100 dias em paris - tania carvalho

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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem comoo simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer usocomercial do presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros, disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nossosite: LeLivros.Info ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel.

  • 100 dias em Paris

  • 100 dias em Paris

    Copyright 2013 por Tania Carvalho.

  • Dedicado a minha filha Isabel e a meu irmo Lula pelo orgulho quesentem de mim, o que me impulsiona sempre e mais. E a todos que, comoeles e eu, amam Paris.

  • No tenho a pretenso de fazer um guia, muitos j fizeram bem mais e melhor do que voc salve Chico Buarque! Nem um livro de autoajuda para viajantes solitrios. Neste livroningum vai encontrar dicas de lojas que vendem perfumes. Por qu? Porque eu no usoperfumes e sou alrgica a eles. Vinhos? Tampouco, sou daquelas que bebe dois goles para sereducada e quando chega no restaurante nem olha a carta e pede logo une carafe deau, guanatural, que de graa e refresca a boca. Pareceu antipatia? No no. Simplesmente minhainteno contar o que vivi em 100 dias em Paris, aos 60 anos, morando em uma cidadeestranha e me perdendo para me achar o mote principal desta trajetria. Este 100 dias emParis, digamos, assim um inventrio de sensaes. Para muitos, o que digo pode ser bvio.Para outros, novidade. E, ainda, como pode ser til para alguns, dou conta do que vi e conto.Durante esta jornada, que podia ser somente uma viagem, mas se tornou algo bem maior,resolvi dividir a experincia com outras pessoas atravs de um site e de uma pgina noFacebook. A repercusso foi maravilhosa, tive fiis curtidores, meus posts foram vistos pormilhares de pessoas diariamente, o que para mim foi um espanto e uma felicidade. Oscomentrios sempre foram deliciosos e fiquei com a sensao de ter feito milhares de amigos.E foram eles que me incentivaram a transformar a experincia em livro. O que seriasimplesmente um e-book feito por mim mesma se ampliou com a chegada da m Editorial. Eaqui estou eu. O livro uma verso ampliada e revista do que postei no dia a dia. No maisblog, virou livro: cresceu, ganhou maturidade, os verbos foram para o seu tempo certo,sumiram os hoje e os aqui e as emoes tornaram-se mais perenes, no to passageiras. Ohumor, no entanto, permaneceu, s vezes mesclado com pequenos banzos. a vida, no mesmo? Espero que 100 dias em Paris proporcione o mesmo prazer para seus leitores quesenti ao viver as experincias, e que inspire outros a viver a aventura que desejam. Afinal,nunca se to velho que no possa sonhar e realizar os prprios desejos.

  • Agradecimentos

    Para todos os amigos e amigas que me deram a maior fora nestes 100 dias em Paris;Para Maria Ignez Frana e Valria Schilling, em especial, que ouviram as minhas

    preocupaes e me ajudaram a solucion-las durante trs anos;Para Thiago Barroncas e Vnia de Mello, parceiros desde o primeiro minuto;Para Carla Edel e Marisa Prado, que me deram fora em todos os momentos;Para Wagner de Assis, que acreditou mais em mim do que eu mesma;Para Lcia Helena Ramos, que criou a marca perfeita do site e do Facebook;Para Ana Beatriz Faulhaber e Fabiana Faulhaber, pela imensa fora

    e ajuda em todos os momentos;Para Bia Radunsky, que sempre me disse que eu devia escrever crnicas bem-humoradas;Para Deborah Berman, que sabe tudo sobre os restaurantes de Paris;Para Marcus Soares, pelas lindas fotos que me deixou compartilhar neste livro;Para Rubens Ewald Filho, Hubert Alqures, Caloca Fernandes, Christiane Costa e Julio

    Silveira, as primeiras pessoas que acreditaram que eu podia escrever livros;Para ID*Bag, Axent, Estdio PV, Cintica Filmes , CP-4, Coris e Cotao, parceiros

    desta jornada.Para os amigos virtuais e reais que me acompanharam durante toda a viagem ePara todos que participaram do esforo coletivo para publicar este livro.

  • QUARTIER LATIN, UM SOF E APRIMEIRA VEZ

  • Aqui em Paris, faz frio hibernal em uma poca que a temperaturadevia estar primaveril. E os franceses no tm outro assunto,sonham com o sol tanto quanto eu sonho em usar casaco s paravariar.

    Dizem que ningum se esquece da primeira vez. Eu mesma sou capaz de lembrar comdetalhes o que aconteceu h muitas dcadas: o espanto, a surpresa, o deslumbramento, aalegria e o prazer. Dor alguma. E como seria possvel sentir dor diante de uma experincia toimportante na vida? O momento de transformao, do antes e do depois, do que ficou para trse do que vir pela frente. Antes que a sua mente seja totalmente consumida por imagensinadequadas, garanto que mais importante do que a tradicional primeira vez, da qual tenhouma lembrana difusa de pernas embaralhadas, minha experincia mais transformadora foi aprimeira vez que vi Paris. Eu estava, finalmente, na cidade dos meus sonhos e disso melembro em detalhes.

    Minha me Amaryllis foi criada na cultura francesa. Nascida no incio do sculopassado, no Piau, conhecia a obra de Guy de Maupassant. Eu, que nasci em 1953, tambm nosculo passado, sou da gerao cala Lee, cinema americano e Coca-Cola. Aos sete anos deidade, achava o mximo morar nos ESTADOS UNIDOS do Brasil (era assim que se chamavaat 1967), como se isso me colocasse mais perto do Olimpo. Graas a Deus fui resgatadapelos livros, pelo cinema, pela cultura em geral e pelas inmeras pessoas com que cruzei naminha vida, dentre elas, a mais importante, o meu professor de francs, Danilo, que memostrou Rimbaud, Verlaine e me ensinou os primeiros rudimentos da lngua que me emocionaat hoje por sua beleza. Eu era completamente apaixonada por ele aos 11 anos de idade. Paris,quem sabe, seria a cidade que nos uniria para sempre. Meu prncipe amazonense (ele tinhacabelos longos, lisos e negros) pediria minha mo s margens do Rio Sena; nos casaramos naNotre Dame e teramos filhinhos que se chamariam Gilles, Luc, Marc, Isabelle, Martine. Umdia ele foi embora para a Cidade-Luz. Sem mim. Chorei desesperadamente no banheiro.Recomposta, disse aos meus pais, que era tristeza por causa da morte da me do Bambi, filmeque acabara de assistir e, pior, eles acreditaram.

    Passei anos sonhando dormindo e acordada com Paris. Em 1973, trabalhava na revistaManchete e tive a oportunidade de fazer uma grande reportagem na Amaznia, que me rendeuo primeiro e nico prmio da minha carreira de jornalista, o Rondon alm do trofu, 1.500

  • dlares. Eu j planejara tudo: sabia que ia ganhar o prmio, porque Manchete era a revistamais importante do Brasil, e j decidira meses antes: destino Paris. Tinha acabado de meinscrever no prmio e quase arrumava as malas, para surpresa de todos. Ganhei e l fui eu,meses depois, sozinha e com o dinheiro no bolso. O momento em que meus olhos viram Parisfoi uma sensao mgica. Tudo era maior, mais bonito e mais dourado do que imaginava. Osonho se tornou realidade e sem prncipe encantado, que nesta hora nem mais importava. Achoque esta funo dos prncipes: somente nos fazer sonhar.

    Viajei no dia 1 de janeiro de 1975 e meus amigos, de ressaca, foram ao aeroporto dartchauzinho, bem umas dez pessoas. Naquela poca, era comum os amigos irem ao aeroporto.No era to comum assim, porm, viajar para a Europa, merecia uma comemorao. Todos mealertaram: em Paris fazia um frio que jamais haveria sentido ou imaginado. E debaixo docaloro de 40 graus no Rio l fui eu de casaco emprestado de pele falsa, saia longa de l,botas tambm doadas pela amiga abnegada, ML, que tinha sido comissria de bordo. Imagineo calor que senti no avio. Vou poup-lo dos detalhes desta viagem, das outras cidades quevisitei. S falta agora eu querer mostrar slides E quem sabe o que so slides hoje em dia?Vou me concentrar no deslumbramento que foi ver Paris. Fiquei em um hotel bem pequeno naRue des coles, em um quarto sem banheiro, no ltimo andar, com o teto to tortinho que todasas vezes que levantava do meu leito mnimo, batia com a cabea. Mas achei lindo! Romntico!Criativo!

    Na rua seguinte ao hotel (como se chamava?) morava minha amiga RFA, companheira daManchete, que largara tudo para ir morar em Paris. Minha dola, claro. Com ela comi sole (olinguado nosso) e reclamei da falta de sauce (quem no sabe pedir, come mal, claro, e semmolho); tomei golinhos de vinho em seu apartamento daqueles bem pequenininhos etambm cheios de charme que s Paris tem. Minha grande aventura, porm, junto com RFA foicomprar um sof. At a tudo bem, ela escolheu, pagou e voil, tinha um lugar para dormir. Ecomo levar para casa? Bom, foi a que comeou a odisseia: amarramos o sof no teto do seucarro e circulamos por meia Paris com um medo danado de aquele sof sair voando. Eu,preocupadssima, porque haveria algum para fazer um muxoxo e dizer: oui, ce sont desbresilinnes, seguido de pelo menos dez bufadas. Vencemos a batalha, mas a guerra noestava ganha. Como levar o sof para o quarto andar por uma escada onde seguramenteRobespierre tinha subido, e de lado? Demoramos horas, empurra daqui, chuta de l, xinga deacol, mas conseguimos. E esta minha primeira vez em Paris, que me deslumbrou, se confunde

  • tambm com a primeira vez que ri sem parar por horas, senti as agruras e a alegria de quemmorava por l e fui feliz como nunca. La vie en rose! Culpa de Paris, da Rosa e do sof.

    A partir da Paris esteve sempre na minha vida. E sempre me fez feliz. Como trabalho athoje com um nico fim, que viajar, perdi a conta do nmero de vezes que voltei l e andei nabeira do Sena. Mas alguma coisa faltava.

    Voc vai para Paris? Vou, minha primeira vez. Que inveja que tenho de voc, queria poder ver Paris pela primeira vez outra vez.Este dilogo aconteceu muitas vezes, no de todo imaginrio. Verdade, eu sentia

    saudades da emoo da primeira vez. Um dia, andando pelas ruas de Roma, quando o hotel meexpulsou s 12h e o avio s sairia s 23h, pensei: no quero mais isso, quero viver em umacidade, ter um cotidiano, uma casa para voltar. Para onde eu iria? Paris claro. Esta seria aoportunidade de ver Paris com outros olhos, no mais como a turista que em apenas um diaquer ir ao Louvre, fazer compras, comer croissant, tarte tatin, le flotante e tomar ch noMarriage Frres. E voltar a todos os outros lugares que ama. Paris tem isso e engraado,cada vez que algum vai, quer percorrer caminhos dantes percorridos, como a perpetuar maisainda as emoes. Eu queria, porm, descobrir novas trajetrias muito alm das conhecidas.

  • Assim surgiu 100 dias em Paris, projeto de vida que demorou trs anos do primeirolampejo chegada em Paris. Era preciso juntar dinheiro, alugar apartamento, organizar a vidaprofissional para poder ficar fora tanto tempo e, ainda, por mais bizarro que parea, ter acoragem suficiente para viver um tempo sozinha em uma cidade, mesmo que conhecida por umlado, completamente estranha pelo outro e com aquela gente que bufa, come linguia deintestino de porco, caracol e fala uma lngua estranha.

