2010outubro chernobyl
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2010outubro ChernobylTRANSCRIPT
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1
Qumica Virtual, Outubro de 2010
A srie Acidentes Explicados pela Cincia tem por objetivo mostrar os maiores e mais incrveis
acidentes causados pelo homem mostrando es-sencialmente o que aconteceu sob o ponto de
vista cientfico. As reaes qumicas aqui descri-tas no devem, em hiptese alguma, ser reprodu-
zidas devido ao seu alto grau de periculosidade.
Chernobyl: a luta contra um inimigo invisvel
Conhea os detalhes sobre a radioatividade e suas
consequncias no maior
acidente nuclear da histria.
EMILIANO CHEMELLO [email protected]
Ao assistir um docu-mentrio sobre o acidente de
Chernobyl, o que mais chamou
a minha ateno foi a declara-
o de uma das vtimas, um
senhor que havia lutado na segunda guerra mundial. Na
entrevista, ele disse que prefe-
ria estar novamente na guerra
que participou ao invs de en-
frentar o acidente de Cherno-
byl pois, diferentemente da situao que passou, em que
via o inimigo, os tanques, os
msseis, no desastre de Cher-
nobyl o inimigo demonstrava-se
invisvel.
O que foi o acidente de Chernobyl? Como ocorreu?
Quais foram/so suas conse-
quncias? Este artigo ir escla-
recer estas e outras questes
fundamentais sobre o maior desastre nuclear da histria.
A fim de tornar compre-
ensvel este acidente, so ne-
cessrios alguns conhecimen-
tos fundamentais. Para isto,
importante saber o que a ra-dioatividade, como funciona
uma usina nuclear, para poste-
riormente compreendermos o
que aconteceu em Chernobyl e
quais as consequncias para a humanidade.
***
O que radioatividade?
A radioatividade um
fenmeno que ocorre nos to-
mos, mais especificamente no
ncleo de alguns tipos de to-mos. Estes tipos de tomos que tem seu centro instvel so
tomos geralmente ditos pesa-dos (com um grande nmero de prtons no ncleo e, conse-quentemente, elevada massa da a expresso pesados). O fenmeno da radioatividade
emitida pelo urnio, trio, act-
nio, polnio e rdio foi desco-
berto e estudado por grandes nomes da cincia, como Roen-
tgen, Becquerel, Marie e Pierre
Curie (estes dois ltimos, ma-
rido e mulher), entre o final e
incio dos sculos IX e XX.
Desde ento, o homem
dedica-se aplicando este co-
nhecimento para fins nobres e
para outros no to nobres
assim. Surgiram usinas nucle-
ares, que produzem energia eltrica. H tambm aplicaes
na medicina. Porm, tambm
existiram as duas bombas nu-
cleares na segunda guerra
mundial e a guerra fria que nos deixou com um grande medo
de uma possvel guerra nuclear
entre EUA e URSS. Felizmente
ela no ocorreu.
Voltando ao tomo, esta
instabilidade nuclear citada anteriormente se deve, em
grande parte, a uma competi-o entre a fora de repulso prton x prton (papo de cien-tista: fora de repulso de Cou-
lomb) com a interao nuclear chamada fora forte, que faz
com que as partculas do n-
cleo estejam coladas umas nas outras. Esta competio de
foras ganha pela fora de
atrao (fora forte) quando h
poucos prtons no ncleo, tor-nando o tomo estvel. Mas, a
medida que o nmero de pr-
tons aumenta, a fora de re-
pulso (interao de Coulomb)
tambm aumenta, tornando o
tomo instvel.
Todos os tomos acima
de 82 prtons no ncleo so
instveis (radioativos). Esta
instabilidade aliviada pela
emisso de, essencialmente,
trs tipos de radiao: (alfa),
(beta) e (gama). Vejamos os detalhes de cada uma destas
radiaes.
Exemplo de radiao
ThU 234904
2
238
92
A radiao (ncleos de hlio)
emitida e proporciona ao tomo emissor (no exemplo, o
urnio) transformar-se em ou-
tro tomo (trio) com um n-
mero atmico (que igual ao
nmero de prtons) duas uni-dades menor e com uma massa
atmica (que a somo dos pr-
tons e nutrons) quatro unida-
des menor.
