei várias horas ainda com a Julieta que o meu companheiro de via-Cin. tant no elogiara. As mínimas palavras, os gestos, as ações daquela Inulher provaram-me a nobreza de alma, a delicadeza de sentimentos que a tornavam um aa dessas preciosascriatul-as de amor e devotaniento tão raras, espalhadas pela face da terra.A tarde?Uns. Ao , o próprio Conde de -i\lontpersan concluziu-me a MoucllegarIllos ali,disse-me êle com um aa espécie de embara?o:

    #22CENAS DA VIDA PRIVADÁ- Senhor, se não é abusar de sua complacência e agir indiscre, tamente em relação a um desconhecido a quem já devemos obi? gaçoes, quereria ter a bondade de entregar,em Paris, pois que o ID osenhor vai para lá, em casa do senhor... (esqueci o nome), à ua da Vereda, uma importância que eu lhe devo, e que êle mandou pedir lhe remetesse com urgência?- com rnuito gôsto, - respondi.E, na inocência da minha alma, recebi um maço de vinte cinco luíses, que me serviu para eu voltar ia Paris, e que entreguei fielmente ao pretenso correspondente

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    do Sr. de Montpersan.Só em. Paris, ao levar a ii-nportància à casa indicada, é que co,11. preendi a engenhosa elegância com que Julieta me tinha obsequiado, A maneira por que êsse dinheirome foi emprestado, a discrição guardada sôbre a minha pobreza fácil de adivinhar,não são suficien. tes para revelar todo o gênio de uma mulher terna?Que delícia ter podido contar esta história a uma mulher que, medrosa, nos apertou entre os braços, e nos disse: "Oh! querido, não111O1-1,as, Silii?"Paris, Janeiro de 1832O ROMEIRALTradução de Casimiro Fernandesq?-#O11

    #O ROMEIR.4L- Casa ef?l que Baízac ~rou e que escolheit para cena da história d, Lady B,,ndor,

    #CENAS DÁ VIDA PRIVADAO 11O1MEIRAL29Transpondo-se êsse portão carcomido, um pequeno jardim, co? quistado ao rochedo porum último terraço cuja velha balausti,ada preta doi-nina tôdas as outras, oferece à vista seu gramado ornado d.1

    algumas árvores verdes e de uma multidão de roseiras e de flores. ?71Aléiii, defronte ao portal, na outra extremidade do terraço, existe um pavilhão de madeira apoiado no muro vizinho e cujostes ficam escondidos por jasmineiros, madressilvas, parreiras e cle matites. Nomeio dêsse último jardim ergue-se a casa, sÔbre urfia escadaria curva, coberta depânipanos e junto à qual se encontra porta duma enorme adega cavada na roclia. A habitação "o e cercada de vinhas e de romeiras: daí o nome dado a essa quinta. A fachada compõe-se de duas largas janelas separadas por uma porta in?erme. diária muito rústica,e de três mansardas rasgadas num telhado pro. odíaiosam,ente alto em relação à pouca altura da parte térrea. Qsse ?5telhado de inclinação dupla é coberto com ardósias. As paredes do edifício principal são pin

    tadas de amarelo; e a porta, os contra. ventos de baixo e as persianasdas mansardas são verdes.Ao entrar, -encontra-se um pequeno patamar onde começa um aa escada tortuosa, cujo sistema muda a cada volta; ela é de madeira quase podre; o corrimão, talhado emforma de parafuso, foi polido por um longo uso. À direita há uma ampla sala de refeições, Iam. Drisada à antiga, pavimentada com ladrilhos -brancos fabricados em Châteati-Regnault; à esquerda, um salão das mesmas dimensões, mas sem lambris e recobertode papel amarelo com orla verde. Nenhuma das duas peças tem fôrro; as traves são de nogueira e os interstícios cheios de um barro branco amassado com palha. No prinieiro andar há dois grandes quartos cujas paredes são pintadas a cal; as lareirasde pedra que nêle existem são menos ricamente esculpidas que as do andar térreo. Tôdas as