    Na mente e no corao havia outra promessa: comemorar meus 60 anos em grande estilo.Afinal, o que no havia feito na adolescncia, podia realizar agora, com situao financeira eprofissional estveis, filha criada e casada, nenhum marido para impedir. Pois bem, 38 anosdepois virei vizinha de novo de RFA, que sempre est em Paris quando no Rio faz 40 graus.Eu aluguei um apartamento na Rue Gracieuse, no corao do 5 me e ela mora algumas ruasdepois. Combinamos de fazer a feira na Place Monge, bem na minha esquina (a de domingo

  • a melhor me alertou), comer sole com molho, sermos amigas do quartier, mas espero etoro que ela no tenha decidido comprar novo sof.

    Bonjour, Paris!

  • VIAGEM, CHEGADA E UM NOVOMUNDO PARA CHAMAR DE MEU

  • Aqui em Paris, poucos edifcios tm elevadores. Escolhi um comascenseur. No dia da chegada, descobri que ele est quebrado. Eassim ficou por um ms, coisa muito normal por aqui.

    Um comeo estranho: o voo chegou uma hora e quinze adiantado, na imigrao no haviaquase ningum, o transfer que havia ganhado de presente da minha amiga ABF estava l meesperando. Sbado de manh cedo, trfego zero, em meia hora estava na porta da minha casa:Rue Gracieuse, 8. E ningum estava me esperando, claro. Eu devia estar naquele mesmo lugarpor volta de 11 horas da manh, eram 9 e meia, um frio de 2 graus e um pequeno desespero seapossou de mim. O que era estranho bom se tornou estranho ruim. Eu achava que oapartamento era naqueles prdios com porteira, e, se me desencontrasse dos proprietrios,bateria a campainha da concierge, que bufaria, mas me deixaria esperar eu presumia. E secalhasse, ela seria portuguesa, como a maioria das gardinnes de Paris, e tudo estariaresolvido. J sentia at o cheiro do bacalhau. No era bem assim, na porta havia somente umcdigo que desconhecia. A sorte que aps ter ligado para Isabelle, a proprietria, ela veiocorrendo. Mas 14 minutos em um frio desgraado, depois de 10 horas de viagem, com duas

  • malas pesadssimas e uma pequena com o computador, tambm insuportavelmente chata decarregar, pareceram 14 horas. E eu no podia ficar andando para espantar o frio porque soubrasileira e no confio em ningum no quesito mala. Vai que levam. E nem ficava bem ficarpulando na porta que nem um saci. Finalmente Isabelle e Gilles chegaram e me avisaram que SURPRESA o elevador estava quebrado. Alto, forte, Gilles pegou as duas malas comose fossem duas necessaires e subiu SURPRESA os cinco andares galhardamente.

    E, finalmente, entrei na minha casa. No comeo achei-a pequena, porm graciosa. Amei acozinha vermelha, a enorme cama queen, a televiso LCD e a internet de alta velocidade.Agora, tudo se ajeitava. Em poucas horas esqueci completamente o seu tamanho 27 metrosquadrados. Ora, estava em Paris, no 5 me, onde o metro quadrado consegue ser mais caro doque o do Leblon, no Rio de Janeiro, onde moro 16.000 euros. Alm disso, sempre acheique apartamentos grandes amplificam a solido. Eu adoro apartamentos pequenos. Minhaamiga AL diz que assim eu no espalho a baguna por mais metros quadrados. Acho que elatem razo, ento 27 eram perfeitos. E ficou mais ainda quando conversei com algumas pessoasna lavanderia um timo lugar para se fazer colegas no bairro e descobri que por labundam apartamentos de 12 metros quadrados. Ou seja, estava em uma manso e no sabia.

    Apesar de ter ido bastante a Paris, sempre circulei pela mesma rea; Jardim deLuxemburgo, Saint German, Carrefour de L Odeon, Boulevard Saint Michel, Boulevard SaintGerman, Rue de Rennes e por a. claro, com idas ao Marais, ao outro lado do rio em geral eao Champs Elyses. Resolvi sair da zona de conforto ta clichezo! e ficar noQuartier Latin, que conhecia da primeira vez em que estive em Paris e j contei esta histria.Mas como isso foi no sculo passado, nem para ser levado em conta. O que fiz logo noprimeiro dia? Conhecer o quartier, como um animal reconhece terreno: dei dois passos para adireita, mas resolvi ir para a esquerda at a Place Monge, o ponto central da regio. L fica ometr e a feira s quartas, sextas e domingos. Mais um pouquinho cheguei na Moufettard, umadas ruas mais animadas de Paris; mais dois passos, Mesquita e ao Jardim de Plantas. Amemria, todos sabem, traioeira, eu podia jurar que tudo isso era do lado da minhaconhecida rea. No tanto, s no mapa, que, por sinal, no sei ver. Olho e no entendo; virode cabea para baixo e continuo sem entender; dou uns passos em cima dele e nada resolve.Vai ver tudo fica mesmo do lado. O que fazer? Fui ao cinema, a maior zona de confortopossvel. J estava cansada de aventuras em um dia e, afinal, j me sentia quase parisiense. Nafila, fui abordada por dois franceses me perguntando informaes. E eu respondi, o que

  • melhor ainda. Acho que passei no teste do visual, mas no tanto na prova da lngua. Um merespondeu em ingls e o outro s olhou criticamente. Implicantes!

    Em um dia, porm, eu j sabia algumas coisas, comeava a me ambientar: ningumandava com o celular na mo, nem na mesa do bar, nem falando. Muito estranho. E eu quepensava que ia saber da colonoscopia do meu vizinho de nibus. No cinema ningum falava,abria o celular, nem menos se mexia. Pipoca, nem pensar. Ateno total ao filme. Nas ruas,homens e mulheres elegantes. Chiqurrimos. E mais, descobrira que mentira que francs nofaz exerccio e que magro porque toma muita gua. O que vi de corredor no Jardim dePlantas no dava nem para contar. Parecia o calado da praia do Leblon de manh cedo. Tivecerteza, ainda, de que se no estivesse interessada em fazer de cada refeio uma experinciagastronmica inesquecvel, iria comer bem na maioria dos lugares exceto naqueles que tmcardpio com fotos. Desses sempre fujo e fugirei.

    Posso estar redondamente enganada nesta pseudosociologia, mas me encantou poderobservar os nativos. Voltei para a Rue Gracieuse, subi os 80 degraus, e entendi porque osfranceses usam uma expresso bem bonitinha para falar da prpria casa: chez moi. Je rentrechez moi eu volto para casa. Coloquei a chave na fechadura e tive certeza: estava em casa.

  • BANZO, ICI E L

  • Aqui em Paris, as pessoas sorriem pouco e nem sempre uma caraalegre bem-vinda.

    Tudo aconteceu em uma sexta-feira da paixo. Vai ver foi isso. Ou talvez por teracordado cedo, o que detesto. Mas senti um certo banzo, uma sensao esquisitinha, umdesconforto ligeiro, algo que no consegui definir. O sol estava lindo, mas a temperatura baixae os ventos glidos como avisava a meteorologia francesa me diziam que o melhor lugarpara ficar era em casa mesmo, pelo menos nas prximas horas. Foi o frio? Na minha cabeapassaram vrios questionamentos. Ser que comeo a ficar entediada? No sou turista, masno sou ainda uma moradora que enfrenta todos os dias o frio para ir trabalhar. No souturista, mas ainda quero andar, andar, andar e me achar mais do que me perder. No souturista, mas no sou parisiense. O que sou? Isso ou no mais do que motivo para entediar umser humano?

    Fazer amigos em Paris no fcil isso eu j havia percebido. Os franceses no soespecialmente afveis e passei muitos dias conversando com motoristas de txi, lojistas, comquem podia ter um dilogo mesmo que formal. Puxava assunto para treinar o francs e para

  • fingir pelo menos que interagia com os habitantes da cidade. Sou dada por natureza, daquelasque irrita amigos mais tmidos ou mesmo a minha filha IG: Voc fala com todo o mundo, umdia vai levar um fora. Se vivi seis dcadas desse jeito no vai ser agora que vou mudar. Masem Paris, confesso, tive medo da famosa e alardeada cortada, que poderia vir a qualquermomento. Minha amiga LO, que marroquina, mas morou anos em Paris, um dia me contouque estava andando pela rua com a filha, um beb para l de simptico, que acenava paratodos, e foi interpelada por uma senhora que disse que ela devia cuidar melhor da crianapara que ela parasse de falar com as pessoas na rua. E senti na pele, quando almoava com umamigo, PP, e ramos muito at uma senhora magra e desagradvel como ele bem definiu dizer que estvamos atrapalhando a sua refeio e que ela estava at com dor de cabeacom nosso alarido. Ela estava incomodada com a nossa felicidade. Ouviu o que no queria domeu amigo, que mora h 25 anos em Paris e sabe rebater como ningum a uma bufada francesa.

    Nem mesmo na aula de dana, onde existe um contato fsico bem prximo, a simpatia norma. As pessoas que fazem dana latina salsa, bachata, samba so mais afetuosas. Asque preferem o swing a dana, bien sr no se mostram muito interessadas nosparceiros. Especialmente se eles so de outro lugar, l bas. Alis, a linguagem tudo, efrancs gosta de afastar at mesmo nas expresses que usa esta mais uma observaopseudosociolgica e lingustica. Existe o ici, que a mais perfeita traduo do aqui. Existemainda o l, que o nosso l, e o l bas, que bem longe, acol. Mas os franceses nunca estoici, mesmo que estejam na sua frente. Je suis l. Mas como, voc est ici? Desisti de entender.Eu estou aqui, mas de fato estou l, no me aborrea parece ser esta a mensagem.

    Tudo isso me causava uma sensao no estmago, uma tristeza, um pensamento sombrio

  • de que talvez tivesse feito a escolha errada. O impressionante que, como veio, o desconfortofoi embora. Era passageiro: bastou sair na rua, comer um macaron, andar pelo Jardim deLuxemburgo para o banzo ir se esvaindo na paisagem. Decidido: se eles so casmurros,problema deles. Decidi: eu que sou de l bas vou aproveitar o que posso da cidade queconsidero tudo de bom. E que eles continuem l.

    Quando entrei no metr de volta para casa, algo mgico aconteceu: um homem em pcantarolava uma msica, bem baixinho, mas o sussurro me chamou ateno. Prestei bastanteateno, me concentrei e ouvi versos familiares: tristeza/por favor v embora/ minha alma quechora. Levantei os olhos lentamente e vi um homem absolutamente deslumbrante, com umviolo nas costas. Francs com certeza, o nariz grande denunciava. Ele se aproximou da porta,olhou para mim. Eu sorri. Ele sorriu tambm e saiu pela porta. Se fosse um filme, eu teria 30anos a menos e ns estaramos profundamente apaixonados. Na realidade foi um momentodelicioso de cumplicidade. Ele sabia que eu tinha ouvido a msica e gostado. Banzo modo offtotal. E sorriso j quase o comeo de uma amizade.

    Volta e meia havia mais um pouquinho de banzo. Pouco, mas suficiente para me lembrarque nada s alegria: nem mesmo 100 dias em Paris. Sempre, porm, nos dias frios, cinzentose com chuva coisa que carioca detesta. Com o sol, tudo se iluminava. Paris ensolaradamuda completamente o modo de ser dos parisienses. Antes cabisbaixos, cheios de casacos etaciturnos, eles invadem os parques, usam bermudas e at arriscam um sorriso plido quandoos olhos cruzam com os outros seres felizes e aquecidos. D para entender, pois sofrem mesescom as temperaturas baixas. O sol aparece em um dia e some no outro. Eu, por exemplo, noousei engavetar totalmente as roupas de frio pelos 100 dias, mas comecei a ficar confiantediante da alegria dos meus companheiros parisienses quando um dia era de sol. Podia ser at

  • que fizesse um amigo.No sei se um anjo torto disse amm, o sol esquentou mais ou certa miopia atacou

    transeuntes, mas fui cantada literalmente por um motorista de txi. Bonitinho, jovem, menosde 40 anos quase uma criana para mim comeou a conversa como sempre comeam asconversas em Paris: falando do tempo. La chaleur, o calor, ocupou cinco minutos daconversa. Quando falei que at gostava do frio porque era brasileira, o assunto enveredoupara a beleza das minhas compatriotas e o fato de eu parecer europeia. At Gisele Bndchen,conhecida mundialmente, teve sua vez. No sei bem como acabou na pergunta se eu era casada(coisa muito incomum porque francs no faz perguntas como essa para desconhecidos).Quando respondi que era separada, ele me garantiu que meu marido devia ser maluco porquecomo ele podia ter deixado uma mulher to bonita. Ai, meu Deus, aonde vai dar esta prosa? Ea comeou a falar na segunda pessoa. Ui, ficou ntimo. Todos sabem, mas no custa lembrar,que os franceses usam o vous (vs) para interagir com os outros. Para usar o tu precisointimidade e existe at um verbo para isso tutoyer (je tutoie/tu tutoies/il tutoie/noustutoyons/vous tutoyez/ils tutoient). Ou seja, como um monarca, o indivduo concede ao outroo direito de cham-lo de tu.

