020 os mensageiros - andre luiz - chico xavier - ano 1945.pdf
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Coleo A Vida no Mundo Espiritual
01 - Nosso Lar 02 - Os Mensageiros 03 - Missionrios da Luz 04 - Obreiros da Vida Eterna 05 - No Mundo Maior 06 - Libertao 07 - Entre a Terra e o Cu 08 - Nos Domnios da Mediunidade 09 - Ao e Reao 10 - Evoluo em Dois Mundos 11 - Mecanismos da Mediunidade 12 - Sexo e Destino 13 - E a Vida Continua...
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Francisco Cndido Xavier - Os Mensageiros - pelo Esprito Andr Luiz
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Francisco Cndido Xavier - Os Mensageiros - pelo Esprito Andr Luiz
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ndice Os Mensageiros............................................................................ 5 1 Renovao................................................................................ 8 2 Aniceto................................................................................... 13 3 No Centro de Mensageiros ..................................................... 18 4 O caso Vicente ....................................................................... 23 5 Ouvindo instrues................................................................. 28 6 Advertncias profundas.......................................................... 33 7 A queda de Otvio.................................................................. 38 8 O desastre de Acelino............................................................. 44 9 Ouvindo impresses ............................................................... 49 10 A experincia de Joel ........................................................... 54 11 Belarmino, o doutrinador ..................................................... 59 12 A palavra de Monteiro.......................................................... 64 13 Ponderaes de Vicente........................................................ 69 14 Preparativos.......................................................................... 74 15 A viagem.............................................................................. 79 16 No Posto de Socorro............................................................. 84 17 O romance de Alfredo .......................................................... 89 18 Informaes e esclarecimentos ............................................. 94 19 O sopro................................................................................. 99 20 Defesas contra o mal .......................................................... 104 21 Espritos dementados.......................................................... 109 22 Os que dormem .................................................................. 114 23 Pesadelos............................................................................ 119 24 A prece de Ismlia.............................................................. 124 25 Efeitos da orao ................................................................ 129 26 Ouvindo servidores ............................................................ 134
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27 O caluniador ....................................................................... 139 28 Vida social ......................................................................... 144 29 Notcias interessantes ......................................................... 150 30 Em palestra afetuosa........................................................... 155 31 Ceclia ao rgo.................................................................. 160 32 Melodia sublime................................................................. 165 33 A caminho da Crosta .......................................................... 170 34 Oficina de Nosso Lar ...................................................... 175 35 Culto domstico ................................................................. 180 36 Me e filhos........................................................................ 185 37 No santurio domstico ...................................................... 190 38 Atividade plena .................................................................. 195 39 Trabalho incessante ............................................................ 200 40 Rumo ao campo.................................................................. 205 41 Entre rvores ...................................................................... 210 42 Evangelho no ambiente rural .............................................. 215 43 Antes da reunio................................................................. 220 44 Assistncia ......................................................................... 225 45 Mente enferma ................................................................... 230 46 Aprendendo sempre............................................................ 235 47 No trabalho ativo................................................................ 239 48 Pavor da morte ................................................................... 244 49 Mquina divina................................................................... 249 50 A desencarnao de Fernando ............................................ 254 51 Nas despedidas ................................................................... 259
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Os Mensageiros
Lendo este livro, que relaciona algumas experincias de men-sageiros espirituais, certamente muitos leitores concluiro, com os velhos conceitos da filosofia, que tudo est no crebro do ho-mem, em virtude da materialidade relativa das paisagens, obser-vaes, servios e acontecimentos.
Foroso reconhecer, todavia, que o crebro o aparelho da razo e que o homem desencarnado, pela simples circunstncia da morte fsica, no penetrou os domnios anglicos, permanecendo diante da prpria conscincia, lutando por iluminar o raciocnio e preparando-se para a continuidade do aperfeioamento noutro campo vibratrio.
Ningum pode trair as leis evolutivas. Se um chimpanz, guindado a um palcio, encontrasse recur-
sos para escrever aos seus irmos de fase evolucionria, quase no encontraria diferenas fundamentais para relacionar, ante o senso dos semelhantes. Daria noticias de uma vida animal aperfeioada e talvez a nica zona inacessvel s suas possibilidades de defini-o estivesse justamente na aurola da razo que envolve o espri-to humano. Quanto s formas de vida, a mudana no seria pro-fundamente sensvel. Os pelos rsticos encontram sucesso nas casimiras e sedas modernas. A Natureza que cerca o ninho agreste a mesma que fornece estabilidade moradia do homem. A furna ter-se-ia transformado na edificao de pedra. O prado verde liga-se ao jardim civilizado. A continuao da espcie apresenta fen-menos quase idnticos. A lei da herana continua, com ligeiras modificaes. A nutrio demonstra os mesmos trmites. A unio de famlia consangnea revela os mesmos traos fortes. O chim-panz, desse modo, somente encontraria dificuldade para enume-rar os problemas do trabalho, da responsabilidade, da memria
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enobrecida, do sentimento purificado, da edificao espiritual, enfim, relativa conquista da razo.
Em vista disso, no se justifica a estranheza dos que lem as mensagens do teor das que Andr Luis enderea aos estudiosos devotados construo espiritual de si mesmos.
O homem vulgar costuma estimar as expectativas ansiosas, espera de acontecimentos espetaculares, esquecido de que a Natu-reza no se perturba para satisfazer a pontos de vista da criatura.
A morte fsica no salto do desequilbrio, passo da evolu-o, simplesmente.
maneira do macaco, que encontra no ambiente humano uma vida animal enobrecida, o homem que, aps a morte fsica, mereceu o ingresso nos crculos elevados do Invisvel, encontra uma vida humana sublimada.
Naturalmente, grande nmero de problemas, referentes Es-piritualidade Superior, a espera a criatura, desafiando-lhe o co-nhecimento para a ascenso sublime aos domnios iluminados da vida, O progresso no sofre estacionamento e a alma caminha, incessantemente, atrada pela Luz Imortal.
No entanto, o que nos leva a grafar este prefcio singelo, no a concluso filosfica, mas a necessidade de evidenciar a santa oportunidade de trabalho do leitor amigo, nos dias que correm.
Felizes os que buscarem na revelao nova o lugar de servio que lhes compete, na Terra, consoante a Vontade de Deus.
O Espiritismo cristo no oferece ao homem to somente o campo de pesquisa e consulta, no qual raros estudiosos conse-guem caminhar dignamente, mas, muito mais que isso, revela a oficina de renovao, onde cada conscincia de aprendiz deve procurar sua justa integrao com a vida mais alta, pelo esforo interior, pela disciplina de si mesma, pelo auto-aperfeioamento.
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No falta concurso divino ao trabalhador de boa vontade. E quem observar o nobre servio de um Aniceto, reconhecer que no fcil prestar assistncia espiritual aos homens. Trazer a colaborao fraterna dos planos superiores aos Espritos encarna-dos no obra mecnica, enquadrada em princpios de menor esforo. Claro, portanto, que, para receb-la, no poder o homem fugir aos mesmos imperativos. indispensvel lavar o vaso do corao para receber a gua viva, abandonar envoltrios inferi-ores, para vestir os trajes nupciais da luz eterna.
Entregamos, pois, ao leitor amigo, as novas pginas de Andr Luiz, satisfeitos por cumprir um dever. Constituem o relatrio incompleto de uma semana de trabalho espiritual dos mensageiros do Bem, junto aos homens e, acima de tudo, mostram a figura de um emissrio consciente e benfeitor generoso em Aniceto, desta-cando as necessidades de ordem moral no quadro de servio dos que se consagram s atividades nobres da f.
Se procuras, amigo, a luz espiritual; se a animalidade j te cansou o corao, lembra-te de que, em Espiritualismo, a investi-gao conduzir sempre ao Infinito, tanto no que se refere ao campo infinitesimal, como esfera dos astros distantes, e que s a transformao de ti mesmo, luz da Espiritualidade Superior, te facultar acesso da fontes da Vida Divina. E, sobretudo, recorda que as mensagens edificantes do Alm no se destinam apenas expresso emocional, mas, acima de tudo, ao teu senso de filho de Deus, para que faas o inventrio de tuas prprias realizaes e te integres, de fato, na responsabilidade de viver diante do Senhor.
EMMANUEL
Pedro Leopoldo, 26 de fevereiro de 1944.
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1 Renovao
Desligando-me dos laos inferiores que me prendiam s ati-vidades terrestres, elevado entendimento felicitou-me o esprito.
Semelhante libertao, contudo, no se fizera espontnea. Sabia, no fundo, quanto me custara abandonar a paisagem
domstica, suportar a incompreenso da esposa e a divergncia dos filhos amados.
Guardava a certeza de que amigos espirituais, abnegados e poderosos, me haviam auxiliado a alma pobre e imperfeita, na grande transio.
Antes, a inquietude relativa companheira torturava-me in-cessantemente o corao; mas, agora, vendo-a profundamente identificada com o segundo marido, no via recurso outro que procurar diferentes motivos de interesse.
Foi assim que, eminentemente surpreendido, observei minha prpria transformao, no curso dos acontecimentos.
Experimentava o jbilo da descoberta de mim mesmo. Dan-tes, vivia feio do caramujo, segregado na concha, imperme-vel aos grandiosos espetculos da Natureza, rastejando no lodo. Agora, entretanto, convencia-me de que a dor agira em minha construo mental, maneira do alvio pesado, cujos golpes eu no entendera de pronto. O alvio quebrara a concha de antigas viciaes do sentimento. Libertara-me. Expusera-me o organismo espiritual ao sol da Bondade Infinita. E comecei a ver mais alto, alcanando longa distncia.
Pela primeira vez, cataloguei adversrios na categoria de ben-feitores. Comecei a freqentar, de novo, o ninho da famlia terres-tre, no mais como senhor do crculo domstico, mas como oper-
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rio que ama o trabalho da oficina que a vida lhe designou. No mais procurei, na esposa do mundo, a companheira que no pude-ra compreender-me e sim a irm a quem deveria auxiliar, quanto estivesse em minhas foras. Abstive-me de encarar o segundo marido como intruso que modificara meus propsitos, para ver apenas o irmo que necessitava o concurso de minhas experin-cias. No voltei a considerar os filhos propriedade minha e sim companheiros muito caros, aos quais me competia estender os benefcios do conhecimento novo, amparando-os espiritualmente na medida de minhas possibilidades.
Compelido a destruir meus castelos de exclusivismo injusto, senti que outro amor se instalava em minhalma.
rfo de afetos terrenos e conformado com os desgnios su-periores que me haviam traado diverso rumo ao destino, comecei a ouvir o apelo profundo e divino da Conscincia Universal.
