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ROTEIRO CRONOLÓGICO DE CAMÕES NO ORIENTE Eduardo Alberto Correia Ribeiro GPTUI, RAEM-RPChina 1 Resumo: Acompanha-se a errância de Luís Vaz de Camões durante o seu exílio no Oriente. Palavras-chave: Camões; Macau. Abstract: The author keeps up with Camoens in his Eastern exile years Keywords: Camoens; Macau; Macao. Agora peregrino, vago e errante, Vendo nações, linguagens e costumes, Céus vários, qualidades diferentes... Canção 10 (R1, II, 10) Wandering now, unfilled and erratic, Seeing nations, languages and habits Different skies, so many attributes… Canção 10 (R1, II, 10) 1553-1556: comissão militar no Oriente 1553 Camões parte, com 28 ou 29 anos, após matrícula na Casa da Índia, para o Oriente, na nau S. Bento, capitaneada por Fernão de Álvares Cabral. Ia em comissão militar, trienal, como era hábito, mas não parte por vontade própria: 1 [email protected]

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  • ROTEIRO CRONOLGICO DE CAMES NO ORIENTE

    Eduardo Alberto Correia Ribeiro GPTUI, RAEM-RPChina1

    Resumo: Acompanha-se a errncia de Lus Vaz de Cames durante o seu exlio no Oriente.

    Palavras-chave: Cames; Macau.

    Abstract: The author keeps up with Camoens in his Eastern exile years

    Keywords: Camoens; Macau; Macao.

    Agora peregrino, vago e errante, Vendo naes, linguagens e costumes,

    Cus vrios, qualidades diferentes... Cano 10 (R1, II, 10)

    Wandering now, unfilled and erratic, Seeing nations, languages and habits Different skies, so many attributes

    Cano 10 (R1, II, 10)

    1553-1556: comisso militar no Oriente

    1553

    Cames parte, com 28 ou 29 anos, aps matrcula na Casa da ndia, para o Oriente, na nau S. Bento, capitaneada por Ferno de lvares Cabral.

    Ia em comisso militar, trienal, como era hbito, mas no parte por vontade prpria:

    1 [email protected]

  • Eu no, mas o destino fero, irado,/.../ Fez-me deixar o ptrio ninho amado Passando o longo mar... (R1, II, Cano X, vv. 162, 164, 165).

    Parte para um exlio de 17 anos, livrando-se dessa maneira dos ferros e dos grilhes do Tronco, para onde havia sido lanado em 1552 devido a uma cutilada num criado do Pao, levando na viagem lembranas por antolhos (v. 79), os olhos na gua sossegada, /E a gua sem sossego nos meus olhos (vv. 80-81). assim que se confessa choroso na elegia O poeta Simnides (R1, IV, 4), desse ano de partida, em que recorda a bem-aventurana j passada (v. 82) que, diante de si, tinha to presente, /Como se no mudasse o tempo nada, tanto que nem na tormenta grave me deixavam (v. 108).

    Refere-se, claro, aos bons tempos deixados para trs, cuja recordao nem uma grave tormenta no Cabo da (Boa) Esperana (v. 109) faz esquecer; e cuja evocao mais d nas vistas, como fonte do poema pico e expresso de autobiografia moral e mental (JNIOR, 1970, p. 851) 2 ; nela Dinamene aparece mencionada, talvez pela primeira vez na lrica 3, como uma das nereides que, como saudades, acompanham a nau na qual Cames viaja para a ndia, e s quais o Poeta suplica que levem, at s guas do Tejo, o tributo do seu puro amor a Ttis (Violante, me de Dinamene), que vs tendes por Senhora (v. 93).

    A chegada ndia Portuguesa ter sido em Setembro. Nessa mesma elegia nos d conta de ter participado numa expedio a uma ilha que o rei de Porc tem, no Malabar, que ter sido em Outubro/Novembro, expedio contra o reinola do Chembe, alcunhado de Rei da Pimenta, numa armada capitaneada pelo Vice-rei D. Afonso de Noronha (FERREIRA, 1960, p. 53). Fomos tomar-lha, e sucedeu-nos bem (v. 150).

