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Introdução à Filosofa da Religião William L. Rowe Tradução de Vítor Guerreiro Revisão Científca de Desidério Murcho

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Índice

Prefácio à quarta edição 11

Agradecimentos 13

Introdução 15

1. A ideia de Deus 19

2. O argumento cosmológico 39

3. O argumento ontológico 634. O argumento do desígnio (o antigo e o novo) 87

5. Experiência mística e religiosa 109

6. Fé e razão 139

7. O problema do mal 169

8. Milagres e a mundividência moderna 199

9. Vida depois da morte 219

10. Predestinação, presciência divina e liberdade humana 241

11. Muitas religiões 263

Glossário de conceitos e ideias importantes 281

Leitura complementar 290

Índice remissivo 293

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Preácio à quarta edição

Durante a segunda metade do século XX e nos primeiros anos do século XXI,

deu‑se um crescimento sem precedentes da losoa da religião, tanto em

termos da quantidade de lósoos que a ela se dedicam como em termos de

desenvolvimentos importantes no seu seio. E é provável que a área continue a

forescer, atraindo alguns dos melhores jovens lósoos para trabalhar nos seus

vinhais. Refectindo os mais importantes avanços na losoa da religião neste

período de crescimento contínuo, o que se segue merece especial atenção:. Durante séculos, os pensadores religiosos procuraram mostrar que a

crença religiosa não só é consistente com o pensamento racional mas

também que se pode sustentá‑la com argumentos racionais. O desen‑

volvimento da teoria cosmológica do Big Bang resultou num argumento

do desígnio a avor da existência de um ser inteligente que terá ajustado

as condições iniciais da origem do universo de modo a tornar possível a

vida que conhecemos. E há também um argumento contra a capacidade

de a selecção natural darwinista explicar sistemas biológicos «irredu‑tivelmente complexos» ao nível molecular. Um curso introdutório em

losoa da religião tem de inormar os estudantes acerca destes argu‑

mentos, além dos argumentos tradicionais a avor da existência de Deus.

. Tem‑se valorizado crescentemente e procurado compreender outras

tradições religiosas além das ocidentais, com a sua dupla ênase na

ignorância, e não no pecado, como onte das atribulações humanas,

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e no esclarecimento, e não na salvação pessoal, como solução para asatribulações humanas. Com esta nova consciência das dierenças pro‑

undas entre as religiões do mundo, surge naturalmente a questão de

saber se se pode continuar a deender sensatamente que apenas uma

destas religiões (a nossa) é a verdadeira e o único caminho para a vida

além‑túmulo. O lósoo e teólogo John Hick tem desenvolvido uma

perspectiva denominada «pluralismo religioso». É importante que os

estudantes de losoa da religião contactem com esta perspectiva, bem

como com as críticas que lhes oram dirigidas.. O problema do mal continua a ser um importante tópico de discussão.

Trata‑se da questão de a enorme quantidade de mal aparentemente des‑

necessário que há no nosso mundo, um mal que não cumpre qualquer

nalidade boa que possamos imaginar, contar ou não como indício con‑

tra a existência de um deus sumamente pereito. Alguns lósoos argu‑

mentam que a disparidade entre o conhecimento humano e o divino é

tal que a nossa incapacidade para discernir qualquer bem que exigisse a

permissão de tais males por Deus não nos dá qualquer razão para pensarque a sua existência é improvável. Esta perspectiva, conhecida como

«teísmo céptico», levanta questões de importância central para o pro‑

blema de se saber se o mal no nosso mundo nos dá ou não razões para

pensar que a existência de Deus é improvável, questões que se devem

incluir num curso de losoa da religião.

Nesta edição, procurei tratar destas questões.

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer aos revisores da primeira edição: George L. Abernathy,

Monroe C. Beardsley, Donald Burrill, John Fisher, Robert O. Long, Geddes

MacGregor e Walter Stromseth. Estou grato aos revisores da segunda edi‑

ção: Pieranna Garavaso, Universidade do Minnesota‑Morris; S. S. Rama Rao

Pappu, Universidade de Miami; Louis Pojman, Academia Militar dos EUA;

William L. Power, Universidade da Geórgia; Paul Tidman, Universidade

Estatal do llinois; e Donald J. Zeyl, Universidade de Rhode sland. Gostariatambém de agradecer aos revisores da terceira edição: Kelly James Clark,

Calvin College; Jude P. Dougherty, Universidade Católica da América; Frank

Murphy, Universidade da Carolina do Leste; e George . Mavrodes, Univer‑

sidade do Michigan. E gostaria de agradecer aos revisores da presente edi‑

ção: James Baillie, Universidade de Portland; Minh Nguyen, Universidade

do Kentucky Oriental; Henrietta Wiley, Universidade de Denison; Frederik

Kauman, thaca College; Ted Guleserian, Universidade Estatal do Arizona;

Richard Miller, Universidade da Carolina do Leste; Peter Vernezze, WeberState; John Beaudoin, Universidade do llinois do Norte; Hugh Wilder, Col‑

lege o Charleston; Paul Hughes, Universidade do Michigan‑Dearborn; Keith

Korcz, Universidade do Louisiana‑Laayette; e Russell Lascola, Universidade

Politécnica Estatal da Caliórnia‑San Luis Obispo.

W.L.R.

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Introdução

Temos de contar a religião, sem dúvida, juntamente com a arte e a ciência, entre

os aspectos mais undamentais e ubíquos da civilização humana. Como tal, é

digna do escrutínio e do estudo mais cuidadosos. Mas a religião é um aspecto

tão complexo da vida humana e de tão vastas consequências que jamais uma

só disciplina poderá estudá‑la exaustivamente. Por isto se estuda a religião em

dierentes disciplinas: losoa, história, antropologia, sociologia, psicologia.

A losoa da religião é um dos ramos da losoa, como a losoa daciência, a losoa do direito e a losoa da arte. Podemos compreender

melhor o que é a losoa da religião começando pelo que não é. Em pri‑

meiro lugar, não se pode conundir a losoa da religião com o estudo da

história das principais religiões de acordo com as quais os seres humanos

têm vivido. Ao estudar a história de uma religião particular — o cristianismo,

por exemplo — leríamos algo sobre a sua origem a partir do judaísmo, a vida

de Jesus, a emergência da igreja cristã no seio do império romano, o desen‑

volvimento das doutrinas características da é cristã. Pode‑se levar a caboestudos semelhantes a respeito de outras religiões importantes: judaísmo,

islamismo, budismo, hinduísmo. Embora tais estudos sejam importantes

para a losoa da religião e por vezes possa haver sobreposição de ambas as

áreas, não as podemos conundir.

Em segundo lugar, não se pode conundir a losoa da religião com a

teologia. A teologia é uma disciplina em grande medida interior à religião.

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Como tal, desenvolve as doutrinas de uma é religiosa particular e procuraundamentá‑las quer na razão comum à humanidade (teologia natural) quer

internamente, na palavra revelada de Deus (teologia revelada). Embora a

losoa da religião se interesse undamentalmente por estudar a maneira

como as pessoas que têm crenças religiosas as justicam, o seu interesse

primário não é justicar ou reutar um conjunto particular de crenças reli‑

giosas mas avaliar os géneros de razões que as pessoas dadas à refexão têm

apresentado a avor e contra as crenças religiosas. A losoa da religião,

ao contrário da teologia, não é undamentalmente uma disciplina interior  à religião, mas uma disciplina que estuda a religião de um ponto de vista

abrangente. Do mesmo modo que a losoa da ciência e a losoa da arte,

a losoa da religião não az parte do objecto de estudo a que se dedica. É

importante reconhecer, contudo, que a teologia, em particular a teologia

natural , e a losoa da religião se sobrepõem consideravelmente. Quando

Tomás de Aquino discute os diversos argumentos a avor da existência de

Deus, ou quando procura analisar o que se quer dizer com a ideia de que Deus

é omnipotente, quando Anselmo examina determinadas noções importantes,como a eternidade e a auto‑existência, é diícil classicar o seu trabalho como

algo que pertence exclusivamente à teologia. Também se pode, obviamente,

entender que este é um trabalho losóco acerca de determinados aspectos

da religião. Apesar destas sobreposições, contudo, não se deve identicar a

losoa da religião, enquanto disciplina, com a teologia.

Podemos caracterizar melhor a losoa da religião como o exame crítico

das crenças e dos conceitos religiosos fundamentais. A losoa da religião

examina criticamente conceitos religiosos undamentais como o conceitode Deus, o conceito de é, a noção de milagre e a ideia de omnipotência.

Examinar criticamente um conceito complexo como o de Deus é azer duas

coisas: distinguir as concepções undamentais de Deus que têm surgido na

religião e decompor cada concepção nos seus componentes undamentais.

Como veremos, há diversas concepções distintas do divino. Há, por exemplo,

a ideia panteísta de Deus, bem como a ideia teísta de Deus. A losoa da

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ntrodução

religião procura distinguir entre estas dierentes ideias de Deus e trabalhá‑‑las detalhadamente. Uma losoa da religião abrangente teria de analisar

cada uma destas dierentes ideias de Deus. Neste livro introdutório, contudo,

teremos de limitar a nossa análise detalhada ao principal conceito de Deus

que emergiu na civilização ocidental, a ideia teísta de Deus.

A losoa da religião examina criticamente as crenças religiosas un‑

damentais: a crença de que Deus existe, de que há vida depois da morte, de

que Deus sabe, mesmo antes de nascermos, o que iremos azer, de que a

existência do mal é de algum modo consistente com o amor de Deus pelassuas criaturas. Examinar criticamente uma crença religiosa envolve explicar

a crença e examinar as razões que têm sido apresentadas a avor e contra a

crença, tendo em vista determinar se há ou não qualquer justicação racio‑

nal para armar que essa crença é verdadeira ou alsa. O nosso objectivo ao

levar a cabo este exame não é persuadir ou convencer mas ornecer ao leitor

um contacto com o tipo de razões que têm sido apresentadas a avor e con‑

tra determinadas crenças religiosas undamentais. Ao examinar as crenças

religiosas seria desonesto armar que as minhas próprias perspectivas acercadestas crenças, e das razões oerecidas a avor ou contra elas, não são visíveis

no texto. Certamente que são. Mas tentei apresentar de um modo convin‑

cente e cogente as perspectivas de que discordo, como eventualmente ariam

os seus mais robustos deensores. E a minha esperança é a de que o leitor

trate os meus próprios juízos do mesmo modo que procurei tratar os juízos

de outros: não como ideias para aceitar como verdadeiras, mas como ideias

dignas de refexão séria e exame cuidadoso. Ler com este espírito o livro é

entregar‑se à própria disciplina para a qual oi concebido como introdução;é losoar acerca das questões undamentais na religião.

Procurei abranger boa parte dos tópicos que os lósoos da religião têm

geralmente em conta. Nenhum livro introdutório, contudo, pode esperar

ser exaustivo. Tópicos como a natureza da religião, o conceito de oração, a

ética religiosa, são importantes, mas as limitações impostas a um livro intro‑

dutório impediram a sua inclusão. Não obstante, abrangeu‑se uma grande

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quantidade de tópicos centrais da disciplina, tão meticulosamente quanto érazoável conseguir‑se num primeiro curso de losoa da religião.