    Voltando ao que interessa, a cantada, que tergiversei muito. Mais um quarteiro, aindabem que perto da minha rua, ele se mostrou completamente estupefato quando falei que viverem Paris era meu presente de 60 anos. NON! Garantiu que no me dava mais de 45. A tivecerteza que ele havia enlouquecido ou a miopia era galopante. Tudo finalizou com um convitepara tomar um vinho, caso eu desse meu telefone para ele. Declinei gentilmente, agradeci oselogios e sa, uma quadra antes da minha casa, que sou carioca e desconfiada.

    Uma coisa, porm tenho certeza: eu me senti quase uma Gisele. E esta sensao sempreser muito boa, especialmente porque, como afirmam muitos e a literatura corrobora, asmulheres depois de certa idade passam a ser invisveis. O taxista podia estar querendo zoarcom uma turista. Podia tambm estar pensando em descolar um lugar no Brasil por causa daCopa do Mundo. Ou, como resumiu minha amiga MIF, ele pode simplesmente ter realmentegostado, at porque o tempo foi curto para elaborar planos malvolos. Para mim, os motivosno importaram, porque o ego agradeceu veementemente esse sopro de visibilidade. E, afinal,simpatia quase amor.

    Ici sou feliz. E l tambm. Com sol ou chuva.

  • MESQUITA, HAMMAM E O PARASO

  • Aqui em Paris, no d para ter nojinhos. Na feira, os pes soexpostos a cu aberto e o vendedor pega com a mo sem problemaalgum; as comidas prontas ficam ao ar livre e todo mundo comprana maior felicidade; manicure no esteriliza alicate e na sauna valetudo. Mas verdade seja dita, os franceses no carregam mais abaguette debaixo do brao. Esto se americanizando, dizem os maisconservadores.

    Vou logo avisando: no gosto de alongamento; msica de relaxamento o caminho maisfcil para me enlouquecer e, em especial, no h nada que odeie mais do que massagem. Paramim, como uma sesso de cutucadas insuportveis, quase uma tortura. Mas como decidi queiria conhecer o que jamais havia visto, aproveitei a visita da minha amiga VS, que uma fardorosa de tudo aquilo que descrevi acima, e tomei a corajosa deciso de ir ao hammam daMesquita de Paris. O que significa hammam? Os famosos banhos turcos, conhecidos por nscomo sauna a vapor. Existem vrios na cidade e o mais famoso o da Mesquita de Paris.Como morava ao lado, perfeito lugar. L fomos ns: entramos em uma sala, cheia dealmofadas, onde havia ainda trs camas e trs massagistas entretidas no seu ofcio. Seguimos,escolhemos o nosso forfait: eu paguei 43 euros para os banhos turcos, uma gommage(esfoliao) e uma massagem a mais curta, de 10 minutos, isso eu aguentaria. A brava VSescolheu 20 minutos de massagem, alm do restante, e para isso pagou 53 euros. O vestirio jpropiciava um ataque de nojinho, mido, escuro, um imenso corredor com armrios emulheres semivestidas. Ns duas nos esgueiramos pelo corredor polons e, aps muitospardon, excusez-moi, chegamos a um lugar vago. Tiramos a roupa, colocamos um biquni,embora muitas mulheres passassem faceiramente de calola e suti.

    Mai a postos, samos escorregando sem parar em um piso que parecida ensaboado (eera mesmo) at uma senhora nos avisar que era preciso pegar os chinelos em uma imensa cestana porta. Em saquinhos plsticos? Claro que no. Eu juro que vi dois fungos conversando edois caros namorando sob o olhar severo de muitas bactrias. VS me encorajava: entramosna masmorra, perdo, na sauna. Era preciso seguir o cerimonial: primeiro a sauna seca, depoisa mida e finalmente a que havia tambm uma piscina. O primeiro lugar era horrendo, com apintura dos sculos descascando e um cheiro de mofo doentio. A segunda era uma enorme salacom vrias almofadas de plstico, baldes, torneiras e as mulheres l faziam de tudo.

  • Colocavam leo no cabelo, passavam uma esponjinha na pele, tiravam a sobrancelha,depilavam as pernas, conversavam sem parar. Uma havia que lavava roupa nas torneirinhasdisponveis. Muitas roupas, muitas mesmo. Pensei: louca. VS, numa v tentativa de mefazer curtir o ambiente, arriscou: vai ver ela homeless. Isso l incentivo?

    Neste momento, quase sa correndo, mas as bactrias se aliaram aos fungos e impedirama minha tentativa de fuga. Por final, entramos na sauna a vapor, quando j estvamoscompletamente banhadas de suor, com sede, fome e certa baixa de presso. A piscina eraabsolutamente gelada e s coloquei a ponta do dedo mindinho para me certificar de que l noentraria. Ufa, passamos pela primeira fase! E fizemos tudo que nos mandaram: suar muito, seensaboar bem com um tal de sabonete negro, que nos deram e que facilitaria a gommage .Depois entrar em uma ducha, j que pulamos a escala da piscina.

    Era chegada a hora da gommage. Em uma mesa de metal, tipo Instituto Mdico Legal, medeitei como se estivesse realmente num cativeiro e a senhora rabe, com uma roupa molhada(coitada, o dia inteiro naquele lugar) passou uma luva spera em todo o meu corpo amesma que ela havia usado nas rabes antes de mim. verdade que nas que me precederam agommage demorou 25 minutos. A minha, somente 10. Ela estava morta de fome. E viva otahine! Fui salva por ele. VS continuava alegrinha como nunca afirmando que no haviaproblema, porque nem as bactrias aguentariam aquele calor. E elas, as bactrias, riam em umcanto, ironicamente. E quase deram uma lio para VS, que, to sabichona, no haviapercebido que o calor o lugar ideal de veraneio das ditas.

    Terceira etapa: a massagem. VS foi antes de mim e eu esperei os 20 minutos, porque asoutras massagistas tinham ido almoar. E tome tahine! No 15 pensei: Vou embora, noespero mais, saco, eu odeio massagem. Mas sei l por que continuei a espera, tomando umch de menta com 2 quilos de acar por xcara. Era chegada a hora da tortura. Estavapreparada, ou simplesmente amortecida por tantos desprazeres. Mais um e pronto, estava livredaquele inferno, que para ser absolutamente verdadeiro s faltava algum carregando umtridente. Mas como era dia do hammam feminino, quem sabe por onde ele andaria?Disfarado, talvez, pois havia uma mulher que espalhava objetos pelos tapetes ah, amesma que lavava roupas e se dizia fotgrafa iraniana fazendo um livro sobre a mesquita.No me convenceu. Sei no

    O que sei que as portas do paraso se abriram quando a massagista espalhou leoquente e comeou a delicadamente, lentamente, passar a mo pelo meu corpo. Com uma

  • preciso e suavidade ela foi desfazendo todos os pontos de tenso. Eu me rendo, foi umaexperincia extraordinria que jamais esquecerei. Fica aqui o meu conselho: v mesquita,faa uma visita, que custa 3 euros (menos s sextas-feiras), ela pequena e bonita. V aohammam e faa uma massagem. O resto pode esquecer. Na hora de sair largamos os chinelossabe onde? Na mesma cesta onde havamos pegado. Logo eles seriam usados pelas prximasincautas, e uma pode ser voc.

    Quando for l no se esquea de dar minhas lembranas s bactrias. Elas adoram fazeramizades novas.

  • GLOBALIZAO, APITO E COCAR

  • Aqui em Paris, eles adoram quando um estrangeiro fala algumaspalavras em francs. Mas imediatamente respondem em ingls combaita sotaque.

    O mundo globalizado muito chato. Hoje tem tudo na Oropa, Frana e Bahia, especialmente oque vem dos Estados Unidos. Em Paris se sente o cheirinho do Starbucks e se v por toda aparte aquele copo que queima a boca; de bagels nos cafs moderninhos (quem, em sconscincia, troca uma baguette por um bagel?) e do hambrguer do Mac Donalds. Os jovens,especialmente os da periferia, usam jaquetas do Chicago Bulls, bon para trs e amam funk.Mas no est tudo dominado. Continuam a ter filas na porta os traitteurs, brasseries,chocolatiers e cafs tradicionais, aqueles em que voc pede um cafezinho, paga uma fortuna efica horas vendo parisienses andando na rua, diverso predileta de meu amigo CT. Ocinema francs maioria nas salas e mesmo programas de televiso americanos ganham umaverso totalmente francesa. Vi uma edio de Top Chef (adoro!), um reality, como o nome diz,com chefs, e me surpreendi. Na verso original, americana, o programa tem uma hora e umchef sai e os outros ganham a chance der ir para a outra rodada at o vencedor final nosprogramas posteriores. Na Frana so duas horas e meia, os chefs vo ganhando a cada provao direito de entrar na outra etapa e os que sobram fazem nova disputa. Assim, foram quatro aolongo de um programa, com pratos que algum jamais imaginou. Tinha acabado de jantar e jestava com fome de novo s de ver. E eles falam muito o tempo todo, como de resto em todosos programas de televiso, a maioria debates sobre TUDO.

    E outra grande diferena: shopping centers no colam em Paris. Inventados no sculo Xa.C. pelos rabes, os grandes bazares se tornaram shoppings em 1828 nos Estados Unidos. Ecom isso declaro que 100 dias em Paris cultura. Em Paris os grandes magazines funcionamquase como um shopping center, mas na forma original de um espao com muitas lojasdiferenciadas, praa de alimentao, conheci somente um, o SO OUEST. Aviso logo, se forficar poucos dias, no v l. Ser o maior programa de ndio. Se ficar muitos dias e forcuriosa como eu espane o seu cocar, pegue o apito, porque vai continuar sendo um programade ndio.

  • O dia era de sol, mas muito frio. Os museus estavam fechados por causa de um feriado eporque a maior parte no funciona s segundas. Resolvi conferir e com isso dar um grandepasseio de nibus. Valeu muito, o trajeto era lindo at sairmos de Paris. As portas so oslimites da cidade e eu fiz a grande bobagem de passar por uma: a Porta de Asnires, que nosleva exatamente onde ningum deve ir, um lugar feio, triste, modernoso. Ou seja, faz sentidocolocar o shopping l. O SO OUEST (31 Rue dAlsace, 92300 Levallois-Perret) o lugarperfeito para no se saber onde est. Pode ser Miami, Rio de Janeiro, Curitiba ou Dubai.Shopping shopping uma cidade parte. A inglesa Marks & Spencer a loja de ponta, masno mais a mesma. Achei algumas coisas interessantes, como um Bar de Unhas. Voc sentaem um balco, com a bunda virada para o corredor, e as manicures fazem a sua unha, porpreos extorsivos de 35 a 65 euros, se fizer unha de gel francesinha. Deus, em Paristambm tem francesinha, e eu que pensei que era um nome, assim, fantasia. E que no existissecomo o fil francesa, abajur e marquise, coisas absolutamente desconhecidas pelosfranceses.