    2 A poesia de Cames est toda ela impregnada de apontamentos autobiogrficos e, apesar de haver autores

    que a minimizam ou menosprezam (Lus de Albuquerque, Costa Ramalho), a verdade que ...na tradio greco-latina, Cames obsessivamente afirma uma dimenso confessional da sua poesia, ao conceb-la como o traslado da sua experincia de vida e no como fbulas sonhadas... (FRANCO, 2003, p. 245). 3 Aparece ainda referida em duas clogas (As doces cantilenas que cantavam e A rstica contenda) e em

    dois sonetos (Ah! minha Dinamene assim deixaste e Quando de minhas mgoas a comprida). No foi Cames quem a inventou. As ninfas do mar chamavam-se ocenides ou nereidas e Dinamene era s uma delas. O culto das ninfas e das musas eram uma e a mesma coisa e uma fonte inesgotvel para artistas e poetas. J Ravsio Textor, umas dcadas antes, havia citado esta nereida sob a forma Dyamene (RIBEIRO, 1974, II, p. 92).

  • 1554

    Entre Fevereiro e Novembro participa numa expedio ao Golfo Prsico, numa dessas expedies que os Portugueses empreendiam para interceptar o comrcio turco 4 no Oriente (Antnio Jos SARAIVA, 1997, p.16), cuja armada, capitaneada por D. Fernando de Meneses, constituda por 30 embarcaes e mil homens, .

    Compe a famosa cano Junto de um seco, fero e estril monte, no cabo Armata, ou de Guardafui, o ponto mais oriental africano, no vrtice do corno somali:

    ... nele aparece o cabo com que a costa Africana, que vem do Austro correndo limite faz, Armata chamado (R1, II, 5, vv. 16-18).

    Dele disse o seu bigrafo Pedro Mariz: na ndia, foi sempre muito estimado assim pelo valor da sua pessoa na guerra, como pela excelncia do seu talento.

    Mas ele mesmo que o diz na Cano X, quando afirma que o destino, ameaando tantas vezes, lhe fez a vida cara, pondo-o prova experimentando a fria rara de Marte, como j antes cos olhos quis que logo visse e tocasse o acerbo fruto seu (R1, II, 10), referncia perda do olho direito em Ceuta (1547-1548), em combate, provavelmente naval.

    Tendo sido alistado fora, de notar, no entanto, que o nosso vate, como qualquer humanista do seu tempo, embora privilegiando as letras, no enjeitava a espada (sobre este tema ler RIBEIRO, 2008b). No queria ceder pontos na valentia: tem a espada mais pronta ainda que a lngua e, numa carta (C1, II, p. 788) que escreveu pouco depois de chegar ndia, ufana-se de nunca ter enjeitado conversaes deste

    4 Solimo, o Magnfico (1520-1566), tudo fez pela expanso do seu domnio no Prximo Oriente e

    consequente tentativa de controle da rota do Golfo Prsico (conquista do Iraque em 1534-1535, de Baor em 1547 e duas tentativas, em 1538 e 1546, de anexao de Diu, vital para a reanimao do comrcio das especiarias por essa rota, que os portugueses, apesar da rota do Cabo, continuavam a controlar atravs da fortaleza de Ormuz, recolhendo grossos rendimentos alfandegrios). O Gro-Turco dava ainda apoio militar ao reino de Acm, na costa ocidental de Samatra, que se tornou num dos mais importantes estados da Insulndia a partir da segunda metade de 1500 e que pertencia, se no a liderava, liga de estados contra os portugueses nessa zona (CRUZ, I, 1993, pp. 777, n. 143 e 144, e 788, n. 246; vd. tb. notas 282 e 285). Em 1572 duas grandes vitrias foram alcanadas pela Cristandade: nos cercos de Chal e Goa e na batalha de Lepanto, tendo esta inclusivamente impedido que o Gro-Turco enviasse, como previra e prometera, reforos aos reis muulmanos do Decan e ao rei de Achm para, numa ao concertada, expulsarem os portugueses da Costa Ocidental da Pennsula Indostnica e de Malaca (idem, p. 833, n. 680)..

