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1 Iniciaremos o estudo do direito urbanístico fornecendo uma base conceitual relevante. Em primeiro lugar, temos alguns conceitos básicos de direito urbanís- tico relacionados à disciplina que são muito importantes. 1.1 BASE CONSTITUCIONAL O Direito Urbanístico, após a vigência da Cons- tituição de 1988, passou a ter uma base no Texto Maior, em vários dispositivos. Nas Constituições anteriores, essa previsão era muito tímida, se é que existente. Essa disciplina passou a ter a sua autonomia e a ser tratada pela Constituição a partir e 1988. Temos dispositivos relativos à competência, algumas inovações em matéria urbanística. É a partir disso que toda a legislação passou a regulamentar esses dispositivos constitucionais. 1.2 ESTATUTO DA CIDADE COMO LEI REGULAMENTADORA O Estatuto da Cidade é a mais importante lei regulamentadora do Direito Urbanístico. É o diploma que regulamenta os dispositivos específicos (arts. 182 e 183, CF). O Estatuto da Cidade deve ser pensado dentro do contexto constitucional: a partir da Constituição é que se regulamenta o Direito Urbanístico. 1.3 FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TRÊS NÍVEIS E REGIÕES METROPOLITANAS A partir de 1988, o Município foi consagrado a entidade federativa. Esse município tem suas competências específicas. Mais do que isso, a partir da CF e das leis infraconstitucionais, pas- sou-se a perceber uma regulamentação das regiões metropolitanas. Assim, temos um Federalismo complexo. Isso porque, além de União, Estados e Municípios, temos as regiões metropolitanas, que são bastante regulamentadas por essas novas legislações e trazem uma complexidade maior à Federação, que é relevante para o entendimento dos regramentos de Direito Urbanístico. O Direito Urbanístico pertence a todas essas esferas de Federação. É passível de atuação e de regulamenta- ção também das regiões metropolitanas. 1.4 POSSE E PROPRIEDADE A CF/88 traz também, como marco, algumas distinções referentes aos conceitos de posse e propriedade. Tradicionalmente, os conceitos de posse e propriedade eram conceitos do Direito Civil, necessariamente. Com o advento do atual ordenamento constitucional e da consagração do princípio da função social da propriedade, temos a função social da propriedade urbana, aplicável ao Direito Urbanístico. Isso faz com que a Constituição traga uma nova ideia de propriedade, não tão amarrada, como tínhamos no ordenamento constitucional anterior.

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Iniciaremos o estudo do direito urbanístico fornecendo uma base conceitual relevante. Em primeiro lugar, temos alguns conceitos básicos de direito urbanís-tico relacionados à disciplina que são muito importantes.

1.1 BASE CONSTITUCIONAL

O Direito Urbanístico, após a vigência da Cons-tituição de 1988, passou a ter uma base no Texto Maior, em vários dispositivos. Nas Constituições anteriores, essa previsão era muito tímida, se é que existente. Essa disciplina passou a ter a sua autonomia e a ser tratada pela Constituição a partir e 1988. Temos dispositivos relativos à competência, algumas inovações em matéria urbanística. É a partir disso que toda a legislação passou a regulamentar esses dispositivos constitucionais.

1.2 ESTATUTO DA CIDADE COMO LEI REGULAMENTADORA

O Estatuto da Cidade é a mais importante lei regulamentadora do Direito Urbanístico. É o diploma que regulamenta os dispositivos específicos (arts. 182 e 183, CF). O Estatuto da Cidade deve ser pensado dentro do contexto constitucional: a partir da Constituição é que se regulamenta o Direito Urbanístico.

1.3 FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TRÊS NÍVEIS E REGIÕES METROPOLITANAS

A partir de 1988, o Município foi consagrado a entidade federativa. Esse município tem suas competências específicas. Mais do que isso, a partir da CF e das leis infraconstitucionais, pas-sou-se a perceber uma regulamentação das regiões metropolitanas. Assim, temos um Federalismo complexo. Isso porque, além de União, Estados e Municípios, temos as regiões metropolitanas, que são bastante regulamentadas por essas novas legislações e trazem uma complexidade maior à Federação, que é relevante para o entendimento dos regramentos de Direito Urbanístico. O Direito Urbanístico pertence a todas essas esferas de Federação. É passível de atuação e de regulamenta-ção também das regiões metropolitanas.

1.4 POSSE E PROPRIEDADE

A CF/88 traz também, como marco, algumas distinções referentes aos conceitos de posse e propriedade. Tradicionalmente, os conceitos de posse e propriedade eram conceitos do Direito Civil, necessariamente. Com o advento do atual ordenamento constitucional e da consagração do princípio da função social da propriedade, temos a função social da propriedade urbana, aplicável ao Direito Urbanístico. Isso faz com que a Constituição traga uma nova ideia de propriedade, não tão amarrada, como tínhamos no ordenamento constitucional anterior.

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1.5 PROPRIEDADE – DEPENDE DE REGISTRO NO REGISTRO DE IMÓVEIS – DOCUMENTO DE TRANSCRIÇÃO OU MATRÍCULA

É importantíssimo, para o estudo do Direito Urbanístico, entender o contexto no qual as suas leis regentes foram criadas. Referido contexto é posterior à vigência da Constituição atual e tem como norte a ideia de que a propriedade não é absoluta, superando, assim, o conceito tradi-cional da matéria.

A regularização da propriedade diante da posse (transformação da posse em propriedade, pela regularização de uma propriedade separada da posse), baseada no princípio da função social da propriedade urbana e rural, faz essa transformação do conceito de propriedade.

1.6 PARCELAMENTO DO SOLO URBANO POR LOTEAMENTO SEGUNDO A LEI 6.766/79

O Parcelamento é geral e as espécies são loteamento e desmembramento. Nessa ideia, para o estudo do Direito Urbanístico, temos 2 marcos:

- Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/79): trata do parcelamento, em geral, especialmente do loteamento e desmembramento, que são formas de parcelamento, de modo bastante rígido. Esse diploma foca sua atenção na organização da cidade antes de uma gleba ser habitada. Assim, essa legislação traz a ideia de que temos uma cidade com glebas vazias, que serão urbanizadas e, posteriormente, habitadas.

- Constituição de 1988: percebeu que a cidade é formada por glebas, por regiões que já estão ocupadas, muitas vezes, de forma irregular, nos termos da Lei nº 6.766/79 e das demais leis. A preocupação da CF/88 é, justamente, regularizar ou criar mecanismos para que a cidade, que era informal, passe a ser formalizada (regular, regulamentada, no senti-do que a propriedade e os equipamentos urbanos possam pertencer a todos na cidade). Isso está muito ligado ao princípio democrático, que está na Constituição, e ao direito fundamental à cidade, que impõe que todos os habitantes possam ter direitos a viver dig-namente na cidade (fulcro no princípio da dignidade humana). Essas questões não são meramente ideológicas, mas sim, abraçadas pelo texto constitucional.

Portanto, percebemos, na legislação, 2 linhas fundamentais: (i) aquela editada anterior-mente à CF/88, principalmente a lei nº 6.766/79, que trata de organizar a cidade antes de sua ocu-pação, principalmente; (ii) aquela editada após a CF/88, que busca criar mecanismos para que a cidade que já existe possa ser regulamentada, no local em que está, principalmente no que tange aos instrumentos e aos limites dessa regularização.

Existem 3 espécies de loteamentos que podem ser objeto de regularização fundiária:

- Por ocupação (também chamada ocupação autoproduzida ou invasão): ocorre quando as pessoas ocupam espaços públicos. Já está organizada ocupação. As pessoas têm a posse, mas não tiveram permissão do proprietário. É importante referir que não se veda, de to-

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do, que as ocupações sejam regularizadas – toda a legislação traz essa possibilidade. No entanto, sua efetivação prática é hipótese muito rara, de mais difícil ocorrência que a re-gularização de loteamentos clandestinos, por exemplo;

- Clandestino: há a figura de um loteador (proprietário ou não da gleba) que parcela e vende os lotes sem qualquer aprovação administrativa ou registral. Nesses casos, o lotea-mento clandestino, juridicamente, não existe. Mas, nesse caso, ao contrário do anterior, as pessoas pagam pela posse, muitos imaginando que estão comprando a propriedade – enquanto que, juridicamente, há, no máximo, a transmissão de posse;

- Irregular: há início de Projeto do Loteamento, muitas vezes aprovado na Prefeitura, mas não levado a Registro, ou, se levado a registro, com impugnações não sanadas. Em outras palavras, os proprietários ou loteadores jamais resolvem a situação. Pode acontecer, in-clusive, quando há esse início de Projeto de Loteamento e ele é enviado para aprovação na prefeitura, sendo aprovado, mas transcorrido o prazo inicialmente concedido para que fosse levado a registro. A grande diferença é que, no loteamento irregular, temos uma e-fetiva separação dos lotes menores. Já no loteamento clandestino, esses lotes são separa-dos pela vontade do proprietário ou do loteador – assim, não necessariamente seguem regras de tamanho mínimo, de acesso a vias, etc. Evidentemente, nesse último caso, a re-gularização é muito mais difícil.

2.1 OBJETIVOS DA REGULARIZAÇÃO

A partir da constatação da existência de loteamentos que não coadunam com os padrões legais, podemos destacar 2 tipos de regularização que devem ser feitas:

- Regularização registral: significa legitimar a posse das pessoas que lá estão ou a própria propriedade no Registro de Imóveis. Em nenhuma das espécies de loteamento que abor-damos (por ocupação, clandestino, irregular) existe regularização registral.

- Regularização urbanística: é a regularização no sentido de fornecimento de equipamen-tos urbanos necessários: arruamento cadastrado, sistema de coleta de esgoto cloacal e pluvial, abastecimento de água, abastecimento de energia elétrica e iluminação pública (acesso à educação, transporte, saúde e outros).

Em síntese, existem essas 2 matérias para regularização. Segundo a legislação, tanto a regularização registral quanto a urbanística são de responsabilidade do loteador. A legislação re-gente prevê que o responsável pela regularização registral, isto é, transferir a propriedade em lotes matriculados individualmente e o responsável pela regularização urbanística não é o município, a despeito do senso comum.

O que acontece é que, muitas vezes, especialmente quando se trata de ocupação, de loteamento irregular ou clandestino, o loteador não fornece – e, a partir daí, é criada uma situação: as pessoas estão lá residindo, não possuem equipamentos urbanísticos, cuja responsabilidade do fornecimento seria do loteador.

Em geral, o município, como titular da ação civil pública (nesse caso, o ente federativo pode tam-bém tomar providências para que ocorra a persecução penal, pois o descumprimento dessas regras urbanísticas é crime), tenta compelir o loteador, por via judicial, a fornecer a infraestrutura faltan-te, tal qual o fornecimento de água, energia elétrica, etc. Caso o Poder Judiciário condene o lotea-dor a realizar essas obras (e a jurisprudência majoritária é nesse sentido), se o loteador não tomar providências – e isso é muito comum, na prática –, em geral, o Município é subsidiariamente res-ponsável.

Daí porque o Município, dentro das regras orçamentárias possíveis e de um sistema participativo outorga e vai considerando essas obras públicas, em diversas regiões da cidade. A despeito disso, a

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primeira responsabilidade, pela lei nº 6.766/79, é do loteador. Assim, o conceito de regularização vai muito além de entregar a propriedade e registrar o projeto aprovado no Registro de Imóveis, mas também não significa somente que devam ser realizadas obras para a montagem de equipa-mentos urbanísticos. Essas duas situações devem ser verificadas concomitantemente, para que se possa falar em regularização.

2.2 INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNIDÁRIA

Na abordagem desse tópico, é importante relembrar que o norte da legislação urbanística pós-Constituição é a regularização da cidade que já existe. Tivemos um auge da legislação nesse sentido. Diante de perspectivas bem mais recentes, se está iniciando uma revisão de algumas des-sas leis que serão tratadas.

Assim, nessa linha, podemos destacar 4 instrumentos relevantes para a realização da regularização fundiária:

- A usucapião especial de imóvel urbano;

- A usucapião especial coletiva de imóvel urbano;

- A concessão especial para fins de moradia;

- Lei nº 11.977/09 (Minha Casa, Minha Vida).

3.1 COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOÇÃO DE COMPE-TÊNCIAS NAS ESFERAS FEDERATIVAS, PRIVATIVA, RESIDUAL E CONCORRENTE

Temos alguns dispositivos constitucionais que são a base do Direito Urbanístico, no que se refere a competências:

Competência Material Privativa da União: Art. 21. Compete à União: (...) XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; Competência Legislativa Concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente so-bre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

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- Direito Urbanístico é competência tanto da União quanto dos Estados e Distrito Federal

Competência Exclusiva dos Estados em relação às regiões metropolitanas Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, ob-servados os princípios desta Constituição. (...) § 3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, a-glomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítro-fes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de inte-resse comum. Competência dos Municípios Art. 30. Compete aos Municípios: (...) VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

Podemos perceber, por meio da leitura desses dispositivos, a complexidade, em relação à competência, da disciplina de Direito Urbanístico. Há competências relativas ao tema que são da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Evidentemente que as normas editadas pela União têm caráter mais geral; as dos Estados, referência às regiões metropolitanas e, final-mente, em relação aos Municípios, além de eventual matéria relacionada ao interesse local (art. 30, I, CF), a de promover o adequado ordenamento territorial em seu solo.

3.2 NOVO PARADIGMA DE SEGURANÇA

Houve uma alteração legislativa significativa, que representa uma verdadeira mudança de paradigmas no Direito Urbanístico. O art. 144, CF, relativo à segurança pública, passou a integrar o Direito Urbanístico.

A segurança como integrante do Direito Urbanístico, de acordo com o art. 144, § 10, CF:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é e-xercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimô-nio, através dos seguintes órgãos: (...) § 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas: I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei.

O inc. I do referido dispositivo traz uma ligação importante com o Direito Urbanístico. Isso porque a mobilidade urbana – e, aqui, uma ligação com a adjetivação de eficiente – integra a ideia de direito urbanístico. Assim, o direito urbanístico, hoje, contém as disposições relativas à mobili-dade urbana, que está inserida nas questões de educação, engenharia e fiscalização de trânsito que, por sua vez, está ligada à ideia de segurança viária – sendo essa última inserida na ideia de segurança pública. A segurança pública é muito ampla. Inclui a segurança viária, que inclui a engenharia de trânsito. Essa última inclui a mobilidade urbana dentro da cidade. Assim, conclui-se que teremos segurança pública se as pessoas, na cidade, puderem se locomover e puderem ter mobilidade efici-ente. O sentido é bastante amplo: transportes alternativos, trajetos a pé, etc. E isso compete a Estados, Distrito Federal e Municípios.