O livro divide‑se em quatro partes. Na primeira (Capítulo ), explica‑se

a concepção particular de divindade que tem predominado na civilização

ocidental — a ideia teísta de deus — e distingue‑se entre esta e outras noções

do divino. A segunda parte pondera as principais razões que se têm apre‑

sentado para deender a crença de que o deus teísta existe. Entre o Capítulo

e o , discutem‑se os três principais argumentos a avor da existência de

Deus, argumentos que apelam a actos supostamente acessíveis a qualquerpessoa racional, religiosa ou não. O Capítulo considera a experiência reli‑

giosa e mística enquanto onte de justicação da crença teísta. E no Capítulo

examina‑se o papel que a é pode desempenhar na ormação e na justi‑

cação da crença religiosa. Consideramos também a importante questão de

a crença em Deus poder ou não ser inteiramente racional independente‑

mente de haver quaisquer indícios a seu avor. Na terceira parte examina‑se

o problema do mal, que alguns lósoos supõem dar uma base racional para

o ateísmo, a crença de que o deus teísta não existe. Na quarta parte, entreo Capítulo e o , considera‑se uma série de tópicos centrais na religião

teísta. Nestes tópicos incluem‑se os milagres, a questão da vida depois da

morte, as diculdades de harmonizar a ideia de presciência divina com a

crença na liberdade humana e os problemas colocados pela existência de

diversas religiões.

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Capítulo 1A ideia de Deus

Em oi publicado um pequeno livro da autoria de um bispo anglicano,

livro que causou um tumulto religioso no Reino Unido e nos Estados Unidos. 

Em Honest to God , o bispo John Robinson atreveu‑se a sugerir que a ideia de

deus que predominou durante séculos na civilização ocidental é irrelevante

para as necessidades dos homens e mulheres de hoje em dia. A sobrevivência

da religião no Ocidente, argumenta Robinson, exige que se rejeite esta ima‑

gem tradicional de deus, a avor de uma concepção proundamente dierente,concepção cuja emergência Robinson armou ter visto na obra de pensadores

religiosos do século XX, como Paul Tillich e Rudol Bultmann.

Robinson previu correctamente a reacção que a sua tese ia provocar,

sublinhando que encontraria inevitavelmente resistência, como traição

daquilo que se arma na Bíblia. Não só as pessoas ligadas à igreja, na sua

vasta maioria, se oporiam à perspectiva de Robinson, como a armação de

que a ideia de deus já morrera ou que pelo menos estava moribunda pro‑

vocaria ressentimento nos que tinham rejeitado a sua crença em deus. Nacorrespondência com o director do londrino imes, em artigos de revistas

académicas e nos púlpitos de dois continentes, Robinson oi atacado como

ateu disarçado de bispo e só raramente deendido como proeta de uma nova

revolução que ocorria no seio da tradição religiosa judaico‑cristã. Um olhar

1. John A. T. Robinson, Honest to God (Londres: SCM Press Lda., 1963).

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sobre algumas das ideias de Robinson ajudar‑nos‑á a distinguir dierentesideias de deus e a concentrarmo‑nos naquela que será o centro das nossas

atenções ao longo da maior parte deste livro.

Antes de surgir a crença de que o mundo no seu todo está sob o controlo

soberano de um único ser, as pessoas acreditavam amiúde numa plurali‑

dade de seres divinos ou deuses, posição religiosa a que se chama politeísmo.

Na antiguidade grega e romana, por exemplo, os diversos deuses controla‑

vam dierentes aspectos da vida, de modo que se veneravam, naturalmente,

vários deuses — um deus da guerra, uma deusa do amor, e por aí em diante.Às vezes, porém, podia‑se acreditar que há diversos deuses mas venerar ape‑

nas um, o deus da própria tribo, posição religiosa a que se chama henoteísmo.

No Antigo Testamento, por exemplo, há reerências requentes a deuses de

outras tribos, embora os hebreus se mantenham éis ao seu próprio deus,

Jeová. Lentamente, porém, surgiu a crença de que o nosso próprio deus é o

criador do Céu e da Terra, o deus que não é apenas o da nossa própria tribo

mas de todos, perspectiva religiosa a que se chama monoteísmo.

Segundo Robinson, o monoteísmo, a crença num só ser divino, soreuuma mudança prounda, mudança que Robinson descreve com a ajuda das

expressões «lá em cima» e «lá ora». O Deus «lá em cima» é um ser loca‑

lizado no espaço acima de nós, presumivelmente a uma determinada dis‑

tância da Terra, numa região conhecida como «os Céus». Esta ideia de Deus

está associada a uma certa imagem primitiva em que o universo consta de

três regiões, os Céus em cima, a Terra em baixo e a região das trevas sob a

Terra. Segundo esta imagem, a Terra é requentemente invadida por seres

dos outros dois domínios — Deus e os seus anjos do Céu, Satanás e os seusdemónios da região subterrânea — que combatem entre si pelo controlo das

almas e do destino dos que habitam o domínio terreno. Esta ideia de Deus

como ser poderoso que está «lá em cima», numa determinada região do

espaço, oi lentamente abandonada, arma Robinson. Agora explicamos às

crianças que os Céus não estão de acto sobre as suas cabeças, que Deus não

está literalmente algures lá em cima, no Céu. Em lugar de Deus como «o

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A ideia de Deus

velhote no Céu», surgiu uma ideia de Deus muito mais sosticada, a queRobinson se reere como a ideia de Deus «lá ora».

Mudar do Deus «lá em cima» para o Deus «lá ora» é mudar de uma

concepção de Deus como um ser localizado no espaço a uma certa distância

da Terra para uma concepção de Deus como algo distinto e independente do

mundo. Segundo esta ideia, Deus não está em qualquer local ou região do

espaço ísico. É um ser puramente espiritual, um ser pessoal, pereitamente

bom, omnipotente, omnisciente, que criou o mundo, mas não az parte dele.

É distinto do mundo, não está sujeito às suas leis, julga‑o, orienta‑o parao seu desígnio nal. Esta ideia bastante majestosa de Deus oi lentamente

desenvolvida ao longo dos séculos por grandes teólogos ocidentais como

Agostinho, Boécio, Boaventura, Avicena, Anselmo, Maimónides e Tomás. Tem

sido a ideia dominante de Deus na civilização ocidental. Se rotulamos o Deus

«lá em cima» como «o velhote no Céu», podemos rotular o Deus «lá ora»

como «o Deus dos teólogos tradicionais». E é o Deus dos teólogos tradicio‑

nais que Robinson considera ter‑se tornado irrelevante para as necessidades

das pessoas de hoje em dia. Quer Robinson tenha ou não razão — e é muitoduvidoso que tenha — é inegavelmente verdade que quando nós, que herdá‑

mos maioritariamente a cultura da civilização ocidental, pensamos em Deus,

o ser em que pensamos é em muitos aspectos importantes parecido com o

Deus dos teólogos tradicionais. Será útil, portanto, ao claricar as nossas

próprias ideias acerca de Deus, explorar com maior detalhe a concepção de

Deus que surgiu no pensamento dos grandes teólogos.

O O

Vimos que, segundo muitos teólogos importantes, se concebe Deus como

um ser pereitamente bom, distinto e independente do mundo, omnipo‑

tente, omnisciente e criador do universo. Duas outras características que

os grandes teólogos atribuíram a Deus são a auto‑existência e a eternidade.

A ideia de Deus que predomina na civilização ocidental é portanto a ideia de

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Capítulo 2O argumento cosmológico

O gmO OmOógO O

Desde a antiguidade que as pessoas dadas à refexão procuram justicar as

suas crenças religiosas. Talvez a crença mais undamental que se procurou

 justicar seja a crença de que Deus existe. Em geral, a tentativa de justicar a

crença na existência de Deus começou quer por actos acessíveis tanto a cren‑

tes quanto a descrentes quer por actos que normalmente só são acessíveisaos crentes, como a experiência directa de Deus. Neste capítulo e nos dois

seguintes, consideraremos algumas das principais tentativas de justicar a

crença em Deus apelando a actos supostamente acessíveis a qualquer pessoa

racional, religiosa ou não. Começando por tais actos, teólogos e lósoos

desenvolveram argumentos a avor da existência de Deus, argumentos que,

segundo eles, provam que Deus existe, sem margem para dúvida razoável.

É comum dividir‑se os argumentos a avor da existência de Deus em

argumentos a posteriori e argumentos a priori . Um argumento a poste‑

riori depende de um princípio ou premissa que só se pode conhecer através

da nossa experiência do mundo. Um argumento a priori , por outro lado,

assenta supostamente em princípios que se podem conhecer independen‑

temente da nossa experiência do mundo, relectindo‑se apenas neles e

compreendendo‑os. Dos três principais argumentos a avor da existência de

Deus — o argumento cosmológico, o argumento do desígnio e o argumento

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ontológico — apenas o último é completamente a priori . No argumento cos‑mológico começa ‑se com actos simples acerca do mundo, como o acto de

nele haver coisas cuja existência é causada por outras coisas. No argumento

do desígnio o ponto de partida é um acto um pouco mais complicado acerca

do mundo, o acto de exibir ordem e teleologia. No argumento ontológico,

contudo, começa‑se simplesmente com um conceito de Deus. Neste capítulo

consideraremos o argumento cosmológico; nos dois capítulos seguintes exa‑

minaremos o argumento ontológico e o argumento do desígnio.

Antes de ormularmos o argumento cosmológico em si, vamos ponderaralgumas questões bastante gerais acerca do mesmo. Historicamente, remonta

aos escritos dos lósoos gregos, Platão e Aristóteles, mas o undamental no

progresso do argumento deu‑se nos séculos XIII e XIII. No século XIII, S. Tomás

de Aquino apresentou cinco argumentos distintos a avor da existência de Deus,

dos quais os primeiros três são versões do argumento cosmológico. No pri‑

meiro, Tomás começa pelo acto de haver coisas no mundo que sorem mudan‑

ças e conclui que tem de haver uma causa última da mudança, que seja ela

própria imutável. No segundo, começa pelo acto de haver coisas no mundocuja existência é claramente causada por outras coisas e conclui que tem de

haver uma causa última de existência, cuja existência seja incausada. No ter‑

ceiro argumento, Tomás começa pelo acto de haver coisas no mundo que não

têm sequer de existir, coisas que existem mas que acilmente imaginamos que

poderiam não existir, concluindo que há um ser que tem de existir, que existe

e que não poderia não existir. Poder‑se‑ia agora objectar que mesmo que os

argumentos de Tomás provassem para lá de qualquer dúvida a existência de um

motor imóvel, de uma causa incausada e de um ser que não poderia não existir,esses argumentos não conseguem provar a existência do Deus teísta. Pois o Deus

teísta, como vimos, é pereitamente bom, omnipotente, omnisciente e criador

do mundo, mas distinto e independente deste. Como sabemos, por exemplo,

6. S. Tomás de Aquino, Summa Teologica , 1a, 2, 3, em Te Basic Writings of Saint Tomas Aquinas, org. Anton C. Pegis (Nova orque: Random House, 1945).