  • gnero (Antnio Jos SARAIVA, 1997, p. 14). Nela o Poeta fala de lhe acharem sempre na pele a virtude de Aquiles, pois no dava a ningum as solas dos ps. Como Salgado JNIOR (1970, p. 878) explica: Era o privilgio de no poder ser ferido seno pelo calcanhar. Cames, atribuindo-se a si mesmo essa virtude, quer significar que no ser possvel aos seus inimigos o venc-lo, visto no lhes oferecer os calcanhares na

    fuga.

    Sabendo-se da sua vida amorosa, podemos dizer que no recusava nem destas conversaes(podemos chamar-lhes de espada), nem das outras, das afetivas, que o convvio caseiro afeioava, ento chamadas conversaes domsticas, que haviam de estar na origem dos seus infortnios. Numa outra carta, esta enviada de Ceuta (C1, I, p. 781), tinha os seus 23-24 anos, j recordava a mgoa que era o v-lo-s e no o papars, no se referindo com certeza a Violante, mas filha Joana, a quem, pela idade, pelo decoro, pelo medo das penas previstas nas Ordenaes Manuelinas para as conversaes domsticas, certamente ia apenas amoando enquanto se enredava com a me. Porm, quando regressa ao Reino, j nscio, da guerra desistindo, numa noite, aparece-lhe de longe o gesto lindo /da branca Ttis, nica, despida e, como doido, correu de longe, abrindo os braos para aquela que era a vida do seu corpo e comea os olhos belos /a lhe beijar, as faces e os cabelos (Os Lusadas, V, 55). Ou seja, perdeu-se da razo e no virou as solas dos ps ao risco: desamoou a violeta que amanhecia... acabando por se achar abraado cum duro monte (priso) (idem, V, 56) (RIBEIRO, 2007b, pp. 228-237).

    S que, se daquelas (as de espada, soit disant) lhe tero passado o gosto com o correr dos anos (ainda estava no fulgor dos seus 29 anos quando escreveu a referida carta), j das outras (as domsticas) nunca lhe tero passado o gosto, ou... as vs memrias delas:

    E a lembrana da longa saudade /Ento fosse maior contentamento, /Vendo a conversao lda e suave (...) A singela amizade, que desvia /Toda a baixa teno, terrena, impura, /Como a qual outra alguma no vi mais... /Ah! vs memrias! onde me levais /O fraco corao, que inda no posso /Domar este to vo desejo vosso? [Cano X, vv. 227-240])5.

    5 Alm da Cano X (R1, II, 10), dita autobiogrfica, onde o Poeta assegura serem puras verdades j por

    mim passadas, vd. ainda o soneto Conversao domstica afeioa (R1, I, 17) ou a cloga 7, v. 75: Conversao foi causa deste engano (R1, VI, 7).

  • Em 1554 tero chegado ndia as notcias da morte, nesse ano, do prncipe D. Joo, herdeiro do trono (2 de Janeiro), do nascimento de D. Sebastio, filho daquele, em 20 de Janeiro, e da morte, em Ceuta, em 18 de Abril do ano anterior, de Senhor Dom Antnio, com 17 anos, filho de Violante de Andrade e D. Francisco Coutinho, os amos de Cames.

    Tendo Lus Vaz ido servir para casa deles com os seus 11 ou 12 anos, como escudeiro ou pajem, isso significa que o Poeta entrou ao servio daqueles fidalgos mais ou menos no ano do nascimento de D. Antnio, em 1536, j depois de ter participado, como pajem, em 1535, no squito que D. Joo III enviou a Barcelona, de auxlio expedio que Carlos V fez vitoriosamente a Tunes (BUESCU, 2007, p. 201).