    Outra loja me intrigou: A Loja do Gato Preto, assim mesmo em portugus. Na trilhasonora, tocava Seu Jorge. Pronto, t em casa, vou at dar uns passinhos de dana, mas, quandoinquirida, a moa me disse que a loja era de Portugal. Por que no tocam fado, ento, quaseperguntei, mas engoli a minha lngua.

    Uma surpresa engraada, o restaurante japons do lado do shopping, Matsuri, comaquelas esteiras rolantes. Bom, mas carsimo. Paguei 30 euros e se come normalmente emum restaurante oriental em Paris por 12 euros , mas valeu para ver alguns franceses comendode colher e garfo os sushis; outros pedindo espetinho de queijo, para desgosto da sushi-woman. Dois camares empanados custavam 2 euros. Trs fatias de sashimi de atum, 6 euros.

  • E de sashimi em sashimi, os pratos de borda verde, que eram os mais caros, me fizeram gastaro que no queria. Quem mandou?

    Hora de voltar, cocar espanado, peguei o nibus 53 de novo e acabei na Opera, vendogente de todo o mundo tambm com seu cocar imaginrio: japoneses que tiravam fotos semparar; italianos discutindo sobre a pasta mais prxima; brasileiros vidos pelas compras(vai ao shopping, vai); mafiosos russos e suas mulheres cheias de pele e joias entrando naslojas mais caras, e alguns franceses elegantrrimos aproveitando o sol do feriado. Outros nemtanto chiques, mas tambm lagarteando ao sol.

    Estava de volta Paris, de onde nunca devia ter sado.

  • LANGUEDOC, GARD, PONT SAINTESPRIT, MAS PODE ME CHAMAR DEPROVENCE

  • Aqui em Paris, fcil viajar para qualquer outro lugar.

    A Frana tem uma estranha diviso, pelo menos para mim, uma brasileirinha da gema:so 27 regies e 100 departamentos, se no falha a minha ltima fonte de informao, aWikipdia. Eu precisava de uma resposta, aps fazer vrias perguntas em um fim de semana,antes classificado como na Provence. Fui para Pont Saint Esprit, situada no lado direito doRio Rhne, um dos mais importantes da Frana, que localizada em um ponto estratgico,pois est na fronteira de trs regies Rhne-Alpes, Languedoc-Roussillon e Provence-Alpes-Cte DAzur e tambm estrategicamente colocada no cruzamento entre trsdepartamentos: Gard, Ardche e Vaucluse. Minha amiga AF, a quem fui visitar, no facilitou:Eu sou parisiense, ento o Sul da Frana tudo Provence. E explicou ainda que provenal um estilo de vida e uma arquitetura que podem ser encontrados em todas as regies por ali.Ento, estive na Provence e no se fala mais nisso.

    Na vspera de viajar, fui prudente, perguntei como estava o tempo: timo, calor, 30graus, Provence!. Fiz uma mala carioca, quase coloquei um biquni. No dia seguinte, fuiavisada que estava chovendo e a temperatura tinha baixado um pouco. Peguei uma capa e umaecharpe. E quase morri ao descer do trem em Avignon. Chovia fino, a temperatura era 10graus, com sensao trmica de -10. O guarda-chuva que comprei durou somente a travessiada rua, pois o vento mistral conseguiu destru-lo. Muitos escritores j falaram do mistral, umvento frio e seco, que gela as narinas e a alma. E h at o provrbio popular: Avenie ventosa,sine vento venenosa, cum vento fastidiosa, algo como ventosa avenida, sem ventoamaldioada, com vento entediante. Mesmo assim me aventurei por Avignon, linda cidademurada, onde viveram os papas por muitos anos e depois voltaram correndo para a quenteRoma. Voc j foi literalmente carregada pelo vento? Eu j, em Avignon. Adoraria voltar umdia com sol e aproveitar, mas no foi dessa vez. Mistral, me aguarde. Agora que te conheosei como lidar com sua fora e no serei quase derrubada por voc.

    Quarenta minutos de estrada a regio totalmente cortada por autopistas e estradinhasvicinais chegamos a Pont Saint Esprit, ou melhor, propriedade dos Fabrol, com seusvinhedos, plantao de kiwis, peras, entre outras cositas, que fica a um quilmetro da cidade.O frio persistia e uma volta na cidade me proporcionou algumas surpresas, como o Museu deArte Sacra. impressionante, e s acontece nos velhos pases da Europa, em especial, naFrana: em uma pequena cidade, o Estado resolveu comprar uma casa medieval e transform-

  • la em um museu com um acervo pequeno, mas espetacular. E sem preconceitos. Arte sacra tudo dos sarcfagos do Egito a cones russos, passando pela tradio da igreja catlica. Euma curiosidade: como a casa havia abrigado um hospital, h a antiga farmcia, a banheira decobre onde os epilticos recebiam banhos frios, entre outras coisas. Adorei. Preo? De graa.

    Uma pequena virose me levou para a cama no primeiro dia chuvoso e no segundo, ondetambm o tal sol provenal devia ter ido passear em sua capital Marselha ah, as regiestm capitais, mais uma informao geogrfica a processar. No terceiro dia, porm, a chuvaresolveu dar uma trgua pobre brasileira, assim como a virose, e pude conhecer asmaravilhas do lugar. Bastava andar um pouquinho para um lado para estar em outra regio,departamento, ou seja l o que for, mas sempre um local banhado por rios que acabam seencontrando no Rhne. E cidades minsculas com nomes maiores do que elas muitas vezes: LaRoque sur Cize (uma cidade em uma rocha em cima do rio, o nome explica), Goudargues(com pequenos canais e por isso chamada de Veneza), La Chartreuse de Valbonne (que no propriamente uma cidade, mas um ponto histrico onde havia um claustro de freiras quefaziam vinho) e a campe, a que mais amei: Aiguse, classificada como uma das mais belascidades da Frana. Cidade medieval, com uma igreja do sculo XI, pequenas vielas e at atorre de um castelo, daqueles que madrastas malvadas prendiam princesas. Pensei at emsubir, jogar as minhas tranas, mas como o meu cabelo curto e completamente rebelde desdeo momento em que pisei na Frana cada fio vai para um lado deixei para outra. Paraalegrar mais a minha ida Aiguse, havia uma feira com doces, queijos, balas, vinhos, umadelcia. A carteira estava no carro, no estacionamento. Que dio! Para finalizar a manh, AF,

  • a melhor guia informal da regio, que, em breve, vai tirar a sua licena profissional e, desdej recomendo, me levou para ver Gorges de lArdche. Uma panormica rpida do cnionnatural, onde os mais ousados no eu descem de caiaque. Lindo, mas prefiro v-lo decima ou em fotos.

    Hora do almoo e isso aqui rgido em terras provenais, um ritual fundamental e curtido emdetalhes: aperitivo, uma torradinha com tapenade de azeitonas ou brandade de bacalhau uma especialidade de Nmes, a capital de Gard (ah, os departamentos tambm tm capitais,cada vez fica mais complicado) com vinho ros; salada, a seguir o prato principal, com vinhotinto: frango criado na prpria terra quando as raposas deixam com aspargos compradosno plantador ao lado e colhidos na hora e um bom pur de batatas tambm colhidas para oalmoo. E o queijo. E a sobremesa. E um bom papo. Confesso me sentir uma privilegiada porter compartilhado desta refeio provenal com SF (a nossa chef), seus pais YF e JF, eminha queria amiga AF. Se no tivesse visitado coisas to bacanas, teria valido a pena ter idos para este almoo em famlia. JF, muito orgulhosa e catita, afirmou que estvamos ali nomelhor dos mundos quarenta minutos tanto do mar quanto da montanha. E a felicidade detodos parecia confirmar isso.

  • Antes desta pequena viagem havia visto em um programa de televiso, Masterchef(adoro, competio de chefs franceses amadores), um lugar esplendoroso onde havia sidofeita a gravao. No entendi bem o nome, mas me impressionou porque era algo como umaponte deslumbrante. Pois bem, fica a quarenta minutos de Pont Saint Esprit (JF tem razo): LePont du Gard, aqueduto construdo pelo romanos no sculo I, com 50 metros de altura em trsandares (o mais alto do mundo), que continua l, imponente, majestoso, prova do poder deRoma. Fiquei alucinada pelo local e se um dia voltar l, vai ser com gel no cabelo, porque ovento inclemente mais uma vez me deixou com os cabelos em p, alm da beleza do local.

    Um jantar provenal, ovos com trufas negras, uma noite bem dormida, uma despedidaafetuosa das amigas SF e AF e assim terminou o meu fim de semana provenal, quecompartilho neste livro com voc, torcendo para que possa um dia sentir tudo isso.

  • COMER, COMER E COMER

  • Aqui em Paris, gula no pecado nem venial. Alis, umaqualidade indispensvel que leva ao paraso.

    Dizem que os parisienses tambm rezam e amam muito, mas o que sei que comer umaobsesso em Paris. Os parisienses s pensam nisso e andam pela rua observando os cardpiosna porta dos restaurantes, lendo, decifrando os ingredientes e saboreando de antemo o que umdia vo comer. Os turistas entram na onda e em poucos dias j conhecem o que os parisiensessequer sonham ou pelo menos assim acreditam. Uma das coisas que mais me irrita na faceda terra aquela pessoa pretensiosa que, assim que voc chega de Paris, pergunta: Mas vocno foi naquele restaurante no 678 me, na Rue Saint Martin des Andes et Navarre, aquele queserve perna de r gratinada com salmo pescado pelo prprio chef na Escandinvia e que svai francs? Voc, j humilhada, responde: No, no fui. A vem o tiro de misericrdia:Ento voc no foi a Paris. Luiz Fernando Verissimo j escreveu sobre isso com muito maistalento do que eu e devia ter guardado para copiar aqui, j que passei vrias vezes porsituaes como essa. E decidi desde ento que no finjo que sei tudo, que conheo todos oschefs e que adoro um restaurante estrelado. H quem viaje para achar, eu viajo para meperder. E entro em qualquer lugar, s vezes timo. s vezes, sofrvel. Assim como a vida.

    Logo na primeira semana fui a um tal restaurante que s tinha francs. E logo onde, noCarroussel du Louvre. S rindo. O Marriage Frres, uma loja de ch que adoro, abriu umsalo de ch e almoo, ao lado da entrada do Louvre (dentro da Pirmide, no na rua). Osgarons tm topetes da mesma altura da antipatia, e no dia que fui l havia nas poucas mesascasais simpticos franceses, que conversavam sem parar (eles falam muito, o que timo).Resolvi pedir um frango que vinha com uma explicao imensa, mas no passava de um frangocom legumes feito na wok. Gostosinho, mas, como diz minha amiga MIF, nada para contarpara a me. No valeu os 25 euros. Sa morrendo de fome e, para acabar a festa, entraramalguns japoneses. No me virei com medo do topete dos garons terem desabado.

    Mas se esta foi uma das experincias que s deixam um rastro de irritao, tive boassurpresas, como comer sufl no La Cigalle Recamier (4 Rue Rcamier 75007), o restaurantepredileto do presidente Hollande. Voc j comeu nuvem? No? Ento precisa ir l. Aconsistncia algo indescritvel, especialmente para quem mora no Brasil e come sufl emcasa, uma gororoba com farinha de trigo e claras de ovo, que jamais cresce mesmo assim, bom. Souffl no La Cigalle outra entidade e ganha at dois ff. L se pode optar pelo souffl

  • grande (+ ou 20 euros) ou pelo pequeno (em mdia, 10 euros). Resolvi comer dois dospequenos o de queijo e o de salmo. Minha amiguinha, PV, que estava indo embora deParis e me levou no paraso, escolheu o de pato e o de cogumelos com toque de farinhaintegral. Amamos todos e comeramos mais uns, digamos assim, 20. O garom bem queavisou: se vocs quiserem souffl de sobremesa tm que pedir agora, junto com o salgado.Fizemos corpo mole, engrenamos em uma conversa comprida, tomamos uns goles de ros (jestava me sentindo quase uma bbada inveterada) e ficamos loucas pela tal sobremesa: euqueria o de caramelo com sal de Gurande e ela o de frutas do bosque. Tentamos e no fomosbem-sucedidas. E antes que pensssemos ser pura m vontade, quem estava nos atendendoexplicou: s 14h30 o forno desligado, os cozinheiros precisam comer, nest pas?. Earrematou, como um bom francs: eu avisei. Tivemos que nos conformar com creme brulcom baunilha. Chato, essas coisas magoam.