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3.3 DA POLÍTICA URBANA NA CONSTITUIÇÃO

O art. 182, CF trata especificamente acerca da política urbana:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expan-são urbana. § 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências funda-mentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, su-cessivamente, de: I - Parcelamento ou edificação compulsórios; II - Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - Desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previa-mente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

É necessário atentar a algumas questões importantes. A Constituição exige que todas as cidades que suplantem o número de 20 mil habitantes tenham, aprovado pela Câmara Municipal, seu Plano Diretor. No âmbito legal, no Estatuto das Cidades, há outros casos em que se torna obri-gatório o Plano Diretor. Além disso, o art. 182, CF ainda trata da propriedade urbana e de sua função social. O conceito constitucional de função social não está relacionado apenas àquilo que a doutrina refere. Temos um conceito legalista de função social, que diz que ela existe quando são atendidas as exi-gências fundamentais da ordenação da cidade expressas no Plano Diretor. Assim, a propriedade urbana atende à função social quando ela atende às regras do Plano Diretor. Do contrário, não estará cumprindo a função social. Daí a importância que os municípios, mesmo aqueles com menos de 20 mil habitantes, possam aprovar Planos Diretores, ainda que não obrigatoriamente. Isso per-mite que eles rastreiem se os imóveis estão ou não seguindo a função social da propriedade. O art. 182, § 4º, CF é repetido no Estatuto das Cidades. Trata de uma faculdade do Poder Público, mediante lei específica, para uma área que esteja incluída no Plano Diretor, de exigir do proprietário do solo urbano não edificado (lote sem edificação), subutilizado ou não utilizado, que promova seu aproveitamento. O Estatuto da Cidade esmuiça os conceitos constantes nesse disposi-tivo. As consequências previstas para a verificação dessa situação são: (i) parcelamento ou edifica-ção compulsórios – o Município poderá exigir que o proprietário edifique ou parcele o solo; (ii) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo – essa regra difere da progressividade citada na regra geral do IPTU do art. 156, CF; (iii) desapropriação com pagamen-to mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. O art. 183, CF trata especificamente sobre a usucapião. Essa usu-capião é tratada, igualmente, exatamente da mesma forma, no art. 9º, Estatuto das Cidades.

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua mora-dia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro i-móvel urbano ou rural. § 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

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Os requisitos da usucapião são os mesmos que constam do Estatuto das Cidades; não há diferenças. O art. 183, § 3º, CF traz um comando civil tradicional em relação às características dos imóveis públicos.

4.1 DIRETRIZES GERAIS

Já no art. 1º, temos uma conceituação importante de que o Estatuto das Cidades estabe-lece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. É importante entender o Direito Urbanístico em conjunto com o Direito Ambiental. Muitas vezes, se pensa que regulamentar, regularizar a propriedade, tratar de dispositivos e instrumentos urbanísticos significaria diminuir a proteção ao meio ambiente. No entanto, ao lado dos instrumentos urbanísticos, com a visão de regularizar a cidade como ela está, encontra-se o princípio da proteção ao equilíbrio ambiental. Temos algumas questões que daí decorrem, pois as normas de proteção ambiental preci-sam acompanhar a ideia da urbanização da forma como está. De outro lado, não se pode permitir que a permanência da cidade como ela está e a regularização da cidade como ela se encontra pre-judiquem o princípio do equilíbrio ambiental.

Art. 1º Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei. Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

As diretrizes gerais para a política urbana trazidas pelo Estatuto das Cidades são bastante importantes. São elas:

– garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; Aqui, explica-se o que se entende por uma cidade sustentável. – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representa-tivas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; É uma expressão do princípio democrático da Constituição. – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;

É um princípio geral constitucional que alude à parceria entre Estado e sociedade, que devem ser parceiros – e não estar em constante disputa, principalmente nas questões de política urbana.

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– planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de mo-do a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; Novamente, traz-se a ideia de planejamento e distribuição para evitar e, também, corrigir as distorções do crescimento urbano, com a finalidade de proteger o meio ambiente. Não é absoluto o princípio que se deve regularizar e manter as pessoas onde estão, seja lá qual for a situação fática. É preciso corrigir as situações de distorção no crescimento urbano, se for para evitar efeitos negativos sobre o meio ambiente. – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequa-dos aos interesses e necessidades da população e às características locais; – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em re-lação à infra-estrutura urbana; d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pó-los geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente; e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental; h) a exposição da população a riscos de desastres naturais; h) a exposição da população a riscos de desastres.

– integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência; Não se pode simplesmente separar o que é urbano e o que é rural, como se ambos fossem concorrer com a atenção do município. – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Municí-pio e do território sob sua área de influência; Aqui aparece o princípio da sustentabilidade. – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais; – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos; Nesse caso, há relação com a contribuição de melhoria (espécie tributária). – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patri-mônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de im-plantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos so-bre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população; – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo

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e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambien-tais; – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilí-cias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unida-des habitacionais; – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreen-dimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social; – estímulo à utilização, nos parcelamentos do solo e nas edificações urbanas, de sistemas operacionais, padrões construtivos e aportes tecnológicos que objetivem a redução de impactos ambientais e a economia de recursos naturais; – tratamento prioritário às obras e edificações de infraestrutura de energia, telecomuni-cações, abastecimento de água e saneamento.

Outro ponto importante a ser destacado é o das competências da União, no âmbito do Estatuto das Cidades:

Art. 3º Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana: I – legislar sobre normas gerais de direito urbanístico; A CF (art. 24, I) diz que a União, os Estados e o Distrito Federal têm competência concor-rente para legislar sobre Direito Urbanístico. É no Estatuto das Cidades que está previsto que a União tem competência para editar normas gerais sobre o tema. II – legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em relação à política urbana, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional; III - promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais, de saneamento básico, das calçadas, dos passeios públicos, do mobiliário urbano e dos demais espaços de uso público; IV - instituir diretrizes para desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento bási-co, transporte e mobilidade urbana, que incluam regras de acessibilidade aos locais de uso público; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) V – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desen-volvimento econômico e social.

4.2 DOS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA

Os instrumentos de política urbana também fazem parte, de alguma forma, da parte mais geral do Estatuto das Cidades. São eles:

– planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; No início da vigência da Constituição de 1988 e, depois, no Estatuto das Cidades, não esta-va tão claro. Com o Estatuto das Metrópoles, tivemos esses dispositivos relativos às regi-ões metropolitanas inseridos no Estatuto das Cidades. – planejamento municipal, em especial:

a) plano diretor; b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; c) zoneamento ambiental; d) plano plurianual; e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual; f) gestão orçamentária participativa; g) planos, programas e projetos setoriais;

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h) planos de desenvolvimento econômico e social;

– institutos tributários e financeiros:

a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU; b) contribuição de melhoria; c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;

– institutos jurídicos e políticos:

a) desapropriação; b) servidão administrativa; c) limitações administrativas; d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; e) instituição de unidades de conservação; f) instituição de zonas especiais de interesse social; g) concessão de direito real de uso: no Estatuto das Cidades, não está regulada. É re-gulada por legislação específica; h) concessão de uso especial para fins de moradia; i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; j) usucapião especial de imóvel urbano; l) direito de superfície; m) direito de preempção; n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; o) transferência do direito de construir; p) operações urbanas consorciadas; q) regularização fundiária: esses instrumentos podem ser manejados tanto pelos Municípios quanto pelos Estados, Distrito Federal e União; r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos; s) referendo popular e plebiscito; t) demarcação urbanística para fins de regularização fundiária; u) legitimação de posse.

– estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).

A ideia do controle social, da participação das pessoas em todo o processo de planejamen-to e execução de políticas na área urbana é uma constante no Estatuto das Cidades.

4.3 DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO OU UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS

O Estatuto das Cidades especifica alguns pontos. Por exemplo, dispõe o que é um imóvel subutilizado. Imóvel subutilizado é aquele cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente. Assim, algumas disposições muito abstratas na Consti-tuição tomam corpo, em aspectos mais palpáveis, no Estatuto das Cidades. Quando se con-sidera um imóvel subutilizado, é preciso que haja uma notificação. Essa notificação deve se dar por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao proprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração; ou por edital quando frustrada, por 3 vezes, a tentativa de notificação anterior. Se o imóvel está gravado como subutilizado e há uma notificação para que o proprietário resolva a situação e o utilize adequa-damente, sob pena de uma das 3 consequências constitucionalmente previstas, caso o proprietário venha a falecer, há aí um efeito sucessório. Aos herdeiros, transmite-se o mesmo prazo:

I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente;

II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento.

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4.4 DO IPTU PROGRESSIVO NO TEMPO

Existem 2 espécies de progressividade:

- Progressividade do IPTU em relação ao tri-buto, em si mesmo; - Progressividade do IPTU relativa ao Direito Urbanístico.

Abordaremos a segunda hipótese. O IPTU progressivo, nesse caso, é uma consequência no caso de descumprimento das condições e dos prazos que estão previstos no art. 5º, Estatuto das Cidades, quando não são cumpridas as etapas previstas. Nesse caso, o Muni-cípio procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressi-vo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de 5 anos consecutivos. Ainda que o Município tenha competência para regulamentar a progressividade do IPTU na seara urbanística, a legislação federal trouxe as regras gerais. O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o art. 5º, Estatuto das Cidades, e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de 15%. O Estatuto das Cidades, sem entrar no mérito de qual a alíquota de IPTU de cada município, traz essa regra geral, de que não poderá exceder duas vezes o valor do IPTU do ano anterior, não excedendo uma alíquota máxima. Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação. Essa obrigação deverá ser devidamente notificada, contando com a concessão de prazo para que sejam realizadas as exigências municipais. A lei veda a concessão de isenções e de anistia em relação a esse IPTU progressivo.

4.5 DA DESAPROPRIAÇÃO COM PAGAMENTO EM TÍTULOS

É uma exceção que a própria Constituição traz em relação à regra geral prevista nos direi-tos fundamentais, de que as desapropriações serão pagas sempre previamente e em dinheiro. Nessa seara urbanística existe a possibilidade de desapropriação com pagamento em títulos. Assim, essa desapropriação poderá ocorrer decorridos 5 anos de cobrança do IPTU pro-gressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utili-zação. Isso não retira a aplicação da ideia de que, após os 5 anos, ainda que seja na alíquota máxi-ma, se o proprietário não realiza a edificação, o parcelamento ou a utilização adequada, a partir do 5º ano, se continua a cobrar o IPTU progressivo. Cumulativamente, poderá ocorrer a desapropria-ção por títulos. Assim, a desapropriação por títulos só não poderá ocorrer antes da aplicação do IPTU progressivo. Os títulos aqui referidos não terão poder liberatório para pagamento de tributos, seja do imóvel desapropriado, seja de outros. Além disso, O Município procederá ao adequado aprovei-tamento do imóvel no prazo máximo de 5 anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimô-nio público. Assim, o Município desapropria por títulos, mas se cria uma obrigação de que utilizará o imóvel. Existem várias regras a respeito dessa desapropriação. Mas a mais importante é relativa aos títulos, que são uma exceção prevista constitucionalmente.

4.6 DA USUCAPIÃO ESPECIAL DE IMÓVEL URBANO

O art. 9º, do Estatuto das Cidades é que traz os requisitos da usucapião especial de imóvel urbano. Temos aí exatamente as mesmas palavras da Constituição:

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Art. 9º Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüen-ta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independen-temente do estado civil. § 2º O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

O que aparece previsto nos §§ 1º e 2º também já vinha previsto na CF. Aqui é importante atentar para § 3º, que dispõe que o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão. Nesse caso, a con-tinuidade da posse é permitida no instituto da usucapião em geral. A novidade aqui é que esse dispositivo aplica-se especificamente à usucapião especial de imóvel urbano, ainda que o prazo já seja bastante curto (5 anos), na hipótese aqui tratada. O art. 10, Estatuto das Cidades traz uma novidade: a usucapião coletiva. Na sentença da usucapião coletiva, o juiz delimitará uma fração ideal para cada um dos moradores. Essa modalida-de de usucapião ocorrerá quando estivermos diante de uma área em que, muito dificilmente, se consegue separar os terrenos ocupados por cada possuidor. Se for difícil separar e individualizar esses terrenos, então eles podem ser usucapidos coletivamente. Isso ocorre muito comumente nos loteamentos por ocupação (desordenamento que torna muito difícil separar e descrever a parte de cada possuidor). Então, nesse caso, o ideal é que se faça a descrição por frações ideais.

Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. § 2º A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sen-tença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis. § 3º Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, indepen-dentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas. § 4º O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de e-xecução de urbanização posterior à constituição do condomínio. § 5º As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.

A legitimidade para propor a usucapião é atribuída ao possuidor ou aos possuidores, no caso de composse. Como substituto processual, poderá ser proposta por associação de moradores. A associação de moradores poderá, se houver autorização expressa, inclusive ingressar em nome de morador na usucapião individual. Em relação à usucapião coletiva, quando se formam essas frações ideais, e se forma, na verdade, um condomínio de propriedades, o condomínio é indivisível; cria-se o condomínio em relação aos proprietários de toda aquela área. Atualmente, não há muitos casos de usucapião coletiva. Existe uma dificuldade prática muito grande na usucapião coletiva, principalmente no que se refere à organização das próprias pessoas em um condomínio, já se pensando no futuro. Assim, a figura da usucapião individual é de bem maior verificação prática, ainda que a regulamentação da usucapião coletiva não seja muito diferente da atribuída à usucapião individual. No primeiro caso, a vantagem processual seria apenas de que tramita em única vara, em único processo. Mas não exis-te facilitação do processo, como um todo – apenas a união. O fato de ser criado um condomínio, em que cada pessoa acaba por não adquirir sua matrícula individual é um fator dificultador para que essa usucapião coletiva possa ter uma aceitação maior nas políticas municipais.

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Em 2001, quando foi aprovado o Estatuto das Cidades, todos imaginaram que seria um instrumento novo e que seria muito utilizado, principalmente no âmbito de favelas. No entanto, na prática, esse instrumento não se mostrou, até hoje, de tamanha viabilidade ou de fácil manejamen-to. De qualquer forma, um dos dispositivos mais importantes, referentes à usucapião, é aque-le referido no art. 12, § 2º, do Estatuto das Cidades, aplicando-se tanto à usucapião individual quanto à coletiva:

Art. 12 (...) § 2º O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, in-clusive perante o cartório de registro de imóveis.

Quanto à gratuidade relativa ao Poder Judiciário, não há muitas novidades. No entanto, é importante atentar para a segunda parte do dispositivo, que confere gratuidade perante o cartório de registro de imóveis. Esse sim foi um grande diferencial: a usucapião fica gratuita inclusive no que se refere aos emolumentos. Isso faz muita diferença prática. Outro dispositivo relevante é o que consta no teor do art. 13, Estatuto das Cidades:

Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis.

Quanto ao fato de que a usucapião pode ser alegada, inclusive, como matéria de defesa, não se verifica nenhuma novidade. No entanto, o fato de a própria sentença que reconhecer a usucapião poder ser utilizada como título para registro no cartório de registro de imóveis é uma diferença bastante importante. Um último dispositivo interessante referente à usucapião refere que na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o rito processual a ser observado é o sumário. Esse dispositi-vo é anterior ao NPCP. Então, atualmente, temos o rito da usucapião de imóvel urbano com um vácuo no que tange ao procedimento. Isso é matéria a ser tratada no âmbito do processo civil.

4.7 DO DIREITO DE SUPERFÍCIE

Dentro da estrutura dos Direitos Reis, é um direito novo; surgiu junto com o CC/02. Nesse caso, o proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado (mas deve constar o prazo), mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis. O registro de imóveis, assim como transfere a propriedade, poderá registrar a transferên-cia de um direito de superfície. O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato ou na escritura pública, atendida a legislação urbanística. Referido instrumento não poderá, por exemplo, prever a constru-ção na superfície do solo de índice maior do que prevê a legislação municipal sobre isso. Evidente-mente, o direito de superfície se subordina ao regramento urbanístico. O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os termos do contrato respectivo. Referido direito também tem reflexos no direito das sucessões: por morte do superfici-ário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros. O Estatuto das Cidades ainda refere que a extinção do direito de superfície se dará: (i) pelo advento do termo; (ii) pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiá-rio, devendo ser averbado no registro de imóveis. Talvez haja aqui uma pequena incongruência. A escritura pública que faz a transmissão do direito de superfície é registrada no cartório do registro de imóveis. A extinção do direito de superfície se dá por averbação no registro de imóveis. O regis-tro de imóveis tem essa distinção como muito cara: o que deve ser registrado e o que deve ser averbado, pois são atos de natureza distinta.

