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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO VEZ DO MESTRE A AÇÃO DISCURSIVA NO ENSINO SUPERIOR LUIZ CLAUDIO DOS SANTOS LACERDA PROFº ORIENTADOR: LUIZ CLÁUDIO LOPES ALVES RIO DE JANEIRO 2004

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

A AÇÃO DISCURSIVA NO ENSINO SUPERIOR

LUIZ CLAUDIO DOS SANTOS LACERDA

PROFº ORIENTADOR: LUIZ CLÁUDIO LOPES ALVES

RIO DE JANEIRO 2004

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2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

A AÇÃO DISCURSIVA NO ENSINO SUPERIOR

OBJETIVOS: O objetivo deste trabalho é em Teoria do Conhecimento aplicada ao Ensino Superior o que faz com instrumentos da Teoria da Argumentação, Teoria da Ação Discursiva e desenvolvimentos neopragmatistas através de um diálogo com os desenvolvimentos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Profº Orientador Luiz Cláudio Lopes Alves pela

paciência. E ao Projeto Vez do Mestre que me proporcionou

a qualificação em Licenciatura.

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho, a minha esposa e a meus filhos, que me motivaram e deram força para fazer esse curso, que também já era de minha vontade. E aos professores, que ajudaram muito nessa caminhada.

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RESUMO

Numa proposta de aplicação da Teoria da Ação Discursiva, que é antes

uma estratégia de planos discursivos, entende-se aqui que a ação pedagógica é uma ação

discursiva e que todo plano discursivo é passível de uma análise discursiva em

pedagogia. Trata-se de um resgate à Teoria da Argumentação como estratégia, um

resgate sofista segundo a lógica entimemática aristotélica.

Para apresentar-se uma análise discursiva de uma Pedagogia Progressista,

busca-se um resgate de Althusser em educação apontando seus limites e no que é

necessário superar-se para uma ação discursiva interdisciplinar, onde não haja

hierarquia epistemológica de saberes, de uma ciência sobre todas as ciências.

Busca-se com esta ação discursiva a superação do dualismo pedagógico,

advindo da teoria do conhecimento moderno, sujeito x objeto. Há aqui uma necessária

desconstrução ou re-significação do conceito do sujeito segundo as elucidações do

neopragmatismo na pessoa do professor Paulo Ghiraldelli. Com isso se abre espaço para

a integração da epistemologia naturalista como uma opção à epistemologia tradicional,

fundada em teorias substantivas de verdade e que tem o conhecimento como uma crença

verdadeira justificada. Neste ponto apresenta-se o importante trabalho de Gettier quanto

à falibilidade desta concepção de conhecimento.

Por fim faz-se uma leitura das condições pedagógicas da Universidade e do

professor do ensino superior incentivando, na ação discursiva deste trabalho, uma ação

pedagógica democratizadora do ensino superior e inserida num contexto histórico-social

que influenciará a plurivocidade dos discursos.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 07 CAPÍTULO I 09 A AÇÃO DISCURSIVA NO RESGATE SOFISTA E A ENTIMEMA ARISTOTÉLICA 09 CAPÍTULO II 14 AÇÃO DISCURSIVA NA DOCÊNCIA E O RESGATE DE ALTHSSER 14 CAPÍTULO III 28 SUPERAÇÃO DAS DUALIDADES PEDAGÓGICAS: O PROBLEMA DO SUJEITO 28 CAPÍTULO IV 34 O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL E SEUS PROBLEMAS EPISTEMOLÓGICOS 34 CAPÍTULO V 42 TEORIA DO CONHECIMENTO PARA O ENSINO SUPERIOR 42 CAPÍTULO VI 49 OS SABERES E A UNIVERSIDADE: INTERDISCIPLINARIDADE 49 CONCLUSÃO 52 BIBLIOGRAFIA 53

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INTRODUÇÃO

É de se observar que no Ensino Superior, devido à ênfase que fora dada à

formação técnica do professor do que sua formação pedagógica, aspectos importantes

sobre a ação Pedagógica ainda é ignorada ou se pauta num perigoso ecletismo

epistemológico que redunda no “abismo epistemológico” que separa o aluno do Ensino

Médio dos saberes fragmentados do Ensino Superior. Dualidades pedagógicas tais como

teoria-prática,conhecimento-aprendizagem,autoeducação-heteroeducação,conhecimento

científico-senso-comum, são prejudiciais ao desenvolvimento do cidadão que sairá de

uma instituição de Ensino Superior com deficiências que se somam com os problemas

político-educacionais tais como cursos mal estruturados, incentivo à Universidade como

instituição de formação mais técnica do que como casa do saber, entre muitos outros.

O âmbito deste trabalho é em Teoria do Conhecimento aplicada ao Ensino

Superior o que se faz com instrumentos da Teoria da Argumentação, Teoria da Ação

Discursiva e desenvolvimentos neopragmatistas através de um diálogo com os

desenvolvimentos do Professor Paulo Ghiraldelli, Diretor do Centro de Estudos em

Filosofia Americana (CEFA). A hipótese deste trabalho é que a ação Pedagógica é uma

ação discursiva que se instrumentaliza com metáforas e argumentações que no máximo

são aplicáveis ou falíveis e com isto se supera o dogmatismo pedagógico e ao dualismo

pedagógico que faz da dicotomia sujeito-objeto seu ponto arquimedeano em termos

descartianos.A ação discursiva superará as dicotomias quando buscar a

interdisciplinaridade e abandonar as bases em que se pauta a epistemologia moderna em

termos de teorias da verdade.

Considera-se aqui que é um equívoco buscar-se uma base epistemológica que

se estabeleça por imposição mais de âmbito político do que pedagógico. Tem-se em

vista aqui que os alunos do Ensino Superior são pessoas que não estão diretamente

relacionadas em livros de Psicologia Educacional, Sociologia da Educação, etc., e não

são vistos, muitas vezes, pelos Mestres e Doutores como indivíduos – no sentido

psicológico – que passam por processos de cognição, ação discursiva, educabilidade de

caráter, desenvolvimento profissional, entre diversos outros que se estabelecem na

interação do aluno com o âmbito externo à Instituição de Ensino Superior.Nesta

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convergência entre o psicológico, sociológico, filosófico, pedagógico, etc., de caráter

interdisciplinar de ordens discursivas que se estabelecem em convergências,

concatenações e confluências, busca-se a análise discursiva de cada ordem para

instrumentalizar o professor em sua ação pedagógica que é discursiva e em

plurivocidade com as ações discursivas do meio acadêmico que inclui a própria voz do

aluno.

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CAPÍTULO I

Ação discursiva no Resgate Sofista e a Entimema Aristotélica

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Cabe aqui elucidar algo da nomenclatura e categorias da Teoria da Ação

Discursiva que temos elaborado: Discurso é o campo de constituição de significados em

que se estabelece redes de relações semânticas com a narrativa de mundo a que se

propõe, cf. JAPIASSÚ & MARCONDES (1996:74). Ordens Discursivas são planos

inter-relacionados ou não e que perpassam os “indivíduos” e “sociedades” como saberes

estabelecendo seus efeitos segundo vetorizações discursivas que se fazem segundo

ações discursivas ou como conseqüência dos processos de convergência, concatenação

ou confluência. A convergência consiste na vetorização discursiva sobre ininteligíveis

espaços de materialidade discursiva dando- lhes significado, significações,

ressignificações ou transignificações. Em termos do devir e movimento, como análogos

de materialidade, se vê o fenômeno de singularização e ressingularização por intermédio

do movimento, que é considerado o aspecto do devir que é inteligível ou estabelecido

como regularidade em ordens discursivas. Concatenação se dá na plurivocidade

discursiva onde há a confrontação, a afronta ou a interpelação como vetorizações

discursivas. Confluência se dá em interplanos de vetorizações onde se pouco pode

estabelecer em termos de regularidades de vetorizações discursivas podendo-se admitir

que não haja vetorizações mas efeitos de vetorizações que não implicam na ação

discursiva em sua univocidade, mas dos efeitos da plurivocidade pura e simplesmente

sem o estabelecimento de uma ordem, uma vez que se pode apenas entrever os efeitos1.

Foge ao escopo deste trabalho tratar exaustivamente a Teoria da Ação Discursiva que

poderá ser lida em suas bases em algo dos escritos de Michel Foucault (1926-1984),

Richard Rorty (1931- ), entre os neopragmatistas em geral, estruturalistas e pós-

estruturalistas, nos estudos em Lógica Discursiva, entre outros. Muito do que se

estabelece neste trabalho é o início da sistematização da Teoria da Ação Discursiva.

1 Um paralelo ao argumento aqui está na concepção de comportamento no behaviorismo que não pode chegar, em termos do homem, aos estímulos de determinados comportamentos, mas manipula o ambiente para que tal comportamento se faça presente. Este é um exemplo de vetorização discursiva sobre um âmbito de confluência da base material comportamental humana. Confluência discursiva não implica em confluência da materialidade do discurso, porque devemos estabelecer diferenças entre o Discurso e a Materialidade, que se manifesta no discurso em sua materialidade que é interdependente para com a materialidade do ambiente e do homem. O que ocorre no âmbito da materialidade e de seus devir e

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Os sofistas surgem na Antigüidade Grega numa vetorização discursiva que

coloca o homem como centro de suas reflexões. Estes foram os odiados e injustiçados

mestres da retórica e da oratória, “...professores itinerantes que ensinavam sua

arte aos cidadãos interessados em dominar melhor a técnica do discurso, instrumento

político fundamental para os debates e discussões públicas, já que na polis grega as

decisões políticas eram tomadas nas assembléias” JAPIASSÚ & MARCONDES

(1996:252). As críticas que se lhe fizeram unia-se ao fato de que alguns entre eles

praticassem o abuso e o uso de puro convencimento com o descaso pela verdade (cf.

críticas de Platão e Aristóteles). Neste resgate sofista para a ação discursiva pedagógica

adentra-se ao mesmo problema: a verdade. O que se pode aproveitar para uma

aplicabilidade discursiva, ou seja, em termos de Teoria da Argumentação se busca,

curiosamente, naquele que mais rejeitava os sofistas, Aristóteles. Trata-se do uso de

entimemas em argumentações, cf. MAZZOTTI & OLIVEIRA (2000). Na Teoria da

Argumentação busca-se resgatar a retórica clássica mostrando a importância dos

processos argumentativos como instâncias necessárias nas escolhas e tomadas de

decisão feitas pelos homens nos diversos campos da existência. A argumentação pode

ser vista como o conjunto de raciocínios não coercivos usado por quem se dirige,

oralmente ou por escrito, a um determinado público visando ganhar sua adesão.

Destaca-se o valor argumentativo conferido às analogias e metáforas, normalmente

vistas apenas como recursos ornamentais do discurso. Não se trata de argumentar para

um coletivo passivo, mas este coletivo exerce a função semelhante a de um juiz

decidindo-se em função da tese que lhe parece mais bem fundamentada, consistente,

mais factível de resolver a bom termo uma dada questão. Sobre a petição de princípio,

esta é vista como erro retórico e não como erro lógico, uma vez que em termos de

linguagem a argumentação não se vale exclusivamente de lógica proposicional. Para

explicitar-se este ponto deve-se atentar a COPI (1978) quanto aos conceitos de

“linguagem” e “falácias”. COPI (p. 42 ss) aponta três funções básicas da linguagem:

informativa, expressiva e diretiva. No primeiro caso se transmite, por meio da

linguagem, informações mediante a formulação e afirmação ou negação de proposições.