Exemplo de radiao
PoBi 214840
1
214
83
Na radiao , um nutron transforma-se em um prton
(este ltimo fica no ncleo,
aumentando o nmero atmico
do tomo produto em uma uni-
-
2
dade), um eltron (que a radi-
ao -)1 e um antineutrino (uma partcula que interage
pouco com a matria, portanto,
sem importncia para este nos-
so assunto).
Exemplo de radiao
BaBam 137560
0
137
56
A radiao , ao contrrio das
radiaes e , no constitu-da de matria, mas sim uma
onda eletromagntica com grande frequncia. Como tal,
no altera o nmero de prtons
e neutrons do tomo produto
em relao ao tomo emissor.
Trata-se de uma espcie de
acomodao das partculas. Esta radiao ocorre no tomo
de brio, conforme o exemplo,
quando este resultado da
emisso de radiao do to-mo de csio 137.
BaCs m137560
1
137
55
Este brio, metaestvel
(137mBa), adquire estabilidade
emitindo radiao . Perceba, portanto, que o brio emite
radiao devido a uma insta-bilidade adquirida em uma transformao radioativa (papo de cientista: transmutao),
que tem como origem o istopo
radioativo do elemento csio, j
tratado nesta srie quando fa-
lou-se do acidente com 137Cs em Goinia, Brasil.
Esta emisso do brio
utilizada, por exemplo, em tra-
tamentos contra o cncer. Mas,
quando nos submetemos a este tipo de radiao de forma inde-
vida, como veremos mais adi-
ante, as consequncias podem
ser fatais.
***
O que fisso nuclear?
Em 1938, dois cientis-
tas alemes, Otto Hahn e Fritz
Strassmann, descobriram aci-
dentalmente que o urnio, ao ser bombardeado com nu-
trons, dava origem a tomos
com metade de sua massa,
1 H tambm a possibilidade de um prton
transformar-se num nutron, emitindo uma
partcula denominada psitron, constituindo a
radiao +.
como o brio. Surgia, ento, a
descoberta que iria transformar
o mundo: a fisso nuclear.
Como vimos anterior-
mente, h uma competio de foras das partculas que exis-tem no ncleo (papo de cientis-ta: ncleons). Geralmente a
fora forte vence (talvez seja
por isto que chamam ela de
forte), mas h casos que h um equilbrio tnue. o caso
do urnio 235 (235U), um tipo de tomo (papo de cientista:
istopo) do elemento urnio
que possui potencial de fisso.
Quando ele bombardeado com um nutron, este causa
uma desestabilizao no n-
cleo, como se fosse o empur-ro necessrio para que um ncleo, j instvel, se desinte-
gre. Na fisso, temos a fora de repulso vencendo a fora de
atrao. Mas, como isto ocorre?
Acompanhe a explicao
com base na figura a seguir:
O ncleo do 235U e o
nutron absorvido (a) formam o
ncleo composto (b), que constitui o estado excitado e com energia de excitao colo-
cada em modos coletivos de
vibrao. Estes modos de vi-
brao so capazes de esticar o ncleo. Caso a energia de
excitao suficientemente grande, em uma dessas vibra-
es coletivas, o ncleo com-
posto pode assumir uma forma
com dois blocos de ncleons
separados por uma estreita
ponte (c). Caso, entre esses
blocos, a repulso de Coulomb
de longo alcance entre os pr-tons for mais intensa do que a
interao nuclear atrativa de
curto alcance, o ncleo com-
posto se fragmenta (d).
At aqui voc pode estar se perguntando onde esta his-
tria de quebrar tomos vai
chegar. O que tem de interes-
sante em quebrar tomos?
Bem, isto em particular no
til (interessante para alguns, mas til para poucos). O mais
fantstico nesta histria de
destruio de tomos a ener-
gia que a fisso nuclear pro-
porciona. Isto sim til! Para voc poder ter uma idia, ape-
nas dez gramas de 235U forne-
cem a mesma energia produzi-
da na exploso de 300 tonela-
das de TNT! Isto muito til
em tempos modernos em que a demanda de energia cada vez
maior.
