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Banksy Suan Stevens Pedro Almeida Vieira Arturo Pérez-Reverte Sexta-feira 27 Maio 2011 www.ipsilon.pt 2011 odisseia Terrence Malick Dia 29 não perca, com o Público, a agenda do Verão na Casa 2011. Call Center 220 120 220 www.veraonacasa2011.casadamusica.com

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Banksy Su� an Stevens Pedro Almeida Vieira Arturo Pérez-Reverte

Sexta-feira 27 Maio 2011www.ipsilon.pt

2011 odisseia Terrence Malick

Dia 29 não perca, com o Público, a agenda do Verão na Casa 2011. Call Center 220 120 220

www.veraonacasa2011.casadamusica.com

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DIRECÇÃO ARTÍSTICALUÍSA TAVEIRA

TEATRO CAMÕES DIAS DE ESPECTÁCULO // 21 892 34 77

TEATRO NACIONAL DE SÃO CARLOS SEGUNDA A SEXTA DAS 13H ÀS 19H // 21 325 30 45 / 6

TICKETLINE WWW.TICKETLINE.PT // 707 234 234

LOJAS ABREU, FNAC, WORTEN, EL CORTE INGLÉS, C.C.DOLCE VITA

BILHETES €5 A €20

LISBOA,TEATRO CAMÕES

MAIO 2011dias 26, 27 e 28 às 21h

dia 29 às 16h (Tarde Família)

JUNHO 2011dias 02, 03 e 04 às 21h

dia 05 às 16h (Tarde Família)

NOITEDE RONDA

Estreia Absoluta

COREOGRAFIA

OLGA RORIZBANDA SONORA JOÃO RAPOSO

CENOGRAFIA PEDRO SANTIAGO CAL

FIGURINOS OLGA RORIZ E PEDRO SANTIAGO CAL

DESENHO DE LUZ CRISTINA PIEDADE

www.cnb.ptM/6Apoios à divulgação:

facebook.com/cnbportugal

Foto

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Maio 2011 • 3

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Directora Bárbara ReisEditor Vasco Câmara, Inês Nadais (adjunta)Conselho editorial Isabel Coutinho, Nuno Crespo, Cristina Fernandes, Vítor Belanciano Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar SwaraDirectora de arte Sónia MatosDesigners Ana Carvalho, Carla Noronha, Mariana SoaresEditor de fotografi a Miguel MadeiraE-mail: [email protected]

Ficha Técnica

SumárioTerrence Malick 6O último eremita de Hollywood

Banksy 12A rua é de quem a apanhar

Sufjan Stevens 16Nos Coliseus com “post-its”

Gang Gang Dance 20Bom karma em Serralves

Sonny & the Sunsets 24Canções por fracasso

Antunes Filho 28Somos todos “Policarpo Quaresma”

Arturo Pérez-Reverte 29Espanha em estado de sítio

Pedro Almeida Vieira 30Os nossos costumes nunca foram brandos

Entre Março e Abril deste ano, Tiago Pereira partiu pelo país com uma câmara e encontrou isto que vemos em “Sinfonia Imaterial”, o seu novo filme. De Sul a Norte: do cante alentejano feminino à dança dos Pauliteiros de Miranda. Do centro para as ilhas: dos imponentes bombos de Paul, na Covilhã, à mulher de 91 anos que toca guitarra portuguesa no Faial e aos violinos e cavaquinhos parentes do cajun e do blues em Porto Santo. Novos e velhos, gente muito séria e gente de sorriso matreiro, amadores que desafinam e instrumentistas de excepção. Tudo filmado em plano fixo e enquadrado na

Tiago Pereira criou uma “Sinfonia Imaterial” da música portuguesa

paisagem natural, em tascas ou em salas de estar de casas anónimas - e sem outra informação para além das legendas que identificam temas, instrumentos e lugares. O filme, uma encomenda da Fundação Inatel coproduzida pela associação Pé de Xumbo, estreou-se ontem no Cinema City Classic Alvalade, em Lisboa, onde ficará em exibição até 1 de Junho, antes partir em digressão pelo país.“Sinfonia Imaterial” pretende mostrar que, aqui e agora, existe um país com uma vivíssima tradição musical feita de “milhares de influências”, o que nos permite pressentir algo da “Galiza, de África, do Brasil,

dos países nórdicos ou da Índia sem nunca sair de Portugal”. Tal como o nome indica, não é exactamente um documentário. “Era importante mostrar que todos aqueles projectos musicais misturados podiam ter uma força sinfónica sem maestro, ou com um maestro virtual, que era eu”, explica o realizador. Nessa ausência de qualquer outro discurso para além do cantado, “Sinfonia Imaterial” distingue-se de trabalhos anteriores de Tiago Pereira, como “B Fachada – Tradição Oral Contemporânea” ou “Significado”. Aqui, leva esse anseio às últimas consequências, criando um mosaico musical em que os vozes e instrumentos se cruzam para criar

combinações surpreendentes. O olhar é, portanto, de músico (está-lhe nos genes, ou não fosse ele filho de Júlio Pereira). “Há muito tempo que queria percorrer o país todo de repente, para manter a cabeça fresca e para conseguir mais facilmente estabelecer relações musicais entre todo o material.” A preocupação principal era mostrar uma realidade em constante mutação. “O filme tem jovens e velhos, para mostrar que a tradição está viva, que quando acabarem estes responsos e estes instrumentos outros tomarão o seu lugar e serão tão ricos e tão estranhos como os de agora”.“Sinfonia Imaterial” surge paralelamente a “A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria”, um arquivo abrangente de vídeos musicais que Tiago Pereira tem vindo a recolher nos últimos quatro meses. Neste momento, conta já com centenas de vídeos (alojados em vimeo.com/channels/musicaportuguesa): cabem ali cantores tradicionais e músicos jazz, improvisadores ou bandas pop. Entretanto, “A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria” alargou-se a sete realizadores. E saltou para a realidade: esta noite, estará no Open Day da LX Factory, com actuações

de Cão da Morte, Filho da Mãe, Azevedo Silva ou Joana Guerra. Mário Lopes

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Foi há 40 anos e a música continua a ressoar tão inventiva, poderosa e emotiva como quando foi editada originalmente. “What’s Going On”, a obra-prima de Marvin Gaye, o álbum que anunciou com estrondo

Há festa nos 40 anos do “What’s Going On” de Marvin Gaye

o fim da linha de montagem da Motown, foi editado em 1971 e, para assinalar a data, há uma luxuosa reedição preparada para a próxima terça-feira, 31 de Maio. O caixa conterá dois CD, um LP em vinil, dois ensaios e fotos raras da sessão que originou a belíssima capa do disco.Para além do álbum original remasterizado, incluído num dos CD, e da sua edição na primeira

mistura (a “Detroit Mix”, que ouviremos pela primeira vez em vinil), o novo lançamento inclui, à semelhança da edição “deluxe” de 2001, as habituais versões alternativas, material não incluído no álbum ou misturas mono de alguns singles.Como se impunha, a data será também acompanhada de concertos comemorativos. Dia 24 de Julho, Stevie Wonder liderará a

banda que subirá ao Hollywood Bowl, em Los Angeles, para homenagear Gaye – Janelle Monáe e Sharon Jones também estarão presentes. E daqui a cerca de um ano, a 12 de Maio de 2012, os Roots e John Legend, acompanhados pela National Symphony Orchestra, interpretarão “What’s Going On” no Kennedy Center, em Washington.

Além de uma reedição de luxo, há concertos com Stevie Wonder e os Roots nas comemorações da obra-prima de Marvin Gaye

“Sinfonia Imaterial” é um abrangente retrato musical do país real, do cante alentejano à senhora do reco-reco

Tiago Pereira percorreu Portugal de Norte a Sul com a sua câmara

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A Gallimard está a comemorar o seu centenário com uma iniciativa original. A editora francesa, fundada por Gaston Gallimard em 1911, pôs-se a rebuscar os arquivos e seleccionou algumas dezenas de fichas de leitura redigidas, ao longo deste último século, pelos seus consultores literários. Estes papéis, recomendado um manuscrito para edição ou, pelo contrário, destinando-o ao caixote do lixo, integram a exposição “Gallimard, 1911-2011: Um Século de Edição”, que estará na Biblioteca Nacional de França, em Paris, até 3 de Julho.O que a Gallimard pedia aos seus leitores era uma descrição breve do livro, acompanhada de uma pontuação: 1 para obras a publicar, 2 para casos a ver, 3 para manuscritos que deveriam ser recusados. Mas o que dá um sabor particular a estas revelações não é apenas ficarmos a saber o que alguém pensou de um Proust ou de uma Duras em princípio de carreira: é a circunstância de esse “alguém” se chamar Albert Camus ou André Gide, Raymond Queneau ou Jean Paulhan. A Gallimard escolhia os seus consultores a dedo, e muitas destas revelações impressionam pela capacidade de surpreender um talento ainda em gestação, antecipando a sentença da posteridade. Mas mesmo estes “super-leitores” não estavam

Gallimard revelaas suas melhores (ou piores) fi chas de leitura

Depois de ter passado um disco inteiro a fazer versões de Tom Waits, em 2008, Scarlett Johansson atirou-se agora a um clássico, “Summertime”, de George Gershwin. O que fez com ele - e com os Massive Attack, aos quais se juntou nesta nova versão - é coisa não para ouvirmos em disco mas para ouvirmos em filme, já que o tema fará parte da banda-sonora do “thriller” mexicano “Dias de Gracia”. Além do encontro de Johansson com os Massive Attack, o filme de Everardo Gout inclui ainda outras versões do tema de Gershwin ( Janis Joplin, Nina Simone...), assim como faixas originais de Nick Cave e Warren Ellis, e dos compositores Atticus Ross (que ganhou um Oscar este ano pelo seu trabalho com Trent Reznor, dos Nine Inch Nails, na banda-sonora do filme “A Rede Social”) e Shigeru Umebayashi, colaborador frequente de Wong Kar-wai.“Dias de Gracia” é uma história de rapto em três segmentos, cada um deles acompanhando a final (ficcionada) de um Mundial de Futebol (2002, 2006 e 2010) e sendo acompanhado por um compositor diferente: Cave e Ellis (que assinou a banda-sonora de “O Assassinato de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford”) musicaram o segmento de 2002, em que incorporaram sons urbanos e animais; Ross compôs o trecho “mais visceral e mais primário” de 2006, e Umebayashi escreveu a sequência final.

Scarlett Johansson juntou-se aos Massive Attack

André Gide não foi um leitor entusiasta de Proust:

“Terrivelmente aborrecido, inútil”, escreveu a propósito de “Em Busca

do Tempo Perdido”

escreveu a sequência final.

livres de se estampar ao comprido. “As frases são retorcidas e ele usa uma página para dizer o que poderia ser dito em três linhas. Imagine-se um discípulo de Charles du Bos improvisando-se como romancista”. É assim que Gide lê o primeiro volume de “Em Busca do Tempo Perdido”, do desconhecido Marcel Proust. Remete-o para o limbo, avaliando-o com um 2. Um gesto generoso, tendo em conta que termina a sua nota de leitura com esta apreciação: “Terrívelmente aborrecido, inútil e respeitável”. Conclusão: a Gallimard perde o autor para José Corti, que será, para toda a vida, o editor de Proust. Jean Paulhan não trata melhor o romance de estreia de Nathalie Sarraute, “Tropismes”. Depois de sugerir que a autora é uma discípula óbvia de Virginia Woolf e de lamentar que os seus verbos prescindam de um sujeito, recomenda: “Se Mme. S. escrever mais tarde um romance (receio bem que este primeiro esforço a possa ter esgotado), podemos pedir-lhe que no-lo mostre”. O mesmo Paulhan, director da “Nouvelle Revue Française”, que está na origem da Gallimard, dirá de “Qui Je Fus”, de Henri Michaux: “Não é detestável, ainda que ocasionalmente obscuro”. Mas, vá lá, recomenda-o para publicação. Já o poeta René Char teve menos sorte com Camus, que, a respeito de “Seuls Demeurent”, que a Gallimard viria mesmo a

publicar em 1945, escreve: “Sou um mau juiz. Esta estética irrita-me sempre porque vejo nela um talento sem frutos”. Mesmo os juízos essencialmente certeiros são às vezes expressos em termos que os tornam mais ridículos do que se falhassem o alvo. “Um bonito livro de mulher”, diz Queneau sobre “África Minha”, de Karen Blixen. Já o próprio Camus não pode queixar-se da apreciação que Paulhan faz de “O Estrangeiro”: “A publicar sem hesitações”. Mas é menos certo que se revisse nesta descrição do seu livro: “Começa como Sartre e acaba como Ponson du Terrail”. Ramon Fernandez, um

colaborador da “Nouvelle Revue Française” que iria tornar-se um especialista de Proust, escreve, em 1936, sobre “E Tudo o Vento Levou”, de Margaret Mitchell: “Não me parece oportuno publicar um romance histórico sobre a guerra civil americana, tanto mais que o livro é enorme”. Mas Fernandez não era, apesar de tudo, um André Gide, e Gallimard não lhe deu ouvidos. Mandou traduzir o livro, que, em poucos anos, vendeu 385 mil exemplares. Luís Miguel Queirós

É uma espécie de amostra do Centro Pompidou – uma estrutura ambulante que viajará de cidade em cidade, e no interior da qual serão apresentadas algumas das grandes obras de arte do museu parisiense. O anúncio do lançamento deste Pompidou itinerante foi feito pelo ministro francês da Cultura, Frédéric Mitterrand, que explicou que a ideia é levar a cultura a quem não pode chegar até ela – e de forma gratuita. “Estou convencido de que este museu de dimensão humana ajudará a ultrapassar as dúvidas e as

Um Pompidou ambulante

hesitações dos que não se atrevem a passar as portas dos templos da cultura”, declarou Mitterrand.O primeiro périplo desta estrutura móvel terá como tema a cor e incluirá obras da colecção permanente do centro, representando artistas como Fernand Léger, George Braque, Henri Matisse, Pablo Picasso e Alexander Calder, além de uma instalação contemporânea de Olafur Eliasson. A primeira cidade onde o museu será instalado é Chaumont. “É uma estreia mundial”, declarou entusiasmado o presidente do Pompidou, Alain Seban. “Pôr obras-primas da arte moderna numa estrutura nómada é algo sem

precedentes”. A estrutura, que faz lembrar uma tenda de circo, foi concebida pelo arquitecto Patrick Boujain. O custo de concepção e construção é de 2,5 milhões de euros, e o projecto é financiado

pelo Ministério da Cultura, contando também com apoio mecenático. Cada etapa tem o custo de 400 mil euros, metade dos quais serão pagos pelas colectividades locais, parceiras da iniciativa.

A nova estrutura móvel do museu parisiense foi desenhada pelo arquitecto Patrick Boujain

Scarlett gravou uma versão de “Summertime”, de Gershwin,

com a dupla de Bristol

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LANÇAMENTOS

APRESENTAÇÕES

AGENDA CULTURALFNAC ENTRADA LIVRE

EXPOSIÇÕES

MÚSICA AO VIVO

LANÇAMENTO

Livro de Fátima Campos FerreiraO Professor Catedrático António Nóvoa apresenta o livro Portugal e o Futuro que reúne dez entrevistas levadas a cabo por Fátima Campos Ferreira, reconhecida jornalista da RTP, a personalidades dos mais variados quadrantes da sociedade portuguesa. Uma oportunidade imperdível para reflectir sobre o estado da nação e o rumo do nosso país.

PORTUGAL E O FUTURO

30/05 SEG 19H30 FNAC CHIADO

LANÇAMENTO

Livros de Ana Sousa DiasChegam finalmente as obras que vão responder a todas as perguntas sobre Homens e Mulheres. Românticos, egoístas, fracos, racionais, fortes, pragmáticos, sólidos, estouvados… Isto e muito mais em testemunhos de mulheres e homens recolhidos por Ana Sousa Dias.

O QUE EU SEI SOBRE OS HOMENSO QUE EU SEI SOBRE AS MULHERES

02/06 QUI 18H30 FNAC CHIADO

LANÇAMENTO

Livro de Patrícia ReisUm cenário de terrível desastre assola Lisboa. Entre os sobreviventes há um homem, um velho editor. Procurando amigos e amores desaparecidos, encontra um manuscrito e um rapaz e, neles, a porta para uma outra dimensão da vida. Este livro é uma peregrinação futurista e um relato de memória.

28/05 SÁB 18H30 FNAC CHIADO

POR ESTE MUNDO ACIMA

MÚSICA AO VIVO

Black Room FeelO universo desta banda aborda o mundo como um quadro aberto a emoções e pensamentos em que tudo se pode escrever. Apreciadores de canções simples e directas, estes Novos Talentos FNAC apostam agora no primeiro registo de longa duração.

SIDEWALKERS

MÚSICA AO VIVO

Contos de FadasFeito de onze letras originais escritas a partir de obras literárias, portuguesas e estrangeiras, de diversos estilos, todas cantadas nas melodias do fado tradicional, Aldina Duarte faz-se acompanhar pelos músicos Carlos Manuel Proença, na viola, José Manuel Neto, na Guitarra Portuguesa, Paulo Parreira, Rogério Ferreira e Miguel Ramos.

ALDINA DUARTE

30/05 SEG 18H30 FNAC CHIADO

03/06 SEX 22H00 FNAC COIMBRA10/06 SEX 18H00 FNAC MAR SHOPPING10/06 SEX 22H00 FNAC NORTESHOPPING

18/06 SÁB 22H00 FNAC CASCAISHOPPING26/06 DOM 17H00 FNAC LEIRIASHOPPING

Consulte a AGENDA FNAC também em:cultura.fnac.pt

apoio:

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Há um ano, a estranheza de “O Tio Boonmee Que Se Recorda das Suas Vidas Anteriores” de Apichatpong Weerasethakul causava celeuma: on-de é que já se viu um festival como Cannes dar a Palma de Ouro a um fil-me tailandês esquisito de um cineas-ta que ninguém conhece e que dificil-mente ultrapassará o nicho?

Este ano, a estranheza de “A Árvo-re da Vida” de Terrence Malick pode ter dividido opiniões, mas ninguém se escandalizou por Cannes dar a Pal-ma de Ouro a um filme esquisito de um cineasta americano reconhecido e aclamado mundialmente. Muito embora não haja assim tanto (a não ser a nacionalidade) que separe Api-chatpong Weerasethakul – ou Béla Tarr, ou Jean-Luc Godard, ou Carl Theodor Dreyer, ou Lucrecia Martel,

ou Pedro Costa, ou, ou, ou... – de Ter-rence Malick.

Há mais em comum entre as Pal-mas 2010 e 2011 do que parece à pri-meira vista, ou não fossem o tailandês e o americano celebrantes de um panteísmo sensorial que se comunica pela experiência e não pela narrativa. Há qualquer coisa no cinema de Ma-lick que mexe com as pessoas, que as divide entre a rendição incondicional e uma recusa igualmente incondicio-nal, que transformou este cineasta raro e bissexto num dos grandes cul-tos do cinema dos últimos 50 anos – muito embora o seu cinema nem sequer atraia as massas (o anterior “O Novo Mundo” fez uns honrosos mas modestos 60 mil espectadores em Portugal).

Podemos invocar Dreyer ou Bres-

son ou Godard ou Tarr para definir o panteão rarefeito em que Malick se move (e isto não implica que goste-mos de igual modo de todos eles). Sobre “O Novo Mundo” (2005) Micha-el Atkinson escrevia na “Village Voi-ce” ser um filme “rousseauista”.

Pode-se também invocar os pante-ístas literários do Transcendentalismo americano do século XIX, como Ral-ph Waldo Emerson e Henry David Thoreau, e ao fazê-lo não andaremos muito longe do que Malick procura – uma equivalência audiovisual desse panteísmo hiper-romântico que ob-serva a América como um “novo Éden”, a promessa de um paraíso e de uma nova inocência eternamente em perda. Como se fosse sempre im-possível reencontrar esse estado de graça a partir do momento em que se tem consciência dele – e como se o cinema de Malick fosse sempre uma tentativa de o reencontrar nem que por fugazes instantes. Como se a Amé-rica fosse ela própria um microcos-mos do universo.

Sobre “A Árvore da Vida” dizia a semana passada Manohla Dargis no “New York Times” ser obra de um dos raros cineastas contemporâneos dis-postos a falar da vida e da morte, de Deus e da alma, sem ter uma história em que se apoiar.

Bill Pohlad, um dos produtores do novo filme, dizia que o guião original de Malick não se lia como um argu-mento, mas como um poema. Faz sentido.

Ouço tantas histórias sobre o Ter-ry que já não sei em quais acredi-tar.” Jack Fisk, cenógrafo habitual do realizador e amigo de longa da-ta ao “Le Monde

Terrence Frederick Malick, 67 anos, tradutor de Heidegger, formado em Filosofia por Harvard, bolseiro

Pode-se invocar o Transcendentalismo americano do século XIX, Ralph Waldo Emerson e Thoreau: Malick procura uma equivalência audiovisual desse panteísmo que observa a América como “novo Éden”

A ambição de um fi lme que abarca o infi nitamente pequeno e o desmesurada-mente grande, um modo de ver e pensar o cinema que resiste às fórmulas para se concentrar na experiência sensorial

“A Árvore da Vida”, quinto “opus” da carreira de 40 anos de Terrence Malick, chega às salas depois de ter arrebatado a

Palma de Ouro de Cannes. Pistas para perceber o universo do último grande eremita do cinema americano – e o cineasta que

cumpriu o sonho transatlântico de fazer cinema de autor. Jorge Mourinha

O regresso ao paraíso perdido

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elemento do filme que se quer fazer, uma paixão entrópica pela constru-ção de universos paralelos. Uma ob-sessão pelo perfeccionismo (ou, nas palavras de Brad Pitt, actor e produtor de “A Árvore da Vida”, ao “New York Times”, pelo “imperfeccionismo” que Malick procura nessa perfeição).

Mas Lucas restringiu-se de livre e espontânea vontade ao seu “franchise” de “space opera” interestelar, e Kubri-ck morreu à beira de revelar ao mundo “De Olhos Bem Fechados”. Malick é o único dos três que ainda está em acti-vidade (e, por incrível que pareça, já está a trabalhar num novo filme) e “A Árvore da Vida” confirma que ele não tem nada a ver com os seus colegas eremitas americanos. Ou tem?

Sempre que me cruzei com Malick durante o seu longo período de inactividade de quase 20 anos (...) ele confirmou-me: “Há qualquer coisa no funcionamento da má-quina de Hollywood que me cau-sa pânico. John Travolta, ao “Le Monde”

Malick foi revelado na mesma ge-ração dos “movie brats” que refres-caram Hollywood na passagem dos “sixties” para os “seventies” e trouxe Lucas e Spielberg, DePalma e Scorse-

se, Coppola ou Bogdanovich. O seu percurso, no entanto, foi feito “ao la-do” dessa geração: “Os Noivos San-grentos” fora rodado por tuta e meia fora do sistema, quando “Dias do Pa-raíso” surgiu já os “movie brats” ti-nham sido “comidos” pelo sistema. O seu perfeccionismo meticuloso, ca-paz de passar anos a fio na montagem de um filme em busca de um tom e de uma atmosfera, aproxima-o mais de um Kubrick cujas rodagens eram maratonas de detalhes respeitados ao milímetro. “Durante a rodagem,” dis-se Elias Koteas, um dos actores de “A Barreira Invisível”, ao “Le Monde”, “Malick tinha-nos avisado que depois de montado não reconheceríamos o filme.” (Ninguém ficou mais surpre-endido que Adrian Brody, nominal-mente o actor principal, reduzido a um papel quase inexistente no filme acabado.) Para Malick, o argumento não é uma prisão, é um ponto de pas-sagem para criar as suas visões. É na montagem que tudo se decide.

A liberdade que lhe tem sido dada apenas tem paralelo num Spielberg a quem ninguém ousará alguma vez re-tirar o direito à montagem final e à “úl-tima palavra” sobre um filme – e com quem tem também pontos de contac-to na sua fé no poder comunicativo, transcendente, do cinema (por oposi-

ção à visão sombria do ser humano que sempre perseguiu Kubrick). Malick é uma anomalia: o único autor america-no, no sentido europeu, que tem as portas de Hollywood abertas e carta branca para fazer o que quer. Três dos seus cinco filmes foram financiados pelos grandes estúdios, os outros dois foram distribuídos por eles, “A Árvore da Vida” existe em grande parte graças aos bons ofícios de Brad Pitt.

Mike Medavoy, antigo agente do realizador e produtor de “A Barreira Invisível”, conta ao “Le Monde” que “Dias do Paraíso” agradara tanto a Charles Bluhdorn, presidente da Pa-ramount, que o lendário (e temido)

Rhodes em Oxford, é o último gran-de eremita visionário do cinema ame-ricano; o recluso que vive fora do sistema e apenas dá notícias de longe em longe. Em 40 anos de carreira, “A Árvore da Vida” é apenas a sua quin-ta longa-metragem.

Em 1973, surgiu do nada com “Os Noivos Sangrentos”, baseado num “fait-divers” verídico dos anos 1950 sobre uma Bonnie e um Clyde adoles-centes em sangrenta viagem pelo Te-xas. Foi um dos filmes-clarão desse período mitificado do cinema ameri-cano, rico em cineastas de ambição e personalidade.

Levou cinco anos a mostrar o filme seguinte: “Dias do Paraíso” (1978, pré-mio de realização em Cannes 1979). Entre “Dias do Paraíso” e “A Barreira Invisível” em 1998 (adaptação impres-sionista do romance de James Jones sobre a campanha americana em Gua-dalcanal na II Guerra Mundial, sete nomeações para os Óscares 1999), 20 anos passaram sem novidades; mais sete até “O Novo Mundo”; outros seis até “A Árvore da Vida”.

Comparáveis, só dois realizadores americanos que deixaram outro tan-to tempo sem voltarem para trás da câmara: George Lucas (22 anos entre “A Guerra das Estrelas”, em 1977, e “Star Wars Episódio I: A Ameaça Fan-

tasma”, em 1999) e Stanley Kubrick (12 sem dar notícias entre “Nascido para Matar”, em 1987, e “De Olhos Bem Fechados”, em 1999).

Campeonatos diferentes? Em co-mum aos três, um visionarismo nas-cido do controlo absoluto sobre cada

Após a rodagem de “Dias do Paraíso” Malick começou a

trabalhar num filme chamado “Q”, para o qual enviou equipas

para os quatro cantos do mundo em busca de imagens do mundo

natural. É nesse projecto abortado que reside a génese de

“A Árvore da Vida”

Há um “efeito Malick” que se gera a partir da lenda. Como com Garbo, Brando, Elizabeth Taylor, Maria Teresa de Noronha, Jimmy Page dos Led Zeppelin

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Maio 2011 • 9

O visitante

Terrence Malick esteve em Cannes, há até relatos que sugerem foi espreitar a projecção do seu fi lme, semi-incognitamente, sem ter fi cado um minuto completo dentro da sala. Em todo o caso, não fi cou para receber a Palma de Ouro com o que júri do festival o entendeu premiar, acrescentando mais umas linhas à história da sua mítica timidez. Que é uma coisa sincera, tudo indica, mesmo que a publicidade tenha (fi nalmente) encontrado uma maneira de a explorar, exacerbando a “reclusividade” de Malick e outros termos aplicados a quem quer que seja refractário à frequência do circo e dos círculos hollywoodianos (Malick não é nenhuma personagem de Thoreau, vive num grande centro urbano, Austin, Texas, e leva, ao que se sabe, a vida normalíssima de um tipo normalíssimo).

Ainda assim, claro que há um “mito Malick”, quase no mesmo sentido em que se fala do mito de Loch Ness ou do yeti. Com a diferença de Malick, quando aparece, deixar mais do que umas pegadas ou umas fotografi as desfocadas. Deixa fi lmes, não muitos (“A Árvore da Vida” é só o seu quinto), o sufi ciente para que não se discuta a sua existência. Malick vai e vem e nunca fi ca. Esse também é o “mito Malick”: há perto de quarenta anos que é o protótipo do visitante, que aparece de vez em quando e logo desaparece, deixando em cima da mesa qualquer coisa de essencial. Até agora, Malick só fez o essencial, e os longos hiatos entre os seus fi lmes podem ser vistos como uma medida de tudo o que de acessório ele nunca fez. É um visitante ainda mais especial por causa disso: não há ninguém, entre os seus parceiros de geração, que se possa dar ao luxo de dizer que só se dedicou ao essencial. A reverência a Malick, dentro do cinema americano, tem algo a a ver com isto, como se ele se tivesse tornado numa “consciência” (desse mesmo cinema americano ou do cinema americano da sua geração), que se manifesta espaçadamente mas quando se manifesta capta a atenção de toda a gente. A infl exível seriedade - podemos mesmo dizer solenidade, solenidade religiosa, porque Malick, como se vê por “A Árvore da Vida”, é o único cineasta americano que ainda trata o cinema, cada fi lme, como uma experiência ou um grande gesto de cariz religioso - de um fi lme de Malick cava, cada vez mais (à medida que o tempo passa), um contraste abissal com a puerilidade reinante em Hollywood. Malick continua a fi lmar para os mesmos espectadores - adultos - para quem fi lmou “Badlands”, em 1972. E isto, de facto, impressiona.