A palavra “informação” inclui também a má informação, tanto as proposições falsas

movimento tem seu análogo em todo construto material ou não, mais ou menos análogos segundo o seu

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como as verdadeiras, tanto os argumentos e raciocínios corretos como incorretos. É

importante avaliar a partir disso as pseusociências que podem surgir no âmbito da

academia, tal como foi no caso da eugenia ou nos construtos “científicos” de grupos

com clara fundamentação epistemológica dogmática ou tecnocrática. Na função

expressiva não se tem a pretensão de se informar sobre quaisquer fatos ou teorias com

respeito ao mundo. Segundo COPI (p. 49) a linguagem tem uma função expressiva

quando é usada para dar expressão a sentimentos e emoções, ou para comunica-

los, e nestes casos não faz sentido em falar da falsidade ou verdade, argumentação

correta ou incorreta. O problema vai mais longe ao se tratar, posteriormente, das teorias

de verdade quando passarmos a avaliar a pós-modernidade e os posicionamentos

neopragmatistas quanto ao problema pedagógico. Na função diretiva se tem o propósito

de causar ou impedir uma ação manifesta: são ordens ou pedidos, e se busca aqui o

resultado. Em termos de ação discursiva temos aqui a possibilidade da confrontação,

afronta ou interpelação, e se entende que esta função diretiva apontada por COPI é uma

vetorização discursiva que ao ser analisada em termos de ordem discursiva pode ser um

efeito discursivo, daí que COPI afirme que não há na forma imperativa o verdadeiro ou

o falso. Poderíamos entender que se tratam de vetorizações imediatas, mas não

suficientes para a produção de efeitos discursivos esperados: se um filho desobedece à

ordem “fique aqui!” de sua mãe, houve, de qualquer forma, um efeito discursivo que

poderia ser uma afronta ou confrontação, mas nada que fosse esperado por sua mãe.

É interessante observar com COPI (p.50) que o discurso serve a múltiplas

funções, uma vez que este estabelece-se segundo uma ordem que leva em conta a

linguagem, o enunciado – em termos de Foucault (A Arqueologia do Saber) – e sua

materialidade, ou ao menos em termos de materialidade do discurso se se abandonar

algo do conceito de enunciado em Foucault. Não se pensa aqui que a cada função se

espere um efeito, senão que o efeito depende não só de um discurso, mas de ordens

discursivas e os efeitos não se relacionam às ordens discursivas biunivocamente, daí que

se use o conceito de plurivocidade de ordens discursivas. Em outras palavras, não se

pode prever o efeito de um discurso sobre um “indivíduo” numa aula de Cálculo num

curso de administração, mas se espera do aluno que alcance uma média que o passe para

grau de materialidade.

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13 uma outra fase e para outras disciplinas. Um administrador que resolva abandonar sua

formação por outra como filosofia, por exemplo, pode ter decido isto a partir de

efeito(s) de um discurso numa determinada aula de Cálculo em que se falava de

Leibniz. Sobre falácias, COPI (p. 74ss) diz que o uso perfeitamente correto da palavra é

o “... que se lhe dá para designar qualquer idéia equivocada ou falsa crença”.

Retomaremos este ponto ‘falsa crença’ ao avaliarmos as críticas que se pode fazer desde

a epistemologia naturalista quanto ao fundacionalismo e behaviorismo em sua

argumentação. Aqui se trata de falácias não-formais o que mais nos interessa nos se

busca aqui o uso funcional da entimema aristotélica. Segundo COPI (p. 208) os

argumentos silogísticos, embora frequentemente, usados, tratam-se mais da exceção do

que da regra. O mais freqüente é que só se expresse uma parte do argumento e se deixe

o resto para ser “subentendido”. Este tipo de argumentação recebe o nome de entimema,

um argumento entimemático. Segundo COPI (idem) “...não é invulgar, em absoluto, que

um argumento seja retoricamente mais poderoso e convincente, quando enunciado

entimematicamente, do que quando enunciado com todos os pormenores. Contudo, esse

aspecto retórico não interessa ao lógico”. Mas interessa como ação discursiva

pedagógica segundo instrumentos da Teoria da Argumentação conforme MAZOTTI &

OLIVEIRA o propõe no trabalho que acompanhamos aqui. Para os referidos autores, a

metáfora, a interdisciplinaridade e a argumentação por entimemas é essencial para o

estabelecimento de uma ação pedagógica, para nós ação discursiva. E termos de

metáforas temos a aplicabilidade ou falibilidade de metáforas para a argumentação e na

interdisciplinaridade temos as “desdogmatização” de uma “ciência sobre todas as

ciências”, conseqüência isto da fragmentação dos saberes bem como da fragmentação

do homem e do conceito do que seja “homem” enquanto “sujeito do conhecimento”, o

que será questionado oportunamente.

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CAPÍTULO II

Ação Discursiva na Docência e o resgate de Althusser

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Como se fala aqui da ação discursiva na docência pode-se apontar2 as ações

discursivas seja em conteúdos aplicados ao ensino superior (univocidade ou

plurivocidade conforme proposta de ação pedagógica, ou na falta da mesma) ou na

própria formação docente. Apontaremos aqui dois exemplos nos dois âmbitos para uma

análise discursiva.

Quando se estuda a evolução conforme Darwin (1809-1882) percebemos no uso

da metáfora da “seleção natural” uma analogia para com os botânicos que faziam sua

seleção artificial e tal metáfora induz a se entrever um “jardineiro invisível” que faria

esta seleção, um titereiro tal como aponta Robert WRIGHT em seu “Animal Moral”

contra o qual se virou o homem enquanto desenvolveu a flexibilidade de

comportamentos a partir de sua base material dominada por “genes egoístas”. O uso de

metáforas na argumentação (neo)darwinista é óbvia. Uma ação discursiva que vem

como uma “afronta” à metáfora darwniniana é a elaborada por MATURANA &

VARELA (2003) em sua concepção de deriva natural e adaptação. Para estes não há

uma seleção natural, mas uma deriva natural tal como uma gota caindo sobre uma

montanha e estabelecendo seu itinerário. Assim, não há um estabelecimento do mais

apto, mas do apto, porque o que sua adaptabilidade depende do que os autores chamam

de “acoplamento estrutural”. Nesta leitura vemos o estabelecimento de uma “afronta”

discursiva – como ação discursiva – onde aponta-se a falibilidade da metáfora anterior

em Darwin além de se estabelecer novos conceitos num construto de argumentação com

outra vetorização sobre os mesmos fatos. Os saberes têm feito isto mas estabelecendo

seu solipsismo epistemológico ao imaginar que sua leitura era sobre toda e qualquer

outra leitura, o que a pedagogia que se queira pós-moderna terá de superar. Quando a

psicologia enfatizou o homem acima do social e a sociologia fazendo o mesmo para

com a sociedade, se percebeu que uma necessária reconceitualização do que seja o

“sujeito” se fez e se faz necessária uma vez que aqui o “sujeito” passou a metáfora do

“indivíduo” como objeto de ação discursiva destes saberes. O homem passou a ser

2 Na Teoria da Ação Discursiva é importante os termos funcionais tais como “apontar”, “afronta”, “confrontação”, “apelo”, “interpelação”. Neste caso “apontar” é identificar numa ação discursiva (análise discursiva) as categorias ou termos funcionais que vetorizem seu discurso em um plano discursivo segundo uma ordem discursiva. Este apontar é verificar uma vetorização evitando que se busque “vetorizá-la” por efeito da própria análise discursiva. Nos exemplos que serão analisados tentar-se-á exatamente este apontar conforme a análise discursiva que se propõe aqui.

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fragmentado ao ser “definido” por cada saber e se percebeu em FOUCAULT que o

homem era um construto tardio em seu “As Palavras e as Coisas”. O problema do

sujeito será tratado num próximo ponto com mais detalhes. Agora vamos fazer análise

discursiva de um exemplo em Pedagogia.

A Pedagogia Progressista é reconhecida no Brasil por sua base epistemológica

marxista, marxista- leninista, ou com ressonâncias e mesmo bases epistemológicas em

Gramsci, Althusser, Lefevbre, entre outros. Entre alguns educadores desta corrente se

percebe que o marxismo foi um construto que se estabeleceu muitas vezes sobre o nome

de Marx e sobre algumas de suas “categorias” mas que não fizeram um “retorno” a

Marx como se propôs fazer Lois Althusser (1918-1990). Dentre os problemas

epistemológicos que se pode apontar aqui seria o uso de algumas categorias marxistas

que estariam em falência metafórica. Apontaremos aqui dois problemas que se

considera grave na ação discursiva progressista:

O problema da ideologia

Quando vemos Paulo Freire usar da metáfora do “hospedeiro” em sua

“Pedagogia do Oprimido” deve-se entrever aqui o conceito de ideologia enquanto

dissimulação da verdade. Quando vemos a dicotomia saber espontâneo x saber

elaborado estamos diante da dicotomia “ciência x ideologia” que era gritante nos

trabalhos de Althusser. Procuraremos aqui, num resgate necessário a Althusser buscar

evidenciar este problema. Antes de mais nada deve-se enfatizar aqui que a ação

discursiva que se seguirá para o plano discursivo da Pedagogia dos Conteúdos, para a

seguir analisar as conseqüências dos problemas apontados ali para com uma Teoria do

Conhecimento para o Ensino Superior onde se deve buscar a superação da dicotomia

sujeito-objeto.

Resgatando Althusser

Quando se parte dos pressupostos marxistas para uma Pedagogia dos Conteúdos

deve-se fazê- lo tendo-se em conta suas categorias, ou melhor, a evolução dos conceitos

destas categorias. Karl Marx foi, muito cedo, mal interpretado em suas categorias e o

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próprio filósofo , segundo Lois Althusser, não percebera inicialmente o quanto se

afastara de Hegel em sua dialética de Totalidade. A identidade dos contrários na

dialética hegeliana é necessária apenas para confirmar o idealismo absoluto

fundamentando o hegelianismo como saber absoluto do espírito absoluto, totalidade que

se contradiz na exterioridade da natureza e na interioridade do Logos, idêntica a si

mesma em suas contradições (VVAA, Problemas do Estruturalismo, 1968: p. 92). Marx

é colocado na berlinda sem que se o tenha compreendido bem ou mais seriamente.

O inquieto e polêmico Lois Althusser com sua concepção de corte

epistemológico (tomado de G. Bachelard) causou escândalo em fins de 1960 e início de

1970 ao reconhecer um Marx da juventude (ideológico) e um Marx da maturidade, do

materialismo científico. E, mesmo antes de se compreender também a Althusser em

suas fases, este é colocado na berlinda quando este é reconhecido em uma concepção

filosófico-pedagógica crítico-reprodutivista.

Resgatar Althusser na sua releitura marxista é também dar vida a um Marx

considerado “cachorro morto”, esclarecendo as categorias da ideologia e dialética numa

Epistemologia Materialista considerada pós-estruturalista. Com isto também será

analisado o “humanismo marxista” enquanto desenvolvimento ideológico e acusar-se-á,

metaforicamente, o sujeito ideológico que pervade a concepção de homem nas diversas

tendências pedagógicas liberais ou progressistas (antagônicas em seus fundamentos

filosóficos).

Lois Althusser (1918 – 1990) era filósofo marxista francês que tornou-se

polêmico e original ao reler Karl Marx numa perspectiva estruturalista3.

Incentivamos a leitura do capítulo Em que se pode reconhecer o Estruturalismo?,

desenvolvido por Gilles Deleuze para o livro História da Filosofia do Séc. XX,

organizado por François Châtelet – Zahar Editores, 1974, p. 271 ss. Althusser combatia

o humanismo marxista e o pseudo marxismo-leninismo; recorrendo ao conceito de

corte epistemológico de Gaston Bachelard, identificou uma fase ideológica de Marx e

uma científica sobretudo em “O Capital”. O corte é um ponto de não-retorno, o fim da

3 Marx mesmo foi considerado um dos precursores do estruturalismo.

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ideologia e o início da ciência; a ciência não é apenas um fenômeno de superestrutura,

mas produção de conhecimento.

Em sua “Resposta a John Lewis” (in Posições – I, Ed. Graal, 1978), Althusser

admite “desvios” em suas concepções sobre o corte epistemológico e corrige suas

posições em “Elementos de Autocrítica”(idem). Na Epistemologia Marxista proveniente

dos estudos em Althusser, feito por Carlos Henrique Escobar, vemos que o

reprodutivismo de Althusser, apontado por Luckesi, não é perene no filósofo e será até

o momento de se reavaliar as críticas de Althusser à dialética hegeliana demonstrando o

contraponto da dialética marxista em sua concepção de contradição contra a concepção

hegeliana, conforme se lê nos livros “Epistemologia das Ciências” de Escobar e

“Problemas do Estruturalismo” – vários autores – (vide bibliografia). Isto implica em

questionar as categorias marxistas tomadas como ideológicas tais como alienação,

sujeito, etc., e repensar o processo de ruptura tal como a entende a Pedagogia Crítico-

Social dos Conteúdos frente ao corte epistemológico. No transcorrer deste trabalho

buscar-se-á evidenciar a dialética tomada por algo da Pedagogia Progressista como

ainda hegeliana tal como o são os “marxismos” a qual estas se apoiaram4. Veremos que

mesmo Marx não percebera o suficiente da diferença entra a dialética desenvolvida por

ele para com a de Hegel.