O 235U um istopo com
uma abundncia de 0,7 %, ou
seja, uma parte em 140 partes de urnio natural em mdia o
de massa 235 (veja Figura 1).
Ento, para tornar uma amos-
tra de urnio um combustvel
nuclear, necessrio realizar
um procedimento chamado enriquecimento de urnio. Esta etapa consiste basicamen-
te e aumentar a concentrao
de 235U para um valor adequa-
Figura 1 Apenas 1 parte em 140 (ou seja, 0,7 %) de urnio natural
o istopo 235U.
-
3
do para que este seja utilizvel
na fisso. Na seo para saber mais h detalhes destes pro-cesso e no vamos aqui deta-
lh-lo.
O problema da fisso
que, uma vez que os tomos
so partidos, novos nutrons
so formados e outros tomos
so partidos, e assim por dian-te, fazendo disso uma reao
em cadeia. Quando a fisso
ocorre de forma desenfreada,
temos a bomba atmica! Mas,
quando controlamos este pro-
cesso, temos o que chamamos de usina nuclear.
A fisso nuclear essen-
cialmente tem duas aplicaes:
armas nucleares e usinas nu-
cleares. Nas armas, deseja-se uma reao em cadeia, a qual
necessita de uma concentrao
grande de 235U. J a usina nu-
clear no necessita de uma alta
concentrao de 235U. Mesmo
assim, com baixa concentra-o, as energias envolvidas no
processo em uma usina nucle-
ar so grandes. Ser que uma
usina pode explodir como uma
bomba? Vejamos o prximo captulo deste artigo para res-
pondermos a esta pergunta.
***
Como funciona uma usina
nuclear?
O esquema simplificado de uma usina nuclear est ilus-
trado na Figura 2. Em essn-
cia, a fisso nuclear libera
energia. Esta, por sua vez,
aquece a gua lquida que transforma-se em vapor. Este
vapor gira a turbina que possui
a capacidade de gerar eletrici-
dade, a qual transportada por
uma srie de etapas intermedi-
rias at chegar na sua casa. As barras de controle ficam
prximas ao combustvel nu-
clear, evitando que o processo
de fisso ocorra desenfreada-
mente. Estas barras so geral-mente feitas de boro ou cd-
mio, elementos que absorvem
nutrons e impedem que estes
promovam a fisso de outros
tomos de 235U.
Como vimos anterior-mente, o urnio extrado da
natureza tem apenas 0,7 % de
235U, o qual potencialmente
fissvel. Ento, se faz necess-ria o enriquecimento do urnio
para que ele seja aplicado a em
reatores nucleares. Este enri-
quecimento nada mais que
aumentar a concentrao de 235U para um valor em torno de
3 %. J para se fazer uma
bomba atmica, a concentrao
de 235U deve ser em torno de 90
%, logo, em tese, pouco pro-
vvel uma exploso atmica no funcionamento de uma usina
nuclear. Mas, como tratamos
com vapor em altas temperatu-
ras, se algo na operao der
errado, acidentes podem acon-tecer. E aconteceram. O de
Chernobyl o exemplo mais
trgico, mas outros acidentes ocorreram (como o de Three Mile Island, em 1979 nos EUA).
Alm do combustvel e
das barras moderadoras, temos uma pea fundamental que o
agente refletor. Um refletor
possvel o grafite (no reator
utilizado em Chernobyl). Ele
desacelera os nutrons oriundo da fisso de um tomo de 235U,
que sai a aproximadamente
1600 km/s, velocidade que
reduzida a 1,6 km/s, a qual
mais eficaz para quebrar o pr-
ximo tomo de 235U.
***
O que houve de errado em Chernobyl?
Ainda hoje o acidente de
Chernobyl causa desconfiana
quando falamos das usinas
nucleares para gerao de energia eltrica. Sabe-se que
uma fonte de energia limpa,
pelo menos quando comparada
com os combustveis fsseis,
com sistemas de segurana
avanados (hoje), mas o aciden-te de 1986 faz com que fique-
mos com um p atrs quando falamos em usinas nucleares.
