11.4. cianotoxinas

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CAPÍTULO 11 CIANOBACTÉRIAS E CIANOTOXINAS Luciano Felício Fernandes Ana Carolina Wosiack Leuni Domingues Cláudia Vitola Pacheco Patrícia Esther Lagos 11.1. CARACTERÍSTICAS GERAIS As cianobactérias são organismos fotoautótrofos procariontes de organização talina simples, geralmente unicelulares isolados ou formando colônias envolvidas por mucilagem, e filamentos. Elas possuem clorofila-a e vários pigmentos acessórios, cujos principais são a ficocianina e aloficocianina. O produto de reserva é a cianoficina, também ocorrendo lipídeos. A parede celular das cianobactérias é composta por várias substâncias, entre elas a mureína (peptidoglicana) e alguns aminoácidos e glucosaminas de estrutura idênticas às de bactérias gram negativa. Isso evidencia bem a afinidade evolutiva entre as cianobactérias e as bactérias. Não há celulose. Estes organismos reproduzem-se assexuadamente, através de divisões da célula ou formação de esporos e células de resistência. Algumas também podem atuar secundariamente na reprodução, já que podem formar novos indivíduos ou resistir à condições ambientais desfavoráveis, germinando posteriormente, como é o caso dos heterócitos e acinetos. O heterócito é uma célula de parede espessada, conteúdo claro, e responsável pela assimilação do nitrogênio gasoso (N 2 ) e sua conversão em formas iônicas assimiláveis pelas outras células vegetativas. O acineto armazena substâncias de reserva, apresentando conteúdo escuro e, freqüentemente ornamentações na parede espessa. Os primeiros registros fossilíferos datam de aproximadamente 3,6 bilhões de anos, sendo as primeiras algas a aparecer na Terra. No decorrer deste longo período, houve tempo suficiente para que o processo evolutivo originasse diferentes adaptações entre as espécies, gerando estratégias adaptativas interessantes e eficientes, especialmente importantes em situações de stress ambiental, como nos processos de eutrofização. A taxonomia do grupo está fundamentada na organização do talo, nas medidas das células vegetativas e reprodutivas, presença e espessura

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CAPÍTULO 11

CIANOBACTÉRIAS E CIANOTOXINAS

Luciano Felício FernandesAna Carolina Wosiack

Leuni DominguesCláudia Vitola Pacheco

Patrícia Esther Lagos

11.1. CARACTERÍSTICAS GERAIS

As cianobactérias são organismos fotoautótrofos procariontes de organização talina simples, geralmente unicelulares isolados ou formando colônias envolvidas por mucilagem, e filamentos. Elas possuem clorofila-a e vários pigmentos acessórios, cujos principais são a ficocianina e aloficocianina. O produto de reserva é a cianoficina, também ocorrendo lipídeos. A parede celular das cianobactérias é composta por várias substâncias, entre elas a mureína (peptidoglicana) e alguns aminoácidos e glucosaminas de estrutura idênticas às de bactérias gram negativa. Isso evidencia bem a afinidade evolutiva entre as cianobactérias e as bactérias. Não há celulose. Estes organismos reproduzem-se assexuadamente, através de divisões da célula ou formação de esporos e células de resistência. Algumas também podem atuar secundariamente na reprodução, já que podem formar novos indivíduos ou resistir à condições ambientais desfavoráveis, germinando posteriormente, como é o caso dos heterócitos e acinetos. O heterócito é uma célula de parede espessada, conteúdo claro, e responsável pela assimilação do nitrogênio gasoso (N2) e sua conversão em formas iônicas assimiláveis pelas outras células vegetativas. O acineto armazena substâncias de reserva, apresentando conteúdo escuro e, freqüentemente ornamentações na parede espessa. Os primeiros registros fossilíferos datam de aproximadamente 3,6 bilhões de anos, sendo as primeiras algas a aparecer na Terra. No decorrer deste longo período, houve tempo suficiente para que o processo evolutivo originasse diferentes adaptações entre as espécies, gerando estratégias adaptativas interessantes e eficientes, especialmente importantes em situações de stress ambiental, como nos processos de eutrofização. A taxonomia do grupo está fundamentada na organização do talo, nas medidas das células vegetativas e reprodutivas, presença e espessura da bainha de mucilagem, número, localização e espaçamento dos acinetos e heterócitos, presença de vesículas de gás e grânulos de polifosfato, entre outras. Mais recentemente, os padrões de divisão celular (orientação do eixo de divisão celular) e morfologia ultraestrutural das lamelas tem sido utilizados para a identificação das espécies. A literatura para identificação das espécies é vasta, mas citamos algumas obras básicas que contemplam vários gêneros e que certamente auxiliarão o profissional que necessita identificar gêneros e espécies ocorrentes no Brasil: Bourrely, Célia Santana, Anagnostidis & Komarék (1985, 1988, 1990), Komarék & Anagnostidis (1986, 1989). Para aqueles que não possuem experiência com o grupo, recomendamos que sejam feitas fotografias em escala da espécie encontrada bem como as medidas mencionadas acima e posterior envio destes dados a um especialista para confirmação, citando o mesmo quando da divulgação ou publicação dos resultados. Os sistemas de classificação mais modernos, como os de Anagnostidis & Komarék (1985, 1988, 1990), Komarék & Anagnostidis (1986, 1989), têm incorporado não somente as características morfológicas e ultraestruturais do grupo, mas também a genética molecular, permitindo uma visão mais “filogenética” das cianobactérias.A ecologia do grupo é bastante diversificada em virtude das estratégias adaptativas interessantes que as cianobactérias apresentam, as quais serão detalhadas neste capítulo. Estas adaptações explicam seu sucesso em responder rapidamente à eutrofização de reservatórios e lagos naturais, tornando-se dominantes na comunidade fitoplanctônica. Os fatores bióticos e abióticos que regulam a dinâmica

temporal e espacial das cianobactérias já foram descritas no Capítulo 10, juntamente com os outros grupos do fitoplâncton.

