2011 07-19-15!29!09 minima moralia theodor adorno

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    TH. W. ADORNO

    Ttulo original:Mnima moralia.Reflexionen aus dem beschdigten Leben

    1951 by Suhrkamp Verlag

    Traduo: Artur Moro

    Capa de Edies 70

    Depsito Legal n. 166799/01

    ISBN 972-44-1071-4Direitos reservados para lngua portuguesa por

    Edies 70 - Lisboa - Portugal

    EDIES 70, LDA.Rua Luciano Cordeiro, 123 - 2. Esq. - 1069-157 LISBOA / Portugal

    Telef.:213190240Fax: 213 190 249

    E-mail: [email protected]

    Esta obra est protegida pela lei. No pode ser reproduzida notodo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado,

    incluindo fotocpia e xerocpia, sem prvia autorizao do Editor.Qualquer transgresso Lei dos Direitos do Autor ser passvel de

    procedimento judicial.

    edies 7O

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    Dedic

    Para MaxComo gratido e promessa

    Sistema integradodcBiblictecss/UFES

    N

    l 162/05)

    A melanclica cincia, da qmeu amigo, refere-se a um domnse considerou peculiar filosofia, desta em mtodo caiu no desrespsentenciosa e, por fim, no esquecique outrora para os filsofos se chdo privado e, em seguida, apenas ddo processo material da produo, e sem substncia prpria. Quem qa vida imediata deve indagar a suativos que determinam, at ao mais

    Falar com imediatidade do imedde modo diverso dos escritores marionetes com as imitaes da baratos e que deixam actuar persopeas da maquinaria, como se ainde algo dependesse da sua aco. a ideologia que cria a iluso de q

    Mas a relao entre a vida e mente aquela a um fenmeno efvertem-se entre si o meio e o fim.da vida a suspeita do inconseq

    reduzida e degradada luta tenazmde fachada. A alterao das prpr

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    PRIMEIRA PARTE

    1944A vida no vive.

    Ferdinand Krnberger

    Para Mareei Proust. - O filho de pais abastados que, no

    interessa se por talento ou por fraqueza, adopta o que se chamauma vocao intelectual como artista ou homem de letras, encontra--se numa posio particularmente difcil entre os que tm o detes-tvel nome de colega. No s porque se lhe inveja a independncia,porque se desconfia da seriedade do seu propsito e se suspeitanele de um enviado secreto dos poderes estabelecidos. Tal descon-fiana revela, decerto, ressentimento, mas encontraria quase semprea sua justificao. As verdadeiras oposies residem, todavia, noutrolugar. A ocupao com as coisas espirituais tornou-se, entretanto,"praticamente" um afazer com uma rigorosa diviso do trabalho,com ramos e numerus clausus. O materialmente independente quea escolhe por averso ao oprbio de ganhar dinheiro no estarinclinado a reconhec-lo. por tal punido. No nenhum "profissio-nal", ocupa um lugar na hierarquia dos concorrentes como diletante,independentemente de quais forem os seus conhecimentos efectivose, se pretende fazer carreira, deve ainda, se possvel, superar namais resoluta estupidez o mais obstinado especialista. A suspensoda diviso do trabalho, qual se sente compelido e que, dentro de

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    suas premissas, e que todavia s no seu curso, ao ser sempre menosdo que deveria ser, consegue representar, sob as condies dadas existncia, uma linha no regulamentada. Se a vida realizasse demodo rectilneo o seu destino, malogr-lo-ia. Quem morresse velhoe com a conscincia de ter chegado a uma plenitude sem culpa seriacomo um garoto modelo que, com uma sacola invisvel s costas,tivesse atravessado sem falhas todos as etapas. Mas em todo opensamento que no ocioso fica gravada como uma marca aimpossibilidade da plena legitimao, tal como no sonho sabemosque h horas de matemtica que desperdiamos por passar umamanh feliz na cama, e que j nunca se podem recuperar. O pensa-mento espera que, um dia, a lembrana do negligenciado o despertee o transforme em doutrina.

    SEG

    Atrs do espelho. - Pinspeccionar em cada texse o motivo central surgesar algo encontra-se to sem sobre ele reflectir. da inteno, e esquece-se

    Nenhuma correcodever realizar. Entre cemparecer pueril ou pedante

    do texto.