Um espectro“A Árvore da Vida” é um espectro que assola Hollywood: o espectro de um cinema adulto, sério, quase missionário na forma como se está nas tintas para o “entretenimento” do espectador. Malick não brinca com o cinema nem, como dizia o outro, com o amor. “Badlands” e “Days of Heaven”, no princípio e no fi m dos anos 70, formam quase um díptico no seu retrato de uma América física e metafísica, com um fôlego arrancado ainda mais à literatura e à pintura americanas do que ao cinema (isto continua em “A Árvore da Vida”, que tem Wyeths e Hoppers por todo o lado). “Days of Heaven”, fi lme fabuloso, não conseguiu furar a cortina de fumo que os mais extrovertidos membros da “nova Hollywood” ainda eram capazes de criar - e como poderia ele combater a megalomania de Coppola e do “Apocalypse Now”, ou o aparato dos “Encontros Imediatos” de Spielberg? Por falar em Spielberg, pensa-se nele durante “A Árvore da Vida”: é naquela sequência fi nal do “intermezzo científi co”, onde a origem da vida e do mundo é recriada como “experiência estética”, com os dinossauros (digitais) a protagonizarem uma parábola sobre a vida, a morte e a piedade cristã (também ninguém nos tira da cabeça que Malick anda a pregar um panteísmo de raiz essencialmente cristã, aliás é a Bíblia que o fi lme começa por citar). Essa cena é capaz de ser a melhor crítica - quer dizer, a expressão de uma consciência - ao infantilismo de “Jurassic Park” que já vimos alguém fazer. E de resto, não é a primeira vez que a consciência de Malick se faz ouvir

em que Malick concilia o muito pequeno (as células) com o muito grande (planetas, galáxias inteiras), parece que o visitante vem mesmo do espaço exterior, com um campo de visão sufi cientemente amplo para nos conseguir mostrar, a todos, aquilo que somos (e já agora, que somos tudo, e que somos nada). O gesto impressiona ainda mais porque, à volta de Malick, no cinema e para além dele, onde é que encontra alguém que queira abraçar, desta maneira e com esta força, toda a humanidade?

A inflexível seriedade de um filme de Malick cava, cada vez mais, um contraste abissal com a puerilidade reinante em Hollywood. Malick continua a filmar para os mesmos espectadores - adultos - para quem filmou “Badlands”, em 1972. E isto, de facto, impressiona

Malick vai e vem, e nunca fi ca. Esse também é o “mito Malick”: há perto de quarenta anos que é o protótipo do visitante, que aparece de vez em quando e logo desaparece, deixando em cima da mesa

qualquer coisa de essencial. Luís Miguel Oliveira

O regresso com “A Barreira Invisível” (1998), no ano em

que Spielbegr fazia o seu filme sobre a II Guerra, “O Resgate do

Soldado Ryan”A família do sul americano nos anos 50 (à esquerda) e um dos filhos de Brad Pitt na actualidade, homem (Sean Penn): “A Árvore da Vida”

“Badlands” (1973), a estreia – com Malick a aparecer no seu

próprio filme

em relação a Spielberg. Pensemos em 1998, ano do “regresso” de Malick com “The Thin Red Line”, falso fi lme de guerra (pelo menos falso fi lme de género), cheio de dúvidas, angústia e desencanto, e em como ele coexistiu com a festiva guerra de Spielberg no contemporâneo “O Resgate do Soldado Ryan”...

“O Novo Mundo”, outra vez um fi lme “falso” (neste caso um “falso épico”), voltou a recentrar o cinema de Malick numa narrativa das origens e das mitologias americanas. Sem perder isso, “A Àrvore da Vida” volta a fazer uma ligação mais vasta - é toda a humanidade, toda a vida, que está em questão. No tal “intermezzo”

“Dias do Paraíso” (1978), o fi lme antes do “desapare-cimento”

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executivo dera carta branca a Ma-lick para o seu filme seguinte. Este tipo de deferência é inaudito numa cidade onde nunca houve problemas em despedir realizadores por roda-gens conturbadas como as de “Dias do Paraíso” (dois anos de montagem durante as quais o filme que ninguém acreditava estar lá emergiu lentamen-te) – e aquilo que Malick faz é tudo menos um êxito de bilheteira garan-tido. Mesmo que, como é o caso, haja uma Palma de Ouro de Cannes.

É um homem incapaz de transigir, o que começa por ser uma quali-dade. É metido consigo próprio, fala pouco, mostra-se susceptível. Há algo de acanhado nele, em con-traste com os filmes. Pierre Lescu-re, produtor, ao “Le Monde”

Essa Palma de Ouro reconhece o quê? Essa carreira bissexta que Ma-lick assume, dizendo que precisa de tempo para viver a vida que quer con-tar nos filmes (as suas rodagens são imersivas, sem recorrer a iluminação artificial e com a câmara a passear pelo meio dos actores)? A ambição de um filme que abarca em simultâ-

neo num duplo movimento o infini-tamente pequeno e o desmesurada-mente grande? Um modo de ver e pensar o cinema que resiste às fór-mulas e lugares narrativos para se concentrar na experiência sensorial (“O nosso objectivo era fazer do filme uma experiência e não uma história”, disse ao “New York Times” um dos montadores de “A Árvore da Vida”, Mark Yoshikawa)? Um objecto singu-lar que assustaria meio mundo, se viesse assinado por um cineasta de nome impronunciável e proveniência exótica, mas que, vindo do coração da produção americana e apadrinha-do por actores de nome sonante, conquista até à rendição os especta-dores?

Porque, que não se duvide, há tam-bém um “efeito Malick” que se gera a partir da lenda. Como se gerou com Greta Garbo, Marlon Brando, Eliza-beth Taylor, Maria Teresa de Noronha, Jimmy Page dos Led Zeppelin – a par-tir do momento em que se retiram da “vida activa”, o interesse mediático multiplica-se proporcionalmente ao período de silêncio.

Ainda Cannes não tinha começado, ainda não se sabia o que iria sair de “A Árvore da Vida”, e o filme já era o acontecimento do festival. Já o era desde 2010, quando se falou dele co-mo certo para a selecção competitiva, onde acabou por não aparecer — nem em Cannes, nem nas competições sub-sequentes de Veneza e Berlim. Duran-te esse ano, Malick e os seus cinco montadores afinaram o filme e redu-ziram-no de 210 para 140 minutos.

Mas o que é um ano para um filme que esteve 33 anos em carteira, tantos quantos os que medeiam entre a es-treia de “Dias do Paraíso” e o desven-dar de “A Árvore da Vida”?

[Malick] busca uma forma de ins-piração divina. Por estranho que possa parecer, creio que ele está à espera que seja o seu filme a dizer-lhe do que trata. Nick Nolte, ao “Le Monde”

Trinta e três anos, a idade de Cris-

to. É uma coincidência, mas é signi-ficativa.

Primeiro, porque a religião tem um papel muito forte no novo filme, ou não se passasse no Sul profundo dos anos 1950 – esse Texas onde Malick cresceu, esse Sul onde a presença da religião é ainda hoje uma “chave” pa-ra compreender muita da cultura e da sociedade locais. (Para que conste, ninguém da equipa e do elenco do filme olha para “A Árvore da Vida” como filme religioso; como diz ao “New York Times” Jack Fisk, cenó-grafo e amigo de longa data, Malick é mais espiritual do que religioso.)

Depois, porque foi após a rodagem de “Dias do Paraíso” que Malick co-meçou a trabalhar, com a carta bran-ca de Charles Bluhdorn da Para-mount, num filme chamado “Q”, para o qual enviou equipas de roda-gem para os quatro cantos do mundo em busca de imagens do mundo na-tural. “Q”, nunca chegou a vias de facto, mas é nesse projecto abortado que reside a génese de “A Árvore da Vida”, o embrião a partir do qual o novo filme entrou numa gestação de três décadas.

A obra de uma vida? Talvez – não temos maneira de o saber. Malick não fala, não dá entrevistas, não compa-rece às conferências de imprensa, nem sequer apresenta os seus filmes. Mas uma coisa é certa: o eremita que vive fora do sistema, que se sente ater-rorizado por Hollywood, foi o único cineasta a cumprir o sonho dos “mo-vie brats” que lhe abriram as portas. Eles quiseram mudar Hollywood por dentro e acabaram por ser absorvidos pelo sistema.

Terrence Malick recusou o sistema, ei-lo hoje erguido a mestre incorruptí-vel, visionário de um cinema cósmico que existe no seu próprio universo e que conseguiu impor sem precisar de erguer a voz, nem fazer cedências.

Se se esperar tempo suficiente, acabará por haver um novo filme de Terrence Malick. Anthony Lane sobre “A Árvore da Vida”, na “New Yorker”

A liberdade que lhe tem sido dada apenas tem paralelo num Spielberg a quem ninguém ousará retirar o direito à “última palavra” – e com quem tem também pontos de contacto na sua fé no poder transcendente do cinema

Malick (à esquerda na rodagem de “Dias do Paraíso”, à direita nos dias de “A Barreira Invisível”), foi revelado na mesma geração dos “movie brats”que trouxe Lucas e Spielberg, DePalma e Scorsese, Coppola ou Bogdanovich. O seu percurso, no entanto, foi feito “ao lado” dessa geração

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12 • Sexta-feira 27 Maio 2011 • Ípsilon

— ‘Bora? Se vier a polícia, olha… ±MaisMenos± escolheu a parede de

um armazém abandonado, perto da Rotunda 25 de Abril, Lisboa.

18h50. Põe as luvas. Da mochila tira a lata de tinta preta e os cartões com o alfabeto recortado. Pega no E e no M. Encosta o primeiro cartão à parede, agita a tinta, pinta o E, depois o M: EM. Pega num N e num O: N-O-M-E. Vai dei-xando cair os cartões das letras que já não precisa: D-O S-O-N-A-E. Dá dois passos atrás, olha, volta a aproximar-se, recomeça na linha de baixo.

18h55. Os carros passam com velo-cidade, os condutores nem abrandam para olhar. Não há polícia à vista. As palavras aparecem cada vez mais rápi-das. É uma frase que já deixou na pai-sagem do Porto, mas ainda não tinha escrito em Lisboa. Um A, um M, um E, um N, para terminar: A-M-E-N.

19h. Estica-se e no topo faz um + e um -, a sua marca. Afasta-se e olha para o seu trabalho:

“EM NOME DO SONAEDO AMORIME DO BANCO ESPIRITO SANTOAMEN” — Pumba! — diz.

“Entre nós e as palavras, os empare-dados/ Entre nós e as palavra, o nos-so dever falar”. O Cesariny haveria de gostar disto. Há uns tipos que an-dam a desemparedar-nos. A desen-terrar-nos os pensamentos. A expô-los na praça pública de tal maneira que não tememos por eles, mas por

nós. Sentimo-nos nus, podiamos to-dos ser presos por atentado ao pudor, temos todos de fugir à polícia.

Senta-se cansado mas feliz numa me-sa abandonada da esplanada do Braço de Prata, lugar onde os graffi tis sobrevi-vem à obsessão pela limpeza das pare-des. Durante o dia foi Miguel Januário, pintor de paredes por encomenda; ao fi nal do dia é MaisMenos. MaisMenos escreve tudo o que Miguel Januário pen-sa, que pensa “mas não existe”, como diz um dos seus “streetments”.

Já foi Caos e já foi Naif, assinaturas invulgares para um “writer”, assinatu-ras que em si já eram uma mensagem, mesmo se depois pintava caras. Deixou de ter vontade de fazer caras e de fazer as palavras gigantes coloridas do graffi-ti tradicional. Queria pôr as pessoas a pensar, ou seja, a existir.

Os “streetments” às vezes apare-cem-lhe como uma iluminação,

As ruas são vossas

Temos espiões nas ruas. Não dormem de noite para nós não andarmos adormecidos de dia. Muita gente gostaria de assinar por

baixo dos trabalhos de ±MaisMenos±, Adres, Pantónio. Histórias da “street art” portuguesa, na semana em que por cá se estreia “Banksy.

Pinta a Parede”. Susana Moreira Marques

PE

DR

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UN

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“A situação está tão fora do nosso controlo que cada vez mais me dá vontade de fazer coisas que estão fora do controlo deles”Adres

Mais Menos, aliás Miguel Januário, fez a sua melhor performance há uns meses nas escadas do Parlamento, mas já andava a marcar paredes há anos

Adres escreveu numa parede “não se escreve nas paredes”, e depois continuou a escrever

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Maio 2011 • 13

“Banksy. Pinta a parede” é um objecto paradoxal. Está entre o documentário, a fi cção, o manifesto e o fi lme de artista. A expectativa é que responda à pergunta “Quem é Banksy?”, mas a pergunta fi ca por responder. E no lugar da pessoa surge o retrato de um movimento artístico secreto e “underground” e uma severa crítica ao mundo da arte. E Banksy mantém-se como “persona” contestatária, subversiva e, acima de tudo, como bom artista.

A abertura, muito apropriada, é dada por Richard Hawley, que canta “do you know that

tonight the streets are ours”. Este é o mote da primeira parte do fi lme. Uma viagem ao mundo do grafi ti, mas sobretudo uma viagem por essa imensa galeria a céu aberto que é Los Angeles. A viagem é nocturna e arriscada, e o artista urbano apresenta-se como um herói: sempre a tentar chegar a lugares inacessíveis e perigosos (fachadas altas, telhados, espaços públicos vigiados), a executar operações complexas com a ajuda de escadas e de ferramentas improvisadas, movido pela ambição de melhorar o espaço público naa urgência, quase romântica, de salvar um bem comum e de democratizar e tornar acessíveis os gestos artísticos. Para isso, leva pedaços do mar e da natureza para lugares onde só se vê o cinzento do betão, coloca caras alegres nas empenas desertas dos edifícios onde nem janelas existem e escreve frases com humor.

“Banksy. Pinta a Parede” não é um discurso sobre a “street art”, mas uma narrativa na primeira pessoa pelos protagonistas dessa cena artística, que se deixam “documentar” pela câmara de um francês obsessivo chamado Thierry Gueta, personagem (ou será real?) que Banksy utiliza para fazer o seu documentário (ou será uma fi cção?). Resumindo: o artista, agora realizador, conta a história de um francês (que não se sabe se é facto ou fi cção) para falar do seu mundo.

Ao longo do fi lme, a dúvida é permanente: estará Banksy a falar sobre si próprio? Focar a história em Gueta permite-lhe comentar a história da “street art” sem falar de si e caricaturar por interposta pessoa o mundo da arte. Bansky aparece no fi lme, mas sempre a propósito da descrição das aventuras de Gueta e mantendo a cara tapada e a voz distorcida. Um anonimato necessário, porque só ele permite a realização do trabalho político de Banksy (fez intervenções do muro de Israel, amarrou um boneco numa grade do parque da Disney nos EUA, entre muitas outras acções). Não se mostrar obriga a que o reconhecimento e o mediatismo se concentrem no trabalho e permite que o artista continue a trabalhar em liberdade: se não se souber quem é, não pode ser acusado

de obstrução da via pública, de crime político, de danos patrimoniais. Mas também serve o propósito de negação do ‘star system’ do mundo da arte, que tanto critica.

A fi cção de BanksyEste falso-verdadeiro documentário começa contra a vontade: Banksy não queria nada disto. A culpa foi de Gueta, que um dia descobriu a ambição de fazer um documentário sobre esta cena clandestina. E os artistas, até então receosos de se expor, aceitam participar, sobretudo porque os seus trabalhos são tão efémeros que é preciso documentá-los.

É assim que nasce o documentarista Thierry Gueta. E se o acaso é a origem do fi lme, também é uma constante no que se segue. É assim que a primeira parte da história - e diga-se: é uma história bem contada - se desenvolve: artistas envolvidos em trabalhos que simultaneamente são gestos políticos, poéticos, surpreendentes e belos.

As qualidades formais do trabalho artístico não são esquecidas. Numa cena, o ingénuo e inculto Gueta pergunta a um artista “mas tu sabes desenhar?”, enquanto aponta para uma mancha de cor “grafi tada” na parede. E o artista, espantado, reage: “Mas não vês que isto é uma pintura?” Um espanto fundamental para se perceber a fronteira entre o vandalismo urbano e a “street art”. Está-se num plano informado e educado: a herança da pintura e a liberdade formal trazida pela modernidade fazem-se sentir. E não há espaço para equívocos: todas

as personagens deste fi lme são artistas intensamente envolvidos na produção de arte.

A partir de certa altura, o fi lme deixa a “street art” e assume como elemento central a transformação do francês documentarista “com problemas mentais” num louco de ambição desmedida que se faz artista. Descobre-se que o documentário era “uma merda, mas o material era muito bom”, e por isso o anónimo Banksy vê-se obrigado a terminar a tarefa e a fazer de realizador. Novamente o acaso a ditar a acção.

A arte é uma piadaO francês deixa-se contagiar pela ambição de querer ser artista e transforma-se em artista-sensação. Do seu retrato - ele que nunca quis ser artista, mas acedeu a uma sugestão amiga - nasce uma visão de um mundo da arte em que não existe inquietação artística, mas só se responde às condições de mercado e se manipulam os diferentes meios de legitimação e afi rmação: curadores, críticos, coleccionadores. A arte transforma-se num parque de diversões e deixa de ter signifi cado. A “meaningless art” que Banksy, através dos comentários acerca do novo artista, tão duramente crítica.

Thierry Guetta (ou Banksy?) deixa de ser documentarista para ser um “street artist” de tal modo bem sucedido que as suas peças (como as de Banksy) são reproduzidas e a sua assinatura passa a valer milhões nas leiloeiras e nas galerias internacionais. As celebridades festejam o seu sucesso (talvez como Brad Pitt e Clive Owen quando vão à inauguração de Banksy em Los Angeles) e vêem o artista como uma estrela. Estes são os ingredientes da comédia (trágica?) montada pelo artista.

A piada deste mundo da arte ao qual se escolhe pertencer está no paradoxo: para sobreviver, o artista tem de alinhar, vender e dialogar com os diferentes protagonistas (e Banksy é disso um dos melhores exemplos), o que dá vontade de rir (um riso de nervoso miudinho). O retrato é cínico e, para tornar evidente o sucesso da piada, Banksy (via Thierry) afi rma: “O Andy Warhol morreu e eu estou aqui.”

Banksy, o bom artistaO documentário (fi cção?) que agora chega às salas não responde à pergunta “Quem é

Banksy?”. Mais do que um retrato da “street art” (ou do artista, que permanece anónimo), é uma caricatura do mundo da arte, e do seu peculiar “star system”. Nuno Crespo

A piada deste mundo da arte está no paradoxo: para sobreviver, o artista tem de alinhar, vender e dialogar (e Banksy é disso um dos melhores exemplos)

Ao longo de todo o filme, Banksy permanece de cara tapada e com a voz distorcida: o anonimato é a condição do “street artist”?

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outras vezes, precisa de muito tem-po com uma canção, um poema ou um ditado para descobrir como sub-verter o nosso “portuguesismo”.

“MUDOS OS TEMPOS MUDAS AS VONTADES” – Camões a dar voltas na campa. “GRÂNDOLA VILA CORRUP-TA TERRA DA DESIGUALDADE” – Ze-ca Afonso a levantar o punho do além. “O POVO VENCIDO JAMAIS SERÁ UNIDO” — desta alguém não gostou, pintou de branco, e Mais Menos res-pondeu: “EXACTO”.

Na manifestação de 12 de Março, empunhou uma bandeira de Portugal com um ± por cima. “Os tempos mu-dam, o trabalho muda”, explica. Ao acompanhar as notícias sobre a crise da dívida soberana e a sequência de eventos até à chegada do FMI, parecia-lhe estar a assistir a uma peça de teatro. Então decidiu que os tempos pediam a sua melhor performance. Vestiu-se de jogador de golfe. Subiu compene-trado as escadas do Parlamento. Colo-cou um pão no chão, concentrou-se, e fez pontaria. Calmamente, arrumou o taco, desceu as escadas, desapare-ceu. O vídeo foi visto online por milha-res de pessoas. “Força aí”, “continua” — começou a receber mensagens de toda a parte, houve até quem se ofere-cesse para se juntar a ele e dissesse: “Quero mudar este país, abraço.”

“O tempo perguntou ao tempo quan-to tempo o tempo tem; o tempo per-guntou ao tempo quanto tempo o tempo tem… ”, está escrito no corri-mão da passadeira rolante da estação de metro do Marquês de Pombal. Quase ninguém repara. Quase nin-guém tem tempo. Há uma cidade pa-ralela, sem papas na língua, que não deixa passar uma parede em branco, e basta um segundo para olharmos, um segundo para começarmos a pen-sar. O tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tem-po o tempo tem. Quando é que o tem-po deixou de ser nosso?

Adres nunca deixou de ser um menino que escreve nas paredes. Es-creveu “não se escreve nas paredes” numa parede e continuou a escrever: “merda”. Um dos seus trabalhos mais conhecidos está na Graça. Um me-nino, boné até aos olhos, segura um cartaz: “Troco Magalhães por Plays-tation”.

Quando fez esse “stencil” eram três da manhã. Dessa vez não foi apanhado, mas mais tarde sim, e na esquadra fi caram-lhe com o cartão onde tinha recortado este menino. Fez outro.

Também começou por fazer graffi-ti tradicional na zona oriental de Lis-boa, onde cresceu, e, assumidamen-te inspirado por Banksy, começou a

fazer “stencil” e um trabalho mais interventivo. Tem um emprego de dia, é um jovem “quinhentorista”, e vai buscar o salário às caixas multi-banco como todos nós. Um dia per-cebeu que se dirigia à caixa como a um altar e uma noite colocou cruzes sobre várias máquinas de Lisboa. “Se calhar não é a Deus que temos de pe-dir uma vida melhor, mas às institui-ções bancárias”.

Quer fazer mais trabalho de interven-ção, ser mais ousado: “A situação está tão fora do nosso controlo que cada vez mais me dá vontade de fazer coisas que estão fora do controlo deles.”

Um “quinhentorista” é um jovem revoltado, indignado. Tem razões pa-ra isso. O trabalho de Adres vem de se sentir injustiçado e ter razão. Anda abismado com o pouco que as coisas mudaram. Em casa de um amigo ou-viu o célebre desabafo de José Mário Branco, “FMI”: “Sempre a merda do futuro? E eu que me quilhe? Pois pá: sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu, hã? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá: e eu? José Má-rio Branco, 37 anos. Anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo - e de-pois? É só porrada e mal viver, é? ‘O menino é mal-criado’, ‘o menino é pequeno-burguês’, ‘o menino perten-ce a uma classe sem futuro histórico’... Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz, porra! Quero ser feliz agora!”

Substituam “José Mário Branco, 37 anos” por “Adres, 29 anos.” Tal e qual.

Quando foi que deixámos de desenhar corações partidos à flecha, quando foi que deixámos de escrever “merda” num tampo de mesa, numa porta? Quando foi que as árvores e os postes deixaram de ser nossos? Quando foi que as ruas deixaram de ser nossas?

O primeiro trabalho que Pantónio fez quando percebeu que não viviamos tempos para andar a fazer “desenhi-nhos” foi colocar uns alvos com ore-lhas de burro em sítios estratégicos,

como por exemplo a sede do PS, e escrever: “Entra por um ouvido sai pelo outro”.

Depois, mudou as placas de sina-lização no centro de Lisboa. Toda a gente reparou. Era impossível não reparar e admirar. Foi feito à luz do dia, à frente dos polícias. Ele não tem a certeza de que o “jogo” tenha que ser jogado à noite, de capuz e com uma “máscara bem feita”, como Banksy, e como muitas pessoas da “street art” defendem. O anonimato que manteve ao início serviu sobre-tudo para permitir isto: qualquer por-tuguês poderia assinar por baixo, qualquer português quereria assinar por baixo.

Depois de as placas a dizerem “FMI”, “Centro de Bruxelas, “Casa da Merkel” serem limpas, fez outras no-vas. Da segunda vez, as pernas treme-ram-lhe quando subiu ao escadote, em pleno Marquês de Pombal, en-quanto os polícias a preparavam cor-tes de trânsito para o desfile do 25 de Abril. Pôs “Portugal” de pernas para o ar. Ainda lá está e nós continuamos no centro do avesso.

No Rossio, Pantónio oberva o acam-pamento da “democracia real” que quer reclamar as ruas. Olha para o ruído de cartazes em frente à estátua. Ele gostaria de dar a sua contribuição, que não será pegar num megafone, mas incentivar outras pessoas a pegar no megafone.

No Rossio há fontes, há condutas do metro, prédios, o edifício do tea-tro, uma feira, tudo material para trabalhar. Pantónio olha para a cida-de como quem olha para uma tela ou para um pedaço de barro. Como um espião. Observa e espera.

O “writer” – aquele que escreve -, disse uma vez Martin Amis, devia ser chamado de “waiter” – aquele que es-pera. E não podia ser mais verdade para os “writers” da rua. Eles andam aí, são os nossos espiões, e esperam o momento certo para dizer que as ruas não são só deles, as ruas são vossas.

Ver crítica de filmes pág. 43 e segs.

Pantónio mudou as placas de Lisboa à luz do dia, à frente dos polícias. Qualquer português poderia assinar por baixo, qualquer português quereria assinar por baixo

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SO protesto “de rua” acompanhou a contagem

decrescente para a chegada do FMI a Portugal

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16 • Sexta-feira 27 Maio 2011 • Ípsilon

A megalomania é uma condição deli-rante e pode ser sintoma de uma per-turbação de personalidade narcisista. Mas há também pessoas como Sufjan Stevens, que nos habituámos e apres-sámos a enfiar dentro desse armário dos medicamentos por pensar e criar generosamente, como se obedecesse a um mandamento patológico. Se fos-se o caso, Sufjan deveria estar seve-ramente sedado para que a sua me-galomania se manifestasse de uma forma tão funcional e iluminada. Quer-nos parecer que aquilo que em alguns é reflexo de uma descompen-sada existência social resume-se no caso do músico norte-americano à mera tradução popular da coisa: ma-nia de grandezas. E não, não são gran-dezas de insuportável narcisismo. É antes uma incapacidade crónica de sacudir outra ordem de delírios – os conceptuais – que toma conta de si nos momentos de criação.

A “culpa” é, em grande parte, atri-buível ao próprio Sufjan Stevens. Quem o mandou apresentar-se ao mundo com um descomunal e ambicioso pla-no de dedicar um álbum a cada um dos 50 estados norte-americanos? Quem o mandou pendurar nas nossas cabe-ças a ideia de que devia estar fechado num “bunker” rodeado de placards com fotografias do estado a que se de-dicava nesse momento e um mapa do território norte-americano onde ia es-petando bandeiras coloridas à medida que cumpria mais um objectivo? Claro que Sufjan Stevens não é nada disto. A sua música, garante-nos, “está cheia de comédia, superlativos e de artifícios de publicidade”, pelo que não é reco-mendável levar cada uma das suas de-clarações de ambição desmedida à letra. Mas nem tudo era piada. “Há uma certa verdade nisso: o facto de querer mesmo criar uma paisagem musical geográfica. O projecto dos es-tados tinha um objectivo artificioso, mas revelava o meu desejo profundo de que a música contasse histórias e falasse sobre regiões e geografias. Ain-da tenho esse impulso, mas também me distraio com facilidade”.