É importante em Althusser o conceito de ideologia, pois que somente após o

corte epistemológico alcança-se a ciência, logo, instituições tais com a escola nada mais

seriam do que aparelhos ideológicos de Estado. Sempre é importante lembrar que

Althusser escreveu sobre tais aspectos num contexto francês; reprodução da força de

trabalho, reprodução das relações de produção de uma dada sociedade, eis a prática

escolar! No contexto brasileiro vemos a reprodução de estruturas tais como a patriarcal,

preconceito, estruturas de crime e corrupção e as instituições de ensino se inserem neste

contexto entre a comercialização do conhecimento e adaptação do indivíduo ao Status

Quo: excluir ou incluir segundo interesses de mercado. Enquanto Althusser apenas

5 A lógica hegaliana é conhecida também por lógica especulativa e aquilo que se acusa no conceito de dialética que se encontra no marxismo pedagógico é que ele usa da lógica hegeliana e não a marxista, como apontava Althusser. Entretanto, em termos dos questionamentos a respeito do que seja a verdade e no enterder de que a ação discursiva é uma vetorização discursiva, o conceito de dialética perde sentido.

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enfatiza estes pontos assumindo um certo pessimismo derrotista (Luckesi) torna-se

inócuo mesmo refletir tais questões apenas para evidenciar a escola em seu fim ou o fim

da escola. Apenas deve-se observar que Althusser ainda iria mais longe em sua releitura

marxista e talvez se possa vislumbrar nele algo mais do que o mero pessimismo

epistemológico.

A começar por seus intérpretes mais próximos como pelos mais distantes, Karl

Marx (1818-1883) não fora bem compreendido. Althusser afirmaria que mesmo Marx

não compreendera a radical mudança em sua concepção de dialética para com a de

Hegel. Aqui vê-se que a dialética marxista ainda é confundida ou é praticamente tomada

como uma forma de dialética hegeliana, e muito do marxismo pós-Marx seguiu este

caminho até que Althusser viesse apontar a dialética estrutural no pensamento de Marx -

como veremos mais tarde.

Michel Foucault (1926-1984) desenvolveu concepções em que o sujeito e a

verdade enquanto categorias filosóficas encontram sua bancarrota. Não há, para ele, a

verdade mas Discursos de verdade e os Efeitos de verdade que produzem os saberes que

suportam ou proporcionam outros discursos. Não há uma Verdade obnubilada pela

ideologia e tal concepção perde a sua razão de ser. O sujeito é um efeito de verdade,

uma casa-vazia na dinâmica estrutural (Deleuze). Mesmo em Althusser há o fim do

sujeito e da ideologia que o causa, assim, o anti-humanismo desses dois pensadores

ataca as concepções clássicas de homem as quais o Marx jovem denominava de

homem egoísta(optando por um homem genérico que, aliás, tem seu fim no

estruturalismo de Althusser). Retornando a Foucault e observando que, segundo este,

não há ideologia e que a repressão nem sempre é evidente, Marx e os marxismos,

inclusive Althusser, caem na berlinda uma vez que a dialética é questionada com

argumentos por Foucault (mesmo em termos de dialética althusseriana, ao que parece).

No marxismo o homem é aquilo que provém de suas relações sociais; o homem

não nasce homem e, quando muito, torna-se escravo das relações de produção e forças

produtivas. Alguns equívocos afirmam o determinismo econômico em Marx e com isso

a negação da liberdade, mas o que há entre as estruturas de relações de produção e

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forças produtivas é uma correspondência que é, sobretudo, externa sendo cada estrutura

bastante autônoma. O homem é conseqüência da estrutura das relações sociais que são

correspondentes à das relações de produção. O humanismo marxista cede ao ideário

burguês ao passo que o homem em Marx é livre sendo um homem genérico em

oposição ao homem egoísta (termos usados pelo Marx). O impasse quanto a berlinda de

Marx e Althusser deverá passar pelo melhor entendimento sobre o conceito de

estruturalismo-marxista ou marxismo-althusseriano.

Uma vez que tanto a ideologia como a dialética são questionadas em Marx e

Althusser deve-se compreender melhor tais categorias segundo os referidos filósofos. O

excelente Leandro Konder (2002) observou que a ideologia é compreendida como (1)

dissimulação da verdade ou como (2) distorção cognitiva, sendo mais comum entre os

autores a primeira compreensão enquanto Marx elucidara a segunda. Em termos de uma

Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos é importante ter-se em vista a segunda

compreensão de ideologia. O psicólogo social Eliot Aronson (1979) observou o

fenômeno no qual uma mudança de comportamento leva a uma mudança de atitude

sendo mais eficaz do que a mera informação; sendo assim, até que ponto a ideologia

seria o fator inercial do comportamento? Uma leitura atenciosa em “A Ideologia

Alemã” de Marx/Engels pode evidenciar tais pontos em termos de conceituação

filosófica.

Quanto aos questionamentos de Foucault pode-se afirmar que se entende no

marxismo o conceito da verdade fora do conceito metafísico de Verdade, ao menos

quando apela-se para uma Epistemologia Materialista. Uma vez que o estruturalismo-

marxista parte de e para uma Epistemologia Materialista, a verdade ali tem de ser

correspondente e evidenciável. Isto não corrobora um relativismo da verdade, mas

entrevê uma verdade relativa, ou melhor, correspondente (cabe aqui apontar a crítica do

neopragmatismo quanto às teorias da verdade conhecidas por Teoria da

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21 Correspondência e Teoria da Coerência; o marxismo pedagógico deverá ter boas

respostas a esta crítica e um posicionamento diante do chamado pós-modernismo5).

É necessário para uma Pedagogia Progressista compreender a oposição entre a

dialética de Marx e a dialética de Hegel; a esta última há quem a considere dialética

negativa confundindo-a com a dialética estrutural de Marx. O que se via nesta

consideração, mesmo em Marx, era uma dialética ontológica que não reconhece a

alteridade, afirmando o ser em oposição ao não-ser e acaba por não levar em conta a

possibilidade de uma epistemologia materialista que se opõe ao hegelianismo. Segundo

Althusser, uma dialética hegeliana não se tornaria marxista com a mera “extração” de

aspectos “mistificados” do idealismo hegeliano. A dialética hegeliana ao tratar com a

hipótese da identidade dos contrários pode provar tudo e não demonstrar nada; é inútil

para a ciência. O mito do senhor-escravo em Hegel evidencia este ponto. Muitos

pensadores marxistas não ultrapassaram esta concepção ideológica de dialética e mesmo

numa Pedagogia dos Conteúdos não ultrapassaria o dualismo pedagógico com uma

suposta luta entre opostos idênticos (em tudo aquilo que considera como dialético em

sua ação político-pedagógica).

Marx descreveu contradições estruturais e não uma dialética ontológica. Há a

contradição interna a uma estrutura que aparece com a mesma e desaparece com a

mesma. E há a contradição entre estruturas, ou seja, entre as relações de produção e as

forças produtivas. Esta segunda contradição aparece com o desenvolvimento do sistema

e como efeito do funcionamento da primeira contradição, mas é ela que cria as

condições materiais do desaparecimento do sistema (Maurice Godelier, "Sistema,

Estrutura e Contradição em "O Capital"" , in vvaa, “Estruturalismo e seus problemas”,

Zahar, 1968). A primeira contradição não contém no interior de si mesma o conjunto

das condições de sua própria solução. As forças produtivas são uma realidade

completamente distinta das relações de produção e irredutível a estas (condições

5 Acreditamos neste ponto que tal marxismo pedagógico seria menos marxista, em termos de categorias, mas com uma espécie de releitura – não um retorno – a Marx ou aos marxismos estabelecendo desde novas metáforas (estrutura, dissimulação, etc) funcionais e menos dogmatismo pedagógico ter uma nova compreensão do que seja o conceito de “narrativas” no pós-modernismo ou nas pedagogias de cunho.

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internas de desenvolvimento e temporalidade); segue que as condições de solução da

primeira contradição situam-se ao nível das superestruturas, que são irredutíveis às

relações de produção (idem). A Totalidade hegeliana que se contradiz ela mesma nela

mesma na exterioridade da natureza e na interioridade do Logos, permanece idêntica a

si mesma através de todas as contradições, conforme foi observado. Na dialética

marxista o aparecimento de uma contradição seria, com efeito, o aparecimento de um

limite, de um limiar para as condições de invariância de uma estrutura, após a qual há

uma mudança de estrutura (idem).

Para a práxis de uma Pedagogia Progressista ou Crítico-Social dos Conteúdos,

não cabe utilizar-se das categorias hegelianas, da concepção de ideologia como tão

somente dissimulação e nem tampouco se render a qualquer pessimismo derrotista.

Cabe aqui levar em conta a crítica que se pode fazer aos conceitos metafísicos e

ontológicos que evidenciam a Totalidade negando a Exterioridade, fundamentando a

exclusão em termos educacionais. Uma Epistemologia Materialista6 deveria superar esta

exclusão negando as categorias filosóficas ideológicas e sendo base de uma Pedagogia

Progressista.

Para a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos a difusão, por parte da escola, de

conteúdos concretos e indissociáveis das realidades sociais auxilia o aluno, pela

intervenção do professor e por sua assimilação ativa, a passar de um saber espontâneo,

fragmentado, acrítico, a um saber elaborado. Busca-se mais do que adaptar o indivíduo

à sociedade, mas de proporcionar a ele uma atitude cidadã de transformação da

sociedade. Os conteúdos não podem ser simplesmente ensinados mas ligados à

significação humana e social destes (Libâneo in Luckesi, 1990). A postura da pedagogia

dos conteúdos assume o saber como tento conteúdo relativamente objetivo, ao mesmo

tempo introduzindo a possibilidade de uma reavaliação crítica frente a esse conteúdo.

Trata-se, em outras palavras, de obter o acesso do aluno aos conteúdos, ligando-os coma

experiência concreta dele (continuidade) e, de outra parte, proporcionar elementos de

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análise crítica que ajudem o aluno a ultrapassar a experiência, os estereótipos, a

ideologia (ruptura).

Os conceitos científicos difundidos pela escola se referem a eventos não

diretamente acessíveis à observação ou ação imediata. Os conceitos adquiridos pela

experiência individual são espontâneos, se referem a objetos ou situações em que a

criança observa, manipula e vivencia diretamente. Na escola, a relação entre cada

conceito e o objeto, fenômeno ou evento a que se refere, se dará mediante outros

conceitos. Segundo Z. Oliveira e C. Davis (1990) os conceitos espontâneos da criança

se desenvolvem em direção a níveis cada vez mais concretos e os conceitos científicos

asseguram aos espontâneos a inserção em um sistema hierárquico de abstrações,

tornando-se conscientes e permitindo o seu uso voluntário. Ambos os conceitos são

interdependentes para se desenvolverem na consciência da criança. A ruptura consiste

em superar-se o saber espontâneo para o saber elaborado. Até que ponto há diferenças

entre “ruptura” nesta pedagogia de fundo marxista e o conceito althusseriano de corte

epistemológico?

Em Althusser, e porque buscamos uma contribuição da Epistemologia

Materialista, a ruptura cede lugar para o corte epistemológico.

Uma ciência reconhecida está sempre liberta de sua pré-história e continua (...)

interminavelmente se libertando do modo de sua rejeição como erro, do modo

daquilo que Bachelard chamou “a ruptura epistemológica”.

Eu lhe devo essa idéia e para lhe dar, no jogo de palavras, todo o seu sentido, o

chamei de “corte epistemológico”. ALTHUSSER, Louis. Proposições I.

6 Se há necessidade de uma Epistemologia sem que a mesma seja dogmática, conforme apontaremos após esta ação discursiva sobre a Pedagogia dos Conteúdos e o Resgate de Althusser na mesma.