    Fui apresentada Rue des Abbesses pela minha amiga DB, que aceitou convite de umgrande amigo, JLB, que mora h muitos anos em Paris e garante que Montmartre o melhorlugar de Paris e, qui, do mundo. Com os dois e mais a adorvel famlia de JLB comemosostras com vinho branco no badaladssimo La Mascotte (52 Rue des Abbesses 75018),fundado no sculo 19 e que conserva o charme dos antigos restaurantes franceses. Voltei lmais duas vezes e posso dizer que entrou na minha lista dos 10 mais. L comi o melhor pratode todos os tempos: costela de porco, travs de porc, carne tenra, curtida por muitas horas, desabor marcante, porm delicado e perfumado com um ligeiro, mas bem ligeiro mesmo, curry.Os garons vibraram quando disse que havia sido o melhor que havia comido em Paris emostraram orgulho do time. E merecem ter mesmo.

  • Outra experincia gostosa em todos os sentidos foi almoar e jantar na Brasserie Balzar(49 Rue des Ecoles 75005), outra indicao da minha amiga gourmet DB. Fica ao lado daSorbonne, foi inaugurada em 1886, e ainda ponto de encontro de intelectuais e refgioperfeito para turistas que esto buscando comida francesa. Os mitres e garons so muitoatenciosos, alegres e prontos a sugerir o melhor do dia. E no usam topete. O cardpio apetitoso e eu recomendo a experincia de comer aile de raie franaise faon grenobloise,pommes vapeur, a nossa conhecida arraia com muita manteiga e alcaparras acompanhada combatatas cozidas. deliciosa. Dizem que o prato predileto do Johnny Depp, que l no estava.Olhei bem para os lados em busca de outro: um senhor magrinho, de culos em um canto, mastambm no o vi. Se voc for ao Balzar cheque tambm: pode ser Sartre que veio reviver osvelhos tempos.

    Mas o melhor, o campeo, no quesito gastronomia deixo mesmo para o final. Odeioclichs. Mas no posso deixar de usar um: Quem tem amigos, tem tudo. Meus amigosrecentes, o elegante JL (especialmente quando coloca uma echarpe de cashmere cinza) e suaencantadora mulher LL me convidaram para jantar no LAtelier Saint-German, de JolRobuchon (5 Rue de Montalembert 75007) uma experincia inesquecvel. Digamos quenem um jantar, uma efemride.

    O local descontrado, um enorme balco que circunda uma cozinha, e onde se sentam40 pessoas, normalmente para a experincia de comer o Menu Dcouverte seis pratos e

  • duas sobremesas criadas pelo Chef do Sculo, ttulo que Robuchon ganhou no final dos anos90 e que acumula trs centenas de estrelas no Guide Michelin em seus diversos restaurantespelo mundo. Para mim, s o LAtelier merecia as 30, embora tenha duas, o que um luxo. Oservio impecvel e acompanhar o verdadeiro bal (JL achou mais parecido com uma salade cirurgia, tamanha preciso) dos artesos (no d para chamar de cozinheiros simplesmente)sob a batuta do chef Axel Manes, discpulo de Robuchon, uma delcia. A cada pedido todosrespondem ordeiramente: OUI, CHEF. absolutamente genial, me senti no meio de todos osrealities sobre gastronomia que vi, vejo e verei. Os garons so sorridentes, educados,polidos, brincalhes, uma raridade em Paris.

    As pores so pequenas, mas, evidentemente, pensadas para que o prazer permanea aolongo das duas horas e meia de degustao, que comea com caranguejo, passa pelo caviar, ofoie gras, ovos, aspargos verdes e saint pierre at chegar ao prato principal tambm empequena poro de cordeiro ou codorna. De sobremesas (o plural fundamental) creme demaracuj e banana e ganache de chocolate. Tudo isso escrito parece banal, mas cada pratocontm nele os elementos da genialidade do chef, a mistura perfeita de texturas suavidade ecrocncia e sabores picante, cido, amargo e doce. No saberia escolher o maissaboroso porque a sucesso que faz tudo ter sentido. E como no sou crtica gastronmica,nem pretendo fazer um guia sobre o assunto, encerro aqui.

    O que posso dizer que meus amigos me proporcionaram uma noite em que os sabores ea boa conversa se integraram perfeitamente. caro? Claro que ! O elegante JL nem deixouque eu visse a conta, mas bisbilhoteira sei que o menu cerca de 140 euros por pessoa. Eu atpodia pagar, e o gerente da minha conta no banco iria pensar: Ela enlouqueceu de vez emParis. Mas se voc tem bala na agulha ou amigos generosos como os meus, que fizeram dacomemorao de uma meta realizada por ns trs, uma experincia nica para mim, nohesitem.

    Certamente, LAtelier uma das boas coisas que Paris tem a oferecer. Cheio defranceses e de turistas como acontece por toda a cidade.

    Oui, chef!

  • TURISTAS, O PODER E AS COCOTTES

  • Aqui em Paris, os turistas compram desenfreadamente. Osfranceses olham com certo desdm para as imensas sacolas quetodos carregam.

    No quero ser arrogante, nem menos daquele tipo que passa 100 dias em Paris e comeaa falar Porrrr Favorrrr fazendo bico e fingindo que desaprendeu um pouco a lngua me. Istoposto, posso ser um pouco presunosa. Num dos raros dias de sol, resolvi que era hora de irao Champs Elyses. Afinal, no ir l como no ir ao Pelourinho quando se est em Salvador,mal comparando.

    Multides se acotovelavam, era hora do almoo e tudo era caro e cilada; ao cinema nodava para ir, pois a prxima sesso seria daqui a duas horas; no encontrei o ponto do nibus;atravessei a rua que no precisava e, j sem saco, peguei um txi e fui para o BoulevardHaussmam. Tolinha. Ali se encontra a fortaleza inexpugnvel dos turistas brasileiros,japoneses, coreanos: as Galerias Lafayette. No meio daquele formigueiro humano, esbarrandonas sacolas, ouvindo todas as lnguas do mundo, exceto francs, percebi que mais uma vezestava no lugar errado. Voltei para casa correndo e refletindo que turismo fundamental, mas uma praga para ns, les rsidents. Ai que besta! Se achando. Se fosse parisiense jamaisfaria este trajeto, a menos que fosse obrigada.

    Resolvi dar outra chance ao Champs Elyses, mesmo depois de ter jurado que nocolocava mais os meus ps l. O motivo era muito especial: conferir alguns fatos histricosque muito me interessaram em Paris: as cocottes, ou seja, as grandes cortess que dominaramParis no sculo XIX. Esther Lachmann, por exemplo, de origem polonesa, filha de um modestoalfaiate refugiado na Rssia, foi para Paris ganhar a vida do jeito que sabia, vendendo ocorpo. Um dia, foi jogada de um carro na rua, em frente ao nmero 25 da Avenue Champs-Elyses, e jurou que iria construir ali um palcio para ela mesma. Rapidamente ela subiu navida, aps se casar com um marqus portugus e se tornar Marquise de Pava. Era pouco,subiu na escala da nobreza ao se casar com um conde prussiano. Cada vez mais rica, decidiuque iria ter a manso mais bela de Paris, o que foi feito pelo arquiteto Pierre Manguin,LHtel de la Pava.

  • At hoje o nmero 25 da Avenue um marco da arquitetura do Segundo Imprio. Fui lver, claro. Realmente extremamente bela a casa, que vi somente com as portas entreabertas.Curiosamente, ou no, hoje um clube para homens, e s permitida a visita aos finais desemana (quando os negcios diminuem), para grupos e com guia especializado. O curioso que ao lado, no nmero 23, est uma das atraes atuais de Paris: a loja americanaAbercrombie & Fitch, cuja entrada fica na verdade atrs da rua, passando por um caminhoajardinado, como se fosse um labirinto. O dcor o mesmo da fachada da casa da cocote,muito dourado. Muitos corpos nus emolduram o painel logo depois da gigantesca porta,msica alta, jovens sem camisa danando bem mais parece uma festa gay do que uma lojapara adolescentes. proibido fotografar, mas curioso dar uma olhada. No a casa dacocotte, mas Se quiser se aventurar v bem cedo, porque h uma fila enorme na porta. Dacasa da cocotte? Claro que no, da Abercrombie.

    Seguindo a minha busca pelas cocottes, fui at a casa da cortes italiana Guilia Bnini,La Barucci, no nmero 120 da mesma avenida. Giulia nasceu na Toscana em 1837, era umamulher alta, magra, de olhos negros e um francs com forte acento italiano, que causavafrisson entre os cavalheiros. O maior sucesso era seu apartamento, cujo luxo se faz anunciardesde a portaria mencionou um jornal da poca. A letra N estava presente em muitoselementos de decorao e do mobilirio, uma clara meno a Napoleo III. L no se v maisuma fachada esplendorosa, mas a entrada de um conjunto de escritrios e lojas. Pena que hojeno possamos ver nem da calada os vestgios desta pompa, mas uma passada por l faz aimaginao voar.

    Entre uma cocotte e outra, encontrei uma placa especial no nmero 114. Um desenho de

  • um homem de bigode e um chapu e os dizeres:ALBERTO SANTOS DUMONT (1873-1932)

    Brsilien Inventeur Constructeur- PilotePIONNIER DE L AERONAUTIQUE

    Habita cet immeuble devant lequel em 1903 a fit aterriser son dirigeable 9.Sa de l contente, quase ufanista, e imaginando como teria sido aquela avenida no

    passado, com cocottes, nobres, um dirigvel pousado, enfim, um lugar onde o fausto nosignificava lojas de grife, nem turistas enlouquecidos com a boutique do Paris Saint Germain,mas o poder da imaginao, o poder das ligaes perigosas e o poder do poder.

  • SOL, CHAPU DE PALHA E UMACILADONA

  • Aqui em Paris existem muitos franceses que no so de Paris e quese divertem tanto como os outros turistas. Ou no.

    Impressionante a capacidade dos seres humanos de repetirem o mesmo erro ao longo davida. Eu, por exemplo, cada vez que caio em um programa organizado para turistas, jurosolenemente que nunca mais. No preconceito contra grupos, isso no me incomoda, maspela organizao que pressupe que todos so ovelhas que faro tudo que seu pastor mandar.E a tome de levar para restaurante ruim, de prolongar algo que poderia durar 20 minutos e searrasta por duas horas e meia e de informaes desnecessrias e msicas insuportveis. Eu seide tudo isso, mesmo assim, toda animada, resolvi fazer um passeio pelo Canal Saint Martin.Como no conhecia ningum que tivesse barco em Paris e mesmo quem no tivesse resolvi ir na opo segura: uma excurso guiada de 2 horas e meia organizada pelaCanauxrama. Escolhi o dia em que ia fazer bastante sol em Paris a meteorologia funciona, comprei meu bilhete pela internet, fui papelaria imprimi-lo e fiz a reserva por telefone, oque era obrigatrio. Agora, pensei, s correr para o abrao, ou seja, entrar no barco edesfrutar uma aprazvel tarde. Tinha a possibilidade de escolher dois pontos de embarque:Bastille ou La Villete. Bastille, claro, a duas estaes da minha casa.