Hipótese um: hiperactividadeNão custa nada a acreditar que Sufjan Stevens se distraia com facilidade. Afi-nal, o diagnóstico da sua maleita cria-tiva poderá inscrever-se antes em dé-fice de atenção e hiperactividade. Tal-vez por isso, no último “The Age of Adz” Sufjan faz-se Hansel esquecido de Gretel e – sem o tom tétrico do con-to infantil – vai deixando pistas e lem-bretes para si mesmo nas canções. Em “Vesuvius”, por exemplo, aproveita-se da vizinhança fonética do vulcão na-politano com o seu nome próprio e cola na letra da canção, a amarelo “post-it”, os versos “Sufjan, follow your heart” e, em seguida, “Sufjan, the panic inside”. A recuperar de um co-lapso nervoso por alturas da compo-sição do disco, o pânico era a inspira-ção estar gretada, sem pingo de água; o coração tinha de tomar caminhos

Porto e Lisboa recebem, dias 30 e 31, o homem que um dia anunciou o plano de gravar um á norte-americanos. Não se sabe se Su� an Stevens desistiu ou se era apenas uma piada. Se c

Canções com r

“Escrever canções é um privilégio, não é necessariamente uma situação de vida ou morte, mas dei por mim (...) com uma sensação apocalíptica, sem ideia de para onde ia e se seria a última canção que alguma vez iria compor”Sufjan Stevens

O disco que Sufjan Stevenstraz aos Coliseus do Porto

e de Lisboa é, à sua maneira, mais um disco conceptual:

“Somos aquilo que somos e, por muito que queira mudar,

continuo a ser eu”

novos. A solução foi fugir da zona de conforto, guitarras e banjos trancados e chave atirada ao mar, e a exploração sónica promovida a cabeça de lista. “Estava a sentir um verdadeiro desam-paro. Sentia falta de confiança e o ter-ror de não saber o que se ia passar em seguida. Escrever canções é um privi-légio, não é necessariamente uma si-tuação de vida ou morte, mas dei por mim, mesmo sozinho numa sala, com uma sensação apocalíptica, sem ideia de para onde ia e se seria a última can-ção que alguma vez iria compor”.

Esse clímax dramático, reconhece o músico, é ao mesmo tempo dema-siado irresistível para que possa dis-pensá-lo. Não é uma situação de vida ou morte, mas é, naturalmente, uma questão de sobrevivência da auto-estima. Se a dúvida sobre a capacida-de de compor não tiver a forma de uma tormenta, não ouvirá o som glo-rioso das trombetas sempre que ter-minar uma canção. “Isso eleva a ex-periência e faz-me tirar prazer do pânico”, diz. “Posso tomar conta do

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Maio 2011 • 17

m álbum para cada um dos 50 estados e calhar distraiu-se. Gonçalo Frota

meu destino e usá-lo de uma forma positiva; ou posso facilmente tornar-me autodestrutivo e mórbido”.

Armado até aos dentes contra si próprio, Sufjan Stevens partiu para a composição não querendo ser apa-nhado desprevenido pelas tentações demasiado palpáveis da megaloma-nia. Era como se tivesse dado entrada numa clínica de desintoxicação. No caso, queria combater a rapidez com que se agarra a uma ideia e desenvol-ve todo um disco à sua volta. A situa-ção tornou-se particularmente grave quando, após “Michigan” e “Illinoi-se”, aceitou uma encomenda da Brooklyn Academy of Music e compôs música para um filme sobre a Brooklyn-Queens Expressway (“The BQE”), os 57 quilómetros de asfalto que ligam Brooklyn a Nova Jérsia. De-pois disso, Sufjan proibiu inutilmente a entrada aos conceitos. Apesar de todo o esforço, em “The Age of Adz” há uma recaída óbvia. Chama-se “Im-possible soul”, são 25 minutos de am-bição pop, um ciclo de canções à boa maneira de Schubert ou Schumann, “como se fosse uma sonata ou uma sinfonia, com um tema comum mas múltiplos andamentos”, e mais auto-recados deixados à solta na música. “É um bocado vergonhosa a auto-consciência que existe neste disco. Há uma terapia contínua que se pro-longa por todo o álbum e há algo de humilhante nisso. Mas funciona”.

O desafio recente de Sufjan Stevens mantém-se: continuar a jurar fideli-dade à canção e tentar ser ainda e sempre um compositor de tradição folk, ao mesmo tempo que tenta mu-dar todas as ferramentas que adquiriu ao longo dos anos para alcançar estas metas. É uma cruzada pessoal, com o seu quê de penitência, para contra-riar os hábitos de sempre. Há uma linha telefónica a separar-nos, mas em certos momentos parece mais pro-vável encontrarmo-nos separados por um confessionário, confissão de um lado, absolvição do outro. E, no en-tanto, não há um único passo em fal-so na carreira de Stevens. Apenas uma aparente culpabilidade em relação aos objectivos – os tais, ditos megaló-manos – que ele próprio se propõe.

E é por isso que Sufjan diz ter contra-posto ao cansaço de compor álbuns conceptuais um “menor refinamento”. Só que a culpa lá vem novamente atre-lada: “Quando se olha com atenção, é um disco com uma certa coerência, ob-cecado com o cosmos, e usa um artista ‘outsider’ chamado Royal Robertson como enquadramento. É engraçado que, mesmo na minha tentativa de en-xotar tudo isto, o disco foi resgatado por uma certa construção. Somos aqui-lo que somos, e, por muito que queira mudar e distorcer, continuo a ser eu”.

Hipótese dois: superego tem-porariamente indisponívelEntre 2000 e 2010, Sufjan Stevens lançou dez discos. Arriscamos mais um distúrbio de personalidade, que julgamos diagnosticar como inconti-

m recados

nência criativa ou falta de pilhas no superego, materializada na incapaci-dade de filtrar ideias. “Sinto que há tanta música no mundo que isso não será especialmente prejudicial à mi-nha carreira e à minha reputação, porque as pessoas descobrem aquilo de que gostam e investem nisso. Estou confortável com o facto de as pessoas se ligarem apenas a um par de can-ções. Interessa-me produzir mais e não ter tantas cautelas”.

As canções, tem a certeza, hão-de sobreviver-lhe. Sufjan vai definhar e desaparecer, mas vão ficar as suas “dá-divas para o mundo”. Esta sobrevivên-cia dificilmente não significará, para a maioria dos músicos, mais do que algumas centenas de ficheiros perdi-dos “num disco rígido algures, sem ninguém para os ouvir”. Mas o idea-lista Sufjan acredita que uma canção existe independentemente de alguém lhe dar ouvidos. “Há um valor exces-

sivo atribuído ao consumo e ao reco-nhecimento, porque enquanto socie-dade já não criamos música apenas pelo prazer social, pelo gozo da parti-lha. Em muitas culturas essa tradição perdeu-se e a indústria musical ocu-pou o lugar, as pessoas tendem a en-trar nessa estrutura comercial. Não acredito que essa seja a única forma de atribuir valor à música. Tudo o que temos é o aqui e agora. Por isso aquilo que crio no momento deixa de ser mi-

nha responsabilidade. Se cair no olvi-do, for música de anúncios na TV ou tornar-se hino nacional, isso já não tem nada a ver comigo. A canção tem a sua a sua própria vida”.

Ainda assim, aquelas que se ouvi-rem esta semana nos Coliseus de Lis-boa e Porto não vêm sozinhas. Sufjan vem como guia turístico, de bandeira no ar, a mostrar-lhes o caminho.

Ver agenda de concertos pág. 34 e segs.

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Está a ser tudo muito rápido para Ni-colas Jaar, 21 anos, e nem sempre é fácil gerir tanta actividade. “Não que-ro que os estudos se ressintam, mas nem sempre consigo”, diz-nos, reve-lando que estuda literatura compara-da na Brown University de Nova Ior-que e é apenas nas férias que se pode permitir pensar em concertos, pelo

menos de forma continuada. O alvo-roço aumentou desde que lançou em Março o álbum de estreia, “Space Is Only Noise”, e não é crível que dimi-nua agora, quando se prepara para se lançar à estrada por esse mundo fora.

É a sua primeira digressão a sério, com duas paragens por Portugal – 2

de Junho no Lux em Lisboa e a 14 de Julho no Festival Super Bock Super Rock do Meco. Em disco a sua música ocupa um lugar próprio, inacabado, de inúmeros detalhes, com “samples” vocais de blues, sons de piano, bati-das lânguidas digitalizadas, restos de jazz, fragmentos de subgraves do dubstep e minimalismos electrónicos,

expostos em canções introspecti-vas.

Ao vivo, diz-nos, é diferente. “Em palco estou com um guitarrista, um teclista e saxofonista e um baterista e as canções é como se estourassem, no sentido de se desintegrarem. É co-mo se os diferentes fragmentos se juntassem para formar uma nova es-tética.” O próprio Nicolas canta, toca piano e ocupa-se de electrónicas. “É um desafio novo para mim”, explica alguém que antes se apresentava ape-nas com computadores. “Assim, pro-porciono um melhor espectáculo, a experiência sai reforçada, existem mais momentos de improvisação e a música é melhor.”

“Não gosto muito de clubes de dança” Desde 2009 que tem dado nas vistas com uma série de singles e remistu-ras, algumas delas numa via dançan-te, mas outras já perseguindo os de-sígnios emocionais que viria a adoptar no álbum de estreia. Durante algum tempo enunciava como principal in-fluência a música electrónica de Ri-cardo Villalobos – prováveis reminis-cências da estadia no Chile durante a infância – mas apenas a espaços isso se pressente.

Os tempos em que pensava na pis-ta de dança parecem ter terminado. “Sempre fiz este tipo de música”, diz, referindo-se às sonoridades elegantes e espaçosas presentes no disco, “mas acontece que as canções que me de-ram maior reconhecimento são as mais ritmadas e acessíveis – o que é irónico porque não gosto muito de clubes de dança, pelo menos nos EUA, na Europa é muito diferente – daí que exista quem tenha ficado sur-preso com o álbum.”

Em “Space Is Only Noise” organiza todas as peças com grande discerni-mento, compondo canções algures entre o digital e o acústico, recorren-do a “samples” vocais ou à própria voz, sem perder o fio narrativo a uma música inclassificável. Na feitura do álbum pensou em noções como a sua “casa”, o seu “refúgio”, lugar que foi criando ao longo do tempo de forma bem urdida.

“Quando comecei tinha essa ideia em mente de criar uma casa sonora onde me sentisse confortável, qual-quer coisa onde fosse possível ir apu-rando pormenores, sem pressas, co-mo se tivesse querido criar um micro-cosmos para mim próprio. A leitura tem também essa dimensão de imer-são, qualquer coisa de absorvente, fora de tempo, que nos faz pensar sem esforço; talvez por isso, associe a experiência da leitura a este dis-co.”

Desde que lançou o álbum de es-treia que o seu nome é associado ao de alguns músicos britânicos que tam-bém se estrearam este ano com discos de fôlego. Falamos do álbum homó-nimo de James Blake, da recriação de Gil Scott-Heron por Jamie xx da qual resultou o álbum “We’re New Here” e de “Mirrorwriting” de Jamie Woon. Todos eles partilham a tenra idade ou o facto de tanto comporem canções electrónicas como criarem espaços e ambientes de devaneio. Todos eles cresceram a ouvir as mais diversas músicas sem inibições (do dubstep ao jazz) e a conciliar as mais diversas fer-ramentas de trabalho, baralhando essas referências e pondo-as ao ser-viço de um universo próprio.

Nicolas percebe as alusões, mas quanto a coisas que o marcaram nos últimos tempos está noutra: “O último álbum dos Black Keys é uma obra pri-ma”, diz, e “Al Green, J Dilla ou algu-mas coisas de Keith Jarrett são sempre referências a que regresso com assi-duidade.”

Para além dos estudos e da produ-ção musical, a sua outra grande ocu-pação é a editora Clown and Sunset, que dirige, o que não deixa de ser es-tranho, tendo em atenção o estado geral da indústria. “Ter a minha pró-pria editora é uma forma de liberda-de. É uma maneira de cuidar da mú-sica que gosto à minha maneira e o facto de vivermos tempos de mudan-ça não me assusta. É apenas mais uma etapa na transformação da música. Quer dizer, a música em si não muda. O que tem vindo a mudar é a forma como a experimentamos.”

E concluiu: “Tenho esta ideia de que uma coisa é a realidade exterior e outra é a realidade interior. Há uma separação entre as duas. A editora tem mais a ver com essa realidade exterior, mas é a música que me per-mite expressar verdadeiramente a realidade interior.”

Para o concerto de 5ª feira, Lux, Lisboa, uma das revelações dos últimos meses promete uma visão diferente da sua música em palco. Vítor Belanciano

“A leitura tem essa dimensão de imersão, qualquer coisa de absorvente, fora de tempo, que nos faz pensar sem esforço; talvez por isso, associe a experiência da leitura a este disco”

Na casa de

Nicolas Jaar

Estuda literatura

comparada na Brown

University e é apenas nas férias que se

pode permitir pensar em concertos

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20 • Sexta-feira 27 Maio 2011 • Ípsilon

Gang Gang DanceAdeus, mau karma

Em 2005, Tim DeWitt, então bate-rista dos Gang Gang Dance, dizia-nos, num café de Famalicão: “O pós-punk foi feito há 20 anos e agora temos o ‘pós-pós-punk’. É a mesma merda. Até a música experimental é a mesma merda. As únicas coisas novas estão na world music, no hip-hop e no R&B. São músicas mais experimentais do que a dita música experimental”.

Os nova-iorquinos acabavam en-tão de lançar “God’s Money”, o pri-meiro álbum em que experimenta-ram fazer canções de corpo inteiro (mesmo que heterodoxas) em vez das longas improvisações dos discos anteriores. Mas foi preciso esperar por “Eye Contact” (2011), o quinto álbum (ou o sexto, se contarmos com o fascinante objecto multimé-dia “Retina Riddim”), para perce-bermos o alcance da frase de DeWitt.

Seis anos depois, a voz dos Gang Gang, Lizzi Bougatsos, confirma o diagnóstico ao telefone, dias antes de se apresentar no Porto (actuam depois de amanhã no encerramen-to do Serralves em Festa): “O que o Tim disse ainda é relevante. E acho que se este álbum fez alguma coisa foi experimentar, da mesma forma que o hip-hop experimenta. Isso é muito excitante para mim. Pela pri-meira vez, tivemos tempo para es-colher o estúdio correcto, o enge-nheiro de som certo. Pudemos ex-perimentar, como qualquer artista rap ou pop”, conta.

Numa crítica a “Eye Contact” pu-blicada na “webzine” The Quietus, Rory Gibb escreve que, “um pouco como aconteceu com os Animal Col-lective e ‘Merriweather Post Pavi-lion’”, com este disco os Gang Gang Dance “desabrocharam em algo que andavam a ameaçar tornar-se desde sempre: uma banda pop a sério”. Não iríamos tão longe, a não ser que entendamos a pop como uma matéria flexível, capaz de absor-ver camadas de sintetizadores, ritmos retorcidos, uma voz de bruxa a lembrar uma Kate Bush em transe, uma notável confu-são de elementos exóticos com parafernália digital. Ou, pen-sando melhor, talvez concor-demos: como os Animal Collec-tive, os Gang Gang Dance fazem pop, mas alargam os seus limi-tes.

Seja como for que vemos a pop, Liz gosta da etiqueta: “Es-tou em êxtase por sermos cha-

Em “Eye Contact”, os Gang Gang Dance fazem pop, mas alargam os seus limites. Depois do pesadelo, a banda vive momentos eufóricos. Vamos poder entrar em euforia

com eles depois de amanhã no Porto, em mais um Serralves em Festa. Pedro Rios

Os Gang Gang Dance isolaram-se no Deserto do Mojave para compor

“Eye Contact”

mados de banda pop. Honestamente. Ouço muitas canções na rádio e vou ver quase todos os artistas pop que consigo só porque me interessam a entrega das canções e o entreteni-mento ao vivo que a pop oferece. Cul-turalmente, precisamos de pessoas para decifrar o que está a acontecer no mundo. A verdade é que estamos a viver no inferno, há coisas horríveis. A pop é o único refúgio que encon-tro”.

Esse namoro com a pop encontra expressão mais do que evidente na canção “Romance layers”, exercício quase “neo soul” com a voz de Alexis Taylor, dos Hot Chip. “Somos amigos há muito tempo. Havia algumas pes-soas que gostávamos de ter no disco, mas não nos responderam. Dissemos a Alexis que queríamos trabalhar com ele e foi ele que nos telefonou a lem-brar-nos. Demos-lhe a canção, ele cantou em cima dela num dia e man-dou-a de volta. É o quão bom ele é”. Perguntamos a Liz com quem gostaria de colaborar e a diversidade das res-postas diz bem do horizonte alargado dos Gang Gang: os “rappers” Chuck D, Jay-Z, Lil Kim (“Adoro-a, faria algo com ela sem pestanejar”) e Nicki Mi-naj e os colossos da experimen-tação Terry Riley e Brian Eno. Para já, dá-se por feliz com a remistura que Lee “Scratch” Perry, mago do dub, fez para o portento “ M i n -dKilla”, ainda por

editar. “É super secreto. Foi ideia mi-nha, adoro o que ele fez”, revela.

Depois do pesadeloFoi no Deserto de Mojave, em 2009, que o grupo encontrou o tempo para experimentar e compor novas can-ções. “Uma amiga minha tem uma casa lá e ofereceu-a. Nunca tivemos tempo para fazer um novo álbum. Desta vez pensámos: ‘Vamos fazer isto da maneira certa, vamos para al-gum lado escrever o disco’. Quería-mos estar todos juntos, depois de um ano pesado de digressões”, explica Liz.

A vida corria bem aos Gang Gang Dance até que um pesadelo (mais um, depois da morte de Nathan Maddox, em 2002, electrocutado por um re-lâmpago, e do tiro que Tim Dewitt recebeu em 2008 num bar, ao qual sobreviveu) desabou sobre eles. Com canções novas para mostrar, o grupo partiu para uma digressão europeia. Logo na primeira noite, viu todo o seu equipamento– incluindo um arquivo de no-vas mú-

sicas e “samples” acabados de fazer – destruído num incêndio na arreca-dação de uma sala de concertos em Amesterdão. “Voltámos para casa com o material queimado, podíamos sentir o cheiro nas roupas, nas ma-las, de cada vez que tentávamos en-saiar. Ainda tenho os nossos CD [também queimados] num saco que nunca abro”, recorda.

Sem equipamento, a banda teve de se reconfigurar lentamente. “De-mos um concerto no MoMA com instrumentos que não sabíamos usar. No início, senti-me muito frus-trada, mas depois comecei a perce-ber como podia arranjar outro pe-dal, outro microfone. E depois sen-ti-me muito livre, podia fazer tudo o que queria”. Uma fénix renascida? Nem mais: “Quando estava naquela sala com o material queimado senti-me como a Joana d’Arc. Pensei: ‘Por-que é não guardei o meu material? Este é o meu mundo e foi-se tudo’. As pessoas ficaram com medo de nós, achavam que dávamos azar, que tínhamos um karma terrível. É por isso que este álbum soa tão di-ferente, porque demos a volta a es-

se estigma”.

Ver agenda de concer-tos na pág. 34 e se-

gs.

“Estou em êxtase por sermos chamados de banda pop (...). Precisamos de pessoas para decifrar o que está a acontecer no mundo. E (...) a pop é o único refúgio que encontro”Lizzi Bougatsos

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22 • Sexta-feira 27 Maio 2011 • Ípsilon

João Botelho é o “perseguidor” oficial de Carminho. Desde que há uns anos, arrastado por amigos numa noite de boémia, deu com ela na casa de fados Mesa de Frades, em Lisboa, o realiza-dor vive numa espécie de encanta-mento. “Comecei a ir à Mesa de Frades sempre que ela cantava”, confessa, expondo depois o grau da sua – cha-memos-lhe – atenção: “Ia aos concer-tos que ela dava mesmo que fossem fora de Lisboa, em Cascais, no Estoril, onde quer que fosse”.

Carminho, cuja lista de seguidores inclui, desde a primeira hora, notá-veis como Camané ou Carlos do Car-mo, podia ter-se sentido incomodada (como dentro de um filme de Hitch-cock), mas antes pelo contrário: “É impossível não se adorar o João. O João não tem idade”, diz (depois dá por si a perguntar, intrigada: “Eu não sei a idade dele, tu sabes?”). A amiza-de entre eles, continua, foi imediata: “Os sítios onde se move, a energia que

não acaba, a criatividade a toda a ho-ra – ele é avassalador. E desperta-nos a todos para a beleza das coisas”.

Eram três e meia, quatro da tarde, e o par estava sentado naqueles ca-deirões enormes que há no Lux, em Lisboa. Por mais estranho que pareça, é lá que hoje vão em conjunto dar um concerto. E não há nenhum erro fac-tual no atrás escrito – é mesmo “vão” dar um concerto, plural.

Para Botelho, que vê tudo pelo olho do cinema, não é um concerto, mas “um musical” em que a estrela é Car-minho. A ele cabe-lhe filmar e ence-nar – a última é, segundo diz, a tarefa mais fácil e já está avançada: “Vai ha-ver três palcos e ela vai ter de os per-correr. Ali debaixo das escadas, acolá [na zona da cabine do DJ] e ali atrás [entre a cabine e o bar]”.

Botelho, que tem aspecto de quem está sempre a um passo de entrar nu-ma alucinação, põe um ar mais sério (as sobrancelhas descem em direçcão

ao nariz, as rugas firmam-se na testa) quando explica as regras que se auto-impôs: “Vai ser tudo em plano fixo. Não vou estar a perturbar o trabalho da Carminho com câmaras à mão”. Queria muito que ela começasse o espectáculo – cuja base é o disco, mais três ou quatro fados novos e alguns convidados – a descer a escadaria que dá para o piso de cima, mas ela recu-sou. (Ele é olho, ela é garganta.)

Ao vivo, com erros e tosseA ideia do musical partiu de Manuel Reis, dono do Lux, que queria, no fundo, fazer uma experiência bioló-gica: transpor uma planta frágil para um meio-ambiente agreste. “O Manel disse-me que nunca tinha produzido um espectáculo de fado com princí-pio, meio e fim”, explica Carminho, e mal ela acaba a frase já Botelho está a dizer que se dá “muito bem com o Manel, hã, há muitos anos”. Percebe-se por que razão Carminho diz que

ele é adorável: há no realizador uma enorme facilidade em estabelecer uma espécie de intimidade, ou em deixar que os outros assistam ao seu processo mental a desenrolar-se.

“Eu venho aqui dançar muitas ve-zes com as minhas amigas”, continua Carminho. Falam um pouco por dei-xas: quando um acaba entra o outro, e é nítido que nos últimos anos cria-ram bastante intimidade para lá do

trabalho (ele fez-lhe os “videoclips”). Chegam a discutir à nossa frente, co-mo um velho casal perante os filhos dos vizinhos – em particular quando Botelho defende que a nova geração do fado é melhor do que as anterio-res, algo que a tradicionalista Carmi-nho não pode admitir. “Eu detestava o fado. O queixume nacional, o ser pobre, Fátima, futebol e fado, tudo isso levou-me a achar que o fado era uma coisa conservadora. Hoje não há esse peso político sobre o fado. Foram vocês que rebentaram com isso”, diz. E prossegue com os elogios, lembran-do as coisas extraordinárias que viu na Mesa de Frades, desgarradas, gen-te que chega às três da manhã e se põe a tocar ou a cantar, alegria: “Cos-tumo chamar à Mesa de Frades ‘O Anjo Exterminador’ [o filme de Buñuel] porque nunca nada ali se pas-sa da mesma maneira”.

Foi esse o ambiente em que cresceu a paixão de Botelho por Carminho – e o ambiente é importante, já que ele não esconde que gosta “mais de a ou-vir cantar ao vivo, com erros e tosse” do que em disco. E paixão não é exa-gero, é citação: “Não é paixão pela menina, que eu tenho idade para ser tio-avô dela, mas eu apaixonei-me pela ideia da menina-fadista. Levei o embaixador de França a vê-la e ele agradeceu-me de joelhos”.

Pode aventar-se que se o que se vai passar no Lux é um musical em que um realizador “trabalha” a sua musa. Mas há limites. “Não sou actriz”, diz Carminho, esparramada no cadeirão, no seu jeito moleque. “Gosto de tra-balhar com o João porque ele respei-ta isso. Quando canto não penso nos movimentos que faço e ele não me impõe coreografias”. Isso é o ponto de honra de Carminho: “Vamos tentar preservar essa verdade dos fados. Não posso correr o risco de me desvirtuar enquanto fadista por causa de um es-pectáculo”. As suas últimas palavras antes de dizermos adeus são tão ve-lhas quanto o fado: “Queremos que seja uma coisa íntima, que se alcance uma troca de sentimentos e experi-ências – e que isso não se perca por causa de uma encenação”.

Ver agenda de concertos pág. 34 e segs.

Carminho canta fado como poucas e já tem idade para ir à discoteca sozinha - mas vai com João Botelho, que encena o espectáculo de hoje da fadista no Lux, em Lisboa. João Bonifácio

Botelho leva Carminho à discoteca

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“Não sou actriz. Gosto de trabalhar com o João porque ele respeita isso (...). Vamos tentar preservar essa verdade dos fados. Não posso correr o risco de me desvirtuar enquanto fadista por causa de um espectáculo”Carminho

João Botelho apaixonou-se por Carminho na casa de fados Mesa dos Frades, e ainda hoje a prefere ao vivo, “com erros e tosse”, do que em disco

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24 • Sexta-feira 27 Maio 2011 • Ípsilon

Sonny Smith é um tipo divertido. A cada três frases, solta uma gargalha-da. Ri-se do que lhe dizemos e ri com o que vai dizendo. Ri de si próprio, muito talentoso na autodepreciação, enquanto nos conta das voltas e re-viravoltas de uma vida agitada em que já foi (“mau”) poeta e (“quase”) romancista, em que foi cineasta de um filme só e argumentista. Em que, desde uns 17 anos em que largou a escola para partir para a Europa, é principalmente músico. Hoje, é ad-mirado por Necko Case, Mark Eitzel ou pela cineasta e artista plástica Mi-randa July.

“Hit After Hit”, o novo álbum da sua banda, Sonny & The Sunsets, está a gerar um burburinho respeitável, com o grupo destacado como distin-to representante de uma efervescen-te cena rock’n’roll com centro em São Francisco, onde encontramos nomes como Thee Oh Sees, Sic Alps ou Ty Segall. Sonny Smith, porém, não está impressionado. Primeiro porque olha em volta e não vê em lado nenhum essa Costa Oeste americana de “espí-rito livre e boémia” de que falam. De-pois porque Sonny Smith é um músi-co com uma frustração. “Se me defi-nir, diria que sou definitivamente mais compositor de canções [que es-critor ou argumentista], mas esse não é exactamente o meu desejo”. Ele gostaria de ser mais romancista do que tem conseguido ser, o que é per-ceptível ao ler as entrevistas, onde a eterna questão das influências redun-da habitualmente, não em músicos e bandas, mas em listas de autores (Louis-Ferdinand Céline, Jack Kerou-ac, Henry Miller ou William Burrou-ghs são os mais referidos).

Assim se percebe que, infelizmen-te para ele, felizmente para nós que temos os discos que edita, o processo de escrita acabe sempre desvirtuado. “Algures a meio do caminho, todos os meus esforços acabam por se trans-formar em canções.” Conclusão: “Sou muito bom a romantizar ser um es-critor e tornei-me um compositor de canções por fracasso”.

Ainda assim, Sonny Smith ri. Ri uma vez mais: “Gosto de ser uma pes-soa taciturna”. Ri mas está a ser seri-íssimo. “Não queira que vá por aí... O mundo é um sítio sinistro. Pelo me-nos, é-o para mim.” Conversamos à uma boa meia hora, Sonny Smith já nos explicou que muito lhe apraz ser entrevistado – “porque é que hei-de gastar 180 dólares com um psicana-lista?” -, e penetrando no universo dos Sonny & The Sunsets, nesta música de balanço rock’n’roll muito lumino-so e inocente e de letras nos antípodas dessa jovialidade, entramos na cabe-ça dele. “Talvez veja demasiado so-

O romancista falhado escreve

Os Sonny & Sunsets estão a gerar burburinho como representantes da nova vaga rock’n’roll de São Francisco. Sonny Smith, o líder, não está impressionado. Ele que ambicionava ser

romancista, tornou-se “compositor de canções por fracasso”. Mário Lopes

grandes canções

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Maio 2011 • 25

frimento no mundo ou talvez veja demasiado a Al Jazeera. Deprimo-me todos os dias.”

A música de Sonny Smith é aquilo que um homem “com tendência para a tristeza” encontrou para se animar - “mas depois tenho que escrever le-tras. E escrevo sobre o que vejo”. Es-creve: em “Tomorrow Is Alright”, o álbum de estreia de Sonny & The Sun-sets, em que as guitarras acústicas balançavam como versão descontra-ída das perfeições doo-wop de outros tempos, todas as canções lidavam com morte, “de uma forma ou de ou-tra”. Morte como prancha de BD ou tratada de uma forma “brincalhona”, mas factos são factos: “Está toda a gente a morrer, e quando não está a morrer, está a lamentar-se”.

“Hit After Hit”, o novo álbum, é mais agitado e festivo. “Propus-me fazer um disco divertido. Queria um pouco de excitação. Mesmo os temas abordados são um pouco mais leves”. Pausa e ri-se novamente. “Mas esse álbum, na verdade, ainda não é este, será o próximo. Que será todo ele so-bre o tema da separação”. A primeira canção de “Hit After Hit” tem por tí-tulo “She plays yoyo with my mind”. Mude-se o género e parece-nos ade-quadíssima a este preciso momento da conversa.