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4.8 DO DIREITO DA PREEMPÇÃO

O direito de preempção se refere à preferência, ao Poder Público Municipal, para aquisi-ção de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares. Essa intervenção é bastante séria, se formos pensar em uma ideia um pouco mais absoluta de direito de propriedade. De qual-quer forma, vai existir uma regulamentação para o exercício desse direito. Existem alguns requisi-tos para que o Município exerça esse direito:

1) Lei municipal baseada no Plano Diretor, que delimitará as áreas passíveis de direito de preempção; 2) Prazo delimitado, que não pode ser superior a 5 anos – se o município quiser prorro-gar, é preciso que seja editada nova lei, prevendo novo prazo (também não superior a 5 anos); 3) Motivação para o exercício do direito de preempção: I – regularização fundiária; II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social; III – constituição de reserva fundiária; IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana; V – implanta-ção de equipamentos urbanos e comunitários; VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de in-teresse ambiental; VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;

A preempção é um instrumento mais ágil do que a desapropriação. No entanto, os muni-cípios ainda utilizam bem mais a desapropriação do que, efetivamente, a preempção, na prática. Na desapropriação, basta um decreto. Na compra e venda, o Município terá que pagar, desde já. Mui-tas das razões para o exercício do direito de preempção referem-se a motivos que também podem ser utilizados para a desapropriação, com a diferença que, na desapropriação, é possível que seja efetivada por decreto, enquanto que, para exercício do direito de preempção, deve haver previsão no Plano Diretor. Para que o Município possa exercer esse direito, não basta a lei. Quando o proprietário tomar ciência do direito de preempção para o município no prazo de até 5 anos, ele poderá vender o imóvel. Não incide aí uma proibição de venda, ao longo desses 5 anos (desde a edição da lei até esse prazo máximo de 5 anos). O proprietário, ao ter a intenção de vender, deverá notificar o muni-cípio, que deverá responder, em até 30 dias, que tem interesse em comprar. Aí surge outra dificul-dade: raramente, o município, dentro desse prazo, irá manifestar-se pelo interesse. Isso dependerá de orçamento, da finalidade, etc. Em outras palavras, o trâmite burocrático (exame por diversos órgãos) acaba impedindo, na prática, que o município manifeste interesse dentro desse prazo de 30 dias. Em relação aos valores, caso o Município exerça seu direito de preempção, o ente federa-tivo poderá adquirir o imóvel pelo valor da base de cálculo do IPTU ou pelo valor indicado na pro-posta apresentada, se este for inferior àquele. Na desapropriação, temos um parâmetro de avalia-ção nova que é feita. Essa avaliação até poderá levar em conta o valor de propostas, do IPTU, mas não necessariamente se utiliza desses valores. Na preempção, se utiliza o valor da proposta ou o valor do IPTU. Essa talvez possa ser, em alguma medida, uma vantagem em relação à desapropria-ção, do ponto de vista do interesse do município. Isso porque na desapropriação, o valor, geral-mente, é mais real (mais elevado).

4.9 DA OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR

A outorga onerosa do direito de construir significa o coeficiente de aproveitamento, isto é, a relação entre a área edificável e a área efetiva do terreno. É o quantum de um terreno que pode ser construído. Essa é uma das restrições urbanísticas menos conhecidas, na prática. A maior parte das pessoas conhece as restrições referentes aos recuos, à altura, etc. A questão aqui é a possibilidade de o município permitir que se construa mais do que aquilo que está permitido. A lei municipal específica vai estabelecer as condições a serem observa-

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das para essa outorga onerosa, devendo determinar: I – a fórmula de cálculo para a cobrança; II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga; III – a contrapartida do beneficiário. O Plano Diretor é que fixará o coeficiente dentro de cada área urbana ou dentro de áreas específicas da zona urbana. Esse coeficiente entre a metragem do terreno e o espaço destinado à construção, independentemente de recuo, de frente, de altura, etc. Aqui estamos falando de quan-tos m² de construção o terreno poderá ter. São requisitos que se adicionam: determinado imóvel só pode ser construído com determinado recuo, com determinada altura. Talvez o número de m² permitidos seja menor que essa possibilidade. Explica-se: se se construísse com observância do recuo, com a altura máxima, talvez a quantidade de m², mesmo assim, tenha que ser menor que o total permitido. Assim, portanto, os requisitos urbanísticos são uns adicionados aos outros – não são requisitos alternativos. Essa outorga onerosa do direito de construir também deve estar prevista no Plano Diretor. O Plano Diretor é que fixará áreas em que poderão existir construções com construção acima do coeficiente de aproveitamento básico e qual a contrapartida prestada pelo beneficiário. Aqui te-mos, inclusive, a possibilidade de que se possa utilizar essa outorga de construção como moeda para desapropriação pelo Município. Assim, se previsto em lei, o Município poderá, em lugar de pagar em dinheiro (desapropriação de pagamento em dinheiro), se o proprietário do imóvel acei-tar, receber em valores relativos à possibilidade de construir (metragens quadradas relativas a determinando valor como possibilidade de construção a maior, no seu imóvel ou no imóvel de outrem). Às vezes, o índice de construir vale mais do que o valor a ser pago por aquela parcela de terreno a ser desapropriada. Daí se explica o possível interesse do particular.

4.10 DAS OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS

É uma novidade em que uma lei específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar área para aplicação de operações consorciadas. Operação urbana consorciada é um conjunto de intervenções e medidas para que se altere determinada região da cidade. Essas medidas são coor-denadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. É uma operação participativa. Na lei específica, deve aparecer o plano de operação que será realizado naquele local. Devem se observar algumas medidas como, por exemplo: (i) a modifi-cação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente; (ii) a regulari-zação de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente; (iii) a concessão de incentivos a operações urbanas que utilizam tecnologias visando a redução de impactos ambientais, e que comprovem a utilização, nas construções e uso de edificações urbanas, de tecnologias que reduzam os impactos ambientais e economizem recursos naturais, especificadas as modalidades de design e de obras a serem contempladas. Assim, existe essa possibilidade de que lei municipal específica, baseada no plano diretor (lei geral), explique esse plano que será realizado. Essa regra das operações urbanas consorciadas, na prática, dá a impressão de que ocorre não de modo muito formal, isto é, com um instrumento específico/lei específica, mas sim, com leis parciais (lei de incentivo, possibilidade específica), mas não tratando de plano global para aquela região. Isso ocorre na prática, mas não dispensa a exigên-cia desse instrumento normativo específico. Houve uma alteração legislativa de 2015 que passou a permitir que operações urbanas consorcidas sejam interfederativas. Essa questão interfederativa é bastante cobrada nas provas para promotor de justiça: é a possibilidade de parceria entre Municípios e Estado. Isso porque, em geral, são vários municípios que estão abrangidos nessa região que precisa sofrer a intervenção (operação consorciada com poder público, moradores, associações, iniciativa privada, investidores). Assim, existe a possibilidade de operação interfederativa, desde que aprovada por lei estadual específica.

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Está se expressando uma nova visão que, talvez, não seja a mesma ideia de 2001, quando da edição do Estatuto das Cidades. É uma característica relativa a esse novo parâmetro. Com o advento da Constituição de 1988, passou-se a atribuir mais autonomia aos municípios, para que eles possam realizar diversas atividades. Com o tempo, começamos a ter o problema institucional, que passa pela área financeira, que é a redução de recursos para os municípios. Os municípios passaram a ter vários problemas decorrentes da redução dos valores orçamentários. Além disso, em 1988, tínhamos uma ideia de autonomia municipal muito mais nova, a ser construída, e que estava em processo de construção. Nesse último momento, estamos passando por um momento de maior centralização, em que os municípios, com seu enfraquecimento financeiro, estão sofren-do, em alguns casos, correspondente enfraquecimento de sua autonomia de competências e em sua autonomia de realização. Percebe-se que o art. 34-A, Estatuto das Cidades, que foi alterado em 2015, trazendo a importância de operações consorciadas interfederativas, nesse apego a inserir o Estado junto com o Município, em tantos momentos, seja um pouco a expressão de uma redução na autonomia do município. De qualquer forma, é um município que está recém surgindo, mas parece muito adequado ao edital do concurso para promotor de justiça. É um movimento em que se dá mais ênfase à par-ceria do município com outras entidades da federação, demonstrando que é muito melhor que o município não pode ter uma autonomia tão ampla. É uma característica de um momento novo, por meio do qual estamos passando, de redução da autonomia, da liberdade do município. Vejamos o inteiro teor do dispositivo relativo ao assunto:

Art. 34-A. Nas regiões metropolitanas ou nas aglomerações urbanas instituídas por lei complementar estadual, poderão ser realizadas operações urbanas consorciadas interfede-rativas, aprovadas por leis estaduais específicas. Parágrafo único. As disposições dos arts. 32 a 34 desta Lei aplicam-se às operações urba-nas consorciadas interfederativas previstas no caput deste artigo, no que couber.

4.11 DA TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR

Outro instrumento importante, previsto no art. 35, do Estatuto das Cidades, é a transfe-rência do direito de construir, em que se prevê que lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urba-nística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de:

I – implantação de equipamentos urbanos e comunitários; II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisa-gístico, social ou cultural; III – servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por po-pulação de baixa renda e habitação de interesse social.

Essa lei municipal poderá autorizar o proprietário a exercer, em outro local, o direito de construir. Essa previsão como instrumento está muito ligada à outorga onerosa do direito de cons-truir.

4.12 DO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA

É um instrumento muito utilizado na prática, principalmente em grandes empreendimen-tos. A lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as li-cenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público mu-nicipal. O estudo de impacto de vizinhança (EIV) deve analisar algumas questões, obrigatoriamente:

– adensamento populacional; – equipamentos urbanos e comunitários; – uso e ocupação do solo; – valorização imobiliária;

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– geração de tráfego e demanda por transporte público; – ventilação e iluminação; – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

O exemplo mais típico é a construção de shoppings centers. Visualmente, percebe-se que, quando um shopping é construído, é muito comum que as pessoas digam: “o shopping ampliou a rua”; “o shopping fez uma praça para a cidade”. E, assim, demonstram-se algumas coisas que o shopping tenha realizado. Muitas dessas coisas que o empreendimento faz, além da própria cons-trução de seu prédio (alargamento de vias, praças próximas, etc.) são fruto do estudo de impacto de vizinhança, que demonstra o quanto vai haver adensamento populacional, o quanto as pessoas vão passar a morar na região, porque existe o empreendimento, o quanto os equipamentos urba-nos passam a ser mais necessários (mais escolas, postos de saúde), etc. O estudo de impacto de vizinhança deve, ainda, analisar a questão viária (geração de tráfego que o empreendimento vai trazer), demanda por transporte público para aquela região, necessidade de aumento de rota de transportes públicos para aquela área, questões de ventilação e iluminação, que poderão ser alteradas, decorrentes das construções de prédios que serão cons-truídos, etc. Além disso, devem ser observadas questões relativas ao patrimônio cultural e natural – se esse empreendimento for realizado próximo a região que seja patrimônio da cidade, que precisa ser observado de forma especial. Assim, esse estudo de impacto de vizinhança é extremamente importante para que se possa entender o impacto e propor medidas para que se mantenha a qualidade ambiental para a população. Tratando de impacto ambiental, é importante entender que existem 2 instrumentos separados:

- Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) - Estudo de Impacto Ambiental (EIA): não é substituído pelo EIV, mesmo que nele haja al-guma questão ambiental levantada.

4.13 DO PLANO DIRETOR

O plano diretor é instrumento bastante especificado no Estatuto das Cidades. Sempre existiu; não é uma novidade da Constituição nem do Estatuto das Cidades. O que acontece é que ele começou a ganhar mais relevo e ganhar obrigatoriedade em mais circunstâncias. O plano diretor consta do art. 39, Estatuto das Cidades:

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fun-damentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvol-vimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei.

O plano diretor é aprovado por lei municipal. O plano diretor é uma lei, assim. Pode haver a necessidade de outras leis para regulamentação. Deve englobar todo o município – não pode ser parcial. É o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. Deverá ser revisto a cada 10 anos. No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: (i) a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; (ii) a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; (iii) o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos. Em vários momentos, no direito urbanístico, há o requisito da realização de audiências públicas. Caso elas não sejam realizadas, há jurisprudência dizendo que a lei municipal poderá ser

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declarada inconstitucional, caso não tenha seguido o rito e se, no rito, continha a necessidade de audiências públicas. As audiências, quando previstas, principalmente no âmbito do Estatuto das Cidades, não são facultativas. Têm caráter vinculante, obrigatório, sob pena de nulidade e inconsti-tucionalidade da lei municipal. Em relação à obrigatoriedade do plano diretor, pela Constituição, ele é obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes. O Estatuto das Cidades, em seu art. 41, traz outros casos de obrigatoriedade:

I – com mais de vinte mil habitantes (hipótese da Constituição); II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal (usucapião); IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico; V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo im-pacto ambiental de âmbito regional ou nacional; No caso desses empreendimentos, os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas. VI - incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidro-lógicos correlatos.

Além disso, a legislação prevê que, no caso de cidades com mais de quinhentos mil habi-tantes, deverá ser elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido. Assim, nesses casos, não basta o plano diretor; deve haver plano de trans-porte integrado. O plano diretor deverá conter no mínimo:

– a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infraestrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5º desta Lei; – disposições de preempção, de outorga onerosa, de consórcio, de transferência do direi-to de construir requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei; – sistema de acompanhamento e controle urbanístico.

Ademais, o plano diretor deverá prever as áreas de expansão urbana, que são áreas desti-nadas ao crescimento ordenado das cidades. Tradicionalmente, tínhamos diferença específica entre área urbana e rural. Atualmente, temos o conceito de área de expansão urbana, que não é, exata-mente área urbana, mas de expansão, isto é, no futuro, teremos possibilidade de expandir o perí-metro urbano. Para isso, deverá haver um projeto específico de expansão. O conteúdo desse plano de expansão urbana deverá conter:

- demarcação do novo perímetro urbano; - delimitação dos trechos com restrições à urbanização e dos trechos sujeitos a controle especial em função de ameaça de desastres naturais; - definição de diretrizes específicas e de áreas que serão utilizadas para infraestrutura, sistema viário, equipamentos e instalações públicas, urbanas e sociais; - definição de parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promo-ver a diversidade de usos e contribuir para a geração de emprego e renda; - a previsão de áreas para habitação de interesse social por meio da demarcação de zonas especiais de interesse social e de outros instrumentos de política urbana, quando o uso habitacional for permitido; - definição de diretrizes e instrumentos específicos para proteção ambiental e do patri-mônio histórico e cultural; e - definição de mecanismos para garantir a justa distribuição dos ônus e benefícios decor-rentes do processo de urbanização do território de expansão urbana e a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária resultante da ação do poder público.

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4.14 DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE E DISPOSIÇÕES GERAIS DO ESTATUTO DA CIDADE

Para garantir a gestão democrática da cidade, são previstos 4 instrumentos:

1) órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;

2) debates, audiências e consultas públicas;

3) conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e muni-cipal;

4) iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvi-mento urbano.

A iniciativa popular não é um instrumento novo; existe desde sempre em nosso ordena-mento. A novidade aqui é a lei trazer como necessidade de incentivo, esse instrumento. Outro ponto relevante, no estatuto da cidade, é a possibilidade de programas e projetos habitacio-nais de interesse social, quando são desenvolvidos pelo Município, e que vão gerar contrato de concessão de direito real de uso (inclusive em relação a imóveis públicos): devem (i) ter caráter de escritura pública; (ii) constituirão título de aceitação obrigatória em garantia de contratos de finan-ciamentos habitacionais. Assim, o art. 48, do Estatuto das Cidades, traz uma menção à concessão do direito real de uso, em alguma medida.