11.2. EVOLUÇÃO EM AÇÃO: AS ESTRATÉGIAS ADAPTATIVAS DAS CIANOBACTÉRIAS

As principais estratégias adaptativas que tem conferido grande sucesso evolutivo às cianobactérias são descritas a seguir, bem como comentários mais específicos sobre algumas espécies ou gêneros que ocorrem em reservatórios do sul do Brasil. Embora o objetivo principal do capítulo anterior corresponda à informação básica sobre ecologia do fitoplâncton, uma atenção especial foi dispensada às cianobactérias neste capítulo, devido ao seu papel preponderante como formadoras de florações e as implicações sanitárias que daí se originam. Esta discussão reflete uma síntese de trabalhos mais específicos sobre cianobactérias (Reynolds, 1984, 1999; Sandgren, 1990; WHO, 1999) bem como de observações "in vivo" das espécies sob microscópio ótico e das atividades desenvolvidas durante o Projeto Iraí.

Algumas espécies de cianobactérias (diazotróficas ou não) são capazes de assimilar compostos orgânicos de baixo peso molecular, e podem subsistir inteiramente deles na ausência de luz. Esta forma de aproveitamento é extremamente vantajosa em ambientes com elevada turbidez e baixa penetração de RFA, limitando a fotossíntese, ou em águas com zona áfótica extensa na qual uma estratégia heterotrófica seria conveniente para manter o metabolismo celular e a viabilidade das células para um próximo evento de crescimento intensivo. Além disso, a utilização dos compostos orgânicos através de respiração aeróbica gera áreas anóxicas ao redor do heterócito, impedindo a inativação da nitrogenase durante a fixação do nitrogênio gasoso pelo heterócito. Muitas cianobactérias produzem quelantes (hidroxamatos) eficientes em seqüestrar metais traço da água presentes em baixíssimas concentrações, desta forma garantindo o funcionamento normal das células. Substâncias orgânicas também podem atuar como quelantes naturais, mas imobilizando metais tóxicos às cianobactérias, extremamente sensíveis a eles, e permitindo seu crescimento. Concluindo, a presença de matéria orgânica dissolvida tende a incrementar o crescimento das cinobactérias através da facilitação de processos de assimilação de macronutrientes (N e P) e micronutrientes (Fe, Mg, etc.), e devem constituir uma das várias explicações para a dominância e sucesso das cianobactérias em ambientes eutrofizados, especialmente aqueles sujeitos às conseqüências negativas das atividades humanas. Se estas adaptações coincidem com variáveis ambientais favoráveis como temperatura elevada (superior a 25°C), estratificação térmica diária ou sazonal, então a possibilidade de ocorrência de florações aumenta substancialmente. Em reservatórios temperados, as florações de cianobactérias nocivas tendem a concentrar-se no verão; por outro lado, nas regiões subtropicais e tropicais estes eventos se intensificam, ocorrendo por vários meses, pois as condições climáticas são mais constantes e a temperatura mais elevada. Estas características evidenciam a necessidade de maior cuidado quanto às atividades antrópicas que geram eutrofização nos trópicos, pois elas terão seus efeitos intensificados (Lewis, 2000, e capítulo 10).Várias espécies são capazes de assimilar ortofosfato em excesso (luxury consumption) durante períodos de elevadas concentrações do nutriente na água, armazenando-o intracelularmente na forma de polifosfatos através de fosfatases, e que podem ser visualizados em microscopia ótica como grânulos (p.e. Anabaena spp, Aphanizomenon flos-aquae). Durante períodos de depleção de fósforo, as reservas são utilizadas. Em alguns casos, em períodos de forte estratificação térmica, pode ocorrer rápida migração vertical para águas da zona afótica, e as células armazenarem fosfato em excesso e, em seguida, retornarem ao epilímnion para realizar intensa fotossíntese.Alguns grupos formam uma célula especial denominada heterócito, responsável por fixação de nitrogênio na forma gasosa (N2) quando não há concentração mínima crítica de nitrogênio na forma iônica assimilável na água, proporcionando-lhe vantagem competitiva em relação às outras espécies algais, que não possuem esta adaptação. O heterócito se desenvolve a partir de uma célula vegetativa normal, que se torna maior, com parede espessada e conteúdo claro. Nestas cianobactérias o N 2 é transformado em NH4 através da enzima nitrogenase, a qual contém ferro e é desnaturada em presença de oxigênio. Entretanto, o mais interessante e paradoxal é que geralmente a fixação de N2 ocorre em

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águas bem oxigenadas mas, obviamente, a alga necessita da energia gerada pela fotossíntese, a qual produz oxigênio, e deste modo inviabilizaria a fixação do nitrogênio pelo heterócito. Como terá sido resolvido o “dilema”? A resposta está no próprio heterócito, como descrito abaixo no Quadro 11.1.

Quadro 11.1. Características químicas do heterócito que permitem a fixação do nitrogênio gasoso (N2).

o heterócito consome oxigênio em altas taxas durante a respiração; sua parede espessa restringe a entrada de O2 e N2; a nitrogenase se satura à concentração baixíssima de N2 (0,2 atm), então a fixação não é afetada

pela redução de permeabilidade do gás, e: o heterócito não possui o fotossistema II, a parte do aparato fotossintético que produz O2. o resultado é a anoxia no interior do heterócito , permitindo o funcionamento da nitrogenase.

Quando as outras fontes de nitrogênio (NO4, NO3, NO2) estão reduzidas ocorrem as florações de verão ou outono de cianófitas fixadoras de N2 (Aphanizomenon, Anabaena, Cylindrospermopsis, Nostoc, Nodularia, entre outras) em lagos eutróficos do mundo onde ocorre estratificação térmica. Então o N 2