    Com diferena de onze anos entre si, viu-o crescer, secundou-o nos primeiros passos, nas primeiras palavras e, at idade adulta do nosso vate, nesse convvio caseiro tero crescido juntos, numa relao que era mais do que de aio-senhor, em que se entretecem cumplicidades e a solidariedade dos jovens, mais como irmos (um, mais velho, protetor; o outro, mais novo, reverenciador). Numa fase mais adiantada, j na adolescncia de D. Antnio, o talentoso Lus Vaz pode mesmo ter-se transformado em seu preceptor ou mestre, donde, muito naturalmente, nasce o afeto que se dispensa a algum muito querido, que se conhece desde o bero, cujo crescimento se acompanhou, cujos saberes se inculcou, mais a mais sendo filho e irmo de quem era: filho (de Violante) e irmo (de Joana, a Dinamene da lrica). Com a morte de D. Antnio lamentava no s a perda fsica do amigo e protegido, como a perda sentimental daquela (Violante) e a morte desta (Joana), mas revivendo e reavivando, com saudade sentida, as causas do seu infortnio e do seu exlio no longnquo Oriente.

    No admira, pois, a intensidade dos sentimentos expressos em poemas, escritos ainda no degredo em Ceuta ou no exlio no Oriente, que formalmente lhe dedica a ele, Senhor D. Antnio 6, mas, no fundo (porque no tinha a coragem de se lhe referir, de forma aberta, a ela e aos amores pecaminosos de ambos), dirigidos amante (que no

    6 Dedicadas formalmente a ele: soneto Em flor vos arrancou, de ento crescida (R1, I, 27), elegia Aquela

    que de amor descomedido (R1, IV, 1), oitavas sobre o desconcerto do mundo (R1,V, 3), clogas Que grande variedade vo fazendo (R1, VI, 8), A quem darei queixumes namorados (R1, VI, 2) e As doces cantilenas que cantavam (R1, VI, 5) (SARAIVA, 1990, p. 261).

  • podia, no convinha, nominar 7) 8, porque com ela sempre no pensamento, como j vimos na elegia logo a abrir (R1, IV, 4), acabado de partir, ou nesta (R1, VI, 2):

    Tu, esquecida j do bem passado /E do primeiro amor que me mostraste (vv. 185-86), fonte dos seus males, seu sol to desejado, capaz de fazer da noite escura claro dia (v. 174), nica capaz de lhe alegrar a sua magoada vida, /Em tua ausncia toda consumida (v. 175-76), que lhe mantm a chama da paixo apesar de ausente.

    Neles, desfiando o rol das suas desditas e revivendo a sua dor, tem o pensamento na amante e lamenta a perda dos rebentos desta, sua imagem e semelhana. Palavras, versos, rimas que se ajustam realidade dos factos, bem mais, penso eu, do que a sugesto ficcionada, alis arrojada, presente na trilogia, alis erudita, de Frederico Loureno que comea com o volume Pode um Desejo Imenso (Livros Cotovia, 2 ed, 2005).

    1556-1561 (Outubro): em Goa, em tempos do Governador Francisco Barreto (1555-58)

    e do Vice-rei D. Constantino de Bragana (1558-1561)

    Terminada a comisso militar, fica em Goa espera de algum emprego pblico. Ter continuado a fazer versos e a compor a epopeia que desde a largada de Lisboa lhe ocupa o esprito (e continuar a ocupar at ao regresso ao reino). Numa cidade

    onde um punhado de brancos dominava ferreamente uma populao indgena e numerosos escravos acarretados de vrias partes do Oriente, natural que os Portugueses se apertassem uns contra os outros e atenuassem entre si as distncias sociais da origem (Antnio Jos SARAIVA, 1997, p. 18).

    7 S admira como, mesmo assim, ainda aparece algumas vezes nominada, a ponto de Lope de Vega, numa

    das suas mais famosas peas, La Dorotea, de 1632, numa Espanha onde Cames esteve sempre em alta (ver nota seguinte), fala de Violante e Cames quando enumera os nomes e mulheres que inspiraram os grandes poetas. Mas no, com certeza, pelo nmero de vezes que ela nominada, mas mais pela notoriedade pblica que o escndalo ter tido na sua poca com repercusses, ainda, gerao seguinte, de Vega, nascido em 1562. 8 A sorte de Cames em Espanha esteve sempre em alta, e o saldo redunda em panegrico. Nem mesmo a

    mudana poltica de 1640, com o resgate da independncia de Portugal e a inevitvel guerra que acendeu, no feriu o prestgio de Cames, como no fez ruir (longe disso) a ponte cultural entre Portugal e Espanha. Lope de Vega, no dobrar do sculo, era rubrica a toda cousa boa, da que o nome de Cames valia como ttulo de nobreza: carregava a eloquncia simblica de uma coroa de louros e brilhava com dignidade de prncipe (Isabel ALMEIDA, 2003, pp. 171-72).