    Comeou a ficar estranho quando cheguei ao ponto de embarque. Fagueira, ignorei a filaenorme na bilheteria do Canauxrama e me dirigi para o barco, dando um olhar com certodesprezo para aquelas pessoas que queriam comprar na hora. No barco, fui informada quedevia aguardar na fila. Como assim? Fui para a fila debaixo do sol inclemente (erainclemente mesmo, doa na pele), onde alguns franceses j bufavam, ligavam para a operadora

  • do barco, reclamavam, mas era assim mesmo: quem tinha comprado e reservado precisavapassar por ali, ter seu nome conferido, o bilhete impresso (que me custou 3 euros napapelaria) trocado por um ticket. Eu me lembrei da antiga piada que o alemo um portugusque aprendeu matemtica. O francs um portugus que aprendeu a cozinhar com manteiga.Em todas estas nacionalidades, a inflexibilidade a norma: tenta pedir uma pizza de doissabores em qualquer um destes lugares

    Depois de 30 minutos, hora de ir para o barco e aguardar sob o sol que insistia em serinclemente. Ainda estava otimista: Quando o barco andar vai ser uma delcia, o ventinho, umpasseio pelo canal, quase Veneza. Finalmente todos os incautos trocaram seus bilhetes efinalmente partimos. Entramos em um tnel escuro de pedra, por baixo da rua, que volta emeia era iluminado por grandes buracos no teto. Ah, que lindo. Depois de 15 minutos e1.230 buracos no tinha mais graa alguma. Mas samos enfim, e oh, que beleza depaisagem, pessoas deitadas ao longo do canal, pontes e, que interessante, uma eclusa, Aprimeira vez que vi uma eclusa foi no Rio Nilo e fiquei impressionada. Uma eclusa umaobra de engenharia que permite que barcos subam ou desam os rios ou mares em locais ondeh desnveis. Era em um navio e no Egito. Naquele barco de passeio em Paris, como seria?Um grande porto abre, entra barco, enche de gua, o barco sobe, segue adiante, fecha outroporto. Se no assim, mais ou menos. O processo no longussimo, mas quando algumavisou que era a primeira de quatro, pensei: f.eu. Ento o passeio isso, entra em eclusa,sai de eclusa, anda um pouquinho, para um pouquinho. Em uma hora e meia estava todo mundoentediado no barco. As crianas mal-humoradssimas, os velhos dormindo e os de meia-idadecomo eu bufando sem parar. Para animar, uma musiquinha, dilogos do filme de MarcelCarn passado no Hotel du Nord, quando estvamos parados bem em frente, comentrios doguia o mesmo que recebeu os tickets, cuidava do bar e amarrava o barco, um homemmultitask. Por que no trouxe meu Kindle, podia pelo menos ler meu livro era s que eupensava.

    Foi exatamente depois de duas horas que me dei conta que no era um passeio ida evolta, que a Bastille estava cada vez mais longe. Por um lado, timo, no teria que fazer denovo abre eclusa, fecha eclusa. Em compensao, cada vez mais me distanciava da minhacasa. Acabamos em La Villete, o barco deu uma paradinha, no a final, mas a primeira emtoda a trajetria, e eu desci correndo antes que eles me impedissem. Por sorte, a doisquilmetros, na sada do parque, havia uma estao do metr direto para a Place Monge, a

  • minha estao. Eu me joguei dentro dele, consegui um lugar e nunca foi to feliz, aps 20estaes, me ver dentro de casa. Exausta.

    Nove horas da noite estava dormindo e para compensar o mau humor tive um sonhoespetacular. No barco? Voc enlouqueceu? Danando em um salo, Thats Life, comSinatra. Meu parceiro? George Clooney.

    Isso que bom: p na terra, cabea no ar e nada de gua.

  • DANAR, DANSER E A FELICIDADEMIDA

  • Aqui em Paris, assim como no resto da Europa, para danar preciso contar. Sai no 1 faz tal passo no 2 e por a vai. Como fazfalta uma herana rtmica africana. Bastou soar uma percussoestamos j na maior animao.

    Sou uma pessoa precavida, organizada, obsessiva. Quando decidi vir para Paris, tenteicobrir todos os flancos, deixar tudo perfeitamente em ordem no Brasil e pesquisar bastantepara fazer o que queria na cidade. No queria abrir mo de certas rotinas como musculao,danar e correr. Solucionei rapidamente em parte o quesito dana, nas aulas de samba degafieira em Nation na academia de Sebastien Massaro, especialista em danas latinas, a quemconsidero um filho. Nos finais de semana fugia para Chartres para participar de algum eventode Stephane Massaro, meu outro filho, o mais velho. Como me diverti! Meus parceiros seesforaram para superar o desafio de danar com uma brasileira e de vez em quando aindadava o meu showzinho particular com Seb ou Steph num samba com intenso sotaque ou emum forr.

    Fiquei um tempo, porm, procurando uma academia de west coast swing, ritmo pelo qualsou inteiramente apaixonada. Encontrei certa dificuldade. A burocracia s vezes infinita naFrana. Descobri uma academia, fui l em uma festa, conversei com o professor e dono doespao, ele me disse que eu poderia fazer o nvel intermedirio. Sa alegrinha prometendovoltar no dia da aula sbado. E l fui eu, sapatilhas em punho, mas ao chegar a atendenteme explicou que no poderia fazer a aula, primeiro precisava marcar pela internet uma aulaexperimental para depois me matricular. Je suis ici. Eu estou aqui! Je suis l, tentei. De nadaadiantou o meu apelo, s depois de cumprir o programado, ela permaneceu com ainflexibilidade de um gendarme.

    No, na academia de ginstica seria diferente, pensei otimista como sempre: precavida,repito, treino em uma grande academia no Rio, que ligada a uma organizao de academiaspelo mundo, o que me garantia que poderia frequentar com desconto quando estivesseviajando. Fiz o meu passaporte, uma folhinha impressa da internet, onde coloquei os meusdados. Est tudo certo?. Est me garantiram no Brasil. As academias em Paris no sovisveis. Encontrei uma de power plate (est super na moda) na esquina, mas que sfuncionava aos sbados. No genial? Depois pesquisei e descobri que a maioria dasacademias pertence ao Club Med. E l fui eu, vestida de atleta, com a minha folhinha na mo,

  • tentar malhar. Fui recebida com cordial indiferena, mostrei a minha folhinha e me explicaramque eu precisava ter uma carteirinha da organizao do meu pas. HUM?!?! No meu flageladofrancs pedi que ela, ento, verificasse o preo sem o desconto. Ela me respondeu: 13 eurospor dia frequentado, mas preciso a carteirinha. Guardei o papel no bolso, disse que elapodia esquecer a tal carteirinha, e que eu queria treinar l mesmo assim, sem desconto. Naquarta meno carteirinha, achei que era um sinal dos deuses e decidi mandar o Club Medpara o inferno.

    Correr, este era outro problema. Ficou em compasso de espera muito tempo e me fezvirar refm de uma famlia que trabalha na mesma rua que morava: os Dowma. Primeiroconheci o pai, Claude, fisioterapeuta, que me indicou sua filha Charlotte, osteopata. Oproblema era o meu calcanhar que insistia em doer MUITO desde o Brasil. Primeiro s doano dia seguinte aps eu correr; depois resolveu doer todos os dias. Fiz um raio x e umortopedista diagnosticou: esporo de calcneo, me receitou uma palmilha horrenda que spiorou a dor e quase me mandou para o forno de ber (quem lembra disso?) e para a maldioda fisioterapia nas clnicas de plano de sade. Ao chegar em Paris, porm, de tanto marcher,danser, bouger (andar, danar e se mexer) tudo foi ficando pior. Charlotte colocou meu p nolugar, trabalhou toda a musculatura posterior da perna e disse que a tenso nela que estavacausando a dor, porque no calcanhar que se insere um longo tendo. E me recomendou o seuirmo, Alexandre, com consultrio tambm na mesma rua, podlogo, reflexologista,especializado em esporte e tambm osteopata. Refm total. A se fez a magia: ele examinou omeu p de todos os jeitos, me colocou em diversos aparelhos, fez variados testes e prometeuque iria resolver o meu problema muito comum, tenho corredores e chefs como pacientese todos melhoraram. E melhorei mesmo, cada vez mais, mas meu sonho de correr nasmargens do Sena e no Jardim de Luxemburgo ficou para a prxima vez.

  • Ficaram a dana, as escadas do meu prdio, que mesmo com o elevador consertadoinsistia em subi-las e desc-las pelo menos uma vez por dia; as enormes caminhadas porParis; o sobe e desce no metr. Enfim, em Paris, como os parisienses. E a cada dia descobriamais que a felicidade est nas coisas midas, no as que so especialmente planejadas comobsesso. Aquilo que pensei estar organizado: ginstica e corrida foram para o brejo logo. Asacademias no davam certo. Juro, tentei mais uma de power plate, mas havia o mesmo ritualda aula gratuita marcada para duas semanas depois, o que me fez desistir tambm. Com osdias passando fui ficando cada vez menos atrelada a esquemas preestabelecidos e tentandodeixar que a vida me levasse pelos caminhos que ela desejasse. O que era motivo de tensopassou a ser menos uma preocupao. No tem lugar para treinar? Ando mais meia hora. Notem lugar para danar west? Dano mais samba arrevezado. No estou correndo? Subo maisescadas. E tudo deu mais certo do que previra e foi se encaixando como um grande quebra-cabeas engendrado pelo Universo.

    Acho que por isso, depois que relaxei, que passei dias cantarolante, um smbolo defelicidade me pego cantando sem mais nem porqu como Chico Buarquemaravilhosamente, como sempre, definiu. Uma msica, especialmente, no me saiu da cabeaquase o tempo todo, uma de Seu Jorge: O que faz voc feliz?/ O que faz voc feliz?/ O que faz

  • voc/ A lua, a praia/ O mar, uma rua/ Um doce, uma dana/ Paixo, dormir cedo. Teria queacrescentar somente uma linha estar em Paris para me encaixar perfeitamente nesta letrasingela. As coisas simples me fizeram extremamente alegre, depois que decidi abrir mo docontrole de tudo. Vivi com a permanente sensao de plenitude que algumas pessoasacreditam que s possvel quando se est grudado com a outra metade da laranja, cheio deendorfina aps o sexo ou o exerccio fsico ou vivendo uma sensao espetacularmente forte echeia de adrenalina. Adrenalina me lembra de cortisol depois correndo na corrente sangunea,estresse, presso alta, crise, pnico. No gosto.

    Afinal, o que que me deixou to feliz? Coisinhas midas, no aquelas cantadas porGonzaguinha (So tantas coisinhas midas/ Roendo, comendo/ Arrasando aos poucos/ Com onosso ideal), mas ir ao cinema para ver um blockbuster em homenagem aos velhos tempos,Star Trek, comendo pipoca e tomando Evian. Comer um tartar de boeuf aquela carne crua,finamente temperada, com muita batata frita. Ir a exposio sobre art nouveau na Pinacoteca eesticar comendo um docinho no Fauchon. Olhar as ruas, as vitrines, as pessoas, osmonumentos, os carros, os turistas. Foram tantas coisinhas midas que se tornaram um prazergrado.

    E uma me fez especialmente alegre: as aulas de dana com um dos campees na Franade west coast swing, Olivier Massart. Enfim! Ele me acolheu sem burocracia, pagava por aulae ia para a aula caminhando contra o vento/ sem leno/ sem documento/ num sol de quasedezembro/ eu vou assim como Caetano Veloso ordenou h tantos anos. Saltava sempretrs pontos antes da minha parada na glise Americaine (aula de dana em uma igreja beirado Sena, s em Paris) e ficava me deliciando com a beleza do rio, da ponte Alexandre III, quedesde 1900 maravilha a todos. Eu poderia passar l 100 mil vezes que sempre ach-la-ia bela assim como ao Po de Acar, o Dois Irmos e a curva da praia de Copacabana no outroRio, o de Janeiro.