    Nunca ser mesquinferente, e o receio de quisso, nada ter por valiosoSe muitas frases parecemficam apenas diferentes

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    Observam-te os homens. - A indignao pelas atrocidadescometidas torna-se tanto menor quanto mais dissemelhantes do leitornormal so os afectados, quanto mais obscuros, "sujos" e dagos1.Isto diz tanto do crime em si como dos que o presenciam. Nos anti-semitas, talvez o esquematismo social da percepo esteja confi-gurado de tal modo que no conseguem ver os Judeus como homens.A to ouvida afirmao de que os selvagens, os negros ou os Japo-neses parecem animais, porventura macacos, contm j a chave dopogrom. A sua possibilidade fica j decidida no momento em que oolho de um animal mortalmente ferido d com o homem. Aobstinao com que este desvia de si esse olhar - " apenas um ani-mal" - repete-se sem excepo nas crueldades infligidas aos homens,nas quais os executores tm continuamente de se persuadir do " sum animal", porque j nisso no podiam acreditar nem sequer noanimal. Na sociedade repressiva, o prprio conceito do homem apardia da semelhana humana. Deve-se ao mecanismo da "projec-

    o ptica" que os detentores do poder reconheam como homenss a sua prpria imagem reflectida, em vez de reflectirem o humanocomo o diferente. O assassnio , ento, o intento reiterado de dissi-mular na razo a insnia dessa falsa percepo, mediante uma insniamaior: o que no se viu como homem, mas todavia homem, torna--se coisa para que j no possa contradizer, por meio de movimentoalgum, a manaca viso.

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    Gente vulgar. - Quem nega as foras histricas objectivas facil-mente utilizar como argumento o desenlace da guerra. Os Alemes

    7 Vocabulrio americano, derivado de Diego, nome hispnico muito corrente;utiliza-se, em tom depreciativo, para indicar, na sociedade dos Estados Unidos,pessoas de origem espanhola, portuguesa e italiana. [N. T.]

    MINIMAMORALIA

    poderiam ter ganho: o seu fiasco deveu-se estupidez dos seusdirigentes. As "estupidezes" decisivas de Hitler, a sua recusa em

    plena guerra de empreender a luta contra a Inglaterra, o seu ataque Rssia e Amrica, tm agora o seu exacto sentido social que, deforma inevitvel, se desfraldou na sua prpria dialctica de cadapasso racional ao seguinte at desembocar na catstrofe. Mas setudo isso tivesse sido estupidez, esta seria historicamente explicvel:a estupidez no de modo algum uma qualidade natural, mas algoproduzido e reforado pela sociedade. A pandilha dominante naAlemanha levou guerra porque se encontrava excluda das posiesdo poder imperialista. Mas foi nesta excluso que justamente residiua razo do provincianismo, da inpcia e da cegueira que tornaram apoltica de Hitler e de Ribbentrop incapaz de competir, e a sua guerraum azar. A m informao deles, e das suas massas por trs docordo do IIIReich, acerca do equilbrio entre o interesse econmicoglobal e o interesse particular britnico dos tories e sobre o poderdo exrcito vermelho, inseparvel da determinao histrica donacional-socialismo e, quase se poderia dizer, da sua fora. A proba-

    bilidade da aco ousada baseava-se apenas em que eles nada distosabiam, e foi essa a razo do seu fracasso. O atraso industrial daAlemanha reduziu os polticos que queriam tomar a dianteira, eque para tal no estavam mais qualificados do que os infelizes, sua imediata e limitada experincia, a da fachada poltica. No viamdiante de si outra coisa, excepto a multido que os aclamava e osseus intimidados parceiros de negociao: isto impediu-os dediscernir o poder objectivo das grandes massas de capital. A vingan-a imanente em Hitler reside em que ele, verdugo da sociedadeliberal, era todavia, pelo seu estado de conscincia, demasiado "libe-ral" para reconhecer como, sob a capa do liberalismo, se constituano exterior a dominao irresistvel do potencial industrial. Ele,que como nenhum outro burgus adivinhou a falsidade do libera-lismo, no chegou a entrever o poder que h atrs dele, a tendnciasocial que teve realmente em Hitler o seu pregoeiro. A sua cons-cincia estava reduzida situao do competidor derrotado e mope,

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    que j no conhea a necessidade, amanhece algo do delrio e dafutilidade de todas as organizaes at ento concebidas para fugir necessidade, e que reproduziam, engrandecida, a necessidadejuntamente com a riqueza. A prpria fruio seria afectada, tal comoo seu esquema actual no se pode separar da laboriosidade, daplanificao, da arbitrariedade e da submisso.Rienfaire commeune bete, flutuar na gua e olhar pacatamente para o cu, "nadamais ser, sem outra determinao ou plenitude"9, poderia substituiro processo, o fazer, o cumprir, tornando assim efectiva a promessada lgica dialctica de desembocar na sua origem. Nenhum entreos conceitos abstractos est to prximo da utopia realizada comoo da paz perptua. Espectadores do progresso como Maupassant eSternheim contriburam para dar expresso a esta inteno de formatmida, a nica forma que a sua fragilidade permite.

    9Hegel,Lgica, I,A doutrina do ser. [N. T.]