    aberturas dão para o sul. No lado norte há apenas uma porta, que dá para o parreiral,aberta atrás da escada. À esquerda, encostada na casa, há uma construção cujomadeiramento é, pelo lado exterior, garantido da chuva e do ,ol por ardósias, que desenham sôbre as paredes longas linhas azilis,#longitudinais ou transversais. A cozinha, situada nessa espécie de choupana, comunica interiormente com a casa, mas tem tainbéi" uma entrada particular, elevadade al "g-uns degraus, embaixo dos quais existe um poço profundo encimado por uma bomba envolta por sabinas, por plantas aquáticas e altas ervas. Essa construção recente pro

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    va que o Romeiral era outrora uma simples cantina. Os proprietários vinhamda cidade, da qual êle é separado pelo ai"Plo leito do Loire, apenas para fazer a colheita ou alguma excursão de recreio. Enviavam de manhã cecio as provisões e só doriniara a" durante o tempo da vindima. Mas os inglêses caíram como """a1 cowplenuvern. de gafanhotos sóbre a Touraime, e tornou-se precisotar o Romeiral para alugá-lo. Felizmente, o apêndice niode""O. -niulado sob as I)ri,.iieiras tílias de uma alameda plantada fica dissi baixodo parreiral. Êste, que pode ter umas duas ..m barranco a . um aclive geiras,ergue-se acima da casa e a domina inteiramente porL- ingreiile que é difícil de ser escalado. Entre a casa e essa colina ao do muito um espaco de cinco pés, semverdejarite de parras há quanécie de fôsso cheio de vegetações vigorosas onde ore úmido e frio, esp n1 pos de chuva, o adubo das parreiras que vai enriquec,1c111 nos te111] .

    rdins sustidos ipelo terraço de balaústres. A casa do cer o solo dos ja decuidar o vinhedo está encostada à parede ia,rador encarregado alha e de rto modo está em simetriada esquerda, , coberta com Pcorn a cozinha. A propriedade é cercada de muros e de latadas; o vinhedo é plantadode árvores frutíferas de tôda espécie, de ma-, -1 - f .... no está perdida paraa cultura.neira que nem uma polega ase o hornem despreza uni árido espaço de i,ocha, a natureza nêle lança ou uma figueira,

    ou flores campestres, ou alguns inorangueiros protegidos pelas pedras.Em nenhum lugar do mundo se encontraria uma vivenda a um tempo tão modesta e tão grande, tão ri£a em frutas, em perfumes, em panoramas. Ela é, no coração da Touraine,uma pequena Touraine onde tôdas as flores, todos os frutos, tôdas as belezas dessa região estão totalmente representadas. Há uvas de tôdas as regiões, lia-os, pêssegos, pêras detôdas as espécies e melões,#bem assim como o"alcaçuz, a giesta de Espanha, os eloendros da Itália e os jasrni.ns dos Açorès. OLoire corre aos Tiossos pés. Dominamo-lo de um terraço que ficaa umas trinta toesas acima de suas águas caprichosas; à tarde, respiramos suas brisas frescas vindas do mar e perfumadas no caminho pelas flores dos longos passeios. Uma nuvem errante no espaço, que a cada momento muda de côr e de forma, sob um céuperfeitamente azul, dá mil aspectos novos a cada detalhe das paisagens maaníficas qu

    e seapresentam aos olhos, em qualquer ponto onde se esteja. Daí, o olhar abarca primeiro a margem esqueroda do Loire desde Amboise, a fértil planície em que n se erguem Tours, seus subúrbios, suas fábricas, o Plessis; depois uma parte da margem direita, que, desdeVouvray até Saint-Sympliorien, descreve uni semi-círculo de penhascos tapetados de risonhos vinhedos. A vista só é limitada pelas ricas colinas do Cher, horizonte azulado, cheio de parques e de castelos. Finalmente, a oeste, a alma Perde-se no rioimenso em que navegam a tôda hora os barcos de velas brancas enfunadas pelos ventos que reinam quase sempre nessa vastidão líquida. Um príncipe pode fazer do Romeirâ a sua casa de veraneio, mas certamcnte um poeta fará dêle a sua residência; dois amantes