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O corte epistemológico é um ponto de não-retorno, trata-se do momento em

que se passa do ideológico para o científico. Aqui é importante compreender o

conceito de ideologia em Althusser. Na ação do aparelho do Estado (repressivo) e na

ação dos aparelhos ideológicos do Estado, faz-se prevalecer a ideologia. Apluralidade

dos aparelhos ideológicos do Estado é representado por igrejas, escolas, partidos,

empresas, famílias, jornais, etc. Em todas as sociedades a ideologia tem uma função

primária comum de assegurar a coesão do todo social; e a ideologia é o contrário da

ciência (Konder).

Sendo assim, a criança está inserida num “concreto” ideológico e a-científico

sendo difícil de se coadunar a convergência dos conceitos espontâneos e científicos com

o próprio conceito de ruptura, admitindo-se o posicionamento de Althusser. Daí que a

escola fosse vista como reprodutora ideológica e, em termos de Brasil onde prevalece o

senso comum pedagógico ou as políticas educacionais neoliberais, é o que a escola tem

sido. Vemos as escolas públicas reproduzirem as massas pobres enquanto as escolas

particulares reproduzem os interesses da elite. O papel é invertido no Ensino Superior

onde as Universidades Públicas reproduzem os interesses da elite enquanto que as

Universidades particulares, Centros Universitários, etc., atendem aos muitos que não

adentram as Universidades Públicas – dentre estes estão os pobres e excluídos, cartas

marcadas para um mercado cada vez mais exigente nesta proliferação desenfreada de

instituições de ensino superior do âmbito privado. E esse "atendimento" não se faz

exatamente segundo interesses de classe, mas de imposições do mercado de trabalho. É

difícil de se discordar de Althusser num Brasil que trata o ensino como se fosse

mercadoria (a reificação do homem brasileiro faz dele mercadoria, tudo se torna

mercadoria no reino do neo-capitalismo).

Se a ideologia é superada pelo corte epistemológico e o mesmo sendo um ponto

de não-retorno, deve-se pesquisar novas metodologias para o processo de ensino-

aprendizagedosaber elaborado ou saber científico. Partir-se do “concreto

ideológico” serio necessário para a superação do mesmo pela crítica histórico-social.

Uma dialética entre o científico e o ideológico pode nos levar a uma síntese ideológica

(tratando-se de uma dialética hegeliana como a temos acusado em algo das pedagogias

progressistas). Por isto desconfiamos de uma Tendência Pedagógica que parta de uma

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“síntese superadora” de outras tendências pedagógicas notadamente ideológicas, tal

como parece ser o caso da Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos segundo Libâneo.

Haveria de se buscar um ponto de não-retorno, uma superação epistemológica das

outras tendências pedagógicas partindo de suas conquistas sobre o que poderia ser

tomado por não- ideológico ou rejeitando estes aspectos ideológicos. Trata-se de se

compreender que a “concepção de homem” que cada tendência carrega em sua estrutura

ideológica pode perdurar numa síntese que se suponha superadora mas que, enfim,

possa ainda pensar segundo categorias ideológicas tais como o sujeito ideológico.

A língua e as linguagens não são neutras, e a linguística é o ponto crucial para

qualquer desenvolvimento estruturalista. Seja na consideração da Ordem dos Discursos

(Foucault), na Ordem Simbólica (Lacan), vemos o sujeito como conseqüência da

estrutura ou das estruturas correspondentes.

A língua e as linguagens não são neutras. Suas formas e seus sentidos

não são indiferentes à história, ao inconsciente e aos trabalhos numerosos que

convergem na produção na produção de um efeito de sujeito. Já o dissemos (...)

que a língua constitui, produz, ideologicamente, que ela está - nas formações

sociais capitalistas - identificada com a produção do "sujeito" e das classes.

Que ela não se destaca do aparelho escolar - a que Althusser dá um lugar

dominante - em seus fins ideológicos indiscutíveis. No capitalismo, ela toma a

forma de "língua nacional" junto com o direito burguês e seu efeito ideológico

de unidade e universalidade (...) Enfim, as linguagens (ideológicas nelas

mesmas e no que transitam) tecem a falsa clareza e constituem a materialidade

do ideológico. [Escobar(org), 1875, p. 13]

Ao analisarmos a etimologia de certas palavras da língua portuguesa podemos

observar todo o conteúdo ideológico que há em termos tais como negro, virtude,

liberdade. Podemos ainda elaborar uma metáfora de planos conceituais que quando

interseccionados limitariam ou reduziriam o conceito de pessoa a algo sem dimensão,

ainda que mesmo o conceito de pessoa já esteja inserido nos efeitos ideológicos. Um

homem negro, pobre, marginal e homossexual estaria numa intersecção singular de

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26 planos conceituais que o excluiriam não só do âmbito da Totalidade da sociedade

brasileira, mas este estaria reduzido na Exterioridade a um “ser sem dimensões”. Seria

um efeito de sujeito em que a própria categoria de “ser humano” lhe seria negada.

Não é difícil de se compreender nestes fatos que se precise, atualmente, se

investir mais em construção de presídios do que em construção de escolas. O velho

discurso do investimento em educação ainda se reduz a promessas de construção de

mais escolas, mas trata-se de reformar primeiro os professores juntamente com as ações

político-educacionais, e assim perceber-se o quanto se deve construir mais em escolas.

O homem brasileiro enquanto sujeito ideológico é comprado pelo consumismo, vendido

em sua miséria. O aluno na escola nasceu inserido nesta estrutura linguístico- ideológica,

torna-se mercadoria, mão-de-obra a ser adaptada, cidadão egoísta a ser preparado para o

pseudo-darwinismo neo-capitalista brasileiro. Althusser foi chamado de pessimista-

derrotista cedo demais! A escola brasileira é uma instituição falida em seu propósito, e

vivemos a conseqüência disto em termos, por exemplo, da violência.

Procuramos “resgatar” Althusser reavaliando seus conceitos e estudos, mas de

forma alguma pensamos que um “retorno” a Althusser seja mais simples do que o

retorno de Lacan a Freud ou mesmo do retorno de Althusser ao “O Capital” de Marx.

Todo retorno deste tipo custa algo. Há grandes pensadores desde as explosões crítico-

sociais de 1968 que tem encontrado fundamentados motivos para desacreditar Althusser

ou ao menos limitar seus intentos. O filósofo mesmo teve de defender suas posições e se

corrigir de desvios. Ao avaliarmos os aspectos teóricos de Althusser não pudemos

avaliar o contexto histórico e político do filósofo. Nada pudemos falar de sua ligação

com o Partido Comunista Francês e de sua teimosa consideração a Stálin, o que coloca

Althusser numa estranha posição tais como se colocaram filósofos eminentes do século

XX. Raymond Aron, pró-capitalista e grande opositor a Sartre e Althusser, tem um

excelente trabalho de crítica a Althusser levantando sérias objeções quanto ao que ele

chama de pseudo-estruturalismo marxista. Michael Löwy observa que Althusser

confundia Ciência Humanas com Ciências naturais, sendo incabível comparar-se Marx

com nomes tais como Galileu. Percebe-se até aqui o quanto Althusser é importante

como deveria ser levado a sério numa contribuição estruturalista-marxista à Pedagogia

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27 Crítico-Social dos Conteúdos ou a qualquer Pedagogia Progressista que busque uma

base materialista.

O que se pode questionar ainda é quanto a base material ou Epistemológica que

fosse Materialista. Quando houve o questionamento da dialética de Hegel talvez devesse

ser questionado a própria necessidade de um conceito ou categoria chamada dialética. A

dialética estruturalista não só nega a identidade de opostos hegelianos, mas aponta para

uma dinâmica estrutural que muda a forma da dialética em sua conceituação histórica.

Ao passo que pensamos que talvez a categoria “dialética” seja dispensável numa

Epistemologia Materialista. Daí que a Epistemologia Materialista não seria mais

marxista nem althusseriana, mas jamais poderia avançar em seus desenvolvimentos

conceituais sem partir de nomes tais como Marx e Althusser, mas não só deles. Os

conceitos de matéria e a complexidade das relações de produção e forças produtivas

talvez exijam novas conceituações para um contexto histórico-social em que a

Soberania corre para sua extinção e em que não se deve pensar que toda uma dinâmica

estrutural dependeria de uma classe social e tampouco se deveria imaginar que a

dinâmica estrutural é previsível e sempre progressiva. O comunismo histórico nos

demonstrou a ingenuidade de tais crenças. O que desenvolvemos neste trabalho talvez

seja o início de uma necessária (re)construção epistemológica materialista ou ao menos

um chamado a um justo resgate de um inquieto pensador marxista.

Dicotomia Pedagógica e sua superação

Nesta ação discursiva de resgate a Althusser, podemos evidenciar alguns

importantes problemas de ação discursiva numa das Pedagogias Progressistas que nos

mostram que o dualismo pedagógico ainda se faz presente ali em forma dicotômica:

sujeito x ideologia, saber elaborado x saber espontâneo, ciência x ideologia, etc. Tais

dicotomias são comuns quando se estabelece uma Pedagogia em seu Plano Discursivo

de afronta a uma Pedagogia anterior em seu discurso. A Pedagogia da Nova Escola

apontava no tradicionalismo a ênfase nos conteúdos e no “professor-saber” que deveria

ser superado com a não-diretividade, em alguns casos, ou com uma “mediação” em que

o processo ensino-aprendizagem não enfatizasse o “conteudismo”. Para isto se

estabelece uma vetorização discursiva em que o aluno passa a ser um sujeito em

contato concreto com os conteúdos e passa a ser o “construtor” de seu

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28 conhecimento ou aquele que “aprende a aprender”. De qualquer forma, aqui ainda se vê

certodualismo “sujeito-objeto” uma vez que se supõe um sujeito que estabelece uma

ação sobre si ao construir seu construto cognitivo, afetivo, etc. Até o estabelecimento do

plano discursivo neopragmatista em Pedagogia vemos que o dualismo pedagógico ainda

fica aquém de ser superado mesmo que se propusesse a isto a Pedagogia dos Conteúdos

ao buscar uma “síntese superadora” entre a Pedagogia Tradicional e a Pedagogia da

Escola Nova. Em termos se ação discursiva em Pedagogia, não há esta ou aquela

tendência pedagógica sobre as outras, mas narrativas ou planos discursivos segundo

uma ordem discursiva que é mais ou menos aplicável, funcional ou falível. Daí que a

Pedagogia Tradicional não é errada, mas uma ação discursiva que teve sua

aplicabilidade e falibilidade até os dias de hoje uma vez que a mesma parece ser a mais

difundida no meio educacional com forte ressonância ou vetorizações discursivas do

plano discursivo Tecnicista que não era, necessariamente, skinneriano como afirmam

muitos educadores numa leitura precipitada em Skinner ou aquilo que se disse ser dele.

Hoje, o resgate behaviorista aparece na Epistemologia Naturalista quando a mesma

afirma que a dualidade conhecimento-aprendizagem não existe, cf. DUTRA. Para

buscar-se a superação da dualidade pedagógica passamos agora a analisar o plano

discursivo estabelecido por Paulo Ghiraldelli ao elucidar o problema da subjetividade

no neopragmatismo.

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CAPÍTULO III

Superação das Dualidades Pedagógicas: o Problema do Sujeito

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Faremos aqui a análise discursiva do artigo “Onde foi parar o sujeito?

Pragmatismo e subjetividade para sociólogos, psicólogos e pedagogos” disponibilizado

no websitte “pragmatismo.blogspot.com” pelo Professor Paulo Ghiraldelli Júnior.

Segundo Ghiraldelli:

Na emergência dos “tempos modernos”, a filosofia passou a investigar

“critérios de verdade”.Era necessário considerar, então, aquilo que estava

inquietando a mente dos homens cultos, a saber, que a diversidade de culturas e

costumes implicava em ter de considerar o que corria de boca e em boca, e que

as autoridades tradicionais não queriam escutar: “cada povo e, no limite, cada

homem, tem sua verdade”. Os “tempos modernos” atemorizavam os

tradicionalistas e as autoridades com o “perigo do relativismo”. O relativismo

poderia levar ao ceticismo e, este, ao ateísmo. No tempo de René Descartes

(1596-1650), como ele mesmo escreveu no prefácio de suas “Meditações

Metafísicas”, esse perigo não poderia ser mais tomado pela Igreja Católica

simplesmente como "heresia" – nem pela boa filosofia, herdeira de Platão –,

uma vez que já havia, entre homens inteligentes, “mais de cinqüenta ateus em

Paris”.