Vejamos o que aconteceu e, ao
final desta exposio, pondera-remos a respeito da racionali-
dade deste medo.
Na madrugada do dia
26 Abril de 1986, operadores
estavam testando o reator qua-
tro da estao nuclear de Chernobyl, Ucrnia, na poca
pertencente a URSS. Esta usi-
na era responsvel por 10 % da
gerao de energia eltrica uti-
lizada na Ucrnia naquele ano.
Desejava-se realizar testes as-sociados a uma das maiores e
mais recentes conquistas do
regime comunista. Document-
rios e relatrios oficiais dizem
que houve falha humana ao
Figura 2 Diagrama do funcionamento simplificado de uma usina nuclear.
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4
realizar os testes em uma po-
tncia baixa (< 700 MW), fato
previsto como perigoso nos
manuais de procedimentos. O
teste foi exigido do comit esta-tal para o uso de energia at-
mica. Os governantes temiam a
necessidade de utilizar o reator
em caso de ataques por causa
da guerra fria. No entanto, o engenheiro chefe (Anatoly Syat-
lov) desejava realizar o teste a
200 MW, a fim de preservar a
gua para resfriamento do rea-
tor. Por erros de operao, o
reator teve sua potncia abai-xada at zero. Impaciente, o
engenheiro chefe toma uma
deciso fatal: o reator seria
reativo sem que os sistemas de
segurana (barras de controle) estivessem ativados (veja Figu-
ra 3). Estas barras de controle
funcionam como se fossem os
aceleradores e os freios do rea-
tor. A presena ou no delas
faz o reator funcionar com me-nor ou maior potncia. No rea-
tor de Chernobyl, eram 211
barras feitas de boro que en-
contravam-se espalhadas entre
as barras de urnio, o combus-tvel nuclear.
Diante da situao de
perigo, os operadores alertaram
o engenheiro chefe, o qual
prosseguiu com a operao.
Sem as barras de controle, a potncia aumentou mais rapi-
damente, conforme o engenhei-
ro chefe desejava. No entanto,
esta mudana nos parmetros
de operao iria revelar falhas no projeto de construo do
reator.
A usina de Chernobyl
utilizava reatores do tipo RBMK
(em russo, Reator de Alta Po-tncia no Canal), atualmente obsoletos, que apresentavam
instabilidade e usavam como
combustvel urnio no enri-
quecido. A tecnologia, em uso
desde a dcada de 1950, utiliza a prpria gua que resfriava o
reator para formar o vapor
para mover as turbinas, num
circuito unificado. J nos rea-
tores do modelo PWR, os mais
utilizados no ocidente, como nas usinas de Angra 1 e 2 aqui
no Brasil, existem trs circuitos
independentes, sendo que o
lquido radioativo circula em
um circuito independente e
isolado.
O modelo sovitico, em-
bora menos seguro, foi adotado
por ser mais barato tanto na construo quanto no abaste-
cimento por combustvel de
baixo enriquecimento. Havia,
ainda, um fator estratgico: a
grande quantidade de plutnio formada pelo funcionamento do
reator RBMK poderia ser usada
na fabricao de armas nuclea-
res. Devemos lembrar o contex-
to histrico do acidente: guerra
fria entre URSS e EUA. Alias, h quem diga que acidente
tenha sido o primeiro passo
para a queda do regime comu-
nista.
importante salientar as implicaes polticas que
rodeavam o funcionamento dos
reatores em Chernobyl. A ex-
panso nuclear era um dos
grandes objetivos do regime
comunista. Para tanto, priori-zou-se a implantao mais r-
pida dos reatores, sem no en-
tanto dar a devida ateno aos
aspectos de segurana. Houve
um apressamento na inaugu-rao do reator nmero quatro
em Chernobyl por questes
polticas. A segurana ficou em
segundo plano. Alias, o teste
aqui narrado deveria ter sido
feito antes que o reator fosse inaugurado. Mas no foi (infe-
lizmente) o que aconteceu.