  • Cames ter-se- cruzado com Ferno Mendes Pinto, Ferno Vaz Dourado, Ferno lvares do Oriente, sem dvida com Garcia de Orta, Heitor da Silveira e Diogo do Couto, dando-se mutuamente um certo estmulo intelectual (idem).

    Ter frequentado, com este ltimo, prelees e/ou estudos nalgum dos colgios ou estabelecimentos religiosos de Goa (jesutas, dominicanos) que a apetncia cultural de ambos, no obstante a diferena de idades, os faria procurar (MOURA, 1985, p. 71) 9.

    Tero ambos mesmo sido matalotes muitos tempos de casa e meza, isto , que tinham partilhado a mesma habitao e as mesmas refeies muitas vezes (idem). Tambm RAMALHO (1992, p. 17) abona a hiptese de Couto, Cames e outros amigos terem vivido modestamente, em Goa, numa dessas repblicas em que (...) era costume associarem-se os reinis.

    Pintam-lhe um retrato na cela de uma priso: pela data inscrita, j est preso em 1556 (FRANCO, 2003, 250)10. Por ter escrito alguma stira? pela sua viso poltica dessa stira? (Stira do Torneio, talvez?) Por dvidas? Alguma rixa?

    Sabendo-se que o nosso Poeta no dava as solas aos adversrios, como vimos, pois tinha a virtude de Aquiles (lembremo-nos da cutilada dada num criado do Pao junto igreja de S. Domingos), parece de aceitar a rixa. Pelo menos, segundo Severim de Faria e Faria e Sousa, ela teria sido a causa da priso do Poeta em 1556 em Goa (FRANCO, 2003, p. 252).

    9 Tambm Maria Augusta Lima CRUZ (I, 1993, p. 771, n. 71) relaciona as ligaes entre a obra de Couto e

    a de Cames, decorrentes da utilizao das mesmas selectas ou florilgios de trechos clssicos, como indcios de uma certa contemporaneidade nos estudos. Que, a existir, e atento diferena de idades de ambos, s poderia ter sido em Goa. Nos estudos na vida obtidos (de experincia tida) estaro includos os das leituras e prelees intelectuais. O saber de Cames o saber escudeirtico, autodidata, oposto ao saber universitrio, dos antigos, que os livros ensinavam. O estudo de Cames foi feito na vida; o que aprendeu foi o que a vida lhe ensinou, foi o que escola de sbios nunca viu (RIBEIRO, 2007b, seguindo a lio de J. H. SARAIVA, 1995). No era incomum: tambm Leonardo da Vinci (1452-1519), discpulo da experincia e de esprito desobstrudo, era um omo sanza letere, como ele dizia, numa afirmao de orgulho pela sua independncia e pela sua educao informal e autodidtica; tudo quanto sabe aprendeu-o por via da observao e da experincia e no recebido de outros como informao preexistente (NICHOLL, 2006, pp. 74, 77). Do mesmo modo aconteceu com Joo de Barros, gegrafo, historiador, linguista, humanista, uma das principais fontes de Cames. Deste ltimo sabe-se no ter frequentado a Universidade, designadamente porque, nos respetivos registos, no aparece o nome do Poeta (Antnio Jos SARAIVA, 1997, p.11),. 10

    A autora acredita que a primeira data lida no cartel da pintura, por Maria Antonieta de Azevedo, com o auxlio da lmpada ultravioleta, designa o ano da recluso e da consequente feitura do retrato: 556, interrogando-se se as possveis datas de 1558, no rosto, e 1560, no verso, designariam novos episdios no crcere, pronunciando-se pela afirmativa, sem examinar o documento do retrato (FRANCO, idem).