Vê-se aqui que o problema da verdade está ligado intimamente ao problema do

sujeito7. A dicotomia sujeito-objeto será ou deverá ser superada por duas vetorizações

discursivas: afronta aos conceitos de verdade e afronta ao conceito de sujeito. Ainda

segundo Ghiraldelli:

A filosofia deveria ser, para Descartes, a base de sustentação de toda a cultura

- uma metanarrativa de garantia de todas as outras narrativas, em especial as

que se propunham a lidar com a verdade, como o caso das ciências (...)

7 Incomodou ao excelente Leandro KONDER (2002) que Michel Foucault ao eliminar o sujeito e a verdade não deixou nada no lugar, o que de nada adiantaria. “O que podemos assegurar é o que nos ensina o poeta Baudelaire...[só se destrói realmente o que se substitui]. E até agora não se inventou nada que tenha substituído com vantagem a idéia de verdade e a dicotomia sujeito/objeto”(p. 174).

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A tarefa a que Descartes se propôs – em favor da filosofia e da Igreja Católica

(mesmo esta não aceitando tal favor do filósofo) – era a de conciliar o caráter

objetivo da verdade com o caráter subjetivo do que poderia ser apontado como

verdadeiro. A verdade é, como sabemos, objetiva, pois em filosofia só se diz

“verdadeiro” e “falso” para enunciados, expressos em sentenças. O “critério

de verdade”, este sim, é que é o problema. Este é que estava adquirindo um

laço com a “subjetividade de cada um”, considerando a diversidade das

ciências, culturas e, em especial, opiniões individuais. A equação e a correlata

solução do problema eram a seguinte: ao levar em conta as diferenças

individuais, deveríamos afirmar uma ligação entre a verdade e a subjetividade

e, ao mesmo tempo, ao levar em conta a universalidade e a necessidade que

caberiam à noção de verdade, o que a colocaria no âmbito objetivo, deveríamos

considerar a subjetividade uma instância universal. A subjetividade acolheria,

obviamente, a razão, e esta, para Descartes, era o “bom senso”, aquilo que ele

dizia que era o que havia “de mais bem distribuído entre os homens”8 (...)

Descartes acreditava na racionalidade do Cosmos, mas sem dúvida acreditava

também que tal racionalidade estava incrustada em cada um de nós, que era

uma capacidade humana. Assim, ainda que houvesse diferenças individuais

importantes, cada homem compartilharia de um naco de racionalidade o

suficiente para chegar à verdade, que continuaria sendo única, necessária e

universal – o alvo a ser atingido pela filosofia (em segundo plano, pela ciência)

E como seria a investigação pela verdade – pela primeira verdade? A verdade

seria crivada exatamente pelo que poderia, à primeira vista, lhe ser estranho: a

manifestação do sujeito, ou seja, a certeza – obviamente, um estado subjetivo.

As “Meditações Metafísicas”, de Descartes, tentaram mostrar o que era a

certeza intelectual, e como ela poderia ser mostrada como o “critério de

verdade” (...)

Essa alteração de rumos levou os filósofos a darem uma grande importância

para a noção de subjetividade e de sujeito.

8 Ghiraldelli se refere aqui ao “Discurso do Método” do Filósofo.

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Na “dúvida metódica” de Descartes ele imagina que se mesmo Deus o

enganasse, pelo fato mesmo de se duvidar de tudo o que existe, esta dúvida implica que

há alguém que pensa, e esse alguém que pensa não pode ser enganado no fato de que

existe (cogito ergo sum). O perigo de Descartes estabelecer-se num solipsismo subjetivo

é superado pelo fato de que como Deus não mente, por ser perfeito, as coisas

cognoscíveis existem e são objetos do conhecimento. Deus é mediador deste processo

de conhecer ao dar realidade aos objetos postos em dúvida por Descartes. Kant

substituiria Deus pelos númenos e levaria a metafísica a caminhar para sua

bancarrota, até Henri Bergson (1859-1941)9, enquanto uma base epistemológica para o

conhecimento.

Ghiraldelli afirma que o sujeito se estabeleceria como sujeito epistemológico, ou

seja, aquele que diz “verdadeiro” ou “falso”; e ainda se estabeleceria como sujeito

moral, o que diz “certo” ou “errado”, “...capaz da certeza enquanto estado não

exclusivamente individual, e sim universal na medida em que a instância subjetiva, em

sua racionalidade, se mostrasse universal exatamente por esta característica”

(GHIRALDELLI). Ghiraldelli ainda aponta a psicologia e a sociologia como

subprodutos das pesquisas filosóficas sobre modelo de sujeito ou subjetividade sendo a

primeira a “ciência da subjetividade” e a segunda seria um contraponto à psicologia (o

que entendemos por confrontação discursiva) emergindo10 de um subproduto da

filosofia política. A noção de sujeito na modernidade vetorizou duas noções úteis,

segundo Ghiraldelli, à psicologia e sociologia: indivíduo e identidade. Tais noções

pareciam colaborar para uma “definição” do homem que a educação deveria forjar, ou

seja, uma definição de homem para uma ação discursiva que tivesse seu efeito que para

Althusser seria efeito de sujeito, conforme foi visto anteriormente. Nas palavras de

Ghiraldelli:

O sujeito é aquele que faz a ação sobre o objeto. Uma tal ação poder ser um ato

de fala, ou um comportamento corporal mais amplo do que o falar. Aquele que

age, fala, qualifica, predica, avalia, interpreta e cria – este é o sujeito. A

9 Mesmo que o mundo respirasse por um século o absoluto de Hegel em sua metafísica. 10 Na verdade o estabelecimento de uma ordem discursiva segundo planos discursivos representados pela vertentes da sociologia.

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33 sociologia elegeu “a sociedade” como sendo seu sujeito. A psicologia elegeu o

“indivíduo” como sendo o sujeito.

Para Ghiraldelli o final do século XIX e, mais ainda, o final do século XX

apresentam críticas, desconstruções ou abandonos da noção de sujeito e este perde sua

capacidade de ser uma formulação útil para muitos intelectuais. Em Marx o responsável

pelos atos é o capital e não o sujeito que é “inconsciente” ao estar submetido à ideologia

do capital, lembrando tudo o que foi apontado antes sobre o conceito de ideologia. Em

S. Freud (1856-1939) concordamos com Ghiraldelli com a importância da assertiva “o

eu não é o senhor em sua própria casa”, mas apontamos importância da metáfora do

iceberg que pode-se associar à psicologia do Freud, que fortaleceram a

argumentação freudiana e sua ação discursiva na psicanálise. Carl Gustav Jung (1875-

1961) percebia que os planos discursivos freudianos ou adlerianos encontravam os que

estariam perpassados por seus efeitos sendo que a ordem discursiva de um e outro não

podiam abarcar certas singularizações ou ecceidades, certas pessoas que não

apresentavam os modelos estabelecidos pelos planos discursivos para a ação discursiva,

isto na análise discursiva que se faz da propria afirmação de Jung. Ghiraldelli ainda

aponta outros nomes que questionam a noção de sujeito tais como Nietzsche, Quine e

Foucault. Voltando à argumentação de Ghiraldelli, temos:

Psicologia e sociologia, e na esteira dessas a pedagogia, foram desconfiando

que a noção de sujeito filosófico não mais parecia útil. No final do século XX,

ficou muito mais difícil do que no início do mesmo século, de se fazer uma

associação instantânea entre um “indivíduo”, com sua “intimidade” delimitada

e facilmente reconhecível, e uma única “identidade” ligada a ele. Os

intelectuais – em primeiro lugar os diretores de cinema, os artistas plásticos e

os romancistas – começaram a falar em “múltiplas individualidades” e

“múltiplas identidades” sem com isso estarem se referindo, necessariamente, a

pessoas perturbadas mentalmente ou instáveis socialmente. Os filósofos e

homens de ciência os acompanharam, ainda que só em parte e, de certo modo,

tardiamente, em especial após a publicação de A condição pós-moderna (1979)

de Jean François Lyotard (1924-1998).

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E chegamos ao ponto crucial no que tange a Teoria do Conhecimento para ser

aplicada à Docência. Como a filosofia deverá entender o sujeito.

A filosofia, de fato, correu para pagar o prejuízo. Não era somente sua noção de

subjetividade, enquanto instância metafísica, que parecia ter problemas – isto

até já era algo do passado em se tratando das últimas décadas do século XX. O

problema era sua própria noção de sujeito. Sua definição de sujeito parecia

estar em dificuldades na medida em que “ser senhor de seus pensamentos e

responsável pelos seus atos”, que eram as características herdadas da noção de

sujeito para as noções até então válidas de “indivíduo” e “identidade”, não

mais se sustentavam. (GHIRALDELLI)

Daí que o neopragmatismo busca-se, em seu discurso coadunado com o que

ocorria com as ciências, tentasse uma redescrição do “sujeito”. Segundo Ghiraldelli,

inicialmente Richard Rorty, num primeiro momento, redescreveu o sujeito como uma

“rede de crenças e desejos” o que não pareceu suficientemente claro, assim, Rorty,

seguindo Daniel Dennett, usa da metáfora “centro de gravidade” de conjunto de

narrativas, “É isso o que o psicólogo e o sociólogo pragmatistas, atualmente, têm à

frente quando se referem a ‘indivíduos’, na clínica ou no laboratório – uma identidade,

ou várias (...)”. a noção de sujeito pode ser deixada de lado, mas não a noção de

“identidade” para as ordens discursivas da psicologia, sociologia e pedagogia.

Abandona-se o “eu”, mas não o “si”, pois é preciso saber quem é que está ali, diante

deles psicólogos, sociólogos, educadores e para Ghiraldelli eles “Só vão ficar sabendo

disso se puderem ver quais conjuntos coerentes de narrativas mais se repetem nos

discursos que se apresentam na clínica e no laboratório”, “(...) o ‘alguém’, que se

apresenta como um conjunto de ‘centros de gravidade de narrativas’; narrativas estas

que costuram uma “rede de crenças e desejos”.

Aqui percebemos que esta reconceitualização ou redescrição do sujeito implica

no fim da dualidade sujeito-objeto, uma vez que o sujeito da modernidade deixa de

existir e com ele a fragmentação dos saberes pela interdisciplinaridade na Teoria da

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Argumentação e no estabelecimento de uma Teoria do Conhecimento segundo

esta descrição do sujeito e do abandono das teorias da verdade de cunho coerentista e

correspondistas. Sendo assim, não faz sentido que haja uma dicotomia entre

conhecimentos elaborados e espontâneos, ciência e ideologia, conhecer e aprender,

teoria e prática. Não faz sentido que se afirme que a Física de Newton é errada e a de

Einstein ou a Quântica as certas, verdadeiras, mas diferenciam-se em suas leituras e

aplicabilidades e todas são objetos e “narrativas”, ordens discursivas que farão parte do

“centro de gravidade de narrativas”, do efeito que é esta redescrição do sujeito. A

“fragmentação do homem” é superada porque o próprio “homem” é reconceitualizado,

redescrito, e este não é definido pela sociologia, filosofia, anntropologia, etc., mas é o

“centro de gravidade” destas narrativas, daí que Jung observasse que uns reagiam bem

ou mal ao plano discursivo freudiano enquanto outros só o faziam para o plano

discursivo adleriano ou junguiano.

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CAPÍTULO IV

O Ensino Superior no Brasil e seus problemas epistemológicos

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4.1. O professor universitário

Segundo GIL(1997: 15ss) os professores de ensino fundamental e médio

passam, em geral, por um processo de formação pedagógica, desenvolvido no âmbito do

curso Normal ou de licenciatura, mas o mesmo não ocorre com os professores de nível

superior. Embora possuam títulos de Mestres e Doutores, não passaram por qualquer

processo sistemático de formação pedagógica. O autor acrescenta:

Alega-se, como justificativa a esta situação, que o professor universitário, por

lidar com adultos, não necessita tanto da formação didática quanto os

professores do ensino médio e fundamental... o mais importante para o

desempenho do professor universitário é o domínio dos conhecimentos

referentes à matéria que leciona, aliado, sempre que possível, à prática

profissional. Seus alunos, por serem adultos e por terem interesses sobretudo

profissionais, estariam suficientemente motivados para a aprendizagem e não

apresentariam problemas de disciplina como em outros níveis de ensino.