Devido ao pequeno n-
mero de barras de controle, a
radiatividade concentrou-se na parte inferior do reator. O teste
consistia em desligar as turbi-
nas que alimentavam gua, a
fim de testar os geradores de emergncia a diesel. Se algo
desse errado, a gua no reator seria insuficiente para capturar
o calor gerado pelo reator e um
acidente era possvel. Ao serem
desligadas as turbinas, menos
gua foi enviada ao reator e,
consequentemente, mais vapor se formou. De forma repentina,
a potncia do reator comeou a
aumentar rapidamente. Para
fre-la, acionou-se as barras de
controle. O problema que as barras de boro possuam car-
bono grafite em suas pontas.
No instante em que entraram
no reator, o grafite causou au-
mento na potncia (centenas de
vezes), no uma reduo como
era de se esperar das barras de
controle. Elas nunca deveriam ter sido retiradas durante a
operao do reator.
Houve uma srie de fa-
lhas humanas e do reator que
resultaram na exploso do
mesmo, conforme j relatado
(veja Figura 4). Antecipamos que no houve, neste trgico
episdio, uma exploso nucle-
ar, como as que ocorreram nas
bombas atmicas da segunda
guerra, mas somente uma ex-ploso no nuclear resultante
da alta presso de vapor de
Figura 3 Detalhes das partes principais
que constituem um reator nuclear.
Figura 4 Foto area dos destroos da exploso do reator nmero quatro
da usina de Chernobyl, Ucrnia.
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5
gua existente no reator. A
radioatividade deriva do mate-
rial radioativo que saiu do rea-
tor e foi arremessado para fora.
Este material radioativo, por sua vez, foi levado pelo vento
para boa parte da Europa.
Algumas parte do reator (varetas que do suporte ao
combustvel nuclear) so feitas
de uma liga de zircnio (zirca-
loy). Da mesma forma que o
alumnio, o zircnio forma uma fina camada de xido de zirc-
nio que o protege contra a oxi-
dao. Porm, em temperatu-
ras elevadas, esta camada de
xido se decompe, possibili-
tando a seguinte reao:
Zr(s) + 2 H2O(v)
ZrO2(s) + 2 H2(g)
Gs hidrognio extremamente explosivo. Na usina de Three Mile Island, nos EUA, em 1979,
formou-se 1000 m de gs hi-drognio no reator. Felizmente
neste caso, o hidrognio pode
ser removido antes de uma
possvel exploso.
Ainda contribuindo para
a grande exploso em Cher-nobyl, temos a gua que, na
temperatura em que foi aqueci-
da (em torno de 1000 C) e sob
presso, reage com o carbono
grafite formando uma mistura explosiva conhecida como gs
dgua, conforme a equao abaixo:
C(graf.) + H2O(v) H2(g) +CO(g)
Esta mistura de gases junta-
mente com a presso de vapor de gua que estava sendo gera-
da, foi responsvel pela grande
exploso que espedaou a tam-
pa do reator que tinha uma
massa de mil e duzentas tone-ladas! O grafite do reator,
quando aquecido, pega fogo, o
que gerou um grande incndio.
E pior: 50 toneladas de com-
bustvel nuclear foram lana-
dos na atmosfera, dez vezes mais que a bomba de Hiroshi-
ma! As consequncias disto,
como veremos a seguir, so
catastrficas.
***
Quais as consequncias da
radiao?
Todos conhecem o incr-
vel Hulk, certo? Bem, na even-
tual hiptese de algum no
conhecer este heri da fico, vamos a um pequeno resumo
de sua histria.
Um fsico nuclear, em
um experimento que d errado
(como o de Chernobyl), bom-bardeado por radiao gama.
Aps este evento, ele passa a
adquirir super poderes, oriun-
dos da mutao gentica que a
radiao gama gerou, que in-
cluem uma fora fora do co-mum, com msculos que ras-
gam as roupas do fsico duran-
te a sua transformao no In-
crvel Hulk, nome como ficou
conhecido o monstro da cor verde que lhe caracteriza. O
que h de verdade e de mentira
nesta fantasiosa histria de
fico? Vejamos neste ltimo
captulo do artigo os efeitos da
radioatividade no ser humano.