    verão nêle o mais doce dos retiros, sendo o lugar de descawc, Para um bom burguês deTours. Êle tem poesia para tôdas as "na,"naÇões, para as mais humildes e as mais frias,como para "Ias ma" CIcUdas e apaixonadas: ninguém aí permanece sem sentir

    #soCENAS DA VIDA PRIVADAR OTM E I R A L31a atmosfera da felicidade, sem conseguir uma vida complet.1.. tranqüila, livre de

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    ambicõcs e de cuidados. Odevaneio está r, l?nte1e no murmúrio das ondas; as areias falam, são tristes ou ale o 1 ardorosas outernas; tudo é movimento em tôrno do possuidor "?"ek cêse.vinhedo, imóvel no meio de suas flores vivas e de seus frutos a " titosos. Um inglês paga mil francos para morar durante seis ri, PC" nessa humilde casa, mas comprometese a respeitar as colheita,; , quer os frutos, o aluguel é dobrado; se o vinho o tenta, a soma é de novo dóbrada. Quanto vale, pois, o Romeiral, com sua rampa , Seu caminho, seu tríplice terraço, suas duas jeiras de parreira], suas ba. laustradas < _, roseiras floridas, sua velha escadaria, sua bomba, sua, clematites esgadelhadas e suas árvores cosmopolitas? Não ofereqm preço! ORomeiral jamais estará à venda. Uma vez comprado em16go, e entre gue a muito custo por quarenta mil francos, como um cavalo favorito vendido pelo árabe do deserto, êle ficou sempre ria mesma família, é o orgulho,a jóia patrimonial, o Regente dela. Ver não é ter? disse uma vez um poeta. Daí vêe,m-se três vales da Touraine e sua catedral suspensa nos ares como uma obra em fili. grana. Podem-se pagar tais tesouros? Poder-se-a jamais pagar a saúde que se recobraali sob as tílias?Na primavera de um dos mais belos anos da Restauração, uma dama, acompanhada duma criada e de duas -crianças, a mais jovem das quais aparentava ter uns oito anose a outra cêrca de treze, foi a Tours procurar uma habitação. Viu o Romeiral e o alupu

    .Talovez a distância que o separava da cidade a decidiu a nêle se instalar.O salão serviu-lhe de quarto de dormir, as crianças foram acomodadas nos quartos doprimeiro andar, e a criada ocupou uma pequena peça situada sôbre a cozinha. Asala de refeições tornou-se o salão comum à pequena família e o lugar de recepção. A casa foi mobiliada com muita simplicidade, mas com gôsto; não havia nada iT"útil nem nadaem que transparecesse luxo. Os móveis escolhidos pela desconhecida eram denogueira, sem nenhum ornamento. OasseiO, e o acôrdo reinante entre o interior e oexterior da casa tornarain-ria#um encanto.Foi, pois, muito difícil saber se a Sra. Willetrisens (nome que

    - estrangeira assumiu) pertencia à rica burguesia, à alta nobreza O11- certas classes equívocas da espécie feminina. Sua simplicidade dava lugar às mais contraditórias suposições, mas suas maneiras po. diam confirmar as que lheeram favoráveis. Por isso, pouco t?i11Po depois de sua chegada a Saint-Cyr, sua conduta reservada excito" o interêsse das pessoas ociosas, habituadas a observarem na pro?1O" -cia tudo o que parece dever animar a estreita esfera em qne elas vivem. A Sra.Willeinsens era utria mulher de estatura bastante elevada, esguia e magra, mas de formas delicadas. Tinha lindos pés, mais notáveis pela graça da sua postura que pela sua pcqll" O"Intrito v"19ar; e também mãos que "pareciam belas sob as luvas. vermelhas e instáv