    A aula de dana me aqueceu tanto quanto o calor l fora. Afinal, quem dana mais feliz.Curioso, no consegui me lembrar de msica alguma para cantarolar. Deve haver muitas, masme esqueci de alguma que fale do prazer de danar. Recorro ao Google mais tarde, enquantoescrevo e encontrei muitas referncias: dana do bumbum, dana sensual do MC Koringa,dana do canguru, dana do quaquito. Nada me interessou, mas que uma chamou a minhaateno, de Moraes Moreira e Galvo: A menina ainda dana/ E dentro da menina/ Aindadana/ E se voc fecha o olho/ A menina ainda dana/ Dentro da menina/ Ainda dana/ At o

  • sol raiar/ At o sol raiar/ At dentro de voc nascer/ Nascer o que h.Que sensao deliciosa que s a dana pode proporcionar e as coisinhas midas da vida.

    E ela ainda danaEm Paris, no Rio ou em qualquer outro lugar.

  • DISNEY, OUTLET E A TOLA POLIANA

  • Aqui em Paris, as mulheres preferem a qualidade com bom preo eno ostentam grifes. E nem usam boca de silicone.

    Sou crtica, sou mesmo! Muita gente me critica curioso, no? por isso. E dependendo domeu humor tenho uma resposta padro: O senso crtico o que separa os homens dosanimais. No sou, porm, uma pessimista, daquelas que acha que tudo ruim. Pelo contrrio,sou at meio Poliana e acho que sempre pode dar certo em algum momento. Tenho esperanas,mas quase nunca elas me salvam quando me deparo com algo que minha intuio j tinhaavisado que era m ideia. A Eurodisney a prova cabal disso. Alis, nem se chama maisassim: Disneyland Paris. Nos ltimos 40 anos vim tantas vezes a Paris, mas jamais tiveinteresse em visitar Mickey, Minnie e Pateta. Quem tem Paris, um parque ao vivo de beleza edeslumbramento, por que precisa ir para o mundo do Mickey? Quem pode comer camembertno precisa comer cream cheese. Nunca tambm vim a Paris com a minha filha, quando ela erapequena. Levei-a para Orlando uma vez e adorei. Afinal na terra do fake nada melhor do que aDisney. Em Paris, porm, tudo to real, que acho que o paradoxo comea a.

    Disney e Paris realmente no combinam, agora tenho certeza. Ou ser que americanoestraga tudo em que coloca as mos? Quando tive a oportunidade de passar trs dias em umhotel dentro da Disney para um evento de dana, achei bem bacana. Pensei: vou para um hotellegal (paguei caro, 150 euros a diria, com desconto por causa do evento) e assim que oFrance Open acabar vou at dar uma olhadinha nos brinquedos, comer um bom cachorro-quente e me divertir. Benoit, o motorista que me levou para l, me avisou: Voc no vaiencontrar franceses na Disney, l est cheio de ingleses e rabes, come-se muito mal l. Eisso pecado mortal para um francs. Ele tinha toda razo. Cheguei de manh em um lobbysuperlotado de personagens da Disney, corri para a primeira aula e quando deu meio-diaresolvi comer. Comer? S no Disney Village, que fica a dez minutos daqui, ou aguarde meiahora para a abertura do restaurante do lobby, mas s snack avisou o concierge. No tercomida disponvel? Sa da Frana. Bobagem, deve ter room service pensou a Poliana.Claro que no. Esperei o tempo regulamentar e pedi um sanduche para levar. Ele veio: umabandeja enorme, um prato com o sanduche e a Coca Cola que tive que carregar at o quarto,que ficava a cerca de 400 metros do lobby. Cena pattica. Pior mesmo foi o jantar no Village:um cachorro-quente xexelento. Bom, comer no o caso, seremos felizes danando e vendo

  • TV, navegando na internet e postando no site 100 dias em Paris esta Poliana no para.Tirando a parte da dana, a TV era daquelas grandes e gordas, com uma imagem pssima;internet no quarto s pagando 10 euros por dia. Enfim, um bom livro nunca matou ningum, aocontrrio, e tenho muitos no meu Kindle: a luz da cabeceira estava queimada e s no diaseguinte seria possvel troc-la. E a TV quebrou em dois dias.

    Aquele meu sonho besta de passear pela Disney foi para as cucuias. No dou a mnimapara Piratas do Caribe e odeio montanha-russa. Eu me mandei na manh seguinte ao evento,mas sem antes passar por outra experincia, tambm insuportvel. Os amantes de Miami e dasgrifes me avisaram: H um outlet superbacana perto da Disney. Poliana disse OBA! Olheino mapa que havia no lobby do hotel, em meio a 600 espanhis (a lngua me no local), 300ingleses e 4.000 rabes de todos os pases da Europa, e pensei: Nossa, tranquilo, s sairdaqui, pegar a estrada e em cinco minutos a p estou no La Vale Village. Tolinha. No davapara andar a p para lugar algum. Era preciso pegar o nibus do hotel, saltar na estao detrem, pegar o comboio e saltar na estao seguinte. E perto? Poliana chata que sorriu aoouvir a resposta que era do lado. Para ganhar tempo, porque tinha aula duas horas depois,resolvi pegar um txi: o motorista ficou de mau humor e disse que eu devia pegar o trem, ficoupior quando insisti e resmungou o trajeto inteiro porque estava h duas horas no ponto eaquela era uma corrida pssima. Agora me diz: 15 euros uma corrida deplorvel? E se eleestava no ponto h mais de duas horas porque a mar estava mais para piranha do que parapeixe.

    O outlet tem o mesmo formato dos americanos, pequenas casinhas com as marcassensao e preos nem tanto. Eu adorei um casaco de couro no Armani, mas custava 700euros; ou uma carteira da Furla, 150 euros. Dei uma olhada geral, no comprei nada, fizalgumas fotos, comi num restaurante chins (Oba! Comida de verdade) e resolvi pegar um txi

  • de volta, porque o tempo urgia. Txi? Como assim? Txi, repetiu o segurana at me dar aresposta correta: no tem txi aqui no. Quase chorei, juro. Alis, minto, dei umachoradinha de dio. Andei pelo menos uns 20 minutos at a estao, seguindo o fluxo, porqueplaca no havia, achando que nunca mais ia sair de l.

    Ufa, sa, porque sou safa. Mas l no volto jamais.

  • TRAIO, TESOURA E CORTE

  • Aqui em Paris, o cliente nunca tem razo.

    Voc j traiu o homem da sua vida? Eu j. Duas vezes. Na primeira, ele estava viajando. Nasegunda era eu quem estava em Paris, ou seja, a traio se tornou inevitvel. Ns nosconhecemos, quando ramos muito jovens. Eu tinha os cabelos na cintura, lisos. Ele, toencaracolados que desafiavam o vento. ramos jovens, alegres e confiantes no futuro. Nsenvelhecemos, meus cabelos foram encurtando e embranquecendo; os dele, caindo mais doque ele gostaria, mas continuamos crdulos que o que vir ser sempre melhor. Desde o diaque nos vimos no nos separamos mais. Uma vez por ms, encontro marcado. Ele viu minhafilha nascer, crescer e virar uma adulta, a quem mima at hoje. Mesmo assim precisei tra-lo.E ele aceitou, coisas da vida, talvez seguro de que jamais nossos encontros iriam parar. Ele casado com uma mulher simptica e com ela tem duas filhas, que vi crianas em fotografia eque tambm j so adultas. Na cintura ele tem as suas tesouras cortantes permanentemente e um mago no corte: LM. Voc quase caiu para trs por causa deste introito, no mesmo? Masque homem mais importante na vida de uma mulher do que o seu cabeleireiro (perdo, hairstylist). Mulher, quando est carente, corta o cabelo. Quando est triste, muda a cor do cabelo.Quando se aborrece, picota tudo. Quando casa, faz cabelo de princesa. Quando separa, quervoltar a ser princesa. E quem est do lado dela, sempre? O homem da sua vida.

    Ele sabia que eu no ia resistir 100 dias sem cortar o cabelo. Dito e feito. Morta demedo, tomei a deciso de mudar um pouco o visual, porque j estava com um topete maior doque o do falecido Itamar Franco. J havia olhado com o rabo de olho dois sales muitoprximos: um na Rue du Four e outro uma esquina adiante, na Rue du Sabot. Minha amiga VS,quando esteve em Paris, deu fora para que cortasse no mais tchan, com uma entrada parecidade um clube priv. Intimidada, como uma boa brasileirinha sabe ser diante da grandeza deParis, em especial dos seus cabeleireiros, fui no outro, menor, onde poderia cortar com uminiciante, um designer, um diretor de criao, de acordo com o que quisesse pagar estavaescrito na tabela pregada na porta. Cheguei, fui atendida prontamente, me fizeram sentar diantedo espelho e dois cabeleireiros passaram meia hora me convencendo a deixar o cabelocrescer. Mas eu gosto bem curtinho balbuciei. No fica moderno responderamtaxativamente. E continuamos um tempo nesta embolada.

    Eu quero curto.

  • No fica bem. Eu quero curto. Mas voc moderninha, olha os seus culos. Eu quero curto. No vai dar. Eu quero curto. Tenta outro design. Eu quero curto. No, no e no.No houve jeito, eu insisti o mais que pude at eles guardaram as tesouras

    ostensivamente, s para me irritar. J ouviu falar nisso? S em Paris o cliente no tem razo.Existem 70 mil sales na Frana; 12,1 cabeleireiros por mil habitantes na Frana (e ummdico para cada 5 mil habitantes); 162 mil pessoas trabalham no setor e estas estatsticasso reais, afinal 100 dias em Paris, como j disse, cultura. Pois bem, eu entrei no nicosalo que se recusa a cortar o cabelo de uma cliente. S pode ser pessoal. IP, porm, tirou omeu complexo, quando comentei dias depois o ocorrido: O problema que os franceses sesentem na obrigao de dizer o que pensam e por isso o dono do restaurante, o coiffeur,podem mandar o cliente embora sem remorso. Na Frana o cliente no o rei. Se ela que francesa assim define, quem sou eu para contestar?

    Sa andando pela rua e fui para o outro, o tal com entrada de boate gay: O Coiff1rst (44Rue du Four 75006). Rudy, um dos coiffeurs, veio me atender e resolvi no perguntar em quecategoria ele se encontrava, pois ali tambm havia a hierarquia dos que cortam os cabelos,como mais uma vez a placa indicava. Gentilmente, ele disse que eu precisava cortar na laterale atrs (o que eu havia pensado) e deixar comprido na frente como LM havia feito no Brasil,s com alguns retoques que o tempo exigia. Enfim, consegui cortar o cabelo. muito estranho,porque a tesoura dele jamais estava na horizontal, sempre na vertical, de cima para baixo, debaixo para cima e chega de detalhes seno os homens vo se enforcar de tdio. Gostei doresultado e prometi voltar. Mais uma vez, combinado, LM? E no se fala mais nisso. Mais doque duas tradas j vira amante permanente.

    Sabe o que achei mais legal? Ver o retrato dos servios na Frana. Se em um restauranteh um garom para dezenas de meses, no salo o coiffeur faz tudo: guarda o seu casaco, traz oquimono que deve ser colocado por cima, lava a sua cabea (e faz uma massagem de relaxar o

  • crebro), ensina como se deve secar o novo cabelo, aproveita e lhe vende um produto parafinalizao (com classe), fecha a conta, recebe o dinheiro, d um carto com seu nome, pega oseu casaco, ajuda a vesti-lo e vai at a porta. Quando contei para minha amiga LP, com seuhumor carioca-baiano ela arrematou: Bem que ele podia ter feito uma faxina na sua casa. mesmo, no pensei sobre isso. Da prxima vez, ele no escapa.

    Quando custou? 119 euros. Quem mandou escolher um coiffeur no topo da cadeiaalimentar? Acho que R corta o cabelo do Hollande, s pode ser. Cai o pano.