A radioatividade est em
todo lugar e somos afetados por ela desde o momento que so-
mos concebidos at a nossa
morte. O ar que voc respira, o
cho que voc pisa, a gua que
voc bebe, o lugar que voc vive, essencialmente, todo o
ambiente ao seu redor contm
a radioatividade. A medicina
usa a radioatividade em alguns
exames e tratamentos (confor-
me mostra a Tabela 1). Ser a radioatividade benfica ou vil?
Vejamos algumas considera-
es.
A radiao que estamos
expostos por toda a nossa vida compreende o que chamado
de radiao de fundo. A maior parte dessa radiao natural
e surge a partir de trs fontes.
Radiao que se origina a par-
tir do sol e do espao chama-da radiao csmica. A radia-o cosmognica aquela que
vem de radioistopos forma-
dos/presentes na atmosfera,
que podem surgir a partir da interao da radiao csmica
com as substncias e elemen-
tos presentes. A terceira fonte
de radiao natural proveni-
ente de radionucldeos primor-
diais (elementos radioativos, que sempre estiveram presen-
tes na terra) e chamada de
radiao terrestre (veja Tabela
2).
Dos 340 istopos encon-trados na natureza, apenas
cerca de 70 so radioativos,
incluindo todos os istopos
com nmeros atmicos maiores
que 83. Muitos destes radionu-
cldeos no contribuem signifi-cativamente para a nossa ex-
posio radiao devido a sua
baixa abundncia.
Tabela 1 - Exemplos de aplicaes de radionucldeos na medicina
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6
A tarefa de avaliar as
consequncias da radiao para ns, seres humanos,
complicada, pois estas conse-
quncias muitas vezes no so
previsveis, estando sujeitas a
vrios fatores, como tipo de radiao, tempo de exposio,
local em que incide a radiao,
entre outros. Apesar disso, ten-
taremos dar uma dimenso
aproximada da exposio radi-
oativa que diversas pessoas tiveram com o acidente de
Chernobyl. Portanto, tratare-
mos apenas das principais ra-
diaes provenientes do ncleo
atmico (, e ), desprezando os outros tipos de radiaes
existentes (veja Figura 5).
Os raios e muitas das
partculas e produzidas em reaes nucleares tem energia
mais do que suficiente para
quebrar ligaes qumicas inte-
ratmicas, arrancando eltrons
e produzindo espcies com car-ga positiva (papo de cientista:
ons). Portanto, os produtos do
decaimento radioativo so
exemplos da conhecida radia-
o ionizante.
A ionizao de tomos (e molculas) nos tecidos vivos
resulta no dano aos mesmos,
tais como queimaduras e alte-
raes moleculares que podem
levar doena de radiao,
cncer e defeitos no nascimen-
to de filhos de pessoas conta-
minadas. At mesmo os cientis-
tas que trabalharam pela pri-
meira vez com estes materiais radioativos e que, por no esta-
rem cientes dos perigos, alguns
deles sofreram por isso. Marie
Curie, por exemplo, notvel
cientista ganhadora do prmio Nobel, morreu da leucemia
causada pelos muitos anos de
exposio radiao dos ele-
mentos rdio, polnio, e outros
radionucldeos que ela traba-
lhava.
No caso da gua (prin-
cipal constituinte do nosso
corpo), quando a radiao inci-
de sobre ela, h remoo de um
eltron, conforme equao abaixo:
H2O
(l)
1216 kJ/molH
2O+
(aq)+ e-
O on de carga positiva prove-
niente da ionizao reage com
outra molcula de gua para
formar H3O+ e uma espcie com
nmero de eltrons mpar chamada radical livre hidroxila:
H2O
(l)H
2O+
(aq)+
H3O+
(aq) + *OH-
(aq)
A rpida reatividade qumica
destes radicais livres como a hidroxila com biomolculas,
muitas vezes ameaam o bom
funcionamento da clula. Por-
tanto, a radiao pode provocar
alteraes no mecanismo bio-
qumico que controla o cresci-mento da clula. Isto mais
provvel (ou mais perigo) de
ocorrer nos tecidos em que as
taxas de diviso celular so
normalmente mais rpidas. A medula ssea um deles, onde
bilhes de glbulos brancos
(chamados leuccitos) so pro-
duzidos a cada dia para forta-
lecer nosso sistema imunolgi-
co. Danos a nvel molecular na medula ssea podem levar
leucemia, uma produo des-
controlada de leuccitos que,
por no estarem devidamente
formados, no pode destruir invasores patognicos que, por
ventura, entram em nosso or-
ganismo. Dependendo da imu-
nidade da pessoa, pode haver
bito.