As boas memórias de PortugalHá dois anos Sonny Smith, natural de São Francisco, pianista de blues no Colorado, voluntário de organizações humanitárias na Costa Rica, realiza-dor e desenhador, decidiu que escre-veria um romance. Definitivamente. Não resultou como imaginara. Resul-tou em mais música. Resultou em “100 Records”, exposição que esteve patente na Primavera de 2010 numa galeria de São Francisco. Com vários artistas plásticos criou cem capas pa-ra cem discos de cem bandas imagi-nárias. Mas isso pareceu-lhe insufi-ciente. E por isso, encostada a uma parede da sala onde esteve montada “100 Records”, estava uma jukebox que tocava standards atrás de stan-dards. Standards que ninguém ouvi-ra antes, porque Smith decidiu en-tregar-se à tarefa hercúlea de gravar as canções correspondentes a cada um dos singles que inventou.

Olhando para o seu percurso, en-contramos uma curta-metragem em que foi actor e realizador, “Kid Gus Man”, as peças “The Dangerous Stranger” e “Stranger Danger!”, con-tos em forma de canção a que cha-mou “One Act Plays” e que transfor-maria num CD homónimo em que participaram Neko Case, Miranda July, Mark Eitzel, Jolie Holland ou Edi-th Frost. Juntamos a isto um percur-so a solo de que resultaram álbuns como “This Is My Story, This Is My Song”, “Sordid Tales of Love And Woe” ou “Fruivale”, gravado com o multi-instrumentista Leroy Bach, dos Wilco, e imaginamo-lo como um di-letante hiperactivo. Depois desta en-trevista, contudo, percebemos que o diagnóstico está incorrecto.

Sonny Smith ele que olha em volta e só vê sofrimento no mundo, “dia-riamente”, é um homem em fuga, alguém que procura um porto segu-ro que, talvez já o tenha percebido, nunca irá encontrar – a música e a escrita são aquilo que lhe permite escapar por uns momentos antes de tudo desabar novamente. Músico que não gosta de falar da música que ou-ve porque, confessa, os seus gostos

“Algures a meio do caminho, todos os meus esforços acabam por se transformar em canções. Sou muito bom a romantizar ser um escritor e tornei-me um compositor de canções por fracasso”

Ele gostaria de ser mais romancista do que tem conseguido ser, o que é perceptível ao ler as entrevistas, onde a questão das influências redunda habitualmente em listas de autores (Céline, Jack Kerouac, Henry Miller ou Burroughs são os mais referidos)

não serão surpresa para ninguém – “vou estar sempre a referir as mes-mas coisas básicas, os Kinks e os Rolling Stones do início e o Bob Dylan” -, é um exímio contador de histórias que encarna na perfeição essa atraente figura que é, utilizando uma emblemática expressão do in-glês da América do Norte, o “beauti-ful loser”.

Todo o início da conversa com o Ípsilon foi uma viagem ao seu passa-do. A sua vida aos 19 anos como pia-nista em Gunnison, uma terriola do Colorado, tocando num bar, colado a um clube de fitness, onde as pesso-as “andavam com as suas botas de esqui a embebedarem-se e a pedirem-me canções merdosas”. A sua passa-gem pela Costa Rica, antes disso, quando se imaginou enquanto beat-nick e acabou a divagar por uma quinta biológica e a “aborrecer-se de morte”. E, antes ainda da Costa Rica, a sua viagem pela Europa, aos 17

anos, com uma passagem formadora de carácter por Portugal. “Passei tem-pos interessantes em Lisboa”, intro-duz. Eis os seus tempos interessantes: uns italianos, “de 25 anos e bem-pa-recidos”, ensinaram-lhe algumas can-ções à guitarra. Tocavam nas ruas, primeiro, levavam-no depois para visitas a pousadas da juventude onde o apresentavam como “irmão muito querido que toca muito bem” e ele ali ficava, aos 17 anos, a olhar para os italianos e as miúdas que os italianos reuniam à sua volta, a estrear-se co-mo “autor de bandas sonoras priva-das para o sexo dos outros”. Lança mais uma gargalhada: “Boas memó-rias que trouxe de Portugal”.

Há 11 anos de regresso a São Fran-cisco, Sonny Smith está menos angus-tiado pela ideia de que não será escri-tor. É demasiado obsessivo para o ser e já o percebeu. “Os meus romances são romances falhados porque salto de obsessão em obsessão. Quando

estive obcecado por Celine tentei es-crever como ele e o resultado, obvia-mente, foi horrível, cheio de peque-nas interjeições e onomatopeias des-propositadas. Depois, fiquei obcecado pelo Henry Miller, por to-dos esses ‘meus’ dos anos 1940”. Per-cebeu, porém, como verter essa ob-sessão para música. “Esses escritores, quando no seu melhor, escreviam sobre o que conheciam. Neles, não me interessam os grandes motivos da obra ou todo o arco narrativo. No Henry Miller, nem quero saber de to-do o sexo, que era normalmente bas-tante aborrecido. Interessa-me quan-do escreve sobre como sacar dez dólares a um tipo qualquer, interessa-me a visita do Céline a um apartamen-to habitado por uma personagem hilariante. Interessa-me”, conclui, “a vida e a descrição da vida”.

Interessam-lhe aqueles pequenos apontamentos. Têm o tamanho de uma canção.

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26 • Sexta-feira 27 Maio 2011 • Ípsilon

Falar com Afonso Rodrigues, caso pertençamos à categoria de pessoas que designaremos elogiosamente co-mo “maluquinhos da música”, é um prazer. O músico que gravava canções no quarto e que, como protecção, lhe apunha a assinatura Sean Riley é da-queles com quem podemos passar horas a discutir o tortuoso processo de gravação de “Blood On The Tra-cks”, de Dylan, as virtudes da síntese psicadélica dos MGMT ou porque é Mark Everett, dos Eels, um tipo que vale a pena não perder do radar – ele perdeu-o, recuperou-o com “Hombre Lobo” e gostou do reencontro.

Porque sabemos disto desde que o víamos passar soul e rock’n’roll de bom gosto nos pós-concertos dos Bunnyranch, quando Sean Riley & The Slowriders eram ainda uma ideia à espera de se concretizar, é inevitável que a entrevista seja entrecortada por histórias com agá pequeno e pela his-tória com H grande da música popu-lar urbana. Saiba-se então que a soul clássica do mestre Allen Toussaint, o hip-hop do impressionante Kanye

“It’s Been a Long Night” é o disco em que Sean Riley & The Slowriders olham para dentro, sem fi ltros. “Verdade é uma palavra muito foleira para usar em entrevistas, mas funcionou muito

comigo neste disco”, diz o vocalista Afonso Rodrigues. Mário Lopes

Para que o romantismo

não acabe

Falar r cocomm AfAfonso Rodrigues casopertençamos à

“Não fui à procura de demasiadas metáforas, não eliminei nenhuma canção por sentir que era demasiado pessoal. Percebemos que quanto mais pura for a entrega, mais satisfatório será o resultado”Afonso Rodrigues

As narrativas de “It’s Been a Long Night” são mais directas e transparentes: o coração de Afonso Rodrigues exposto na primeira pessoa

West ou o garage-rock pintado a ne-gro dos Lords Of Altamont lhe fizeram companhia nos últimos tempos. Sai-ba-se também que dificilmente os ouviremos em “It’s Been a Long Ni-ght”, o terceiro álbum de Sean Riley & The Slowriders, que será editado na segunda-feira e apresentado terça, 31, no Cinema São Jorge, em Lisboa, quinta, 2, no Teatrão, em Coimbra, e sexta, 3, no Hard Club, n o Porto.

“It’s Been a Long Night” é o álbum de uma banda que já não precisa de tactear em volta para perceber o que quer ou pode ser. “Quando penso na música de que gosto, vejo pessoas que não estão preocupadas com o que os outros vão pensar”, diz Afonso Rodri-gues. Este é o disco em que Sean Riley & The Slowriders, coração de “singer-songwriter” da Velha América, olham para dentro, sem filtros. “‘Verdade’ é uma palavra muito foleira para usar em entrevistas, mas funcionou muito comigo neste disco. Mais do que um exercício de estilo virado para a coun-try ou para o garage, mais do que es-téticas e estruturas, interessavam-nos as emoções por trás das canções. Ha-via uma ideia de pureza que não que-ríamos corromper demasiado”.

Recapitulemos. Em 2007, “Fa-

rewell” revelava uma banda que mer-gulhava na tradição folk americana para contar histórias de partidas sem olhar para trás – aquele “Farewell” era inquietação constante assombrando as canções. Dois anos depois, “Only Time Will Tell” mostrou-nos um gru-po cujas narrativas continuavam mar-cadas a sangue por um crónico des-contentamento – em fuga, sempre em fuga -, mas que crescera: a electrici-dade rock expunha-se, pressentiam-se uns raios de sol Buffalo Springfield, ouviam-se orquestrações dando tom majestoso à intimidade.

“It’s Been a Long Night”, por sua vez, é o álbum em que a banda já sabe perfeitamente que caminhos seguir nesta encruzilhada de órgãos Ham-mond com rédea solta e guitarras de trinado desértico, nestas melancolias nocturnas alimentadas a bourbon e cânones country, blues, folk, Sprin-gsteen, Cave, Dylan e Wilco respeito-samente reapropriados – o “segredo” deles, de resto, é a forma como con-jugam a voz autoral de Afonso, a sua intimidade de contador de histórias, com a energia e o talento de uma ban-da completa.

De “Only Time Will Tell” para “It’s Been A Long Night”, mudou essen-cialmente o tom do que a voz canta.

As narrativas de Afonso Rodrigues, anteriormente habitadas por perso-nagens resgatadas à vida e à literatu-ra, são agora directas e transparentes: um coração exposto na primeira pes-soa. “Não fui à procura de demasiadas metáforas, não eliminei nenhuma canção por sentir que era demasiado pessoal. Percebemos que quanto mais pura for a entrega, mais satisfatório será o resultado”.

Nos dois últimos anos, foram cres-cendo – em público e na atenção. Es-tão já muito distantes do romantismo do início, do romantismo desta frase: “Se morresse no dia em que acabasse de gravar o [primeiro] disco, tinha cumprido o meu objectivo”. O ho-mem “fascinado” pelos mitos da mú-sica popular urbana, preservados em vasta literatura, já sabe que nem todos os concertos são mágicos, já

conhece o lado mais calculista do ofí-cio de gravar discos. Apropriadamen-te, ilustra esse relativo desencanto com uma história de Jimi Hendrix: “Partiu-me o coração descobrir que, antes de incendiar a guitarra no palco de Monterey [em 1967], esteve a en-saiar no ‘backstage’ para perceber se aquilo seria mais eficaz com gás de isqueiro ou álcool”.

A passagem dos anos e o contacto com o meio permitiram-lhe perceber que “há muitos gajos neste mundo que fazem o seu trabalho e depois se vão embora em carros separados”. Ora, ele nunca chegará “a esse pon-to”. Recorda uma frase do baixista Bruno Simões que se transformou em mantra: “Não nos podemos levar de-masiado a sério.” Se Afonso quisesse ser sério, acabava de tirar o curso de Direito e “ia ganhar dinheiro”.

Mas não nos deixemos iludir. “Este é o nosso disco mais sério, mas uma coisa é seres sério na tua música, ou-tra é seres sério no ‘business’. E eu não quero ser sério no ‘business’”. Na música de Sean Riley & The Slowri-ders, os mitos continuam a ser inspi-radores e o romantismo não há meio de ser corrompido.

Ver agenda de concertos pág. 34 e segs.

Ver crítica de discos pág. 36 e segs.

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Maio 2011 • 27

No início, a dúvida: o que estamos a ver? As imagens, projectadas numa superfície de vidro, vão revelando caras não tão sorridentes quanto seria de imaginar numa fotografia de gru-po. De repente vemos Hitler, no meio de crianças. E depois ouvimos relatos de sobreviventes dos campos de con-centração. Não há uma narrativa, nem uma linha que possamos perseguir, em “The Children’s Emperor & The Pianist”. É tudo demasiado breve. Demasiado perturbador. São 15 mi-nutos, com sessões hoje e amanhã às 21h, 23h30 e meia-noite, no Centro de Artes da Marioneta. Mas é toda uma relação com outro tempo e com outra história que está em causa.

Mischa Twitchin é um dramaturgo, encenador, teórico e desenhador de luz inglês. Mestre das pequenas for-mas e fundador dos Shunt, um im-portante e premiado colectivo londri-no, é uma figura essencial no teatro de marionetas. O que traz ao Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas de Lisboa (FIMFA) é uma reflexão profundíssima sobre o poder da imagem e da manipulação de re-ferências que arrisca abordar um te-ma tão sensível como o Holocausto.

Não é a primeira vez que o FIMFA nos traz peças que põem em causa, através das marionetas, a nossa rela-ção com a História. Em 2008, a com-panhia holandesa Hotel Modern trou-xe “Kamp” ao Centro Cultural de Belém, onde recriava um campo de concentração com fósforos. Há um ano, foi o norte-americano Roman Paska a sugerir um encontro entre Hitler e Wittgenstein quando crian-ças. Agora, Mischa Twitchin traz um pequeno espectáculo que trabalha a partir de referências familiares: os livros de Wladyslaw Spilzman, o pia-nista que Roman Polanski adaptou ao cinema, e de Janusz Korczak, o pedia-tra que dirigia o orfanato do Gueto de Varsóvia e morreu em Treblinka. Mas

o modo como o faz prolonga a pesquisa que lhe tem permi-tido partir não de textos dramáticos

mas de referen-tes filosóficos, não de bandas sonoras ilus-trativas mas de constru-ções sonoras, não de estru-turas visuais impositivas mas de justa-posições de elementos, questionando a nossa rela-ção com a me-mória e a cul-tura política. O material, diz, encon-

trou-o em lojas de discos ou em foto-grafias de arquivo. São citações, refe-rências de outros tempos e espaços históricos, que Twitchin convoca es-perando que “abram um outro tipo de tempo e de espaço para refle-xão”.

Contra o “prêt-à-porter”Apesar de trabalhar com materiais históricos, Twitchin não está minima-mente interessado num trabalho de reconstituição do passado, que de resto considera uma contradição nos termos. “A memória cultural está em erosão, porque a memória já não ofe-rece resistência à fantasia. É a fantasia que é reproduzida, não a memória. Sinto muito fortemente que não é da minha responsabilidade ficcionar es-sa realidade”, diz-nos ao telefone. “Trabalho com os factos, fragmentos de imagens e de sons. Num certo sen-tido, não estou a inventar nada. Estou apenas a aceitar a justaposição como estratégia. Claro que estes elementos não coexistiram num mesmo espaço e tempo históricos, mas passam a co-existir na minha performance”, es-clarece. É isso que distingue o seu trabalho de uma “démarche” como a de “O Pianista” de Roman Polanski, feito a partir do mesmo material: “É-me muito gratificante pensar que es-te espectáculo pode custar 20 libras enquanto o filme do Polanski custa 20 milhões. A recriação incomoda-me. Não percebo sequer porque é que alguém decide reconstruir Varsóvia num estúdio.” Mais do que de preser-

Mischa Twitchin é um mestre das pequenas formas. Apesar da sua brevidade, a peça que traz hoje e amanhã a Lisboa, “The Children’s Emperor & The Pianist”, é uma refl exão profunda sobre o Holocausto, sem as armadilhas da reconstituição histórica. Tiago Bartolomeu Costa

O Holocausto

sem“prêt-à-porter”

o modproloque ltido texto

mt

Mischa Twitchin é uma figura essencial do teatro de marionetas

vação de uma memória, trata-se, diz, de “ficção científica”, uma maneira de trabalhar imposta pelo meio cine-matográfico, ao serviço da produção de clichés.

Mas a justaposição de referências que não coincidem no tempo e no

espaço, e que Twitchin não só amal-gama como reinscreve num quadro contemporâneo, não cria, ela pró-pria, um dispositivo artificial? Twi-tchin está consciente dessa frágil fron-teira: “Essa é a questão crucial. Há uma fronteira ética que eu não atra-vesso. Eu não estou a naturalizar na-da, nem a insinuar que estamos lá, que é o que o filme [de Polanski] faz: cria um espaço que vemos como se não estivéssemos a ver, mas a viver. Acho isso muito problemático, por-que se trata de uma produção artifi-cial. Incomoda-me o prêt-à-porter histórico”.

Ver agenda de teatro pág. 41

“É-me muito gratificante pensar que este espectáculo pode custar 20 libras enquanto o filme do Polanski [sobre o mesmo assunto] custa 20 milhões. A recriação incomoda-me”Mischa Twitchin

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28 • Sexta-feira 27 Maio 2011 • Ípsilon

Antunes Filho (São Paulo, 1929) não fala fluentemente o tupi-guarani, nem nunca o vimos a atirar-se à terra como se disso dependesse a salvação do Brasil – mas vimo-lo, ao longo das úl-timas seis décadas, a atirar-se ao tea-tro, e como em parte disso dependeu a salvação do teatro brasileiro tam-bém podemos dizer dele, como al-guém diz de Policarpo Quaresma, que “é um verdadeiro patriota”. É o seu herói desde o ano passado, este ho-mem que vê o Brasil tornar-se repu-blicano e que imagina, enfim, o para-íso na Terra, e não tem como não ser o nosso herói também, agora que An-tunes Filho regressa a Portugal em dois dos seus estados, para integrar o festival Odisseia: Teatros do Mundo e o FITEI: o de encenador, com “Po-licarpo Quaresma” (a partir de ama-nhã e até dia 11 no Teatro Nacional S. João, Porto, e de 17 a 19 de Junho no São Luiz, em Lisboa), e o de drama-turgo, com “Lamartine Babo (de 4 a 11 de Junho no Porto, e de 17 a 19 em Lisboa).

Lá aonde Antunes Filho o foi bus-car, um romance “extraordinário” publicado em 1911 (“O Triste Fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Bar-reto), Policarpo Quaresma parecia estar morto – a sua história é mais uma história de um revolucionário devorado pela revolução, de um bra-sileiro devorado pelo Brasil. Mas An-tunes Filho achou que ele continuava vivo, não só no Brasil como na sua própria cabeça: “Sou um pouco Poli-

carpo no entusiasmo, na tristeza, na utopia e na tragédia – todo o mundo é um pouco Policarpo. Todo o mundo gostaria que as coisas fossem assim, mas as coisas são assado, o mundo está torto de mais”, diz ao Ípsilon a partir de São Paulo

Tal como o mítico “Macunaíma” (1978), a transposição para teatro do clássico de Mário de Andrade que transformou Antunes Filho numa es-pécie de lenda viva do teatro brasilei-ro, “Policarpo Quaresma” começou por ser uma proeza: “Demorei muito tempo a colocar o romance inteiro em forma de diálogo. Foi um trabalho árduo, mas que me deu muito prazer: não há nada pôr as mãos na nossa alma. Eu adoro fazer brasileiro. E já ninguém lia ‘Policarpo Quaresma’. Quando eu fiz o ‘Macunaíma’, o livro era muito citado – ninguém lia, mas muita gente falava. O ‘Policarpo Qua-resma’ nem sequer é muito falado, porque o Lima Barreto padeceu de muitos preconceitos: era pobre, era mulato, era bêbado, foi internado du-as vezes como louco, no manicó-mio”.

Não é assim tão curioso que tenha ido encontrar o Brasil nesse livro com cem anos – a verdade é que o Brasil está igualzinho. A ruína do legado in-dígena, a corrupção endémica, a dis-função agrária e o terceiro-mundismo do sistema prisional continuam vivos – mesmo neste Brasil fulgurante do século XXI. “O Lima Barreto tem tudo isso, e é por isso que não foi ainda to-

talmente revelado. Ele ainda está de-masiado nas ruas, demasiado vivo, para se tornar literatura”, insiste An-tunes Filho. E não é só nas ruas do Brasil: “O mundo inteiro está desen-cantado. As utopias caíram por terra e o nosso regime, que economicamen-te, pelo menos no Brasil, vai indo bem, está sob suspeita. A sociedade de con-sumo é uma coisa terrível. O capita-lismo está em toda a parte, e não é só geograficamente: está nos sapatos que você compra, nos livros que você lê, no teatro que você assiste, em todos os objectos. Mesmo o teatro, hoje em dia, é uma discussão sem fim – agora imagina o resto da vida”.

Em “Policarpo Quaresma”, o teatro de Antunes Filho é tudo ao mesmo tempo – “o drama, a tragédia, o circo, a revista, o cinema, a ‘commedia dell’arte’” – num palco vazio, uma verdadeira caixa negra (“viscontia-no”, escreveu o crítico do jornal “O Estado de São Paulo”) que o encena-dor organiza como se se tratasse de um corpo com vida própria. Uma vi-da em cortejo para a morte, como parece que tem de ser obrigatoria-mente, pelo menos quando se trata de Policarpo Quaresma, pelo menos quando se trata do Brasil.

De São Paulo ao RioJuntamente com “A Falecida Vapt-Vupt”, a tragédia de Nelson Rodrigues que Antunes Filho mostrou no Porto em 2009, e com o musical “Lamarti-ne Babo”, que chega ao Porto no pró-ximo dia 4, este “Policarpo Quares-ma” que veremos a partir de amanhã completa a trilogia carioca do ence-nador. É a homenagem que ele, como paulista, quis fazer ao Rio de Janeiro: “Entre São Paulo e o Rio tem essa coi-sa, esse mal-estar. Eu precisava de limpar essa situação, tenho muitos amigos cariocas”.

Em “Lamartine Babo”, Antunes Filho faz do Rio uma festa, a partir da vida imaginária do compositor (1904-1963): em palco, além do seu texto (“muito inspirado em Pirandello, mas sem nenhuma pretensão a grande autor”) e dos 11 actores (mais piano, violão, trompete e percussão), estão, em grande, as canções de Lamartine Babo, que “era importante conhecer porque hoje a música é toda comer-cial, comercial, comercial”. Para ele, voltar a ouvi-las foi um ritual de “pu-rificação”: “O Lamartine Babo atende as minhas necessidades espirituais, e as necessidades espirituais do povo brasileiro. É muito engraçado porque os jovens que não conheceram La-martine têm saudades desse tempo que não viveram. Sabe, o progresso… Todo o progresso traz prejuízo, tanto prejuízo”.

Com Antunes Filho, podemos sem-pre voltar atrás.

Ver agenda de espectáculos pág. 41.

Antunes Filho, uma das fi guras mais indiscutíveis do teatro brasileiro, regressa a Portugal com os dois últimos volumes da sua trilogia carioca. “Policarpo Quaresma” e “Lamartine Babo”, explica, são a sua maneira de mostrar que tem saudades de um Brasil que nunca chegou a ser - nem mesmo agora que, à distância, nos parece tão fulgurante. Inês Nadais

O Brasil que podia ter sido

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“O mundo inteiro está desencantado. O nosso regime, que economicamente, pelo menos no Brasil, vai indo bem, está sob suspeita. Mesmo o teatro, hoje em dia, é uma discussão sem fim - agora imagina o resto da vida”Antunes Filho

“Policarpo Quaresma” (à esquerda) e “Lamartine Babo” (em baixo), a festa que Antunes Filho fez para o Rio de Janeiro

Ver agenda de espectáculos pág. 41. Filho fez parao Rio deJaneiro

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Maio 2011 • 29

Quando nos encontrámos com Arturo Pérez-Reverte (Cartagena, 1951), ainda não tinham passado 24 horas sobre a captura e a morte de Bin Laden. Os olhos do antigo repórter de guerra brilham, a voz entusiasma-se: “Teria dado metade da minha vida para estar neste momento no Paquistão. Ao lado dos americanos nesta batalha decisi-va.” Não pôde estar, mas a aritmética com que retalha a sua biografia, sen-tado num confortável hotel do centro de Lisboa, a milhares de quilómetros do Paquistão, é exacta. Pérez-Reverte, quase a completar 60 anos, andou metade da sua vida profissional de mochila às costas, cobrindo os confli-tos do mundo: no Iraque, na Bósnia, em Moçambique. Depois, na outra metade, assentou e decidiu ser roman-cista. Vinte livros depois, é o escritor espanhol mais lido no mundo, tradu-zido em 34 idiomas, e membro da Re-al Academia Espanhola.

“O Assédio” é o mais extenso dos seus livros. Nele confluem e reconhe-cem-se os sinais e os estilos revertia-nos: “Tinha a ambição de escrever um romance que fosse ao mesmo tempo policial, de espionagem, de marinhei-ros, de ciência. Um livro de aventuras, preciso nos detalhes históricos, ro-mântico na hora de contar uma histó-ria de amor.”

Não nega que entregou ao leitor um imenso puzzle com mais de 700 pági-nas, pensado com uma precisão de engenheiro e militar: “Diverti-me imen-so a misturar géneros diferentes. Foi um romance muito mais planificado do que os anteriores. Tenho a sorte de ser lido por pessoas muito diferentes: quando escrevo um romance penso nelas todas, e isso faz com que a estru-tura tenha de ser pensada para que todos se sintam bem dentro dele e não se aborreçam. É por isso que numa página se discutem questões de arti-lharia militar entre altas patentes e na seguinte já estamos mergulhados nos becos e nas travessas de Cádis, no meio do barulho e dos cheiros da cidade. Tentei que a mistura se fizesse de for-ma suave e que ninguém fugisse”.

A Cádis de “O Assédio” é a cidade cercada pelos franceses durante a Guerra da Independência Espanhola de há dois séculos: “É uma cidade in-crustada no mar e que se mantém inalterada há 300 anos. E naquele iní-cio do século XIX era uma cidade di-ferente de toda a Espanha: culta, pro-gressista, burguesa. Como o eram Manchester, Baltimore ou Hamburgo. Com um espírito que infelizmente não conseguiu triunfar no resto do país e que com o fim da Guerra da Indepen-dência desapareceu.”

É uma imagem constante nos livros que o apaixonam: “A ideia da cidade

O assédio feito há dois séculos pelas tropas de Napoleão à cidade de Cádis foi o pretexto para que Arturo Pérez-Reverte fi zesse um imenso balanço de meia vida a escrever romances.

Conversa com um romancista cercado de mundo, e naturalmente pessimista. Rui Lagartinho

Arturo Pérez-Reverte escreve romances como jornalista, mas sobretudo como leitor: “Os meus leitores percebem que têm à sua frente um leitor como eles, um irmão”

“Espanha é um país frustrado”

EN

RIC

VIV

ES

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BIO

“Espanha teve reis incapazes, aristocratas corruptos e bispos fanáticos. E a classe política é analfabeta e medíocre. Os jovens do meu país (...) ou aprendem inglês para sair de Espanha ou aprendem a fazer um cocktail molotov”

cercada sempre pontuou a minha vi-da. Em adolescente, no colégio, tra-duzia Homero no relato que ele faz da Guerra de Tróia. Como repórter de guerra estive em muitas cidades as-sim. Gosto desta ideia dos heróis acos-sados, cercados, e que vão regressar a casa cansados.”

Inglês “ou muerte”A história vai levantando os cercos, mas há uns mais difíceis de levantar do que outros, e capacidades de resis-tência mais trágicas do que outras: “Um romance é sempre uma conse-quência da tua visão sobre a socieda-de que nele conflui. E a minha é amar-ga e pessimista. Espanha é um país historicamente frustrado. Teve reis incapazes, aristocratas corruptos e bispos fanáticos. E hoje a classe polí-tica herdou tudo isso. É analfabeta, medíocre e qualquer visão de futuro que se atreva a ter está sempre condi-cionada pelas eleições seguintes. Con-seguiram acabar com um Estado que levou 500 anos a construir. Quando falo com gente jovem do meu país e me pedem conselhos sobre o futuro, só lhes consigo dar duas hipóteses de escolha: ou aprendem inglês para que possam sair de Espanha ou aprendem a fazer um cocktail molotov”.

Brutal, mesmo para quem acredita que os livros nos podem ir salvando: “Um mundo sem livros seria um mun-do órfão. Os livros ajudam a que mor-ras de forma tranquila. Dão–te um olhar sereno e relativo sobre o mundo. Uma biblioteca é um projecto de vida. Dá-te consolo, esperança. É a possibi-lidade de nunca estares só. Escrever permite–me prolongar a minha vida:

conhecer mais mulheres, eliminar ou-tros inimigos. Sem escrever tudo isso teria já terminado para mim.”