    eis arroxeavaiii-lhe o rosto outrora fresco "lanchase colorido. Rugas precoces fanavam uma fronte de forma elegante, idada por lindos cabelos castanhos, bem plantados e sempre cunos C,??urnad .1 duas tranças circulares, penteado de virgem que sen Lava à sua fisiortomia melancólica. Seus olhos negros, de olheiras fundas, encovados, cheios deum ardor febril, afetavam uma calma ,uentirosa; e, por momentos, se ela esquecia a expressão que se havia irnpôsto, néles se estampavam angústias secretas. Seu rosto oval era uni pouco longo; irias talvez outrora a felicidade e a saúde lhe dessem justas

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    proporções. Um sorriso forçado, marcado de uma suave tristeza, errava habitualmente sôbre seus lábios pálidos, contudo, a bôca animava-se e o sorriso exprimia as delícias do sentimento maternal quando as duas crianças, que sempre a acompanhavam,fita,,aln-na ou dirigiam-lhe um aa dessas perguntas inesgotáveis e ociosas, que sempre têmum sentido para uma mãe. Seu andar era lento e nobre. Ela conservava sempre a mesma indumentária com uma constância que anunciava a intenção formal de não maisse ocupar com sua aparencia e de esquecer o mundo, pelo qual desejava sem dúvida ser esquecida. Usava um vestido negro muito comprido, najustado por uma fita de chamalote, e, à guisa de xale, um fichu de cambraia com larga orla, cujas duas pontas eram negligente,-) 11:1mente enfiadas no cinto. Calçada com um esmêro que denotava hábitos de elegância, ela usava meias de sêda gris que completavam o torn de luto naquele traje#convencional. Ochapéu, finalmente, de forma inglêsa e invariável, era de tecido cinzento e ornado com um véu negro. Ela parecia ser extremamente fraca e sofrermuito. Oseu unico passeio consistia em caminhar do Romeiral à ponte de Tours, onde, quando a tarde era calma, ia com as duas crianças respirar o ar -fresco do Loire e admirar os efeitos produzidos pelo sol poente naquela paisagem tão vasta quantoa da baía de Nápoles ou do -lago d?,Gen?bra- Durante tôda a sua estada no Rorneira!, ela só foi duas vêzes a Tours: a primeira, para pedir ao diretor do colégio que lhe indicasse os melhores professôres de latim, de matemáticas e de desenho; a segunda,

    para combinar com as pessoas que lhe foram indicadas o preço de suas lições e as horas em que essas liç-Oes poderiam ser dadas às crianças. Mas bastava mostrar-se uma ou duas vêzes por semana sôbre a ponte, à tarde, para excitar o interêsse de quase todos os habitantes-da cidade, que aí passeiam habitualMente. Contudo, apesar da espécie de espionageminocente a que dão origem na província a ociosidade e a curiosidade inquieta da, principais rodas, ninguém conseguiu obter informações certas acêrca dasóbre POS"ÇãO que a desconhecida ocupava na sociedade, nem Sua fortuna nem mesmo a respeito do seu verdadeiro estado. ,%nlente o prOP"etário do Romeiral declarou a alguns amigos o1

    #82CENAS DA VIDA PRIVADAC ]MOMEIRALasnome, sem dúvida verdadeiro, sob o qual a desconhecida alugat, sua casa. Chamava-se Augusta Willemsens, Condêssa de Brando, Êsse nome deveria ser o, do marido. Maistarde, Os ultirrios acont,? cimentos desta história confirmaram a veracidade dessa revela mas ela teve publicidade apenas no círculo de comerciantes"?ao;f )-?de, niais velho, sôbre.a qual assentava o colarinho liso da simple, s borzeguins, a côr do casaco eram semelhantes ,.fflísa. As calÇas,^O uanto a parecença dêlcs.