  • Entretanto, escreve o Auto de Filodemo, apresentado ao governador Francisco Barreto, por encomenda (provavelmente paga) ou como oferecimento para conseguir o favor ou a proteco dos grandes senhores da poca, como era costume entre os homens de letras.11 De realar que o tema da auto-comdia o dos amores de um criado pela filha do fidalgo em casa a quem serve (de novo a conversao domstica), no fundo o tema central da sua vida at partir para o Oriente.

    A necessidade de sobreviver f-lo aceitar trabalhos de cpia e escriturao, que faria a rogo deste e daquele (RIBEIRO, II, 1974, p. 65).

    No mais, galanteios s damas, sonhos amorosos, frivolidades e passatempos poticos (PIMPO, ap. Albuquerque, 1992, p. 351). Como diz este ltimo (p. 347):

    A sua vida dividiu-se por trs plos de atrao: cortejar as mulheres que lhe passavam ao alcance, conviver com alguns amigos mais prximos (que com ele partilhavam uma vida de estrdia) e escrever poesia.

    Mas sempre, ou sobretudo, consagrada elaborao da epopeia (PIMPO, idem), que nunca lhe deixou de povoar o pensamento e ocupar a pena.

    Esta rapaziada que vivia em Goa, longe da Ptria e da famlia, no intervalo das campanhas contra o Turco (que ocorriam no vero) e muitos com pouco que fazer (no inverno), para alm das prelees acima mencionadas e das leituras compulsivas (das quais muito dos clssicos: Ovdio, Horcio, Virglio), das mulheres e guitarradas, convivendo entre si independentemente das diferenas sociais, devia reinar, divertir-se quanto baste, mesmo quando fazia poesia, sobretudo stiras, com forte e negativo impacto social na poca, susceptvel de pena de priso (Ordenaes Manuelinas, Ttulo LXXIX), e por isso com o pique da aventura e do risco. Exemplo disso a Stira do Torneio, uma zombaria a que se refere Faria e Sousa e que, ao contrrio da Os Disbarates da ndia, no temos notcia de uma contestao erudita da autoria camoniana12 e que pode estar na origem de uma das prises do nosso vate.

    Quando saiu de um dos encarceramentos, para comemorar a libertao, Cames convidou vrios dos seus amigos (dentre eles Vasco de Atade, D. Francisco de Almeida,

    11 GONZLEZ, 2003, p. 31. A apresentao pode no ter sido pela investidura de Barreto como

    Governador (1555), mas em Janeiro de 1559, quando deixa o cargo que ocupava (Jos Cames, citado na n. 6 do artigo). 12

    FRANCO, 2003, p. 256-58.

  • Joo Lopes Leito, Heitor da Silveira e Francisco de Melo) para um banquete em sua casa e, mesa do jantar, em vez do repasto, encontraram pequenas composies poticas colocadas no prato por baixo do guardanapo. A mensagem do primeiro deu o mote ao que esperava os outros:

    Se no quereis padecer a ou duas horas tristes, Sabeis que haveis de fazer? Volveros por do veniste.

    A Heitor da Silveira, melhor lmina que poeta, calhou esta:

    E sabei que a Poesia Vos d aqui tinta por vinho E papis por iguaria.

    Aquilino Ribeiro pensa que, obviamente, depois da partida e da pilhria, no tero deixado de ter a boa e bem regada pantagrulica comezaina!...

    Era uma gente folgazona e amante de vida, que nos intervalos da busca da glria das armas e da das letras, que foram as duas grandes aspiraes dos homens que, nesta poca, buscavam renome e fama eternos, comum a todo o humanismo europeu (MONIZ, 2004, p. 85), no deixava de se divertir como podia.