Somente agora, percebia quo distanciado vivera das leis su-blimes que regem a evoluo das criaturas.
A Natureza recebia-me com transportes de amor. Suas vozes, agora, eram muito mais altas que as dos meus interesses isolados. Conquistava, pouco a pouco, o jbilo de escutar-lhe os ensina-mentos misteriosos no grande silncio das coisas. Os elementos mais simples adquiriam, a meus olhos, extraordinria significa-o. A colnia espiritual, que me abrigara generosamente, revela-va novas expresses de indefinvel beleza. O rumor das asas de um pssaro, o sussurro do vento e a luz do Sol pareciam dirigir-se minhalma, enchendo-me o pensamento de prodigiosa harmonia.
A vida espiritual, inexprimvel e bela, abrira-me os prticos resplandecentes. At ento, vivera em Nosso Lar como hspede enfermo de um palcio brilhante, to extremamente preocupado comigo mesmo, que me tornara incapaz de anotar deslumbramen-tos e maravilhas.
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A conversao espiritualizante tornara-se-me indispensvel. Aprazia-me, antigamente, torturar a prpria alma com as re-
miniscncias da Terra. Estimava as narrativas dramticas de cer-tos companheiros de luta, lembrando o meu caso pessoal e embri-agando-me nas perspectivas de me agarrar, novamente, parente-la do mundo, valendo-me de laos inferiores. Mas agora... perdera totalmente a paixo pelos assuntos de ordem menos digna. As prprias descries dos enfermos, nas Cmaras de Retificao, figuravam-se-me desprovidas de maior interesse. No mais dese-java informar-me da procedncia dos infelizes, no indagava de suas aventuras nas zonas mais baixas. Buscava irmos necessita-dos. Desejava saber em que lhes poderia ser til.
Identificando essa profunda transformao, falou-me Narcisa certo dia:
Andr, meu amigo, voc vem fazendo a renovao mental. Em tais perodos, extremas dificuldades espirituais nos assaltam o corao. Lembre-se da meditao no Evangelho de Jesus. Sei que voc experimenta intraduzvel alegria ao contacto da harmonia universal, aps o abandono de suas criaes caprichosas, mas reconheo que, ao lado das rosas do jbilo, defrontando os novos caminhos que se descerram para sua esperana, h espinhos de tdio nas margens das velhas estradas inferiores que voc vai deixando para trs. Seu corao uma taa iluminada aos raios do alvorecer divino, mas vazia dos sentimentos do mundo, que a encheram por sculos consecutivos.
No poderia, eu mesmo, formular to exata definio do meu estado espiritual.
Narcisa tinha razo. Suprema alegria inundava-me o esprito, ao lado de incomensurvel sensao de tdio, quanto s situaes da natureza inferior. Sentia-me liberto de pesados grilhes, po-rm, no mais possua o lar, a esposa, os filhos amados. Regres-sava freqentemente ao crculo domstico e a trabalhava pelo
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bem de todos, mas sem qualquer estimulo. Minha devotada amiga acertara. Meu corao era bem um clice luminoso, porm, vazio. A definio comovera-me.
Vendo-me as lgrimas silenciosas, Narcisa acentuou: Encha sua taa nas guas eternas daquele que o Doador
Divino. Alm disso, Andr, todos ns somos portadores da planta do Cristo, na terra do corao. Em perodos como o que voc atravessa, h mais facilidade para nos desenvolvermos com xito, se soubermos aproveitar as oportunidades. Enquanto o esprito do homem se engolfa apenas em clculos e raciocnios, o Evangelho de Jesus no lhe parece mais que repositrio de ensinamentos comuns; mas, quando se lhe despertam os sentimentos superiores, verifica que as lies do Mestre tm vida prpria e revelam ex-presses desconhecidas da sua inteligncia, medida que se es-fora na edificao de si mesmo, como instrumento do Pai. Quan-do crescemos para o Senhor, seus ensinos crescem igualmente aos nossos olhos. Vamos fazer o bem, meu caro! Encha seu clice com o blsamo do amor divino. J que voc pressente os raios da alvorada nova, caminhe confiante para o dia!...
E, conhecendo meu temperamento de homem, amante do ser-vio movimentado, acrescentou, generosa:
Voc tem trabalhado bastante aqui nas Cmaras, onde me preparo, por minha vez, considerando o futuro prximo, na carne. No poderei, portanto, acompanh-lo, mas creio deve voc apro-veitar os novos cursos de servio, instalados no Ministrio da Comunicao. Muitos companheiros nossos habilitam-se a prestar concurso na Terra, nos campos visveis e invisveis ao homem, acompanhados, todos eles, por nobres instrutores. Poderia voc conhecer experincias novas, aprender muito e cooperar com excelente ao individual. Porque no tenta?
Antes que pudesse agradecer o alvitre valioso, Narcisa foi chamada ao interior das Cmaras, a servio, deixando-me domi-
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nado por esperanas diferentes de quantas abrigara at ento, relativamente s minhas tarefas.
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2 Aniceto
Comunicando meus novos propsitos a Tobias, verifiquei a satisfao que lhe transpareceu do olhar.
Fique tranqilo disse, bondoso , voc possui a quantida-de necessria de horas de trabalho para justificar o pedido. Temos, por nossa vez, grande nmero de colegas na Comunicao. No ser difcil localiz-lo com instrutores amigos. Conhece o nosso estimado Aniceto?
No tenho esse prazer. antigo companheiro de servio continuou informando,
amvel e esteve conosco na Regenerao, algum tempo. Em seguida, devotou-se a tarefas sacrificiais no Ministrio do Auxlio e, hoje, instrutor competente na Comunicao, onde vem pres-tando concurso respeitvel. Conversarei, a respeito, com o Minis-tro Gensio. No tenha dvidas. Seu desejo, Andr, muito nobre aos nossos olhos.
O prestimoso companheiro deixou-me num mar de contenta-mento indefinvel.
Comecei a compreender o valor do trabalho. A amizade de Narcisa e Tobias era tesouro de inaprecivel grandeza, que o esprito de servio me havia descortinado ao corao.
Novo setor de luta desdobrar-se-ia minhalma. No deveria perder a oportunidade. Nosso Lar estava cheio de entidades ansiosas por aquisies dessa natureza. No seria justo entregar-me, de boa vontade, ao novo aprendizado? Alm disso, certo da minha volta carne, em futuro talvez no distante, a providncia constituiria realizao de profundo interesse ao meu aproveita-mento geral.
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Misteriosa alegria dominava-me todo, sublimada esperana iluminava-me os sentimentos. Aquele desejo ardente de colaborar em benefcio dos outros, que Narcisa me acendera no ntimo, parecia encher, agora, a taa vazia do meu corao.
Trabalharia, sim. Conheceria a satisfao dos cooperadores annimos da felicidade alheia. Procuraria a prodigiosa luz da fraternidade, atravs do servio s criaturas.
noite, fui procurado por Tobias, sempre generoso, trazen-do-me a confortadora aquiescncia do Ministro Gensio.
Com sorrisos afetuosos, convidou-me a acompanh-lo. Con-duzir-me-ia presena de Aniceto, para conversarmos relativa-mente ao assunto.
Emocionadssimo, segui para a residncia da nova persona-gem que se ligaria fundamente minha vida espiritual.
Aniceto, ao contrrio de Tobias, no se consorciara em Nos-so Lar. Vivia ao lado de cinco amigos que lhe foram discpulos na Terra, em edifcio confortvel, encravado entre rvores frondo-sas e tranqilas, que pareciam postas ali para protegerem extenso e maravilhoso roseiral.
Recebeu-nos com extrema gentileza, o que me causou exce-lente impresso. Aparentava ele a calma refletida do homem que chegou idade madura, sem fantasias da mocidade inexperiente. Embora lhe transparecesse muita energia no rosto, revelava o otimismo sadio do corao cheio de ideais sacrossantos. Muito sereno, recebeu todas as alegaes do meu benfeitor, dirigindo-me, de quando em vez, olhares amistosos e indagadores.
Tobias falou longamente, comentando minha posio de ex-mdico no plano terrqueo, agora em reajustamento de valores no plano espiritual.
Depois de examinar-me com ateno, o orientador aduziu:
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No h o que embargar, meu prezado Tobias. No entanto, preciso reconhecer que a soluo depende do candidato. Sabe voc que estamos aqui na Instituio do Homem Novo.
Andr est pronto e disposto adiantou o amigo, carinho-samente.
Aniceto fixou em mim o olhar penetrante e advertiu: Nosso servio variado e rigoroso. O departamento de tra-
balho, afeto nossa responsabilidade, aceita somente os coopera-dores interessados na descoberta da felicidade de servir. Com-prometemo-nos, mutuamente, a calar toda espcie de reclamao. Ningum exige expresso nominal nas obras teis realizadas e todos respondem por qualquer erro cometido. Achamo-nos, aqui, num curso de extino das velhas vaidades pessoais, trazidas do mundo carnal. Dentro do mecanismo hierrquico de nossas obri-gaes, interessamo-nos to somente pelo bem divino. Conside-ramos que toda possibilidade construtiva vem de nosso Pai e esta convico nos auxilia a esquecer as exigncias descabidas de nossa personalidade inferior.
Identificando-me a surpresa, Aniceto esboou um gesto signi-ficativo e continuou:
Nos trabalhos de emergncia, destinados preparao de colaboradores ativos, tenho um quadro suplementar de auxiliares, constante de cinqenta lugares para aprendizes. No momento, disponho de trs vagas. H intensa atividade de instruo, neces-sria a servidores que cooperaro em socorros urgentes, na Terra. Orientadores h que se fazem acompanhar, nos servios da crosta, por todo o pessoal em aprendizado, mas eu adoto processo dife-rente. Costumo dividir a classe em grupos especializados, de acordo com a profisso familiar aos estudantes, para melhor apro-veitamento no preparo e na prtica. Tenho, presentemente, um sacerdote catlico-romano, um mdico, seis engenheiros, quatro professores, quatro enfermeiras, dois pintores, onze irms especia-
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lizadas em trabalhos domsticos e dezoito operrios diversos. Em Nosso Lar, a ao que nos compete desdobrada de maneira coletiva; mas, nos dias de aplicao na crosta terrestre, no me fao seguido de todos. Naturalmente, no se negar ao engenhei-ro, ou ao operrio, o ensejo de aquisio de conhecimentos outros, que transcendem a paisagem de realizaes que lhes cabem; mas, tais manifestaes devem constar do quadro de esforos espont-neos, no tempo vasto que cada qual aufere para descanso e entre-tenimento. Considerando, pois, o servio atual, temos interesse em aproveitar as horas no limite mximo, no s em beneficio dos que necessitam de nosso concurso fraternal, como tambm a favor de ns mesmos, no que toca eficincia.