    Ao \-é-i-., ;,,n?os. tanto ei ? 1 1,os, era i. irpossiVe pelo mais moço qualquer coisa de qüentado pelo proprietário. Assim, a Sra. Wiliemsens por Niaria. o inais velho tinha da meninice,Perinarie, paternal no olhar, e NIaria, apesar da despreocupacao ?mceu constantemente uni mistério para tôdas as Dessoas de b ?, "do a Luís. Eram duaspequenas flores r,2cê -sepa-Oa 5ciedade, e tudo o que lhes deixou ver nela foi uma natu"eza dio" tinta, maneiras simples, deliciosamente naturais, e um tinibre de voz durna doçura angélica. Sua

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    profunda solidão, sua melancolia e sua beleza tãoapaixonadamente obscurecida, meio fanada mesrJJo? tinham tais encantos que muitos jovens se apaixonaram por era. INI,, quanto mais sincero, menos ? dacioso foi o amor dêles: ela era imponente, era difícilque alguém ousasse falar-lhe. Enfim, se ai, guns homens atrevidos lhe escreveram,as cartas devem ter sido quei. madas sem terem sido abertas. A Sra. NVillemsens lançava ao fogo tôdas as que recebia, como se quisesse passar sem a mais leve preo.cupação todo o tempo da sua estada na Touraine. Ela parecia ter buscado aquêle encantador retiro para entregar-se inteiramente à felicidade de viver. Os três professôi-es quetiveram permissão de entrar ?no Romeiral falaram com uma espécie de admiraçãorespei. tosa do quadro tocante que apresentava a união íntima e sem nu. vens daquelascrianças e daquela mulher.As duas crianças despertaram igualmente muito interêsse, e as m;;es não :as#podiam olhar sem inveja. Ambas pareciam-se corri a Sra. XVillerrisens; erarn, na realidade, seus filhos. Tanto um como outro tinham -essa pele transparente e essascôres vivas, êsses olhos puros e úmidos, êsses longos cílios, êsse frescor de formasque iniprimem tanto esplendor à beleza da infância. Omais velho, chainado Luís-Gastão, tirilia os cabelos negros e o olhar cheio de Cor" fiança. Tudo nêle denotavauma saúde robusta, assim como a fronte larga e alta, graciosamente contornada, par

    ecia trair um caráter enér " gico. Era lesto, ágil de movimentos, bem feito de corpo;nãO tim1ia nada de artificial, não se espantava de nada, e parecia refletirsôbre tudo o que via. Ooutro, chamado Maria-Gastão, era quase iouro, se bem que algumasmechas de seus cabelos estivesseni já a cinzentadas e tomassem a côr -dos cabelos -da mãe. Tinha as forinas franzirias, a delicadeza de traços, :a finura graciosaque tanto er` ca?n tavam ?na Sra . W"illeiriseris. Parecia doentio: seus olhos cinzentos linçavaiu um olhar meigo, suas côres eram pálidas. Havia nè1e algo de feminino. A mãe conservava-lhe ainda o cabeção bordado, os o longos cachos frisadose o pequeno casaco ornado de alarirares ? de botões, que reveste um rapazinho duma graça i

    ndizível, . trai êzse prazer de atavio bem feminino a que se entrega a mae tanto quanto o filho, talvez. Êsse lindo traje contrasta\a com a rO"P?e anunc"- _. 1 não se ficar coinOvicIO comparecia recOn ec . adas pela mesma brisa, iluminadas pelo Mesmo radas do galho, agir ,o 11 Outra descorada. Uma ?palavra, um olhar,,de sol, uma color a, orná-los atentos, fazê-los in,flexão de voz da mãe. bastava para tr a cabeça, escutar, ouvir uma ordem, um pedido, uma reco xAT;Ilemsens -fazia sempre com queraio Urna volta inendação, e obedecer. A Sra. sua vontade., como se houvesseéles compreendessem seus desei`,entre os três um pensamento comum- Quando, durante o passeio, é!es estavarn ocupados