5.1 DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

O Estatuto da Metrópole é uma lei recente e muito relevante no sentido da parceria entre municí-pios e estados, criando nova complexidade às compe-tências na Federação brasileira que, tradicionalmente, tem 3 níveis, desde 1988 (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Tradicionalmente, nós já temos uma Federação muito complexa, com 3 níveis. Com o Estatuto da Metrópole, passamos a ter diretrizes de planejamento e execução dessas funções públicas em novo sistema de organização: em aglomerações me-tropolitanas - e essas instituídas pelos Estados. Referido diploma legal trata das aglomerações urbanas e das regiões metropolitanas. Os me-canismos vão estar relacionados às microrregiões instituídas pelo Estado, com fundamento nessas fun-ções públicas de interesse comum, com características predominantemente urbanas, nessas microrregi-ões que os Estados vão estabelecer, unindo vários municípios que tenham, em comum, características urbanas específicas. Essa legislação alterou vários dispositivos no Estatuto da Cidade.

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O Estatuto da Metrópole traz essa ideia, por traz de seus dispositivos de parceria interfederati-va, como forma de solucionar autonomia muito ampla que os municípios vinham tendo, sem os reflexos financeiros adequados, como resposta ao Federalismo de 3 esferas colocado a partir de 1988. O art. 2º, Estatuto das Metrópoles, traz alguns conceitos fundamentais:

– aglomeração urbana: unidade territorial urbana constituída pelo agrupamento de 2 (dois) ou mais Municípios limítrofes, caracterizada por complementaridade funcional e in-tegração das dinâmicas geográficas, ambientais, políticas e socioeconômicas; – função pública de interesse comum: política pública ou ação nela inserida cuja realiza-ção por parte de um Município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto em Municí-pios limítrofes;

É uma espécie de interpretação que deve ser feita ao lado do interesse local do município. Interesse local é aquele que não seja inviável ou que não cause impacto em municípios limítrofes.

– gestão plena: condição de região metropolitana ou de aglomeração urbana que possui:

a) formalização e delimitação mediante lei complementar estadual; b) estrutura de governança interfederativa própria; e c) plano de desenvolvimento urbano integrado aprovado mediante lei estadual;

É como se tivesse uma instância superior aos prefeitos, mas inferior ao Estado; uma nova estrutura de governança interfederativa própria. Isso se refletirá, mais adiante, nos

valores que podem perceber essas regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas. – governança interfederativa: compartilhamento de responsabilidades e ações entre en-tes da Federação em termos de organização, planejamento e execução de funções públi-cas de interesse comum; Temos funções públicas de interesse comum que, em uma gestão plena, possuem uma es-

trutura de governança interfederativa. – metrópole: espaço urbano com continuidade territorial que, em razão de sua população e relevância política e socioeconômica, tem influência nacional ou sobre uma região que configure, no mínimo, a área de influência de uma capital regional, conforme os critérios adotados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE; – plano de desenvolvimento urbano integrado: instrumento que estabelece, com base em processo permanente de planejamento, as diretrizes para o desenvolvimento urbano da região metropolitana ou da aglomeração urbana; – região metropolitana: aglomeração urbana que configure uma metrópole.

5.2 REGIÕES METROPOLITANAS E AGLOMERAÇÕES URBANAS

A diferença entre aglomeração urbana e região metropolitana deve estar muito clara para o candidato. Nos dois casos, há uma unidade, um conjunto. Aglomeração é uma unidade territorial de 2 ou mais municípios. Região metropolitana é uma aglomeração urbana, desde que ele se confi-gure como metrópole. O que faz com que mera aglomeração urbana tenha status de região metro-politana é a configuração como metrópole. Os critérios para que se identifique uma metrópole são a existência de um espaço urbano com continuidade territorial que, em razão de sua população e relevância política e socioeconômica, tem influência nacional ou sobre uma região que configure, no mínimo, a área de influência de uma capital regional, conforme os critérios adotados pela Fun-dação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Na verdade, ao fundo, metrópole é aquilo que o IBGE disser que é metrópole. Os critérios definidos pelo IBGE é que determinarão aquilo que seja uma área de influência de uma capital regional. Região metropolitana é aquilo que configura uma metrópole e metrópole é aquilo que o IBGE define como.

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Tanto a região metropolitana quanto mera aglomeração urbana podem possuir gestão plena; não há impedimento. A diferença é que a região metropolitana, por possuir essa caracteriza-ção de metrópole dada pelo IBGE tem um diferencial: não é apenas uma aglomeração. Mas os dois podem ter gestão plena. Assim, a possibilidade de gestão plena não é traço distintivo entre os dois conceitos. Os Estados, mediante lei complementar, poderão instituir regiões metropolitanas e aglo-merações urbanas, constituídas por agrupamento de Municípios limítrofes, para integrar a organi-zação, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. Muitas regiões me-tropolitanas foram criadas por lei estadual, como no caso de Porto Alegre, São Paulo, Salvador, Belo Horizonte, Recife, Curitiba, Belém, Fortaleza dentre outras: LC nº 14/73. Essa lei, que é federal, não foi revogada. Assim, as leis estaduais, hoje, podem acrescentar cidades naquela região metropoli-tana determinada pela LC nº 14/73. Assim, verifica-se que nem sempre foi competência dos Esta-dos a instituição das regiões metropolitanas. As leis complementares estaduais instituidoras de regiões metropolitanas ou aglomera-ções urbanas deverão conter, no mínimo:

– os Municípios que integram a unidade territorial urbana (aglomeração ou região metro-politana);

– os campos funcionais ou funções públicas de interesse comum que justificam a institui-ção da unidade territorial urbana;

– a conformação da estrutura de governança interfederativa, incluindo a organização ad-ministrativa e o sistema integrado de alocação de recursos e de prestação de contas;

Haverá, nesse caso, verdadeira estrutura de governança interfederativa. Nesse ponto, to-da a legislação evita trazer a palavra governo, pois o governo está muito relacionado às entidades tradicionais da Federação (União, Estados e Municípios). Assim, quando criamos essa estrutura, há a ideia de governança interfederativa – e não de governo, propriamen-te, para que não se dê a ideia de perda de poder dos municípios (embora, efetivamente, parcela de governo passe a ser dessa estrutura de governança interfederativa).

– os meios de controle social da organização, do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum.

Lei estadual irá prever quais são as partes de governo do município que serão transmitidas para essa estrutura da governança interfederativa entre municípios.

Para os defensores da autonomia municipal, os dispositivos dessa lei devem ser vistos com muito cuidado, no mínimo.

5.3 DA GOVERNANÇA INTERFEDERATIVA

A governança interfederativa das regiões metropolitanas e das aglomerações urbanas respeitará os seguintes princípios:

– prevalência do interesse comum sobre o local;

– compartilhamento de responsabilidades para a promoção do desenvolvimento urbano integrado;

– autonomia dos entes da Federação;

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Aqui são duas previsões que não podem se contradizer frontalmente: no momento em que se prevalece o interesse comum dos municípios em relação ao interesse local de cada um, mesmo assim, deve-se dar autonomia a esses entes locais.

– observância das peculiaridades regionais e locais;

– gestão democrática da cidade, consoante os arts. 43 a 45 da Lei no 10.257/01;

– efetividade no uso dos recursos públicos;

– busca do desenvolvimento sustentável.

Além das diretrizes gerais estabelecidas no estatuto da cidade, a governança interfedera-tiva das regiões metropolitanas e das aglomerações urbanas observará as seguintes diretrizes espe-cíficas:

– implantação de processo permanente e compartilhado de planejamento e de tomada de decisão quanto ao desenvolvimento urbano e às políticas setoriais afetas às funções públi-cas de interesse comum;

– estabelecimento de meios compartilhados de organização administrativa das funções públicas de interesse comum;

– estabelecimento de sistema integrado de alocação de recursos e de prestação de con-tas;

– execução compartilhada das funções públicas de interesse comum, mediante rateio de custos previamente pactuado no âmbito da estrutura de governança interfederativa;

– participação de representantes da sociedade civil nos processos de planejamento e de tomada de decisão, no acompanhamento da prestação de serviços e na realização de o-bras afetas às funções públicas de interesse comum;

– compatibilização dos planos plurianuais, leis de diretrizes orçamentárias e orçamentos anuais dos entes envolvidos na governança interfederativa;

– compensação por serviços ambientais ou outros serviços prestados pelo Município à u-nidade territorial urbana, na forma da lei e dos acordos firmados no âmbito da estrutura de governança interfederativa.

A governança interfederativa das regiões metropolitanas e das aglomerações urbanas compreenderá em sua estrutura básica: (i) instância executiva composta pelos representantes do Poder Executivo dos entes federativos integrantes das unidades territoriais urbanas (os prefeitos das cidades formam uma instância executiva); (ii) instância colegiada deliberativa com representa-ção da sociedade civil; (iii) organização pública com funções técnico-consultivas (deve haver uma organização de técnicos e assessores que irão assessorar essa instância executiva de representação dos prefeitos); e (iv) sistema integrado de alocação de recursos e de prestação de contas (parte do orçamento dos municípios irá integrar essa estrutura de governança interfederativa; cada municí-pio deverá alocar uma parte de recursos nesse sistema integrado).

5.4 DESENVOLVIMENTO URBANO INTEGRADO

O desenvolvimento urbano integrado contará com os seguintes instrumentos, para seu desenvolvimento:

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– plano de desenvolvimento urbano integrado (planejamento de atividades a serem reali-zadas);

– planos setoriais interfederativos;

– fundos públicos;

– operações urbanas consorciadas interfederativas;

– zonas para aplicação compartilhada dos instrumentos urbanísticos previstos na Lei no 10.257/01;

– consórcios públicos, observada a Lei no 11.107/05;

– convênios de cooperação;

– contratos de gestão;

– compensação por serviços ambientais ou outros serviços prestados pelo Município à u-nidade territorial urbana, conforme o inciso VII do caput do art. 7º desta Lei;

– parcerias público-privadas interfederativas.

5.5 DESENVOLVIMENTO URBANO INTEGRADO E QUESTÕES INTERFEDERATIVAS

Essa lei é bastante recente; dá um passo a mais na ideia de parceria público-privada que, geralmente, refere-se a uma entidade pública e a uma ou mais entidades privadas. Nesse caso, temos a possibilidade dessa governança interfederativa participar de PPPs. É um órgão privado que pode assinar uma parceria entre várias entidades da Federação (junto com municípios e Estados). A região metropolitana instituída mediante lei complementar estadual que não atenda alguns requisitos previstos em lei será enquadrada como aglomeração urbana para efeito das polí-ticas públicas a cargo do Governo Federal, independentemente de as ações previstas nesse sentido envolverem ou não transferência de recursos financeiros. A União participará ativamente, inclusive apoiando essa governança interfederativa. Se a governança for de municípios com estados, a União poderá dar esse apoio.

5.6 DISPOSIÇÕES IMPORTANTES

Atentar para a intersecção entre estatuto das metrópoles e lei de improbidade adminis-trativa. Foram criados alguns tipos relacionados à improbidade administrativa (lei nº 8.429/92), tais como:

– o governador ou agente público que atue na estrutura de governança interfederativa que deixar de tomar as providências necessárias para:

a) garantir o cumprimento do plano de desenvolvimento das regiões, aprovado por lei estadual, no prazo de 3 anos da instituição da região metropolitana ou da aglo-meração urbana mediante lei complementar estadual; b) elaborar e aprovar, no prazo de 3 anos, o plano de desenvolvimento urbano inte-grado das regiões metropolitanas ou das aglomerações urbanas instituídas até a da-ta de entrada em vigor desta Lei mediante lei complementar estadual;

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Nesse caso, há uma incongruência. Isso porque aprovar a lei não é ato do governador, mas sim, da Assembleia Legislativa. Mesmo assim, de acordo com esse dispositivo, ele poderá ser pena-lizado, caso a referida lei de plano de desenvolvimento não seja aprovada.

– o prefeito que deixar de tomar as providências necessárias para garantir o cumprimento da lei do plano de desenvolvimento urbano integrado da unidade territorial urbana, no prazo de 3 anos da aprovação do plano de desenvolvimento integrado mediante lei esta-dual.

A doutrina critica a falta de congruência com a lei nº 8.429/92, mas, de qualquer forma, são disposições importantes do estatuto das metrópoles. Outro ponto importante previsto no diploma em comento é que independentemente das disposições do estatuto das metrópoles, os Municípios podem formalizar convênios de cooperação e constituir consórcios públicos para atuação em funções públicas de interesse comum no campo do desenvolvimento urbano, observada a Lei nº 11.107/05. Essas instâncias de governança interfe-derativa não impedem a existência de consórcios públicos. Os consórcios públicos são mais antigos; já havia a possibilidade jurídica dos consórcios. O fato de existir o estatuto das metrópoles e todas essas regulamentações relativas à elaboração desses planos de governança interfederativa, instân-cias de governança, etc., isso não impede a existência dos consórcios.

A lei nº 11.107/05 é uma lei relativamente antiga, mas traz disposições importantes ao direito urbanístico. O consórcio público constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito privado. A União somente participará de consórcios públicos em que também façam parte todos os Estados em cujos territórios estejam situados os Municípios consorciados. Além disso, os consórcios públicos, na área de saúde, deverão obedecer aos princípios, diretrizes e normas que regulam o Sistema Único de Saúde – SUS, mas são instrumento importante e muito utilizado no âmbito do SUS. Os objetivos dos consórcios públicos serão determinados pelos entes da Federação que se consorciarem, observados os limites constitucionais. Para o cumprimento de seus objetivos, o con-sórcio público poderá:

– firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios, contribui-ções e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos do governo;

– nos termos do contrato de consórcio de direito público, promover desapropriações e instituir servidões nos termos de declaração de utilidade ou necessidade pública, ou inte-resse social, realizada pelo Poder Público; e

– ser contratado pela administração direta ou indireta dos entes da Federação consorcia-dos, dispensada a licitação.

O consórcio é uma reunião de municípios (2 ou 3 municípios poderão se unir e instituir um consórcio, que poderá, por exemplo, realizar desapropriações).

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A lei de consórcios tem várias interfaces com a lei de licitações. Em diversos momentos, a lei de consórcios altera a lei de licitações, para fins de incluir essas possibilidades desses consórcios. Então se prevê expressamente, na lei dos consórcios, a possibilidade de contratação do consórcio pela Administração Direta ou Indireta. O consórcio público será constituído por contrato cuja celebração dependerá da prévia subscrição de protocolo de intenções. A personalidade jurídica do consórcio deve constar do proto-colo de intenções que, depois, constará do contrato. Nesse sentido, são cláusulas necessárias do protocolo de intenções as que estabeleçam:

I – a denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio; II – a identificação dos entes da Federação consorciados; III – a indicação da área de atuação do consórcio; IV – a previsão de que o consórcio público é associação pública ou pessoa jurídica de direi-to privado sem fins econômicos; V – os critérios para, em assuntos de interesse comum, autorizar o consórcio público a re-presentar os entes da Federação consorciados perante outras esferas de governo; VI – as normas de convocação e funcionamento da assembléia geral, inclusive para a ela-boração, aprovação e modificação dos estatutos do consórcio público; Um dos elementos mais importantes do consórcio é a Assembleia Geral. Ela é quem vai modificar ou alterar os estatutos do consórcio, sendo ouvida em vários momentos de ne-cessidade. É o órgão deliberativo que será ouvido para que o consórcio se manifeste. Des-de o protocolo de intenções, devem estar estabelecidos o número de votos para que se fa-çam as deliberações em Assembleia Geral. VII – a previsão de que a assembléia geral é a instância máxima do consórcio público e o número de votos para as suas deliberações; VIII – a forma de eleição e a duração do mandato do representante legal do consórcio pú-blico que, obrigatoriamente, deverá ser Chefe do Poder Executivo de ente da Federação consorciado; O representante do consórcio será o chefe do Poder Executivo de uma das entidades fede-rativas que integram o consórcio. O protocolo de intenções disporá acerca do mandato, etc. IX – o número, as formas de provimento e a remuneração dos empregados públicos, bem como os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade tempo-rária de excepcional interesse público; Esses elementos são requisitos para o protocolo de intenções. X – as condições para que o consórcio público celebre contrato de gestão ou termo de par-ceria; XI – a autorização para a gestão associada de serviços públicos, explicitando: a) as competências cujo exercício se transferiu ao consórcio público; b) os serviços públicos objeto da gestão associada e a área em que serão prestados; c) a autorização para licitar ou outorgar concessão, permissão ou autorização da prestação dos serviços; d) as condições a que deve obedecer ao contrato de programa, no caso de a gestão asso-ciada envolver também a prestação de serviços por órgão ou entidade de um dos entes da Federação consorciados; e) os critérios técnicos para cálculo do valor das tarifas e de outros preços públicos, bem como para seu reajuste ou revisão; e XII – o direito de qualquer dos contratantes, quando adimplente com suas obrigações, de exigir o pleno cumprimento das cláusulas do contrato de consórcio público.