Ponderei, admirado, o curioso processo, enquanto o orienta-dor fazia longa pausa.
Aps mergulhar toda a ateno em mim, como se desejasse perceber o efeito de suas palavras, Aniceto continuou:
Este mtodo no visa apenas a criar obrigaes para os ou-tros. Aqui, como na Terra, quem alcana a melhor poro, nas aulas e demonstraes, no propriamente o discpulo e sim o instrutor, que enriquece observaes e intensifica experincias. Quando o Ministro Espiridio me chamou a exercer o cargo, aceitei-o sob a condio de no perder tempo na melhoria e edu-cao de mim mesmo. Desse modo, no preciso alongar-me nou-tras consideraes. Creio haver dito o bastante. Se est, portanto, disposto, no posso recusar-me a aceit-lo.
Compreendo seus nobres programas respondi, comovido , ser honra para mim a possibilidade de acompanh-lo e receber suas determinaes de servio.
Aniceto esboou a expresso fisionmica de quem atinge a soluo desejada, e concluiu:
Pois bem; poder comear amanh.
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E, dirigindo-se a Tobias, acrescentou: Encaminhe o nosso amigo, amanh cedo, ao Centro de
Mensageiros. L estaremos em estudo ativo e providenciarei para que Andr seja bonificado pelas tabelas da Comunicao.
Agradecemos, satisfeitos, e, logo em seguida a Tobias, des-pedi-me, alimentando novas esperanas.
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3 No Centro de Mensageiros
No dia seguinte, aps ouvir longas ponderaes de Narcisa, demandei o Centro de Mensageiros, no Ministrio da Comunica-o. Acompanhava-me o prestimoso Tobias, no obstante os imensos trabalhos que lhe ocupavam o circulo pessoal.
Deslumbrado, atingi a srie de majestosos edifcios de que se compe a sede da instituio. Julguei encontrar algumas universi-dades reunidas, tal a enorme extenso deles. Ptios amplos, povo-ados de arvoredo e jardins, convidavam a sublimes meditaes.
Tobias arrancou-me do encantamento, exclamando: O Centro muito vasto. Atividades complexas so desem-
penhadas neste departamento de nossa colnia espiritual. No creia esteja resumida a instituio nos edifcios sob nossos olhos. Temos, nesta parte, to somente a administrao central e alguns pavilhes destinados ao ensino e preparao em geral.
Mas esta organizao imensa restringe-se ao movimento de transmisso de mensagens? perguntei, curioso.
O companheiro sorriu significativamente e esclareceu: No suponha se encontre aqui localizado o servio de cor-
reio, simplesmente. O Centro prepara entidades a fim de que se transformem em cartas vivas de socorro e auxlio aos que sofrem no Umbral, na Crosta e nas Trevas. Acreditaria, porventura, que tanto trabalho se destinasse apenas a mera movimentao de noticirio? Amplie suas vistas. Este servio a cpia de quantos se vm fazendo nas mais diversas cidades espirituais dos planos superiores. Preparam-se aqui numerosos companheiros para a difuso de esperanas e consolos, instrues e avisos, nos diver-sos setores da evoluo planetria. No me refiro to s a emiss-
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rios invisveis. Organizamos turmas compactas de aprendizes para a reencarnao. Mdiuns e doutrinadores saem daqui s centenas, anualmente. Tarefeiros do conforto espiritual encaminham-se para os crculos carnais, em quantidade considervel, habilitados pelo nosso Centro de Mensageiros.
Que me diz? interroguei, surpreso. Segundo seus infor-mes, os trabalhos de esclarecimento espiritual devem estar muits-simo adiantados no mundo!...
Fixou Tobias expresso singular, sorriu tranqilamente e ex-plicou:
Voc no ponderou, todavia, meu caro Andr, que essa pre-parao no constitui, ainda, a realizao propriamente dita. Saem milhares de mensageiros aptos para o Servio, mas so muito raros os que triunfam. Alguns conseguem execuo parcial da tarefa, outros muitos fracassam de todo. O servio legtimo no fantasia. esforo sem o qual a obra no pode aparecer nem prevalecer. Longas fileiras de mdiuns e doutrinadores para o mundo carnal partem daqui, com as necessrias instrues, porque os benfeitores da Espiritualidade Superior, para intensificarem a redeno humana, precisam de renncia e de altrusmo. Quando os mensageiros se esquecem do esprito missionrio e da dedica-o aos semelhantes, costumam transformar-se em instrumentos inteis. H mdiuns e mediunidade, doutrinadores e doutrina, como existem a enxada e os trabalhadores. Pode a enxada ser excelente, mas, se falta esprito de servio no cultivador, o ganho da enxada ser inevitavelmente a ferrugem. Assim acontece com as faculdades psquicas e com os grandes conhecimentos. A ex-presso medinica pode ser riqussima; entretanto, se o dono no consegue olhar alm dos interesses prprios, fracassar fatalmente na tarefa que lhe foi conferida. Acredite, meu caro, que todo trabalho construtivo tem as batalhas que lhe dizem respeito. So muito escassos os servidores que toleram as dificuldades e reveses
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das linhas de frente. Esmagadora percentagem permanece a dis-tncia do fogo forte. Trabalhadores sem conta recuam quando a tarefa abre oportunidades mais valiosas.
Algo impressionado, considerei: Isto me surpreende sobremaneira. No supunha fossem pre-
parados, aqui, determinados mensageiros para a vida carnal. Ah! meu amigo falou Tobias sorridente , poderia voc
admitir que as obras do bem estivessem circunscritas a simples operaes automticas? Nossa viso, na Terra, costuma viciar-se no crculo dos cultos externos, na atividade religiosa. Cremos, por l, resolver todos os problemas pela atitude suplicante. Entretanto, a genuflexo no soluciona questes fundamentais do esprito, nem a mera adorao Divindade constitui a mxima edificao. Em verdade, todo ato de humildade e amor respeitvel e santo, e, incontestavelmente, o Senhor nos conceder suas bnos; no entanto, imprescindvel considerar que a manuteno e limpeza do vaso, para recolh-las, dever que nos assiste. No prepara-mos, pois, neste Centro, simples postalistas, mas espritos que se transformem em cartas vivas de Jesus para a Humanidade encar-nada. Pelo menos, este o programa de nossa administrao espiritual...
Calei, emocionado, ponderando a grandeza dos ensinamentos. Meu companheiro, aps longa pausa, prosseguiu observando:
Raros triunfam, porque quase todos estamos ainda ligados a extenso pretrito de erros criminosos, que nos deformaram a personalidade. Em cada novo ciclo de empreendimentos carnais, acreditamos muito mais em nossas tendncias inferiores do passa-do, que nas possibilidades divinas do presente, complicando sempre o futuro. desse modo que prosseguimos, por l, agarra-dos ao mal e esquecidos do bem, chegando, por vezes, ao dispara-te de interpretar dificuldades como punies, quando todo obst-
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culo traduz oportunidade verdadeiramente preciosa aos que j tenham olhos de ver.
A essa altura, alcanamos enorme recinto. Centenas de entidades penetravam no vasto edifcio, cujas es-
cadarias galgamos em animada conversao. Os aspectos do maravilhoso trio impressionavam pela impo-
nente beleza. Espcies de flores, at ento desconhecidas para mim, adornavam colunatas, espalhando cores vivas e delicioso perfume.
Quebrando-me o enlevo, Tobias explicou: As diversas turmas de aprendizes encaminham-se s aulas.
Procuremos Aniceto no departamento de instrutores. Atravessamos galerias vastssimas, sempre defrontados por
verdadeiras multides de entidades que buscavam as aulas, em palestras vibrantes.
Em pequeno grupo que parecia manter conversao muito discreta, encontramos o generoso amigo da vspera, que nos abraou sorridente e calmo.
Muito bem! disse, alegre e bondoso esperava o novo a-luno, desde a manhzinha.
E em virtude de Tobias alegar muita pressa, o nobre instrutor explicou:
Doravante, Andr ficar aos meus cuidados. Volte tranqi-lo.
Despedi-me do companheiro, comovidamente. Notando-me o natural acanhamento, Aniceto determinou a
um auxiliar de servio: Chame o Vicente em meu nome. E, voltando-se para mim, esclareceu:
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At agora, Vicente o meu nico aprendiz mdico. Vocs ficaro juntos, em vista da afinidade profissional.
No haviam decorrido trs minutos e tnhamos Vicente diante de ns.
Vicente falou Aniceto sem afetao , Andr Luiz nosso novo colaborador. Foi tambm mdico nas esferas carnais. Creio, pois, que ambos se encontraro vontade, partilhando a mesma experincia.
O interpelado abraou-me, demonstrando extrema generosi-dade, e, aps encorajar-me com belas palavras de estimulo, per-guntou ao nosso orientador:
Quando deveremos procur-lo para os estudos de hoje? Aniceto pensou um instante e respondeu: Esclarea ao novo candidato os nossos regulamentos e ve-
nham juntos para as instrues, aps o meio-dia.
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4 O caso Vicente
Impossvel traduzir meu contentamento com a nova compa-nhia.
Vicente, semblante muito calmo, olhar inteligente e lcido, ir-radiava carinho e bondade, sensatez e compreenso.
Disse-me de sua alegria por haver encontrado um companhei-ro mdico, alojou-me convenientemente junto dele, demonstrando extrema generosidade fraternal.
Era o primeiro colega na profisso, igualmente recm-chegado das esferas da Crosta, de quem me aproximava de modo direto.
Trocamos idias largamente sobre as surpresas que nos de-frontavam. Comentamos as dificuldades oriundas da iluso terres-tre, a miopia da pequena cincia, os problemas profundos e sedu-tores da medicina espiritual.
Vicente, conquanto no houvesse feito ainda qualquer visita ao plano dos encarnados, em carter de servio, admirava Aniceto extraordinariamente, e punha-me ao corrente dos estudos valiosos a que se entregava junto dele.
Estava cheio de conceitos entusisticos. Em pouco mais de uma hora, nossa intimidade semelhava-se ao sentimento de dois irmos unidos, desde muito, por laos espirituais, O novo compa-nheiro conquistara-me infinita confiana.
Evidenciando muita delicadeza, indagou da minha posio perante os parentes terrestres, ao que respondi com a histria resumida de minha singular aventura, ao conhecer as segundas npcias de minha viva. Imprimi toda a nfase possvel ao meu relatrio verbal, sensibilizando-me, profundamente, no curso da
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narrativa. Em cada pormenor culminante dos fatos, detinha-me de propsito, salientando meus velhos sofrimentos e relacionando dissabores que me pareciam insuperveis.