[GIL(1997: 15)]

Estas suposições foram aceitas, sobretudo, segundo o autor, em decorrência do

caráter elitista do ensino superior, uma vez que os alunos dos cursos universitários são

poucos e selecionados com rigor. Na Carta Magna, artigo 208, inciso V, temos que é

garantido o “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação

artística, segundo a capacidade de cada um”, ou seja, segundo o processo de seleção

conhecido como vestibular. O abismo epistemológico que configura o ensino superior

tem uma base discursiva também na Constituição. O autor aponta que este aspecto, que

poderíamos chamar de tecnicista, da educação no ensino superior sofre alterações à

medida que maior número de pessoas chega à universidade, que seus cursos se tornam

mais específicos e que o controle sobre a qualidade do ensino e a capacitação dos

homens decai. Aliando isto a uma visão mais “crítica” do ensino, compreende-se a

necessidade de o professor universitário dotar-se de conhecimentos e habilidades de

natureza pedagógica.

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Para o autor, boa parte da responsabilidade acerca da desvalorização da

preparação pedagógica dos professores deve-se à própria universidade, que nem sempre

valoriza o professor no desempenho de suas funções docentes, porque o professor tende

a ser avaliado por sua titulação e por seus trabalhos científicos enquanto seu mérito

como docente não é avaliado. GIL(1997: 16-17) aponta mesmo na LDB, um agravante

para tal situação, conforme art. 65: “A formação docente, exceto para a educação

superior, incluirá a prática de ensino de, no mínimo, trezentas e sessenta horas”11.

Sendo assim, a desconsideração para com os conhecimentos e habilidades pedagógicas

do professor universitário passa a ser natural.

4.2. A necessidade da formação pedagógica do professor universitário

A hipótese deste trabalho é: a ação pedagógica é uma ação discursiva. O

processo ensino-aprendizagem é conseqüência desta ação discursiva, segundo uma

vetorização discursiva que pode ser uma afronta, confrontação ou interpelação. A

universidade vive ainda uma fragmentação dos saberes, recortes epistemológicos que

acabam se hierarquizando, provocando ranço epistemológico. Uma disciplina ou saber

se coloca como saber sobre todos os saberes e uma ciência se coloca como ciência sobre

todas as ciências e isto dificulta o estabelecimento de processos interdisciplinares

quanto mais se esteja arraigado em planos discursivos tais concepções. O professor

universitário é perpassado por planos e ordens discursivas e assume uma postura

passiva-transmissora destes planos aos seus alunos, perpetuando uma série de aspectos

que podem ser apontados como pseudo-ciência, falácia discursiva, “ideologia”12, etc. Há

casos em que o processo de avaliação de certas disciplinas se faz por meios de provas

repetidas anos e anos seguidos, promovendo ocasiões em que o acadêmico busca por

meios ilícitos (cola) as melhores pontuações13. Há situações em que tanto o professor

11 O grifo em itálico é nosso. 12 Embora façamos ressalvas quanto a este termo, ele é de domínio da maioria dos educadores, mesmo os de formação não-marxista. 13 Trata-se do que se pode chamar de “pedagogia da cola”. Vê-se na prática dos campi que locais onde se fazem cópias, além das ilegais cópias de livros didáticos, se faz cópias de provas resolvidas de antemão para o uso das mesmas como “cola”. Isto nos mostra que a “pedagogia da cola” no ensino superior assume um aspecto estrutural extremamente perigoso para a instituição e para o futuro profissional que sai dali. Entrevemos a necessidade de um estudo mais sério sobre esta “pedagogia” para busca de soluções pedagógicas ao problema.

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como os alunos estão cônscios deste aspecto do processo ensino-aprendizagem – ou a

falta dele – que foi estabelecido.

GIL(1997: 17ss) descreve os requisitos básicos do professor universitário

dividindo-os em: legais, pessoais e técnicos. Os requisitos legais encontram-se na LDB,

art. 66 e na Resolução nº 20/77. Nos mesmos, encontra-se que:

1. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível

de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e

doutorado (LDB - art. 66); o notório saber, reconhecido por faculdade

com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de

título acadêmico (parágrafo único).

2. (Resolução 20/77 – art. 5) Para aceitação de docentes, além da

qualificação básica, serão considerados, entre outros, os seguintes

fatores relacionados com a matéria ou disciplina para qual é feita a

indicação: a) título de Doutor ou de Mestre obtido em curso

credenciado no País, ou em instituição idônea no País ou no exterior, a

critério do Conselho14, ou ainda, título de Livre-Docente obtido

conforme legislação específica; b) aproveitamento em disciplinas

preponderantemente em área de concentração de curso de pós-

graduação senso strictu, no País, ou em instituição idônea no País ou

no exterior, a critério do Conselho, com carga horária comprovada, de

pelo menos trezentas e sessenta horas; c) aproveitamento baseado em

freqüência e provas, em cursos de especialização ou aperfeiçoamento,

na forma definida em Resolução específica deste Conselho; d)

exercício efetivo de atividade técnico profissional, ou de atividade

docente de nível superior comprovada, durante no mínimo dois anos;

e) trabalhos publicados de real valor.

Segundo o autor, a LDB estabelece também que as universidades deverão

apresentar um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de

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40 mestrado ou doutorado, mas nada esclarece em relação aos demais estabelecimentos de

ensino superior.

Dentre os requisitos pessoais, GIL(1997:18-19) explica que a determinação dos

requisitos para desempenhar uma função é feita mediante os procedimentos técnicos

conhecidos como análise e descrição de cargos, ou seja, conhecendo-se as

características de determinada função é possível definir as aptidões físicas, experiência,

iniciativa, criatividade e outros requisitos a serem exigidos da pessoa que irá

desempenha- la. Para GIL as atividades desempenhadas elo professor são complexas,

dão muita margem para considerações valorativas e as explanações sobre as qualidades

que deve ter o professor “não raro envolvem discussão de natureza ideológica”.

Mas o autor aponta algumas características que são reconhecidas pela maioria dos

especialistas em educação como desejáveis para os professores universitários.

Físicas e fisiológicas: resistência à fadiga, capacidade funcional do sistema

respiratório, clareza vocal, acuidade visual, acuidade auditiva.

Psicotemperamentais: estabilidade emocional, versatilidade, iniciativa,

autoconfiança, disciplina, paciência, cooperação, estabilidade de ritmo, atenção difusa.

Intelectuais: inteligências abstrata e verbal, memória, observação, raciocínio

lógico, rapidez de raciocínio, precisão de raciocínio, imaginação, discriminação,

associação, orientação, coordenação, crítica.

Dentre os requisitos técnicos, estão: preparo na matéria, cultura geral,

conhecimentos e habilidades pedagógicas, e estes últimos podem ser definidos como

requisitos técnicos que envolvem: Estrutura e Funcionamento do Ensino Superior,

Planejamento de Ensino, Psicologia da Aprendizagem, Métodos de Ensino, Técnicas de

Avaliação. Neste trabalho se aponta na Metodologia de Ensino o uso da Teoria da Ação

Discursiva como instrumento Pedagógico para o estabelecimento da ação discursiva. E

para isto se deve ter claro quais os problemas de ordem epistemológica que se

encontram no ensino superior.

4.3. O problema epistemológico no ensino superior

14 Trata-se do então Conselho Federal de Educação.

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A educação como uma toda é perpassada pelo dualismo pedagógico em diversos

âmbitos além de que a hierarquização dos recortes epistemológicos e mesmo a

fragmentação dos saberes tem proporcionado o abismo epistemológico para o acesso ao

ensino superior. Para discutir algo deste problema, é importante atentar-se para o que

Lílian Anna WACHOWICZ escreve em “Educação, epistemologia e didática”.15

Segundo a autora, a construção do conhecimento científico é um processo que se inicia

com o projeto da sociedade na aplicação prática dos saberes que lhe são necessários; tal

conhecimento é gerado nas instituições sociais que o utilizam. Do projeto vivido é

que o conhecimento gerado passa por um recorte epistemológico, que é

paradigmático, que por sua vez vai definir o objeto da ciência. Esta ciência é

apresentada numa linguagem e num método próprios, científicos.16 Para WACHOWICZ

pode-se dizer que existe um “sujeito científico” particular para cada disciplina, ligado

ao paradigma ou matriz disciplinar. É o conjunto de regras estruturantes que dão à

disciplina os seus objetos. O discurso da educação ou dos sujeitos que fazem a

educação, passou a ser um discurso com os protagonistas da educação. A autora aponta

três interpretações de “sujeito”17 do que “se pode chamar de uma cultura, construída por

esses sujeitos e constituída pela linguagem e pelas convenções. Essa cultura é como um

recorte, uma perspectiva pela qual se vêm os fatos e as ações”. Uma comunidade como

sujeito científico não se refere a um ou vários indivíduos, mas a uma maneira

socialmente estabelecida de estruturar o mundo, a objetividade não tem lugar nem na

subjetividade, nem em um real em si, mas na instituição social do mundo e o

conhecimento científico da educação se faz na instituição social do mundo,

15 WACHOWICZ, Lílian Anna in DALVA & SOUZA (org). Didática e práticas de ensino. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. 16 Dentre os Problemas Gnosiológicos está o da Epistemologia enquanto Filosofia da Ciência. A argumentação científica não é meramente formal, mas utiliza de metáforas, entimemas, e em termos de Teoria da Argumentação, Teoria da Ação Discursiva, dos questionamentos dobre os critérios de verdade, e do questionamento do Conhecimento como crença justificada feita por Edmund L. Gettier, não se pode admitir a ingênua “certeza” ou “imparcialidade” científica. O conceito de paradigma em Thomas Khun demonstra como o estabelecimento de recortes epistemológicos depende do grupo que estará apto a aceitar e assumir tal recorte. 17 Sujeito transcendental de Kant, sujeito científico de Gerard Fourez e a intersubjetividade de Habermas. Entretanto, vemos aqui ainda o sujeito com os pés ainda na Modernidade, e apontamos acima o fim deste diante da reconceitualização neopragmatista, o que nos força a interpretar de outra forma o objeto e mais ainda a dicotomia sujeito x objeto que se pode entrever na argumentação da autora.

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intersubjetivamente, e com referência a uma cultura, que habita os processos de

observação científica. “O recorte é epistemológico e define o objeto da ciência”, e a

autora aponta que em Paulo Freire, segundo o recorte que se fez na escolha do

paradigma, isto definiu o objeto que era o método de alfabetização de adultos num

contexto histórico específico: o ambiente das “ligas camponesas” de Pernanbuco, nos

anos de 1960. Assim, “a opção pelo método é portanto uma opção paradigmática”. Para

WACHOWICZ, são elementos fundamentais: 1) a prioridade epistemológica da

realidade sobre o sujeito; 2) o método necessário para a compreensão dessa realidade na

sua complexidade; 3) o recorte realizado pela comunidade em cada área, muitas vezes

permeado pela ideologia; 4) a necessidade da recodificação do conhecimento científico

para o senso-comum, ou seja, trata-se da elaboração de um discurso científico que seria

orientado para sua volta ao senso-comum, de onde se originou o projeto da educação.

Sem isto o conhecimento científico permanecerá na academia. A ação discursiva da

autora aponta, também, para o abismo epistemológico que tem-se acusado até

aqui, mas ela o faz segundo uma base epistemológica que admite a dissimulação da

Verdade quando usa o conceito de ideologia e a polarização epistemológica entre senso-

comum e conhecimento científico, ou seja, ainda se entrevê na argumentação da autora

o dualismo pedagógico que se quer superar.