  • 50 DIAS, 8.000 DEGRAUS E 3 QUILOS

  • Aqui em Paris, andar de bicicleta no um acinte aos motoristas decarro. Todo mundo anda: crianas, jovens e mulheres lindas demeia-idade, com sua bicicletinha com uma cestinha na frente. Epermanecem magrinhas pela vida toda.

    No dia em que completei 50 dias em Paris gritei: viva! O que era uma ideia havia virado umprojeto e se mostrado, na realidade, muito mais interessante do que sequer imaginara. Pormais que voc se prepare, pesquise, estude o assunto, o bom mesmo a possibilidade que oinesperado faa uma surpresa como lindamente cantou Johny Alf em Eu e a brisa. Equem disse que eu gosto de surpresa? Pois bem, at nisso mudei. Sou uma taurina com os psna terra e no me sinto confortvel com mudanas e coisas inesperadas. Paris, porm, foi umaprendizado e era isso mesmo que eu queria no meu aniversrio de 60 anos. Descobrir quepodia fazer coisas diferentes, me reinventar, porque s assim tenho a certeza de que no estouenvelhecendo. Podem ser coisas banais andar de moto, pegar um nibus sem saber paraonde, escolher uma academia de dana e mudar para outra mas a sensao do cacete.

    Podia ter feito tudo isso no Brasil, claro que podia. Mas enfrentar a barreira da lngua, odesafio de interagir com um povo rabugento como o francs tornou tudo mais engraado. Evamos combinar, estava em Paris, para mim a cidade construda mais bela do mundo. Nobalano dos 50 dias, a metade do caminho, pude sentir que estava tudo perfeito, que minhaalma estava aquecida, meu corao, alegre e meu crebro, estimulado e podia querer maisdo que isto? Claro que sentia falta de longos bate-papos, mas os amigos chegavam e erammais do que bem-vindos. O telefone da minha casa era gratuito para o Brasil, ento, tambmpodia conversar com outros que estavam l-bas e me lembrar dos tempos em que minha filhaera pequena e eu s ligava uma vez por semana, porque o oramento no permitia mais efalava bem pouquinho. Uma tortura para uma me culpada.

    Havia encontrado a minha turma de dana, ento podia falar com outra linguagem, a docorpo, o que me fascinava. Meu nico problema de fato neste quesito conversa era quando osfranceses arriscavam pedir a minha opinio sobre futebol, que nada entendo. Passei umvexame em uma loja quando me disseram que o Thiago Silva tinha estado l. E eu pensei:Quem ser? Um cantor de pagode?. Ao ver a minha cara de total desconhecimento, veio aexplicao: era o capito da seleo brasileira. Bem que eu podia ter estudado mais esta

  • lio. Fica para a prxima. Perdo, Thiago.

    Sentia saudade do arroz, do feijo e da farofa? No. E se tivesse, iria na picerie do BonMarch e compraria tudo isso. Ou substituiria por arroz vermelho, lentilhas e manteria afarofinha de ovo. Ou trocaria tudo por uma baguette com camembert e no se falava maisnisso. Escrever sobre a experincia deu novo sentido minha viagem afinal, jornalista queno conta para os outros no um vocacionado. De fato senti que aos 60 anos podia usar todaa experincia acumulada nessas pequenas crnicas do cotidiano, coisa que jamais ousei fazer.E assim me reinventei de outra forma, graas a Paris.

    E, finalmente, a grande notcia do balano dos 50 dias foi soem os tambores,esqueam o resto, nada tem importncia diante deste fato crucial os 160 degraus por dia mefizeram experimentar algo inusitado. Pensei que Paris ia significar pelo menos 8 quilos a maisdepois da temporada. TCHAN, TCHAN, TCHAN, estava com 3 quilos a MENOS e at penseiem escrever o livro A dieta dos 100 dias em Paris, que teria apenas poucas linhas:

    Coma de tudo;Coma sem culpa;

    Coma manteiga em vez de margarina;

  • Ande 4 horas por dia se perdendo pelas ruas;Dance como se no houvesse amanh;

    Enfrente, no mnimo, 160 degraus por dia;E seja feliz, mesmo que no perca nenhum quilo.

    Ainda acho que seria um best-seller.

  • COMER, REZAR E AMAR in Bruges

  • Aqui em Paris, os homens se beijam quando se cumprimentam enem por isso so gays. Em Bruges, no vi isso no.

    O ttulo foi s para pegar os que se encantaram com o livro que narra a trajetria daamericana que descobriu a comida na Itlia, a religiosidade na ndia e o sexo em Bali. Minhatrajetria foi diferente, mas com umas pitadas de comida, igrejas e paixo. Conto aqui, apsfazer pequeno prembulo, e quem j leu algumas das minhas aventuras sabe que comeoassim. Enrolando-os em um novelo para depois desenrolar. Pois bem, e aqui comea adesfiao. Sempre quis conhecer Bruges, talvez por influncia da pintura de Bosch antesque me corrijam, sei que ele holands, mas foi atravs da pintura dele que descobri a talescola flamenga, de pintores das regies de Flandres e dos Pases Baixos. E Bruges ficaexatamente na regio de Flandres, no norte da Blgica. Esta a parte intelectual da histria.Os anos se passaram e sempre planejei ir a Bruges e jamais fui. H poucos anos passou umfilme, In Bruges (em portugus, Na mira do chefe), dirigido por Martin McDonagh, todopassado na cidade. uma comdia inglesa por excelncia, com muita matana, mafiosos,assassinatos. E eu morri de rir, especialmente porque ningum no filme sabe onde Bruges etodos os personagens, em algum momento, perguntam: What a fuck is Bruges?. Pois bem, deBosch ao palavro, eu resolvi descobrir afinal what a fuck is Bruges. E consegui.

    Cidade patrimnio da humanidade, com mais de 2 mil anos, uma das mais belascidades que visitei na minha vida. No aconchegante, porque o vento do Mar do Norteprovoca um frio de rachar mesmo na primavera. Embora viva do turismo, no muitoafetuosa com os pobres visitantes tudo escrito na lngua flamenga, o neerlands, que s falado na Blgica. Ou seja, ou se fillogo ou ficar se perguntando what a fuck is Bruges?ao tentar decifrar as placas. Eles odeiam quando algum fala em francs e entendem malquando tenta em ingls. Alguns hotis prometem e no cumprem, como o que fiquei e norecomendo: Hotel Academie. Mas tudo isso desaparece diante da beleza da cidade. A cadaesquina uma igreja deslumbrante, uma fachada esplendorosa, algum museu interessante, umaloja de chocolate de fazer salivar, um restaurante charmoso. uma cidade para comer, rezar eamar tudo.

    A viagem simples. Se estiver em Paris h vrios trens para Bruges. A viagem demoraduas horas e meia. E se der sorte, no ter o infortnio de viajar com um grupo de turistasargentinos que fala sem parar a viagem inteira. Comigo aconteceu. Fiz shiuuuu, resmunguei,

  • blasfemei, mas nada. Era uma conversa sem assunto interminvel. Mas, voil, era meuaniversrio, estava indo para Bruges, OOOOOOOOMMMMMM, mas bastaram dois segundospara o meu esprito zen se esvair. S fiquei um pouco satisfeita quando um do grupo comeouuma frase assim o que me rompe. E completei baixinho, mas com satisfao: laspelotas? Ustedes Ele no me ouviu, mas curti meu xingamento em castelhano. Chegamoscedo em Bruges, mas o check-in era somente s 15 horas. Zen de novo. Samos pela cidade eue a minha amiga MIF e demos logo de cara com um lugar esplendoroso e carto de vistas dacidade, o Lago do Amor cheio de cisnes, charretes, cavalos imponentes e milhares deturistas.

    Seguimos passeando pelas ruas. No me perguntem nomes, detalhes, endereos, poisestava olhando para cima o tempo todo, fotografando, descobrindo as maravilhas daarquitetura da cidade. Mas todos os caminhos levam praa principal, onde existe a Torre,construo do sculo XIII, elemento fundamental do filme In Bruges (veja, veja, veja,especialmente quando o poderoso mafioso vivido por Ralph Fiennes impedido de subir natorre por um intolerante guarda). Eu ria sozinha diante dela. E o Ralph Fiennes nem estava porl. Pecado. Voc pode subir na torre, mas eu vi no filme, so 365 degraus. E, alm disso, j fizum juramento na minha vida: no subo em mais nada, pois o cansao, o resfolegar, a falta dear e a dor nas pernas no compensam a viso de cima, nem mesmo do paraso.

    A cidade cortada por canais e todos sugerem fazer um passeio de barco. E a existe meuoutro juramento: de barco, nunca mais. Como sou vacinada, misso abortada. Os canais so

  • estreitos e tudo o que se pode ver da gua, pode se ver sozinha por terra. Os turistas formavamfilas, saam alegres e voltavam macambzios e mortos de frio. Andamos sem parar pelasruelas, nos perdemos em praas, que descortinavam novas praas. A cidade pequena, maslabirntica. Um trajeto que fizemos em mais de uma hora no primeiro dia foi facilmentetraado em dez minutos no segundo, quando j estvamos ntimas da cidade. claro queparamos em vrias lojinhas grifes famosas, grandes magazines, lojas de quinquilharias,sapatarias, tudo o que uma mulher gosta, especialmente quando o frio e a chuva apertam, o queacontece pelo menos uma vez a cada hora.

    No segundo dia, que era meu aniversrio e Dia das Mes, comeamos pela cultura, quesempre bem-vinda. Vimos uma bela exposio de gravuras de Picasso, Mir, Chagall,Matisse e Rodin. Onde? Voc vai achar. Em guias de viagem ou no site: www.expo-brugge.be. Como sou boa, embora nem sempre parea, aviso: em frente igreja que tem umaPiet de Michelngelo. No entramos na igreja, era paga (no gosto desta prtica) e estavalotadssima. Como disse, em cada esquina voc cruza com turistas do mundo inteiro. Emcompensao camos em um restaurante maravilhoso, com nome e endereo impronunciveis:o Tschrijverke (Gruulthusestraat 4 www.tschrijverke.be). Se conseguir soletrar, merece irl. Uma das curtidoras do site havia me escrito e dito que tinha visto um documentrio sobre acidade e que o must da culinria local era joue de porco a bochecha do porco. Entramos norestaurante, pensei em comer um atum, mas invejei tanto o prato da vizinha (gordo faz cadacoisa), que perguntei ao garom que explicou que era exatamente a tal joue. Melhor no contarem detalhes, talvez voc fique com muita inveja, no sei, sei l, mas como o induzi a ler com otal ttulo comer, rezar e amar, confesso: de comer e amar cada pedao, e me perdoem aheresia, rezar um pouquinho ao final de cada garfada. deliciosamente tenra a carne, esaborosa.

    Dois dias bastam em Bruges. Mais do que isso comea a cruzar com as mesmas pessoasnas ruas e elas so at capazes de falar com voc em neerlands.

    Voltamos para o hotel, depois de andar mais algumas horas por praas, vielas, beira doscanais, enfim, tudo o que faz Bruges ser conhecida e procurada. Estvamos decididas a dormircedo, afinal, o aniversrio havia sido comemorado de forma perfeita e na manh seguinteacabava a nossa excurso what a fuck is Bruges?, pois pegvamos o trem s 6h20 damanh. Em algum momento do dia um aplicativo do meu celular avisara que meu telefoneestava com a hora errada. Acertei-o e tudo bem. No hotel decidimos colocar dois celulares

  • para despertar s 5h15. MIF acertou o seu pelo meu. Puxamos as coberta, demos boa noite,bom aniversrio mais uma vez, ela dormiu e eu fiquei rolando na cama horas coisa inditanos meus 60 anos, recm-completos. S fechei os olhos uma hora da madrugada e poucashoras depois o relgio soava. Acordamos, nos arrumamos, descemos e descobrimos que o txique havamos reservado no estava nos aguardando. Acordei o recepcionista, meio brava, eele me olhou com desprezo mas como os flamengo