Vicente ouviu silencioso, sorrindo a intervalos. Quando terminei a comovida exposio, ele ps-me a destra
no ombro e murmurou: No se julgue desventurado e incompreendido. Saiba, meu
caro Andr, que voc foi muitssimo feliz. Como assim? Sua Zlia respeitou o companheiro at ao fim e o segundo
matrimnio, em tais circunstncias, no de admirar. No meu caso, porm, a coisa foi muito pior.
E, dado meu justo espanto, o novo amigo continuou: Explico-me. Meditou alguns instantes, como quem alinhava reminiscn-
cias, e prosseguiu: No pode voc imaginar como foi intenso o sonho de amor
do meu casamento. Logo aps a aquisio do diploma profissio-nal, aos vinte e cinco anos, esposei Rosalinda, exultante de ventu-ra. No levava esposa to somente uma situao material con-fortadora e slida, no terreno financeiro, mas tambm os meus tesouros de afeto e devotamento. Minha felicidade no tinha limites. Em pouco tempo, dois filhinhos enriqueceram-me o lar ditoso. Meu bem-estar era inexprimvel. Em virtude das reservas bancrias, no me especializei na clnica, consagrando-me, toda-via, apaixonadamente, ao laboratrio. Atendendo aos meus pen-dores, no me foi difcil atrair a confiana de numerosos colegas e vrios centros de estudos, multiplicando pesquisas e resultados brilhantes. E Rosalinda era a minha primeira e melhor colabora-dora. De quando em quando, notava-lhe o enfado no trato com os
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tubos de ensaio, mas minha esposa sabia ento calar as contrarie-dades pequeninas, a favor da nossa felicidade domstica. Parecia compreender-me integralmente. Era, aos meus olhos, a me dedi-cada e companheira sem defeitos.
Contvamos dez anos de ventura conjugal, quando meu irmo Eleutrio, advogado, solteiro, algo mais velho que eu, deliberou localizar-se junto de ns. Rosalinda foi inexcedvel em atenes, considerando que se tratava de pessoa de minha famlia. Eleutrio entrou em nossa casa como irmo. Embora residisse em hotel, compartilhava dos nossos seres caseiros, sempre bem posto e interessado em agradar.
Observei, desde ento, que minha mulher se modificava pou-co a pouco. Exigiu fosse contratada uma auxiliar que a substitus-se nos meus servios, alegando que os nossos filhinhos no dis-pensavam assistncia maternal, mais assdua. Anui, satisfeito. Tratava-se, afinal, de providncia interessante ao bem-estar de nossos filhos. Contudo, a transformao de Rosalinda assumiu carter impressionante. Passou a no comparecer ao laboratrio, onde tantas vezes nos abravamos, alegremente, ao vermos coroadas de xito nossas pesquisas mais srias. Preferia o cinema ou a estao de repouso, em companhia de Eleutrio.
Isso me entristecia bastante, mas eu no poderia desconfiar da conduta de meu irmo. Fora sempre criterioso, em famlia, no obstante ousado e filaucioso nas atividades profissionais.
Minha vida domstica, antes to feliz, passou a ser de solido assaz amarga, que eu tentava iludir com o trabalho persistente e honesto.
Assim corriam as coisas, quando singular transformao me alterou a experincia. Pequena borbulha na fossa nasal, que nunca me trouxera incmodos de qualquer natureza, depois de levemen-te ferida, tomou carter de extrema gravidade. Em poucas horas, declarou-se a septicemia. Reuniram-se colegas em verdadeira
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assemblia, junto de meu leito. Inteis, todavia, todos os cuida-dos; anuladas as melhores expresses de assistncia. Compreendi que o fim se aproximava, rpido. Rosalinda e Eleutrio pareciam consternados e, at hoje, guardo a impresso de rever-lhes o olhar ansioso, no momento em que a neblina da morte me envolvia os olhos materiais.
Nessa altura, Vicente fez longo estacato, como a fixar remi-niscncias mais dolorosas, e continuou menos vivaz:
Depois de algum tempo de tristes perturbaes nas zonas inferiores, quando j me encontrava restabelecido, em Nosso Lar, certifiquei-me de toda a verdade. Voltando ao lar terreno, encontrei a grande surpresa. Rosalinda. havia desposado Eleutrio em segundas npcias.
Como so idnticas as nossas histrias! exclamei impres-sionado.
Isso que no protestou a sorrir. E continuou: Outra surpresa me dilacerava o corao. Somente ao regres-
sar ao lar, soube que fora vtima de odioso crime. Meu prprio irmo inspirou a trama sutil e perversa. Minha mulher e ele apai-xonaram-se perdidamente um pelo outro e cederam a tentaes inferiores. No havia que recorrer a divrcio e, mesmo que a legislao o facultasse, constituiria um escndalo o afastamento de Rosalinda para unir-se, publicamente, ao cunhado. Eleutrio lembrou, porm, que possuamos experincias de laboratrio e sugeriu a Rosalinda a idia de me aplicarem determinada cultura microbiana, que ele mesmo se incumbiria de obter, na primeira oportunidade. A pobre da companheira no vacilou e, valendo-se do meu sono descuidado, introduziu na minscula espinha nasal, algo ferida, o vrus destruidor.
E a tem voc o meu caso naturalmente resumido.
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Eu estava assombrado. E os criminosos? perguntei. Vicente sorriu ligeiramente e informou: Rosalinda e Eleutrio vivem aparentemente felizes, so ex-
celentes materialistas, por enquanto, e gozam, no mundo transit-rio, grande fortuna amoedada e alto conceito social.
Mas... e a justia? indaguei, aterrado. Ora, Andr esclareceu serenamente , tudo vem a seu
tempo, tanto no bem quanto no mal. Primeiro a semente, depois os frutos.
Percebendo-me, porm, as tristes impresses, Vicente conclu-iu:
No falemos mais nisto. Aproxima-se a hora da instruo. Atendamos s nossas necessidades essenciais, auxiliando os nos-sos amados, que ainda permanecem a distncia, nos crculos terrestres. No se impressione. A rvore, para produzir, no re-clama as folhas mortas. Para ns, atualmente, meu amigo, o mal simples resultado da ignorncia e nada mais.
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5 Ouvindo instrues
No grande salo, Aniceto esperava-nos, acolhedor. Fileiras enormes de assistentes enchiam o espao vastssimo. Homens e mulheres, aparentando idades diversas, permaneci-
am recolhidos, a demonstrar, porm, expectativa e interesse. Hoje explicou o nosso orientador, dirigindo-se a Vicente
de maneira particular teremos a palavra de Telsforo, antigo lidador da Comunicao, que pediu a presena de todos os apren-dizes do trabalho de intercmbio entre ns e os irmos encarna-dos.
Sentamo-nos, confortavelmente, aguardando, por nossa vez. Dai a minutos, Telsforo penetrava no recinto, sob harmonio-
sas vibraes de simpatia geral. Aniceto e outros instrutores instalaram-se ao lado dele, em
torno da mesa nobre, onde se localizava a direo da assemblia. Aps saudar a assistncia numerosssima, formulando votos
de paz e incentivando-nos aos testemunhos redentores, Telsforo atingiu o assunto principal que o levara at ali.
Agora disse com autoridade sem afetao conversare-mos sobre as necessidades da representao de nossa colnia nos trabalhos terrestres. Aqui se encontram companheiros fracassados nas intenes mais nobres e irmos outros desejosos de colaborar nas tarefas que condizem com as nossas responsabilidades atuais. Referimo-nos s laboriosas atividades da Comunicao, no plano carnal. Vemos nesta reunio grande parte dos cooperadores de Nosso Lar, que faliram nas misses da mediunidade e da dou-
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trinao, bem como outros muitos colegas que se preparam para provas dessa natureza, nos crculos da Crosta.
Nossa repartio vem promovendo grande movimento de auxlio a irmos encarnados e desencarnados, que se revelam incapazes de qualquer ao, alm da superfcie terrestre.
Nossa tarefa enorme Precisamos disseminar ensinamen-tos novos, relativamente preparao dos que habitam nossa colnia, considerando os esforos e realizaes do presente e do porvir.
indispensvel socorrer os que enfrentam, corajosos, as profundas transformaes do planeta.
As transies essenciais da existncia na Terra encontram a maioria dos homens absolutamente distrados das realidades eternas. A mente humana abre-se, cada vez mais, para o contacto com as expresses invisveis, dentro das quais funciona e se mo-vimenta. Isto uma fatalidade evolutiva. Desejamos e necessita-mos auxiliar as criaturas terrestres; todavia, contra a extenso de nosso concurso fraterno, operam dilatadas correntes de incompre-enso. No relacionamos apenas a ao da ignorncia e da perver-sidade. Agem, contraditoriamente, nesse particular, grande nme-ro de foras do prprio espiritualismo. Combatem-nos algumas escolas crists, como se no colaborssemos com o Mestre Divi-no. A Igreja Romana classifica-nos a cooperao como diablica. A Reforma Luterana, em seus matizes variados, persegue-nos a colaborao amistosa. E h correntes espiritualistas de elevado teor educativo, que nos malsinam a influncia, por quererem o homem aperfeioado de um dia para outro, rigorosamente redimi-do a golpe instantneo da vontade, sem realizao metdica.
No campo de nosso conhecimento da vida, no podemos conden-los pelo desentendimento atual. O catolicismo romano tem suas razes ponderveis; o protestantismo digno de nosso acatamento; as escolas espiritualistas possuem notveis edifica-
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es. Toda expresso religiosa sagrada, todo movimento superi-or de educao espiritual santo em si mesmo. Temos, ento, diante de ns, a incompreenso dos bons, que constitui dolorosa prova para todos os trabalhadores sinceros, porque, afinal, no estamos fazendo obra individual e sim promovendo movimento libertador da conscincia humana, a favor da prpria idia religio-sa do mundo.
Sacerdotes e intrpretes dos ncleos organizados da religio e da filosofia, no percebem ainda que o esprito da Revelao progressivo, como a alma do homem. As concepes religiosas se elevam com a mente da criatura. Muitas Igrejas no compreen-dem, por enquanto, que no devemos espalhar a crena nos tor-mentos eternos para os desventurados, e sim a certeza de que h homens infernais criando infernos para si mesmos.