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    TERCEIRA

    1946-4

    Avalanche, veux

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    Planta de estufa. - Falar de prec

    isento do desejo de morte para a pridepressa amadurece vive na antecapriorstica, sensibilidade divinatrpalavra o que s, mais tarde, execuantecipao, at certo ponto satisfemundo exterior e facilmente d suaroticamente ldico. Se o precoce habilidades, est por isso mesmo obrobrigao que os normais gostam de Deve com esforo reconquistar parespao ocupado pela sua representa

    contacto com o no-eu, com a preteperturbada interiormente, transformasidade. A propenso narcisista, revimaginao na sua experincia, atrariormente passar, com crassa violnsofrimentos que, na antecipao, estaem conflito com o seu narcisismo, se

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    pinta a desgraa de algum modo a deseja. Mas porque que vai toinevitavelmente ao seu encontro? Algo h na fantasia paranide

    que corresponde realidade que ela torce. O sadismo latente detodos denuncia infalivelmente a latente debilidade de todos. E odelrio de perseguio contagia-se: sempre que aparece, os espec-tadores sentem-se irresistivelmente impelidos a imit-lo. Isso ocorrecom a mxima facilidade quando se lhe d uma razo, fazendo aquiloque o outro teme. "Um louco faz muitos" - a abismtica solido dodelrio tem uma tendncia para a colectivizao, que traz vida oquadro delirante. Este mecanismo ptico harmoniza-se com omecanismo social hoje determinante, pois os indivduos socializadosno seu desesperado isolamento tm fome de convivncia e apinham--se em frias aglomeraes. Assim se torna epidmica a loucura: asseitas lunticas crescem ao mesmo ritmo que as grandes organi-zaes: o ritmo da destruio total. O cumprimento das fantasias deperseguio promana da sua afinidade com a essncia sanguinria.A violncia baseada na civilizao significa a perseguio de todospor todos, e quem sofre de delrio de perseguio fica em em

    desvantagem, ao atribuir ao prximo algo disposto pela totalidade,na desesperada tentativa de tornar comensurvel a incomensura-bilidade. Consome-se porque quer aprisionar de forma imediata,com as suas prprias mos, o delrio objectivo, a que se assemelha,quando o absurdo reside justamente na pura mediao. Ele a vtimaescolhida para a perpetuao da ofuscao feita sistema. Ainda apior e a mais absurda imaginao de acontecimentos, a mais selva-gem projeco encerra o esforo inconsciente da conscincia porconhecer a mortal lei em virtude da qual a sociedade perpetua a suavida. A aberrao , em rigor, apenas o curto-circuito da adaptao:a loucura patente de um chama erroneamente no outro, pelo seunome verdadeiro, a loucura da totalidade, e o paranico a imagemirrisria da vida justa, ao tentar por sua prpria iniciativa identific--la com a vida falsa. Mas assim como num curto-circuito saltamfascas, tambm na verdade insnia e insnia comunicam maneirados relmpagos. Os pontos de comunicao so as brutais confirma-

    es dos delrios de perseguio, que iludem quem deles padece de

    MNIMA MORALIA

    que tem razo, e tanto mais profundamente o levam apenas a des-penhar-se. A superfcie da existncia depressa torna a cicratizar e

    demonstra-lhe que esta no assim to m; e ele enlouquece. Subjec-tivamente antecipa a situao em que, de sbito, a loucura objectivae a impotncia do indivduo se tornam convertveis, tal como o fas-cismo, enquanto ditadura dos afectados de mania persecutria, mate-rializa todos os temores de perseguio das vtimas. Decidir, portanto,se um receio extremo paranico ou tem uma base real - o ecoimpotente do grito da histria - s ulteriormente poder fazer-se. Apsicologia no chega ao horror.

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    Golden Gate. - No humilhado, desdenhado, h algo que se faznotar com a mesma claridade com que as dores intensas iluminamo prprio corpo. Reconhece ele que no mais ntimo do amor cego,que nada sabe nem pode saber, palpita a exigncia de verdade.Padeceu injustia; a vai buscar a exigncia de justia e, ao mesmo

    tempo, v obrigado a rejeit-la, pois o que ele deseja s pode provirda liberdade. Nesta agonia, o rejeitado torna-se homem. Comoinvariavelmente o amor desvenda o geral no particular, nico lugaronde se honra o geral, este, como autonomia do prximo, volta-semortiferamente contra o amor. O fracasso, em que se imps o geral,surge ao indivduo como um estar-excludo do geral; quem perdeuo amor sabe-se abandonado de todos, por isso desdenha a conso-lao. No absurdo da privao chega a vislumbrar a inverdade detoda a satisfao meramente individual. Desperta assim nele aconscincia paradoxal do geral: do inalienvel e irrecusvel direitohumano de ser amado pela amada. Com a sua aspirao, no fundadaem ttulo ou prerrogativa alguma, a ser correspondido apela parauma instncia desconhecida que graciosamente lhe conceda o quelhe pertence - e, todavia, no lhe pertence. O mistrio da justia noamor a ab-rogao do direito que o amor reclama nos seus gestossem palavras. "Em toda a parte, mais do que / desatinado, deve o

    amor existir."