Percebe-se que mesmo enredado e apostado em inventar personagens novas, desta vez o desafio era que o mais abjecto dos polícias despertasse simpatias no leitor. Pérez-Reverte nun-ca deixou de ser repórter. Quanto mais não seja de si mesmo: “Escrevo com o que vivi. Quando conto, recordo expe-riências. Ou transformo imagens. Foi o que fiz quando me inspirei numa das minhas avós para criar Lolita Palma, a heroína audaz, pragmática e levemen-te romântica de ‘O assédio’. Nisso sou bem diferente dos romancistas que são capazes de imaginar o mundo sem sai-rem de casa. Talvez eles sim, sejam os verdadeiros romancistas. Estou a lem-brar-me do meu amigo Javier Marías”. Ele, mais do que um romancista, é “um leitor que às vezes escreve roman-ces”: “Nunca perco de vista essa pers-pectiva de leitor. Antes e depois de começar a escrever. Sempre que tenho um problema técnico, recorro aos meus mestres – Conrad, Tosltói, Du-mas - para humildemente perceber como o resolveram. E os meus leitores percebem que têm à sua frente um leitor como eles, um irmão.”

Ver crítica de livros pág. 38 e segs.

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30 • Sexta-feira 27 Maio 2011 • Ípsilon

Pedro Almeida Vieira (n. 1969), jor-nalista e engenheiro biofísico, é autor de dois livros de temática ambiental, “O Estrago da Nação” (2003) e “Por-tugal: O Vermelho e o Negro” (2006) – este último sobre a problemática dos incêndios no nosso país. Para além disso, é também um dos mais talen-tosos escritores de ficção da sua ge-ração, autor de quatro romances em que o seu interesse pela História é evidente, “Nove Mil Passos” (2004), “O Profeta do Castigo Divino” (2005), “A Mão Esquerda de Deus” (2009) e “A Corja Maldita” (2010). Recente-mente, publicou “Crime & Castigo no país dos brandos Costumes”, colec-tânea de narrativas sobre crimes his-tóricos que mostram que nem sempre fomos um povo sereno nem de bran-dos costumes nesta “selva à beira-mar plantada”. A pretexto deste livro, con-versámos com ele, mas também sobre o “romance histórico” e a base de da-dos que Almeida Vieira criou, a única em Portugal dedicada a autores e a livros de feição histórica.

Portugal é mesmo um país de “brandos costumes”? Pela leitura do seu livro parece que não…Não é nem nunca foi. Basta ler o “Cor-reio da Manhã”. A selecção que fiz para este livro de narrativas, um pou-co ao estilo camiliano, engloba todo o género de crimes, alguns horrendos (passionais, banditismo, assassínios em série, etc.), outros em que o hor-ror surge através do próprio Estado que aplicava a Lei de Talião. Tivemos a Inquisição durante três séculos, enforcaram-se pessoas por assaltos a igrejas até 1830, os julgamentos dura-vam apenas um dia mesmo com vá-rios réus, houve fogueiras, mãos de-cepadas, cabeça degoladas e espeta-das em paus. Enfim, este primeiro volume retrata um país que contraria esse mito do povo sereno e de bran-dos costumes.Os “brandos costumes” foram uma criação do Estado Novo – como aventa Rui Cardoso Martins no prefácio – ou essa ideia já existia?Todos os mitos têm uma génese obs-cura. E por isso nunca correspondem à verdade. O Estado Novo talvez tenha contribuído para essa ideia, embora, na verdade, foi a pouca serenidade do povo e dos políticos da Primeira República que indirectamente pôs Salazar no poder. No passado, o povo só foi sereno quando houve uma mão de ferro. No tempo do marquês de Pombal, um simples roubo, mesmo não havendo homicídio, poderia dar uma condenação à morte.Como é que lhe surgiu a ideia para escrever este livro?Um dos motivos foi querer destruir esse mito. Aliás, já há uns anos, quan-do escrevi um ensaio sobre floresta e incêndios em Portugal, também veri-fiquei que o tal mito da nossa vocação florestal carecia de sustentação. Ago-

Os brandos costum “Crime & Castigo no país dos brandos costumes” vem desfazer o mito do povo s Fomos sempre um povo violento, tanto como outros. E o E

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A base de dados que

criou é a única em Portugal

dedicada a autores e a

livros de feição

histórica: a “biblio-

História” [www.pedro

ameidavieira.com]

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Maio 2011 • 31

umes de Pedro Almeida Vieirao sereno que espera D. Sebastião sentado num jardim à beira-mar plantado. o Estado não fez melhor fi gura. José Riço Direitinho

ra, estou a escrever outro ensaio am-biental sobre lixo e, também aí, aque-la ideia folclórica do jardim à beira-mar plantado e o adágio “cheira bem, cheira a Lisboa” caem por terra. Os viajantes estrangeiros dos séculos XVIII e XIX ficavam chocados com a imundície. Mas a ideia surgiu também por ter descoberto na Biblioteca Na-cional uma miscelânea de manuscri-tos e de sentenças antigas, que foram uma excelente base de trabalho.E a ideia de criar a base de dados de autores e de romances do género histórico, a “biblioHistória” [www.pedroalmeidavieira.com]?Começou por ser uma tentativa de organizar a minha biblioteca pessoal, mas depois, à medida que a ia catalo-gando, constatei que o romance do género histórico tinha uma presença preponderante na literatura portu-guesa. E que não existia a devida di-vulgação. Uma parte considerável dessas mais de 1200 obras já catalo-gadas são de qualidade menor, em-bora haja muitas injustamente esque-cidas. A ‘biblioHistória’ confirma que a esmagadora maioria dos grandes escritores portugueses teve incursões frequentes no género histórico. Desde Herculano a Garrett, passando pelo Camilo. E, mais recentemente, temos os casos do Saramago, Agustina, Má-rio Cláudio, Mário de Carvalho, Mi-guel Real, Fernando Campos e tantos outros.Tem feito descobertas que valham a pena em termos de uma edição actual?Publicar agora romances do século XIX, com excepção dos óbvios clássi-cos, é complicado. Algumas editoras

têm arriscado editar alguns autores menos conhecidos, como Arnaldo Gama, Leite Bastos ou Pinheiro Cha-gas, que, aliás, vendia no seu tempo mais do que o Camilo. Mas com a ac-tual política livreira, que faz desapa-recer os romances das estantes ao fim de poucos meses, penso que o Estado, através do Plano Nacional de Leitura, deveria contribuir para essa promo-ção. E também os académicos têm de começar a estudar e a divulgar auto-res menos conhecidos. Encontrei um escritor que é o paradigma do que acabei de dizer, Guilherme Centazzi. Se formos consultar qualquer ensaio recente sobre literatura portuguesa, nem sequer é referido. E, no entanto, foi “só” o pioneiro do romance por-tuguês do século XIX. E o primeiro autor com obra traduzida no estran-geiro. Começou a publicar em 1838, ou seja, seis anos antes de Herculano ter publicado “Eurico, o Presbítero”. E em 1840 publicou, em três tomos, um romance contemporâneo, “O Es-

tudante de Coimbra”, que, embora com alguns pequenos desequilíbrios, considero-o uma excelente obra, mui-to irónica, de forte crítica social, e usando estilos literários inovadores. Ora, esta obra era completamente desconhecida, mesmo nos mais re-putados meios académicos.O que é que o atrai no romance de género histórico?Quando decidi escrever o meu pri-meiro romance, em 2004, o “Nove Mil Passos” [Sextante Editora], dizia a brincar que estava cansado e quase deprimido da actualidade. Tinha aca-bado de escrever um ensaio jornalís-tico “O Estrago da Nação” [D. Quixo-te] e, desse modo, julgava que, via-jando no tempo, esquecia o presente. Eis que “descubro” então, investigan-do e escrevendo sobre o século XVIII, que afinal existem muitas afinidades entre o passado e o presente. E que isso explica muita coisa daquilo que hoje somos. Mas o que me atrai so-bretudo é poder viajar no tempo, e digo isto quase literalmente, porque me embrenho na época do romance. Mas os meus dois últimos romances não são exclusivamente do género histórico. Sobretudo o último, “Corja Maldita”, é mesmo uma subversão deste género, que transgride o tempo, que faz alusões frequentes e irónicas ao presente, por via do narrador ser quem é [o diabo], que usa recursos literários não muito habituais. Sei que não gosta que se diga que é “autor de romances históricos”. Porquê?Não é uma questão de não gostar [ri-sos] é mesmo abominar. Eu nunca vi um romancista de ficção contempo-rânea ser apresentado como “autor

de romances”. Quem usa essa expres-são demonstra ignorância ou desres-peito, ou então nunca leu nenhum dos meus romances. Prefiro que me digam que sou um mau romancista do que digam que sou um excelente autor de romances históricos, porque a expressão “autor de romances his-tóricos” surge aqui, quase sempre, com uma carga pejorativa.Porque é que, em sua opinião, o “romance histórico” tende a ser ignorado pela crítica?O mais conhecido romance português das últimas três décadas, “O Memorial do Convento”, é do género histórico – e Saramago fez mais investigação do que se possa imaginar. Até a Blimun-da é inspirada numa mulher que exis-tiu durante o reinado de D. João V, referida em escritos da época por ter olhos de lince e fama de ver doenças internas. Agora, parece-me evidente que uma certa “clique” literária tem profundos preconceitos. Pensam que quando se escreve um romance his-tórico se tem uma muleta nos livros de História, e que por isso é um géne-ro fácil. Ora, é certo que alguns ro-mances históricos usam e abusam das muletas da História, mas, se são maus, são-no por motivos alheios ao género. Há também imensa ficção contempo-rânea má... Na verdade, os bons ro-mances históricos necessitam de ima-ginação e criatividade, como na boa ficção sobre factos contemporâneos, mas precisam de mais uma coisa: uma boa investigação. É isso que tento fa-zer. Não estou a dizer que um roman-cista do género histórico deve ser tratado de forma mais respeitosa; es-tou sim a dizer que deve ser tratado em pé de igualdade.

Acha que os críticos não lêem os seus livros?Sei de críticos que nunca leram um livro meu, apesar de nos últimos oito anos ter publicado quatro romances, um livro de narrativas e dois ensaios, todos em editoras prestigiadas. Têm esse direito; não podem é depois dis-sertar, de cátedra, na imprensa, sobre jovens romancistas, omitindo-me. E falo disto com conhecimento de cau-sa e sem falsas modéstias: há dois anos comprei a um alfarrabista um exemplar do meu romance “A Mão Esquerda de Deus” [finalista do Pré-mio Literário Casino da Póvoa/Cor-rentes d’Escritas], devidamente au-tografado, que fora enviado a um ‘mui’ qualificado crítico literário. O exemplar estava impecável, nem se-quer tinha sinais de ter sido aberto. Mas, na verdade, não me sinto injus-tiçado particularmente. E esse episó-dio até me serviu para o narrador do “Corja Maldita” lhe fazer uma irónica e sibilina referência.A sua formação académica é a engenharia ambiental. Como é que vai articulando esse lado com o jornalismo, a escrita e o interesse pela História?Pode parecer presunção da minha parte: mas adoro aqueles homens do Renascimento que tinham interesses muito variados. Vou articulando de forma pacífica essas actividades, em-bora a escrita esteja a ganhar prima-zia. Mas a minha experiência acadé-mica ajudou o jornalismo; a experi-ência no jornalismo ajudou a escrita de ficção; e o conhecimento da His-tória tem-me ajudado em tudo. Até a tornar-me melhor pessoa… pelo me-nos para mim mesmo.

“Sei de críticos que nunca leram um livro meu. Têm esse direito; não podem é depois dissertar, de cátedra, na imprensa, sobre jovens romancistas, omitindo-me”

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32 • Sexta-feira 27 Maio 2011 • Ípsilon

Só existe uma verdadeira Branca de Neve. É a que assinou contrato com a Disney, que recebe um cheque da Disney e a que está dentro do parque temático da Disneylândia de Paris. Todas as outras, por muito que se es-forcem, nunca serão a verdadeira.

Foi isto que Pilvi Takala descobriu à porta da Disneylândia quando, im-pecavelmente vestida de Branca de Neve – tão impecavelmente que as crianças imediatamente a rodearam pedindo-lhe autógrafos e querendo ser fotografadas ao lado dela – foi in-formada por um segurança que não poderia entrar porque geraria uma confusão com “a verdadeira”, que já lá estava dentro. A ficção tem a sua “realidade”, e não quer que outra re-alidade a ponha em causa.

“Interessam-me os espaços que pa-recem públicos mas que, na verdade, são privados e onde existe um con-trolo muito maior em relação ao tipo de comportamento que é aceitável”, explica a artista finlandesa (nascida em 1981 em Helsínquia e actualmente a trabalhar na Holanda) ao Ipsílon

numa conversa na galeria Kunsthalle Lissabon, em Lisboa, onde inaugurou ontem (até 2 de Julho) a exposição “Flip Side”, na qual mostra “Real Snow White” (2009) e “The Messen-gers” (2008).

“Walt Disney tinha planos para or-ganizar a sociedade perfeita, com uma comunidade verdadeira”, conta Pilvi. O projecto nunca chegou a con-cretizar-se mas os parques temáticos são já uma espécie de mundo de per-feição. “Não só as multidões são con-troladas, como os próprios elementos visuais: se alguém trabalha na Fantasy Land tem que usar um determinado tipo de roupa e não pode entrar na Discovery Land com essa roupa”.

É um mundo de fantasia, mas onde a fantasia tem limites, e onde só as crianças podem andar vestidas de personagens porque se os visitantes adultos o fizerem põem em causa to-da a lógica. Uma Branca de Neve que fuja ao controlo provoca medo – me-do de que alguma criança a veja a fu-mar, a beber, a portar-se mal, medo de que algo perverso venha a intro-

duzir-se no mundo dos sonhos (a pos-sibilidade de a personagem se portar mal é invocada pelos seguranças para impedirem a entrada de Pilvi).

Demasiado real?A Branca de Neve/Pilvi é uma perso-nagem “demasiado-real-para-ser-fic-ção”, resume a artista numa conversa com João Morão e Luís Silva, respon-sáveis da Kunsthalle.

“Nos meus trabalhos tento fazer uma coisa minimal, não demasiado performativa, como um pequeno er-ro”, explica Pilvi ao Ipsílon. São inter-rupções numa lógica tácita de com-portamento, que deixam os outros confusos, sem saber como reagir.

Em “Bag Lady”, outra peça (não faz parte da exposição), a artista pas-seou-se durante vários dias num cen-tro comercial de Berlim, transportan-do um saco transparente cheio de dinheiro. “Era uma personagem du-pla”, ao mesmo tempo potencial ví-tima e potencial ameaça. Seria peri-gosa? Poderia ser assaltada? Deveria ser protegida?

Minimal, portanto. Uma acção que não justifica uma resposta drástica, mas que perturba os entendimentos tácitos que temos do que são os com-portamentos sociais. Em “The Trai-nee”, torna-se estagiária da empresa Deloitte durante um mês, e nos últi-mos dias suspende qualquer activida-de física, limitando-se a estar sentada na secretária. Quando lhe perguntam alguma coisa, responde que está a pensar – e a situação vai criando um incómodo com o qual os colegas não sabem como lidar.

Recentemente, fez uma experiên-cia diferente: “Players” (2010) é sobre um grupo de jovens europeus (um dos quais irmão dela) que vivem num hotel na Tailândia, ganham a vida a jogar poker e funcionam com regras definidas por eles.

“Geralmente sou eu quem quebra as regras com a minha intervenção. Aqui é diferente. Sentimos que a for-ma como eles vivem quebra as nossas regras, mas quando procuramos não há nada que possamos dizer que é realmente ilegal ou errado. Ok, ga-nham dinheiro de forma não produ-tiva, mas há muitas empresas que funcionam assim.”

Será que todos estamos de acordo sobre onde ficam as fronteiras do comportamento aceitável? Quando pôs três actores a telefonar para uma revista cor-de-rosa croata a dar uma notícia positiva mas irrelevante sobre uma celebridade local, Pilvi pensou que a revista não se mostraria inte-ressada. Mas “The Messangers” mos-tra que as notícias (falsas) sobre a celebridade Vlatka Pokos ter apanha-do um telemóvel que alguém deixara cair na rua, ou ter ajudado a empur-rar um carro, acabaram por ser pu-blicadas. A ideia de mexerico inver-tido funcionou.

Porque é que todos seguimos as regras não escritas sem as questionar-mos? “É fácil copiar o comportamen-to dos outros e perceber como nos devemos comportar. Quebrar as re-gras é que é uma decisão difícil. Se alargarmos um pouco as margens, então alargamos a compreensão do que pode ser possível ou aceitável.”

Fica claro que, para a Disney, ser Branca de Neve no lugar da Branca de Neve não é, de todo, aceitável.

Entrar na Disneylândia como Branca de Neve, sentar-se num escritório só a pensar, passear com um saco cheio de dinheiro

– Pilvi Takala quer perceber até onde vão regras não escritas do nosso comportamento colectivo. Alexandra Prado Coelho

Uma Branca de Neve que fuja ao controlo provoca medo – medo de que alguma criança a veja a fumar, a beber, a portar-se mal, medo de que algo perverso venha a introduzir-se no mundo dos sonhos

A finlandesa Pilvi Takala, que expõe na Kunsthalle Lissabon, nasceu em 1981 em Helsínquia e vive e trabalha actualmente na Holanda

Branca de Neve há só uma

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Maio 2011 • 33

Toro Y Moi O chillwave de Chaz Bundick chega a Vila do Conde. Pág.34

Banksy A rua é dele. Pág. 46

Sílvia RealSegue o mapa de Francisco Camacho em “Lost Ride”. Pág. 41

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34 • Sexta-feira 27 Maio 2011 • Ípsilon

poderia ser dos Air (“Divina”) ou para a doçaria servida em bandejas “kraut”, como se fosse os Broadcast. O subtexto “chill” ainda cá está, mas a música é mais complexa, ganhou nuances e uma desenvoltura que “Causers of This” não tinha.

É um disco de mudança para Bundick, como o próprio disse à “Pitchfork”: “Sinto que, com este disco, ou as pessoas vão perceber de onde eu venho e compreender-me ou perco fãs. Também posso ganhar fãs, isso seria divertido”.

A noite em Vila do Conde conta também com a estreia em Portugal dos Cloud Nothings, pandilha de Cleveland (EUA) liderada pelo demasiado jovem Dylan Baldi (acabou de entrar na idade adulta). Música juvenil, enérgica, sem tretas, que lembra o pop-punk e emo dos tempos em que estas ainda não eram palavras proibidas. O álbum homónimo lançado este ano é um óptimo conjunto de canções e um apelo: recuperem os discos de Get Up Kids e Promise Ring que nunca deviam ter abandonado.

Clássica

A herança de PaganiniO Festival para um Instrumento traz Gilles Apap a Lisboa e promove os jovens intérpretes. Cristina Fernandes

Festival para um Instrumento: A Herança de Paganini

Recitais dos finalistas do Concurso Jovens Violinistas 2011Com João Andrade e David Ascensão (dia 30), Tomás Costa e Ivan Lopez (dia 31), Ana Pereira e André Gaio Pereira (dia 1), Otto Pereira e Luísa Seco (dia 2).Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Jardim de Inverno. R. Antº Maria Cardoso, 38-58. De 30/05 a 2/06, às 18h30. Tel.: 213257650.

A História do SoldadoDirecção Musical de Cesário Costa. Com António Fonseca, Solistas da Metropolitana. Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Sala Principal. R. Antº Maria Cardoso, 38-58. 5ª, 2, às 21h. Tel.: 213257650. 10€ a 20€.

Depois de uma primeira edição dedicada ao piano e a Chopin, a

Orquestra Metropolitana de Lisboa (OML) e o Teatro

Municipal São Luiz associam-se de novo na produção do

Festival para um Instrumento, que irá decorrer

entre a

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Con

cert

osPop

Chaz Bundick emancipou-seVila do Conde recebe hoje um dos reis do chillwave, Toro Y Moi, que alargou os seus horizontes este ano com Underneath the Pine”. Pedro Rios

Toro Y Moi + Cloud NothingsVila do Conde. Teatro Municipal - Sala Principal. Av. Dr. João Canavarro. Hoje, às 22h. Tel.: 252290050. 10€ a 12€.

Mostrou-se ao mundo com “Causers of This” em pleno turbilhão chillwave (Washed Out, Memory Tapes, Neon Indian). Estávamos em 2010 e a estreia de Toro Y Moi, o projecto solitário de Chazwick Bundick, exibia todos os atributos desta música: um namoro promíscuo com os recantos proscritos da pop, um labor de puto fechado num quarto entregue a “samples”, teclados e pedais de “delay” e “reverb”, e uma canção que tornou claríssima a importância de “Person Pitch”, de Panda Bear, para a geração chillwave (a bonita “Blessa”).

Este ano, Bundick, que regressa a Portugal hoje, em Vila do Conde, cumpriu aquilo que prometeu na conversa que teve com o Ípsilon por alturas de “Causers of This”: deixar os “samples”. “A nossa geração está a ficar mimada por causa da tecnologia”, reconhecia. “É bom trabalhar num computador porque tens ali todos os instrumentos, mas no próximo álbum quero afastar-me o máximo disso”, avisou.

O resultado foi “Underneath the Pine”, lançado em Fevereiro, no qual descobrimos um Bundick de horizontes mais alargados: ora fascinado com o disco e o funk (os dois “singles” “New beat” e a irresistível “Still sound” têm “pista” escrito na testa), ora virado para um momento que até

Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Jardim de Inverno. R. Antº Maria Cardoso, 38-58. De 30/052/06, às 18h30. Tel.: 213257650.

A História do SoldadoDirecção Musical de Cesário CostaCom António Fonseca, Solistas da Metropolitana. Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Sala PrincipR. Antº Maria Cardoso, 38-58. 5ª, 2, às 21h. Tel.: 213257650. 10€ a 20€.

Depois de uma primeira edição dedicada ao piano e a Chopin, a

Orquestra Metropolitana Lisboa (OML) e o Teatr

Municipal São Luiz associam-se de novna produção do

Festival para umInstrumento, quirá decorrer

entre a

fascinado com o discscccccoo o o o o o oo o o oo o o o o o ooo e e eeee eeeeeeeeeeeeee o funk (osdois “singles” “New beat” e a irresistível “Stillsound” têm “pista”escrito natesta), oravirado para ummomento que até

próxima segunda-feira, 30 de Maio, e 4 de Junho. Desta vez a temática será “A Herança de Paganini” e, como tal, o violino estará em destaque. A lendária figura do violinista e compositor italiano Niccolò Paganini (1782-1840), que arrebatava as plateias da Europa oitocentista com o seu virtuosismo acrobático e a sua expressividade incandescente, faz parte do imaginário da história do instrumento e da interpretação musical, na medida em que personifica o culto do artista dotado de poderes transcendentes, tão ao gosto do Romantismo.

Durante seis dias, o São Luiz servirá de palco a violinistas de várias gerações em diferentes contextos e repertórios. De 30 a 2 de Junho (às 18h30, no Jardim de Inverno) será possível ouvir os oito finalistas do Concurso Jovens Violinistas 2011 ( João Andrade, David Ascensão, Tomás Costa, Ivan Lopez, Ana Pereira, André Gaio Pereira, Otto Pereira e Luísa Seco) em recitais a solo e com piano. O júri (constituído por Vasco Barbosa, Sérgio Azevedo e Cesário Costa) selecionará quatro participantes para uma prova pública com a OML (dia 3, às 21h) e o vencedor será contemplado com o Prémio Caixa Geral de Depósitos, que lhe dará a possibilidade de ser solista na próxima temporada da Metropolitana.

O festival inclui ainda a apresentação em versão de concerto de “A História do Soldado”, de Stravinsky, por instrumentistas da Metropolitana e pelo actor António Fonseca, sob a direcção de Cesário Costa (dia 2, às 21h), e um concerto do violinista Gilles Apap com a Orquestra Metropolitana (dia 4, às 21h). Intérprete versátil que domina com o mesmo à-vontade o repertório erudito e as música do mundo, Gilles Apap apresenta-se com Metropolitana no âmbito de um programa com obras de Arvo Pärt, Mozart e Mendelssohn.

Ilhas musicais no Festival de Leiria

29.º Festival Música em Leiria

A Menina do MarCom Bernardo Sassetti, Beatriz Batarda. Leiria. Teatro José Lúcio da Silva. R. Dr. Américo Cortez Pinto. Hoje, às 11h. Tel.: 244834117. Entrada gratuita.

Jill LawsonLeiria. Teatro José Lúcio da Silva. R. Dr. Américo Cortez Pinto. 5ª, 2, às 21h30. Tel.: 244834117. 8€.

O 29.º Festival de Leiria desenvolve-se em torno do conceito de “ilha” e dos seus múltiplas significados e simbologias. À ilha associa-se “a ideia da viagem (exterior ou interior), mas também da

descoberta, do encontrar desse ‘paraíso perdido’ que tanto almejamos”, escreve o director artístico, Miguel Sobral Cid, no texto introdutório. A profusão de sentidos e de imagens reflecte-se também “na apropriação de novos espaços para a realização dos espectáculos, também eles ‘ilhas’ peculiares e fortes referenciais da cidade e da região”.

Depois da abertura com Maria João e Mário Laginha, o festival prossegue hoje, às 11h, no Teatro José Lúcio da Silva com “A Menina do Mar”, conto de Sophia de Mello Breyner Andersen musicado por Bernardo Sassetti, que irá interpretar a obra ao piano em sintonia com a narração de Beatriz Batarda. Na quinta-feira (às 21h30, no Teatro José Lúcio da Silva), será a vez de a luso-americana Jill Lawson apresentar um repertório aliciante com algumas das mais belas páginas pianísticas dos séculos XIX e XX. A selecção cruza temáticas que evocam a água, a noite ou a natureza e inclui o ciclo “Papillons” op. 2, de Schumann; a “Fantasia-Impromptu” op. 66, o Nocturno op. 55 nº 2 e a Berceuse op. 57, de Chopin; “El puerto” e “Triana”, de Albéniz; “La plus que lente”, “Poissons d’or” e “Feux d’artifice”, de Debussy; “Une barque sur l’ocean”, de Ravel, e a suite “Ao ar livre”, de Bartók.

O festival prossegue até 30 de Junho, contando ainda com a participação de intérpretes como Jordi Savall (com o programa “A viola celta”, no dia 11), a Orquestra de jazz de Matosinhos, Pedro Carneiro, Opus Ensemble, Ana Quintans e os Músicos do Tejo, o Divino Sospiro com Enrico Onofri e a Companhia Nacional de Bailado com o espectáculo “Uma coisa em forma de assim”. C.F.

Jazz

Na linhaCartaz forte no regresso antecipado do Estoril Jazz. Rodrigo Amado

XXX Estoril Jazz

Jack Walrath QuintetoHoje, às 21h30

Anat Cohen QuartetoAmanhã, às 21h30

Tia Fuller QuartetoDomingo, às 19h30Estoril. Casino Estoril. Pç. José Teodoro dos Santos. De 27/05 a 5/06. Tel.: 214667700. 20€ a 30€ (dia) a 60€ (passe).

Este ano mais cedo do que o habitual e sujeito a uma visível contenção financeira, o Estoril Jazz está de

Em “Underneath the Pine”, Toro y Moi exibe uma desenvoltura que o primeiro álbum não atingia

Os violinos (da Metropolitana e não só) estão em destaque no Festival para Um Instrumento do São Luiz

HOMENS DA LUTAAO VIVO

28/05 SÁB 17H00 LEIRIASHOPPING

ENTRADA LIVRE

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Maio 2011 • 35

standards. No dia seguinte, uma lenda do piano - Hal Galper. Colaborador, no passado, de figuras de topo como Cannonball Adderley ou Phil Woods, Galper é um dos grandes estilistas do trio de piano. Finalmente, a fechar em grande o festival, apresenta-se o quarteto do grande Joe Lovano, últimamente a atravessar um período de grande forma. A destacar a presença no quarteto do baterista Jeff Ballard, habitual colaborador de Brad Mehldau.

volta com um cartaz forte e equilibrado que privilegia as correntes mais tradicionais do jazz norte-americano. A inaugurar hoje a programação, o quarteto de Jack Walrath, trompetista histórico que integrou diversas formações de Charlie Mingus. Hard-bop com nervo, numa formação em que se destaca a presença de Abraham Burton (sax tenor) e Orrin Evans (piano). No dia seguinte, a jovem clarinetista Anat Cohen apresenta o seu quarteto. De origem israelita, Cohen cruza influências que vão do swing ao be-bop, numa linguagem lírica e exuberante. A fechar o primeiro fim de semana, nova artista feminina, também jovem; a saxofonista Tia Fuller, com o seu quarteto.

Na semana seguinte, o arranque dá-se com aquele que poderá ser um dos pontos altos do festival, o trio do pianista Mário Laginha, com Bernardo Moreira e Alexandre Frazão. Esta formação, uma das mais vibrantes do jazz nacional, mergulha aqui no universo dos

Sexta 27Carminho Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, às 22h30. Tel.: 218820890.