    Ao reler esta faccia do Banquete das Trovas, medito se esta gente, culta e dedicada s letras, ou no, mas preocupada com a nova dimenso do ser humano, nas prelees que organizavam ou nas reunies de convvio cultural e intelectual, no teria inteno de replicar, no Oriente, sua maneira, a academia do filsofo florentino Marsilio Ficino, uma das luminrias do crculo dos Mdicis, que j nessa altura expressava uma ideia neoplatnica do heri, cuja virt deriva de um misto de fora fsica e elevao espiritual, ideia mais tarde tambm acarinhada pela academia ou associao a que pertenceu Leonardo da Vinci em Milo nos anos 1490 (NICHOLL, 2006, pp. 89 e 341) e, obviamente, vem a influenciar todos os artistas e, de um modo geral, todo o homem que tem um comportamento cvico humanista e se reconhece neste movimento de ideias que havia, no sc. XIX, de ser denominado Renascimento. isso que vemos ser a preocupao dos nossos homens nesta poca, como muito bem Maria Celeste Moniz expe na sua obra (2004, passim, designadamente pp. 70-1).

  • Em 1561 est de novo preso, desta vez a mando do vice-rei D. Constantino de Bragana (por o mexericarem com o vice-rei da ndia, como ele me disse? 13 ou por dvidas a Fios Secos, que o ter denunciado?).

    Ele mesmo diz a razo. Do Tronco 14, entre Janeiro e Setembro de 1561, dirige numas oitavas (R1, V, 1) ao Vice-rei D. Constantino de Bragana um hbil pedido de emprego15 (e a liberdade, claro). Nestas oitavas, o Poeta, imitando a Epstola, I, Livro II, de Horcio, e louvando topicamente a mo dura e a impopularidade deste vice-reinado, no deixa de pedir (...) ajuda contra o seu baixo estado (FRANCO, 2003, p. 246):

    o Poeta fala do seu baixo e triste estado e manifesta a sua revolta contra a misria injusta que padeo, usando e abusando do tom de adulao, que estava em moda mas neste poema atinge grande ressonncia. O seu triste estado era, claro, o de encarcerado; (...) e quem d a resposta (...) o Poeta, quando solicita ao vice-rei que d ordem para o soltarem, pois se no era nesse tempo desculpvel era pelo menos vulgar a falta pela qual o castigavam, embora decerto com uma deteno bastante benvola; de facto, nessas trovas ao vice-rei v-se que estava na cadeia por dvidas, referindo-se ao seu credor, de apelido Rodrigues, pela alcunha de Fios-secos, pela qual era geralmente conhecido na ndia (ALBUQUERQUE, 1992, 2 edio, p. 343).

    Mas parece no ter tido sorte nenhuma. D. Constantino de Bragana, o discreto vice-rei, em cujo governo foi instituda a Inquisio de Goa, em 1561 (FRANCO, 2003, p. 251), pertencia vergntea da casa dos Noronhas (SARAIVA, 1995) e no ia faltar solidariedade devida rvore familiar; alm disso, era mais dado s armas do que s letras, e pouco apreo daria aos versos do Poeta.

    Outubro de 1561-Abril de 1562: em Goa, durante Vice-reinado de D. Francisco Coutinho, conde do Redondo (1561-64)

    Vem a ser o Conde do Redondo que o liberta. Mas no s: na redondilha Conde,

    13 Manuel Correia, apud FERREIRA, 1960, p. 219.

    14 Havia em Goa, nessa poca, quatro prises: a da Inquisio (Crceres), a do bispo ou arcebispo (Aljube)

    e a civil (Tronco, que tinha como auxiliar a Sala das Bragas para onde iam os condenados s gals) (CRUZ, I, 1993, p. 779, n. 164). 15

    SARAIVA, 1995, p. 300. No nos devemos surpreender com este tipo de comunicao: ... a prtica trovadoresca, ainda em voga na potica quinhentista, implica uma concepo da poesia como meio de comunicao social, gerando uma srie de poemas circunstanciais, escritos para as mais variadas situaes do dia a dia, e isto estende-se prtica da nova poesia (FRANCO, 2003, p. 246).

  • cujo ilustre peito (R1, VII, 12) 16, Cames agradece ao 3 conde do Redondo o ter-se dignado a conceder-lhe finalmente uma ocupao, contra o que parecia ser uma maldio do destino:

    Conde, cujo ilustre peito merece nome de Rei, do qual muito certo sei que lhe fica sendo estreito o cargo de Vizo-Rei; Servides de me ocupar Tanto contra meu praneta... 17 No foi seno asas dar-me Com que irei a queimar-me Como faz a borboleta.