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    sua posio, a elas afluem de um ou de outro modo, e do estlidoenredamento nas circunstncias mais imediatas, que a sua limitaocria. Delas se espera o gosto aventureiro pelas idias, a soberaniarelativamente situao dos interesses particulares, o refinamentodas formas de reagir, e supe-se que a sua sensibilidade contrria,pelo menos em esprito, brutalidade de que o seu prprio privilgiodepende, ao passo que as vtimas dificilmente contam com a possi-bilidade de saber o que que as converte em tais. Mas se a separaoentre a produo e a esfera privada acaba por se revelar como umelemento da necessria aparncia social, tal expectativa de espiritua-lidade livre ver-se- defraudada. Nem o mais subtil snobismo temalgo de dgotpelo seu pressuposto objectivo, antes se fecha aoseu conhecimento. Ainda est por saber em que medida a nobrezafrancesa do sculo XVIII teve, de facto, na Ilustrao e nos prepara-tivos da revoluo, aquela participao frivolamente suicida, que arepugnncia pelos terroristas da virtude tanto gosta de imaginar.Em todo o caso, a burguesia, tambm na sua fase tardia, conservou--se pura de tais inclinaes. J ningum da srie dana sobre ovulco, se fosse um desclassificado. Tambm no plano subjectivoest a society to inteiramente modelada pelo princpio econmico,cujo tipo de racionalidade visa o todo, que lhe est vedada a suaemancipao do interesse, fosse s como mero luxo intelectual.Assim como [os seus membros] so incapazes de saborear a riquezaenormemente acrescentada, assim so ao mesmo tempo incapazesde pensar contra si mesmos. V a busca da frivolidade. A eterni-zao da diferena real entre o em cima e o em baixo ajudada pelofacto de que ela, tanto aqui como alm, se desvanece sempre comodiferena entre as formas de conscincia. Os pobres so impedidosde pensar pela disciplina dos outros, e os ricos pela sua prpria. Aconscincia dos dominadores faz perante todo o esprito o que antesfazia com a religio. A cultura, para a grande burguesia, torna-seum elemento da representao. Que algum seja sagaz ou cultofigura entre as qualidades que o tornam apto para a vida social oupara o matrimnio, como ser bom cavaleiro, amar a natureza, terencanto ou vestir um fraque impecvel. Carecem de curiosidade

    intelectual. Na sua maioria, os isentos de preocupaes submergem--se no quotidiano como os pequeno-burgueses. Arrumam as suascasas, organizam reunies, buscam escrupulosamente as reservas

    para o hotel ou avio. Normalmente, alimentam-se do refugo doirracionalismo europeu. Justificam toscamente a sua hostilidade aoesprito, que j no prprio pensamento, na independncia de tudo oque dado, do existente, fareja a subverso, e no sem razo. Assimcomo no tempo de Nietzsche, os filisteus da cultura acreditavam noprogresso, no ininterrupto desenvolvimento superior das massas ena mxima felicidade possvel para o maior nmero possvel,acreditam agora, sem eles prprios saberem, no contrrio, naderrogao de 1789, na incapacidade de melhoria da naturezahumana, na impossibilidade antropolgica da felicidade - ou s emque esta, de qualquer modo, seria boa para os trabalhadores. Aprofundidade de anteontem transformou-se em extrema banalidade.De Nietzsche e de Bergson, as ltimas filosofias recebidas, nadamais resta do que o turvo anti-intelectualismo em nome de umanatureza seqestrada pelos seus apologetas. "Nada me incomodatanto no III Reich - dizia em 1933 uma mulher judia, esposa de um

    director geral, que depois morreria assassinada na Polnia - comoo facto de agora no podermos utilizar a palavra telrico, porque osnacionais-socialistas dela se apropriaram"; e ainda aps a derrotafascista, hirta dama austraca, proprietria de um castelo, queencontrara num cocktail party um dirigente operrio, tido errada-mente por radical, no lhe ocorreu, fascinada pela sua personalidade,fazer nada melhor do que repetir atoleimadamente "e inintelectual,de todo inintelectual". Recordo ainda o meu espanto quando umajovem aristocrata de vaga ascendncia, que a custo conseguia falaralemo sem um afectado sotaque estrangeiro, me confessou a suasimpatia por Hitler, com cuja figura to incompatvel se afiguravaa sua. Pensei ento que a sua encantadora imbecilidade a impediade se dar conta de quem ela prpria era. Mas era mais esperta doque eu, pois o que ela representava j no existia; a sua conscinciade classe, ao riscar o seu destino individual, fez que o seu ser em si,a sua condio social, ficasse patente. to duro integrar-se em

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    poltica, alm de entorpecer a prpria produo, na qual quemalimenta intenes extremas tem de se sentir como um provinciano,ao passo que o conformista j no se sente envergonhado no cara-mancho, mas toma o reactor para o mais que perfeito.