    a ?brincar diante dela, colhendo uma flor, examínando um inseto, ela os contemplavacorn uma ternura tão profunda, que o mais indiferente dos transeuntes se sentiaemocionado, parava para ver os meninos, sorrír-lhe,s, e cumprimentar a mãe com um olhar amistoso. Quem não admiraria a rara correção das suas roupas, o lindo timbre-das suas vozes, a graça dos seus movimentos,#as suas fisionomias felizes e a instintiva nobreza que revelava nêles uma educação esmerada desde, o berço? Aquelas crianças pareciam nunca ter gritado nem chorado.A mãe tinha como que uma ;previdência elétrica de seus desejos e de suas dores, prevenindo-os, acalmando-os incessantemente. Ela parecia temer mais um de seus queixu

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    mes que a condenação eterna. Naquelas crianças tudo era um elogio para a mãe; e oquadro daquelas três vidas, que pareciam uma mesma vida, despertava idéias vagas e acariciadoras, imagem dessa felicidade que sonhamos gozar num mundo melhor. A vida íntima dessas três criaturas tão harmoniosas correspondia à idéia que se fazia peloaspecto delas: era a vida ordenada, regular e simples que convém à educação das crianças.Ambos levantavam-se uma hora depois do raiar -do dia e recitavam primeiro uma curta oração, a que estavam habituado? desde pequenos, palavras sinceras, dit,?s durantesete anos no leito da mãe, iniciadas e terminadas entre dois beijos.i Depois, os dois irmãos, acostumados em dúvidA a êsses minuclOsOs cuidados pessoais, tão nece,sários à saúde do corpo e a Pureza da alma, e que dão de certo modoa consciência do bem-estar, arruinavam-se tão escrupulosamente quanto pode arrumar-seuma linda mulher. Lles não descuidavam nada, tal era o temor que um e Outro tinharri duma censura por mais ternamente que lhes fôsse dirigida pela mãe " quando,ao beijá-los, na hora do café, dizia-lhes, cOntorrue as circunstâncias: "Meus queridos anjos, onde é que vocês lá conseguirani sujar as unhw-- Ambos desciam então ao jardim,"de sacudiam as im,pressões da noite no cirvalho e no fxescor. espe-

    #34CFNAS DA VIDA PRIVADAO RONIEIRAL

    35raricio que a criada preparasse o salão comum, onde CsLuclava lições até que a mãe se levantasse. Mas -de momento em ríi "?? 1 ; Inoa4es am esp ar se ela já estava acordada, se bem - 111 que não de,,,entrar em seu quarto senão numa hora convencionada. J,:ss,a . - e-,, Irrção matinal, que tôdas as vêzes tramgredia a combinação fi,, sempre uma cena deliciosa tanto para êles como para Willems,ens. Maria saltava sôbre a cama para passaros braãos tôrno do pescoço de -seu ídolo, enquanto que Luís ajoelhado ,beceira, tomava a mão da mãe. Era ent5n ijrn? I- .--- --- -I _----1-UaN C reto tIC.?adas por beijos, raramente concluídas, sempre escutadas ...- Vocês estudaram? - perguntava a mãe, mas com unia ?oz doce e amiga, prestes a lame

    ntar a preguiça como um mal, prou, a lançar um olhar marejado de lágrimas àqueleque se achasse cou. tente consigo mesmo.Ela sabia que os filhos estavam animados pelo desejo de agra. dar-lhe; êles sabiam que a mãe não vivia senão para êles, conduzia-os na vida com tôda a inteligênciado amor, e lhes dava todos os Seus pensamentos, tôdas as suas horas. Um senso maravilhoso, que não é ainda nem o egoísmo nem a razão, que talvez seja o sentimento em sua candura inicial, mostra às crianças se elas são ou não objeto de cuidados exclusivos,e se é com satisfação que tratam delas. Amai-as: vereis então como essas queridas criaturas, que só ressum. brani franqueza e justiça, nos ficarão admiràvelmente reconhecidas. Elas amam com paixão, com ciúme, tem as mais graciosas delicade.zas, encontram para dizer as palavras mais ternas; são confiantes, acreditarn em tudo o