Ver texto na pág. 22.

Sonido Apocalitzin + Huichol Musical + Matias AguayoPorto. Pç. Poveiros, a partir das 19h. Tel.: 226156500. Entrada gratuita.

Serralves em Festa.

Ken VandermarkCoimbra. Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. R. Barreiras, às 19h. Tel.: 239801160. 5€..

Jazz Ao Centro.

Die Drei PintosDirecção de Lawrence Foster. Lisboa. Fundação Gulbenkian - Grande Auditório. Av. Berna, 45A, às 20h. Tel.: 217823000. 15€ a 35€.

Sábado 28Chicks on SpeedPorto. Fundação de Serralves - Prado, a partir das 0h. Tel.: 226156500. Entrada gratuita.Serralves em Festa.

Lula PenaViana do Castelo. Instituto Português da Juventude.

R. Poço, 16/26, às 22h. Tel.: 258808800. 8€.

Os Golpes & Rui Pregal da CunhaÍlhavo. Centro Cultural de Ílhavo. Av. 25 de Abril, às 22h. Tel.: 234397260. 7,5€.

Le Baroque NomadeLisboa. Museu do Oriente. Av. Brasília, às 21h30. Tel.: 213585200. 18€.

Rodrigo Amado Motion Trio & Jeb BishopCoimbra. Conservatório. R. Pedro Nunes, às 22h. Tel.: 239701680. 7€.

Jazz ao Centro.

Domingo 29Gang Gang DancePorto. Fundação de Serralves - Prado, a partir das 23h. Tel.: 226156500. Entrada gratuita.

Serralves em Festa.Ver texto na pág. 20.

Segunda 30Sufjan StevensPorto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h. Tel.: 223394947. 26€ a 34€.

Ver texto na pág. 16 e segs.

Terça 31Sufjan StevensLisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão, 96, às 21h. Tel.: 213240580. 26€ a 34€.

Ver texto na pág. 16 e segs.

Sean Riley & The SlowridersLisboa. Cinema São Jorge. Av. Liberdade, 175, às 22h. Tel.: 213103400.

Ver texto na pág. 26.

Quinta 2Nicolas Jaar + Tanner RossLisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, às 23h. Tel.: 218820890.

Ver texto na pág. 18.

Sean Riley & The SlowridersCoimbra. Oficina Municipal do Teatro. R. Pedro Nunes, às 21h30. Tel.: 239714013. 12,99€.

Ver texto na pág. 26.

Luke Vibert + Macacos do Chinês + TwofoldLisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24, às 23h. Tel.: 213430107. 10€.

Matias Aguayo

no Serralves em Festa Luke Vibert

em LisboaLula Pena em Viana

do Castelo

Jill Lawson traz algumas das melhores peças para piano dos séculos XIX e XX a Leiria

Tia Fuller fecha

o primeiro fi m-de-semana do Estoril Jazz

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electricidade e a suavidade da versão acústica, situações que se vão alternando daí em diante.

Apesar desse confronto, há uma estranha coerência que percorre o álbum. O disco nasceu com o tema “The Pale Star (Cânone)”, sendo que todos os restantes temas são variações deste, travestidos das mais diversas formas musicais. A partir dessa base de trabalho Sei Miguel e Pedro

Gomes desenvolvem um imenso diálogo que atravessa diferentes linguagens, por vezes situadas em extremos opostos - jazz, rock, blues, world (leia-se, o mundo todo).

Há temas de uma aspereza incrível, de uma grosseira rugosidade; outros evocam formas mais reconhecíveis, é possível escutar Sei Miguel e Pedro Gomes com uma graciosidade como nunca se ouviu nada deles assim antes. Apesar das diferenças entre cada tema, por vezes radicais, este é um álbum globalmente fascinante, assombroso, incomparável. Pelo choque brusco e pela inesperada candura, esta música é demasiado intensa na sua paradoxal beleza para deixar alguém indiferente.

Clássica

Da Polónia, com amorKrystian Zimerman tem demonstrado o seu amor à pátria dedicando muito do seu trabalho à obra de

compositores polacos. Desta feita revela uma compositora quase desconhecida no circuito comercial. Rui Pereira

Grazyna BacewiczSonata para piano nº 2 e Quintetos

com pianoKrystian Zimerman, piano

DG 477 8332

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Aplausos para Krystian Zimerman, um dos mais aclamados pianistas do

mundo, pelo serviço que prestou à cultura do seu país, a Polónia, ao trazer para primeiro plano a música da compositora Grazyna Bacewicz. No disco editado pela Deutsche Grammophon, reuniu um quarteto de cordas formado por solistas polacos de renome,

interpretou dois quintetos com piano e uma sonata para piano

solo e conseguiu colocar o nome de uma compositora praticamente

desconhecida no mundo ocidental nos destaques das principais revistas e lojas de música em todo o mundo. A

compositora Grazyna Bacewicz (1909-1969) foi aluna de composição da incontornável Nadia Boulanger, em Paris, bem como dos violinistas André Touret e Carl Flesch. Os estudiosos da sua obra apontam a influência da sua professora Boulanger e da música francesa, do seu compatriota Szymanowski e, após a segunda grande guerra, da música de Stravinski, Bartók e Prokofieff. Escrita dinâmica, com ritmos marcados por ostinatos com enérgicas acentuações, de texturas cristalinas, com frases fragmentadas que se intercalam sucessivamente, encontra nas suas melodias uma expressão nostálgica. Podemos considerar que a estética é conservadora, na linha dos compositores que alcançaram sucesso no antigo bloco de leste. Talvez por essa razão, e por hoje não representar novidade, a música de Grazyna Bacewicz precisava de uma interpretação do mais alto nível para convencer os ouvintes que só agora tomam contacto com as suas obras. Zimerman tem uma interpretação absolutamente convincente da Sonata para piano nº 2 (1953), uma obra que o pianista toca desde a década de 70. Os Quintetos com piano nº 1 (1952) e nº 2 (1965) são obras de grande maturidade e mais interessantes, sendo extremamente marcante a forte carga expressiva deste último quinteto.

A maior surpresa, essa, é mesmo a inclusão desta compositora no catálogo da Deutsche Grammophon, editora que nunca se afasta muito das figuras de cartaz.

Pop

Deprimir, deprimir melhor

ElbowBuild a Rocket Boys!Polydor; distri. Universal

mmmnn

Há duas formas de ser musicalmente depressivo. Uma implica cultivar um

aspecto de quem foi proscrito da vida em sociedade, ser obsessivo na relação de amizade com uma guitarra

acústica, só sair de uma casa onde não entra um único raio de sol para tocar em sítios em que os bilhetes sejam cadernos de rifas e, de olhos no chão, coçar a cabeça enquanto se apresenta cada tema. A outra é mais funcional em termos sociais, implica uma ambição descarada de querer ser mais deprimido do que todos os outros, conduz a músicas grandiosas para vincar essa a dimensão sobrenatural da depressão e obriga a ser cliente habitual dos sofás de psicólogos e psiquiatras apenas para reforçar periódica e oficialmente que se é um artista torturado.

Os Elbow, e em especial o seu vocalista Guy Garvey, pertencem ao segundo grupo. Cada nota cantada pela garganta de Garvey parece uma lamúria de quem foi deixado sozinho pela mãe num vazio corredor de supermercado. Só que Garvey consegue fazer do abandono uma forma sublime de arte, uma maneira espectacularmente desencantada de cantar as mais variadas canções, tenha atrás de si uma parede de guitarras eléctricas com vontade de cuspir fogo ou pianos que economizam nas notas para acentuarem a sua comoção profunda. Sim, nisto os Elbow são mestres, rivalizam sem problemas com Thom Yorke e estão à altura daquilo que Mark Hollis desenhou com os Talk Talk.

Mas “Build a Rocket Boys!”, quinto álbum do quinteto inglês, dá um passo atrás na grandiosidade atingida com o anterior “The Seldom Seen Kid”, e isto porque os Elbow são mais estimulantes na inversa proporção da macieza das suas composições. Temos os habituais coros entre a alegra bebedeira ao balcão do bar e a prática dominical na direcção do altar da igreja, os tiques do rock progressivo que impedem que uma canção desta gente possa alguma vez soar vulgar e a capacidade rara de tratar cada melodia como se fosse um monumento ao falhanço – que, ao

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Dis

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Jazz

Pacto sublimeEntre temas acústicos e eléctricos, a surpresa. Nuno Catarino

Sei Miguel / Pedro GomesTurbina AnthemNo Business Records

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Sei Miguel regressa aos discos após a edição de “Esfíngico – Suite for a jazz combo” (Clean Feed, 2010).

Ao seu lado está o guitarrista Pedro Gomes, agora membro regular do seu quarteto. Contudo, a gravação deste disco remonta a Agosto de 2008 e consistiu no primeiro momento de colaboração entre os dois músicos, num pacto que alicerçou a relação musical entre Miguel e Gomes. Com este disco encontramos os dois músicos num contexto especialíssimo: duo de trompete e guitarra, num trabalho ímpar.

O disco abre com o intróito “The Pale Star” (a primeira parte de um tema dividido em cinco momentos), guitarra acústica suavemente dedilhada, trompete vagaroso. Entra depois um tempestuoso contraste, guitarra eléctrica em choques sonoros, trompete a ripostar. Este arranque

é premonitório: o álbum assenta nesta dualidade exposta nas duas primeiras faixas, na divergência entre a violência da

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Um álbum globalmente fascinante, assombroso, incomparável

Grazyna Bacewicz (1909-1969) éagora revelada

Elbow: um pouco menos de auto-comiseração e estávamos outra vez no caminho certo

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ser glorificado, deixa, no entanto, de constituir um falhanço. Faltam apenas os rasgos em que o disco anterior e o início de carreira foram férteis, e que pareciam impedir Guy Garvey de se apaixonar repetidamente pela sua própria imagem de homem não suficientemente amado pelos outros. Um pouco menos de auto-comiseração e estávamos outra vez no caminho certo. Até daqui a dois anos, à mesma hora, no mesmo divã. Gonçalo Frota

Sean Riley & The SlowridersIt’s Been A Long NightiPlay

mmmnn

A surpresa não é aqui importante. “It’s Been A Long Night” é um disco em que aquilo que é a alma da música de

Sean Riley & The Slowriders, a vastíssima tradição americana de contadores de histórias da folk e aqueles que se empenharam, a partir da década de 1960, na sua transformação eléctrica, se mantém intocada. Interessa aqui, portanto, a forma como a banda se apropriou dessa linguagem, vagueando pelas suas diversas expressões sem esforço aparente. A harmónica que se faz ouvir entre guitarra wah wah logo a início, em “Laying low” ou o dedilhado acústico telúrico, rodeado de secção de cordas, de “Sweet little Mary”, estão lado a lado com o romantismo aquecido a órgão Hammond de “Everything changes”, com a desolação fantasmagórica de “It’s gonna rain”, com a liberdade opiácea e dorida de “Cold river”. “It’s Been A Long Night” é o álbum mais íntimo de Sean Riley & The Slowriders, aquele em as canções parecem emanar das ânsias, frustrações, memórias (bem vindas ou perturbadoras) que nos assaltam em noites longas. Esse ambiente atravessa o disco e é aquilo que lhe dá coerência: porque, afinal, tanto cabem aqui piscares de olho à

emotividade épica de Springsteen (“Silver”), que até serão a parte menos interessante do disco, como actualizações do espírito rock’n’roll de Del Shannon ou Roy Orbison (em “Night owls”, apõem-lhes metais com travo mexicali e o resultado é magnífico). M.L.

Sonny & The SunsetsHit After HitFat Possum Records; distri. Popstock

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Os Sonny Sunsets, que são Sonny Smith acompanhado de músicos de diversas bandas da actual

São Francisco (The Oh Sees, Skygreen Leopards, Fresh & Onlys), são classicistas até à medula, amantes dos órgãos Vox, dos contrapontos vocais matreiros e certeiros e das guitarras chocalhando para prazer do corpo que dança. São o tom cristalino das canções românticas “boy meets girl” de outras adolescências, com um “twist”: nada corre bem nestas canções – “Pretend you love me”, pelo menos isso, pede Smith -, e enquanto nos aparece um instrumental regado a fuzz e delírio improvisado, muito garage (“The bad energy of LA is killing me”), enquanto descobrimos reverberações sci-fi no refrão da mui sexy “Teen age thugs”, elas tornam-se uma outra coisa. No álbum

anterior, “Tomorrow is alright”, tudo era gentil e cada melodia desenvolvia-se discreta a lânguida. Aqui, estamos em cenário de baile dançante, muito cool e muito livre, que ultrapassa a redundância do revivalismo pela habilidade da composição (tudo nos parece simples e intuitivo), pela honesta vivacidade da interpretação (é só rock’n’roll, boa gente) e por um Sonny Smith que se mostra mestre na modéstia e na contenção de exibicionismo, qual Jonathan Ritchman, qual Lou Reed que, pasme-se, tenha bom coração e queda para a auto-ironia. M.L.

Renato BorghettiAndançasSaphrane, distri. Megamúsica

mmmnn

O nome é italiano, mas Renato Borghetti é do sul do Brasil e toca música gaúcha no seu acordeão

diatónico, que lá se chama “gaita ponto” e em Portugal “fole”. É o principal virtuoso da especialidade, estatuto que o trouxe até aos palcos europeus, onde tem regularmente actuado ao longo dos últimos dez anos. Este álbum ao vivo, gravado em Bruxelas em 2009, reflecte essa rodagem e a natural aproximação do som gaúcho quer das suas raízes nas tradições europeias - sobretudo Itália, origem da família materna do músico -, quer às expectativas do público “new age” da Europa Central. Daí um programa onde o som das raízes gaúchas é o fio condutor, do qual nunca descola em demasia, mas que abre espaço a improvisos jazzísticos de acordeão e demais instrumentos (guitarra, flauta, sax soprano e flauta), sempre sob uma embalagem de depuração e requinte. Não comungará do génio de Chango Spaciuk, seu homólogo do lado argentino, mas em compensação a música de Renato Borghetti transpira uma alegria e uma confiança realmente contagiosas. O disco perfeito para se pôr a tocar num desses dias deprimentes em que as nuvens teimam em não deixar passar o sol. Luís Maio

“It’s Been A Long Night” é o álbum mais íntimo de Sean Riley & The Slowriders

Sonny & The Sunsets: aqui estamos em cenário de baile dançante, muito cool e muito livre

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ficção, dando assim livros como “O Senhor Swedenborg e as investigações geométricas”. No universo GMT não há literatura que não seja metaliterária, mas isso significa que a obrigatória referência à escrita implica que a escrita vem sempre depois da leitura.

Não admira, assim, que GMT recorra com naturalidade a clássicas designações de género: “Enciclopédia” é aqui o termo geral que recobre nestas “breves notas” o que elas têm de organização de um saber. Até certo ponto, claro, dada a óbvia tensão irónica entre as ambições dum projeto enciclopédico e a modéstia de umas “breves notas”. A ironia faz desequilibrar o jogo entre títulos e etiqueta: é a enciclopédia que se vê sujeita ao efeito das anotações que, breves, põem em evidência a inscrição do saber no tempo e numa certa economia variável, quer dizer, num processo de avaliações e reavaliações sucessivas.

Daí que a ordem cronológica dos volumes não seja imperativa: as “Breves Notas sobre Ciência” vieram primeiro, mas é possível, sem prejuízo, começar a leitura por um dos outros volumes. Até porque a expressão “breves notas” não designa a mesma coisa de volume para volume. As “Breves Notas sobre o Medo” são o livro mais narrativo do conjunto, não porque contem uma história ou várias, mas porque o medo inscreve nestas notas uma relação com o tempo inseparável de todos os temas a que o medo obliquamente dá acesso: a morte, a doença, o confronto com a beleza, os encontros, a experiência da idade, a própria velocidade da vida. Aqui, portanto, a “breve nota” é quase sinónima de alegoria, uma alegoria extremamente condensada, tensa, tendencialmente circular, a que em certos casos não estaria errado chamar pequeno poema em prosa. Um exemplo, que se intitula “Viver”: “Atacado ao longo do caminho por salteadores que o roubam e maltratam, o homem, sobrevivendo, regressa por fim a casa para preparar a próxima viagem.”

Já se vê, pelo exemplo, que a preposição “sobre”, nos títulos, não indica a posição de superioridade, de domínio sobre o assunto, antes aponta para aquilo que está debaixo, a trabalhar o que se escreve. Nesse sentido, começar pelas “Breves Notas sobre o Medo” é aprender depressa que, elaborada por vezes até ao ponto do preciosismo, a escrita GMT (tomando agora as iniciais como a marca que já são) recebe mal o epíteto de intelectual ou de cerebral, com que de vez em quando a simplificam. A sua inclinação vai menos para o aforismo do que para o epitáfio: uma existência inteira sobrevivendo a si mesma na escassez de algumas linhas escritas na fronteira entre a clareza e o absurdo.

Começa aí o território das “Breves

Notas sobre Ciência”. Gonçalo M. Tavares é professor de Epistemologia e a palavra “ciência” nesse título significa que este não é um bom livro para crentes na teoria das “duas culturas”. Aqui a cultura é uma só – e a literatura o espaço onde as ligações (cuja perda cria a ilusão do dualismo) se cultivam ou se inventam. Desfazer antinomias é por isso uma tarefa de escritor, às vezes uma tarefa ao nível elementar a que só o humor dá resposta, como quando se desmantela assim o mito da objectividade científica: “Um objecto não investiga. Um copo, por exemplo; ou lhe colocam água ou vinho ou outro líquido, ou o deixam cair ao chão.” Outras vezes, o que está em jogo é tão só tirar conclusões da “verdade temporária da ciência”, radicalizar a temporalidade de todo o saber.

Não se pode imaginar gesto mais fútil perante uma escrita assim do que perguntar se o que ela diz sobre ciência, verdade, investigação é para tomar a sério ou apenas como jogo ou figura para falar doutra coisa. Porque não se pode duvidar da seriedade do humor no universo GMT, e muito menos da gravidade com que nele se toma a presença da linguagem no mundo. A ciência não escapa à linguagem e tanto basta para que nada de substantivo a oponha à arte ou à literatura: “A linguagem utiliza a ciência para alcançar a ilusão da Verdade, tal como a linguagem utiliza a arte para alcançar a ilusão de uma certa Beleza.”

Nesta enciclopédia, todos os saberes constituem, em última instância, um espaço ilimitado de ciências oblíquas, e daí que conhecer apareça como a arte de “observar a realidade pelo canto do olho, isto é: pensar ligeiramente ao lado.” Isso é consistente com alguns efeitos de escrita muito recorrentes no universo GMT, em particular a arte de acrescentar parêntesis. Ou a arte de montar paralelos, que é especificamente a que estrutura as “Breves Notas sobre as Ligações”, cujo objecto fugidio se poderia dizer que é a própria literatura, representada por “três escritoras cuja leitura exige de nós uma resposta”: María Zambrano, Gabriela Llansol e Maria Filomena Molder.

Só que não há “a própria literatura”, há apenas o texto percorrido como “labirinto de todos os itinerários possíveis”. Está aí o segredo destas fascinantes anotações de falso copista que arranca dos textos lidos algumas frases (e às vezes nem isso) a que depois extrai, com violenta delicadeza, não o significado, mas o poder de incitação ao sentido. Porque toda a resposta é uma deslocação, um movimento que começa “ligeiramente ao lado” e cujo destino é imprevisível. Por isso, da escrita, domínio das ligações, se pode dizer: “Esta coisa que é sempre igual varia muito.”

O reino dos invisíveisFotografia e Verdade. Uma história de FantasmasMargarida MedeirosAssírio & Alvim

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Desde o seu aparecimento que a fotografia é um campo de debate intenso e polémico. As imagens produzidas por esse dispositivo

misterioso apresentam-se, quase sempre, como descrições apodícticas do mundo às quais nenhum mistério escapa: a sua suposta transparência é tal que não deixa margem para discussões ou equívocos.

Para Baudelaire, esta era a grande mais-valia desta invenção: ser a secretária e a anotadora de quem tivesse, na sua profissão, necessidade de uma absoluta precisão material. Porém, quando a essas imagens se associava a imaginação, caia em desgraça. Para o poeta, contemporâneo das primeiras perplexidades produzidas por estas imagens não artísticas, a fotografia prolongava a memória, protegendo as ruínas do seu desvanecimento, e constituía um auxiliar precioso para os naturalistas, botânicos e para o todo da ciência.

A investigação de Margarida Medeiros, que tem a ambição de compreender a fotografia não como uma prática artística, nem como competência técnica, mas na relação singular que estabelece com o seu objecto, vem inscrever-se precisamente neste âmbito. Escreve a autora: “A preocupação central deste livro é pois pesquisar a forma como a natureza automática e indicial da fotografia se prestou à constituição de um sistema de verdade, de prova, de apodicticidade” (p.62). Mas não é neste aspecto que reside a sua singularidade. Entre as imagens que estuda — e que são os seus argumentos —, surgem os fantasmas, os espectros, os fluidos e eflúvios e toda aquela dimensão da vida que não é visível e, logo, também não é fotografável. O que faz inscrever este estudo na “estranha ligação entre a imagem fotográfica, cuja história começa na captação técnica do visível, e a possibilidade estendida de se poder também tornar prova do invisível” (p.62).

Esta extensão significa a entrada de uma dimensão oculta, que provoca uma crise da referencialidade da imagem fotográfica. Os acontecimentos destas imagens são elementos exclusivamente fotográficos: aquilo que a câmara dá a ver não é o visível ou o existente, são seres cujo aparecimento depende exclusivamente do mecanismo

Liv

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Ensaio

Ciências oblíquasA “enciclopédia” de Gonçalo M. Tavares em nova edição acrescida de um valioso caderno de Júlia Studart. Gustavo Rubim

Breves NotasGonçalo M. TavaresUFSC / Editora da Casa

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O que surpreende nestes dez anos de Gonçalo M. Tavares não é a extensão invulgar da “obra” (perto de 30 livros, começados a publicar em 2001) nem a sua bem

sucedida internacionalização, que esta bela reedição brasileira vem confirmar. O que surpreende é a afirmação de uma escrita que se prolonga imparavelmente como se a literatura fosse o que há de mais vivo, de mais urgente e de mais natural para fazer.

“Enciclopédia” foi o termo escolhido por Gonçalo M. Tavares para classificar o triplo conjunto que esta caixa abriga: “Breves Notas sobre Ciência”, “Breves Notas sobre o Medo” e “Breves Notas sobre as Ligações [Llansol, Molder e Zambrano]”. Isolados, esses títulos tinham já saído em Portugal, entre 2006 e 2009, e a nova edição, além da caixa, acrescenta um “caderno de apresentação” bastante bem escrito por Júlia Studart, um nome a fixar. De

certa maneira, o que distingue qualquer texto do universo

GMT (chamemos-lhe assim para poupar espaço e memória) é a obrigatória referência à escrita que Júlia Studart aceita para pôr o seu “caderno” de acordo com a série das “breves notas” que apresenta. O caso mais famoso é o da série “O

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Em Gonçalo M. Tavares, o texto é o “labirinto de todos os itinerários possíveis”: da ciência à literatura à existência, como nestas “Breves Notas”

Os escritores Manuel António Pina, J. Rentes de Carvalho e valter hugo mãe juntam-se esta tarde, às 18h, na Feira do Livro do Porto para discutir

se o que escrevem “tem uma pronúncia do Norte”. O debate é organizado pela revista

“Ler” e pela Bertrand e será moderado por Anabela Mota Ribeiro.

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Maio 2011 • 39

revelador da câmara obscura. Esta capacidade de revelação do invisível promove uma crise de referencialidade: o pressuposto de que a fotografia detém com o seu objecto uma relação sem sombra ou desvio é abalado com a descoberta de que existe uma dimensão oculta que só à câmara se torna presente. Diz a autora: “Imagem, réplica, assombração, fantasma, verdade, falsidade, imitação, foram apenas alguns dos nomes que a fotografia tomou enquanto pensada pelo ser humano (críticos, historiadores, teóricos, pensadores) sem que um único modelo se tivesse imposto como o mais adequado” (p.263).

É na tentativa de investigação desta multiplicidade de sentidos e modelos — a que também se poderia chamar gramática — que Margarida Medeiros explora as relações da fotografia com a psicologia, o espiritismo, o mediunismo, os fenómenos auráticos. Uma investigação que obriga a regressar ao início da fotografia, porque “trata-se sempre de afirmar o lugar de origem da fotografia como uma espécie de caixa de Pandora, onde todos os segredos da nossa contemporaneidade estivessem já liminarmente desenhados e inscritos” (p. 60).

Neste contexto, existem duas utilizações da fotografia particularmente pertinentes. A primeira é a sua utilização no contexto da psiquiatria e da psicologia (sublinhe-se a existência de uma surpreendente proximidade entre os conceitos de inconsciente e câmara escura), em que a câmara é utilizada como um médium.

A segunda utilização é a feita pelo espiritismo, que usa o dispositivo fotográfico para provar a existência dos seres por si afirmados, mas colocados em dúvida pela ausência de uma prova material da sua existência. Neste sentido, a fotografia permite revelar ao mundo a realidade espírita e, desta forma, provar a verdade das afirmações acerca da existência de seres imateriais: “A tecnologia fotográfica […] parte de uma caixa negra (a câmara obscura, a relação positivo/negativo) para revelar ao mundo a realidade que, frequentemente, e sobretudo no caso do espiritismo, não era conhecida antes. É nesta semelhança intrínseca entre os dois tipos de dispositivos automáticos (máquinas e psiquismo) que assentará toda a produtividade da imagem espírita” (p.145).

E umas páginas mais à frente acrescenta a autora: “A fotografia […] foi manipulada no âmbito do espiritismo devido à tradição de verdade documental que lhe é intrínseca. Essa verdade era no entanto produzida por intermédio de uma mais ou menos obscura tecnologia, envolvendo placas, químicos, lentes, uma espécie de caixote e uma câmara escura onde tudo finalmente vinha à luz. A

verdade apodíctica, objectiva, da fotografia decorria de processos semelhantes aos da magia, que lhe são sensivelmente contemporâneos. O espiritismo, ao usar a fotografia como prova do improvável, apostava nesse lado obscuro da técnica, que era apenas conhecido de alguns e do qual outros tantos desconfiavam, quanto mais não fosse pela sua familiaridade com o truque mágico e os seus segredos” (p.187).

As explorações feitas por Margarida Medeiros não desviam este livro de uma investigação em que a fotografia é entendida como prática cultural. Uma das suas premissas é identificar os “aspectos culturais da fotografia (...) nas ocorrências da história da fotografia que demonstram como a sua função realista, de testemunho, de reveladora/duplicadora de uma realidade existente, decorre de uma cultura que confia e delega na máquina, no autómato ou nos mecanismos automáticos essa função de autenticidade” (p. 8).

Esta investigação mostra uma dimensão pouco habitual no pensamento sobre a fotografia, mas que é essencial para o conhecimento da sua natureza surpreendente. A linha de força não é definir ou fixar um momento da história da fotografia ou da arte, mas mostrar as suas muitas utilizações e, sobretudo, identificar as diferentes expectativas presentes a cada momento do fabrico das imagens, confirmando a paradoxalidade do meio fotográfico, bem como a enorme polissemia dos objectos que fabrica. Daqui nasce a identificação de um território entre a prova e o indicio, o material e o imaterial, o visível e o invisível. Um retrato no qual a fotografia surge como um ser de múltiplas fisionomias, nomes e constituições, a viver numa região de intervalo entre o ser e o aparecer. Nuno Crespo

Ficção

Um tijolo de sonho “O Assédio” é uma boa iniciação para quem nunca leu Arturo Pérez-Reverte. Dentro do que foi Cádis há 200 anos, vida e História misturadas. Rui Lagartinho

O AssédioArturo Pérez-Reverte(Trad. Helena Pitta)Asa

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Um tijolo é um tijolo é um tijolo.Sem se desvirtuar este que nos

ocupa, “O Assédio”, de Arturo Pérez-Reverte tem a ambição de contar o mundo através das vidas de quem o povoa e isso é bom. Sobretudo porque o resultado

excede as melhores expectativas.Cádis, 1811. Uma cidade inteira

está assediada. Enquanto as Cortes espanholas se reúnem, os franceses não dão tréguas e a sua artilharia vai assustando e destruindo a cidade. Ao lado das explosões, horas depois, começam a aparecer corpos de jovens virgens assassinadas.