No podemos, porm, perder tempo no exame da teimosia alheia. Temos servios complexos e dilatados. E, como dizamos, a Humanidade terrena aproxima-se, dia a dia, da esfera de vibra-es dos invisveis de condio inferior, que a rodeia em todos os sentidos. Mas, segundo reconhecemos, esmagadora percentagem de habitantes da Terra no se preparou para os atuais aconteci-mentos evolutivos. E os mais angustiosos conflitos se verificam no sendal humano. A Cincia progride vertiginosamente no plane-ta e, no entanto, medida que se suprimem sofrimentos do corpo, multiplicam-se aflies da alma. Os jornais do mundo esto chei-os de notcias maravilhosas, quanto ao progresso material. Segre-dos sublimes da Natureza so surpreendidos nos domnios do mar, da terra e do ar; mas a estatstica dos crimes humanos espantosa. Os assassnios da guerra apresentam requintes de perversidade muito alm dos que foram conhecidos em pocas anteriores. Os homicdios, os suicdios, as tragdias conjugais, os desastres do sentimento, as greves, os impulsos revolucionrios da indiscipli-na, a sede de experimentao inferior, a inquietao sexual, as
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molstias desconhecidas, a loucura, invadem os lares humanos. No existe em pas algum preparao espiritual bastante para o conforto fsico. Entretanto, esse conforto tende a aumentar natu-ralmente. O homem dominar, cada vez mais, a paisagem exterior que lhe constitui moradia, embora no se conhea a si mesmo. Atendido, porm, o corpo revelar as necessidades da alma e vemos agora a criatura terrestre assoberbada de problemas graves, no s pelas deficincias de si prpria, seno tambm pela espon-tnea aproximao psquica com a esfera vibratria de milhes de desencarnados, que se agarram Crosta planetria, sequiosos de renovar a existncia que menosprezaram, sem maior considerao aos desgnios do Eterno.
A rigor, tambm ns compreendemos que os servios da Comunicao, no mundo, deveriam realizar-se apenas no plano da inspirao divina para os crculos terrenos, do superior para o inferior; mas, como agir diante de milhes de enfermos e crimino-sos nas zonas visveis e invisveis da experincia humana? Pelo simples culto externo, como pretende a Igreja de Roma? Pelo ato de f, exclusivamente, como espera a Reforma Protestante? Por mera afirmao da vontade, conforme pontificam certas escolas espiritualistas? No podemos, no entanto, circunscrever aprecia-es, na viso unilateral do problema. Concordamos que a reve-rncia ao Pai, a f e a vontade so expresses bsicas da realiza-o divina no homem, mas no podemos esquecer que o trabalho necessidade fundamental de cada esprito. Que outros irmos nossos perseverem, to somente, nas especulaes teolgicas; encaremos, porm, os servios do Senhor, como se faz indispen-svel.
A Humanidade terrena, atualmente, como um grande orga-nismo coletivo, cujas clulas, que so as personalidades humanas, se envolvem no desequilbrio entre si, em processo mundial de reajustamento e redeno.
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Quantos cooperam conosco, vem a extenso dos cipoais em que se debate a mente humana. Criminosos agarram-se a crimino-sos, doentes associam-se a doentes. Precisamos oferecer, no mun-do, os instrumentos adequados s retificaes espirituais, habili-tando nossos irmos encarnados a um maior entendimento do Esprito do Cristo. Para consegui-lo, todavia, necessitamos de colaboradores fiis, que no cogitem de condies, compensaes e discusses, mas que se interessem pela sublimidade do sacrifcio e de renunciao com o Senhor.
A essa altura, Telsforo interrompeu a lio em curso e, fi-xando o olhar percuciente na assemblia, tornou em voz mais alta:
Quem no deseje servir, procure outros gneros de tarefa. A Comunicao no comporta perda de tempo nem experimentao doentia, sem grave prejuzo dos cooperadores incautos. Noutros Ministrios, a designao de trabalhadores define, com preciso, todos os que colaboram com o Divino Mestre. Aqui, porm, aci-ma de trabalhadores, precisamos de servidores que atendam de boa vontade.
Nesse instante, em vista doutra longa pausa, Identifiquei a forte impresso dos ouvintes, que se entreolhavam com inexpri-mvel espanto.
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6 Advertncias profundas
Irmos nossos prosseguiu Telsforo, sob o calor de sa-grada inspirao , fazem-se ouvir na Terra gritos comovedores de sofrimento. Necessitamos de servidores que desejem integrar-se na escola evanglica da renncia.
Desde as primeiras tarefas do Espiritismo renovador, Nosso Lar tem enviado diversas turmas ao trabalho de disseminao de valores educativos. Centenas de companheiros partem daqui anualmente, aliando necessidades de resgate ao servio redentor; mas ainda no conseguimos os resultados desejveis. Alguns alcanaram resultados parciais nas tarefas a desenvolver, mas a maioria tem fracassado ruidosamente. Nossos institutos de socor-ro debalde movimentam medidas de assistncia indispensvel. Rarssimos conquistam algum xito nos delicados misteres da mediunidade e da doutrinao.
Outras colnias de nossa esfera providenciam tarefas da mesma natureza, mas pouqussimos so os que se lembram das realidades eternas, no outro lado do vu... A ignorncia domina a maioria das conscincias encarnadas. E a ignorncia me das misrias, das fraquezas, dos crimes. Grandes instrutores, nos fluidos da carne, amedrontam-se por sua vez, diante dos atritos humanos, e se recolhem, indevidamente, na concepo que lhes prpria. Esquecem-se de que Jesus no esperou que os homens lhe atingissem as glrias magnificentes e que, ao invs, desceu at ao plano dos homens para amar, ensinar e servir. No exigiu que as criaturas se fizessem imediatamente iguais a Ele, mas fez-se como os homens, para ajud-los na subida spera.
E, com profundo brilho no olhar, Telsforo acentuou, depois de pequeno Intervalo:
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Se o Mestre Divino adotou essa norma, que dizer das nos-sas obrigaes de criaturas falidas?
Abstraindo-nos das necessidades imensas de outros grupos, procuremos identificar as falhas existentes naqueles que nos so afins.
Em derredor de ns mesmos, os laos pessoais constituem extenso campo de atividade para o testemunho.
Cesse, para ns outros, a concepo de que a Terra o vale tenebroso, destinado a quedas lamentveis, e agasalhemos a certe-za de que a esfera carnal uma grande oficina de trabalho reden-tor. Preparemo-nos para a cooperao eficiente e indispensvel. Esqueamos os erros do passado e lembremo-nos de nossas obri-gaes fundamentais.
A causa geral dos desastres medinicos a ausncia da no-o de responsabilidade e da recordao do dever a cumprir.
Quantos de vs fostes abonados, aqui, por generosos benfei-tores que buscaram auxiliar-vos, condodos de vosso pretrito cruel? Quantos de vs partistes, entusiastas, formulando enormes promessas? Entretanto, no soubestes recapitular dignamente, para aprender a servir, conforme os desgnios superiores do Eter-no. Quando o Senhor vos enviava possibilidades materiais para o necessrio, regressveis ambio desmedida; ante o acrscimo de misericrdia do labor intensificado, agarrastes a idia da exis-tncia cmoda; junto s experincias afetivas, preferistes os des-vios sexuais; ao lado da famlia, voltastes tirania domstica, e aos interesses da vida eterna sobrepusestes as sugestes inferiores da preguia e da vaidade. Destes-vos, na maioria, palavra sem responsabilidade e indagao sem discernimento, amontoando atividades inteis. Como mdiuns, muitos de vs prefereis a inconscincia de vs mesmos; como doutrinadores, formulveis conceitos para exportao, jamais para uso prprio.
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Que resultado atingimos? Grandes massas batem s fontes do Espiritismo sagrado, to s no propsito de lhe mancharem as guas. No so procuradores do Reino de Deus os que lhe foram, desse modo, as portas, e sim caadores dos interesses pessoais. So os sequiosos da facilidade, os amigos do menor esforo, os preguiosos e delinqentes de todas as situaes, que desejam ouvir os Espritos desencarnados, receosos da acusao que lhes dirige a prpria conscincia. O fel da dvida invade o blsamo da f, nos coraes bem intencionados. A sede de proteo indevida azorraga os seguidores da ociosidade. A ignorncia e a maldade entregam-se s manifestaes inferiores da magia negra.
Tudo porque, meus irmos? Porque no temos sabido defen-der o sagrado depsito, por termos esquecido, em nossos labores carnais, que Espiritismo revelao divina para a renovao fundamental dos homens. No atendemos, ainda, como se faz indispensvel, construo do Reino de Deus em ns.
Contudo, no abandonemos nossos deveres a meio da tarefa. Voltemos ao campo, retificando as semeaduras. O Ministrio da Comunicao vem incentivando esse movimento renovador. Necessitamos de servidores de boa vontade, leais ao esprito da f. No sero admitidos os que no desejarem conhecer a glria oculta da cruz do testemunho, nem atendem aqui os que se apro-ximem com objetivos diferentes...
Aqui estamos todos, companheiros da Comunicao, endivi-dados com o mundo, mas esperanosos de xito em nossa tarefa permanente. Levantemos o olhar. O Senhor renova diariamente nossas benditas oportunidades de trabalho, mas, para atingirmos os resultados precisos, imprescindvel sejamos seguidores da renunciao ao inferior. Nenhum de ns, dos que aqui nos encon-tramos, est livre do ciclo de reencarnaes na Crosta. Todos, portanto, somos sequiosos de Vida Eterna. No olvidemos, desse modo, o Calvrio de Nosso Senhor, convictos de que toda sada
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dos planos mais baixos deve ser uma subida para a esfera superi-or. E ningum espere subir, espiritualmente, sem esforo, sem suor e sem lgrimas!...
Nesse momento, cessou a preleo de Telsforo, que abeno-ou a assemblia, mostrando o olhar infinitamente brilhante e aceitando, em seguida, o brao de Aniceto, para afastar-se.
Debaixo de profunda impresso, em face das incisivas decla-raes do instrutor, observei que numerosos circunstantes chora-vam em silncio.
Ao meu olhar interrogativo, Vicente explicou: So servidores fracassados. Nesse instante, Telsforo e o nosso orientador postaram-se
junto de ns. Duas senhoras, de grave fisionomia, aproximaram-se respei-
tosamente e uma delas dirigiu-se a Aniceto, nestes termos: Desejvamos o obsquio de uma informao concernente
prxima oportunidade de servio que ser concedida a Otvio. O Ministrio prestar esclarecimentos respondeu o inter-
pelado, atencioso. Todavia tornou a interlocutora , ousaria reiterar-lhe o
pedido. que Marina, grande amiga nossa, casada na Terra h alguns meses, prometeu-me cooperao para auxili-lo, e seria muito de meu agrado localizar, agora, o meu pobre filho em novos braos maternais.