    que lhes dissermos. Talvez por isso é que não há filhos maus sem mães más; ipois a afeição qu êles dedicarn depende sempre daquela que lhes foi dedicada, -das primeirasatenções que receberam, das primeiras palavras que ouviram, dos prinici. rOs olhares em que procuraram o amor e a vida. Tudo se torria, assifl, at,rativo ou tudo é repulsão. Deus colocou os filhos no seio da mãe para que ela compreendesse queêles aí deviam permanecer rntIitO tempo. Entretanto, encontram-se mães cruelmente desprezadas, ter" ras e sublimes ternuras constantemente#feridas: medonhas ingrat" dõ,es, que provam o quanto é difícil estabelecer princípi(s absolutos em matéria de sentimento. Não faltava no coracão daquela IfiãC

  • 8/17/2019 A Comédia Humana - Vol. 3 - Honoré de Balzac

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    e no de seus filhos nenhum dos mil liames que o? deviam ligar in"s aos outros. Sózinhos no mundo, êles viviam a mesma vida e "c3.compreendiam bem. Quando, de manhã, a Sra. Willeinsens pe"", necia silenciosa, Luíse Maria calavam-se respeitando tudo nela, 3te niesmo os pensamentos -de que êlesnão partilhavam. Mas o velho, dotado duma inteligência já robusta, não se contentavae: estuperigo,afirinativa de gozar boa saúde, que lhe fazia a má ,a coni a uma sombria inquietação,ignorando o &%a-lhe o rosto Con, . em redor de seus olhos com olheiras,,, pres?sentindo-o quando via suas órbitas mais encovadas e os walichas violaccas, quando notava sibilidade acurada, rubo das faces mais fortes. Possuidorduma senres dos -do irmão começavam a fatigá-la, -ebia quando os brinqueêle perce sabi a ,tão dizer a êle:- Vem, Maria-yanios comer, estou com fome.m,as, ao atingir a porta, voltava-se para surpreender . a expressão do rosto da niãe, que para êle ainda encontrava um sorriso; e muitas ,.é,es mesmo, lágrimasrolavam-lhe dos olhos, quando um gesto do filho revelava-lhe uni sentimento apurado, uma precoce compreensão do sofrimento.o tempo destinado -à primeira refeição e ao recreio dos filhos a Sra. willemsens empregava-o em arrumar-se. Fazia isso por èles, gostava -de agradá-los, de .

    satisfazê-los em tôdas as coisas, queria ter encantos para êles, queria ser-lhes atraente como um perfume ao qual se volta sempre. Ela estava sempre preparada para a explicaçáo das lições, que tinha lugar entre dez e três horas, mas que era interrompidaao meio-dia para o almôço, realizado em comum no pavilhão do jardim,. Depois dessa refeição havia uma hora dedicada aos brinquedos, durante a qual a ditosa mãe, a pobre mulher permanecia deitada num divã colocado no pavilhão, donde se divisava aquelamaravilhosa Touraine, incessantemente cambiante, renovada sem cessar pelos mil acidentes da luz, do céu, da estação. Os dois filhos pulavam pelo jardim, subiam nos terraços,#corriam atrás dos lagartos, juntos êles" próprios e ágeis -como o lagarto; admiravam sementes e flores, estudavam insetos, e acêrca de tudo iam indagar da mãe.Eram então idas e vindas perpétuas ao pavilhão. No campo, as crianças não têm necessidades