Os consórcios são instrumento muito utilizado na área de saúde. Podemos pensar na possi-bilidade de aumentar a utilização dos consórcios na área de urbanismo. É importante atentar para o fato de que os consórcios são instrumentos mais antigos; não foram substituídos pela governança interfederativa; são complementares. Existe toda uma ideia da possibilidade de como realizar esses passos administrativos para firmar consórcio. O protocolo de intenções, com todos os seus requisi-tos, deverá ser publicado na imprensa oficial. Ademais, o contrato de consórcio público será cele-brado com a ratificação, mediante lei, do protocolo de intenções. Nesse ponto, é destacável a im-portância da existência de lei: o contrato só é celebrado quando há ratificação, mediante lei, do protocolo de intenções. O consórcio público tem personalidade jurídica, tanto que ele tem um repre-sentante legal. Essa personalidade jurídica pode ser tanto de direito público quanto de direito privado. O consórcio elege, através do protocolo de intenções. No caso de direito público, constituirá associação pública, mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções. Já se for de direito priva-do, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil. Assim como os integrantes do consórcio, o próprio consórcio também tem a sua personalidade jurídica própria e seu próprio representante legal. No que tange aos agentes públicos incumbidos de trabalhar no consórcio, temos que eles não respon-dem pessoalmente pelas obrigações contraídas pelo consórcio, mas responderão pelos atos praticados

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em desconformidade com a lei ou com as disposições dos respectivos estatutos. Assim, os agentes públi-cos de gestão (por exemplo, prefeito de um dos entes municipais integrantes dos consórcios) não res-pondem pessoalmente pelas obrigações contraídas, assim como não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas pelo município. Responderão esses prefeitos pelos atos praticados em descon-formidade com a lei (ex.: lei de improbidade administrativa, legislação criminal, etc.). A retirada ou extinção do consórcio público não prejudica as obrigações que já foram consti-tuídas, inclusive os contratos de programa, cuja extinção dependerá do prévio pagamento das indenizações eventualmente devidas. Assim, as obrigações que já tinham sido assumidas antes da extinção do consórcio devem ser mantidas. Dependerá de instrumento aprovado pela assembleia geral, que ratificará, por lei, a saída de algum membro ou a extinção completa do consórcio. En-quanto não houver esse documento que explique a extinção do consórcio, quem continuará fazen-do o que das obrigações anteriormente assumida, todos os entes consorciados responderão solida-riamente pelas obrigações remanescentes, garantido o direito de regresso em face dos entes bene-ficiados ou dos que deram causa à obrigação , enquanto não houver ato aprovado pela assembleia geral, explicando as responsabilidades de cada um. O contrato de programa deverá: (i) atender à legislação de concessões e permissões de serviços públicos e, especialmente no que se refere ao cálculo de tarifas e de outros preços públicos, à de regulação dos serviços a serem prestados; e (ii) prever procedimentos que garantam a transparência da gestão econômica e financeira de cada serviço em relação a cada um de seus titulares. Isso significa que se aplicam aos consórcios e ao contrato de programa todos os dispositivos em relação à legislação de concessão, de licitações, de transparência, moldados à regulamentação específica que eles apresentarem. Ainda no que tange ao contrato de programa, tem-se que ele continuará vigente mesmo quando extinto o consórcio público ou o convênio de cooperação que autorizou a gestão associada de serviços públicos. Em ou-tras palavras, o contrato de programa pode continuar vigente, mesmo extinto o consórcio público. A União poderá celebrar convênios com os consórcios públicos, com o objetivo de viabilizar a descentralização e a prestação de políticas públicas em escalas adequadas. A União poderá con-veniar com os consórcios. Isso é muito comum, principalmente no que se refere aos repasses. No âmbito do SUS, é uma situação bastante frequente: a União repassa valores para a saúde e, para tal, não repassa diretamente aos entes federativos, mas sim, aos consórcios, para que eles possam viabilizar a descentralização e a prestação daqueles serviços de saúde no âmbito dos municípios que integram aquele consórcio. Essa descentralização de recursos fica facilitada, dado o grande número de municípios no Brasil. Finalmente, o art. 17, lei nº 11.107/05 altera a lei de licitações (lei nº 8.666/93). Vários artigos da lei de licitações são alterados para estabelecer critérios maiores de dispensa de licitação, por exemplo. É o caso do art. 23, § 8º, lei nº 8.666/93 que estabelece que, no caso de consórcios públicos, aplicar-se-á o dobro dos valores base para o estabelecimento das modalidades de licitação, quando formado por até 3 entes da Federação, e o triplo, quando forma-do por maior número. Ademais, no art. 24, XXVI, lei nº 8.666/93, é dispensável a licitação na cele-bração de contrato de programa com ente da Federação ou com entidade de sua administração indireta, para a prestação de serviços públicos de forma associada nos termos do autorizado em contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação. Os tópicos abordados até agora tratam um pouco das relações urbanísticas, passando pela Constituição, pelo Estatuto da Cidade e do Estatuto das Metrópoles. Esses são pontos importantíssimos de legislação de direito urbanístico em relação, principalmente, à estrutura da organização do espaço urbano.

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7.1 DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Preliminarmente, é importante entender o contexto da legislação. A lei nº 6.766/79 foi criada com a ideia de organização das cidades. A preocupa-ção urbanística já era significativa, mas, de alguma forma, a legislação pensou a cidade no sentido ante-rior à sua organização/à sua ocupação. Assim, toda a ideia da lei de parcelamento do solo é de como orga-nizar a cidade/os espaços antes de eles serem efeti-vamente urbanizados. Evidentemente, vamos chamar atenção para o ponto de que essa legislação foi bas-tante alterada pela legislação posterior. O espírito dessa legislação, em 1979, quando foi aprovada, era exatamente a ideia de que, diante de espaços que poderiam ser urbanizados, instituir um roteiro legal para a urbanização, para a organização e integração desses espaços ao espaço da cidade.

Essa legislação é dirigida aos Estados, Distrito Federal e Municípios, explicando que os entes federativos podem estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo, especialmente já reconhecendo a importância do papel do município na ordenação do solo munici-pal, especialmente – e a legislação explica especificamente – que é possível adequar a lei (9.766/79) às peculiaridades tanto regionais quanto locais – o peculiar interesse já era reconhecido pela legislação da época. O parcelamento do solo de que trata essa lei pode ser subdividido em 2 espécies de parcelamento:

1) Loteamento 2) Desmembramento

A legislação trata de requisitos semelhantes, aplicáveis tanto ao loteamento quanto ao desmembramento. Inicialmente, a legislação coloca um conceito do que seria o loteamento e o que seria o desmembramento. Se formos examinar o art. 2ª, §§ 1º e 2º, lei nº 9.766/79, temos o concei-to de loteamento e desmembramento:

Art. 2º. (...) § 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolon-gamento, modificação ou ampliação das vias existentes. § 2º- considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edifica-ção, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

A grande diferença entre loteamento e desmembramento é a existência das vias públicas. Ambos têm o objetivo de criar lotes edificáveis, no pressuposto de que a grande gleba não é pró-pria para ser urbanizada, edificada e vir a integrar a cidade. Por isso, essa gleba deve ser dividida em porções menores. Essa divisão é o parcelamento, podendo ser feita por essas duas formas (loteamento e desmembramento). No loteamento, deve haver previsão, no projeto, de abertura de

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vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes. No desmembramento, simplesmente se divide a gleba em lotes. Todos esses lotes de-vem ter saída para uma via pública, que deve ser preexistente. O lote é o terreno onde haverá uma construção. Os terrenos é que se integrarão à cons-trução da cidade. Esse lote deve ser constituído de infraestrutura básica, com dimensões que aten-dam índices urbanísticos, que são definidos no plano diretor ou em lei municipal em zona que se situe. Isso porque alguns municípios têm plano diretor e outros não são obrigados por lei e, assim, não têm plano diretor. Nesse último caso deve haver, no mínimo, uma lei municipal que determine quais são os índices urbanísticos (dimensões mínimas que o lote deve ter). Não se pode imaginar parcelamento em que o proprietário divida os lotes no tamanho que desejar. Esses lotes precisam ter uma infraestrutura básica. A infraestrutura básica dos parcela-mentos é constituída pelos equipamentos urbanos de (i) escoamento das águas pluviais (macro drenagem ou, simplesmente, canalização pro escoamento das águas pluviais), (ii) iluminação públi-ca, (iii) esgotamento sanitário, (iv) abastecimento de água potável, (v) energia elétrica pública e domiciliar (energia elétrica domiciliar é o equipamento que leva a energia às residências; a ilumina-ção pública refere-se aos postes de luz que iluminam a via pública) e (vi) vias de circulação. A lei fala que essa é a infraestrutura dos parcelamentos, gênero que inclui tanto os loteamentos quanto os desmembramentos. No desmembramento, em geral, esses equipamentos já existem. Isso porque como é necessário que os lotes já tenham frente para uma via pública, em geral, nessa via pública, já existem referidos equipamentos urbanos. Existe uma previsão especial em relação à infraestrutu-ra mínima dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS):

- vias de circulação;

- escoamento das águas pluviais;

- rede para o abastecimento de água potável;

- soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar: não necessa-riamente haverá uma rede integrada à cidade para esgotamento sanitário. Existem outras formas de esgotamento sanitário (ex.: fossa séptica). Assim, exige-se que o esgoto, no mí-nimo, não corra a céu aberto;

- energia elétrica essencial.

Outra questão refere-se ao fato de que o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, serão definidas pelo plano dire-tor ou aprovadas por lei municipal. A legislação prevê casos em que não será permitido o parcela-mento do solo:

1) em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas. Não significa que haja alagamento na gleba total. A gleba total não fica impedida de ser parcelada se alguns lotes futuros vão estar alagadiços; o que pode ocorrer é a separação desses lotes, ou que eles fiquem inabitáveis, ou que se-jam tomadas providências para o escoamento das águas. Assim, essa hipótese de vedação ao parcelamento não é absoluta; 2) em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados. É o caso dos lixões, por exemplo. Não existe estrutura de solo compatível com a habitação. Essa vedação também não é absoluta; assim, poderá haver habitação, desde que haja saneamento da questão do material nocivo – o que é uma hipótese bastante rara;

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3) em terrenos com declividade igual ou superior a 30%, salvo se atendidas exigências es-pecíficas das autoridades competentes. Quando a um declive igual ou superior a 30%, po-de haver muros de contenção, por exemplo, que impeçam eventual desabamento. Isso de acordo com o cumprimento de normas técnicas exigidas; 4) em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação: nesse caso, um problema geológico impede a edificação. A lei não traz nenhuma possibilidade de resolu-ção pois, nesse caso, dependerá dos requisitos de cada situação; 5) em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sani-tárias suportáveis, até a sua correção. Quando se fala em “até a sua correção”, menciona-se a correção nos locais onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis. Em caso de áreas de preservação, não há permissão para o parcelamento do solo.

7.2 DOS REQUISITOS URBANÍSTICOS PARA LOTEAMENTO

A lei traz alguns requisitos para que os loteamentos sejam aprovados. São critérios de exame para que a autoridade municipal possa autorizar o parcelamento. A lei traz as regras gerias. O órgão responsável pela aprovação do loteamento ou do desmembramento são apresentados para a autoridade municipal, que aprovará ou não, podendo ainda sugerir alterações para que o projeto seja aprovado. Os requisitos previstos são:

- as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comu-nitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupa-ção prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem.

Cada município deverá ter a sua legislação em relação à densidade da população e o sis-tema de circulação, equipamentos e espaços livres de uso público deverão seguir as orien-tações relativas àquela densidade. Se o plano diretor ou a lei municipal prever densidade específica para aquela região, isso vai diretamente influenciar na largura da via pública, por exemplo. É importante referir, nesse aspecto, que a densidade aqui mencionada não é a densidade efetiva que hoje a localidade, está diante de, mas sim, aquela prevista no pla-no diretor ou na lei municipal.

- os lotes terão área mínima de 125m² e frente mínima de 5 metros, salvo quando o lote-amento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes.

Evidentemente, em conjuntos habitacionais existe uma regulamentação diversa. O muni-cípio poderá aprovar, sem seguir essas medidas mínimas.

- ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 metros de cada la-do, salvo maiores exigências da legislação específica.

Esse é o caso, por exemplo, da proibição de construir na faixa de 30 metros que a legisla-ção ambiental prevê diante de arroios.

- as vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes oficiais, existentes ou projetadas, e harmonizar-se com a topografia local.

Refere-se ao fato de que quando apresentado o projeto de loteamento ou de desmem-bramento, referido projeto somente será aprovado se as vias públicas estiverem ligadas às vias públicas à sua volta. A cidade irá se formando por ligações entre loteamentos, rela-cionada à ideia da legislação de que a cidade está vazia e que irão sendo aprovados proje-tos de loteamento ou de desmembramento, ao longo do tempo.