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    La nuance - encore. - A exigncia de que o pensamento ou a

    informao renuncie aos matizes no h que rejeit-la sumariamente,dizendo que se rende ao embrutecimento reinante. Se o matiz lings-tico no se pode perceber, isso coisa do prprio matiz e no da suarecepo. A linguagem , pela sua prpria substncia objectiva,expresso social, inclusive quando, como expresso individual, sesepara ariscamente da sociedade. As alteraes que sofre nacomunicao afectam o material no comunicativo do escritor. Oque nas palavras e nas formas lingsticas vem alterado pelo usoentra deteriorado na oficina isolada. Mas nela no podem reparar--se os danos histricos. A histria no roa tangencialmente a lingua-gem, mas acontece no seu seio. O que contra o uso se continua autilizar surge como ingenuamente provinciano ou comodamenterestaurativo. Todos os matizes so convertidos em "flavor" emalbaratados a tal grau que at as subtilezas literrias de vanguardanos recordam palavras em decadncia, como Glast, versonnen,lauschig, wrzig16. As disposies contra o kitsch tornam-se elas

    prprias kitsch, prximas da arte industrial e com uma ressonnciatolamente consoladora, afim ao daquele mundo feminino cujo carac-ter anmico se consolidou na Alemanha juntamente com o tom devoz e a indumentria. Na acalentada baixa de nvel com que, alm,os felizardos intelectuais sobreviventes concorrem aos lugares vagosda cultura, o que ontem se apresentava ainda como linguagem esme-rada e anticonvencional surge como afectao ranosa. O alemoparece achar-se perante a alternativa de um segundo e horrendo

    16 Eqivalem mais ou menos a "esplendor", "pensativo", "pacato", "temperado".[N. T.]

    Biedermeier ou a trivialidade administrativo-burocrtica. Todavia,a simplificao, que no est sugerida apenas pelo interesse comer-cial, mas ademais por motivos polticos fundados e, em ltimaanlise, pelo estdio histrico da prpria linguagem, no ultrapassatanto o matiz quanto fomenta tiranicamente a sua decadncia. Fazo sacrifcio omnipotncia da sociedade. Mas esta, justamente pelasua omnipotncia, to incomensurvel e alheia ao sujeito doconhecimento e expresso como o foi em pocas mais inofensivas,quando ele evitava a linguagem quotidiana. Que os homens sejamabsorvidos pela totalidade sem, como homens, serem donos da totali-dade faz das formas idiomticas institucionalizadas algo to nulocomo os valores ingenuamente individuais, e em igual medida per-manece infrutfera a tentativa de modificar a sua funo, admitin-do-as no meio literrio: pose de engenheiro em quem no sabe lerum diagrama. A linguagem colectiva que atrai o escritor, que receiao seu isolamento vendo nele um romantismo, no menos romn-tica: o escritor usurpa aqui a voz daqueles pelos quais, como maisum deles, no pode directamente falar, porque a sua linguagem estdeles to separada pela reificao como todos o esto uns dos outros;porque a figura actual do colectivo em si mesma carece de lin-guagem. Hoje, nenhum colectivo, ao qual se confie a expresso dosujeito, j sujeito. Quem no subscreva o tom hmnico e oficialdos festejos de libertao totalitariamente controlados, mas tome asrio esta ariditque ambiguamente Roger Caillois recomenda, vivea disciplina objectiva s de modo privado, sem conseguir aceder anenhum universal concreto. A contradio entre o caracter abstractodaquela linguagem, que deseja acabar com o subjectivo burgus, eos seus objectos rigorosamente concretos no radica na incapacidadedo escritor, mas na antinomia histrica. Aquele sujeito deve fazer acesso de si mesmo ao colectivo, sem ser anulado em tal colectivo.Da que a sua renncia ao privado conserve precisamente umcaracter privado, quimrico. A sua linguagem imita por conta prpriaa rgida construo da sociedade e cria assim a iluso de fazer falaro beto. Como castigo, a linguagem no oficial da comunidade acabasempre por dar umfauxpas, impondo o realismo custa da coisa,

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    artefacto se aproxima da produo material em massa, tanto maisingenuamente suscita aquela mortal questo. Mas as obras de artetentam silenci-la. 'O perfeito', segundo a expresso de Nietzsche,