pode representar fração significativa do estoque de nitrogênio na água. Naturalmente, os metais de transição (ferro e molibdênio) devem estar presentes pois eles controlam a atividade da nitrogenase. Além disso, as concentrações de nitrato e amônia devem ser pequenas, pois eles controlam a formação dos heterócitos (Horne, 1987; Howart et al., 1988). É importante ressaltar que algumas espécies fixam N gasoso sem a formação de heterócito. O fosfato também pode ser armazenado no interior da célula na forma de cristais durante períodos de maior concentração deste nutriente. Após seu consumo por outras microalgas do fitoplâncton, elas crescem intensivamente, atingindo proporções de florações.Várias espécies de Anabaena ou de gêneros próximos respondem rapidamente à períodos de turbulência da coluna de água ou chuvas intensas (ressuspendendo nutrientes do fundo) seguidos de períodos calmos e ensolarados. Estas condições lhes permitem otimizar a fotossíntese na superfície da água.A produção de vesículas gasosas (aerótopos) é uma importante adaptação para viabilizar a suspensão das células na água. Elas ocorrem em tricomas (como Anabaena) e colônias (Microcystis), e lhes permitem posicionar-se nas zonas mais superficiais da coluna de água, otimizando a fotossíntese, ao mesmo tempo em que podem causar o efeito de "sombreamento" das outras espécies localizadas mais abaixo e, portanto, recebendo menor intensidade luminosa para a fotossíntese. Além disso, o posicionamento próximo à superfície da água permite-lhes aumentar a assimilação de nitrogênio gasoso, uma vez que este elemento ocorre em maiores concentrações na superfície, a partir de difusão com a atmosfera. Simultaneamente, como apresentam elevada eficiência fotossintética mesmo quando submetidas á intensidade luminosa excessiva (para outras algas) várias espécies mantém ou aumentam seu crescimento, ao mesmo tempo em que a maioria da comunidade fitoplanctônica apresenta fotossíntese inibida pelo excesso de luz.A produção de bainhas ou matriz de mucilagem espessada ao redor da parede celular dificulta a manipulação e ingestão das células pelos organismos do zooplâncton, diminuindo significativamente as taxas de herbivoria. Muitas espécies nocivas como Microcystis spp, Anabaena spp. apresentam esta adaptação, além das outras citadas acima, ajudando a explicar o sucesso destas cianobactérias em reservatórios eutrofizados.

Finalmente, seria interessante perguntarmos porque as cianobactérias não ocorrem em abundância em ambientes não eutrofizados. A resposta parece simples: não há aporte suficiente de N e P suficientes para sustentar o crescimento rápido e massivo das espécies nocivas, especialmente as coloniais, que necessitam de maiores quantidades de nutrientes para otimizar a reprodução. No caso das filamentosas, com taxa de crescimento mais lenta quando comparada com outros grupos (diatomáceas, clorófitas, crisófitas, etc.), o problema se aprofunda. Em certas situações, a ausência de um micronutriente como Fe ou Mg em concentrações mínimas pode ser a causa preponderante. Obviamente, outras espécies de cianobactérias podem crescer em ambientes oligotróficos a mesotróficos, mas normalmente não são espécies nocivas. Um exemplo é a ocorrência de Cyanogranis ferruginea no Reservatório de Piraquara I, Piraquara, Paraná, a espécie mais abundante em termos de densidade celular, com pequenas dimensões (diâmetro 2µm) e organizadas em colônias esféricas de 3-

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5 células. Neste reservatório jamais se observou qualquer cianobactéria nociva em contagens com microscópio invertido, apenas no plâncton de rede, desde sua construção em 1979.

11.3. ESTUDO DE CASO NO RESERVATÓRIO DO IRAÍ

Um dos reservatórios que compõem o sistema de abastecimento da Região Metropolitana de Curitiba (RMC) é o Reservatório do Rio Iraí localizado no município de Pinhais, Paraná e responsável por cerca de 40% da água tratada para consumo. Desde o término de seu enchimento no início de 2001, o reservatório vem sofrendo processo contínuo de degradação ambiental, afetando inclusive a qualidade de suas águas (IAP, 2001, relatório não publicado). O reservatório vem apresentando sucessivas e massivas florações das microalgas cianobactérias Anabaena sp. e Microcystis sp., as quais têm comprometido seriamente a qualidade de água e resultado em elevados custos de tratamento por parte da SANEPAR, empresa responsável pelo abastecimento público na RMC. Este problema foi particularmente percebido pela população da capital durante a floração intensa ocorrida em Maio/Agosto de 2001, quando mesmo a água tratada apresentou elevadas concentrações de moléculas organolépticas (isoborneol e metil-geosmina), conferindo forte odor e sabor á água consumida. Estas florações de cianobactérias sÃo a conseqüência mais visível, e talvez mais significativa, do processo de degradação ambiental no Iraí originada das atividades antrópicas, causando a eutrofização artificial do reservatório. As algas e suas toxinas também representam mais um material orgânico que deverá ser eliminado durante o processo de tratamento de água, aumentando os custos devido à necessidade de se utilizar maior quantidade de substâncias floculantes, cloro, carvão ativado, etc., encarecendo significativamente o processo de tratamento da água (Branco, 1978 e 1984; Rebouças et al., 1999; Chorus & Bartram, 1999). Como resultado final, as taxas públicas de consumo de água tratada aumentam, prejudicando especialmente o consumidor doméstico.Um dos núcleos temáticos do Projeto Iraí foi denominado Ecologia De Cianobactérias cujos principais objetivos de investigação foram: desenvolver um estudo temporal (março de 2002 a Agosto de 2003) e nictemeral (Verão e Inverno) sobre a abundância e biomassa da comunidade fitoplanctônica em relação aos fatores abióticos no Reservatório do Iraí e; determinar os fatores ambientais que conduzem à eutrofização e proliferação massiva de cianobactérias.

O Reservatório do Iraí ocupa uma área de 15 km2, volume útil de 5,25x106 m3, comprimento de 6,45km, tempo de residência estimado em 8-13 meses e prof. média de 4,7m. As amostras foram coletadas quinzenalmente em três profundidades (sup., base da zona fótica e fundo) na área mediana da barragem (PC502), região mais profunda do reservatório e em outras estações mensalmente. Dados de temperatura, disco de Secchi, pH, oxigênio dissolvido, densidade celular, clorofila a parâmetros químicos e dados climatológicos também foram obtidos. A determinação de abundância dos grupos e espécies do fitoplâncton foi feita através de contagem em microscópio invertido. Os dados fornecidos a seguir referem-se geralmente à Estação PC 502, que representa razoavelmente bem os resultados para as outras estações. As diferenças observadas entre as estações também foram estudadas de modo a detectar os fatores envolvidos na distribuição horizontal das cianobactérias.