Aniceto esboou um gesto de compreenso, sorriu e esclare-ceu, sem afetao:
Convm no estabelecer o plano por enquanto, porque, an-tes de tudo, precisamos conhecer a soluo do processo de m-diuns fracassados, em que est ele envolvido. Somente depois, minha irm.
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Volvi os olhos para Vicente, sem ocultar a surpresa, mas, en-quanto as senhoras se retiravam conformadas, Aniceto dirigia-nos a palavra:
Tenho servios imediatos, em companhia de Telsforo. Deixo-os, a todos, em estudos e observaes aqui no Centro de Mensageiros.
Retirou-se Aniceto com os maiores, e um companheiro decla-rou alegremente:
Podemos conversar. Nosso orientador explicou-me Vicente, solicito conside-
ra trabalho til toda conversao sadia que nos enriquea os co-nhecimentos e aptides para o servio. Pelas nossas palestras construtivas, portanto, receberemos tambm a remunerao devi-da cooperao normal.
Curioso e surpreendido, indaguei: E se eu tentasse voltar aos assuntos inferiores da Terra, es-
quecendo a conversao edificante? Vicente sorriu e retrucou: O prejuzo seria seu, porque aqui a palavra define o Esprito
e, se voc fugisse luz da palestra instrutiva, nossos orientadores conheceriam sua atitude imediatamente, porquanto sua presena se tornaria desagradvel e seu rosto se cobriria de sombra indefi-nvel.
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7 A queda de Otvio
A ausncia de Aniceto deu ensejo a palestras interessantes. Formaram-se grupos de conversao amiga. Impressionado com as senhoras que haviam solicitado provi-
dncias para Otvio, pedi a Vicente me apresentasse a elas, no que me movesse curiosidade menos digna, mas desejo de alcanar novos valores educativos sobre a tarefa medinica, que a palavra de Telsforo me fizera sentir em tons diferentes.
O amigo atendeu de boamente. Em breves momentos, no me achava to s frente das ir-
ms Isaura e Isabel, mas do prprio Otvio, um plido senhor que aparentava quarenta anos.
Tambm sou principiante aqui expliquei e minha condi-o a do mdico falido nos deveres que o Senhor lhe confiou.
Otvio sorriu e respondeu: Possivelmente, o meu amigo ter a seu favor o fato de haver
ignorado as verdades eternas, no mundo. O mesmo no ocorre comigo, ai de mim! No desconhecia o roteiro certo, que o Pai me designava para as lutas na Terra. No possua ttulos oficializados de competncia; entretanto, dispunha de considervel cultura evanglica, coisa que, para a vida eterna, de maior importncia que a cultura intelectual, simplesmente considerada. Tive amigos generosos do plano superior, que se faziam visveis aos meus olhos, recebi mensagens repletas de amor e sabedoria e, no entan-to, cai mesmo assim, obedecendo imprevidncia e vaidade.
As observaes de Otvio impressionavam-me vivamente. Quando no mundo, eu no tivera contacto especial com as escolas
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espiritistas e experimentava certa dificuldade para compreender tudo quanto ele desejava dizer.
Ignorava a extenso das responsabilidades medinicas respondi.
As tarefas espirituais tornou o interlocutor, algo acabru-nhado ocupam-se de interesses eternos e da a enormidade de minha falta. Os mordomos de bens da alma esto investidos de responsabilidades pesadssimas. Os estudiosos, os crentes, os simpatizantes, no campo da f, podem alegar ignorncia e inibi-o; todavia, os sacerdotes no tm desculpa. o mesmo que se verifica na tarefa medinica. Os aprendizes ou beneficirios, nos templos da Revelao nova, podem referir-se a determinados impedimentos; mas o missionrio obrigado a caminhar com um patrimnio de certezas tais, que coisa alguma o exonera das cul-pas adquiridas.
Mas, meu amigo perguntei, assaz impressionado , que teria motivado seu martrio moral? Noto-o to consciente de si mesmo, to superiormente informado sobre as leis da vida, que me custa acreditar se encontre necessitado de novas experincias nesse captulo...
Ambas as senhoras presentes mostraram estranho brilho no olhar, enquanto Otvio respondia:
Relatarei minha queda. Ver como perdi maravilhosa opor-tunidade de elevao.
E, aps mais longa pausa, continuou, gravemente: Depois de contrair dividas enormes na esfera carnal, nou-
tro tempo, vim bater s portas de Nosso Lar, sendo atendido por irmos dedicados, que se revelaram incansveis para comigo. Preparei-me, ento, durante trinta anos consecutivos, para voltar Terra em tarefa medinica, desejoso de saldar minhas contas e elevar-me alguma coisa. No faltaram lies verdadeiramente
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sublimes, nem estmulos santos ao meu corao imperfeito. O Ministrio da Comunicao favoreceu-me com todas as facilida-des e, sobretudo, seis entidades amigas movimentaram os maiores recursos em benefcio do meu xito. Tcnicos do Auxlio acom-panharam-me Terra, nas vsperas do meu renascimento, entre-gando-me um corpo fsico rigorosamente sadio. Segundo a mag-nanimidade dos meus benfeitores daqui, ser-me-ia concedido certo trabalho de relevo, na esfera de consolao s criaturas. Permaneceria junto das falanges de colaboradores encarregados do Brasil, animando-lhes os esforos o atendendo a irmos outros, ignorantes, perturbados ou infelizes. O matrimnio no deveria entrar na linha de minhas cogitaes, no que o casamento possa colidir com o exerccio da mediunidade, mas porque meu caso particular assim o exigia.
Nada obstante, solteiro, deveria receber, aos vinte anos, os seis amigos que muito trabalharam por mim, em Nosso Lar, os quais chegariam ao meu crculo como rfos. Meu dbito para com essas entidades tornou-se muito grande e a providncia no s constituiria agradvel resgate para mim, como tambm garantia de triunfo pelo servio de assistncia a elas, o que me preservaria o corao de leviandades e vacilaes, porquanto o ganha-po laborioso me compeliria a no aceder a sugestes inferiores nos domnios do sexo e das ambies incontidas. Ficou tambm as-sentado que minhas atividades novas comeariam com muitos sacrifcios, para que o possvel carinho de outrem no amolecesse a minha fibra de realizao, e para que se no escravizasse minha tarefa a situaes caprichosas do mundo, distantes dos desgnios de Jesus, e, sobretudo, para que fosse mantida a impessoalidade do servio. Mais tarde, ento, com o correr dos anos de edifica-o, me enviariam de Nosso Lar socorros materiais, cada vez maiores, medida que fosse testemunhando renncia de mim mesmo, desprendimento das posses efmeras, desinteresse pela
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remunerao dos sentidos, de maneira a intensificar, progressiva-mente, a semeadura de amor confiada s minhas mos.
Tudo combinado, voltei, no s prometendo fidelidade aos meus instrutores, como tambm hipotecando a certeza do meu devotamento s seis entidades amigas, a quem muito devo at agora.
Otvio, nesse momento, fez uma pausa mais longa, suspirou fundamente, e prosseguiu:
Mas, ai de mim, que olvidei todos os compromissos! Os benfeitores de Nosso Lar localizaram-me ao lado de verdadeira serva de Jesus. Minha me era espiritista crist desde moa, no obstante as tendncias materialistas de meu pai, que era, todavia, um homem de bem.
Aos treze anos fiquei rfo de me e, aos quinze, comea-ram para mim os primeiros chamados da esfera superior. Por essa ocasio, meu pai contraiu segundas npcias e, apesar da bondade e cooperao que a madrasta me oferecia, eu me colocava num plano de falsa superioridade, a respeito dela. Em vo, minha genitora endereou, do invisvel, apelos sagrados ao meu corao. Eu vivia revoltado, entre queixas e lamentaes descabidas.
Meus parentes conduziram-me a um grupo espiritista de ex-celente orientao evanglica, onde minhas faculdades poderiam ser postas a servio dos necessitados e sofredores; entretanto, faltavam-me qualidades de trabalhador e companheiro fiel. Minha negao em matria de confiana nos orientadores espirituais e acentuado pendor para a crtica dos atos alheios compeliam-me a desagradvel estacionamento.
Os benemritos amigos do invisvel estimulavam-me ao ser-vio, mas eu duvidava deles com a minha vaidade doentia. E como prosseguissem os apelos sagrados, por mim interpretados como alucinaes, procurei um mdico que me aconselhou expe-
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rincias sexuais. Completara, ento, dezenove anos e entreguei-me desenfreadamente ao abuso de faculdades sublimes. Desejava conciliar, fora, o prazer delituoso e o dever espiritual, alhean-do-me, cada vez mais, dos ensinos evanglicos que os amigos da esfera superior nos ministravam.
Tinha pouco mais de vinte anos, quando meu pai foi arreba-tado pela morte. Com a triste ocorrncia, ficavam na orfandade seis crianas desfavorecidas, porquanto minha madrasta, ao se consorciar com meu genitor, lhe trouxera para a tutela trs peque-ninos. Em vo implorou-me socorro a pobre viva. Nunca me dignei aceitar os encargos redentores que me estavam destinados.
Aps dois anos de segunda viuvez, minha desventurada ma-drasta foi recolhida a um leprosrio. Afastei-me, ento, dos pe-quenos rfos, tomado de horror. Abandonei-os definitivamente, sem refletir que lanava meus credores generosos, de Nosso Lar, a destino incerto. Em seguida, dando largas ociosidade, cometi uma ao menos digna e fui obrigado a casar-me pela violncia. Mesmo assim, porm, persistiam os chamados do invi-svel, revelando-me a inesgotvel misericrdia do Altssimo. Contudo, medida que olvidava meus deveres, toda tentativa de realizao espiritual figurava-se-me mais difcil. E continuou a tragdia que inventei para meu prprio tormento.
A esposa a que me ligara, to somente por apetites inconfes-sveis, era criatura muito inferior minha condio espiritual e atraiu uma entidade monstruosa, em ligao com ela, para tomar o papel de meu filho. Releguei rua seis carinhosas crianas, cuja convivncia concorreria decisivamente para minha segurana moral, mas a companheira e o filho, ao que me pareceu, incumbi-ram-se da vingana. Atormentaram-me ambos, at ao fim da existncia, quando para aqui regressei, mal tendo completado quarenta anos, rodo pela sfilis, pelo lcool e pelos desgostos,
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sem nada haver feito para meu futuro eterno... Sem construir coisa alguma no terreno do bem...
Enxugou os olhos tmidos e concluiu: Como v, realizei todos os meus condenveis desejos, me-
nos os desejos de Deus. Foi por isso que fali, agravando antigos dbitos...
Nesse instante, calou-se como se alguma coisa invisvel lhe constringisse a garganta.