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A lei nº 9.766/79 preserva a legislação municipal, dispondo que a legislação municipal definirá, para cada zona em que se divida o território do Município, os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, que incluirão, obrigatoriamente, as áreas míni-mas e máximas de lotes e os coeficientes máximos de aproveitamento. Daí surge a questão: pode a legislação municipal prever diferentemente da lei nº 9.766/79, que prevê o mínimo de 125 m² o lote, sendo o mínimo de 5m de frente. Isto é, pode haver lei municipal prevendo o mínimo de 130 m² de tamanho do lote e o mínimo de 6 m de frente? Sim. Ao município cabe definir assuntos de interesse local, além da execução de políticas do espaço urbano (art. 30, I, CF). Inclusive, a lei fede-ral 9.766/79 prevê essa possibilidade de o município dispor sobre referido assunto. Ainda conceitualmente, temos que se consideram comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares. Por exemplo, deve haver, em loteamento, a reserva de espaço para uma área de escola, de creche. Evidentemente, o loteador não irá construir a esco-la, a creche. Deverá reservar um dos lotes para esses equipamentos. O tamanho do lote reservado para isso dependerá da região da cidade, das possibilidades de demanda, etc. Os órgãos técnicos do município podem definir e, inclusive, abdicar, eventualmente, de um desses equipamentos urbanos, tendo em vista, por exemplo, se tratar de um loteamento menor, no caso concreto, a recém aprovação de loteamento muito próximo, com equipamento que dará conta, etc. Também existe a previsão de reserva de faixa não-edificável, se necessária, vinculada a dutovias será exigida no âmbito do respectivo licenciamento ambiental, observados critérios e parâmetros que garantam a segurança da população e a proteção do meio ambiente, conforme estabelecido nas normas técnicas pertinentes. Faixa não-edificável é um lote não destinado a venda naquele loteamento. O Poder Público competente poderá complementarmente exigir, em cada loteamento, a reserva de faixa non aedificandi destinada a equipamentos urbanos. Existe certa referência a elaboração de estudo, pelo Poder Público municipal, a fim de indicar, ao loteador, aspectos qualitativos e quantitativos, nesses casos, relativos aos equipamentos urbanos, para apro-vação do projeto. Consideram-se urbanos os equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado. Existe essa diferença entre equipamentos públicos urbanos e equipamentos públicos comunitários. Dentro dos equipamentos públicos exigidos no loteamento, temos 2 espécies:

EQUIPAMENTOS PÚBLICOS URBANOS EQUIPAMENTOS PÚBLICOS

COMUNITÁRIOS -São aqueles que se exige que o próprio loteador (proprie-tário ou loteador da gleba) implemente, realizando as obras pertinentes para a efetivação; - Abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado; - Do valor para grande gleba sem as possibilidades de urbanização para o valor de lotes urbanizados que serão vendidos, integrados para a cidade, com possibilidade de construção, existe uma grande diferença. Essa diferença é considerada a atividade econômica do loteador e exige as atividades aqui especificadas (relativas à integração dos lotes à cidade).

- São aqueles que, em geral, o loteador reserva um lote. São áreas para escola, para saúde, etc., que serão colocados pelo Poder Público; - Não se exige do loteador que construa uma escola, um posto de saúde.

Na prática, quando se trata de equipamentos urbanos, às vezes é difícil fazer o loteador compreender, dentro de sua regularidade, essa sua obrigação, por lei, de instalar os equipamentos urbanos. Por vezes, movido pela crença (contra lege) dos compradores de que ele não é o respon-sável, acabamos por ter loteamentos irregulares ou clandestinos, em que o loteador não instala esses equipamentos. Muitas vezes, se fala em irregularidade de uma cidade e pensamos apenas nas ocupações (de pessoas em terrenos alheios, de forma desordenada, sem vias, sem equipamentos urbanos, etc.). Esse é um lado do problema da irregularidade na formação de uma cidade. No entanto, em geral, numericamente, é muito maior o número de famílias instaladas em loteamentos irregulares ou clandestinos. As pessoas pagam pelos lotes e constroem as suas casas, mas o loteador não regu-lariza formalmente a situação dos lotes (não abre matrículas de regularização dos lotes, não im-plementa os equipamentos urbanos, etc.).

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7.3 DO PROJETO DE LOTEAMENTO

O projeto de loteamento é diverso do projeto de desmembramento. O loteamento é o parcelamento com vias públicas a serem abertas. Em geral, os equipamentos urbanos são muito mais custosos porque deve-se partir do zero, diante da ausência desses requisitos. No desmem-bramento, como já há frente para via pública, em geral, a via pública já possui esses equipamentos. Antes da elaboração do projeto de loteamento, o interessado deverá solicitar à Prefeitura Munici-pal, ou ao Distrito Federal quando for o caso, que defina as diretrizes para o uso do solo, traçado dos lotes, do sistema viário, dos espaços livres e das áreas reservadas para equipamento urbano e comunitário, apresentando, para este fim, requerimento e planta do imóvel contendo, pelo menos:

1) as divisas da gleba a ser loteada; 2) as curvas de nível à distância adequada, quando exigidas por lei estadual ou municipal; 3) a localização dos cursos d’água, bosques e construções existentes; 4) a indicação dos arruamentos contíguos a todo o perímetro, a localização das vias de comunicação, das áreas livres, dos equipamentos urbanos e comunitários existentes no local ou em suas adjacências, com as respectivas distâncias da área a ser loteada; 5) o tipo de uso predominante a que o loteamento se destina; 6) as características, dimensões e localização das zonas de uso contíguas.

Assim, temos que, para iniciar um projeto, o interessado (proprietário ou loteador, a mando do proprietário, da grande gleba), ao invés de iniciar elaborando um projeto, ele deverá apresentar um mapa com a gleba total e suas divisas (sem a divisão interna ainda), constando as vias que desembocam nessa gleba, a relação com glebas vizinhas, explicando o objetivo do parce-lamento (moradia, comércio), as características da gleba, as curvas de nível, para determinar distin-ções de altura entre uma parte da gleba e outra, os arruamentos e vias de comunicação, os equi-pamentos urbanos que existem nas adjacências, etc. Apresentando o desenho da gleba, como um todo – sem apresentar o parcelamento ainda – ele entrega isso à autoridade municipal e a prefeitura, a partir disso e do plano diretor, irá expedir as diretrizes de uso de solo (traçado de lote, sistema viário, metragem de sistema viário na região, espaços livres necessários, áreas para equipamento urbano necessário, etc.). Os técnicos da prefei-tura irão fazer um documento com as diretrizes do projeto. Esse é o primeiro passo para iniciar o projeto de aprovação. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, indicará, nas plantas apresentadas junto com o requerimento, de acordo com as diretrizes de planejamento estadual e municipal:

- as ruas ou estradas existentes ou projetada, que compõem o sistema viário da cidade e do município, relacionadas com o loteamento pretendido e a serem respeitadas;

- o traçado básico do sistema viário principal;

- a localização aproximada dos terrenos destinados a equipamento urbano e comunitário e das áreas livres de uso público;

- as faixas sanitárias do terreno necessárias ao escoamento das águas pluviais e as faixas não edificáveis;

- a zona ou zonas de uso predominante da área, com indicação dos usos compatíveis.

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Referidas diretrizes expedidas vigorarão pelo prazo máximo de quatro anos: o órgão mu-nicipal explicita as diretrizes e elas serão válidas por, no máximo, 4 anos. Nesse intervalo de tempo, o interessado deverá apresentar, efetivamente, o seu projeto de parcelamento. Nessas diretrizes, deverá haver integração com sistema de escoamento de águas pluviais que exista na região. Esse é o grande trabalho dos técnicos do município: criar adequação do novo loteamento, que está nas-cendo, com aqueles que já existem e com aqueles equipamentos preexistentes. Pode ocorrer de o interessado intentar realizar parcelamento para fins de moradia, por exemplo. Mas as diretrizes podem referir a impossibilidade de moradia naquele local determinado. Assim, as diretrizes precisam pormenorizar as regras aplicáveis, para que se posa fazer o projeto. Os Municípios com menos de 50 mil habitantes e aqueles cujo plano diretor contiver diretrizes de urbanização para a zona em que se situe o parcelamento poderão dispensar, por lei, a fase de fixa-ção de diretrizes previstas em lei. A fase de fixação de diretrizes, em verdade, facilita o trabalho do loteador. Na verdade, é uma fase muito importante. Os municípios com menos de 50 mil habitan-tes poderão dispensar essa fase, mas isso não significa que eles irão dispensá-la. É uma prerrogativa que facilita muito o desenrolar da fase de aprovação. Na sequência, orientado pelo traçado e diretrizes oficiais, quando houver, o projeto, con-tendo desenhos, memorial descritivo (descrição pormenorizada de cada lote, em termos quantita-tivos e qualitativos, incluindo a descrição das vias) e cronograma de execução das obras com dura-ção máxima de 4 anos (existe uma diversidade de obras que deverá ser realizada: canalização de água, de luz, implantação de postes de luz, pavimentação, etc. – o que será feito primeiro e após, sequencialmente), será apresentado à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal, quando for o caso, acompanhado de certidão atualizada da matrícula da gleba, expedida pelo Cartório de Regis-tro de Imóveis competente, de certidão negativa de tributos municipais e do competente instru-mento de garantia, ressalvadas as previsões legais. No que se refere às áreas destinadas aos equipamentos públicos, como áreas de escola, de postos de saúde, de vias públicas, tradicionalmente, não se abria matrículas específicas dessas áreas públicas. Atualmente, há um entendimento no sentido da exigência de matrículas (tanto que o memorial descritivo deve descrever as vias públicas também). Portanto, os registros de imóveis agora tem entendimento no sentido de exigir matrícula dessas áreas destinadas aos equipamentos urbanos. Os desenhos técnicos deverão conter, pelo menos:

- a subdivisão das quadras em lotes, com as respectivas dimensões e numeração. Ex.: qua-dra A – lote 1;

- o sistema de vias com a respectiva hierarquia;

- as dimensões lineares (em metros) e angulares (em ângulos) do projeto, com raios, cor-das, arcos, pontos de tangência e ângulos centrais das vias;

- os perfis longitudinais e transversais de todas as vias de circulação e praças;

- a indicação dos marcos de alinhamento e nivelamento localizados nos ângulos de curvas e vias projetadas;

- a indicação em planta e perfis de todas as linhas de escoamento das águas pluviais.

Já o memorial descritivo deverá conter, obrigatoriamente, pelo menos:

- a descrição sucinta do loteamento, com as suas características e a fixação da zona ou zo-nas de uso predominante;

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- as condições urbanísticas do loteamento e as limitações que incidem sobre os lotes e su-as construções, além daquelas constantes das diretrizes fixadas;

- a indicação das áreas públicas que passarão ao domínio do município no ato de registro do loteamento;

- a enumeração dos equipamentos urbanos, comunitários e dos serviços públicos ou de u-tilidade pública, já existentes no loteamento e adjacências.

7.4 DO PROJETO DE DESMEMBRAMENTO

Para a aprovação de projeto de desmembramento, o interessado apresentará requeri-mento à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal quando for o caso, acompanhado de certidão atualizada da matrícula da gleba, expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis competente e de planta do imóvel (já contém a pretendida divisão dos lotes) a ser desmembrado contendo:

- a indicação das vias existentes e dos loteamentos próximos, a fim de comprovar que é possível desmembrar e dividir;

- a indicação do tipo de uso predominante no local;

- a indicação da divisão de lotes pretendida na área.

No desmembramento não se apresentam as diretrizes, tal como ocorre no loteamento. No entanto, aplicam-se ao desmembramento, no que couber, as disposições urbanísticas vigentes para as regiões em que se situem ou, na ausência destas, as disposições urbanísticas para os lotea-mentos (art. 11, lei nº 9.766/79). Essa previsão é muito relevante. Temos uma diferença grande entre os loteamentos e os desmembramentos relativa às vias públicas e aos equipamentos. Se não há vias, a ideia do desmembramento é que sua área total seja dividida em lotes (desmembrada). Não há previsão específica, nesse caso, para equipamentos públicos urbanos. Acontece que alguns municípios, para aprovação do desmembramento, exigem que seja doada área para esses equipa-mentos urbanos também, por interpretação realizada pelo município. A previsão do art. 11, lei nº 9.766/79 é que dá suporte a essa exigência. Às vezes, o interessado no desmembramento pode doar área em separado, de outra área, para compensar aquela área em que ocorrerá o desmem-bramento. O Município, ou o Distrito Federal quando for o caso, fixará os requisitos exigíveis para a aprovação de desmembramento de lotes decorrentes de loteamento cuja destinação da área públi-ca tenha sido inferior à mínima prevista na lei. Portanto, daí decorre que o município poderá exigir área destinada a equipamentos públicos urbanos tanto no loteamento quanto no desmembramen-to, por decorrência dessas previsões legais.

7.5 DA APROVAÇÃO DO PROJETO DE LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO

Tanto o projeto de loteamento quanto o de desmembramento deverá ser aprovado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, a quem compete também a fixação das diretrizes para apresentação do projeto, no caso dos loteamentos. O projeto aprovado deverá ser executado pelo interessa-do no loteamento no prazo constante do cronograma de execução, sob pena de caducidade da aprovação. No âmbito do desmembramento, esse prazo não é tão relevante, pois não há muitas obras de infraestrutura.

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Existe uma regra específica relativa aos Municípios inseridos no cadastro nacional de mu-nicípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações brus-cas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos, que dispõe que a aprovação do projeto de loteamento ou de desmembramento ficará vinculada ao atendimento dos requisitos constantes da carta geotécnica de aptidão à urbanização. Em termos práticos, exige-se um documento a mais para projetos relativos a essas áreas, além daqueles constantes das diretrizes para aprovação do projeto. Ademais, é vedada a aprovação de projeto de loteamento e desmembramento em áreas de risco definidas como não edificáveis, no plano diretor ou em legislação dele derivada. Essas proibições de construção em áreas de risco e em áreas não edificáveis estarão previstas nas diretri-zes, quando da apresentação do projeto. Daí a importância de mesmo os municípios dispensados da apresentação de diretrizes, pela lei, não as dispensem, pois referidas vedações já constam das diretrizes, ordinariamente. Há a possibilidade de aprovação de projeto a ser executado em parte de determinada gleba, excluindo eventual área de risco. A existência de área de risco em determinado ponto da gleba não inviabiliza totalmente o projeto em toda a matrícula da gleba. A competência para apreciar a apresentação do projeto, para expedição das diretrizes, para apro-vação dos projetos é dos municípios. A lei traz uma exceção: quando os Estados irão apreciar a aprovação que os municípios fazem do parcelamento. Nesse caso, não se retira a possibilidade de os municípios aprovarem o projeto, mas se fala da regulamentação dessa aprovação. Assim, aos Estados caberá disciplinar a aprovação pelos Municípios de loteamentos e desmembramentos nas seguintes condições:

1) quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de proteção aos ma-nanciais ou ao patrimônio cultural, histórico, paisagístico e arqueológico, assim definidas por legislação estadual ou federal; 2) quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área limítrofe do municí-pio, ou que pertença a mais de um município, nas regiões metropolitanas ou em aglome-rações urbanas, definidas em lei estadual ou federal; 3) quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m², mesmo que seja apenas dentro de um único município.

Nesses casos, o Estado poderá disciplinar, trazendo regras para aprovação pelos Municí-pios. Mas continuará cabendo aos municípios – e só aos municípios – a atividade de aprovação de loteamento ou desmembramento. Aos Estados caberá definir, por decreto, as áreas de proteção especial. No caso de loteamento ou desmembramento localizado em área de município integrante de região metropolitana, o exame e a anuência prévia à aprovação do projeto caberão à autoridade metropolitana, quando houver referida autoridade. A lei municipal definirá os prazos (voltados ao próprio Poder Público) para que um projeto de parcelamento apresentado seja aprovado ou rejeitado e para que as obras executadas sejam aceitas ou recusadas. Transcorridos os prazos sem a manifestação do Poder Público, o projeto será considerado rejeitado ou as obras recusadas, assegurada a indenização por eventuais danos deri-vados da omissão. Pode ocorrer eventual indenização por danos derivados dessa omissão do Poder Público. Nos Municípios cuja legislação for omissa (o município não define o prazo aplicável), os prazos serão de 90 dias para a aprovação ou rejeição e de 60 dias para a aceitação ou recusa fun-damentada das obras de urbanização. Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade da licença ou desistência do loteador, observadas exigências legais. Se eles não se reali-zarem, isso poderá ter consequências relativas ao registro.

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A aprovação do projeto irá se dar desde que o projeto tenha sido realizado nos moldes das diretrizes dadas. Se, no início, o município forneceu as diretrizes, e elas foram seguidas, o proje-to será aprovado. Excepcionalmente, em se tratando de região metropolitana, caberá à autoridade metropolitana a aprovação. Além disso, em algumas circunstâncias específicas o Estado poderá regulamentar essa aprovação.