Como vimos, somos atingidos deste os nossos pri-
meiros dias de vida por radia-
o, fato que se estende at
nossa morte. Porm, se a dose
de radiao recebida for gran-de, estas complicaes tornam-
se mais intensas.
Esta exposio radia-
o expressa no SI (sistema
internacional de unidades) em
gray (Gy). Um gray equivalen-te a absoro de 1 J/kg (joule
por quilograma, ou seja, ener-
gia por uma certa massa). Em-
bora a unidade gray expresse a
quantidade de radiao ioni-zante a qual o organismo ex-
posto, ela no permite estabe-
lecer uma relao entre a ener-
gia absorvida e a quantidade de
tecido lesado. Diferentes produ-
tos das reaes nucleares afe-tam diferentemente os tecidos
vivos. Para levar em considera-
o estas diferenas, valores da
eficcia biolgica relativa (do ingls Relative Biological effecti-veness RBE) tem sido estabe-lecidos para as vrias formas
de radiao ionizante. Quando
a dosagem em grays multipli-
cada pelo fator RBE da forma
de radiao, o produto gera
uma nova unidade: sieverts (Sv). A Tabela 3 resume os efei-
tos das radiaes a partir da
Figura 5 Principais tipos de radia-
o de origem nuclear: , e .
Tabela 2 Relao de fontes naturais e artificiais de radiao e o percentual que elas correspondem a radiao
nuclear total que estamos expostos.
-
7
dose em que o ser humano
exposto.
Um RBE de 20 para
partculas pode levar a con-cluso de que estas constituem
a maior ameaa sade quan-
do falamos em radioatividade.
Mas isto no verdade, pois as
partculas so to grandes que tm pouco poder de pene-trao. Elas so interrompidas
por uma folha de papel, a sua
roupa, ou mesmo uma camada
de pele morta. Por outro lado,
se voc ingerir ou respirar um
emissor de radiao , os da-nos no tecido podem ser gra-
ves, porque as partculas , pesada, no precisa viajar mui-
to longe para causar dano celu-
lar. Raios so considerados a forma mais perigosa de radia-
o que emana de uma fonte
fora do corpo, porque eles tm o maior poder de penetrao
entre as principais formas de
radiao, conforme ilustra a
Figura 6.
Os moradores do assen-
tamento de Pripyat, onde esta-va localizada a usina de Cher-
nobyl, comearam a ser retira-
dos do local somente no dia
seguinte, as 14 h (cerca de 36
horas aps o acidente). Foi pre-ciso uma semana para retirar
os 135 mil habitantes e criar
uma zona de excluso de 30
km da usina. Este tempo, no
entanto, foi mais do que sufici-
ente para contaminar boa parte da populao desinformada.
Estima-se que a explo-
so da usina liberou para a
atmosfera cerca de
200 vezes mais radioatividade que as bombas
atmicas de Hiroshima e Na-
gasaki juntas. Muitos dos
bombeiros e trabalhadores da
usina foram expostos a mais de 1 Sv de radiao. Pelo menos
30 deles morreram nas sema-
nas aps o acidente. Muitos
dos mais de 600.000 trabalha-
dores que limparam a rea ao
redor do reator apresentaram sintomas de doena da radia-o, e cerca de 5 milhes de pessoas na Ucrnia, Bielorrs-
sia e Rssia foram expostas
precipitao nos dias seguintes ao acidente. A nuvem de radio-
atividade libertada por Cher-
nobyl espalhou-se rapidamente
por toda a Europa do Norte
(veja Figura 7). Dentro de duas
semanas, o aumento dos nveis de radioatividade foram detec-
tados ao longo de todo o He-
misfrio Norte. O acidente pro-
duziu um aumento global da
exposio radiaes ionizan-
tes estimada entre 0,05 e 0,5
mSv / ano. Considerando que a
exposio anual natural a radi-atividade fica em uma faixa de
1,5 a 6 mSv/ano, trata-se de
uma frao significativa.