11.3.1. Resultados principais e Discussão

As principais cianobactérias encontradas no período analisado foram Aphanocapsa delicatissima, C. raciborskii, M. aeruginosa, Microcystis spp e Pseudanabaena mucicola (v. Pranchas de figuras). Também foram observadas concentrações elevadas de Synechococcus sp. e Synechocystis sp. Diferenças significativas de densidades dos táxons nas três profundidades foram registradas (Fig. 2). Na superfície houve concentração maior de M. aeruginosa, Microcystis panniformis, M. weisenbergii e P. mucicola. Na base da zona fótica destacaram-se as formas filamentosas, como C. raciborskii. A. delicatissima distribuiu-se por toda a coluna d’água. C. raciborskii e Microcystis spp. foram os organismos dominantes em abril, variando de 4311 à 7207inds/ml. Neste período a clorofila-a oscilou de 46,0 à 71,7 µg/l. Microcystis. spp apresentaram seu pico de abundância em dezembro com 8956 à 43183céls/ml; a clorofila de 9,2 à 25,6µg/l no mesmo período. Elakatothrix sp, Closteriopsis sp, Scenedesmus spp e Tetrastrum sp foram importantes gêneros dentre as clorófitas estando presentes em

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grande parte das amostras. Aulacoseira spp. ocorreram ao longo de todo o período, e especialmente abundantes de Junho a Agosto. Em dinófitas, Peridinium umbonatum apresentou um pico de densidade em agosto, período de inverno atípico após alguns dias sem chuva e altas temperaturas. Embora a correlação entre os valores de clorofila-a e as densidades de fitoplâncton ou cianobactérias tenha sido pequena (R2=0,488) ela foi significativa, e a comparação entre os gráficos da Figura 1 mostra que há uma coincidência de ocorrência entre estes parâmetros. Além disso, se apenas os dados com maiores valores de clorofila-a são tomados em consideração, então a correlação aumenta.A partir da Fig. 2, nota-se a sucessão entre as espécies de cianobactérias no decorrer do período estudado. O primeiro pulso de crescimento foi essencialmente dominado por Microcystis aeruginosa em Fevereiro (não representado no gráfico), quando havia maior concentração de nutrientes, especialmente fósforo. Após o consumo dos nutrientes e diminuição do aporte devido a um período menos chuvoso, C. raciborskii foi observada em elevadas densidades, quando a temperatura da água manteve-se elevada, e com baixas concentrações de P e N. A estratégia de C. raciborskii inclui a formação de heterócitos e o acúmulo em excesso de fosfato, permitindo seu crescimento em períodos em que estes nutrientes já tenham sido consumidos por outras algas no reservatório. A formação destas estruturas foi observada aproximadamente 30 dias após o crescimento intensivo, indicando que houve uma rápida absorção de N no reservatório. Provavelmente, após o consumo de P e a queda de temperatura, bem como da maior circulação do reservatório, a floração de C. raciborskii entrou em declínio.

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2001 2002 2003Fig. ?: Distribuição vertical de temperatura entre 2001 e 2003 no reservatório do Iraí. Há tendência de estratificação no verão, mas as circulações diárias e após poucos dias de estratificação são freqüentes, caracterizando o reservatório como polimítico.

Em Julho e Agosto de 2002 uma cianobactéria filamentosa foi responsável pela maior abundância. De Setembro a Fevereiro M. aeruginosa foi dominante e representou mais do que 99% do fitoplâncton. Seu crescimento foi favorecido pelo período de maior pluviosidade, carreando maior quantidade de nutrientes para o reservatório, o que favoreceu também seu rápido crescimento, ao contrário das espécies filamentosas, com crescimento mais lento. Em Janeiro e Fevereiro também observou-se um pequeno período de crescimento de A. solitaria, logo após a floração M. aeruginosa. Como os valores de P e N foram mais baixos naquele período, há a possibilidade que a presença de A. solitaria tenha sido resultante de sua capacidade de formar heterócitos e acumular P em excesso. Sempre é importante relembrar que o elevado tempo de residência no reservatório do Iraí é um fator que intensifica os processos discutidos acima, além de auxiliar na retenção das células e, em conseqüência, da abrangência geográfica e duração das florações Na Fig. 3 está mostrada a variação anual do fitoplâncton e da clorofila-a. A comunidade foi inteiramente dominada pelas cianobactérias (97,0-99,9%). Os valores de clorofila-a geralmente foram elevados, superiores a 24µg/l, caracterizando o reservatório como eutrófico na maior parte do ano, e como hipereutrófico em alguns meses, quando ocorreu intensa floração de cianobactérias.Os resultados de duas coletas foram selecionados para exemplificar a hipótese de interação entre a meteorologia e a distribuição horizontal de cianobactérias dominantes no reservatório. Na coleta de 18/03/2002, C. raciborskii distribuiu-se de modo aproximadamente homogêneo em todas as estações no reservatório (Fig. 1). Sua densidade variou de 2628 a 19565 indivíduos/ml; a clorofila-a de 19,7 a 40,6 g/l. Os ventos predominantes nos 03 dias que antecederam à coleta foram dos quadrantes N (25%), NE (21%) e E (16%); portanto, geralmente tendendo a transportar células para a barragem e/ou para sua margem esquerda. Na coleta de 07/10/2002, Microcystis spp. apresentou nítido acúmulo no

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lado esquerdo do reservatório. Sua densidade variou de 2685 a 52734 cés/ml; a clorofila-a de 29,9 a 96,4 g/l. Os ventos predominantes nos 03 dias que antecederam à coleta foram N (18%), NE (26%) e E (16%). Na Figura ??, a distribuição nas duas coletas está representada pela clorofila-a, considerando que cada uma das cianobactérias mencionadas foi responsável por 99% das densidades. Nas duas coletas a velocidade média dos ventos foi 1,9 m/s. Observações visuais da floração também evidenciaram o acúmulo na margem esquerda do reservatório. Naturalmente, nas outras coletas também foram observados acúmulos na margem direita, mas em freqüência bem inferior à da margem oposta. A modelagem da hidrodinâmica do reservatório, gerada a partir da média mensal da intensidade de vento (2,0m/s) e da freqüência da direção (dominando ventos de NE, N e E) (Fig. 2), mostrou que a distribuição horizontal das cianobactérias é significativamente influenciada pelos ventos, pois este fator incrementa o transporte de material em suspensÃo na água para a margem esquerda e a barragem do reservatório até o ponto de tomada da água (tulipa). Sua morfometria (espelho de água extenso), reduzida profundidade e situação topográfica também devem facilitar este processo advectivo. A tendência a acúmulo nas áreas próximas à barragem do reservatório foi