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O argumento cosmológico

que o motor imóvel não é malévolo ou ligeiramente ignorante? A resposta a estaobjecção é que o argumento cosmológico tem duas partes. Na primeira parte

trata‑se de provar a existência de um género especial de ser — por exemplo,

um ser que não poderia não existir ou um ser que causa mudanças nas outras

coisas mas é em si imutável. Na segunda parte do argumento trata‑se de provar

que o ser especial, cuja existência se estabeleceu na primeira parte, tem, e não

pode deixar de ter, as características que ormam conjuntamente a ideia teísta

de Deus — pereita bondade, omnipotência, omnisciência e por aí em diante.

sto signica, portanto, que os três argumentos de Tomás são versões dierentesda primeira parte apenas do argumento cosmológico. Com eeito, em secções

posteriores da sua Summa Teologica , Tomás procura mostrar que o motor

imóvel, a causa incausada da existência e o ser que tem de existir são um e o

mesmo e que este único ser tem todos os atributos do Deus teísta.

Vimos há pouco que o segundo desenvolvimento undamental no argu‑

mento cosmológico ocorreu no século XIII, um desenvolvimento que se

refecte nos textos do lósoo alemão Gottried Leibniz (–) e espe‑

cialmente nos textos do teólogo e lósoo inglês Samuel Clarke (–).Em , Clarke deu uma série de palestras, publicadas mais tarde com o

título A Demonstration of the Being and Attributes of God [Demonstração

da Existência e dos Atributos de Deus]. Estas palestras constituem talvez a

apresentação mais completa, persuasiva e cogente que temos do argumento

cosmológico. As palestras oram lidas pelo principal lósoo céptico sete‑

centista, David Hume (–). No seu ataque brilhante à tentativa de

 justicar a religião no tribunal da razão, os seus Diálogos Sobre a Religião

Natural , Hume apresentou várias críticas penetrantes aos argumentos deClarke, críticas que persuadiram muitos lósoos no período moderno a rejei‑

tar o argumento cosmológico. Ao estudar o argumento, centrar‑nos‑emos

em grande medida na sua orma setecentista e procuraremos avaliar os seus

pontos ortes e racos à luz das críticas que Hume e outros lhe zeram.

A primeira parte do argumento cosmológico na sua ormulação sete‑

centista procura provar que há um ser auto‑existente. A segunda parte do

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Capítulo 3O argumento ontológico

Talvez seja melhor pensar no argumento ontológico não como um único

argumento mas como uma amília de argumentos, em que cada membro

começa com um conceito de Deus e, apelando apenas a princípios a priori ,

procura estabelecer que Deus existe eectivamente. Nesta amília de argu‑

mentos, o mais importante historicamente é o apresentado por Anselmo

no segundo capítulo do seu Proslogium (um discurso). Na verdade, é justo

armar que o argumento ontológico começa com o Capítulo do Proslogium  de S. Anselmo. Numa obra anterior, Monologium (um solilóquio), Anselmo

procurara estabelecer a existência e natureza de Deus entretecendo diver‑

sas versões do argumento cosmológico. No preácio ao Proslogium Anselmo

comenta que após a publicação do Monologium começou a procurar um

único argumento que por si só estabelecesse a existência e natureza de Deus.

Depois de muito esorço árduo e inrutíero, Anselmo diz‑nos que procurou

aastar o projecto da sua mente, para se dedicar a tareas mais compensado‑

11. Alguns lósoos pensam que Anselmo apresenta um argumento dierente e maiscogente no Capítulo 3 do seu Proslogium . Para este ponto de vista, ver Charles Hart‑shorne, Anselm’s Discovery (La Salle, L: Open Court Publishing Co., 1965) e NormanMalcom, «Anselm’s Ontological Arguments», Te Philosophical Review L, n.º 1(1960), pp. 41‑62. Para uma explicação esclarecedora das intenções de Anselmo noProslogium , e , e em recentes interpretações de Anselmo, ver o ensaio de Arthur C.McGill, «Recent Discussions o Anselm’s Argument» em Te Many‑Faced Argument ,org. John Hick e Arthur C. McGill (Nova orque: e MacMillan Co., 1967), pp. 33 ‑110.[Santo Anselmo, Proslogion, trad. Costa Macedo, Porto: Porto Editora, 1996.]

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64

ras. A ideia, contudo, continuou a assombrá‑lo até que um dia se lhe tornouclara a prova que procurara tão arduamente. É esta prova que Anselmo apre‑

senta no segundo capítulo do Proslogium .

OO fm

Antes de apresentar passo a passo o argumento de Anselmo, será útil intro‑

duzir alguns conceitos que nos ajudarão a compreender algumas das ideias

centrais que guram no argumento. Suponha‑se que desenhamos, na nossaimaginação, uma linha vertical e imaginamos que no lado esquerdo da nossa

linha estão todas as coisas que existem e no lado direito da linha estão todas

as coisas que não existem. Podíamos então começar a azer uma lista de algu‑

mas coisas que estão em ambos os lados da nossa linha imaginária. A lista

poderia começar da seguinte maneira:

Coisas que existem Coisas que não existem

O EmpireStateBuildingCães

O planeta Marte

A Fonte da JuventudeUnicórnios

O Abominável Homem das Neves

Cada uma das coisas (ou géneros de coisas) apresentadas até agora tem a

seguinte característica: logicamente, podia estar no outro lado da linha.

A Fonte da Juventude, por exemplo, está no lado direito da linha mas logica‑

mente nada há de absurdo na ideia de que a Fonte da Juventude podia estar

no lado esquerdo. De igual modo, embora os cães existam, podemos segura‑mente imaginar, sem cair em qualquer absurdo lógico, que os cães podiam

não ter existido: podiam estar no lado direito da linha. Registemos então

esta característica das coisas até agora apresentadas, introduzindo a ideia de

coisa contingente: algo que podia logicamente estar no lado da linha oposto

ao lado onde eectivamente está. O planeta Marte e o Abominável Homem

das Neves são coisas contingentes apesar de o primeiro existir e o último não.

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O argumento ontológico

Suponha‑se que acrescentamos algo à nossa lista, escrevendo no ladodireito a expressão «o objecto que é ao mesmo tempo completamente

redondo e completamente quadrado». O quadrado redondo, contudo, ao

contrário das outras coisas apresentadas no lado direito da linha, é algo que

logicamente não podia estar no lado esquerdo. Vendo isto, introduzamos a

ideia de coisa impossível como algo que está no lado direito da linha e logi‑

camente não podia estar no lado esquerdo.

Olhando mais uma vez para a nossa lista, surge a questão de haver ou

não alguma coisa no lado esquerdo da nossa linha imaginária que, ao con‑trário das coisas apresentadas até agora no lado esquerdo, logicamente não

 poderia estar no lado direito. Por enquanto, não temos de responder a esta

questão. Mas é útil ter um conceito para aplicar a quaisquer coisas desse

género, se as houver. Consequentemente, introduzamos a noção de coisa 

necessária: algo que está no lado esquerdo da nossa linha imaginária e logi‑

camente não podia estar no direito.

Por m, podemos introduzir a ideia de coisa possível: qualquer coisa

que ou está no lado esquerdo da nossa linha imaginária ou podia logicamenteestar no lado esquerdo. As coisas possíveis, portanto, serão todas aquelas

que não são impossíveis — isto é, todas aquelas que são ou contingentes ou

necessárias. Se não há coisas necessárias, então todas as coisas possíveis serão

contingentes e todas as coisas contingentes serão possíveis. Se há algo neces‑

sário, contudo, então haverá algo possível que não é contingente.

Munidos com os conceitos que se acabou de explicar podemos passar

à claricação de certas distinções e ideias importantes no pensamento de

Anselmo. A primeira é a distinção entre a existência no entendimento e aexistência na realidade. A noção que Anselmo tem de existência na rea‑

lidade é a mesma que a nossa noção de existência — isto é, estar no lado

esquerdo da nossa linha imaginária. Como a Fonte da Juventude está no lado

direito da linha, não existe na realidade. As coisas que existem são, para usar

a expressão de Anselmo, as que existem na realidade. A noção que Anselmo

tem de existência no entendimento, contudo, é dierente de qualquer ideia

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Capítulo 4O argumento do desígnio(o antigo e o novo)

O ponto de partida do antigo argumento do desígnio é o nosso sentimento

de assombro não por existirem coisas mas por muitas das coisas que existem

no nosso universo maniestarem ordem e desígnio. Partindo deste sentido de

assombro, o argumento procura convencer‑nos de que seja o que or que pro‑

duziu o universo tem de ser um ser inteligente. Talvez a ormulação mais amosa

do argumento esteja nos Diálogos Sobre a Religião Natural , de David Hume:

Olhai o mundo em volta: contemplai o todo e cada parte: descobrireis que não

é senão uma enorme máquina, subdividida num número innito de máquinas

menores, que por sua vez se subdividem para lá do que os sentidos e aculdades

humanos conseguem seguir e explicar. Todas estas diversas máquinas, e mesmo as

suas partes mais diminutas, ajustam‑se entre si com uma precisão que deixa estu‑

peactos todos os homens que já as contemplaram. A curiosa adaptação de meios

a ns em toda a natureza assemelha‑se exactamente, embora em muito os exceda,

aos produtos do engenho humano; do desígnio, do pensamento, da sabedoria e

da inteligência humanos. Visto que, portanto, os eeitos se assemelham entre si,

somos levados a inerir, segundo todas as regras da analogia, que as causas tam‑

bém se assemelham; e que o Autor da Natureza é de algum modo similar à mente

do homem, embora detentor de aculdades muito mais vastas, proporcionais à

grandiosidade da obra que executou. Com este argumento a posteriori , e apenas

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com este argumento, provamos de uma só vez a existência de uma Divindade, ea sua semelhança com a mente e inteligência humanas.

gmO O Og

Há uma analogia , diz‑nos esta passagem, entre muitas coisas na natureza e

coisas produzidas por seres humanos — como, por exemplo, máquinas. Visto

que sabemos que as máquinas (relógios, câmaras otográcas, telemóveis,

automóveis, etc.) são produzidas por seres inteligentes, e visto que muitascoisas na natureza se assemelham tão intimamente a máquinas, estamos auto‑

rizados «segundo todas as regras da analogia» a concluir que seja o que or que

tenha produzido esses objectos naturais é um ser inteligente. O argumento

do desígnio, então, tal como esta passagem o apresenta, é um argumento por 

analogia , e para o que nos interessa pode ser apresentado do seguinte modo:

. As máquinas são produzidas por desígnio inteligente.

. O universo assemelha‑se a uma máquina.

Logo,. Provavelmente o universo oi produzido por desígnio inteligente.

As questões críticas que temos de considerar ao avaliar o antigo argumento

do desígnio resultam sobretudo do acto de o argumento usar o raciocínio

analógico. Para melhor compreender tal raciocínio, consideremos o seguinte

exemplo do seu uso. Suponha o leitor que trabalha num laboratório químico e

que de algum modo conseguiu produzir um novo composto. Ocorre‑lhe que

um trago deste composto químico poderá ter resultados bastante benécos.Por outro lado, visto que não se conhecem bem as suas propriedades, também

lhe ocorre que o composto pode ser consideravelmente prejudicial. Sendo ao

mesmo tempo cauteloso e curioso, o leitor procura um modo de descobrir se o

24. David Hume, Dialogues Concerning Natural Religion , , org. H.D. Aiken (Novaorque: Haner Publishing Company, 1948), p. 17. [Diálogos sobre a Religião Natural ,trad. Álvaro Nunes, Lisboa: Edições 70, 2005.]