Rogélio Tizón é um polícia assediado: “Certos horrores habituais da sua vida profissional endurecem-lhe o olhar e a consciência e ele próprio é um factor de horrores complementares. Cádis inteira o conhece como sujeito arrevesado, perigoso. No entanto, apesar da sua rude biografia, a proximidade do corpo torturado inspira-lhe uma perturbação singular. Não se trata da vaga compaixão provocada por qualquer tipo de vítima, mas de um pudor estranho, violentado até limites insuportáveis” (p. 89).

No universo revertiano, já se sabe, os heróis também se abatem. Aqui o desafio do escritor era pôr-nos a simpatizar com alguém corrupto, abjecto. E de facto é difícil resistir a um polícia que joga xadrez e se interessa pelos textos de Sófocles.

Depois há Lolita Palma, que quando passeia no centro da cidade “atrai mais os olhares masculinos”: “Cortesias e chapeladas, amáveis inclinações de cabeça. Todos os que ali têm peso conhecem a mulher que gere com prudência e boa mão, apesar do seu sexo mais ou menos fraco, a empresa do avô e do pai defuntos. Cádis de toda a vida: comércio ultramarino, barcos, investimentos, riscos marítimos. Não como outras senhoras do comércio, viúvas na sua maior parte, que se limitam a ser prestamistas, cobrando comissões juros. Ela arrisca, perde ou ganha” (p. 55).

Desde “A Rainha do Sul”, protagonizada pela traficante de droga Tereza Mendonza, esperávamos que outra mulher forte entrasse para a galeria das heroínas de Pérez-Reverte. Lolita Palma consegue esse lugar por mérito próprio. Parece que as recordações fortes de uma das avós do autor ajudaram ao seu triunfo.

A fechar o triângulo dos protagonistas de “O Assédio”, há um corsário cansado: “Desde que embarcou, com onze anos de idade, viu demasiados despojos humanos que foram aquilo que ele é. Não quer acabar num taberna, a contar a sua vida a marinheiros jovens, ou a inventá-la em troca de um copo de vinho. Por isso persegue, tenaz e pacientemente, um futuro longe

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A singularidade da investigação de Margarida Medeiros está na atenção dedicada à dimensão oculta da imagem fotográfi ca, aos seus fantasmas

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desta paisagem incerta a que nunca mais voltará se conseguir deixá-la para trás: uma pequena renda, uma terra própria, um alpendre onde se sentar ao sol sem outro frio ou humidade além da chuva e dos Invernos. Com uma mulher que lhe aqueça a cama e o estômago, sem que o uivar do vento implique um presságio sombrio e um olhar inquieto em direcção ao barómetro” (p. 211).

Pepe Lobo, o corsário que se quer reformar, pode ser considerado um primo afastado do capitão Alatriste, outro herói-mor inventado por Reverte.

Para além destes protagonistas, há neste romance uma nuvem de secundários que não deixam nenhuma rua de Cádis deserta. Respiram o ar do tempo que lhes coube viver. O de uma Europa em ressaca de uma revolução que acendeu luzes que agora se começam a extinguir. Um mundo cheio de mapas e estratégias militares, de taxidermistas curiosos, de químicos assassinos, de comerciantes gananciosos, de espias que comunicam através de pombos correio. E de gente simples que arrisca o melhor que possui: a própria vida.

Em cada um dos 18 capítulos, todos esses universos misturam linguagens, numa fusão de imagens editadas para que a história de um amor que não vai poder ser (é fácil perceber qual é) não se sobreponha à reconstituição histórica e científica da época, ou impeça a investigação em curso que persegue o “serial killer” que assusta Cádis.

A reconstituição histórica de duelos, procissões, saques entre barcos, tiros de artilharia e vida palaciana é rigorosa e credível. O génio de um romancista experiente faz o resto. Docemente deixamo-nos ser assediados por um livro ainda por cima impecavelmente traduzido por Helena Pitta, felizmente “habituée” dos romances de Arturo Pérez-Reverte.

Há tijolos e tijolos. Uns têm o peso da terra, outros o dos sonhos.

Poesia

Ne varieturUma edição destas vive de minudências. E com Sophia todo o cuidado é pouco. Eduardo Pitta

Obra PoéticaSophia de Mello Breyner AndresenCaminho

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A publicação recente da segunda edição de “Obra Poética” de Sophia

de Mello Breyner Andresen (1919-2004) merece alguns comentários.

Entre Novembro de 2003 e Outubro de 2004, a Editorial Caminho publicou,

em 14 volumes, a edição definitiva desse vasto “corpus” poético. Tal empresa ficou a dever-se a Luis Manuel Gaspar, como sabe muita gente e Maria Andresen Sousa Tavares confirmou em carta publicada no “Jornal de Letras” de 17 de Setembro de 2003: “Por equívoco [...] é-me atribuída a coordenação, com Luis Manuel Gaspar, do levantamento, reunião e organização de inúmeros poemas e outros textos dispersos que foram sendo publicados durante décadas, por Sophia, em jornais, revistas, etc. [...] De facto, a Luis Gaspar deve-se todo o trabalho de busca de dispersos, inventariação de poemas abandonados de uma edição para outras, inventariação de variantes, assim como o respectivo acerto e aparato crítico. [...] O seu a seu dono.” Esse minucioso trabalho inclui verbetes biobliográficos, opções de ortografia e demais aspectos de natureza editorial.

À época, escrevendo sobre a edição conjunta dos 14 volumes, lamentei que não tivesse sido possível reunir em volume único toda a poesia de Sophia, a quem devemos a nitidez da dicção, o paganismo visionário, uma ética radical, o sentido trágico da existência, empenho nas causas sociais e o convívio com as coisas e os seres.

Finalmente, em Outubro do ano passado, surgiu o esperado volume único de “Obra Poética”, organizado por Carlos Mendes de Sousa, que mantém sem alterações significativas a fixação de texto estabelecida por Luis Manuel Gaspar. Neste volume são pela primeira vez divulgados 29 poemas dispersos (recolhidos por Gaspar), bem como um inédito de 1943 que o PÚBLICO publicou na sua edição de 23 de Julho de 2009.

Afirma Carlos Mendes de Sousa, na Nota de Edição (pp. 7-8), que as edições de 2003-04, “designadas definitivas, foram organizadas por Luis Manuel Gaspar.” Mas o cotejo dos 14 volumes permite verificar: Vols. 1-7, Edição de Luis Manuel Gaspar; Vols. 8-10 e 12, Edição de Maria Andresen Sousa Tavares e Luis Manuel Gaspar; Vols. 11, 13-14, idem, com a ressalva de que a fixação de texto (creditada a Gaspar nos volumes precedentes) passou a ser feita “segundo critérios acordados com” a filha da autora. Diz ainda Sousa que a presente edição “segue e actualiza os critérios de fixação de texto” (p. 7). Por “actualizar” podemos considerar a opção tomada relativamente a

determinadas idiossincrasias ortográficas de Sophia.

Exemplo óbvio será o do verbo dançar, que Sophia grafava com ‘s’: “Dansam as árvores puras sacudidas” (cf. “Dia do Mar”, 1947, e edição “definitiva” de 2003). Em mais do que uma entrevista, Sophia reiterou esse seu modo de escrever: “A única palavra portuguesa cuja ortografia precisa de ser mudada é dança, que se deve escrever com ‘s’, como era antes, porque o ‘ç’ é uma letra sentada, uma letra pesada. Escrevo com ‘s’, mas há sempre o desastre de os tipógrafos ou as pessoas que me passam os textos à máquina acharem que é um erro e emendarem para ‘ç’...” (“Diário de Notícias”, 24-11-94). Isso mesmo é verificável na exposição “Uma Vida de Poeta”, recentemente organizada por Teresa Amado e Paula Morão na Biblioteca Nacional. Sousa discorda: “Não tendo a autora determinado que tal singularidade passasse a ser regra na sua obra, seria abusivo considerar que Sophia pretendeu instaurar um preceito de uso ortográfico próprio” (p. 8). Assim desapareceu essa “marca textual”.

Numa edição tão cara, compreende-se mal que a paginação seja pouco rigorosa no respeito da divisão estrófica dos versos. Dito de outro modo, salvo para conhecedores profundos da obra de Sophia, a mudança de página não permite ver (a olho nu) onde termina uma estrofe e começa outra. Minudências? Decerto. Sucede que em poesia a noção de espaço é intrínseca à leitura. Nesse particular, a edição 2003-04 tem uma fiabilidade acrescida.

Nesta segunda edição, saúde-se (entre outras) a correcção operada no poema “Crepúsculo dos Deuses” (p. 506; cf. “Geografia”, 1967), cuja estrofe final fora em Outubro de 2010 acoplada à anterior: “Ide dizer ao rei que o belo palácio jaz por terra quebrado / Phebo já não tem cabana nem loureiro profético nem fonte melodiosa / A água que fala calou-se.”

Fica o mais importante: uma obra ímpar.

Liv

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Pérez-Reverte reconstitui genialmente um mundo cheio de mapas e estratégias militares, taxidermistas curiosos e químicos assassinos

A poesia de Sophia em edição defi nitiva

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Colecção d

e autores

premiados

pelo tempo

Ainda este mês:

O grande escritorapresentou-meao mundo

Para Os Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki, com encenação de Fernanda Lapa, no GITT da Trafaria, ali entre Almada o rio e o mar, fi z a minha primeira cenografi a.Quase a completar 40 anos de carreira é curioso reencontrar e evocar agora este grande escritor russo, que, de certo modo, me apresentou ao mundo e ao teatro. Já tinha passado por Gogol, mas depois de Gorki a porta da grande literatura russa escancarou-se-me defi nitivamente. O primeiro a irromper foi Tchekhov e nunca mais saiu. Só então chegaram Tolstói e Dostoievski. A cenografi a com aquela enorme teia de aranha, que aprisionava todo o espaço da sala e a mesa familiar em forma de aranha que abraçava o público, era uma metáfora que, apesar de tantos anos, continua actual. Ali conheci o Carlos Porto, o Urbano Tavares Rodrigues e o Tomás Ribas, que escreveram entusiásticas críticas. Mas também José Gomes Ferreira, de quem aliás, no fi nal do espectáculo, o Mário Viegas dizia um poema. Vem a propósito lembrar que (muitos parece que já esqueceram...) nesses tempos havia censura, e que na noite do famoso ensaio para a respectiva comissão, uns senhores cinzentos, tristes e cheios de sono proclamaram a censura à última palavra do poema (“Merda.”). Passados 39 anos, ironicamente, estou sentado no banco dos reús por impedir censura a uma obra de teatro (em 2007, ainda membro da então direcção do Teatro Nacional D. Maria II, não permitimos que algumas falas de A Filha Rebelde, da autora Margarida Fonseca Santos, fossem cortadas pela família de Silva Pais!)Pelo meio, a revolução que nos devolveu a liberdade e a democracia. Mas a teia, ou restos dela que nos aprisionam, ainda existe. A metáfora continua forte.Também reencontrei Gorki para fazer Vassa Geleznova, no já desaparecido Teatro da Graça do Carlos Fernando e do Gastão Cruz, mas isso é outra história que aqui não cabe.

JOSÉ MANUEL CASTANHEIRA CENÓGRAFO E ARQUITECTO

Todas as Quintas com o PÚBLICO

Máximo Gorki

PUB

Alejo Carpentier Os Passos Perdidos 9 Jun

Philip K. Dick O Homem do Castelo Alto 16 Jun

Lev Tolstói O Demónio Branco 23 Jun

Franz Kafka O Castelo 30 Jun

Máximo Corki A Mãe 2 Jun

Depoimento sobre o livro desta semanafeito a pedido do PÚBLICO

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meio do

palco sabe-se lá

por onde, um

desconforto com o exterior,

com o não-controlável.

Francisco Camacho, o mefistofélico coreógrafo – a armadilha que Sílvia quis criar para si própria neste espectáculo com antestreia amanhã no Cine-Teatro São Pedro, em Alcanena, e estreia dias 1 e 2 na Culturgest –, fala de gestos angulosos, de um corpo cheio de dobras, de formas difíceis, de gestos não-evidentes. E o que lhe deu para fazer em “Lost Ride”, num contínuo questionar da relação hierárquica entre bailarina e coreógrafo, junta o melhor dos dois mundos. O dela é um teatro cheio de acções, em que cada gesto tem uma vida que se extingue, cada movimento serve uma função, cada sequência se encerra, com a sombra da narrativa a impor, controlando,

o que é real. O dele é um teatro de

intenções, em que os movimentos se

interrompem, as personagens são sempre hipóteses e nunca concretizações, e o

humor é áspero, perigoso.

“É uma vertigem” diz-nos Sílvia

Real, a quem assusta a ideia de ter sobre ela o foco de todas as atenções, a quem Camacho pouco disse durante os ensaios: “Eu gosto que me digam o que fazer. Sou uma intérprete muito activa, mas gosto de ser conduzida”. Camacho limitou-se a observá-la, lembrando-se da sequência final de de “Evil Live/ Live Evil” (2005), onde Sílvia ficava com os movimentos todos por completar, em suspenso, quase que por dizer. Ponderou fazer-lhe o mesmo que Meg Stuart lhe fez em “Blessed” (2008): atirar-lhe

palavras para as improvisações, palavras-chave que seriam as âncoras que ela teria como porto seguro. Mas as armadilhas que Camacho lhe lança são tão angulosas como os seus movimentos: “Não quis dizer muito”, confessa-nos.

Dentro do carro, a tentar sair pela porta, pelo tejadilho, pela mala; de bandeja na mão a tentar servir-se de um pequeno-almoço pintado a prateado; subindo uma imaginária escada que não a leva a lado nenhum: em todos os momentos de “Lost Ride”, o melhor de Sílvia. A angulosidade transformada em pesquisa, em descoberta, de um rigor quase matemático, decorado, esquemático. Uma acção que se interrompe para dar origem a outra. Um grão que entra na engrenagem e que, afinal, faz avançar a máquina. Uma sequência depois da outra, aberta, sem medo de não ser nada. E em cada gesto o resumo de uma cumplicidade que dura há anos: olhar e esperar pelo outro.

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Tea

tro/

Da

nça

A rapariga dos ângulos rectosFrancisco Camacho e Sílvia Real reencontram-se em “Lost Ride”. Antestreia amanhã em Alcanena, dias 1 e 2 em Lisboa. Tiago Bartolomeu Costa

Lost RideDe Francisco Camacho, Sílvia Real. Com Sílvia Real. Alcanena. Cine-Teatro São Pedro. Av. 25 de Abril. Dia 28/05. Sáb. às 21h30. Tel.: 249889115.

Lisboa. Culturgest - Grande Auditório. R. Arco do Cego. De 01/06 a 02/06. 4ª e 5ª às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 15€.

Não é preciso saber-se que Sílvia Real foi durante anos a Sra. Domicilia (“Casio Tone”, 1997, “Subtone”, 2003, “Tritone”, 2007), uma das mais entusiasmantes figuras da dança-teatro nacionais, para vermos naquele corpo que sai de um carro amputado, surgido no

meio do

palcosabe-se lá

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desconforto com o exterior,

com o não-controlável.

Francisco Camacho, o

o que é readele é um te

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Sílvia Real submeteu o seu

corpo cheio de dobras, de

formas difíceis, de gestos

não-evidentes, às instruções

igualmente angulosas

de Francisco Camacho

Teatro

EstreiamThe Children’’s Emperor & The PianistDe e com Mischa Twitchin. Lisboa. C.A.Ma. R. Esperança, 152. De 27/05 a 28/05. 6ª às 21h, 23h30 e 24h. Sáb. às 21h, 22h30 e 23h. Tel.: 212427621. Entrada gratuita.

FIMFA.Ver texto na pág. 28.

Policarpo QuaresmaDe Lima Barreto. Encenação de Antunes Filho. Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. De 28/05 a 11/06. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 223401910. 7,5€ a 16€.

Odisseia: Teatro do Mundo. FITEI.Ver texto na pág. 29.

Sicrano de BergeracDe Jorge Louraço Figueira.Encenação de Luísa Pinto.Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery - Sala Principal. Av. Serpa Pinto. De 29/05 a 30/05. 2ª às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 229392320. 7,5€.

FITEI.

FuenteovejunaPelo Mefisto Teatro. Porto. Teatro Helena Sá e Costa. R. Alegria, 503. Dia 31/05. 3ª às 21h30. Tel.: 225189982.

FITEI.

Decir Lluvia y que LluevaPelo Kabia - Gaitzerdi Teatro. Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. Dia 01/06. 4ª às 21h30. Tel.: 223401905.

FITEI.

Medea Llama por CobrarDe Peki Andino. Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery. Av. Serpa Pinto. Dia 02/06. 5ª às 21h30. Tel.: 229392320.

FITEI.

ChãoDe e com Miguel Fragata, Susana

Gaspar. Lisboa. Museu da Marioneta. R. Esperança, 146. Dia 28/05. Sáb. às 21h30. Tel.: 213942810. 7,5€.

FIMFA.

ContinuamA Colecção Privada de Acácio NobreDe Patrícia Portela. Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. Dia 28/05. Sáb. às 18h30. Tel.: 223401905.

FITEI.

As Três IrmãsDe Tchékhov. Pelo Ao Cabo Teatro. Encenação de Nuno Cardoso. Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. Dia 30/05. 2ª às 21h30. Tel.: 223401905.

FITEI.

Dança

EstreiamAs Far as the Eye Can HearDe Martine Pisani. Porto. Museu de Serralves. R. Dom João de Castro, 210. De 28/05 a 29/05. Sáb. e Dom. às 13h e 19h. Tel.: 226156500.

Serralves em Festa.

Sideways RainPela Cie ALIAS. Porto. Museu de Serralves. R. Dom João de Castro, 210. De 28/05 a 29/05. Sáb. e Dom. às 21h. Tel.: 226156500.

Serralves em Festa.

ContinuamGardeniaDe Vanessa van Durme, Alain Platel, Frank van Laecke. Pelos Ballets C. de la B.Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Grande Auditório. Av. Marechal Carmona. Dia 27/05. 6ª às 22h. 10€ a 15€.

Odisseia: Teatros do Mundo.

Agenda

“Decir Lluvia y que Llueva” no FITEI

Vanessa van Durme em

“Gardenia”

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encontradas na internet e na imprensa, propunham ao espectador um outro olhar não apenas sobre a própria pintura, mas também sobre a cultura visual que a alimentava. E o que eram essas pinturas? O que faziam? Salvavam da efemeridade, do esquecimento, imagens preexistentes e potencialmente pictóricas (um jovem, uma modelo, um rosto, uma paisagem), eternizando-as sob peles de tinta, verniz e cor.

Em “Demimonde”, a nova exposição na Galeria 111, reencontramos exactamente o mesmo processo, guiado por um gesto conceptual mais firme e aventureiro. Diogo Evangelista continua passar sobre as imagens camadas de tinta e de verniz, a sujeitá-las a outras aparências (por exemplo, através do uso do “stencil” e de outras técnicas de impressão, como a fotocópia), deixando quase sempre entrever os referentes originais. Mas o efeito tornou-se mais encantatório. Dito de outro, a maioria das suas pinturas oferece-se, justamente, à contemplação. Pedem que nelas demoremos a olhar, para que se possam (ou não) revelar. É o que acontece nos monocromos habitados por rostos, quais fantasmas cobertos de cor que as telas (feitas câmaras) projectam. Ou numa pintura – belíssima - onde a ideia de perspectiva surge do confronto entre a fotografia e a aplicação da tinta sobre o papel

Diogo Evangelista não faz, todavia, um lamento nostálgico por uma ideia pretérita da disciplina. Embora seleccione as figuras e os motivos pela sua pregnância visual, a sua pintura abre-se à diversidade do mundo contemporâneo das imagens, sejam estas originárias da capa de um disco, de um postal, de uma revista de moda, de um filme ou até de um trabalho de outra exposição. E enobrece-as, torna-as “belas” sem apagar a sua origem vernacular.

Assumida essa condição (a pintura é apenas mais uma forma de produção de imagens, entre outras),

toda a imagem é susceptível de ser pintura. Basta cobri-la de luz ou de negrume, de cor. Ou acrescentar-lhe novas superfícies para depois as arrancar: veja-se o rosto levemente velado da mulher, interrompido pelo rasgão do papel. Nalguns casos, a imagem ganha uma natureza táctil, leitosa, noutros perde história e identidade original (seria uma gravura, um desenho, uma fotografia?).

Este jogo entre espectador e obra, entre a pintura e esse mundo exterior, anárquico, chão e anónimo das outras imagens, estende-se às imagens em movimento, com uma

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Exp

osTornar as imagens eternasDiogo Evangelista não é um “hype”: “Demimonde” é, até ver, uma das melhores exposições do ano. José Marmeleira

DemimondeDe Diogo Evangelista.

Lisboa. Galeria 111. R. Dr. João Soares, 53. Tel.: 217819907. Até 11/06. 3ª a Sáb. das 10h às 19h.

Pintura.

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Escrevíamos há dois anos, a propósito da sua estreia individual no circuito galerístico, que Diogo Evangelista se mostrava já um artista promissor. As suas pinturas, produzidas a partir de fotografias

obra em vídeo. O artista apropriou-se de spots publicitários, encontrados no YouTube e filmou-os em película. E sem cortes ou montagem, apenas recorrendo a “close-ups” e “travellings”, produziu um filme mudo, como se os “talkies” nunca tivessem nascido.

Diogo Evangelista deixou de ser um artista promissor. É um artista a seguir, sem reservas. E quem quiser ver mais obras da sua autoria pode dar um salto à muito agradável Sala de Leitura da Kunsthalle Lissabon, onde nos esperam um livro de artista e novos trabalhos. Desta vez, expostos no soalho.

Qualquer imagem é susceptível de ser pintura, sublinha o trabalho de Diogo Evangelista

InauguramAlfredo Jaar, Cem Vezes NguyenLisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. Império. Tel.: 213612878. De 27/05 a 28/08. Sáb. das 10h às 22h. Dom. a 6ª das 10h às 19h. Inaugura hoje às 19h30.

Fotografia.

CriptaDe Miguel Leal. Guimarães. Laboratório das Artes. Lg. Toral. De 27/05 a 24/06. 6ª e Sáb. das 16h às 19h. Inaugura hoje às 22h.

Agenda

Fotografia.

O Deserto Não Pode Crescer Mais: Está Por Todo O LadoDe Fernando José Pereira. Guimarães. Laboratório das Artes. Lg. Toral. De 27/05 a 24/07. 6ª e Sáb. das 16h às 19h. Inaugura hoje às 22h.

Outros.

ContinuamOff The Wall / Fora da ParedeDe Carl Andre, Roy Lichtenstein, Bruce Nauman, entre outros. Porto. Museu de Serralves. R. Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 02/10. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 20h.

Desenho, Fotografia, Vídeo,

Instalação, Outros.

A Convocação de Todos os SeresDe Luísa Correia Pereira. Porto. Culturgest. Av. Aliados, 104. Tel.: 222098116. Até 13/08. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h.

Pintura, Desenho.

José Barrias: In ItinerePorto. Museu de Serralves. R. Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 03/07. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 20h.

Desenho, Fotografia, Outros.

9 NoveDe Koo Jeong A. Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo Perdigão. R. Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474 . Até 03/07. 3ª a Dom. das 10h às 18h.

Escultura, Outros.

A Galeria Filomena Soares está a comemorar desde ontem o seu décimo aniversário com uma exposição colectiva comissariada por David Barro. “O Voo do Bumerangue” reúne trabalhos nunca

expostos de artistas da galeria - Ângela Ferreira, António Olaio, Helena Almeida, João Pedro Vale, João Penalva, Júlia Ventura e Vasco Araújo, entre outros - e fi ca até 10 de Setembro.

Aniver-sário

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Há uma outra dimensão em “A Árvore da Vida” que é, aqui, do domínio do sagrado. E falamos do domínio do sagrado primeiro pela assumida abordagem mística, de um modo como nunca acontecera tão abertamente até agora no seu cinema; depois, porque o seu panteísmo recorrente atinge aqui um ponto quase de não retorno, no modo como a vida da família O’Brien no Texas dos anos 1950 - tecnicamente o centro do filme - se estilhaça numa série de fragmentos narrativos sensoriais contrapostos à história do universo desde a criação da Terra até à extinção definitiva do Sol, num olhar simultaneamente microscópico e macrocósmico que abrange o infinitamente grande e o infinitamente pequeno. Como se Malick estivesse nos antípodas de Godard, trabalhando exactamente nas mesmas coordenadas da pequena história incrustada na Grande História.

E, tal como Godard, também Malick já há muito abandonou qualquer pretensão de fazer cinema narrativo convencional. “A Árvore da Vida” é – na sequência dos filmes anteriores, mas levando a aposta mais longe - um enorme planetário experiencial onde tudo se constrói por minuciosos agenciamentos emocionais de imagens e sons. Não é tanto um filme como uma enorme sinfonia cósmica que nos contasse a sua história por emoções e não por diálogos, por visões mais do que por situações. Será certamente por aí, também, que se irão buscar as comparações ao “2001” de Stanley Kubrick. Mas onde a estranheza de “2001” nascia de uma progressiva desintegração do real em direcção ao in-imaginável desconhecido, com o filme a mergulhar progressivamente em territórios mais alienígenas, “A Árvore da Vida” faz o movimento contrário, partindo de um “prefácio” e de um “prólogo” desorientadores para uma progressiva integração do real, à medida que o filme se concentra na infância de Jack O’Brien numa cidadezinha do Texas entre as regras estritas de um pai distante e o amor incondicional de uma mãe sempre presente.

Este filme sobre o universo é também um filme sobre a América, um comentário amargo sobre a promessa e a realidade do “novo mundo”. A inocência perdida é tema recorrente de Malick, já o sabíamos, mas ele aqui é tornado explícito e reforçado pelo misticismo que cobre todo o filme: “A Árvore da Vida” é também uma viagem impressionista pela América mítica do pós-II Guerra, transportando dentro de si as raízes da sua queda. Nesse aspecto, esta é verdadeiramente a

sequela do “Novo Mundo”, filme que já via a América como paraíso perdido maculado pela chegada dos colonos. Agora, séculos depois, Malick persiste na busca de traços desse paraíso, mas já não se limita à América, para mostrar o homem como algo de minúsculo que não é capaz de apreender a grandeza e a beleza, terríveis e gloriosas, do universo em que vive.

Podemos dizer que gostamos menos ou mais de “A Árvore da Vida” do que dos anteriores filmes (gostamos mais do que de “A Barreira Invisível”, menos do que de “O Novo Mundo”), mas isso perde toda e qualquer importância porque Malick é peça única: mais ninguém faz o que ele faz, mais ninguém filma como ele. A certeza é esta: não vai haver, em 2011, outro filme americano como este.

A rua deleUma visita (mais ou menos) guiada pelo universo da “street art”. Não é muito bom, mas é minimamente útil. Luís Miguel Oliveira

Banksy - Pinta a Parede!Exit Through the Gift ShopDe Banksy, com . M/6

MMnnn

Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 8: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 24h Domingo 11h30, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 24h

Porto: Arrábida 20: Sala 18: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h20, 16h45, 19h10, 21h35, 00h10 3ª 4ª 16h45, 19h10, 21h35, 00h10

O primeiro filme de Banksy, um “artista de rua” inglês de identidade indefinida, tem causado sensação, com apogeu, já este ano, na nomeação de “Pinta a Parede!”

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Cin

ema

Estreiam

O novo mundoArrebatadora sinfonia cósmica do eremita Malick. Jorge Mourinha

A Árvore da VidaThe Tree of LifeDe Terrence Malick, com Brad Pitt, Sean Penn, Jessica Chastain. M/16

MMMMn

Lisboa: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h30 Sábado Domingo 15h30, 18h15, 21h30; Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30 6ª Sábado 15h30, 18h30, 21h30, 00h15; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 8: 5ª 6ª 2ª 3ª 15h10, 17h55, 21h25, 00h10 Sábado Domingo 4ª 11h40, 15h10, 17h55, 21h25, 00h10; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 15h10, 17h55, 21h25, 00h10 4ª 15h10, 21h25, 00h10; Medeia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50, 21h30 6ª Sábado 2ª 13h30, 16h10, 18h50, 21h30, 00h15; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h25, 19h05, 21h45, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h15, 21h30, 00h15 Domingo 11h30, 15h15, 18h15, 21h30, 00h15; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h30, 21h20, 00h30; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 21h10, 00h15; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h20, 21h10, 00h20; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h35, 21h, 00h05; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h30, 18h30, 21h30, 00h30; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h20, 21h10, 00h20; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 17h, 21h10, 00h15; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h, 21h15, 00h15

Porto: Arrábida 20: Sala 20: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h25, 21h55, 00h50; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h20, 21h, 00h10; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h, 21h, 00h10; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 21h10, 00h20

O que deve começar por se dizer em relação a “A Árvore da Vida” é um pouco aquilo que se dizia do “Clube de Combate” de David Fincher (que, por acaso, também era interpretado por Brad Pitt). A regra nº 1 do clube de combate é que nunca se fala do clube de combate.