INSERIR AQUI A FIGURA COLORIDA. MENCIONAR QUE ELA VAI JUNTO COM AS PRanCHAS DE ESPECIES.

particularmente evidente para M. aeruginosa e Anabaena solitaria. Espécies que reduzem sua densidade, por exemplo produzindo vesículas de gás e mucilagem, para aumentar o tempo de suspensão próximo à superfície são mais facilmente transportadas e acumuladas na margem esquerda. Por outro lado, C. raciborskii, uma espécie que evita a superfície e exibe intensa migração vertical, foi menos afetada pelos ventos e hidrodinâmica, distribuindo-se de modo aproximadamente homogêneo na região lêntica, embora com concentração um pouco maior próximo à barragem. Os resultados observados em campo corroboram o modelo de circulação do reservatório desenvolvido pela equipe do Dr. Eduardo Gobbi (v. Capítulo ??). Um próximo passo seria investigar a hidrodinâmica “in situ” do reservatório e sua influência real sobre a distribuição horizontal das cianobactérias tóxicas, de modo a ratificar as observações mencionadas acima.

11.3.2. Causas das florações no Reservatório do Iraí

A partir dos resultados encontrados, e incorporando as informações geradas pelas outras equipes científicas do Projeto Iraí, os fatores ambientais potencialmente responsáveis pela sucessão e crescimento intensivo das cianobactérias são mostrados no Quadro 11.2.

Quadro 11.2. Fatores causais do crescimento intensivo de cianobactérias no Reservatório do Iraí. a. elevado aporte de nutrientes no início da primavera e verão, resultantes de efluentes domésticos e carreados

pelas chuvas, favorecendo M. aeruginosa, com taxa de crescimento maior do que as espécies filamentosas; b. temperatura elevada no final do verão simultânea à depleção de nutrientes devido ao consumo por

Microcystis, favorecendo C. raciborskii e A. solitaria, mas não Microcystis spp; c. auto-regulação pelas próprias espécies dominantes, ou seja, quando uma espécie de rápido crescimento

(como Microcystis) consome os nutrientes nos períodos de maior concentração, ocorre sua redução em abundância, cedendo espaço para espécies filamentosas com estratégia de assimilação de N gasoso por meio de heterócitos, e que exibem fisiologia tipo consumo em excesso de P. Estas estratégias também são dependentes dos fatores ambientais descritos acima.

d. Influência da climatologia regional sobre a sucessão das cianobactérias; por exemplo, quando as freqüentes entradas de frentes frias influenciavam a região, as concentrações de clorofila-a e de cianobactérias reduziam, paralelamente ao aumento de diatomáceas, mais adaptadas às baixas temperaturas e menores intensidades luminosas, especialmente no Outono e Inverno;

e. Aporte regular de nutrientes em concentrações que permitem o desenvolvimento de florações (e manutenção de clorofila >20µg/L) em quase todos os meses do ano, restringindo em parte a magnitude do efeito de fatores climatológicos sobre as cianobactérias;

f. acúmulo de células nas margens a partir da interação entre a circulação atmosférica e a água e, portanto, intensificação dos parâmetros de biomassa algal (abundância e clorofila-a), causando um efeito de floração em determinadas áreas ainda maior do que aquelas observadas no restante do reservatório.

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g. O reservatório apresenta profundidade média reduzida (4 metros), particularmente quando comparada à sua área superficial, cujo espelho de água é extenso (v. Figura ??), gerando uma relação superfície/volume muito elevada, especialmente quando comparada à outros reservatórios. Esta característica morfométrica facilita a ressuspensão dos nutrientes do fundo, bem como aumenta a área disponível para fotossíntese do fitoplâncton no reservatório. Adicionalmente, há extensas áreas inundadas muito rasas (< 1 metro de profundidade), facilitando a troca de nutrientes entre o sedimento e a água e contato destas substâncias com as algas, promovendo ainda mais seu crescimento. Finalmente, o tempo de residência do reservatório é longo (8-14 meses), causando a maior retenção dos nutrientes e das algas, impedindo portanto a renovação das águas e sua substituição por águas com melhores qualidades física e química.

Evidentemente, é preciso levar em consideração que o reservatório do Iraí entrou em funcionamento apenas recentemente (Janeiro de 2001) e, portanto, a comunidade fitoplanctônica está em processo de adaptação às suas condições ambientais. E estas mesmas condições ainda não apresentam um ciclo anual “estável”, o que certamente traz conseqüências para a sucessão sazonal das espécies. Uma evidência disto é a ocorrência de floração intensa de A. solitaria de Julho a Setembro de 2001, e seu desaparecimento posterior, sendo substituída por M. aeruginosa e C. raciborskii. Apenas em Janeiro e Fevereiro de 2003, A. solitaria ocorreu em densidades um pouco mais elevadas. Por outro lado, o excessivo aporte de nutrientes, as características morfométricas do reservatório e a presença de espécies com estratégias típicas de águas eutrofizadas permitem prever que as cianobactérias nocivas serão o grupo dominante após a “estabilização ambiental” do reservatório Iraí, como tem acontecido em outros reservatórios do Brasil.