7.6 DO REGISTRO DO LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO

Até a fase de aprovação, não há transferência de propriedade, isto é, não há alteração registral daquela área. A gleba continua sendo uma gleba, continua sendo pertencente àquela propriedade e não há transcrição daquela gleba maior. No caso de loteamento que foi apenas a-provado pelo município, realizadas as obras ou não realizadas as obras, temos o chamado lotea-mento irregular, caso ele chegue apenas até a fase de aprovação. Isto é, foi realizado o projeto, foram feitas as obras, mas, por hora, tem-se que ele é irregular: isso porque não ocorreu a próxima fase, do registro do loteamento ou do desmembramento. Assim, aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 dias, sob pena de caducidade da aprovação do projeto, acompanhado dos seguintes documentos:

- título de propriedade do imóvel ou certidão da matrícula ou a certidão da matrícula;

- histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20, acompanha-dos dos respectivos comprovantes (certidão vintenária);

- certidões negativas:

a) de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel;

b) de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 anos;

c) de ações penais com respeito ao crime contra o patrimônio e contra a Administra-ção Pública, em relação ao nome do proprietário ou loteador;

- certidões:

a) dos cartórios de protestos de títulos, em nome do loteador, pelo período de 10 anos;

b) de ações pessoais relativas ao loteador, pelo período de 10 anos;

c) de ônus reais relativos ao imóvel;

d) de ações penais contra o loteador, pelo período de 10 anos;

- cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de verificação pela Prefeitura Municipal ou pelo Distrito Federal, da execução das obras exigidas por legisla-ção municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluvi-ais ou da aprovação de um cronograma, com a duração máxima de 4 anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras;

- exemplar do contrato padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta Lei

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(deve haver um contrato padrão para as promessas de venda, pois ainda não foi aberta matrícula dos lotes. Nesse caso, um exemplar do contrato de compra e venda relativo aos lotes do loteador que está parcelando o terreno deverá constar)

- declaração do cônjuge do requerente de que consente no registro do loteamento.

Examinada a documentação e encontrada em ordem, o Oficial do Registro de Imóveis encaminhará comunicação à Prefeitura (de que recebeu os documentos e de que eles estão em ordem) e fará publicar, em resumo e com pequeno desenho de localização da área, edital do pedi-do de registro em 3 dias consecutivos, podendo este ser impugnado no prazo de 15 dias contados da data da última publicação. Caso alguém tenha alguma objeção ao parcelamento, há a possibilidade de manifestação de impugnação; por isso, a necessidade de publicidade. Em relação ao domínio do município, com a data do registro (depois de efetivado o regis-tro), as áreas passam a ser públicas (vias, praças, espaços públicos, áreas destinadas a equipamen-tos públicos de saúde, de educação, etc.), de propriedade do município. O art. 22, lei nº 9.766/79 é o dispositivo que fundamenta a desnecessidade vista por al-guns para que se abra matrícula específica relativo às propriedades públicas. Atualmente, alguns registradores abrem matrículas de áreas públicas, especificamente em nome de “Município de ...”. Esse município figura como proprietário sobre essas áreas públicas (vias públicas, áreas de equipa-mentos públicos, etc.). No entanto, isso nem sempre foi assim, fundado no fato de que bastaria o registro para que a área se tornasse pública; então, não seria necessária a abertura de matrículas em separado:

Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equi-pamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo. Parágrafo único. Na hipótese de parcelamento do solo implantado e não registrado, o Mu-nicípio poderá requerer, por meio da apresentação de planta de parcelamento elaborada pelo loteador ou aprovada pelo Município e de declaração de que o parcelamento se en-contra implantado, o registro das áreas destinadas a uso público, que passarão dessa for-ma a integrar o seu domínio.

No que se refere ao cancelamento do registro, temos que ele só poderá ser cancelado: - por decisão judicial;

- a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato de venda;

- a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, e do Estado.

7.7 DOS CONTRATOS

A lei traz, ainda, um ponto específico sobre os contratos de compromisso de compra e venda, cessões e promessa de cessão, que são as fórmulas contratuais para que haja a primeira venda dos lotes. A legislação prevê que são irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros. Essa é uma regulação mais voltada ao direito civil do que ao direito urbanístico. Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular, e conterão, pelo menos, as seguintes indicações: (i) nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacionalidade, estado civil e residência dos contratantes; (ii) denominação e situação do loteamento, número e data da

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inscrição; (iii) descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos, confrontações, área e outras características; (iv) preço, prazo, forma e local de pagamento bem como a importân-cia do sinal; (v) taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as prestações vencidas e não pagas, bem como a cláusula penal, nunca excedente a 10% do débito e só exigível nos casos de intervenção judicial ou de mora superior a 3 meses; (vi) indicação sobre a quem incumbe o paga-mento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote compromissado; (vii) declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente. Existem ainda algumas regras específicas a esse contrato. Por exemplo, se aquele que se obrigou a concluir contrato de promessa de venda ou de cessão não cumprir a obrigação, o credor poderá notificar o devedor para outorga do contrato ou oferecimento de impugnação no prazo de 15 dias, sob pena de proceder-se ao registro de pré-contrato, passando as relações entre as partes a serem regidas pelo contrato-padrão. Se se iniciaram as tratativas, mas o contrato não foi registra-do, como o Registro de Imóveis possui uma cópia do contrato padrão, é possível que se exija, inclu-sive, judicialmente, a assinatura do contrato-padrão. Os demais requisitos do contrato seguem a lei geral civil.

7.8 DISPOSIÇÕES GERAIS

Temos algumas disposições gerais da lei que são importantes e merecem ser destacadas, no âmbito da lei nº 9.766/79:

- É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado. Se o loteamento ou o desmembramento não foram registrados, nesse caso é proibida a venda. Existe, inclusive, dispositivo consumerista dispondo a respeito (não se pode, por exemplo, fazer financiamento de lote que não está regularizado). Essa disposi-ção é importante a fim de evitar que os loteamentos se tornem irregulares ou clandesti-nos e, por isso, também a proibição de integrar a constituição formal da cidade;

Verificado que o loteamento ou desmembramento não se acha registrado ou regularmen-te executado ou notificado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, deverá o adquirente do lote suspender o pagamento das prestações restantes e notificar o loteador para suprir a falta. Em outras palavras, se o comprador não sabia que o lote não fora registrado, ele pode, inclusive, suspender o pagamento sem perda de seus direitos, em vista da inexistência de registro.

Ocorrendo a suspensão do pagamento das prestações restantes, o adquirente efetuará o depósito das prestações devidas junto ao Registro de Imóveis competente, que as deposi-tará em estabelecimento de crédito, em conta com incidência de juros e correção mone-tária, cuja movimentação dependerá de prévia autorização judicial. Embora haja essa pre-visão, na prática, o que mais ocorre é a judicialização, passando o adquirente a efetuar os depósitos judicialmente.

A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, ou o Ministério Público, poderá promover a notificação ao loteador, em caso de lotes sem registro.

- A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo lo-teador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos ad-quirentes de lotes.

Essa disposição é muito relevante, pois traz situação que muitas pessoas pensam, quando pensam em regularização das áreas, que a competência do município para a regularização

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seria relativamente nova. No entanto, não é. Essa previsão consta do art. 40, lei nº 9.766/79. É um dispositivo originário da edição da lei. A regularização fundiária (dita pela doutrina uma matéria nova) existe, no dispositivo em comento, desde 1979. O que ocorre, hoje, é que a regularização fundiária como competência do município, para organizar a ci-dade já feita, é uma competência que foi, na legislação mais atual, muito mais explicitada.

Nesse particular, a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, que promover a regularização, na forma deste art. 40, lei nº 9.766/79, obterá judicialmente o levanta-mento das prestações depositadas, com os respectivos acréscimos de correção monetária e juros, a título de ressarcimento das importâncias despendidas com equipamentos urbanos ou expropria-ções necessárias para regularizar o loteamento ou desmembramento. As importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, para regularizar o loteamento ou desmembramento, caso não sejam integralmente ressarcidas conforme o disposto no parágrafo anterior, serão exigidas na parte faltante do lotea-dor. Em outras palavras, se as importâncias não forem ressarcidas, elas serão exigidas do próprio loteador. Esse é o fundamento do município para ingressar com a ação judicial (em geral ação civil pública) para exigir que o loteador efetive o loteamento e pague pelo valor das obras que o municí-pio eventualmente tiver realizado.

- Nas desapropriações não serão considerados como loteados ou loteáveis, para fins de indenização, os terrenos ainda não vendidos ou compromissados, objeto de loteamento ou desmembramento não registrado. É uma regra que está de acordo com o objetivo do registro: se não está registrado, o lote não é de propriedade efetiva daquele que pensa que tem a propriedade, já que o lotea-mento não foi registrado. - No caso da execução de loteamento sem aprovação (um loteador faz a divisão dos lotes sem ter havido aprovação), a destinação de áreas públicas exigidas não se poderá alterar sem prejuízo da aplicação das sanções administrativas, civis e criminais previstas. Existem várias sanções para o loteador no caso da execução de loteamento que não fora aprovado (loteamento clandestino). - O loteador, ainda que já tenha vendido todos os lotes, ou os vizinhos, são partes legíti-mas para promover ação destinada a impedir construção em desacordo com restrições le-gais ou contratuais. - Além disso, o loteador não poderá fundamentar qualquer ação ou defesa na lei nº 9.766/79 sem apresentação dos registros e contratos a que ela se refere. O loteador, nes-se caso, não poderá tomar para si nenhum benefício que a lei eventualmente possa lhe trazer nem utilizar o loteamento como matéria de defesa, se ele não tiver agido de acordo com a lei. - O foro competente para os procedimentos judiciais previstos nesta Lei será o da comarca da situação do lote.

7.9 DISPOSIÇÕES PENAIS

O loteador que não aprova seu projeto, que não registra o loteamento e, mesmo assim, vende parcelas daquela área de gleba maior, tem consequências administrativas, civis e penais. Em relação a essas últimas, destacam-se:

Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública: I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as dis-posições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios; II - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença;

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III - fazer ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a inte-ressados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo. Pena: Reclusão, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País. Parágrafo único - O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido: I - por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumen-tos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não re-gistrado no Registro de Imóveis competente; II - com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ 4º e 5º, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave. Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País. Art. 51. Quem, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimes previstos no artigo anterior desta Lei incide nas penas a estes cominadas, considerados em especial os atos praticados na qualidade de mandatário de loteador, diretor ou gerente de sociedade.

É o caso de alguém que não vende sozinho os lotes relativos ao loteamento; passa para que o corretor de imóveis venda referidos lotes, por exemplo. Outro caso muito comum tem inter-secções com o direito sucessório. Por exemplo, determinado indivíduo tem um terreno e resolve parcelá-lo para venda. Se essa pessoa falece e um herdeiro continua vendendo os lotes, ele concor-rerá para a prática dos crimes previstos nos dispositivos acima indicados.

Art. 52. Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado. Pena: Detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis.

Em relação ao art. 53 do diploma legal em comento, ocorre que, dificilmente, o indivíduo conseguirá efetivar o registro. Assim, o tipo penal aí previsto será punido, na prática, bem mais frequentemente na modalidade tentada. Até então, tratamos de legislações que tratam de como organizar a cidade urbanistica-mente a partir de seus vazios, de glebas não habitadas que irão integrar a cidade a partir de sua urbanização (quem é o responsável, como o loteador dessa grande gleba poderá fazer para dividir, parcelar essa gleba, etc.). A partir dos próximos tópicos, passaremos a abordar instrumentos utili-zados para trazer as pessoas para a cidade (direito à cidade); transformar uma área irregular em área regular.

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A concessão de uso para fins de moradia é um instrumento de política urbana para fins de regu-larizar a cidade. Essa concessão de uso tem regula-mentação pela MP 2.220, de 4 de setembro de 2001, regendo até hoje o instituto. Concessão de uso é exclusiva para imóveis públicos, pois, nos termos do art. 102 do Código Civil, bens públicos não podem ser usucapidos. Assim, quando, em uma gleba pública, encontramos núme-ro significativo de pessoas já residindo (nesse caso, temos 2 possibilidades, consubstanciadas (i) na ocu-

pação, que se dá pela invasão ou (ii) no fato de algum loteador lotear de forma clandestina área pública – será, nesse caso, um loteamento clandestino). A questão aqui é a da consolidação. Depois de algum tempo decorrido da invasão da área pública ou da compra da área pública, cuja venda ocorreu de forma enganosa pelo loteador, o que se pode fazer é o órgão titular da área pública não pode simplesmente lotear a área pública aos ocupantes, tendo em vista que os bens públicos não podem ser usucapidos. A regularização dessa situação se dá por meio da concessão do direito de uso. O proprie-tário daquela área (União, Estado, Distrito Federal ou Município) poderá conceder o uso àquelas pessoas. Na lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade) foram vetados todos artigos sobre concessão de uso, por decorrência de questão de competência relativa aos imóveis públicos estaduais e munici-pais. Antes de vigorar a lei nº 10.257/01, já estava em vigor a Medida Provisória nº. 2.220, com força de lei. Com algumas alterações, reintroduziu o instrumento da Concessão de Uso Especial, com o objetivo de promover a regularização fundiária em imóveis públicos, pertencentes à Admi-nistração Pública direta e indireta. Em maio de 2007, passa a vigorar a lei nº 11.481/07, que acresce à lei no 9.636/98 o artigo 22-A, versando a respeito da Concessão de Uso Especial para fins de moradia da MP nº 2.220 de 2001. De qualquer forma, a concessão de uso especial é regulamentada até hoje por essa medida provisória. Referido instrumento normativo traz um marco temporal para que possa haver a conces-são de uso especial. Assim, têm direito à concessão aqueles que, até 30 de junho de 2001, possuem como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até 250 m² de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. O texto da medida provisória fala em verdadeiro direito daqueles que se enquadram na situação fática descrita de obtenção da medida provisória. Poderá ocorrer concessão até os dias de hoje, desde que se comprove que aquela pessoa estava ocupando a área em 2001. A concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma gratuita ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. O direito aqui tratado não

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será reconhecido ao mesmo concessionário mais de uma vez. Além disso, o herdeiro legítimo con-tinua, de pleno direito, na posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão. Nos imóveis dessas áreas, com mais de 250 m², que, até 30 de junho de 2001, estavam ocupados por população de baixa renda para sua moradia, por 5 anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por possuidor, a concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma coletiva, desde que os possuidores não se-jam proprietários ou concessionários, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. Os requisitos são muito semelhantes à usucapião. No entanto, como se trata de área pública, ela não pode ser usucapida. Por isso a criação desse instituto específico, que legitima a posse dos ocupantes. No caso de a ocupação acarretar risco à vida ou à saúde dos ocupantes, o Poder Público garantirá ao possuidor o exercício da concessão do uso especial em outro local. É facultado ao Poder Público assegurar o exercício do direito da concessão do uso especial em outro local na hipótese de ocupação de imóvel:

- de uso comum do povo (ex.: ocupantes de via pública antes do ano de 2001);

- destinado a projeto de urbanização;

- de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos ecossiste-mas naturais;

- reservado à construção de represas e obras congêneres; ou

- situado em via de comunicação.