É a mesma coisa com “A Árvore da Vida”. A experiência é tão pessoal, tão intransmissível, que não vale a pena tentar explicar, resumir, definir. “A Árvore da Vida” é o filme que propulsiona definitivamente Terrence Malick, eremita que assina aqui o seu quinto filme em 40 anos, para o panteão rarefeito dos grandes modernos irredutíveis. Goste-se ou não, não há mais ninguém a filmar como ele, e o que ele propõe aqui é algo que deixa para trás a lógica tradicional da narrativa para se resumir a uma experiência sensorial irrepetível.

“A Árvore da Vida”: um comentário amargo sobre a promessa e a realidade do “novo mundo”

TeCA 28 Mai · sáb 18:30 · M/12 anosA COLECÇÃO PRIVADA DE ACÁCIO NOBREde Patrícia Portela · co -produção Prado, Teatro Maria Matos (Portugal) TNSJ 28+29 Mai · sáb 21:30 dom 16:00 · M/12 anosPOLICARPO QUARESMAa partir de Lima Barreto · encenação Antunes Filho

co -produção CPT/SESC, Grupo Macunaíma (Brasil)TeCA 30 Mai · seg 21:30 · M/12 anosAS TRÊS IRMÃSde Anton Tchékhov · encenação Nuno Cardosoco -produção Ao Cabo Teatro, Teatro Nacional D. Maria II (Portugal)TeCA 1 Jun · qua 21:30 · M/12 anosDECIR LLUVIA Y QUE LLUEVAa partir de textos de Joseba Sarrionandia · encenação Borja Ruiz

produção Kabia – Espacio de Investigácion Dramática de Gaitzerdi Teatro (Espanha)MSBV 3 Jun · sex 22:00 · M/16 anosEL GALLOencenação Claudio Valdés Kuri · música Paul Barkerco -produção Teatro de Ciertos Habitantes AC, Coordinación Nacional

de Teatro INBA, Conservatorio Nacional de Música INBA, Festival de

México en el Centro Histórico, Festival Internacional Música y Escena,

UNAM (México)

TeCA 4+5 Jun · sáb+dom 16:00 · M/12 anosLAMARTINE BABOtexto Antunes Filho · encenação Emerson Danesico -produção CPT/SESC, Grupo Macunaíma (Brasil)

27 Mai-5 Jun 2011

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tem nessa característica o seu aspecto mais interessante.

Aprende-se alguma coisa, numa espécie de visita (mais ou menos) guiada por um universo artístico específico, fazem-se as ligações que é preciso fazer (da potência contestatária do “punk” ao regime, clandestino e interventivo, que norteia as peças de Banksy), dissipa-se a fronteira entre a arte de rua como experiência “gráfica” e a arte de rua como pura performance (as “Guantanamo dolls” na Disneylândia, “fallait y penser”). Não é muito bom, mas é minimamente útil.

AméricaDe João Nuno Pinto, com Chulpan Khamatova, Fernando Luís, María Barranco, Raul Solnado. M/12

MMnnn

Lisboa: Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h 6ª Sábado 2ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h40, 19h15, 21h50, 00h25; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 19h20, 22h, 00h30; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h05, 23h40

Porto: ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h50, 21h30, 00h05

Há dois filmes a lutar entre si no interior da estreia do publicitário João Nuno Pinto, e o que ganha não é o mais interessante. De um lado,

temos o melodrama da emigração clandestina, que a abertura atmosférica sugere mas a que o filme só a espaços faz justiça, através da história de Liza (Chulpan Khamatova), imigrante russa a quem o casamento com um vigarista sedutor veio estragar os planos. Do outro, temos a crónica truculenta da malandragem desenrascada, que segue a tentativa do marido Vítor (Fernando Luís) e dos seus comparsas de alcançarem o estatuto de mestres do crime que lhes escapa. E é essa comédia truculenta, filmada fotogenicamente numa Cova do Vapor de bilhete postal saída dos filmes de Jean-Pierre Jeunet, a que João Nuno Pinto dá prioridade na sua adaptação de um conto de Luísa Costa Gomes. O que resulta é um filme simpático, dirigido com evidente estilo e atenção aos actores, mas desequilibrado, incapaz de escolher se quer seguir o drama da imigração ou a comédia do pequeno crime. São, ainda assim, falhas de primeiro filme que sugere haver talento para mais e melhor. J. M.

Nada a DeclararRien à DeclarerDe Dany Boon, com Dany Boon, Julie Bernard, Benoît Poelvoorde. M/12

Mnnnn

Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h50, 00h20 Domingo 11h30, 14h15, 16h45, 19h15, 21h50, 00h20; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h50, 18h20, 21h05, 23h40; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h35, 18h10, 21h05, 23h40; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 16h05, 18h45, 21h30, 00h10

Porto: Arrábida 20: Sala 13: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h, 16h30, 19h, 21h35, 00h15 3ª 4ª 16h30, 19h, 21h35, 00h15; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h45, 19h30, 22h, 00h40

É a história de um homem que se vê obrigado pelos acontecimentos a rever os seus preconceitos – no caso, um agente xenófobo da brigada fiscal belga que se vê obrigado a fazer equipa com o seu equivalente francês numa cidadezinha de província que faz fronteira entre os dois países. Se a premissa parece

Cin

ema Jorge

MourinhaLuís M. Oliveira

Vasco Câmara

A Árvore da Vida mmmmn mmmmn mmnnn

América mmnnn mmnnn mmnnn

Amores Imaginários nnnnn mnnnn mnnnn

Aurora mmmmn mmmmn mmmmn

Banksy mmmmn mmnnn nnnnn

Gatos Persas mmnnn nnnnn mmnnn

Lourdes mmmmn mmnnn mmmnn

Nada a Declarar mnnnn nnnnn nnnnn

Pina mmmmn nnnnn mmnnn

Piratas das Caraíbas - Por Estranhas Marés mmnnn nnnnn mnnnn

As estrelas do Público

Sexta, 27BelíssimaBellíssimaDe Luchino Visconti05, 15h30 - Sala Félix Ribeiro

Sexo e a CidadeSex and the CityDe Michael Patrick King05, 18h - Sala Luís de Pina

Uma Abelha na ChuvaDe Fernando Lopes05

19h - Sala Félix Ribeiro

Alemanha, Ano ZeroGermania anno ZeroDe Roberto Rossellini05, 21h30 - Sala Félix Ribeiro

Sábado, 28A EstradaLa StradaDe Federico Fellini05, 15h30 - Sala Félix Ribeiro

O Último dos MoicanosThe Last of the MohicansDe Michael Mann05, 19h - Sala Félix Ribeiro

O Bairro do Prazer e da AlegriaDe Tatsumi Kumashiro05, 21h30 - Sala Félix Ribeiro

Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200

Segunda, 30Um Dia nas CorridasA Day at the RacesDe Sam Wood05, 15h30 - Sala Félix Ribeiro

Uma Noite na Ópera + The Playhouse

A Night at the OperaDe Sam Wood05, 19h - Sala Félix Ribeiro

O Meu TioMon OncleDe Jacques Tati05, 21h30 - Sala Félix Ribeiro

Terça, 31Céu VermelhoBlood on the Moon

De Robert Wise.05, 15h30 - Sala Félix Ribeiro

ChantrapasDe Otar Iosseliani05, 19h - Sala Félix Ribeiro

Vou para CasaDe Manoel de Oliveira05, 21h30 - Sala Félix Ribeiro

Quarta, 01Hustle

De Robert Aldrich06, 15h30 - Sala Félix Ribeiro

Um, Dois, TrêsOne, Two, ThreeDe Billy Wilder06, 19h - Sala Félix Ribeiro

Bruscamente no Verão Passado

Suddenly, Last SummerDe Joseph L. Mankiewicz. Com Elizabeth Taylor, Katharine Hepburn, Montgomery Clift. 112 min. . M0.06, 21h30 - Sala Félix Ribeiro

Quinta, 02Morangos SilvestresSmultronställetDe Ingmar Bergman06, 15h30 - Sala Félix Ribeiro

MulherzinhasLittle WomenDe Mervyn LeRoy06, 19h - Sala Félix Ribeiro

12 Homens em FúriaTwelve Angry MenDe Sidney Lumet06, 21h30 - Sala Félix Ribeiro

Homens em riaelve AngrynSidney Lumet1h30 - Sala Félix Ribeiro

Piccoli por Oliveira: “Vou

para casa”

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De Robert Wise.05, 15h30 - Sala Féli

ChantrapaDe 05,

VoDeOliv05, 2

QuHu

“LA Strada”, de Fellini

(“Exit Through the Gift Shop” é o título original) para o Óscar de melhor documentário (que não ganhou). Não é recomendação por aí além, com certeza, atendendo ao tipo de filmes que por norma a Academia entende serem os “melhores documentários” do ano - predomínio do tema, preferencialmente “importante”, em detrimento de qualidades formais ou cinematográficas (foi por isso que ganhou “Inside Job”).

Por mais rebelde que seja Banksy, o seu filme também é assim, um objecto razoavelmente banal, por

certo muito menos entusiasmante do que algumas das suas peças (“graffitis” ou “instalações”) que vemos registadas por “Pinta a Parede!”.

Não é totalmente banal porque guarda uma reserva de sofisticação, empregue com alguma panache e um sentido de humor “deadpan” - de resto, e falamos da história do protagonista do filme, Thierry Guetta, tem sido isso (saber se se trata de um embuste ou não) a manter vivos o interesse e o debate sobre o filme de Banksy.

Digamos que a história de Guetta, um suposto “homem da câmara de filmar” (muitíssimo inábil) interessado em documentar o trabalho dos “street artists”, é um bocadinho inacreditável, e que é fácil pensar que se trata apenas de um grande “gag”, bastante elaborado (“filme no filme”, simulação de “objet trouvé”), para trazer sal e pimenta ao que é, basicamente, um filme sobre a “street art” (de Banksy e de outros artistas), e que, feitas bem as contas,

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aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Cineclubes para mais informações consultar www.fpcc.pt

Cine-teatro S. PedroLargo S. Pedro – Abrantes

Extensão do IndieLisboa – Grande PrémioThe Ballad of Genesis and Lady JayeDe Marie Losier, 2010, M/16 01/06, 21:30h

Teatro Sá da BandeiraRua João Afonso, n.º 7-Santarém

Indie Lisboa - ExtensãoDe Vários realizadores, 0, M/1227/05, 21:30h Indie Lisboa - ExtensãoDe Vários realizadores, 0, M/1228/05, 21:30h Indie Lisboa - ExtensãoDe Vários realizadores, 0, M/1229/05, 21:30h

Cinema Teixeira de PascoaesCentro Comercial Santa Luzia - Amarante

IndomávelDe Ethan Coen e Joel Coen, 2010, M/12 27/05, 21:30h

Cine-teatro António PinheiroR. Guilherme Gomes Fernandes, 5 – Tavira

Micmacs À Tire Larigot (micmacs - Uma BrDe Jean-Pierre Jeunet, 2009, M/12 Q29/05, 21:30h Teatro De SonhosDe Rui Simões, 2003, M/12 02/06, 21:30h

IPJ-FARORua da PSP, Faro

MelDe Semih Kaplanoglu, 2010, M/1230/05, 21:00h

Teatro VirgíniaLargo José Lopes dos Santos – Torres Novas

L’ Illusioniste (o MÁgico)De Sylvain Chomet, 2010, M/601/06, 21:00h

Casa das Artes de FamalicãoParque de Sinçães – Famalicão

Nada MeigaDe Jeanne Waltz, 2007, M/12 02/06, 21:30h

Cinema Verde VianaPraça 1º de Maio - Viana do Castelo

Somewhere (algures)De Sofia Coppola, 2010, M/12 Q02/06, 21:45h

familiar, é porque o é - “Nada a Declarar” é o novo filme do actor, comediante e realizador francês Dany Boon depois de “Bem-vindo ao Norte”, filme que bateu todos os recordes de bilheteira em França e cujo humor encontrou surpreendente eco noutros países europeus, Portugal inclusive. Ora, por muito que o novo filme prossiga na linhagem do humor caloroso do seu antecessor, fá-lo com a sensação de que Boon se limitou a decalcar o dispositivo do “peixe fora de água” e da oposição Norte/Sul para a rivalidade franco-belga. É verdade que o realizador lhe juntou uma pitada de policial para apimentar, mas mostra ter tão pouco interesse nessa trama que quase não valia a pena ter-se incomodado. Além do mais, o filme confunde a exploração à exaustão dos arquétipos do humor popular com personagens de carne e osso – que, apesar de tudo, existiam em “Bem-vindo ao Norte” mas estão aqui dramaticamente ausentes, substituidos por lugares-comuns puramente funcionais. J. M.

“The Ballad of Genesis

and Lady Jaye”

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Diversamente do que o aparato mediático em torno de “Pina”, o fi lme de Wim Wenders, possa deixar entender, a relação entre Pina Bausch e o cinema é uma história de mais de 30 anos, com diversos episódios importantes – e não

falo do registo em fi lme de peças suas, como “A Sagração da Primavera” ou “Café Müller”, mas de fi lmes sobre o seu trabalho, ou que ela “habita”.

Lembro-me do primeiro choque, quando nada sabia de Pina: foi no Festival de Veneza de 1980, com “Ensaio Geral”, documentário de um dos meus cineastas electivos, Werner Schröter, rodado meses antes no Festival de Teatro de Nancy. Fiquei siderado – não tenho outra expressão – pelos extractos de “Café Müller”. Havia qualquer coisa que me trazia à memória o clássico do expressionismo alemão, “A Mesa Verde” de Kurt Jooss, obra de 1932 – intuição certeira como vim a saber, pois que Jooss foi uma das infl uências maiores em Pina. Mas era também algo de diferente, na presença majestática e dolorosa daquela mulher de olhos fechados, na angústia de uma despedida ao som do “Remember me, remember me”, o Lamento da Dido de Purcell – a própria Pina, no único dos seus trabalhos em que foi protagonista. De Pina Bausch recordarei sempre a incrível força daquele corpo franzino, o olhar, sobretudo isso, “os olhos penetrantes”, e os cigarros que se sucediam um após outro.

Depois houve o “golpe de teatro” – ou antes de cinema. Seduzido pelas obras de Pina, e em particular por “Café Müller”, Federico Fellini convidou-a a interpretar o papel da Princesa Lherimia em “E la nave va…” (1983). Um dos traços mais distintivos dela era o seu “olhar penetrante” – como aliás é acentuada no fi lme de Wenders, alguém dizendo até que “mesmo de olhos fechados ela conseguia ver tudo”. Paradoxo: inspirando-se por certo dos olhos sempre fechados de Pina em “Café Müller” Fellini fez da princesa uma personagem cega, mas acontece que essa não-visão não anula, antes acentua, a força extraordinária daqueles olhos, e a Princesa

Pina é a mais imponente personagem do fi lme.De 1983 é também o documentário de Chantal

Akerman “Un jour Pina a demande”/Um dia Pina perguntou”. Durante cinco semanas a cineasta belga seguiu a companhia, apresentando “Komm Tanz mit mir/ Vem dançar comigo”, “Kontakhof”, “Walzen” e “Nelken” – do último se incluindo esse momento extraordinário em que Lutz Förster interpreta em linguagem gestual “The Man I Love”.

Mas atente-se ao título: “Um dia Pina perguntou” é uma introdução a uma metodologia única. Na preparação de uma nova peça, sempre Pina punha questões aos intérpretes: recolhendo um exemplo citado no fi lme de Wenders, “Quais as nossas aspirações? De onde nos vem todo o anseio?”. Eles fi cavam perplexos, sem saber bem o que responder, ou só o fazendo mais tarde, como podiam fazer um movimento. E era sobre essas respostas que Pina ia construindo o espectáculo.

É assaz lamentável que um diferendo mantenha há anos bloqueado o documentário de Akerman, que é das melhores introduções ao universo criativo de Pina Bausch.

Faltava um passo: o da própria Pina realizar um fi lme. Foi “Die Klage der Kaiserin/O Lamento da Imperatriz”. Por um lado não deixa de ser mais uma “peça” de Pina Bausch. Por outro, a mediação da câmara torna-o num olhar de Pina sobre o seu trabalho. A experiência não foi totalmente feliz, porque a obrigou a um tipo de trabalho

Pina será sempre PinaO destaque dado ao filme de Wenders está a colocar na penumbra um filme como

“Sonhos de Dança” que é um testemunho fascinante da arte e da presença de Pina Bausch

que lhe era alheio e lhe deixou alguma insatisfação – a montagem.

Lembro-me da estreia do fi lme no Forum de Berlim em 1990. A sessão foi à meia-noite, horário muito apropriado para a própria, que sempre gostava de fi car a falar, a fumar, a beber até às 4h da manhã. E ela lá estava, no debate após a projecção, sucinta e esquiva, como de regra era.“O Lamento da Imperatriz” introduzia ainda assim, por possibilidade própria do cinema, uma nova dimensão no seu trabalho: fazer cenas também em exteriores.

Desde “Viktor” em 1986, feito a partir de uma residência em Roma, que se iniciou um novo capítulo, que permaneceria uma constante de Pina: trabalhos feitos a partir da experiência de cidades específi cas, não um “retrato” ou uma apreensão pitoresca, mas a partir do amontoado de sensações que esses locais suscitavam, de algum modo paisagens imaginárias. Depois a peça sempre tomava forma em Wuppertal, onde era estreada, antes de ser apresentado no local da residência.

Se há fi lme que preciosamente documenta esse labor é “Lissabon, Wuppertal, Lisboa” de Fernando Lopes, que segue o percurso de construção e apresentação de “Mazurca Fogo”, feita quando da Expo-98. Com o fi lme de Akerman, é uma das melhores introduções aos métodos e universo criativo de Pina Bausch.

Em 2002, outro choque: “Fala com Ela”, obra-prima de Pedro Almodovar. O fi lme começa, o pano abre-se e ouvimos ainda o “Remember me, remember me” do “Dido e Eneias” de Purcell, “Café Müller” uma vez mais – como veremos também “Mazurca Fogo”. Mas não se trata só de uma “presença” de Pina, ou antes essa é uma presença que impregna todo o fi lme, com a bailarina que está em coma há anos e a quem um homem, o que fala com ela, descreve “Café Müller” e relata o que viu e sentiu, aquelas duas mulheres da peça que ele descreve como “sonâmbulas”. Compreendendo magnifi camente Pina Bausch, Almodovar tocava-lhe num aspecto essencial: a expressão dos sentimentos.

Não posso ignorar tão fortes memórias e um tão importante lastro ao ver agora “Pina” de Wim Wenders e “Sonhos de Dança” de Anne Linsel e Rainer Hoff man. Depois da morte de Pina, o Tanztheater Wuppertal continua a apresentar as suas obras – ao contrário do que tão lamentavelmente sucede com a companhia de um Merce Cunningham. Mas se Pina será sempre Pina é também por este conjunto de fi lmes.

Pouco me interessa saber se este é o melhor fi lme de

Wenders em muito anos, tal a insignifi cância que atingiu. A questão, sim, é a de saber se a obra constitui um retrato e uma homenagem a Pina. A força motriz para a concretização do projecto mesmo depois da morte da coreógrafa foram os bailarinos, que insistiram com Wenders. E eles ali estão, aquelas presenças que nos foram sendo reconhecíveis ao longo de anos, Dominique Mercy, Josephine Ann Endicott, Malou Airado, Nazareth Panadero, etc, num testemunho ímpar do trabalho com Pina.

Wenders já tinha passado por Wuppertal num dos seus mais belos fi lmes, “Alice nas Cidades” (1974). Seguindo as pisadas da própria Pina em “O Lamento da Imperatriz”, não permaneceu fechado nas paredes do teatro, antes fi lmou cenas em exteriores. Se o fi lme incide em “A Sagração da Primavera”, “Café Müller”, “Kontakthof” e “Vollmond”, há extractos de outras peças, sobretudo nas cenas em exteriores, como aquela com o hipopótamo, que é de “Arien”.

Mas a questão crucial é o uso do 3-D. E inevitavelmente acarretando outra: qual é o “lugar” do espectador? Diria que não somos meros observadores, antes “observadores participantes”, transportados para dentro do palco, para a profundidade do espaço, tornando-nos mais cúmplices da fi sicalidade e do impulso vital das peças de Pina – “dancem, dancem, senão estamos perdidos”.

Mas o destaque dado ao fi lme de Wenders está a colocar na penumbra um fi lme como “Sonhos de Dança” que é um testemunho fascinante da arte e da presença de Pina Bausch. Tenho-o por um dos mais belos fi lmes que vi o ano passado, e ao revê-lo de novo me senti comovido e transportado em euforia. E no entanto noto que ele é estranhamente ignorado pelos críticos de cinema.

De “Kontakthof” fez Pina duas outras versões, uma para maiores de 65 anos, outra para adolescentes. É uma montagem desta última que seguimos, com Jo ( Josephine Ann Endicott) e Bénédicte Billiet a dirigirem os ensaios. O trabalho do olhar é minucioso e seguido durante cerca de um ano. Vemos literalmente a peça tomando forma, vamos conhecendo mais de perto os adolescentes e há a angústia deles quando se aproxima a chegada de Pina, qual grã-sacerdotisa. E de novo a vemos e ouvimos a incitar que expressem os sentimentos, que “são melhores quando são vocês mesmo”. “Sonhos de Dança” é um admirável exemplo da arte ímpar e do magistério de Pina Bausch.

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Modo crítico

A relação entre Pina Bausch e o cinema

é uma história de mais de 30 anos – e falo

de filmes sobre o seu trabalho,

ou que ela “habita”

De “Kontakthof” fez Pina duas outras versões, uma para maiores de 65 anos, outra para

adolescentes – é o trabalho sobre esta última que seguimos em “Sonhos de Dança”

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Maio 2011 • 47

Ministério dos Assuntos Culturais: assim designou André Malraux o Ministério por si criado em 1959, que haveria de se constituir como matriz de todos os Ministérios da Cultura do Ocidente, incluindo o Canadá e a América

do Sul, e também muitos países africanos e asiáticos. Ministério dos Assuntos Culturais e não das artes, nem da comunicação, nem só da cultura. Ou seja, de todos os assuntos em que um Estado está envolvido interna e internacionalmente e que têm a ver com a guarda e a conservação da herança cultural de um país, de uma região, de um povo, com a criação cultural e artística

do presente, com a sua difusão internacional, com boas formas de captação de públicos e com o estímulo à sua formação. Pela sua missão e pelos seus objectivos políticos, um Ministério destes assuntos culturais é, em si, transdisciplinar, atravessando muitas e diversas formas de governação, tendo hoje a sua acção e intervenção legislativa implicações nos direitos do trabalho, nas questões ambientais, na diplomacia, nos assuntos relativos ao serviço de imigração e fronteiras, etc. Não necessita pois de depender do primeiro-ministro para estabelecer “pontes” com outras áreas da governação.

A anunciada intenção do PSD de extinguir o Ministério da Cultura é errada por várias razões. Comecemos pela razão

de natureza simbólica. É estranho que um partido que tanto preza a dimensão simbólica (a bandeira, o hino, a moeda) desconsidere a dimensão simbólica da existência de um Ministério da Cultura na orgânica do Governo. Depois de mais de 50 anos em que governos de todo o mundo, entre os quais os que constituem hoje a União Europeia, colocaram como razão de Estado a cultura, trazendo assim para uma área da intervenção ao mais alto nível as actividades culturais de um país e a sua história cultural, não é aceitável que um Governo possa

remeter a cultura para a dimensão técnico-funcional de uma secretaria de Estado. Acresce que, num mundo global como o actual, a disputa pelas infl uências territoriais e pelo comércio cultural faz-se através de muitos instrumentos da cultura, e muito em particular através de um instrumento maior que é um Ministério; nas reuniões internacionais, nas interministeriais e na designada diplomacia cultural. E fi nalmente há ainda outra razão simbólica: quando, como na Europa actual, toda a actividade humana parece estar reduzida a debates contabilísticos e os dogmas da economia ameaçam reger todas as políticas de todos os países, é fulcral que a cultura apareça no seu mais elevado grau de importância e de representação.

Uma outra razão é económica. Um Governo não é mais perdulário ou mais económico se tiver dez ou 20 ministros. Ter poucos ministros até pode implicar gastos muito mais avultados, se os mesmos não tiverem preparação para a execução das suas tarefas, se tiverem de se rodear de múltiplos secretários de Estado, assessores e directores gerais para suprir a incapacidade de resposta de um ministro com múltiplas e diferentes pastas. Ou seja, a economia de um Governo está na justeza da aplicação dos meios às necessidades da governação. Tudo o resto é populismo.

Uma outra razão decorre da avaliação internacional do país e do impacto negativo na comunidade internacional. Objectivamente, a “marca” Portugal hoje “vende” pouco e mal. As razões são sobejamente conhecidas. Há contudo uma área em que a criação feita em Portugal “vende” de uma forma particularmente positiva. Não tendo grandes monumentos nacionais que compitam com muitas maravilhas monumentais europeias, Portugal tem porém obras singulares na arquitectura e na escultura que constituem uma herança de que é preciso cuidar. Por outro lado, na criação contemporânea há áreas com impacto, reconhecimento internacional e prestígio que constituem receita para o país. Isso é um facto na arquitectura, no cinema, na música popular e no fado, no “software”, na literatura, no pensamento. Sabemos desta singularidade da criação portuguesa e do seu impacto à escala mundial: dos fi lmes de Pedro Costa apresentados numa tournée nos EUA, de “O Meu querido mês de Agosto” de Miguel Gomes que fez programadores e críticos deslocarem-se a Lisboa para verem o fi lme, da Coreógrafa Vera Mantero que é hoje uma autora de culto e muitos , muitos mais. Ora, a difusão destas actividades

precisa de ser facilitada, estimulada, dignifi cada; e isto só é possível se houver um Ministério com esta missão (e não um técnico numa situação subalterna) nas grandes disputas internacionais de infl uência política à escala de regiões culturais vastas e diversas.

Que é urgente uma reformulação do Ministério da Cultura, isso sim é verdade. É aliás, um imperativo. O Ministério da Cultura deverá abandonar o modelo que o formatou ao longo de todos estes anos, e até a sua inspiração francófona porque os tempos e o mundo são outros. Deve agilizar-se, profi ssionalizar culturalmente todos os seus funcionários, seleccionar os mais capazes, contribuir para a profi ssionalização de todo o sector, ser transparente nas decisões, autonomizar os seus instrumentos de política cultural (como os teatros nacionais e os museus), desburocratizar-se (os secretários de Estado sim, são dispensáveis, porque na maioria das vezes funcionam como a outra cabeça de uma hidra), aproximar-se dos cidadãos, apoiar os criadores que antes de mais também são cidadãos, organizar-se maioritariamente em agências com missões e tempos delimitados e específi cos, ser claro no caderno de encargos que contratualiza com as câmaras municipais, os teatros independentes, os galeristas, as editoras. Trazer a política cultural para dentro da comunidade, em vez de a excluir. E assumir que é um ponto de uma rede internacional europeia de ministérios e de políticas culturais, para poder iniciar uma diplomacia cultural.

Espera-se pois que, se o PSD for Governo, assuma a cultura com a dignidade e o estatuto que este assunto de Estado merece, porque extinguir o Ministério da Cultura tornaria Pedro Passos Coelho muito semelhante a José Sócrates, que foi na história da democracia portuguesa o primeiro-ministro que mais desconsiderou a cultura. É um facto que, hoje, a gestão política da cultura exige não só talento político como uma invulgar preparação técnica e, desejavelmente, uma sólida formação intelectual. Mais uma razão para, a haver personalidades com este perfi l na área do PSD, não as desaproveitar na categoria de secretário de Estado. E, para voltarmos à questão simbólica que é fulcral nesta matéria, era um bom sinal ouvir um discurso de reconhecimento e gratidão pela actividade cultural e depois ver o candidato a primeiro-ministro de quando em quando no cinema, numa exposição ou a comprar CD. E saber-se que, no recanto de sua casa e nos parcos tempos de repouso que tem, ele lê.

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Quando, como na Europa actual, toda a actividade humana parece estar reduzida a debates contabilísticos, é fulcral que a cultura apareça no seu mais elevado grau de representação

O Ministério dos Assuntos CulturaisA anunciada intenção do PSD de extinguir o Ministério da Cultura é errada

por várias razões de natureza simbólica e económica. Mas é verdade que é imperativa

e inadiável uma reformulação da pasta.

Política cultural

“O meu querido mês de Agosto” de Miguel Gomes fez programadores e críticos deslocarem-se a Lisboa para verem o fi lme

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