11.3.3. Implicações para o manejo do reservatório do Iraí

A partir dos resultados obtidos algumas aplicações práticas podem ser implementadas ou estudadas mais profundamente em projetos futuros:

O planejamento amostral do monitoramento de cianobactérias pela SANEPAR e órgãos de fiscalização deve levar em conta a distribuição horizontal e a migração vertical das espécies-alvo (incrementando a portaria GM 518, Março de 2004);

A periodicidade amostral deve adaptar-se à dinâmica de crescimento das cianobactérias: intervalo máximo de 15 dias, e de até 05 dias em períodos de florações mais intensas;

Iniciar o monitoramento de P e N (total) e clorofila-a para futuras ações de manejo, etc., e dentro dos limites de detecção “desejáveis” para algas;

Aprofundamento e validação dos níveis de alerta, discutidos no Capítulo ??; Testar a eficiência do manejo das comportas da barragem em relação à altura de tomada de água

dependendo da espécie causadora de floração; Verificar a possibilidade de redução do tempo de residência no reservatório em períodos de maior

pluviosidade; Dar continuidade e estabelecer parcerias para apoios financeiro e logístico a projetos com foco bem

definido em eutrofização como cultivos algais p/ determinação dos “gatilhos” ambientais e de toxicidade das cepas, validação dos modelos de hidrodinâmica e interação com as florações, estimativas das cargas de nutrientes (P e N) no reservatório e sua relação com a produtividade primária, clorofila-a e abundância de espécies-alvo de cianobactérias, etc.

11.4. CIANOTOXINAS

11.4.1. Conceitos Gerais

As cianotoxinas são substâncias produzidas pelas cianobactérias. A razão da sua síntese ainda não esta esclarecida, mas sugere-se que seja para minimizar o efeito da herbivoria, como acontece com os vegetais superiores.

O mau uso dos recursos hídricos tem causado o crescimento intensivo das cianobactérias.Muitos eventos relacionados à intoxicação de organismos animais em decorrência das cianobactérias foram relacionados cronologicamente no Guia da A.W.W.A Cyanobacterial Blue-Green Algae, 1995. Neste

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estudo são relatados casos de intoxicações por cianotoxinas desde 1878 até 1991. Foram 94 casos descritos de intoxicações de animais domésticos, rurais e selvagens, nos seguintes países: Austrália, USA, Canada, Finlândia, USSR, S. África, Bermuda, Nova Zelândia, Inglaterra, Argentina, França, Escócia e Alemanha. Este estudo nos mostra que não são raros os eventos tóxicos e cada vez mais casos de intoxicações vem sendo relacionados a presença de toxinas no meio ambiente, como por exemplo a síndrome de Caruaru, como ficou conhecida a morte de 52 pacientes com sintomas de hepatotoxicose aguda causada por microcistinas em Caruaru- Pe Brasil (Azevedo, 1996). Alguns casos de presenças de cianotoxinas no estado do Paraná serão relatados neste capítulo.As Cianotoxinas são divididas de acordo como os seus mecanismos de ação em três grupos: Neurotoxinas, Hepatotoxinas e Dermatotóxicos.

Fig. ??: Estrutura química das toxinas de cianobactérias mais comuns (de Kaebernick & Neilan, 2001, FEMS Microbiol. Ecol. 35:1-9)

11.4.2. Cianotoxinas quanto aos modos de ação

Neurotoxinas: atuam no sistema nervoso e estão descritos três tipos: Anatoxina-a, Anatoxina-a(s) e Saxitoxinas.

Anatoxina-a : É um alcalóide neurotóxico que age como um potente bloqueador neuromuscular pós – sináptico de receptores nicotínicos e colinérgicos. A anatoxina-a liga-se irreversivelmente a receptores de acetilcolina, que é degradada pela acetilcolinesterase. A DL 50 por injeção intraperitonial (i.p.) em camundongos, para a toxina purificada, é de 200 µg/Kg de peso corpóreo, com um tempo de sobrevivência de 1 a 20 minutos(Carmichael, 1992; Falconer, 1998).Os sinais de envenenamento por esta toxina em animais selvagens e domésticos incluem: desequilíbrio, fasciculação muscular, respiração ofegante e convulsões. A morte é devida a parada respiratória e ocorre de poucos minutos a poucas horas, dependendo da dosagem e consumo prévio de alimento. Doses orais produzem letalidade aguda em concentrações maiores, mais a toxicidade das células mesmo assim é alta o suficiente para que os animais precisem ingerir de poucos mililitros a

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poucos litros de água da superfície das florações para receber uma dose letal (Carmichael, 1994). Não existem ocorrências determinadas destas toxinas em florações no País.

Anatoxina-a(s): é um organofosforado natural (N-hidroxiguanidina fosfato de metila) e tem um mecanismo de ação semelhante a Anatoxina-a, pois inibe a ação da Acetilcolinesterase, impedindo a degradação da Acetilcolina ligada aos receptores. Devido a intensa salivação observada em animais intoxicados por esta Neurotoxina, ela foi denominada Anatoxina-a(S) . A DL50(i.p.) em camundongos é de 20 µg/Kg de peso corpóreo e, portanto, dez vezes mais potente que a Anatoxina-a, porém não há registro de intoxicação humana por esta toxina. Devido a pouca ocorrência deste tipo de neurotoxina, ainda não foi estabelecido um limite máximo aceitável para consumo oral humano (Carmichael,1994; Falconer, 1998). Devido a falta de métodos analíticos precisos e de padrões de referência para toxina utiliza-se o método de inibição enzimática da acetilcolinesterase (AChE ), para estimar a sua presença em floração de cianobactérias (Monserrat et al, 2001). Para o estado do Paraná detectou-se 5,11% de inibição da acetilcolinesterase em amostras contendo Anabaena spiroides na represa de Alagados em Ponta Grossa no ano de 2000 (Yunes et al 2003).