Estudos dos efeitos bio-
lgicos da radiao do acidente de Chernobyl indicou um au-
mento de 200 vezes no incidn-
cia de cncer de tireide em
crianas. Os nascidos nesta
regio oito anos aps o aciden-
te tinham o dobro do nmero de mutaes em seu DNA.
Os nmeros oficiais di-
zem que 4000 pessoas devero
morrer de cncer devido a ex-
posio radiao. Porm, h outros cientistas que dizem que
o acidente pode ser responsvel
por 25 mil casos em todo o
mundo, 10 mil s na Rssia,
num perodo de 70 anos. Mui-
tos soldados, na tentativa de evitar mais contaminao, fo-
ram expostos a altas doses de
radiao (veja Figura 8)
Novamente temos lados
positivos nesta histria. De l para c, no houve nenhum
acidente nuclear significativo,
graas talvez as cinco conven-
es internacionais de segu-
rana que foram realizadas
nestes quase vinte e cinco anos aps Chernobyl. Hoje, os reato-
res nucleares possuem regras
mais rgidas de segurana, mas
o risco nunca zero.
Tabela 3 Efeitos esperados a partir do grau de absoro da radiao nuclear.
Figura 6 Ilustrao do poder de penetrao das radiaes , e .
-
8
O Emiliano Che-mello licenciado em qumica pela Universidade de Caxias do Sul e Mestre em Cincia e Engenharia de Materiais pela mesma instituio. Leciona em escolas de ensino mdio e pr-vestibular na Serra Gacha. Visite o site: www.quimica.net/emiliano
Para saber mais:
Photo Essay Time Magazine http://www.time.com/time/ph
otoessays/chernobyl
Entenda o processo de enri-quecimento do urnio http://ultimosegundo.ig.com.b
r/mundo/entenda+o+processo
+de+enriquecimen-
/n1237592517990.html
Apostilas do CNEN (Comis-so Nacional de Energia Nucle-
ar)
http://www.cnen.gov.br/ensin
o/apostilas.asp
Topical Conference on Plu-tonium and Actinides - p. 215 e
216; 219 e 220, Disponvel em:
http://www.fas.org/sgp/otherg
ov/doe/lanl/docs1/00326352.
pdf
Documentrio Discovery Channel
http://www.youtube.com/watc
h?v=EwS9-dC-dKg
Infogrfico sobre o acidente http://n.i.uol.com.br/ultnot/in
fografico/0425_chernobyl.swf
Wilson, R. A visit to Cherno-byl. Science 26 June 1987:
Vol. 236. n. 4809, pp. 1636 1640.
Atwood, C. H. Chernobyl What Happened? J. Chem. Educ., 1988, 65 (12), p 1037.
Wildlife defies Chernobyl ra-diation
http://news.bbc.co.uk/2/hi/e
urope/4923342.stm
Growing Up with Chernobyl http://www.nsrl.ttu.edu/perso
nnel/RJBaker/Publications/34
6-
Grow-ing%20up%20with%20Chernob
yl-Chesser%20and%20Baker-
2006.pdf
Este material pode ser reproduzido por
completo ou parcialmente, desde que
seja citada a fonte.
Figura 7 - A figura mostra uma simulao da disseminao do
material radioativo em todo o Hemisfrio Norte aps 4 dias do
acidente em Chernobyl.
Figura 8 - Liquidatrios (ou bio-robs como assim ficaram sendo conhecidos) limpando o teto do reator. No incio, as autoridades tentaram limpar os restos radioativos usando robs japoneses e
russos, mas eles no funcionaram adequadamente com a extrema radiao. Por isto, as autoridades decidiram utilizar seres huma-nos para o trabalho. Os soldados no podiam ficar geralmente mais de 40 segundos cada vez que subiam no teto do reator, tama-
nha era a radioatividade naquele local. Muitos j morreram ou sofrem de problemas de sade graves. Observem as nuvens bran-cas intercaladas na foto, resultado da radiao no local.