    de brinquedos, tudo é distração para elas. A Sra. Willeinsens assistia às lições fazendo tapeçaria. Permanecia silenciosa, não olhava :para os professôres nem paraos filhos; escutava com atenção, como procurando apreender o sentido das palavras esaber vagamente se Luís fazia progressos: embaraçasse èl"?? OProfessor com uma pergunta, acusando assim seu aproveitamento, os olhos da mãe então se animavam,ela sorria e lançava-lhe um olhar transbordante de esperança. Ela exigia pouca coisa de Maria. Seu desvêlo era para o mais velhol a quem testemunhava uma espécie de resPeito, empregando todo o seu tato de mulher e de mãe em elevar-lhe a alma, em dar-lhe um alto conceito de si ""smo- Êsse proceder encobria um pensamento secretoque o menino deveria compreender um dia, e que compreendeu. Após cada "ÇãO,_Cla acompanha

    va os professôres até a primeira porta, e, ali, Pedia lhes conscienciosamente contas dos estudos de Luís. Era tão ?letuosa c tão cativante que os explicadores diziam-lhea verdade,

    #36CENAS DA VIDA PRIVADApara auxiliá-la a fazer Luís esforçar-se nos pontos em que 1h., recia fraco. Chegava a hora do jantar; depois, o brinquedo, Ol??, seio; finalmente, à noite, estudavamas lições. Pá?A-,sim era a vida dêles, vida uniforme, mas cheia, onde o estu, e as distrações, hàbil

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    mente combinados, não davam lugar alg-u,,, ?J tédio. Os desânimos e asdisputas eram impossíveis. Oam`or ,e a" limites da mãe tornava tulo fácil ` deR OME IRAL27a ra discriçã % o a seus fil?o?nunca lhes recusando nada, coragem louvando nati, " In -Os Oportu ente,resignação fazendo-os perceber a Necessidade sob to as as suas fo,. ^dmas; desenvolvera-lhes, fortificara-lhes a angélica riatureza Con, cuidado de fada. Às vêzes, algumas lágrims umedeciam seus olh,, ardentes ouando vendo-os brin--?4,1 1 , pensav , lue êles não lhe haviam causado o mínimo desoôsto. Uma grande felicidade,In 11) uma felicidade completa, só nos faz chorar assim por ser uma imagem docéu do quai todos nós temos uma confusa percepção.* Ela passava horas ?eliciosasestendida num canapé campestre, contemiplando um dia lindo, um aa grande extensão de água, uma região pitoresca, ouvindo a voz dos li.Olhos, seus risos que nasciam do próprio riso, e suas pequenas discus. sões onde se espelhava a união que havia entre êles, o sentimento paternal de Luís por Maria,e o amor de ambos por ela. Todos dois, por terem tido na primeira infância uma ama inglêsa, falavam tão b?ern o francês como o inglês: por isso ela servia-se alternativamentedas duas línguas, na conversação. Dirigia admiràvelmente bem suas jovens

    almas, não lhes deixando entrar no entendimento nenhuma idéia errônea, nenhum princípiomau no coração. Governava-os pela doçura, não lhes escondendo nada, explicando-lhes tudo.Quando Luís desejou ler, ela iprocurou dar-lhe livros interessantes, ma?verdadeiros. Eram vidas de marinheiros célebres, biografias de grandes homens, decapitães #ilustres, encontrando nos menores d,2talhO dessa espécie de livros mil ocasiões para lhe explicar prernatura mente o mundo e a vida; insistindo sôbre os meios deque c serviram as pessoas obscuras, mas realmente grandes, ?saídas, sem protetores, dasúltimas camadas da sociedade, para chegarem a nobre-, destinos. Essas lições, que não eram as menos úteis, eram dadas quando o pequeno Maria adormecia sôbre os joelhos

    da mãe, "iO silêncio de uma noite linda, quando o Loire refletia os céu?; t"3" elas redobravam sempre a melancolia daquela encantadora i-nulher" que terminava porcalar-se e permanecer imóvel, pensativa, colil os olhos rasos de láorimas.- Por que chora, mamãe? - perguntou-lhe Luis num belísí"11O entardecer do mês de junho,no momento em que as rneias-t"ta" duma noite suavement