Saxitoxinas: São um grupo de Neurotoxinas conhecido popularmente como “venenos paralisantes de mariscos”, ou PSPs, que foram primeiramente isoladas de dinoflagelados marinhos, responsáveis pela ocorrência de marés vermelhas. Estas neurotoxinas são um grupo de alcalóides carbamatos que podem ser não sulfatados (Saxitoxinas e NEO), com um único grupamento sulfato (G- toxinas) ou com dois grupamentos sulfatos (C-toxinas). Além dessas, estruturas com grupamentos decarbamoil (dcSTX ou dcGTX) e novas toxinas relacionadas têm sido recentemente isoladas (tabela 1). A toxicidade desse grupo de alcalóides varia, sendo a Saxitoxina a mais potente. A DL50(ip) em camundongos para Saxitoxina purificada é de 10 µg/Kg de peso corpóreo, enquanto que por consumo oral a DL50 é de 263,0 µg/Kg de peso corpóreo (Chorus e Barthram, 1999). As saxitoxinas inibem a condução nervosa por bloqueamento dos canais de sódio, afetando ou a permeabilidade ao potássio ou a resistência das membranas. Os sinais clínicos de intoxicação humana incluem tontura, adormecimento da boca e de extremidades, fraqueza muscular, náusea, vômito, sede e taquicardia. Os sintomas podem começar 5 minutos após a ingestão e a morte pode ocorrer entre 2 a 12 horas. Em casos de intoxicação com dose não letal, geralmente os sintomas desaparecem de 1 a 6 dias (Carmichael,1994). Entretanto, não se tem conhecimento de efeitos crônicos por falta de estudos de longa duração com animais.Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) considere que ainda não há dados suficientes para o estabelecimento de um limite de concentração máximo aceitável para as Saxitoxinas em água potável (Chorus e Bartram, 1999), uma análise dos dados de eventos de intoxicação humanas demonstra que a maioria dos casos esteve associada ao consumo de aproximadamente 200 µg de Saxitoxinas (STX) por pessoa. Baseado nesses dados e considerando 60 Kg como peso corpóreo, 2 L de água como consumo diário e fatores de incerteza para variações entre espécies distintas e entre organismos da mesma espécie, Fitzgerald et al.(1999) propuseram 3 µg/l como limite máximo aceitável de Saxitoxinas em água para consumo humano. Este limite já foi adotado por autoridades de saúde do Brasil em portaria recente do Ministério da Saúde(www.funasa.org.br). No Brasil, a análise desse grupo de neurotoxinas em amostras de água para consumo humano está se tornando de extrema importância, visto que em vários mananciais de abastecimento, desde a região nordeste até a região sul do país, um grande número de ocorrências de cepas do gênero Cylindrospermopsis produtoras de neurotoxinas tem sido registradas (Azevedo, 2003 manual para o curso de Ecotoxicologia de Cianobactérias e qualidade de água). Em muitos reservatórios, inclusive alguns recém-construídos, este gênero já é dominante, atingindo um número de células muito acima dos limites máximos aceitáveis para não conferir risco para a saúde humana, de acordo com o proposto por Chorus e Bartram (1999).

Tabela 1: Tipos de saxitoxinas já caracterizadas a partir de diferentes cepas de Cianobactérias, de acordo com Chorus e Barthram, (1999).NOME DA TOXINA

GRUPOS QUÍMICOS VARIÁVEIS NAS SAXITOXINASR1 R2 R3 R4 R5

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STX H H H CONH2 OHGTX2 H H OSO3

- CONH2 OHGTX3 H OSO3

- H CONH2 OHGTX5 H H H CONHSO3

- OHC1 H H OSO3

- CONHSO3- OH

C2 H OSO3- H CONHSO3

- OHNEO OH H H CONH2 OHGTX1 OH H OSO3

- CONH2 OHGTX4 OH OSO3

- H CONH2 OHGTX6 OH H H CONHSO3

- OHDcSTX H H H H OHDcGTX2 H H OSO3

- H OHDcGTX3 H OSO3

- H H OHLWTX1 H OSO3

- H COCH3 HLWTX2 H OSO3

- H COCH3 OHLWTX3 H H OSO3

- COCH3 OHLWTX4 H H H H HLWTX5 H H H COCH3 OHLWTX6 H H H COCH3 HLegenda:STX: Saxitoxina dcSTX: decarbamoilsaxitoxinasGTX: Goniautoxinas dcGTX: decarbamoigoniautoxinasC:C – Toxinas LWTX: toxinas de Lyngbya wolleiNEO: Neosaxitoxina

11.4.3. Ocorrências Saxitoxinas no Paraná

No estado do Paraná registrou-se a presença de cianobactérias produtoras de Saxitoxinas em dois mananciais de abastecimento público ( tabela 2).

Tabela 2: Ocorrências de Saxitoxinas( STX, NEO, GTX1, GTX2, GTX3,GTX4) em µg/l, nos reservatórios com predominância de cianobacterias no Paraná, entre 2002 a 2004.

Local Datas de Coletas:02/06/02 17/06/02 06/01/03 24/02/03 01/12/03

Represa Alagados, Ponta Grossa

4,95 (STX) 76,7 (STX) 92,6 (NEO)470,3 (GTX1) 5,3 (GTX2)

0,2 (STX)1,9 (NEO)0,1 (GTX3)0,1 (GTX4)

0,9 (STX)1,3 (NEO)0,2 (GTX2)0,1 (GTX3)0,2 (GTX4)

Represa Iraí, Curitiba 11,6 (GTX3)2,3 (GTX4)

A floração de Cylindrospermopsis em Alagados (Ponta Grossa), indicou a presença de pelo menos cinco Saxitoxinas ao longo dos anos de 2002 e 2003, confirmando o potencial neurotóxico daquelas florações e sua dominância ao longo do tempo e no ambiente.

Em outro episódio tóxico na Represa do Irai, em uma floração de predominância de Cianobactérias da ordem Nostocales, identificou-se a presença de pelo menos duas neurotoxinas, entretanto isto foi um evento único, sem repetição ate o presente momento.

11.4.4. Hepatotoxinas

A intoxicação por hepatotoxinas apresenta uma ação mais lenta, podendo causar morte num intervalo de poucas horas a poucos dias. As espécies já identificadas como produtoras dessas hepatotoxinas

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estão incluídas nos gêneros Microcystis, Anabaena, Nodularia, Oscillatoria, Nostoc e Cylindrospermopsis (Carmichael, 1994).

As hepatotoxinas peptídicas já caracterizadas são heptapeptídeos cíclicos conhecidos como microcistinas e os pentapeptídeos designados como nodularinas. A toxicidade dessas microcistinas em animais de laboratório apresenta DL50 (i.p.) entre 25 e 150 µg/Kg de peso corpóreo e entre 5.000 a 10.900 µg/Kg de peso corpóreo por administração oral (Chorus e Bartram,1999).