Para a autora o projeto da educação nunca está terminado e se refaz com a

recodificação. No que ela chama de método histórico, não há o antes e o depois, mas a

ação das categorias ao mesmo tempo: projeto, paradigma e objeto da ciência fazem-se e

se refazem indefinidamente. Aqui encontramos o aspecto funcional da argumentação da

autora onde se pereniza a possibilidade de uma vetorização discursiva segundo as

categorias acima mencionadas, dentro de um contexto de Modernidade como um

Projeto Inacabado. Mesmo assim, a autora aponta para a superação do Modernismo

fragmentário:

Penso que o conceito de interdisciplinaridade vem dessa concepção de ciência

moderna, fragmentária e no currículo das escolas fragmentada, não apenas por

suas disciplinas, mas pelos temas que seleciona, cada um focalizando um ponto

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disperso do conhecimento, sem articulação real com os demais. WACHOVICZ

in DALVA & SOUZA (2002: 14).

A autora concorda com que a ciência é uma forma especial de conhecimento que

se apresenta segundo a hipótese do realismo crítico enquanto representação coerente do

real, sendo assim, como a epistemologia da educação é científico, utiliza um método

rigoroso de análise, para a representação coerente da realidade. A necessidade dessa

representação coerente se efetiva pela linguagem científica. Apontamos anteriormente

que a linha de argumentação de caráter pós-moderno que se adota neste trabalho é

segundo a Teoria da Argumentação e a Epistemologia Naturalista, nas quais se

questiona os critérios de Verdade e do conhecimento como crença justificada, mas

busca-se aqui, como o fez a autora em sua epistemologia da educação, a funcionalidade

da análise discursiva da Teoria da Ação Discursiva e da aplicabilidade da ação

discursiva segundo a elaboração de uma narrativa para esta ação (instrumentalizada

segundo uma afronta, confrontação ou interpelação). Para que se possa apontar para a

possibilidade de uma Teoria do Conhecimento segundo os propósitos que se

considera pós-modernos se deverá deixar claro, na próxima parte, porque uma

necessidade de uma representação coerente que se efetive pela linguagem científica

pode estabelecer um discurso ainda com os pés em paradigmas da modernidade, o que

supõe metanarrativas sobre narrativas e ciências sobre ciências, ou seja, a hierarquia

epistemológica que se poderia estabelecer nos recortes epistemológicos apontados pela

autora. Podemos entender que a autora representa algo do marxismo pedagógico que,

em sua leitura, não pode abandonar conceitos importantes à sua base epistemológica tais

como sujeito e verdade (vide nota 8 acima). Para WACHOWICZ, a complexidade do

real exige do pensamento uma superação da lógica formal para a lógica dialética, mas

temos observado ao longo deste trabalho que em termos de Teoria da Argumentação e

com base nas críticas que o próprio marxismo fez ao conceito de dialética em Hegel,

que o conceito de dialética não é funcional. Marx não poderia elaborar um materialismo

simplesmente anulando o idealismo hegeliano, daí que Althusser observasse que a

dialética em Marx era (inter) estrutural. Mesmo aqui há de se questionar que só pelo

fato de se mudar oposicionismo lógico de Hegel para o oposicionismo estrutural de

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Marx faz-se com que a dialética seja funcional. Em termos de uma ação discursiva, a

“lógica especulativa” ou dialética, não é funcional. Por isto uma proposta de Teoria de

Conhecimento para o Ensino Superior não poderia, nestes termos, fundamentar-se na

epistemologia materialista segundo o marxismo pedagógico, mas poderia fazer análises

discursivas nestes, como foi feito no texto de WACHOVICZ na busca das vetorizações

e possíveis ações discursivas para a afronta, confrontação ou interpelação, para o

estabelecimento de uma ação discursiva pedagógica o mais funcional o possível.

Para concluir sobre “algo” do problema epistemológico do ensino superior,

devemos apontar para o fato de que o que foi discutido aqui foge do âmbito das

discussões (que deveriam ser interdisciplinares) do corpo docente do ensino superior o

que inviabiliza o estabelecimento de uma ação discursiva, seja ela segundo qualquer

“recorte epistemológico”.18

18 Os progressistas apontariam pelo menos dois: o liberal e o progressista em Tendências Pedagógicas.

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CAPÍTULO V

Teoria do Conhecimento para o Ensino Superior

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Antes de mais nada, deve-se aqui esclarecer sobre a falibilidade dos critérios de

verdade que são apontados pelo neopragmatismo. Depois se questionará o

conhecimento como crença justificada. Como se falou da Teoria da Argumentação e se

tem falado e usado da Teoria da Ação Discursiva, neste ponto será apontada a

Epistemologia Naturalista em seu caráter funcional para uma Teoria do Conhecimento

para o Ensino Superior.

Falando em termos estritamente filosóficos, temos a idéia de que uma parte do

tempo que gastamos em educação está conectada à prática de que na relação

ensino-aprendizagem prevalece ou deve prevalecer um discurso que pode se

justificar; isto é, um discurso que pode reclamar para si valor de verdade.

Mas, com a tese da “indeterminalidade do significado”, em Quine, e com a

perda de credibilidade nas metanarrativas, como denunciou Lyotard, a noção

filosófica da verdade desaparece ou precisa ser reformulada. GHIRALDELLI

(2000: 45)

Dividem-se as teorias de verdade em tradicionais ou substantivas e

deflacionárias. Para GHIRALDELLI, as teorias tradicionais estariam ligadas ao

paradigma moderno em filosofia da educação, enquanto as teorias deflacionárias seriam

a solução oferecida para uma situação pós-moderna. As teorias tradicionais se dividem

em:

1. Teoria da Correspondência: x é verdadeiro sse x corresponde a um

fato; esta teoria falha quando lidamos com a idéia de um fato negativo,

ou seja, o que corresponde a que, na teoria da correspondência, em um

fato negativo? É difícil, segundo o autor, de se entender a noção de

correspondência a não ser metaforicamente.

2. Teoria da Coerência: x é verdadeiro sse x é membro de um conjunto

de crenças coerente; nesta, critica-se na teoria anterior que não se pode

comprar coisas não- lingüísticas com coisas lingüísticas, ou seja, de

deve comparar sentenças com sentenças, crenças com crenças, etc.;

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47 aqui, a verdade é a propriedade de pertencer a um harmonioso sistema

de crenças; mas o que conta contra esta teoria pe que ela nos parece

conduzi ao relativismo, as crenças são medidas umas com as outras,

relativas umas em relação às outras, e “embora harmônicas, podem ser

insustentáveis diante daquilo que no momento chamássemos de “a

realidade” GHIRALDELLI (2000: 48-49).

3. Teoria Pragmatista: x é verdadeiro sse x é útil de se acreditar; para

James e Dewey as teorias de verdade que se tem não são ruins, o que

falta é definir-se melhor as condições de sua aplicação, ou seja, falar-

se em condições de verdade. A teoria pragmatista é menos uma teoria

da verdade e mais uma disposição de dar regras de conduta para quem

procura o verdadeiro. Toda e qualquer teoria de verdade deveria

prestar atenção à experiência.

4. Teoria Verificacionista: x é verdadeiro sse x é provável, ou verificável

em condições ideais; Antes de James e Dewey, o pragmatismo de

Peirce elaborou uma versão verificacionista de uma teoria da verdade,

ou seja, este pensou a experiência de um modo mais restrito, como

experimento. Peirce estava disposto a considerar a verdade como o

conjunto de frases que, no limite, viessem a ser proferidas por um

grupo ideal de experts diante de um objeto da ciência que foi

submetido a hipóteses e teses em condições ideais.

Segundo GHIRALDELLI (2000: 51) o que está latente em todas essas teorias é

que a verdade pode ser melhor pesquisada se investigarmos comportamentos, e “como a

verdade é uma propriedade de frases, proposições, declarações, teorias, etc., seria

melhor que se investigasse os comportamentos lingüísticos. Neste ponto, retira-se a

investigação da verdade do campo metafísico e/ou epistemológico e a estamos

encaminhando para o campo da semântica, da lógica e da filosofia da linguagem. A

idéia básica não é perguntar “o que é a verdade?”, mas ver qual seu papel no contexto

comunicacional.

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A semantização do tema da verdade, como eu o concebo, induz respostas que

dessubstantivam a verdade, que desinflacionam a verdade de seu peso

metafísico, definindo-a como uma palavra a mais em um jogo de linguagem,

uma palavra que, como as outras, se explica pelo desempenho ou pelas funções

que exerce nesse jogo. GHIRALDELLI (ibid)

GHIRALDELLI explica que, segundo R. Rorty, investigar qualquer palavra é

vê- la em sua relação com as outras, ver seu uso e fazer uso dela, e ao se fazer uma lista

provisória, histórica, contingente, de alguns usos da palavra “verdadeiro”, estaríamos

operando num campo não- inflacionado metafisicamente ou epistemologicamente

porque este procedimento não induz à pergunta sobre a essência da verdade ou sobre a

essência do conhecimento. “A verdade torna-se simplesmente parte de um projeto de

descrição de como a comunicação acontece, como é que acontece algo empírico pelo

qual somos capazes de nos comunicar(...) com significado”.

Isto nos leva a uma nova postura epistemológica, ou seja, a abrir espaço para a

funcionalidade da Epistemologia Naturalista. A epistemologia como Teoria do

Conhecimento inicia-se na Modernidade e consolida-se como um domínio de pesquisa

desde Kant. A epistemologia neste contexto deve tratar das relações entre o que

afirmamos sobre o mundo e as evidências que nos permitem faze- lo ou aquilo que

justificaria nossas opiniões, crenças e teorias. Para esta chamada “epistemologia

tradicional”, o conhecimento pw compreendido cmo crença verdadeira e justificada, não

importando as práticas cognitivas ou investigativas reais, que deveriam ser estudadas

pela psicologia e outras disciplinas empíricas. Aqui entra a pequena, mas importante,

ação discursiva de Edmund L. Gettier, que transcrevemos abaixo do site “Filosofia e

Educação”:

A crença verdadeira justificada é conhecimento?

Nos últimos anos foram feitas várias tentativas de estabelecer as condições necessárias e suficientes para que alguém conheça uma dada proposição. As tentativas foram com frequência de modo a poderem ser afirmadas

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49 numa forma semelhante à seguinte:[ 1]

a) S conhece que P se e só se i) P é verdadeira,

ii) S acredita em P, e

iii) S está justificado em acreditar em P.

Por exemplo, Chisholm sustentou que o seguinte fornece as condições necessárias e suficientes para que haja conhecimento:[ 2]

b) S conhece que P se e só se i) S aceita P,

ii) S tem indícios adequados para P, e

iii) P é verdadeira.

Ayer afirmou as condições necessárias e suficientes para o conhecimento como se segue:[ 3]

c) S conhece que P se e só se i) P é verdadeira,

ii) S está certo de que P, é verdadeira, e

iii) S tem o direito a estar seguro de que P é verdadeira.

Irei defender que a) é falso devido ao facto de as condições que estabelece não constituírem uma condição suficiente para a verdade da proposição que S conhece P. O mesmo argumento mostrará que b) e c) falham se "tem indícios adequados para" for em todos os sítios substituído por "está justificado em acreditar que".

Começarei por chamar a atenção para dois aspectos. Em primeiro lugar, que naquele sentido de "justificado" em que S está justificado em acreditar que P é uma condição necessária para S conhecer que P, é possível a uma pessoa estar justificada em acreditar numa proposição que é de facto falsa. Em segundo lugar, que para qualquer proposição P, se S está justificado em acreditar em P, e P implica Q, e S deduz Q de P e aceita Q como resultado dessa dedução, então S está justificado em acreditar que Q. Tendo estes dois aspectos em mente, apresentarei agora dois casos em que as condições estabelecidas em a) são verdadeiras para uma proposição, embora seja ao mesmo tempo falso que a pessoa em questão conheça essa proposição.

CASO I

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Suponhamos que Smith e Jones concorreram a um determinado emprego e que têm fortes indícios a favor da proposição conjuntiva seguinte:

d) Jones é que irá conseguir o emprego e Jones tem dez moedas no bolso.

Os indícios de Smith para d) podem ser que o presidente da companhia lhe assegurou que Jones seria no fim o seleccionado e que ele, Smith, contou as moedas no bolso de Jones há dez minutos. A proposição d) implica:

e) O homem que irá conseguir o emprego tem dez moedas no seu bolso.

Suponhamos que Smith percebe a implicação de d) para e) e aceita e) com base em d), para a qual ele tem fortes indícios. Neste caso, Smith está claramente justificado em acreditar que e) é verdadeira.