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O argumento do desígnio (o antigo e o novo)

químico o irá beneciar ou prejudicar, sem chegar realmente a bebê‑lo. Ocorre‑‑lhe que podia colocar sub‑repticiamente um pouco do químico na comida dos

seus convidados para o jantar nessa noite e simplesmente esperar para ver o que

acontece. Se todos morrerem no espaço de uma hora após a ingestão do químico,

então terá indícios excepcionalmente ortes de que este lhe ará mal. Por razões

óbvias, contudo, sente que é incorrecto experimentar noutros seres humanos

um químico desconhecido, particularmente nos seus convidados para jantar. Ao

invés, coloca alguns macacos ou ratos em contacto com o químico e conclui, a

partir do eeito que tem sobre eles, o eeito provável que terá em si.Refectir neste exemplo ajudar‑nos‑á a compreender o que o raciocínio

analógico é e porque às vezes temos de o usar ao tentar descobrir algo acerca

de nós próprios e do mundo. Se tivesse dado o químico a um grupo de seres

humanos — os seus convidados para jantar, digamos — então a partir do eeito

do químico neles poderia inerir o eeito que teria em si. Tal raciocínio não seria

analógico visto que os seus convidados são exactamente como o leitor; perten‑

cem à mesma categoria natural a que o leitor pertence: a categoria dos seres

humanos. Acontece que não podia envolver‑se num raciocínio tão directo por‑que a categoria natural imediata — a categoria dos seres humanos — a que o

leitor pertence não podia ser objecto de estudo no que diz respeito a esse com‑

posto. O leitor az então o melhor que pode: escolhe uma categoria natural, a

categoria dos macacos, à qual o leitor não pertence, mas a cujos membros se

assemelha em alguns aspectos. O leitor é semelhante aos macacos pelo acto

de ter um sistema nervoso, sangue quente, e noutros aspectos. Além disso, os

modos pelos quais se assemelha aos macacos são relevantes para descobrir o

eeito provável do químico no leitor. As criaturas que têm um sistema nervosocentral, sangue quente, e são similares noutros aspectos, tendem a ter respostas

similares a substâncias químicas. De modo que embora o raciocínio analógico

que o leitor acaba por usar seja algo mais raco do que o raciocínio directo que

teria usado se pudesse experimentar o químico em seres humanos, é, não obs‑

tante, um bom raciocínio, e dá‑lhe indícios relevantes sobre o eeito provável

que o químico terá em si.

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Capítulo 5Experiência mística e religiosa

Antes de Robinson Crusoe ter eectivamente visto o homem Sexta‑eira, a

sua justicação para acreditar que havia alguém que não ele próprio na ilha

consistia em vestígios deixados por Sexta‑eira, tais como pegadas. O crente

que baseia a sua crença em Deus apenas em argumentos a avor da existência

de Deus, como os argumentos cosmológico e do desígnio, encontra‑se numa

situação algo semelhante à de Crusoe antes de ter realmente visto Sexta‑

‑eira. A crença em Deus assenta numa convicção de que o mundo e o modocomo as coisas nele se inter‑relacionam são vestígios da actividade de Deus,

testemunhando a existência de um género de ser supremo. Depois de ter

realmente visto Sexta‑eira, porém, as razões que Crusoe tinha para acreditar

que não estava sozinho na ilha não se limitavam aos vestígios deixados por

Sexta‑eira; nestas se incluía o contacto directo, em pessoa, com o próprio

Sexta‑eira. Analogamente, as pessoas que têm experiências místicas e reli‑

giosas encaram amiúde a experiência mística e religiosa como uma cons‑

ciência pessoal directa do próprio Deus e, consequentemente, como uma justicação excepcionalmente orte para a crença em Deus. Neste capítulo

consideraremos a experiência mística e religiosa com o objectivo de avaliar

até que ponto podem justicar racionalmente a crença.

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ntrodução à Filosoa da Religião

110

m fçO x gO

A nossa primeira tarea é tentar compreender o que é a experiência religiosa.

Como caracterizaremos a experiência religiosa? Esta questão é excepcio‑

nalmente diícil e qualquer caracterização a que cheguemos será provavel‑

mente inadequada, talvez mesmo um pouco arbitrária. Mas precisamos de ter

alguma ideia, por muito vaga e inadequada que seja, daquilo que esperamos

examinar. Comecemos por considerar um exemplo claro de experiência reli‑

giosa — a experiência de Saulo na estrada para Damasco. Depois, podemosver o modo como alguns dos mais capazes estudiosos da experiência religiosa

tentaram caracterizá‑la.

Em viagem aproximava‑se de Damasco e subitamente um clarão vindo do céu

ulgurou perto dele. E caiu ao chão e ouviu uma voz que lhe dizia: «Saulo, Saulo,

porque me persegues?» E retorquiu: «Quem és, Senhor?», e a voz respondeu:

«Sou Jesus, a quem persegues; mas levanta‑te e entra na cidade, e dir‑te‑ão

o que tens de azer.» Os homens que viajavam com ele caram sem palavras,ouvindo a voz mas não vendo quem quer que osse. Saulo levantou‑se do chão

e, quando os seus olhos se abriram, não conseguia ver; então levaram ‑no pela

mão e trouxeram‑no para Damasco. E durante três dias continuou sem ver e

não comeu nem bebeu.

Nesta experiência, que se revelou o ponto de viragem na vida de Saulo,

transormando‑o de Saulo, o perseguidor, em Paulo, o apóstolo, há da parte

de Saulo a consciência de uma gura divina — «Quem és, Senhor?» — acom‑panhada de uma boa dose de temor e tremor e uma consciência da sua pró‑

pria insignicância. Não é muito claro o que Saulo eectivamente viu com os

próprios olhos, talvez apenas uma luz ouscante que o cegou temporaria‑

mente. Ouviu de acto uma voz e compreendeu o que esta lhe dizia.

38. Actos dos Apóstolos 9:3‑9 (Edição Canónica Revista).

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Experiência mística e religiosa

Embora a experiência de Saulo seja claramente religiosa, não nos diz o queé uma experiência religiosa, nem nos dá uma caracterização pela qual possa‑

mos distinguir a experiência religiosa da não religiosa. Não é preciso ver uma

luz ouscante nem ouvir uma voz para ter uma experiência religiosa. Além

disso, ver uma luz ouscante e ouvir uma voz apenas não basta para azer uma

experiência religiosa. Como caracterizaremos então a experiência religiosa?

ependência, alteridade e união

No seu importante livro A Ideia do Sagrado, o teólogo alemão Rudol Otto

(–) procurou chegar ao elemento essencial da experiência religiosa

examinando criticamente a caracterização da experiência religiosa dada pelo

teólogo oitocentista, Friedrich Schleiermacher. Segundo Schleiermacher, o

que distingue a experiência religiosa é que nela é‑se dominado pelo senti‑

mento de dependência absoluta . É óbvio que muitas vezes temos consciência

de nós próprios como seres dependentes — dos nossos amigos, ou do capri‑

cho dos proessores que avaliam ensaios. Tais sentimentos de dependêncianão são distintamente religiosos e Schleiermacher não pensou que ossem.

São apenas exemplos do sentimento de dependência relativa . Na experiência

religiosa, contudo, o elemento central é o sentimento de dependência abso‑

luta , a consciência do eu como absolutamente dependente.

Otto sugere o nome de «sentimento de criatura» para esse elemento

da experiência religiosa que Schleiermacher procurou descrever como a

consciência do eu como absolutamente dependente. A sua objecção unda‑

mental não é que Schleiermacher oi incapaz de discriminar um elementoimportante da experiência religiosa, visto que Otto admite prontamente

que o sentido do eu como criatura é um elemento da experiência religiosa.

A sua objecção é que o sentimento de criatura não é o elemento mais unda‑

mental da experiência religiosa, e ao azer dele o elemento undamental Sch‑

leiermacher incorreu em dois erros. O primeiro destes erros é o subjectivismo,

azendo da consciência, não de outro mas do eu como absolutamente depen‑

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Capítulo 6Fé e razão

A questão central que tem ocupado a nossa atenção desde o primeiro capí‑

tulo é a de haver ou não undamentos racionais que sustentem as armações

undamentais das religiões teístas. Até agora a nossa preocupação oi o estudo

das razões que requentemente se dá a avor da armação de que o deus teísta

existe. Na sua ormulação mais geral, a questão central que temos vindo a

tratar é a seguinte: será que a razão estabelece a verdade do teísmo (ou a sua

probabilidade)? Para tal, observámos com algum cuidado os indícios a avordo teísmo veiculados pela experiência religiosa e os argumentos tradicionais

a avor da existência de Deus. Assim, para caracterizar a abordagem que

adoptámos, podemos armar ter avançado com base em dois pressupostos:

em primeiro lugar, pressupusemos que se devem ajuizar as crenças religio‑

sas, do mesmo modo que as crenças cientícas e históricas, no tribunal da

razão; em segundo lugar, pressupusemos que as crenças religiosas só serão

aprovadas no tribunal da razão quando orem adequadamente sustentadas

por indícios avoráveis. Chegou o momento de deitar um olhar crítico aosdois pressupostos.

Contra o nosso primeiro pressuposto, arma‑se requentemente que só

se podem aceitar crenças religiosas com base na fé e não na razão. No mínimo,

portanto, temos de considerar o que é a é e se é racional ou irracional aceitar

crenças religiosas com base nela. Contra o segundo pressuposto, observa‑se

que nem toda a crença aprovada no tribunal da razão o pode ser em virtude

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ntrodução à Filosoa da Religião

140

de se apoiar noutra crença , que seja um indício a seu avor. Arma‑se quealgumas das nossas crenças são racionais (são aprovadas no tribunal da razão)

ainda que não as adoptemos com base em quaisquer outras crenças que pos‑

sam ser indícios a seu avor. Se isto or verdade (e penso que é), temos de

considerar a questão de as crenças religiosas poderem ou não integrar esta

categoria e serem portanto aprovadas no tribunal da razão, mesmo na ausên‑

cia de indícios avoráveis, dados por outras crenças que adoptamos.

ç gO fé

Alguns pensadores religiosos argumentaram que a própria natureza da religião

exige que as suas crenças assentem na é, e não na razão. Pois, segundo o argu‑

mento, a crença religiosa exige a aceitação incondicional por parte do crente,

aceitação que além disso resulta de uma decisão livre de tornar‑se crente.

Mas se a crença religiosa tivesse base racional, a razão estabeleceria indis‑

cutivelmente a sua verdade ou apenas a tornaria provável. No primeiro caso,

em que a razão prova a crença, o intelecto inormado impõe‑na, sem deixarespaço para uma decisão livre. E no segundo caso, em que a razão apenas

mostra que a crença é provável, se a crença religiosa assentasse inteiramente

na razão, a aceitação incondicional da crença religiosa seria injusticada e

absurda. Talvez então a crença religiosa assente de acto na é e não na razão.

Mas o que é a é? E como se relaciona com a razão? Será que entra em

confito com a razão ou a complementa? Ao tentar responder a estas questões,

centraremos a nossa atenção em duas perspectivas acerca da é e da razão:

a primeira é tradicional, desenvolvida por S. Tomás de Aquino; a segunda,mais radical, oi ormulada por William James.

Tanto Tomás como James encaram os objectos da é como armações,

sobretudo acerca do divino. A é é portanto a aceitação de determinadas

armações a respeito de Deus e das suas actividades. Por vezes, contudo, não

pensamos na é como uma aceitação da verdade de certas armações, mas

como conança em certas pessoas e instituições. Assim, dizemos coisas como

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Fé e razão

«tem é nos teus amigos» ou «vamos restabelecer a é no governo». Mascomo conar numa pessoa ou numa instituição envolve em geral acreditar

em determinadas armações acerca delas, ou aceitá‑las, a é em alguém ou

em algo pressupõe a crença de que algumas armações acerca dos mesmos

são verdadeiras. Quando tais crenças não assentam na razão, a fé em alguém

ou algo pode pressupor a fé de que determinadas armações são verdadeiras.