O título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administra-tiva perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão des-te, pela via judicial. A Administração Pública terá o prazo máximo de 12 meses para decidir o pedi-do, contado da data de seu protocolo (o intervalo aqui é elevado, pois há necessidade de realização de um estudo relativo àquela área pública). Na hipótese de bem imóvel da União ou dos Estados, o interessado deverá instruir o re-querimento de concessão de uso especial para fins de moradia com certidão expedida pelo Poder Público municipal, que ateste a localização do imóvel em área urbana e a sua destinação para mo-radia do ocupante ou de sua família. Se o imóvel for da União, dificilmente ocorrerá vistoria de todos os imóveis públicos no Brasil, para verificar se a concessão realmente se destina a fins de moradia. Assim, o interessado requer ao município que ateste a localização do imóvel, que a área é urbana e que a pessoa está ocupando para fins de moradia. Evidentemente, nesse caso, o municí-pio não poderá conceder o uso especial, pois o imóvel é da União ou, eventualmente, do Estado. Em caso de ação judicial, a concessão de uso especial para fins de moradia será declarada pelo juiz, mediante sentença. O título conferido por via administrativa ou por sentença judicial servirá para efeito de registro no cartório de registro de imóveis. Portanto, essa concessão será registrada, para fins de assegurar um direito. Na verdade, é um direito de posse, mas ele será quase uma propriedade, pois será registrado no RI e é transferível tanto inter vivos quanto causa mortis. A concessão de uso especial para fins de moradia aplica-se às áreas de propriedade da União, inclu-sive aos terrenos de marinha e acrescidos, e será conferida aos possuidores ou ocupantes que preencham os requisitos legais estabelecidos na Medida Provisória no 2.220, de 4 de setembro de 2001. A lei nº 9.636/98 é uma lei que remete à medida provisória. Assim, a concessão de uso não possui lei regente, já que os dispositivos concernentes, no Estatuto da Cidade, foram vetados. Por-tanto, hoje, no Brasil, a regulamentação dos casos de concessão de direito uso especial para fins de moradia é dada pela Medida Provisória no 2.220, de 4 de setembro de 2001.

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A lei nº 11.977/09 traz instrumentos importantes, que são (i) a demarcação urbanística e (ii) a legitimação de posse. Referido diploma parte do pressuposto de que a cidade está já formada. Assim, tenta buscar instrumentos para contribuir com a questão da regularização de áreas consoli-dadas, que foram sendo ocupadas de uma forma ou de outra, seja por ocupação, invasão, seja por meio de loteamentos clandestinos ou irregulares. Por isso, novamente, nos casos da lei nº 11.977/09, estamos diante de pessoas que ocupa-ram, simplesmente, determinadas áreas privadas ou, na maior parte dos casos, compraram de forma irregular ou clandestina, de pessoas que não eram proprietárias, ou que eram proprietárias, mas, de qualquer forma, não efetivaram a aprovação do projeto e o registro do loteamento nos termos da lei nº 9.766/98. A lei nº 11.977/09 confere uma resposta jurídica a essas situações de fato. Pretende regu-larizar situações e tornar as pessoas integrantes das cidades, urbanizando esses locais, a fim de que integrem a cidade. Pela primeira vez, de forma explícita na legislação, temos uma conceituação de regularização fundiária. Senão vejamos:

Art. 46. A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A lei nº 11.977/09 (denominada de “lei do Minha Casa, Minha Vida”) inicia pelo art. 46. Ela possui uma característica marcante: em sua primeira parte, trata do projeto do governo federal chamado “Minha Casa, Minha Vida”. Não trata exatamente de direito urbanístico, mas sim, de política pública. Assim, para fins de concurso, a segunda parte da lei é que é pertinente ao Direito Urbanístico. A regularização dessa forma ampla inclui medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais. Não se entende regularização fundiária apenas como a titulação, o registro de loteamento, a outorga de propriedade privada de lotes às pessoas; há uma ideia de regularização fundiária mais abrangente. O objetivo é a regularização desses assentamentos e a titulação de seus ocupantes, de modo a garantir os direitos constitucionais previstos no Texto Maior. Em termos conceituais, para efeitos da regularização fundiária de assentamentos urbanos, consideram-se:

– área urbana: parcela do território, contínua ou não, incluída no perímetro urbano pelo Plano Diretor ou por lei municipal específica; – área urbana consolidada: parcela da área urbana com densidade demográfica superior a 50 habitantes por hectare e malha viária implantada e que tenha, no mínimo, 2 dos se-guintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados:

a) drenagem de águas pluviais urbanas;

b) esgotamento sanitário;

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c) abastecimento de água potável;

d) distribuição de energia elétrica; ou

e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos;

– demarcação urbanística: procedimento administrativo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses; Em geral, quem faz a demarcação urbanística é o município, pois é ele quem deve execu-tar as políticas de urbanização em seu âmbito (competência constitucional). Os Estados e a União podem também realizar demarcação urbanística, pois ela poderá ocorrer em imó-veis públicos. Se o imóvel for de propriedade do Estado ou da União, eles poderão realizar a demarcação urbanística. Em termos práticos, trata-se de procedimento junto ao Registro de Imóveis em que o mu-

nicípio faz um requerimento pedindo que conste, que seja registrada no RI a demarcação urbanísti-ca. O município faz um ofício ao RI informando que tem interesse que seja registrado, na matrícula, que a área será demarcada, para fins de regularização fundiária. Em geral, trata-se de área privada pertencente a proprietários privados. Em termos práticos, ocorre, normalmente, em áreas já con-solidadas – em que o proprietário já faleceu, não tem interesse, já abandonou a área, já desistiu de recuperar a área, etc.

O Registro de Imóveis tem um procedimento interno que culmina na anotação, na matrí-

cula, dizendo que “a requerimento do município XXX, referida área está demarcada”. Se for o caso de mais de uma matrícula, se demarca mais de uma matrícula para o mesmo projeto.

– legitimação de posse: ato do poder público destinado a conferir título de reconhecimen-to de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse; A legitimação de posse também integra um procedimento e, ao final desse procedimento, o município outorga um termo com o nome do ocupante, o local onde ele está, especifi-camente. Esse termo é assinado pelo município, por meio de seu representante legal ou por quem tiver a competência, dizendo que o ocupante é legitimado na posse do imóvel referido. Assim, é criado um título que diz que a pessoa tem a posse. Combinando o imó-vel que estava demarcado à apresentação de um projeto que irá parcelar o imóvel demar-cado (pois geralmente a demarcação é feita em um imóvel que é uma grande gleba). Há uma semelhança com a lei nº 9.766/98, mas, nesse diploma, a gleba estava vazia que quer se integrar à cidade. No caso dessa lei nº 11.977/09, temos uma grande gleba que já está ocupada. A grande diferença desse diploma é que, nesse caso, não importa porque as pes-soas estão ali, há quanto tempo, se pagaram alguma coisa, etc. O que interessa é que essa grande gleba será demarcada no registro de imóveis, o município fará o projeto do parce-lamento e ele mesmo irá aprovar e o próprio município entregará um documento para as pessoas dizendo que ele tem a legitimação. A pessoa receberá a matrícula, dizendo que ela tem legitimação e dali a 5 anos passará a ser o proprietário. As pessoas passam a ser proprietárias como se houvesse escritura pública ou sentença de usucapião. Não há, nesse caso, processo judicializado. O próprio município divide, parcela e aprova área que era de uma pessoa, mas essa pessoa não se manifestou e deixou que a área fosse demarcada. – Zona Especial de Interesse Social - ZEIS: parcela de área urbana instituída pelo Plano Di-retor ou definida por outra lei municipal, destinada predominantemente à moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo;

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– assentamentos irregulares: ocupações inseridas em parcelamentos informais ou irregu-lares, localizadas em áreas urbanas públicas ou privadas, utilizadas predominantemente para fins de moradia; Se estivermos diante de um lote em que há uma casa e existe um pequeno comércio, po-de haver a utilização dos instrumentos de demarcação de posse e de legitimação de mo-radia. O uso deve ser predominantemente para moradia – mas não exclusivamente. – regularização fundiária de interesse social: regularização fundiária de assentamentos ir-regulares ocupados, predominantemente, por população de baixa renda, nos casos: a) em que a área esteja ocupada, de forma mansa e pacífica, há, pelo menos, 5 anos – nesse caso, a área é que deve estar há 5 anos; o indivíduo, singularmente considerado, pode estar ocupando a área há menos de 5 anos; b) de imóveis situados em ZEIS; ou c) de áreas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios declaradas de inte-resse para implantação de projetos de regularização fundiária de interesse social; – regularização fundiária de interesse específico: regularização fundiária quando não ca-racterizado o interesse social nos termos do item anterior; Nesse caso, a população não é de absoluta baixa renda, não há lei dizendo que se classifi-ca como ZEIS, mas é importante a regularização. A regularização, nesse caso, será de inte-resse específico – e não de interesse social. – etapas da regularização fundiária: medidas jurídicas, urbanísticas e ambientais mencio-nadas no art. 46 desta Lei, que envolvam a integralidade ou trechos do assentamento ir-regular objeto de regularização.

Demarcação urbanística e legitimação de posse são os dois instrumento inovadores da lei nº 11.977/09, destinados à população de baixa renda. A demarcação urbanística e a legitimação de posse não implicam a alteração de domínio dos bens imóveis sobre os quais incidirem, o que somente se processará com a conversão da legi-timação de posse em propriedade. A demarcação é o procedimento caracterizado pela relação direta do município (especialmente nas áreas privadas) com o Registro de Imóveis. O Registro de Imóveis notifica o proprietário e, após, registra que a área foi demarcada. Esse proprietário conti-nua sendo proprietário; é só avisado de que foi realizada demarcação e que serão realizados outros procedimentos. Quando o município concede o termo de legitimação de posse, o proprietário daquela área ainda é proprietário. Cinco anos após a entrega desse termo, com a conversão desse termo em registro, o antigo proprietário perde sua propriedade, definitivamente. Isso ocorre sem que haja intervenção do Poder Judiciário. O fundamento para a perda da propriedade é a consolidação jurídica de situações no tempo, pois, nesse caso, as pessoas já estavam ocupando o terreno há determinado período de tempo. É o mesmo fundamento jurídico da usucapião. A diferença é que, no caso aqui tratado, não há decisão judicial. Esse instrumento está muito ligado a uma visão de desjudicialização da sociedade: quando menos conflitos judiciários, melhor. O próprio termo emitido pelo município, após levado ao regis-tro de imóveis e depois de decorrido o intervalo previsto, conferirá a propriedade. A regularização fundiária poderá ser promovida pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios e também por:

– seus beneficiários, individual ou coletivamente; e

– cooperativas habitacionais, associações de moradores, fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público ou outras associações civis que te-nham por finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária.

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Os legitimados previstos no caput poderão promover todos os atos necessários à regulari-zação fundiária, inclusive os atos de registro. No que se refere ao projeto de regularização fundiária, temos que ele deverá definir, no mínimo, os seguintes elementos:

1) as áreas ou lotes a serem regularizados e, se houver necessidade, as edificações que serão relocadas; 2) as vias de circulação existentes ou projetadas e, se possível, as outras áreas destinadas a uso público; 3) as medidas necessárias para a promoção da sustentabilidade urbanística, social e am-biental da área ocupada, incluindo as compensações urbanísticas e ambientais previstas em lei; 4) as condições para promover a segurança da população em situações de risco, conside-rado o disposto no parágrafo único do art. 3º da Lei nº 6.766/79; e 5) as medidas previstas para adequação da infraestrutura básica – em geral, essas áreas a serem regularizadas não possuem infraestrutura de esgotamento sanitário, etc. Assim, ge-ralmente, se faz necessário indicar essas medidas.

Assim, em síntese, temos 2 espécies de regularização fundiária previstas pela lei nº 11.977/09:

- De Interesse Social: a regularização fundiária de interesse social depende da análise e da aprovação pelo Município do projeto dentro da área de ZEIS.

- De Interesse Específico: a regularização fundiária de interesse específico depende da análise e da aprovação do projeto dentro da área de ZEIS pela autoridade licenciadora, bem como da emissão das respectivas licenças urbanística e ambiental.

Regularização Fundiária de Interesse Social A aprovação municipal prevista para esse projeto corresponde ao licenciamento urbanísti-co do projeto de regularização fundiária de interesse social, bem como ao licenciamento ambiental, se o Município tiver conselho de meio ambiente e órgão ambiental capacitado. Muitos municípios têm um único órgão que faz licenciamento global dessa regularização fundiária. Nesse caso, é um único projeto e é um único órgão, que envolve técnicos da área de urbanismo, da área do meio ambiente, etc., de forma colegiada. Para efeitos da lei, considera-se órgão ambiental capacitado o órgão municipal que possua em seus quadros ou à sua disposição profissionais com atribuição para análise do projeto e decisão sobre o licenciamento ambiental. O Município poderá, por decisão motivada, admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada (isto é, há mais de 5 anos já conta com grande adensamento populacional), desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambi-entais em relação à situação de ocupação irregular anterior. Na regularização fundiária de interesse social, caberá ao Poder Público municipal, direta-mente ou por meio de seus concessionários ou permissionários de serviços públicos, a implantação do sistema viário e da infraestrutura básica. Além disso, o Poder Público municipal responsável pela regularização fundiária de interesse social poderá lavrar auto de demarcação urbanística, com base no levantamento da situação da área a ser regularizada e na caracterização da ocupação. Referido auto de demarcação urbanística deve ser instruído com:

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- planta e memorial descritivo da área a ser regularizada, nos quais constem suas medidas perimetrais, área total, confrontantes, coordenadas preferencialmente georreferenciadas dos vértices definidores de seus limites, número das matrículas ou transcrições atingidas, indicação dos proprietários identificados e ocorrência de domínio privado com proprietá-rios não identificados, em razão de descrições imprecisas dos registros anteriores; - planta de sobreposição do imóvel demarcado com a situação da área constante do registro de imóveis e, quando possível, com a identificação de áreas de domínio privado com proprietários não identificados, em razão de descrições imprecisas dos registros anteriores; - certidão da matrícula ou transcrição da área a ser regularizada, emitida pelo registro de imóveis, ou, diante de sua inexistência, das circunscrições imobiliárias anteriormente competentes.

O poder público deverá notificar os órgãos responsáveis pela administração patrimonial dos demais entes federados, previamente ao encaminhamento do auto de demarcação urbanística ao registro de imóveis, para que se manifestem no prazo de 30 dias quanto: (i) à anuência ou opo-sição ao procedimento, na hipótese de a área a ser demarcada abranger imóvel público; (ii) aos limites definidos no auto de demarcação urbanística, na hipótese de a área a ser demarcada con-frontar com imóvel público; e (iii) à eventual titularidade pública da área, na hipótese de inexistên-cia de registro anterior ou de impossibilidade de identificação dos proprietários em razão de impre-cisão dos registros existentes. Em outras palavras, antes encaminhar para o Registro de Imóveis o pedido com os documentos pertinentes (auto de demarcação urbanística), o município fará um ofício dirigido aos órgãos patrimoniais da União e dos Estados, a fim de verificar se esses entes se opõem. Também é prevista a publicação de edital para eventuais impugnações. Existe procedimento específico previsto na lei para essas impugnações, que deverão ser feitas diretamente, no Registro de Imóveis. O município poderá alterar, a qualquer momento o auto de demarcação, se houver impugnação. A legitimação de posse será concedida aos moradores cadastrados pelo poder público, desde que, cumulativamente:

- não sejam concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural; - não sejam beneficiários de legitimação de posse concedida anteriormente.

O detentor do título de legitimação de posse, após 5 anos de seu registro, poderá reque-rer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do art. 183 da Constituição Federal. Para requerer a conversão, o adquirente deverá apresentar: (i) certidões do cartório distribuidor demonstrando a inexistência de ações em andamento que versem sobre a posse ou a propriedade do imóvel; (ii) declaração de que não possui outro imóvel urbano ou rural; (iii) declaração de que o imóvel é utili-zado para sua moradia ou de sua família; e (iv) declaração de que não teve reconhecido anterior-mente o direito à usucapião de imóveis em áreas urbanas.