Mas imaginemos além disso que, sem que Smith saiba, ele próprio e não Jones conseguirá o emprego. E imaginemos também que, sem que Smith saiba, ele próprio tem dez moedas no seu bolso. A proposição e) é então verdadeira, embora a proposição d), de que Smith inferiu e), seja falsa. No nosso exemplo, então, tudo o que se segue é verdade: i) e) é verdadeira, ii) Smith acredita que (e) é verdadeira, e iii) Smith está justificado em acreditar que e) é verdadeira. Mas é igualmente claro que Smith não sabe que e) é verdadeira; porque e) é verdadeira em virtude do número de moedas no bolso de Smith, ao passo que Smith não sabe quantas moedas estão no seu bolso e baseia a sua crença em e) na contagem das moedas no bolso de Jones, que ele acredita falsamente ser quem conseguirá o emprego.

CASO II

Suponhamos que Smith tem fortes indícios a favor da proposição seguinte:

f) O Jones possui um Ford.

Os indícios de Smith podem ser que, tanto quanto Smith se lembra, Jones sempre possuiu um carro, e sempre um Ford, e que Jones ofereceu um passeio a Smith enquanto guiava um Ford. Imaginemos agora que Smith tem outro amigo, Brown, cujo paradeiro Smith ignora completamente. Smith selecciona três nomes de lugares completamente ao acaso e constrói as três proposições seguintes:

g) Ou Jones possui um Ford ou Brown está em Boston.

h) Ou Jones possui um Ford ou Brown está em Barcelona.

i) Ou Jones possui um Ford ou Brown está em Brest-Litovsk.

Cada uma destas proposições é implicada por f). Imaginemos que Smith compreende a implicação de cada uma destas proposições que construiu a

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51 partir de f) e prossegue para aceitar g), h) e i) com base em f). Smith inferiu correctamente g), h) e i) duma proposição para a qual tem fortes indícios. Smith está portanto completamente justificado em acreditar em cada uma destas três proposições. Como é óbvio, Smith não tem a menor ideia de onde se encontra Brown.

Mas imaginemos agora que duas mais condições são incluídas. Primeiro, Jones não possui um Ford, mas neste momento conduz um carro alugado. E em segundo lugar, pela mais absoluta coincidência, e sem que Smith tenha disso a menor ideia, o lugar mencionado na proposição h) é realmente o lugar onde Brown está. Se estas duas condições são incluídas, então Smith não sabe que h) é verdadeira, apesar de que i) h) é verdadeira, ii) Smith acredita que h) é verdadeira, e iii) Smith está justificado em acreditar que h) é verdadeira.

Estes dois exemplos mostram que a definição a) não estabelece uma condição suficiente para que alguém conheça uma dada proposição. Os mesmos casos, com as mudanças adequadas, serão suficientes para mostrar que nem a definição b) nem a definição c) o fazem igualmente.

Tradução de Álvaro Nunes

NOTAS

[ 1] Platão parece estar a pensar numa definição desse tipo em Teeteto, 201, e talvez a aceitar uma definição dessas no Ménon, 98.

[ 2] Roderick M. Chisholm, Perceiving: A Philosophical Study (Ithaca, NOva Iorque: Cornell University Press, 1957), p. 16.

[ 3] A. J. Ayer, The Problem of Knowledge (London: Macmillan, 1956), p. 34. Edmund L. Gettier, in Analysis 23 (1963, pp: 121-123).

Edmund L. Gettier, in Analysis 23 (1963, pp. 121-123). DUTRA (200: 34ss) afirma que a dificuldade apontada por Gettier parece

“insuperável porque, para a epistemologia tradicional, os processos reais de inferência

que os indivíduos realizam são irrelevantes”, e ainda:

A idéia é que a epistemologia deve lidar apenas com o contexto de descoberta.

Ou seja, a epistemologia ou teoria do conhecimento deve se preocupar com

aquilo que justifica a aceitação de uma crença ou de uma teoria. Mas as formas

como concretamente as pessoas chegam a suas crenças ou teorias não

interessam à epistemologia, já que a consideração delas poderia nos levar a

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domínios de arbitrariedade, como aquele da informação privada e

incontrastável, que apenas um indivíduo possui.

No século XX a Epistemologia Naturalista propôs que a epistemologia também

se preocupe com nossos processos e práticas cognitivas. A epistemologia, assim, leva à

tematização do conhecimento em relação às concepções da mente e da ação humanas,

enfim, de como o próprio ser humano é compreendido em sua relação com os outros e

com a natureza. Cabe ao professor de ensino superior buscar sua funcionalidade e

avaliar o “resgate behaviorista” que nela pode surgir ou mesmo repensar a chamada

“Epistemologia Genética” de J. Piaget que pretendia que esta também fosse naturalista,

mas não-positivista.

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CAPÍTULO VI

Os saberes e a Universidade: interdiciplinaridade

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Do que foi exposto até aqui se vê que os saberes fragmentados, ultra-

especializados, são uma triste conseqüência dos paradigmas da Modernidade que aqui

se quer superar. A interdisciplinaridade seria extremamente importante para se

ultrapassar a hierarquização epistemológica dos saberes, onde se considera que uma

ciência seja a mãe de todas as outras, em termos pós-modernos, ultrapassar as

metanarrativas que querem explicar todas as outras narrativas, conforme

GHIRALDELLI explica em seu blog “Professor Virtual”

(http://professorvirtual.blogspot.com/) ao elucidar os conceitos de metanarrativas e

narrativas:

Após o livro de Lyotard, A condição pós-moderna, aprendemos a chamar as

ciências, tanto quanto já chamávamos a literatura e a história, de produtoras de

narrativas, e a filosofia ou filosofias ou grandes teorias de produtoras de

metanarrativas. Uma metanarrativa é, então, uma narrativa de segunda ordem,

que visa cobrir e/ou explicar outras narrativas.

A filosofia é uma metanarrativa, mesmo quando é apenas filosofia analítica em

um sentido restrito, como aparecia no positivismo lógico. Pois ainda que neste

concepção o papel da filosofia fique restrito, toda a discussão para redefinir a

filosofia pertence ao campo da própria concepção e, nesse sentido, é uma

teorização geral, global, que abarca, em termos de dissertação, todo o

conhecimento humano.

Nem toda filosofia e nem toda metanarrativa são, no entanto, fundacionalistas.

Pode haver metanarrativas que não pretendem ser dissertações sobre

dissertações que seriam mais verdadeiras e/ou fundantes da dissertação que

cobrem e/ou explicam. A metanarrativa de Platão e Hegel é global e fundante.

Dão uma concepção do mundo e, ao mesmo tempo, dizem que aquela

explicação é a realidade do mundo, enquanto que o que cai no interior daquela

explicação pode, não raro, ser uma intepretação falseada e/ou falseadora. Mas

uma descrição racional do mundo, como a de Donald Davidson, no entanto, é

global sem ser fundacionalista. Ele é descritiva. Faz o papel daquilo que Rorty

elogia em qualquer filosofia: é um texto que procura dar para nós uma nova

imagem de nós mesmos, mais condizente com o nosso tempo.

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Não raro, certas formulações científicas querem fazer o papel de metanarrativas

e, então, substituir a filosofia: a antropologia, a sociologia e a psicologia

tentaram isso. Marx foi acusado de faze r isso através da economia, mas a

acusação, a rigor, não procede, pois ele tinha uma filosofia para fazer isso por

ele: o hegelianismo invertido - o materialismo moderno.

A pós-modernidade, segundo Lyotard, é o fim da crença em metanarrativas.

Essa concepção foi combatida por Habermas. Esse debate trouxe muitos erros,

reproduzidos no Brasil e nos Estados Unidos. Muitos acharam que se havia uma

posição que dizia que ninguém mais acreditava em metanarrativas, essa posição

era uma forma de jogar toda e qualquer teoria fora. Não é verdade. O texto de

Lyotard não era muito claro a esse respeito. Mas a entrada de Rorty no debate

poderia ter esclarecido mais do que esclareceu, ao menos no Brasil, se não

fosse pelo anti-americanismo da academia brasileira, e nos Estados Unidos, se

não fosse pelo barulho que certa esquerda neomarxista faz lá. Rorty, se lido

com cuidado, pode dar a saída: ele se serve de Davidson para compreender o

mundo, nós, para descrever tudo com filosofia, mas sua filosofia é ad hoc, não é

fundacionalista. Usa-se uma metanarrativa, mas não necessariamente uma

metafísica.

Percebe-se no texto de GHIRALDELLI o fim da hierarquização epistemológica

na pós-modernidade, que se pode fazer no âmbito da educação com o uso de Projetos

Pedagógicos Interdisciplinares. Se não há um saber sobre saberes, cada “leitura” é

importante para o todo e com isto supera-se também as dicotomias pedagógicas e a

fragmentação do homem entendendo-o em sua nova concepção de “falante”, ou

“campo(s) gravitacional(is)” de narrativas. Para isto não se precisa estabelecer nenhuma

“pedagogia” com base epistemológica metafísica, ou que se proponha ser metafísica

com uma mudança da lógica formal para uma lógica chamada pós-modernaTudo o que

foi discutido até aqui pressupõe uma função importante do professor do ensino superior:

a de pesquisador também em pedagogia ciente de que sua ação pedagógica é ação

discursiva que possui efeitos discursivos os mais diversos. E há uma diferença entre ser

perpassador de planos discursivos ou elaborador de ações discursivas conseqüentes de

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reiteradas análises discursivas segundo os instrumentos que foram apresentados até

aqui. Uma reforma paradigmática num Projeto Institucional deverá passar antes por uma

reforma paradigmática da ação discursiva do corpo docente de uma instituição de ensino

superior.

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CONCLUSÃO

O ensino superior, segundo a LDB, é crucial não só para a formação

profissional, mas também do cidadão. Cada acadêmico tanto é perpassado por ações

discursivas como são perpassadores de ações discursivas, ou seja, não somente há a

biunivocidade de vetorizações discursivas, mas plurivocidades de vetorizações

discursivas. Isto parece imperceptível numa aula da Estatística ou de Administração

Financeira, mas o se deve atentar para o fato de que não são somente planos discursivos

conjuntos ou disjuntos, pospostos ou interpostos, que perpassam os corpos docentes e

discentes, mas estamos todos inseridos em ordens discursivas, planos conceituais,

materialidades discursivas, e nos comportamos como fontes de ações discursivas,

conforme o conceito de Poderes de Foucault. Apenas saímos do aspecto de

Modernidade “mordida” em Foucault para uma pós-modernidade em seu sentido de

superação dos paradigmas da Modernidade, e não somente em termos de modismo.

Também o Estruturalismo foi acusado de “modismo”, mas percebeu-se que tal

movimento foi e é importante para o desenvolvimento de ações e análises discursivas. A

pós-modernidade deste trabalho é aquela que olha para o passado em sua “leitura”

sempre num diálogo, num resgate, numa reaplicação, numa vetorização discursiva que

implique em uma democratização dos saberes rompendo com a hierarquização

epistemológica dos saberes que compõe o ensino superior e mesmo com o abismo

epistemológico que o separa daqueles que não o podem alcançar por causa de suas

condições materiais.

Fugia ao escopo deste trabalho avaliar o aspecto das condições materiais, da

conjuntura sócio-econômica e política do país que influenciam, em termos de ações

discursivas, o processo ensino-aprendizagem do ensino superior. Fica em aberto aqui

este tipo de pesquisa que se deveria articular com o que foi exposto para o

estabelecimento de uma ação discursiva que democratize o ensino superior fora de toda

atitude não-funcional de ordem meramente política ou econômica.

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BIBLIOGRAFIA

COPI, Irving M. Introdução à lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1978.

GHIRALDELLI, Paulo Jr. Filosofia da Educação. Rio de Janeiro:

DP&A,2000.

DUTRA, Luiz H. Epistemologia da Aprendizagem. Rio de Janeiro:

DP&A,2000.

MAZZOTTI & OLIVEIRA. Ciência(S) da Educação. Rio de Janeiro:

DP&A,2000.

GIL, Carlos A. Metodología do Encino Superior. São Paulo: Atlas, 1997.

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ANEXOS