Abracei-o com simpatia fraternal, ansioso de proporcionar-lhe estimulo ao corao, mas Dona Isaura aproximou-se mais, acariciou-lhe a fronte e falou:
No chores, filho! Jesus no nos falta com a bno do tempo. Tem calma e coragem...
E identificando-lhe o carinho, meditei na Bondade Divina, que faz ecoar o cntico sublime do amor de me, mesmo nas regies de alm-morte.
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8 O desastre de Acelino
Ia dirigir-me a Otvio novamente, quando algum se aproxi-mou e falou ao ex-mdium, com voz forte:
No chore, meu caro. Voc no est desamparado. Alm disso, pode contar com o devotamento materno. Vivo em piores condies, mas no me faltam esperanas. Sem dvida, estamos em bancarrota espiritual; no entanto, razovel aguardarmos, confiantes, novo emprstimo de oportunidades do Tesouro Divi-no. Deus no est pobre.
Voltei-me surpreendido e no reconheci o recm-chegado. Dona Isaura fez o obsquio das apresentaes. Estvamos diante de Acelino, que partilhara a mesma experi-
ncia. Fitando-o, triste, Otvio sorriu e advertiu: No sou um criminoso para o mundo, mas sou um falido
para Deus e para Nosso Lar Sejamos, porm, lgicos revidou Acelino, parecendo mais
encorajado , voc perdeu a partida porque no jogou, e eu a perdi jogando desastradamente. Tive onze anos de tormento nas zonas inferiores. Sua situao no reclamou esse drstico. Mesmo as-sim, confio na Providncia.
Nesse instante, interveio Vicente, acrescentando: Cada um de ns tem a experincia que lhe prpria. Nem
todos ganham nas provas terrestres. E voltando-se de modo especial, para mim, aduziu:
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Quantos de ns, os mdicos, perdemos lamentavelmente na luta?
Depois de concordar, trazendo baila o meu prprio caso, ob-jetei:
Seria, porm, muitssimo interessante conhecer a experin-cia de Acelino. Teria sofrido o mesmo acidente de Otvio? Creio de grande aproveitamento penetrar essas lies. No mundo, no compreendia bem o que fossem tarefas espirituais, mas aqui a nossa viso se modifica. H que cogitar do nosso futuro eterno.
Acelino sorriu e obtemperou: Minha histria muito diferente. A queda que experimentei
apresenta caractersticas diversas e, a meu ver, muito mais graves. E, atendendo-nos a expectativa, prosseguiu, narrando: Tambm parti de Nosso Lar, no sculo findo, aps rece-
ber valioso patrimnio instrutivo dos nossos assessores. Segui enriquecido de bnos. Uma de nossas benemritas Ministras da Comunicao presidiu, em pessoa, as medidas atinentes minha nova tarefa. No faltaram providncias para que me felicitassem a sade do corpo e o equilbrio da mente. Aps formular grandes promessas aos nossos maiores, parti para uma das grandes cidades brasileiras, em servio de nossa colnia. O casamento estava em meu roteiro de realizaes. Ruth, minha devotada companheira, incumbir-se-ia de colaborar comigo para melhor desempenho das tarefas.
Cumprida a primeira parte do programa, aos vinte anos de idade fui chamado tarefa medinica, recebendo enorme amparo dos benfeitores invisveis. Recordo ainda a sincera satisfao dos companheiros do grupo doutrinrio. A vidncia, a audio e a psicografia, que o Senhor me concedera, por misericrdia, consti-tuam decisivos fatores de xito em nossas atividades. A alegria de todos era inexcedvel. Entretanto, apesar das lies maravilho-
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sas de amor evanglico, inclinei-me a transformar minhas facul-dades em fonte de renda material. No me dispus a esperar pelos abundantes recursos que o Senhor me enviaria mais tarde, aps meus testemunhos no trabalho, e provoquei, eu mesmo, a soluo dos problemas lucrativos. No era meu servio igual a outros? No recebiam os sacerdotes catlicos-romanos a remunerao de trabalhos espirituais e religiosos? Se todos pagvamos por servi-os ao corpo, que razes haveria para fugir ao pagamento por servios alma? Amigos, inscientes do carter sagrado da f, aprovavam-me as concluses egosticas. Admitamos que, no fundo, o trabalho essencial era dos desencarnados, mas tambm havia colaborao minha, pessoal, como intermedirio, pelo que devia ser justa a retribuio.
Debalde, movimentaram-se os amigos espirituais aconse-lhando-me o melhor caminho. Em vo, companheiros encarnados chamavam-me a esclarecimento oportuno. Agarrei-me ao interes-se inferior e fixei meu ponto de vista. Ficaria definitivamente por conta dos consulentes. Arbitrei o preo das consultas, com bonifi-caes especiais aos pobres e desvalidos da sorte, e meu consult-rio encheu-se de gente.
Interesse enorme foi despertado entre os que desejavam me-lhoras fsicas e soluo de negcios materiais. Grande nmero de famlias abastadas tomou-me por consultor habitual, para todos os problemas da vida. As lies de espiritualidade superior, a confra-ternizao amiga, o servio redentor do Evangelho e as prelees dos emissrios divinos ficaram distncia. No mais a escola da virtude, do amor fraternal, da edificao superior, e sim a concor-rncia comercial, as ligaes humanas legais ou criminosas, os caprichos apaixonados, os casos de policia e todo um cortejo de misrias da Humanidade, em suas experincias menos dignas.
Transformara-se completamente a paisagem espiritual que me rodeava. fora de me cercar de pessoas criminosas, por
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questes de ganho sistemtico, as baixas correntes mentais dos inquietos clientes encarceraram-me em sombria cadeia psquica. Cheguei ao crime de zombar do Evangelho de Nosso Senhor Jesus, esquecido de que os negcios delituosos dos homens de conscincia viciada contam igualmente com entidades pernicio-sas, que se interessam por eles nos planos invisveis. E transfor-mei a mediunidade em fonte de palpites materiais e baixos avi-sos.
Nesse momento, os olhos do narrador cobriram-se de sbita vermelhido, estampando-se-lhe fundo horror nas pupilas, como se estivesse revivendo atrozes dilaceraes.
Mas a morte chegou, meus amigos, e arrancou-me a fanta-sia prosseguiu mais grave . Desde o instante da grande transi-o, a ronda escura dos consulentes criminosos, que me haviam precedido no tmulo, rodeou-me a reclamar palpites e orientaes de natureza inferior. Queriam noticias de cmplices encarnados, de resultados comerciais, de solues atinentes a ligaes clandes-tinas. Gritei, chorei, implorei, mas estava algemado a eles por sinistros elos mentais, em virtude da imprevidncia na defesa do meu prprio patrimnio espiritual. Durante onze anos consecuti-vos, expiei a falta, entre eles, entre o remorso e a amargura.
Acelino calou-se, parecendo mais comovido, em vista das l-grimas abundantes. Fundamente sensibilizado, Vicente conside-rou:
Que isso? No se atormente assim. Voc no cometeu as-sassnios, nem alimentou a inteno deliberada de espalhar o mal. A meu ver, voc enganou-se tambm, como tantos de ns.
Acelino, porm, enxugou o pranto e respondeu: No fui homicida nem ladro vulgar, no mantive o prop-
sito intimo de ferir ningum, nem desrespeitei alheios lares, mas, indo aos crculos carnais para servir s criaturas de Deus, nossos
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irmos, auxiliando-os no crescimento espiritual com Jesus, apenas fiz viciados da crena religiosa e delinqentes ocultos, mutilados da f e aleijados do pensamento. No tenho desculpas, porque estava esclarecido; no tenho perdo, porque no me faltou assis-tncia divina.
E, depois de longa pausa, concluiu gravemente: Podem avaliar a extenso da minha culpa?
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9 Ouvindo impresses
Deixando Acelino em conversao mais ntima com Otvio, fui levado por Vicente a outro ngulo da sala.
Muitos grupos se mantinham em palestra interessante e edu-cativa, observando eu que quase todos comentavam as derrotas sofridas na Terra.
Fiz quanto pude exclamava uma velhinha simptica para duas companheiras que a escutavam atentamente ; no entanto, os laos de famlia so muito fortes. Algo se fazia ouvir sempre, com voz muito alta, em meu esprito, compelindo-me ao desempenho da tarefa; mas... e o marido? Amncio nunca se conformou. Se os enfermos me procuravam no receiturio comum, agravava-se-lhe a neurastenia; se os companheiros de doutrina me convidavam aos estudos evanglicos, revoltava-se, ciumento. Que pensam vocs? Chegava a mobilizar minhas filhas contra mim. Como seria poss-vel, em tais circunstncias, atender a obrigaes medinicas?
Todavia ponderou uma das senhoras que parecia mais se-gura de si , sempre temos recursos e pretextos para fugir s culpas. Encaremos nossos problemas com realismo. H de convir que, com o socorro da boa vontade, sempre lhe ficariam alguns minutos na semana e algumas pequenas oportunidades para fazer o bem. Talvez pudesse conquistar o entendimento do esposo e a colaborao afetuosa das filhas, se trabalhasse em silncio, mos-trando sincera disposio para o sacrifcio. Nossos atos, Mariana, so muito mais contagiosos que as nossas palavras.
Sim respondeu a interlocutora, emitindo voz diferente , concordo com a observao. Em verdade, nunca pude sofrer a incompreenso dos meus, sem reclamar.
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Para trabalharmos com eficincia tornou a companheira, sensata , preciso saber calar, antes de tudo. Teramos atendido perfeitamente aos nossos deveres, se tivssemos usado todas as receitas de obedincia e otimismo que fornecemos aos outros. Aconselhar sempre til, mas aconselhar excessivamente pode traduzir esquecimentos de nossas obrigaes. Assim digo, porque meu caso, a bem dizer, muito semelhante ao seu. Fomos ao crculo carnal para construir com Jesus, mas camos na tolice de acreditar que andvamos pela Terra para discutir nossos capri-chos. No executei minha tarefa medinica, em virtude da irrita-o que me dominou, dada a indiferena dos meus familiares pelos servios espirituais. Nossos instrutores, aqui, muito me recomendaram, antes, que para bem ensinar necessrio exempli-ficar melhor. Entretanto, por minha desventura, tudo esqueci no trabalho temporrio da Terra. Se meu marido fazia ponderaes, eu criava refutaes. No suportava qualquer parecer contrrio ao meu ponto de vista, em matria de crena, incapaz de perceber a vaidade e a tolice dos meus gestos. Das irreflexes nasceu minha perda ltima, na qual agravei, de muito, as responsabilidades. Quase mensalmente, Joaquim e eu nos empenhvamos em discus-ses e no trocvamos apenas os insultos contundentes, mas tambm os fluidos venenosos, segregados por nossa mente rebel-de e enfermia. Entre os conflitos e suas conseqncias, passei o tempo inutilizada para qualquer trabalho de elevao espiritual.