As nodularinas foram primeiramente identificadas na espécie Nodularia spumigena (Sivonen et al., 1989), e atualmente são conhecidas oito nodularinas distintas, classificadas de acordo com as variações no grau de metilação, composição e isomerização de seus aminoácidos. A DL50(i.p.) em camundongos varia entre 50 a 200 µg/Kg de peso corpóreo (Rinehart et al.,1994). As hepatotoxinas chegam aos hepatócitos por meio de receptores dos ácidos biliares (Runnegar et al. 1981; Erikson et al., 1990; Falconer, 1991) e promovem uma desorganização do citoesqueleto dos hepatócitos. Como conseqüência, o fígado perde sua arquitetura e desenvolve graves lesões internas. A perda de contato entre as células cria espaços internos que são preenchidos pelo sangue que passa a fluir dos capilares para esses locais, provocando uma hemorragia intra-hepática (Hooser et al.1991; Carmichael, 1994: Lambert et al.,1994). A toxicidade dessas microcistinas em animais de laboratório apresenta DL50(i.p.) entre 25 e 150 µg/Kg de peso corpóreo e entre 5.000 e 10.900 µg/Kg de peso corpóreo por administração oral (Chorus e Bartram, 1999).

11.4.4.a Ocorrências de Microcistinas em mananciais do estado do Paraná.

Os mananciais de abastecimento da região metropolitana de Curitiba são os mais impactados pela presença de espécies de cianobactérias produtoras de hepatoxinas (tabela 2).

Tabela 2. Ocorrência de Microcistinas em µg/L, em mananciais e estações de tratamento no estado do Paraná.

Local: DATAS DE COLETAS25/10/01 03/05/02 04/08/03 23/09/03 09/02/04 01/03/04

Represa IraíCuritiba

> 10.000 2094 2146 87,1 226

ETA IraíIn-Natura

1,1 7,9 5,8

ETA IraíTratada

0,1 0,04 0,1 0,1 0,07

ETA IguaçuTratada

0,11 0,05 0,05 0,06 0,08

ETA TarumãTratada

0,06 0,05 0,08 0,03 0,06

O maior episódio tóxico com Microcystis ocorreu no ano de 2001, tendo se repetido com menor intensidade nos anos subseqüentes, até 2004. Os pontos especificados na tabela como represa do Irai e ETA Irai, são respectivamente na Barragem e no canal de captação da água. Este último recebe diluição de água do rio Iraizinho, o que justifica os valores menores na ETA Irai. Pelos valores das amostras tratadas se verifica uma eficiência na remoção de toxinas pelos processos das ETAS.

11.5. AS CIANOTOXINAS E SUAS IMPLICAÇÕES

As cianotoxinas possuem características próprias quanto à sua forma de ação e doses letais, as quais variam de acordo com o gênero de cianobactéria , conforme listados na tabela 3.

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Tabela 3. Cianotoxinas e as suas implicações. Chorus e Bartham,1999.

*:Port. 518 Min. da Saúde.

11.6. REMOÇÃO DE CIANOTOXINAS NO PROCESSO DE TRATAMENTO CONVENCIONAL DE ÁGUA DE MANANCIAIS

A experiência da Sanepar em tratar águas de mananciais impactados por cianobactérias no estado do Paraná tem demonstrado que a intensidade das florações (n.º de cels/ml) é um parâmetro decisivo para a introdução de intervenções corretivas e preventivas no processo convencional. Nestes aspectos tem-se seguido os critérios definidos na portaria 518 do Ministério da Saúde, e o nível de 20.000 cels/ml de cianobactérias tem sido um patamar adotado com sucesso. Medidas corretivas como adição de carvão ativado no pré-tratamento, novos floculantes e flotação tem sido procedimentos adotados efetivamente pela empresa.

11.7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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Grupo de toxinas Órgão Alvo

Principais Sintomas Dose Letal Oral

Dose LetalInjetável DL50 (i.p.)

Limite Máximo aceitável *

Gêneros

Microcistina Fígado Desorganização do citoesqueleto dos hepatócitos, hemorragia Intra-hepática.

5.000 a 10.900 µg/Kg

25 a 150 µg/Kg 1 µg/L Microcystis, Anabaena, Planktothrix (Oscillatoria),Nostoc, Hapalosiphon, Anabaenopsis, Aphanocapsa

Nodularinas Fígado Inibidores das proteínas fosfatases, tumores hepáticos

50 a 200 µg/KgNodularia

Anatoxina-a Sinapse Nervosa

Desequilíbrio, Fasciculação muscular, respiração ofegante, convulsões, parada respiratória.

200 µg/Kg Anabaena, Planktothrix(Oscillatoria),Aphanizomenon

Anatoxina-a(s) Sinapse Nervosa

Os mesmos que a Anatoxina-a, porém com intensa salivação.

20 µg/KgAnabaena

Aplisiatoxinas pele Lyngbya, Schizothrix, Planktothrix (Oscillatoria)

Cilindrospermopsinas Fígado Ação lenta de 5 a 7 dias, no bioensaio com camundongos o fígado se torna de cor amarelada.

6 mg/Kg Para 5 dias0,2mg/Kg.Para 24 horas é de 2,0 mg/Kg.

Cylindrospermopsis,Aphanizomenon, Umezakia

Lingbiatoxinas Pele, Ap. digestivo

Irritação da pele e das mucosas.

Lyngbya

Saxitoxinas(Conhecida como PSP)

Axônios Nervosos

Bloqueiam os canais de sódio, das células nervosas, tonturas, adormecimento da boca e de extremidades, fraqueza muscular, Náusea, vômito, sede e taquicardia.

263 µg/Kg 10 µg/Kg 3µg/L

Lipopolissacarídeos (LPS)

Pele Irritantes em potencial afetam qualquer tecido exposto

Todos

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AGRADECIMENTO

EXPLICAR O QUE é DL, o que é i.p, in natura, tratada, ETAHá vários erros nas referencias: verificarIncluir figuras da estrutura molecular das cianotoxinas mais importantes.Na Tabela 3, para saxitoxinas há um valor 3µg que está na lista de gêneros.

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