    'nunca se deve alcanar' (Menschliches, Allzumenschliches, I, afor.145), isto , nunca deve aparecer como algo feito. Todavia, quantomais consequentemente se distancia da perfeio do fazer, tantomais frgil se h-de necessariamente tornar o seu prpria ser feito: oesforo infindo por apagar o vestgio do fazer deforma as obras dearte, condenando-as ao fragmentrio. Aps a dissoluo da magia, aarte empenhou-se em transmitir a herana das imagens. Mas s sededica a tal em virtude do mesmo princpio que destruiu as imagens:o timo do seu nome grego idntico ao da palavra "tcnica". Oseu paradoxal enredamento no processo civilizacional f-la entrarem conflito com a sua prpria idia. Os arqutipos de hoje, que ocinema e a cano da moda suscitam para a desolada intuio pecu-liar fase do industrialismo tardio, no liquidam apenas a arte, mastrazem luz, com vistosa imbecilidade, a iluso que j nas obras dearte primignias vivia emparedada, e que ainda s mais madurasconfere o seu poder. O dealbar do final ilumina estridentemente o

    engano da origem. - A oportunidade e as limitaes da arte francesaradicam em que esta nunca se desprendeu de todo da vaidade defazer pequenas figuras; distingue-se nitidamente da alem por noreconhecer o conceito de kitsch. Em inmeras manifestaessignificativas lana um olhar condescendente ao que apenas agradapor estar feito com destreza: o sublime artstico mantm-se na vidasensual graas a um momento de inofensiva complacncia no bienfait. Enquanto deste modo se renuncia pretenso absoluta do per--feito, que nunca o chega a ser, dialctica da verdade e da aparncia,evita-se ao mesmo tempo a falsidade do que Haydn chamava os"grandes mongis", que, no querendo apreciar nada da graa dehomenzinhos e figurinhas, caiem no feiticismo, ao tentar expulsaros feitios. O gosto a capacidade de equilibrar na arte a contradioentre o feito e a aparncia do inacabado; mas as verdadeiras obrasde arte, jamais concordes com o gosto, so as que acentuam ao m-ximo aquela contradio e chegam a ser o que so, nela perecendo.

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    Mercearia. - Numa surpreendente anotao do seu dirio,Hebbel lana a interrogao sobre o que "rouba vida o seu encanto,nos anos derradeiros". "Porque em todas as bonecas vistosas, quandodesventradas, vemos o mecanismo que as pe em movimento, eporque a estimulante variedade do mundo se dilui assim numa ins-pida uniformidade. Quando uma criana v os saltimbancos a cantar,os msicos a tocar, as raparigas a trazer gua e as carruagens adeslizar, pensa que tudo isso acontece para puro prazer e alegria deo fazer; no pode imaginar que essa gente tambm come e bebe,vai para a cama e se levanta. Mas ns sabemos de que se trata."Tudo por lucro, que se apodera de todas essas actividades comosimples meios e as reduz igualmente a tempo abstracto de trabalho.A qualidade das coisas sai da sua essncia para se transformar nofenmeno contingente do seu valor. A "forma equivalente" distorcetodas as percepes: aquilo em que j no resplandece a luz da pr-pria determinao como "prazer de o fazer" empalidece diante dosolhos. Os rgos no apreendem elemento sensvel algum comoalgo isolado, mas tomam nota da cor, do som, do movimento - seeste por si ou por outro -; cansam-se na falsa multiplicidade esubmergem tudo no cinzento, desiludidos pela enganadora pretensodas qualidades de continuarem a existir como tais, enquanto se guiampor fins de apropriao e, mais ainda, a eles devem, em ltima an-lise, a sua existncia. O desencanto do mundo intuitivo a reacodo sensorium determinao objectiva daquele como "mundo damercadoria". S as coisas purificadas da apropriao teriam cor eseriam ao mesmo tempo teis: sob a universal coaco ambas ascoisas so irreconciliveis. Mas as crianas no esto, como opinaHebbel, to enredadas nas iluses da "estimulante variedade" paraque a sua percepo espontnea no apreenda a contradio entre ofenmeno e a sua fungibilidade, que a percepo resignada dos adul-tos j no consegue registar, nem tente a ela subtrair-se. O jogo asua defesa. criana no corrompida causa estranheza a "peculiari-

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    dade da forma equivalente": "O valor de uso torna-se a formafenomnica do seu contrrio, do valor" (Marx, Kapital I, Viena,1932, p. 61). Na sua actividade sem finalidade toma partido, medianteuma artimanha, pelo valor de uso contra o valor de troca. Ao despojaras coisas com que se entretm da sua utilidade mediata, procuraresgatar, graas ao seu trato com elas, aquilo que as torna boas paraos homens, e no para a relao de troca, que deforma igualmentehomens e coisas. O carrinho no vai a nenhum lado, e os pequenos

    pipos que transporta esto vazios; mas so fiis sua determinaoenquanto no a pem em prtica, enquanto no participam noprocesso de abstraco que nivela aquela determinao com talabstraco, mas permanecem suspensos quais alegorias daquilo paraque especificamente existem. Dispersos, decerto, mas no implica-dos, esperam que um dia a sociedade elimine deles o estigma social,que um dia o processo vital entre homem e coisa, a prxis, deixe deser prtica. A irrealidade dos jogos denuncia que o real ainda no o. So exerccios inconscientes da vida justa. A comparao dascrianas com os animais assenta inteiramente em que a utopia palpitaembuada naqueles a quem Marx nem sequer concede que possam,como trabalhadores, gerar mais-valia. Os animais, por existirem semrealizar qualquer tarefa que o homem lhes reconhea, expressam,por assim dizer, o prprio nome, o pura e simplesmente no suscep-tvel de troca. Tal faz que as crianas os amem e que a sua contem-plao seja ditosa. Sou um rinoceronte, significa a figura do rinoce-

    ronte. Os contos e as operetas conhecem estas figuras, e a cmicapergunta da mulher sobre como sabemos que rion se chama efecti-vamente rion eleva-se s estrelas.