Nesse instante, chamou-me Vicente para apresentar um ami-go.
Ao nosso lado, outro grupo de senhoras conversava anima-damente:
Afinal, Ernestina indagava uma delas mais jovem , qual foi a causa do seu desastre?
Apenas o medo, minha amiga explicou-se a interpelada , tive medo de tudo e de todos. Foi o meu grande mal.
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Mas, como tudo isto impressiona! Voc foi muitssimo pre-parada. Recordo-me ainda das nossas lies em conjunto. As instrutoras do Esclarecimento confiavam extraordinariamente no seu concurso. Seu aproveitamento era um padro para ns outras.
Sim, minha querida Benita, suas reminiscncias fazem-me sentir, com mais clareza, a extenso da minha bancarrota pessoal. Entretanto, no devo fugir realidade. Fui a culpada de tudo. Preparei-me o bastante para resgatar antigos dbitos e efetuar edificaes novas; contudo, no vigiei como se impunha. O cha-mamento ao servio ressoou no tempo prprio, orientando-me o raciocnio a melhores esclarecimentos; nossos instrutores me proporcionavam os mais santos incentivos, mas desconfiei dos homens, dos desencarnados e at de mim mesma. Nos estudiosos do plano fsico, enxergava pessoas de m f; nos irmos invis-veis, presumia encontrar apenas galhofeiros fantasiados de orien-tadores e, em mim mesma, receava as tendncias nocivas. Muitos amigos tinham-me em conta de virtuosa, pelo rigorismo das mi-nhas exigncias; todavia, no fundo, eu no passava de enferma voluntria, carregada de aflies inteis.
Foi uma grande infantilidade da sua parte retrucou a outra , voc olvidou que, na esfera carnal, o maior interesse da alma a realizao de algo til para o bem de todos, com vistas ao Infini-to e Eternidade. Nesse mister, indispensvel contar com o assdio de todos os elementos contrrios. Ironias da ignorncia, ataques da insensatez, sugestes inferiores da nossa prpria ani-malidade surgiro, com certeza, no caminho de todo trabalhador fiel. So circunstncias lgicas e fatais do servio, porque no vamos ao mundo fsico para descanso injustificvel, mas para lutar pela nossa melhoria, a despeito de todo impedimento fortui-to.
Compreendo, agora disse a outra ; todavia, o receio das mistificaes prejudicou minha bela oportunidade.
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, minha amiga tornou a interlocutora , tarde para la-mentar. Tanto tememos as mistificaes, que acabamos por misti-ficar os servios do Cristo.
Eu ouvia a palestra, com interesse crescente, mas o compa-nheiro levou-me adiante para novas apresentaes.
Atendia a esses agradveis deveres da sociedade de Nosso Lar, mas, para no perder ensejo de instruir-me, continuava atento s conversaes em torno. Alguns cavalheiros mantinham discreta permuta de pareceres.
Reconheo que fali dizia um deles em tom grave e mui-to j expiei nas regies inferiores, mas aguardo novos recursos da Providncia.
Faltou-lhe, porm, bastante orientao para o caminho? perguntava um companheiro.
Explico-me esclareceu o primeiro , faltou-me o amparo da esposa. Enquanto a tive a meu lado, verificava-se profundo equilbrio em minhas foras psquicas. A companhia dela, sem que eu pudesse explicar, compensava-me todo gasto de energia medinica. Minha noo de balano estava nas mos de minha querida Adlia. Esqueci-me, porm, de que o bom servo deve estar preparado para o servio do Senhor, em qualquer circunstn-cia. No aprendi a cincia da conformao e nem me resignei a percorrer sozinho as estradas humanas. Quando me senti sem a dedicada companheira, arrebatada pela morte, amedrontei-me, por sentir-me em desequilbrio e, erradamente, procurei substitui-la, e fui acidentado. Extremamente ligada a entidades malfazejas, minha segunda mulher, com os seus desvarios, arrastou-me a perverses sexuais de que nunca me supusera capaz. Voltei, in-sensivelmente, ao convvio de criaturas perversas e, tendo come-ado bem, acabei mal. Meus desastres foram enormes; entretanto, embora reconhea minha deficincia, entendo, ainda hoje, que o
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triunfo, mesmo no futuro, ser-me- muito difcil sem a compa-nheira bem-amada.
Tornara-se a palestra sumamente interessante. Desejava a-companhar-lhe o curso, mas Vicente chamou-me a ateno para outro assunto e era necessrio acompanh-lo.
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10 A experincia de Joel
Afastando-nos para um canto do salo, acompanhei Vicente que se dirigiu a um velhote de fisionomia simptica.
Ento, meu caro Joel, como vai? perguntou, atencioso. O interpelado teve uma expresso melanclica e informou: Graas Bondade Divina, sinto-me bastante melhorado.
Tenho ido diariamente s aplicaes magnticas dos Gabinetes de Socorro, no Auxlio, e estou mais forte.
Cederam as vertigens? indagou o companheiro, com inte-resse.
Agora so mais espaadas e, quando surgem, no me afli-gem o corao com tanta intensidade.
Nesse instante, Vicente descansou os olhos muito lcidos nos meus, e disse, sorrindo:
Joel tambm andou nos crculos carnais em tarefa medini-ca e pode contar experincia muito interessante.
O novo amigo, que me parecia um enfermo em princpios de convalescena, esboou melanclico sorriso e falou:
Fiz minha tentativa na Terra, mas fracassei. A luta no era pequena e fui fraco demais.
O que mais me impressiona no caso dele, porm interps Vicente em tom fraterno , a molstia que o acompanhou at aqui e persiste ainda agora. Joel atravessou as regies inferiores com dificuldades extremas, aps demorar-se por l muito tempo, voltando ao Ministrio do Auxlio perseguido de alucinaes estranhas, relativamente ao pretrito.
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Ao passado? perguntei, surpreendido. Sim esclareceu Joel, humilde , minha tarefa medinica
exigia sensibilidade mais apurada e, quando me comprometi execuo do servio, fui ao Ministrio do Esclarecimento, onde me aplicaram tratamento especial, que me aguou as percepes. Necessitava condies sutis para o desempenho dos futuros deve-res. Assistentes amigos desdobraram-se em obsquios, por me favorecerem, e parti para a Terra com todos os requisitos indis-pensveis ao xito de minhas obrigaes. Infelizmente, porm...
Mas porque indaguei perdeu as realizaes? To s em virtude da sensibilidade adquirida?
Joel sorriu e obtemperou: No perdi pela sensibilidade, mas pelo seu mau uso. Que diz? tornei, admirado. O meu amigo compreender sem dificuldades. Imagine que,
com um cabedal dessa natureza, ao invs de auxiliar os outros, perdi-me a mim mesmo. que, segundo concluo agora, Deus concede a sensibilidade apurada como espcie de lente poderosa, que o proprietrio deve usar para definir roteiros, fixar perigos e vantagens do caminho, localizar obstculos comuns, ajudando ao prximo e a si mesmo. Procedi, porm, ao inverso. No utilizei a lente maravilhosa, no mister justo. Deixando-me empolgar pela curiosidade doentia, apliquei-a to somente para dilatar minhas sensaes. No quadro dos meus trabalhos medinicos, estava a recordao de existncias pregressas como expresso indispens-vel ao servio de esclarecimento coletivo e beneficio aos seme-lhantes, que me fora concedido realizar, mas existe uma cincia de recordar, que no respeitei como devia.
Interrompendo um instante a narrativa, aguava-me o desejo de conhecer-lhe a experincia pessoal at ao fim. Em seguida, continuou no mesmo diapaso:
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Ao primeiro chamado da esfera superior, acorri, apressado. Sentia, intuitivamente, a vvida lembrana de minhas promessas em Nosso Lar. Tinha o corao repleto de propsitos sagrados. Trabalharia. Espalharia muito longe a vibrao das verdades eternas. Contudo, aos primeiros contactos com o servio, a excita-o psquica fez rodar o mecanismo de minhas recordaes ador-mecidas, como o disco sob a agulha da vitrola, e lembrei toda a minha penltima existncia, quando envergara a batina, sob o nome de Monsenhor Alexandre Pizarro, nos ltimos perodos da Inquisio Espanhola. Foi, ento, que abusei da lente sagrada a que me referi.
A volpia das grandes sensaes, que pode ser to prejudici-al como o uso do lcool que embriaga os sentidos, fez olvidar os deveres mais santos. Bafejaram-me claridades espirituais de ele-vada expresso. Desenvolveu-se-me a clarividncia, mas no estava satisfeito seno com rever meus companheiros visveis e invisveis, no setor das velhas lutas religiosas. Impunha a mim mesmo a obrigao de localizar cada um deles no tempo, fazendo questo de reconstituir-lhes as fichas biogrficas, sem cuidar do verdadeiro aproveitamento no campo do trabalho construtivo.
A audio psquica tornou-se-me muito clara; entretanto, no queria ouvir os benfeitores espirituais sobre tarefas proveito-sas e sim interpel-los, ousadamente, no captulo da minha satis-fao egostica. Despendi um tempo enorme, dentro do qual fugia aos companheiros que me vinham pedir atividades a bem do prximo, engolfado em pesquisas referentes Espanha do meu tempo. Exigia notcias de bispos, de autoridades polticas da poca, de padres amigos que haviam errado tanto quanto eu mes-mo.
No faltaram generosas advertncias. Freqentemente, os colegas do nosso grupo espiritista chamavam-me a ateno para os problemas srios de nossa casa. Eram sofredores que nos bati-
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am porta, situaes que reclamavam testemunho cristo. Tnha-mos um abrigo de rfos em projeto, um ambulatrio que come-ava a nascer e, sobretudo, servios semanais de instruo evan-glica, nas noites de teras e sextas-feiras. Mas, qual! eu no queria saber seno das minhas descobertas pessoais. Esqueci que o Senhor me permitia aquelas reminiscncias, no por satisfazer-me a vaidade, mas para que entendesse a extenso dos meus dbitos para com os necessitados do mundo e me entregasse obra de esclarecimento e conforto aos feridos da sorte.
Contrariamente expectativa dos abnegados amigos que me auxiliaram na obteno da oportunidade sublime, no me movi no concurso fraterno e desinteressei-me da doutrina consoladora, que hoje revive o Evangelho de Jesus entre os homens. Somente pro-curei, a rigor, os que se encont