Omá: m v O

Tomás diz‑nos que a é está entre o conhecimento e a opinião — que por

um lado é como o conhecimento e diere da opinião, e por outro é como a

opinião e diere do conhecimento. Quando tomamos conhecimento de que

algo é de certo modo, a razão tem indícios conclusivos de que é desse modo;

algo nos compele a dar a nossa adesão intelectual à proposição conhecida, 

que portanto não é um acto livre da nossa parte. Além disso, a nossa adesão

à proposição que conhecemos é rme e segura. Segundo Tomás, esta adesão

intelectual é um aspecto comum à é e ao conhecimento. Mas para que o actode é seja livre, o intelecto não pode ser compelido por indícios conclusivos

que resultam em conhecimento. Ao contrário do conhecimento, portanto,

a é não dispõe de indícios conclusivos a avor da proposição que é objecto

de crença. No acto de é, a adesão produz‑se no intelecto por livre vontade.

A opinião diere do conhecimento por não dispor de indícios conclusi‑

vos a avor da proposição que se aceita e pela sua incerteza, temendo‑se que

a opinião alternativa seja verdadeira. A é, como a opinião, não dispõe de

indícios conclusivos, mas, como o conhecimento, a sua adesão intelectual àproposição em causa é rme e sem hesitações.

Tomás divide as verdades acerca do divino em verdades que se podem

demonstrar pela razão humana e verdades que não se podem conhecer pelo

poder da razão humana. Nas verdades do primeiro género incluem‑se ar‑

mações como «deus existe» e «deus criou o mundo». Mas há muitas ver‑

dades acerca do divino que, arma Tomás, «excedem a capacidade da razão

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Capitulo 7O problema do mal

Temos procurado amiliarizar‑nos até agora com a principal ideia de Deus

que emergiu na civilização ocidental — a ideia teísta de um ser pereitamente

bom, criador do mundo mas separado e independente do mesmo, omnipo‑

tente, omnisciente, eterno e auto‑existente (Capítulo ) — e examinámos

algumas das principais tentativas de justicar a crença na existência do

Deus teísta (capítulos a ). Nos capítulos a ponderámos os três prin‑

cipais argumentos a avor da existência de Deus (cosmológico, ontológicoe do desígnio), argumentos que apelam a actos supostamente acessíveis a

qualquer pessoa racional, religiosa ou não. E no Capítulo examinámos a

experiência religiosa e mística como uma onte da crença em Deus e como

 justicação para a mesma. No Capítulo considerámos o papel da é na or‑

mação e na sustentação das crenças religiosas, refectindo no papel legítimo

que as razões pragmáticas desempenham, por contraste com as razões con‑

ducentes à verdade, na justicação da crença religiosa. Também considerá‑

mos a importante questão de a crença em Deus poder ter ou não justicaçãoracional como crença apropriadamente básica, sem que tenha justicação

em termos de indícios derivados de outras crenças. Chegou agora a altura

de nos voltarmos para algumas das diculdades que a crença teísta enrenta

— algumas das ontes que se pensa justicarem o ateísmo, a crença de que o

Deus teísta não existe. A mais ormidável destas diculdades é o problema

do mal.

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ntrodução à Filosoa da Religião

170

Há séculos que se sente que a existência de mal no mundo é um problemapara o teísmo. Parece diícil acreditar que um mundo que contenha uma

abundância de mal tão vasta como o nosso possa ser a criação e o objecto de

controlo soberano por parte de um ser pereitamente bom, omnipotente e

omnisciente. Há séculos que o intelecto humano se conronta com este pro‑

blema e todos os principais teólogos procuraram solucioná‑lo.

Temos de ter o cuidado de distinguir entre duas versões importantes do

problema do mal. Chamar‑lhes‑ei «versão lógica do problema do mal» e «ver‑

são indiciária do problema do mal». Embora a dierença importante entre estasduas versões do problema do mal só se torne completamente clara à medida

que ambas orem discutidas em detalhe, será útil ter diante de nós uma breve

ormulação de ambas as versões do problema, no início da nossa investigação.

A versão lógica do problema do mal é a perspectiva de que a existência de mal

no nosso mundo é logicamente inconsistente com a existência do Deus teísta.

A versão indiciária do problema do mal é a perspectiva de que a diversidade e

a abundância de mal no nosso mundo, embora talvez não sejam logicamente

inconsistentes com a existência do Deus teísta, dão, ainda assim, uma sus‑tentação racional ao ateísmo, a crença de que o Deus teísta não existe. Temos

agora de examinar cada uma destas versões do problema com algum detalhe.

O Om ógO

A versão lógica do problema implica a inconsistência interna do teísmo, por‑

quanto o teísta aceita duas armações que são logicamente inconsistentes

entre si. As duas armações em causa são:

. Deus existe e é omnipotente, omnisciente e pereitamente bom.

. O mal existe.

Estas duas armações, insiste o deensor da versão lógica do problema, são

logicamente inconsistentes entre si, do mesmo modo que

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171

O problema do mal

. Este objecto é vermelho.é inconsistente com

. Este objecto não é colorido.

Suponhamos, por enquanto, que o deensor da versão lógica do problema do

mal conseguia provar ‑nos que as armações e são logicamente inconsis‑

tentes entre si. Seríamos então orçados a rejeitar ou ou , visto que, se duas

armações são logicamente inconsistentes entre si, é impossível que ambas

sejam verdadeiras. Necessariamente, se uma delas é verdadeira, a outra é alsa. Além disso, como dicilmente poderíamos negar a realidade do mal no

nosso mundo, parece que teríamos de rejeitar a crença no deus teísta; sería‑

mos levados à conclusão de que o ateísmo é verdadeiro. Na verdade, mesmo

sendo tentados a rejeitar , restando‑nos a opção de acreditar em , esta não

é uma tentação a que os teístas na sua maioria possam ceder acilmente. Pois

que na sua maioria os teístas aderem a tradições religiosas que dão ênase à

realidade do mal no nosso mundo. Na tradição judaico‑cristã, por exemplo,

o homicídio é considerado uma acção má e pecaminosa, e dicilmente sepoderá negar a ocorrência de homicídios no nosso mundo. Então, como os

teístas em geral aceitam a realidade do mal no nosso mundo e a destacam,

seria algo desastroso para o teísmo se estabelecêssemos aquela que é a ar‑

mação central da versão lógica do problema do mal: que é logicamente

inconsistente com .

stabelecendo a inconsistência

Como podemos estabelecer que duas armações são inconsistentes entre si?

Por vezes não é preciso estabelecer seja o que or, porque as duas armações

contradizem ‑se explicitamente, como, por exemplo, as armações: «Eli‑

sabete tem mais de um metro e meio» e «Elisabete não tem mais do que

um metro e meio». É requente, contudo, duas armações inconsistentes

entre si não serem explicitamente contraditórias. Nesses casos podemos

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199

Capítulo 8Milagres e a mundividência moderna

Em geral, as religiões teístas sublinham a ocorrência de milagres. O cristia‑

nismo, por exemplo, unda‑se na armação de que Jesus oi milagrosamente

ressuscitado dos mortos. Os milagres no cristianismo estão também associa‑

dos aos corpos e relíquias dos santos e aos santuários. Anualmente, milhões

de pessoas rumam a Lourdes, uma pequena cidade em França, onde se atri‑

buíram curas milagrosas às águas de um santuário erguido no lugar onde se

acredita que a virgem Maria apareceu repetidamente a S. Bernardette, em. Neste capítulo procuramos saber se é ou não ainda possível acreditar

em milagres, e, caso seja possível, se é ou não razoável acreditar que ocorreu

um milagre.

mg: Omv Om m mv f?

O expoente máximo da perspectiva de que já não é possível acreditar em

milagres é o historiador bíblico e teólogo alemão, Rudol Bultmann (–). Bultmann argumenta que os milagres pertencem a uma imagem

pré‑cientíca do mundo, em que o mundo natural é invadido por seres

sobrenaturais que causam acontecimentos extraordinários: pessoas res‑

suscitadas dos mortos ou a transormação da água em vinho. A ciência e a

tecnologia, contudo, deram origem à mundividência moderna, uma pers‑

pectiva da natureza como domínio echado, autónomo, em que se explica um

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acontecimento natural através de outro acontecimento natural. Bultmannpensa que esta mundividência moldou de tal maneira as pessoas de hoje que

 já não podem acreditar em histórias de acontecimentos milagrosos, como

os que estão registados na Bíblia. S. Agostinho acreditava que a doença, pelo

menos num cristão, era causada por demónios. Mas as pessoas modernas

dicilmente podem manter tal crença. Atribui‑se agora as doenças e res‑

pectivas curas a causas naturais, como germes e medicamentos. Como Bult‑

mann observa: «É impossível usar a luz eléctrica e a rádio, tirar partido das

modernas descobertas médicas e cirúrgicas e ao mesmo tempo acreditar nomundo de espíritos e milagres do Novo Testamento».

A armação de Bultmann é sem dúvida demasiado orte. As pessoas hoje

ainda acreditam em milagres, pelo que é evidentemente possível azê‑lo.

E à medida que algumas consequências inelizes da tecnologia produzida pela

ciência moderna se azem sentir, parece haver, quando muito, uma reac‑

ção contra a mundividência cientíca e uma vontade crescente de adoptar

maneiras de pensar pré‑cientícas. Em resposta, Bultmann argumenta que,

embora haja excepções a esta tese, são relativamente inimportantes.

Pode‑se evidentemente argumentar que há pessoas hoje em dia cuja conança na

mundividência cientíca tradicional oi abalada, e outras primitivas ao ponto de

se adequarem a um pensamento mítico. E há também uma grande diversidade de

superstições. Mas quando a crença em espíritos e milagres degenera em supers‑

tição, torna‑se algo inteiramente dierente daquilo que era enquanto é genuína.

As diversas impressões e especulações que infuenciam as pessoas crédulas aqui

e ali são pouco importantes e nem importa a que ponto as palavras de ordem

baratas espalharam uma atmosera hostil à ciência. O que importa é a mundivi‑

dência que os homens absorvem no seu ambiente, e é a ciência que determina

93. Rudol Bultmann, kerygma and Myth (Nova orque: Harper & Row Publishers, 1961),p. 5. Sublinhados meus.

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Milagres e a mundividência moderna

essa mundividência através da escola, da imprensa, da rádio, do cinema e detodos os rutos do progresso técnico.

Segundo Bultmann, o que importa não é ainda haver pessoas que

acreditam em milagres — pessoas que ou vivem em áreas primitivas, rela‑

tivamente intocadas pela ciência e pela tecnologia, ou vivem no mundo

civilizado mas conseguem de alguma maneira rejeitar a ciência moderna

ou mantêm uma existência esquizorénica, aceitando ao mesmo tempo a

ciência moderna e uma crença supersticiosa no milagroso. O que importa éque a mundividência moderna deixa pouco ou nenhum espaço para espíritos

e milagres. As pessoas de hoje, condicionadas pela ciência e pela tecnologia a

adoptar a mundividência cientíca, sentem‑se naturalmente inclinadas a só

aceitar uma explicação para acontecimentos na natureza se esta or dada em

termos de outros acontecimentos na natureza. Quando a televisão se avaria

ou o automóvel empanca, as pessoas que vivem numa sociedade moderna

não podem levar a sério a ideia de que a causa oi um demónio. Explicam‑

‑se tais coisas por uma alha mecânica ou eléctrica. Consequentemente, hámenos espaço no mundo natural para Deus — menos espaço, portanto, para

a ocorrência de milagres.