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    Novissimum Organum. - J h muito se demonstrou que otrabalho assalariado conformou as massas modernas, mais, que pro-duziu o prprio trabalhador. Em geral o indivduo no s o subs-trato biolgico mas, ao mesmo tempo, a forma reflexa do processosocial, e a sua conscincia de si mesmo como indivduo existente

    em si a aparncia de que tal processo necessita para aumentar acapacidade de produo, ao passo que o individualizado tem naeconomia moderna a funo de mero agente da lei do valor. Daquihaveria que inferir a composio interna do indivduo em si, e noapenas do seu papel social. O decisivo na fase actual a categoriada composio orgnica do capital. A teoria da acumulao entendiapor tal "o crescimento na massa dos meios de produo comparadocom a massa, que lhes d vida, da fora do trabalho" (Marx,Kapi-

    tal I, Viena, 1932, p. 655). Se a integrao da sociedade, sobretudonos Estados totalitrios, determina os sujeitos de forma cada vezmais exclusiva como momentos parciais no contexto da produomaterial, ento "a troca na composio tcnica do capital" prosseguenos sujeitos absorvidos pelas exigncias tecnolgicas do processoda produo - e s assim, justamente, constitudos. Aumenta acomposio orgnica do homem. O que faz que os sujeitos estejamdeterminados em si mesmos como meios de produo, e no comofins vivos, aumenta tal como cresce a participao das mquinasrelativamente ao capital varivel. O discurso corrente sobre a "meca-nizao" do homem enganador, porque concebe o homem comoalgo esttico que, por "influxo" exterior, se v submetido a certasdeformaes, na adaptao s condies da produo a ele externas.Mas no h substrato algum de tais "deformaes, nada onticamenteinterior sobre o qual actuem, a partir de fora, os mecanismos sociais:a deformao no nenhuma doena de que sofrem os homens,

    mas da sociedade, que gera os seus filhos, segundo a projeco queo biologismo faz em face da natureza: com "taras hereditrias". Senquanto o processo, que se implanta com a transformao da forade trabalho em mercadoria, se impe a todos os homens sem excep-o, reifica e torna ao mesmo tempo comensurvel a priori cadaum dos seus movimentos num jogo de relaes de troca, possvelque a vida se reproduza sob as relaes de produo dominantes. Asua total organizao exige a unio dos mortos. A vontade de viverv-se remetida para a negao da vontade de viver: a autoconser-vao anula a vida na subjectividade. Perante tal, todos os efeitosda adaptao, todos os actos de conformismo, descritos pela psico-

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    impulsos em parte infantis. O seu pluralismo a deslumbrante fadaMorgana, em que ao monismo da razo burguesa se promete cap-ciosamente como esperana a sua autodestruio. Esta promessaconstitui a idia da modernidade, e por mor do seu ncleo, da invaria-bilidade, todo o moderno, envelhecendo a custo, adquire a expressodo arcaico. O Tristo, que se eleva em meados do sculo XIX qualobelisco do modernismo, ao mesmo tempo o monumento maisdestacado do impulso de repetio. Desde a sua eutronizao o novose revela ambguo. Enquanto nele se associa tudo o que vai alm daunidade do cada vez mais rigidamente estabelecido, a absoro donovo o que, sob a presso daquela unidade, estimula de mododecisivo a decomposio do sujeito em instantes convulsivos, nosquais julga viver; e, finalmente, assim a sociedade total que, pormoda, expulsa o novo. O poema de Baudelaire sobre a mrtir dosexo, vtima do crime, celebra de modo alegrico a santidade doprazer na terrivel-mente libertadora natureza morta do delito, masa embriaguez vista do corpo nu e decapitado j semelhante que impelia as futuras vtimas do regime de Hitler a comprar,ansiosas e paralisadas, os jornais em que apareciam as medidas queanunciavam o seu ocaso. O fascismo foi a sensao absoluta: numadeclarao da poca do primeiropogrom, Goebbels gabava-se deque ao menos os nacional-socialistas no estavam aborrecidos. NoIII Reich, saboreava-se o terror abstracto da notcia e do boato comoo nico estmulo que bastava para incendiar momentaneamente odebilitado sensorium das massas. Sem a quase irresistvel violnciada nsia de parangonas, que sufocantemente leva o corao a cons-tranger-se no mundo pr-histrico, o indizvel no teria sido supor-tado pelos espectadores, nem sequer pelos autores. No decurso daguerra, ofereceram-se, por fim, aos Alemes notcias horrficas emgrande e sem dissimulao do lento colapso militar. Conceitos comosadismo e masoquismo j no so suficientes. Na sociedade demassas de difuso tcnica, ambos esto mediados pela sensao,pela novidade meterica, teledirigida, extrema. Esta domina opblico que, sob o efeito do choque, se vira e esquece quem sofreas atrocidades, se ele mesmo ou os outros. Perante o seu valor de