Penso que temos de conceder a Bultmann que é mais diícil acreditar

em milagres hoje do que antigamente. Aceitar a ciência moderna é esperar

que em geral os acontecimentos naturais tenham causas naturais. Conse‑

quentemente, atribuir‑se‑ão menos acontecimentos à intervenção de or‑

ças sobrenaturais no mundo natural. Até aqui parece inegável. Bultmann,

contudo, arma muito mais. Argumenta que aceitar a ciência moderna éde alguma maneira comprometer‑se com a rejeição de qualquer explicação

de acontecimentos no mundo natural pela actividade de seres ou poderes

sobrenaturais (anjos, deuses, demónios ou outros). Mas esta armação mais

orte parece ter pouca ou nenhuma justicação e os actos acerca daquilo

94. Ibid ., p. 5.

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Capítulo 9Vida depois da morte

v mO

Desde a antiguidade que as pessoas pensam e se intrigam com a possibilidade

da vida depois da morte. Das diversas religiões e civilizações principais sur‑

giram várias concepções distintas da vida depois da morte. Antes de poder

pensar claramente acerca da questão da vida depois da morte, portanto,

temos de distinguir algumas das dierentes maneiras em que se imaginouessa vida depois da morte, pois é um erro pensar que todos os que acreditam

na imortalidade humana acreditam precisamente na mesma coisa.

Na civilização da antiga Grécia, surgem duas ideias distintas acerca da

vida depois da morte, a que por acilidade de reerência chamarei as concep‑

ções homérica e platónica da imortalidade. Na antiga religião grega, com a

sua crença nos muitos deuses do Olimpo — Zeus, Hera, Poseidon, Hades, e

outros —, era convicção geral de que tanto os seres humanos como os deu‑

ses tinham começado a existir, mas que os deuses, ao contrário das pessoas,nunca morriam; só eles eram imortais. Nenhum ser humano, propriamente

alando, podia ser imortal; pois para isso teria de ser um deus e não um ser

humano. Mas, apesar da convicção de que só os deuses eram imortais, os

antigos gregos acreditavam numa orma de vida humana depois da morte.

Acreditavam que algo semelhante à pessoa viva sobrevive à morte corpórea

— que, para citar Homero, «há ainda algo na casa de Hades, uma alma ou

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um antasma mas sem qualquer vida real».

O que sobrevive é apenas umasombra da pessoa que em tempos viveu na Terra. Na morte, o espírito de um

ser humano assume uma orma de existência persistente no Hades, a terra

dos mortos. Comparada com a vida antes da morte, contudo, a vida depois da

morte é vista como uma orma mais pobre de existência. Assim diz Homero

pela boca do poderoso Aquiles: «Não venhas com uma conversa doce sobre

a morte, Ulisses, luz das assembleias. Digo que é melhor lavrar a terra como

trabalhador assalariado para algum camponês pobre, vivendo de alimentos

racionados, do que governar sobre todos os esgotados mortos». A crençahomérica na imortalidade, portanto, é uma crença num género de sobrevi‑

vência à morte corpórea. Mas o que sobrevive aparentemente não é senão

uma sombra da mente e da alma que habitam o corpo terreno.

A concepção platónica da imortalidade envolve o abandono da ideia

homérica de que só os deuses são imortais. Também os seres humanos, do

ponto de vista de Platão, são verdadeiramente imortais. Os seus corpos,

como é óbvio, perecem com a morte. Mas não há propriamente uma iden‑

ticação entre a pessoa e o seu corpo; a pessoa é a alma humana, e a alma éaquele algo espiritual em nós que raciocina, imagina e recorda. Enquanto

dura a sua vida terrena, a alma está ligada a um corpo particular, ou aprisio‑

nada nele. Mas com a morte ísica a alma escapa ao cárcere do corpo e alcança

o seu verdadeiro estado de vida interminável. No seu diálogo, Fédon , Platão

desenvolve dramaticamente estas ideias. Sócrates, que oi condenado a beber

o veneno da cicuta, encontra‑se pela última vez com os seus seguidores e

argumenta a avor da perspectiva de que ele não é o seu corpo mas que na

verdade é uma alma espiritual no seu corpo, que a alma é indestrutível e,portanto, imortal, e que a vida da alma depois da morte corpórea é superior

106. Homero, Iliad , livro 23, trad. W.H.D. Rouse (Nova orque: e New American Library,1950), p. 267. [Ilíada, trad. Frederico Lourenço, Lisboa: Livros Cotovia, 2005.]

107. Homero, Odyssey, livro 11, trad. Robert Fitzgerald (Garden City, NY: Doubleday &Company, nc., 1963), p. 201. [Odisseia, trad. Frederico Lourenço, Lisboa: LivrosCotovia, 2003.]

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Vida depois da morte

à sua vida no corpo. No nal do argumento, o amigo de Sócrates, Críton,pergunta: «Mas como te vamos enterrar?»

«Do modo que bem entenderem», replicou Sócrates, «isto é, se me conseguirem

apanhar e não vos escapar por entre os dedos». Ria delicadamente ao alar, e

voltando‑se para nós prosseguiu: «Não consigo persuadir Críton de que sou este

Sócrates aqui que ala convosco a organizar todos os argumentos; ele pensa que

sou aquele a quem verá em breve jazer morto; e pergunta como me deverá enter‑

rar! Quanto à minha longa e elaborada explicação de que quando tiver bebido oveneno não estarei mais entre vós, mas terei partido para um estado de elici‑

dade divina, esta tentativa de vos consolar a vocês e a mim próprio parece não

encontrar eco nele.»

As concepções homérica e platónica da imortalidade dierem em pelo

menos três aspectos. Em primeiro lugar, ao contrário da pessoa homérica,

a pessoa platónica é verdadeiramente imortal. Em segundo lugar, Platão

identica a pessoa real com a alma que ocupa um corpo ísico, humano.Na concepção homérica não há tal separação clara entre a pessoa e o corpo.

E nalmente, em Platão, ao contrário de em Homero, a vida depois da morte

não é encarada como uma orma inerior de existência, mas como eectiva‑

mente superior à vida na Terra.

O elemento comum nas duas concepções gregas da imortalidade que

considerámos é a crença na imortalidade individual . Há, contudo, ormas

não individuais da crença na imortalidade. As religiões que surgem na Índia

(hinduísmo, budismo, jainismo) consideram em geral que a imortalidadeindividual é indesejável. No hinduísmo, tal como se exprime nos seus textos

sagrados, os Upanixades, desenvolveu‑se uma doutrina da transmigração

das almas — a passagem de uma alma para outro corpo, aquando da morte

108. Platão, Phaedo, 115 C, D, em Plato: Te ast Days of Socrates, trad. Hugh Tredennick(Baltimore, MD: Penguin Books, 1954), p. 179. [Fédon, trad. Maria Teresa Schiappa deAzevedo, Coimbra: Minerva, 1998.]

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Capítulo 10Predestinação, presciência divinae liberdade humana

Hm çO v

Enquanto jovem de dezassete anos convertido a um ramo bastante ortodoxo

do protestantismo, o primeiro problema teológico que me preocupou oi a

questão da predestinação e da liberdade humanas. Li algures a seguinte rase

retirada do Credo de Westminster: «Deus, desde toda a eternidade […] orde‑nou livre e imutavelmente tudo o que acontece». Esta ideia atraía‑me em

muitos sentidos. Parecia exprimir a majestade e o poder de Deus sobre tudo

aquilo que criara. Também me levou a adoptar uma perspectiva optimista

sobre os acontecimentos da minha vida que me pareciam maus ou inelizes,

assim como das vidas alheias. Pois via‑os como se Deus os tivesse planeado

antes da criação do mundo — pelo que teriam de servir um objectivo benéco

que eu desconhecia. Pensava que também a ocorrência da minha própria

conversão teria de estar predestinada, tal como a incapacidade de outrospara se converterem teria de estar igualmente predestinada. Mas nesta ase

das minhas refexões, esbarrei numa diculdade, que me ez pensar mais

arduamente do que antes em toda a minha vida. Pois também acreditava ter

escolhido Deus pelo meu livre‑arbítrio, e que cada um de nós é responsável

por escolher ou rejeitar o caminho de Deus. Mas como poderia eu ser respon‑

sável por uma escolha que Deus predestinara, desde a eternidade, que eu aria

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naquele momento particular da minha vida? Como pode dar‑se o caso deaqueles que rejeitam o caminho de Deus o azerem por livre‑arbítrio, se Deus,

desde a eternidade, os destinou a rejeitar este caminho? O próprio credo de

Westminster parece reconhecer esta diculdade. Pois na linha seguinte lê‑se:

«No entanto […] por este meio nenhuma violência se exerce sobre a vontade

das criaturas».

Durante algum tempo aceitei simultaneamente a predestinação divina

e a liberdade e a responsabilidade humanas. Ainda que não conseguisse ver

como ambas podiam ser verdadeiras, sentia que ambas podiam ser verdadei‑ras, pelo que as aceitei com base na é. Mas quanto mais pensava no assunto

mais me parecia que isso não podia ser. sto é, cheguei à perspectiva, correcta

ou incorrectamente, de que não só era incapaz de ver como ambas podiam

ser verdadeiras como conseguia ver que não podiam ambas ser verdadeiras.

Abandonei lentamente a crença de que Deus decretara desde a eternidade

tudo o que acontece. Ao invés, adoptei a perspectiva de que Deus sabe desde a

eternidade tudo o que vem a acontecer, incluindo as nossas escolhas e acções

livres, mas que essas escolhas e acções não estavam predestinadas.O que eu não sabia então era que os tópicos da predestinação, da presciên‑

cia divina e da liberdade humana tinham sido o centro da refexão losóca

e teológica durante séculos. Neste capítulo, iremos contactar com as diversas

perspectivas que resultaram destes séculos de esorço intelectual, alargando

assim a nossa compreensão do conceito teísta de Deus e de um dos problemas

que lhe está associado.

scolha ou arbítrio lires

Talvez seja melhor começar pela ideia de liberdade humana. Porquanto, como

veremos, esta ideia oi compreendida de duas maneiras muito dierentes,

e a maneira que adoptarmos az muita dierença para o tópico em causa.

Segundo a primeira ideia, agir livremente consiste em fazer o que se quer ou 

escolhe fazer . Se o leitor quer sair do quarto mas o impedem, pela orça, de

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Predestinação, presciência divina e liberdade humana

o azer, certamente concordamos que car no quarto não é algo que o leitoraça livremente. Não ca no quarto de livre vontade porque isso não é o que

escolheu ou quis azer; trata‑se de algo que acontece contra a sua vontade.

Suponha‑se que aceitamos esta primeira ideia de liberdade humana,

segundo a qual agir livremente consiste em azer o que se quer ou escolhe azer.