    estmulo, o contedo do choque torna-se realmente indiferente, comoj o era idealmente na evocao dos poetas; at possvel que ohorror saboreado por Pe e Baudelaire, realizado pelos ditadores,perca a sua qualidade sensacional e se extinga. O resgate violentodas qualidades num novo era desprovido de toda a qualidade. Tudo,enquanto novo, se pode alienar de si mesmo, tornar-se fruio, domesmo modo que o morfinmano insensibilizado acaba por recorrer,sem discriminao, a todas as drogas, incluindo a atropina. Nasensao, com a diferenciao das qualidades, desaparece todo ojuzo: isso faz que ela se converta justamente em agente da regressocatastrfica. No terror das ditaduras regressivas, a modernidade,imagem dialctica do progresso, consumou-se numa exploso. Onovo na sua figura colectiva, de que algo delata j o trao jornalsticoem Baudelaire e o rufar de tambores de Wagner , de facto, a vidaexterior concebida como droga estimulante e paralisante: no emvo foram Pe, Baudelaire e Wagner caracteres prximos dotoxicmano. O novo torna-se puro mal s mediante a organizaototalitria, em que anulada a tenso entre o indivduo e a sociedade,que outrora produ-ziu a categoria do novo. A invocao do novo,indiferente ao seu tipo, contanto que seja assaz arcaico, tornou-sehoje universal, o meio omnipotente da falsa vmimese. A decom-posio do sujeito leva-se a cabo mediante o seu abandono ao sempreigual e sempre distinto. Este absorve tudo o que h de fixo noscaracteres. O que Baudelaire dominava graas imagem suscitauma fascinao inerte. A falta de fidelidade e de identidade e optico apelo situao so desencadeados pelo estmulo de umanovidade que j deixou de ser estmulo. Talvez aqui chegue adeclarar-se a renncia da humanidade a desejar ter filhos, porque acada um cabe profetizar o pior: o novo a figura latente de todos osque ainda no nasceram. Malthus foi um dos pais do sculo XIX, eBaudelaire glorificou, no sem razo, as estreis. A humanidade,que desespera da sua reproduo, projecta inconscientemente odesejo da sobrevivncia na quimera da coisa nunca conhecida; masesta assemelha-se morte. Aponta para o ocaso de uma constituiogeral que, virtualmente, no necessita dos seus membros.

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    h l Ihiiue virtudes ..................................................... ,;..... i.. 189O cavaleiro da Rosa....................... ...................... ...................... ........... 191

    Requiem por Odeie ............................................................................. 194Monogramas ..................... ....................... ....................... ..................... 195O mau camarada........................ ...................... ...................... ............... 197Quebra-cabeas.................................................................................... 199

    Olet ..................... ...................... ...................... ...................... .............. 200Q. L....................................................... ;..................................................................... 202WishfulThinking .................... ....................... ....................... ................ 203Regresses ................... ...................... ...................... ...................... ... 203Servio ao cliente .................... ...................... ...................... ................. 201 $|Cinzento e cinzento............................................................................. O lobo como avozinha..................... ...................... ...................... ......... 210 !

    Edio Piper ................... ...................... ...................... ...................... .. 213Contributo para a histria das idias ................... ...................... ............ 215O erro de Juvenal .................... ...................... ...................... ............... 217Abutre-dos-alpes.................................................................................. 220Exibicionista ..................... ....................... ....................... ..................... 221Pequenas dores, grandes cantos ...................... ....................... ............ 222Who is who........................................................................................... 223

    Inaceitvel ...................... ...................... ....................... ...................... .. 225Consecutio temporum........................................................................... 227Lanuance-encore ............................................................................... 228Para onde vai o canto alemo................................................................ 230

    Innuce................................................................................................. 231FlautaMgica ...................................................................................... 233Figura artstica .................................................................................... 234Mercearia ............................................................................................ 237

    Novissimum Organum .................... ...................... ...................... .......... 238Matadouro....... ....................... ....................... ....................... ............... 242Meias tintas ..................... ...................... ...................... ...................... ... 244Edio extra................. ...................... ...................... ...................... ...... 246Teses contra o ocultismo ........................ ....................... ..................... 250Advertncia contra o mau uso ............................................................ 256

    Para terminar .......... ..................... ..................... ...................... ........... 259