O problema da predestinação divina e da liberdade humana acaba então por

não ser um grande problema sequer. Porque não? Bem, para tomar o exemplo

da minha conversão juvenil: esta oi livre se oi algo que quis azer, que escolhi

azer e que não z contra a minha vontade. Suponhamos, como creio que sejaverdade, que a minha conversão oi algo que escolhi e que quis azer. Haverá

alguma diculdade em acreditar também que desde a eternidade Deus decretou

que naquele momento particular da minha vida eu me converteria? Não parece.

Porquanto Deus podia simplesmente ter predestinado também que naquele

momento particular da minha vida eu quereria escolher Cristo, quereria seguir

o caminho de Deus. Sendo assim, portanto, segundo a nossa primeira ideia de

liberdade humana, o meu acto de conversão oi um acto livre da minha parte e

oi simultaneamente predestinado por Deus desde a eternidade. Na nossa pri‑meira ideia de liberdade humana, portanto, não parece haver qualquer confito

real entre a doutrina da predestinação divina e a liberdade humana.

Será correcta a primeira ideia de liberdade humana? Uma razão para

pensar que não oi dada pelo lósoo inglês John Locke (–). Locke

pede que suponhamos que se leva um homem enquanto dorme para um

quarto. A porta, que é a única saída do quarto, é então rmemente trancada

a partir do exterior. O homem não sabe que a porta está trancada, não sabe,

portanto, que não pode abandonar o quarto. Acorda, dá consigo no quarto,olha em volta, e repara que há pessoas amigáveis, com quem gostaria de

conversar. Assim, decide car no quarto em vez de sair.

122. John Locke, An Essay Concerning Human Understanding , livro , Cap. , par. 10,org. Peter H. Nidditch (Londres: Oxord University Press, 1975), p. 238. [Ensaio Sobreo Entendimento Humano, trad. Eduardo Abranches de Soveral, Lisboa, FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1999.]

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Capítulo 11Muitas religiões

Nos capítulos anteriores mencionaram‑se muitas das principais religiões do

mundo: judaísmo, cristianismo, islamismo, hinduísmo, budismo. A esta lista

deve‑se adicionar o taoísmo, o conucionismo, o xintoísmo e talvez outras. Até

agora, contudo, não salientámos qualquer religião particular, nem procurá‑

mos discuti‑las todas. Ao invés, considerámos a característica básica comum

às principais religiões do Ocidente: judaísmo, cristianismo e islamismo. Esta

característica básica é a concepção teísta de deus como ser sumamente pereitoe pessoal, que criou o mundo segundo o seu desígnio divino. Ao estudar esta

ideia de Deus e ao considerar as razões a avor e contra a crença de que tal ser

existe, ignorámos as muitas dierenças que separam o judaísmo, o cristianismo

e o islamismo. Na verdade, ignorámos mesmo algumas dierenças respeitantes

ao deus teísta — por exemplo, segundo o cristianismo, mas não segundo o

 judaísmo ou o islamismo, deus é uma trindade e tornou‑se humano de uma

maneira absolutamente única, na pessoa de Jesus de Nazaré (a encarnação).

gnorámos também em grande medida aquelas tradições religiosas — hinduís‑mo e budismo, por exemplo — que se aastam signicativamente da concep‑

ção teísta da realidade última. Agora é tempo de considerar algumas dieren‑

ças importantes entre estas tradições religiosas e levantar a questão de todas

estas religiões dierentes poderem ou não ser verdadeiras. E se, como parece

provável à partida, não puderem ser todas verdadeiras, temos de considerar

como pode ou deve a pessoa que adere a uma destas religiões encarar as outras.

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ntrodução à Filosoa da Religião

264

Embora tenhamos situado o conceito teísta de deus nas principais religiõesdo Ocidente (judaísmo, cristianismo e islamismo), seria um erro pensar que só

nestas religiões se encontra o teísmo. Os que veneram o grande deus Vixnu , no

hinduísmo, por exemplo, pertencem também à tradição teísta. No hinduísmo,

a tradição teísta encontra‑se mais plenamente desenvolvida no Bhagavad‑

‑Gita , os textos religiosos mais populares e com maior divulgação na Índia.

O Bhagavad ‑Gita (Canção do Senhor) é um poema extenso que regista o diálogo

entre Crixna (a encarnação de Vixnu) e um homem, Arjuna , imediatamente

antes de uma grande batalha. Nesta obra, o caminho da devoção é apresentadocomo o melhor meio de obter a salvação e a vida eterna. Assim, arma Crixna:

Depressa acorro

A todos os que me oerecem

Cada acção,

Só a mim venerem,

A sua maior alegria

Com imperturbável devoçãoPorque me amam

Estes são os meus escravos

E salvá‑los‑ei

Da dor mortal

E todas as ondas

Do oceano mortal da vida

Sede absortos em mim,

Em mim abrigai as vossas mentes:

Assim habitarão em mim,

Não o duvideis

Agora e doravante

128. Swami Prabhavananda e Christopher sherwood, trad., Te Song of God: Bhagavad‑‑Gita (Nova orque: Mentor Books, 1954), p. 98. [Poema do Senhor , Bhagavad ‑Guitá,trad. António Barahona, Lisboa, Relógio d’Água, 1996.]

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Muitas religiões

Evidentemente, estes versos exprimem uma perspectiva teísta em quese arma que o melhor caminho para a salvação pessoal é a devoção total a

um ser divino com atributos pessoais.

Mas nos escritos sagrados mais antigos, os Upanixades, bem como no

budismo teravada, ensina‑se a doutrina de que a realidade última, Brama , é

impessoal, e que nos libertamos do ciclo da morte e do renascimento quando

as nossas almas individuais são completamente absorvidas no estado de

nirvana . Assim, segundo a escola de pensamento hindu advaita vedanta ,

Brama é totalmente uno, uma unidade absoluta, saturado de realidade.O mundo das coisas e pessoas individuais é, em última instância, uma ilusão.

A libertação consiste em conhecer a absoluta unidade entre si e Brama.

É evidente, portanto, que há dierenças proundas entre as grandes reli‑

giões do mundo. Em primeiro lugar, há uma prounda dierença relativamente

à realidade última ser um deus pessoal ou um absoluto impessoal. Em segundo

lugar, há dierenças importantes no que diz respeito à nossa vida terrena e

ao nosso destino último. Haverá um ciclo de morte e renascimento em que

as nossas almas sobrevivem à morte corpórea e reaparecem na Terra comoanimais ou seres humanos (reencarnações), como as religiões do Oriente ensi‑

nam e as do Ocidente negam? E será o nosso destino último perder a consciên‑

cia no grande oceano do ser? Ou continuaremos como indivíduos distintos a

ter experiências e pensamentos na vida de união com o divino? Em terceiro

lugar, há uma dierença no que respeita ao locus da revelação. No judaísmo,

o locus da revelação divina é a Tora. Segundo o cristianismo, é a Bíblia que

contém a revelação sagrada. Mas no islamismo é o Corão. No hinduísmo são

os Vedas. Em quarto lugar, há dierenças no que diz respeito à encarnaçãodo divino. Segundo o cristianismo, Jesus é Deus. O judaísmo e o islamismo

negam‑no. Mas segundo o hinduísmo, há muitas encarnações do divino na

vida humana. E, nalmente, há dierenças a respeito de a) o que está mal na

vida humana, b) o que nos é exigido para que nos libertemos daquilo que

está mal na vida humana e c) em que consiste a nossa salvação ou libertação.

Segundo a ortodoxia cristã, todo o ser humano está perdido no pecado devido

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Glossário de conceitos e ideias importantes

O 1:

Agnosticismo: Ausência de crença ou descrença em Deus — isto é, suspensão

do juízo acerca da existência de Deus.

Deísmo: Crença de que Deus criou o universo e as leis da natureza, mas não

intervém no mundo.

Deus imanente: Um ser divino que impregna ou existe em todas as coisas

que existem.Deus transcendente: Um ser divino que está acima do mundo, sendo distinto

e independente do mesmo.

Henoteísmo: Crença em múltiplos deuses mas veneração de apenas um, o

deus supremo ou o deus da própria tribo.

Monoteísmo: Crença numa divindade única, universal, global.

Panteísmo: Crença de que o universo e Deus são o mesmo.

Politeísmo: Crença de que há uma pluralidade de seres divinos ou deuses.

Ser auto‑existente: Um ser cuja existência se explica pela sua própria natureza.Ser concebível : Um ser que se pode conceber sem contradição.

Ser contingente: Um ser tal que a) se existe, poderia logicamente não ter

existido e b) se não existe, poderia logicamente ter existido.

Ser dependente: Um ser cuja existência se explica pela acção causal de outro

ser ou seres.

Ser em acto: Um ser que existe.

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ntrodução à Filosoa da Religião

282

Ser impossível : Um ser que não existe e não pode logicamente existir.Ser necessário: Um ser que existe e não pode logicamente deixar de existir.

Ser possível : Um ser que ou existe ou podia logicamente existir.

Ser que existe no entendimento: Um ser no qual pensamos.

Ser que não está em acto: Um ser que não existe.

eísmo: Crença na existência de um Deus pereitamente bom, criador do

mundo, distinto e independente do mundo, omnipotente, omnisciente,

eterno e auto‑existente.

O 2: O gmO OmOógO

Argumento a posteriori: Argumento tal que nem todas as suas premissas bási‑

cas são proposições a priori (de modo equivalente: pelo menos uma das

suas premissas básicas é uma proposição a posteriori ).

Argumento a priori: Argumento tal que todas as suas premissas básicas são

proposições a priori (de modo equivalente, nenhuma das suas premissas

básicas é uma proposição a posteriori ).Argumento cosmológico: tentativa de derivar a existência de Deus a partir

da existência do universo.

Princípio de não contradição: Para qualquer armação e respectiva negação,

P e não P, no máximo uma é verdadeira (de modo equivalente, nenhuma

armação pode ser simultaneamente verdadeira e alsa — nada pode,

ao mesmo tempo e no mesmo sentido, ter uma propriedade e carecer

dessa propriedade).

Princípio de razão suciente: Para tudo o que existe, o acto de essa coisa existirtem de ter uma explicação; e para qualquer acto positivo acerca de qual‑

quer coisa que exista tem de haver uma explicação para o acto em causa.

Proposição a posteriori: Proposição que só se pode conhecer através da expe‑

riência sensorial.

Proposição a priori: Proposição que se pode conhecer prévia ou indepen‑

dentemente da experiência sensorial.

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283

Glossário de conceitos e ideias importantes

O 3: O gmO OOógO

Argumento ontológico: Tentativa de derivar a existência de Deus a partir da

denição ou conceito de Deus.

Crítica de Gaunilo: A ilha mais grandiosa possível não existe.

Crítica de kant : A existência não é uma qualidade ou predicado.

Ideia crucial no argumento ontológico de Anselmo: A existência na realidade

é uma qualidade produtora de grandiosidade.

Mais grandioso: Melhor, mais digno.

O 4: O gmO O gO (O gO O OvO)

Antigo argumento do desígnio: Como as máquinas são produzidas por desíg‑

nio inteligente e muitas partes naturais do universo se assemelham a

máquinas, provavelmente o universo (ou pelo menos muitas das suas

partes naturais) oi produzido por desígnio inteligente.

Argumento do desígnio: Tentativa de derivar a existência de Deus a partir dodesígnio, da ordem ou da nalidade das coisas no universo.

Argumento por analogia : Se um objecto a tem as propriedades F, G, H, etc.,

bem como a propriedade Z, e o objecto b tem as propriedades F, G, H,

etc., então provavelmente o objecto b tem a propriedade Z.

Outras questões: O debate sobre se a teoria darwinista pode ou não explicar

a «complexidade irredutível» ao nível molecular.

As objecções de Hume a respeito da vastidão do universo e da inade‑

quação do argumento do desígnio para estabelecer que o criador teriaos atributos do deus teísta.

A questão levantada pela existência de um planeta (a Terra) com as cons‑

tantes necessárias para permitir a existência de vida humana.

Sistema teleológico: Sistema de partes em que estas estão dispostas de tal

modo que, nas condições adequadas, uncionam conjuntamente para

servir uma determinada nalidade.

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284

O 5: x m gO

Crença apropriadamente básica : Crença cuja aceitação é racional para nós

mesmo não havendo quaisquer indícios a seu avor, no sentido de outras

crenças racionais que a sustentem adequadamente.

Crença auto‑evidente: Crença tal que ao ser compreendida vemos que é ver‑

dadeira.

Derrotadores: Razões para pensar outra coisa.

Experiência ilusória : Experiência cujos conteúdos nem correspondem a qual‑quer aspecto da realidade nem o representam correctamente.

Experiência religiosa (Otto): Experiência em que se está directamente ciente

de outro ser como sagrado ou divino.

Experiência religiosa (Rowe): Experiência em que se sente a presença ime‑

diata do divino.

Experiência religiosa (Schleiermacher): Experiência em que se é tomado pelo

sentimento de absoluta dependência.

Experiência religiosa mística extrovertida : Experiência em que se olha paraora, através dos sentidos, para o mundo à nossa volta, e aí se encontra

o divino.

Experiência religiosa mística introvertida : Experiência em que se olha para

dentro e se encontra o divino na parte mais prounda do eu.

Experiência religiosa mística : Experiência em que se sente a união com o divino.

Experiência religiosa não mística : Experiência em que se sente a presença

do divino como um ser distinto de quem tem a experiência.

Experiência verídica : Experiência cujos conteúdos correspondem a umaspecto da realidade ou o representam correctamente.

Fé : Crença que não assenta numa prova lógica ou num indício material.

Fundacionalismo clássico: Todas as nossas crenças têm de ser ou auto‑

‑evidentes ou baseadas em crenças auto‑evidentes.

Opção genuína : Decisão entre duas hipóteses quando ) ambas são hipóteses

vivas, ) a decisão é orçosa e ) a decisão é momentosa.

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Glossário de conceitos e ideias importantes

Princípio de credulidade: Se uma pessoa tem uma experiência que parece serde x , então, a menos que haja uma razão para pensar de outro modo, é

racional acreditar que x existe.

ese da unanimidade: Os místicos de dierentes religiões têm basicamente

todos a mesma experiência.

O 6: fé zO

Cliord acerca da crença : «É errado sempre, em todo o lado e para toda agente, acreditar em qualquer coisa com indícios insucientes.»

Plantinga acerca da crença : Algumas crenças (como as que versam sobre a

existência do mundo exterior, a existência de outras mentes e a existên‑

cia de Deus) são apropriadamente básicas para alguns crentes.

Razões conducentes à verdade: Razões que tendem a mostrar que uma

crença é verdadeira.

Razões pragmáticas: Razões que tendem a mostrar que um bem vem ou pode

vir de ter uma crença.omás acerca da fé : A é é a aceitação de determinadas armações acerca de

Deus e das suas actividades, armações que excedem a capacidade da

razão humana para prová‑las.

O 7: O Om O m

Analogia Deus‑pai : Deus é para os seres humanos como os bons pais são para

os seus lhos, a quem amam. Os bons pais, contudo, azem o melhor quepodem para conortar e acompanhar os seus lhos quando estes sorem

por razões que não compreendem.

Ateu amigável : Um ateu que pensa que uma pessoa pode ter justicação

racional para acreditar que o Deus teísta existe.

Ateu hostil : Um ateu que pensa que ninguém tem justicação racional para

acreditar que o Deus teísta existe.

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Defesa do livre‑arbítrio: Deus, embora omnipotente, pode não ter sidocapaz de criar um mundo com criaturas humanas livres sem com isso

permitir a ocorrência de um mal considerável.

Desvio de G. E. Moore: nverter o argumento, começando pela negação da

conclusão e concluindo com a rejeição da premissa crucial.

Mal sem sentido: Um mal que Deus (se existe) podia ter impedido sem com

isso perder um bem superior ou ter de permitir um mal igual ou pior.

Ocultamento de Deus: Ausência de Deus na experiência humana, em parti‑

cular na experiência de seres humanos que sorem por razões que nãocompreendem.

Pressuposto da defesa do livre‑arbítrio: É logicamente impossível que uma

pessoa realize livremente um acto qualquer tendo sido causalmente 

determinada a realizá‑lo.

Problema indiciário do mal : A armação de que o mal no nosso mundo dá

sustentação racional à crença de que Deus não existe.

Problema lógico do mal : A armação de que a existência de Deus e a existên‑

cia do mal são logicamente inconsistentes entre si.Resposta do teísmo céptico: Não se mostrou que é provável que exista mal

sem sentido, dado não haver qualquer boa razão para pensar que temos

conhecimento dos bens que Deus conhece.

eísta amigável : Um teísta que pensa que uma pessoa pode ter justicação

racional para acreditar que o Deus teísta não existe.

eísta hostil : Um teísta que pensa que ninguém tem justicação racional para

acreditar que o Deus teísta não existe.

eodiceia : Tentativa de explicar quais poderão ser os propósitos de Deus empermitir a abundância do mal no nosso mundo.

O 8: mg mv mO

Argumento de Hume contra os milagres: Os indícios da experiência prévia a

avor de uma lei da natureza são extremamente ortes. Sendo um milagre

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Glossário de conceitos e ideias importantes

a violação de uma lei da natureza, os indícios contra a ocorrência demilagres são extremamente ortes.

Dois pontos fracos no argumento de Hume: ) Hume não considera os indí‑

cios indirectos, actos que se podem explicar melhor pela ocorrência de

um milagre. ) Hume sobrestima o peso que devemos dar à experiência

prévia a avor de um princípio que pensamos ser uma lei da natureza.

Milagre (denição humiana): Acontecimento que ) ocorre mas não teria

ocorrido se aquilo que acontece se devesse apenas a causas naturais

e ) ocorre porque oi provocado por Deus ou por um agente sobre‑natural.

Milagre (sentido popular): Um acontecimento benéco inesperado.

O 9: v O mO

Analogia de Mcaggart : Talvez aquando da morte corpórea a mente possa

uncionar sem estar já dependente do cérebro.

Argumento a favor da imortalidade, baseado na mediunidade mental :O caso de Edgar Vandy.

Argumento de Russell contra a imortalidade: A nossa vida mental depende

da condição do cérebro humano. Logo, é muito provável que quando

o cérebro se decompõe com a morte corpórea a nossa vida mental já

não possa ocorrer.

Argumento losóco a favor da imortalidade da alma : Uma coisa só pode

ser destruída pela separação das suas partes. Como a alma não tem

partes, não pode ser destruída.Argumento teológico a favor da imortalidade da alma : Deus criou pessoas

nitas para existirem em irmandade consigo.

Concepção homérica : Só os deuses são imortais, embora a alma humana

sobreviva no Hades como antasma, mera sombra da antiga pessoa.

Concepção platónica : Os seres humanos são imortais e a alma é a pessoa

(aquilo que raciocina, relembra, etc.).

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ntrodução à Filosoa da Religião

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Crítica antiana ao argumento losóco: Pode haver modos de destruiçãoalém da separação de partes; por exemplo, reduzindo permanentemente

o seu grau de consciência para zero.

Outras objecções: a) Lucrécio: a alma, como o corpo, é material; b) a alma

ou mente é apenas uma série de acontecimentos mentais ligados pela

memória.

Reencarnação: A alma sore a transmigração (passagem para outro corpo

aquando da morte) até alcançar a libertação, a saída da alma do ciclo de

renascimento, e é absorvida por deus, a alma universal.Ressurreição do corpo: A pessoa é vista como uma unidade de alma e corpo.

O 10: çO, v

Hm

Agir livremente, sentido 1: Consiste em azer o que se quer ou escolhe azer.

Agir livremente, sentido 2 : Consiste em azer o que se quer quando estava

em nosso poder não o azer. Esta perspectiva parece entrar em confitocom a predestinação divina.

Argumento para mostrar que a presciência divina também entra em con‑

 ito com a acção livre no sentido 2 : O argumento depende da verdade

da armação: se Deus sabe antes de nascermos tudo o que aremos,

então nunca está em nosso poder agir de modo dierente.

Concepção boeciana de eternidade: Transcender o tempo; estar além ou ora

do tempo; não ter a própria vida dividida em muitas partes temporais,

tais que em cada momento apenas uma destas partes esteja presente anós mesmos.

Concepção tradicional de eternidade: Ter existência interminável, sem

começo nem m; ter duração innita em ambas as direcções temporais.

Objecção de oce: Pode‑se escolher azer algo e querer azê‑lo ainda que

não se pudesse ter eito outra coisa (o homem escolhe car no quarto

echado).

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Glossário de conceitos e ideias importantes

Presciência divina : Deus sabe de antemão o que acontecerá porque prevêesses acontecimentos e não por predeterminar a sua ocorrência utura.

Solução de Ocham para o aparente conito entre a presciência divina e a 

liberdade humana : Pode estar em nosso poder alterar actos acerca do

passado, desde que não sejam apenas acerca do passado.

Solução de omás para o aparente conito entre a presciência divina e a 

liberdade humana : Deus não é presciente porque é eterno, no sentido

de existir ora do tempo.

O 11: m gõ

Diferenças importantes: A realidade divina é um deus pessoal; a realidade

divina é um absoluto impessoal; há um ciclo de morte e renascimento;

há apenas uma vida antes do céu ou do inerno; o nosso destino último

é ver pessoalmente Deus; o nosso destino último é perder a consciên‑

cia individual no grande oceano do ser; o locus da revelação divina é a

Bíblia; o locus da revelação divina é o Corão; o locus da revelação divinasão os Vedas; o locus da revelação divina são todos os três.

Exclusivismo: Há apenas uma religião verdadeira e não se pode ser salvo,

iluminado ou abençoado de alguma maneira, em qualquer caminho oe‑

recido pela religião, sem abraçar explicitamente a única religião verda‑

deira como sua.

Inclusivismo: Só uma religião é verdadeira, mas o Deus dessa religião tam‑

bém salva crentes virtuosos de outras religiões.

Pluralismo: As diversas religiões são interpretações culturalmente infuen‑ciadas de uma única realidade divina subjacente. Cada uma é igualmente

verdadeira e igualmente legítima como meio para a salvação.

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290

Leitura complementar

, Marilyn, Horrendous Evils and the Goodness of God , thaca, Nova

orque: Cornell University Press, .

, Williams P., Divine Nature and Human anguage: Essays in Philo‑

sophical Teology, thaca, Nova orque: Cornell University Press, .

, Williams P., Perceiving God: Te Epistemology of Religious Expe‑

rience, thaca, Nova orque: Cornell University Press, .

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mology, Oxord: Clarendon Press, .

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291

Leitura complementar

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, Richard, On the Nature and Existence of God , Cambridge: Cambridge

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ntrodução à Filosoa da Religião

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