    Ou seja: destes-me emprego (ocupao), apesar da minha sina (planeta), mas no fizeste mais do que arranjar maneira de me queimar... (no que ser uma aluso s perseguies relacionadas com o injusto mando a que se refere no Canto X, 128, 6), provavelmente a priso por descaminho dos bens administrados, que justa ou injustamente foi assacado ao Poeta (A. J. SARAIVA, 1997, p. 17)] e do qual veio a ser injustamente acusado (a inqua capitulao). Os ltimos versos to profticos que bem podem representar um acrescentamento tardio, porventura da mo do prprio Cames , observa J. H. SARAIVA (1995, p. 302). Mas o texto potico, composto de 4 estrofes de dez versos e de 1 estrofe de cinco, termina assim:

    Bem basta, Senhor, que agora vos sirvais de me ocupar, que assi fareis aparar a pena com que alga hora vos vereis ao Cu voar.

    Ou seja: por ora, j no foi nada mau terdes-me arranjado emprego, que eu eternamente te serei reconhecido... fazendo-te lembrado nos meus escritos.

    16 Como se v aqui, como j antes, a prtica potica no sculo XVI, no contexto camoniano, deve

    considerar-se como exerccio concreto da funo enunciativa, que reencontra a finalidade de cada texto na ao sobre circunstncias concretas (FRANCO, 2003, p. 246). 17

    Praneta = planeta = destino, sina.

  • Assi vos irei louvando, vs a mim do cho erguendo, ambos o mundo espantando: vs, co a espada cortando, eu, co a pena escrevendo.

    Como Marcia Arruda Franco notou (2003), est aqui claramente enunciada uma relao de mecenato com o vice-rei, na esteira, alis, de Aquilino Ribeiro, que havia referido o comrcio potico estabelecido entre os dois que daqui decorria (1974, II, p. 74.) A ajuda a Cames, pelos vistos, visaria ultrapassar a mera ocupao do Poeta: Continua a dar-me proteco, que eu te colocarei no Cu a voar com a minha pena, louvando, enaltecendo os feitos, o que aquilo quer dizer.

    No era apenas um emprego que se agradecia, era uma relao mais profunda de proveito mtuo que se firmava e enaltecia e que, por ser o Poeta a parte mais fraca, mais materialmente o beneficiava; mas no poderia o vice-rei, claro, deixar de saber do empenhamento epopeico do nosso Vate. Como vimos, era natural que os Portugueses se apertassem uns contra os outros e atenuassem entre si as distncias sociais da origem. Mas no s: que soubessem da vida uns dos outros, amores e desamores, cios e ocupaes, realizaes e sonhos de futuro e que se cortassem na casaca.

    Por isso, a troco da libertao e ocupao do Poeta, com a vaidade prpria do seu estatuto de fidalgo, aposta qui na esperana de vir a ser lembrado numa das estrofes dOs Lusadas de que se comentava ter o nosso Poeta em mos ou, ao menos, o bom nome da sua ilustre famlia, naquele ou noutro poema. O que, de resto, est de acordo com a troca de favores da poca: tambm o cronista Diogo do Couto participou disto, reservando tratamento elogioso nas crnicas para aqueles que o ajudavam na feitura dos seus relatos, imortalizando-lhes os feitos, como expresso do seu reconhecimento (CRUZ, I, 1993, p. 829, n. 641). E a verdade que o Poeta no se esqueceu:

    Vs, honra portuguesa e dos Coutinhos, (...) a vs encheis de glria e a ns de exemplo. (Soneto Dos ilustres antigos que deixaram)

    e, nOs Lusadas, d um inslito relevo ao episdio do Magrio, figura central dos Doze de Inglaterra, antepassado dos Coutinhos.

    D. Francisco Coutinho era o nico a poder dar a mo a Cames: a rivalidade entre

  • as duas casas fidalgas dava-lhe o pique e a sua posio e prospia o arrojo. Sendo iguais, nada temia. Foi ele quem libertou o Poeta, mal foi investido no cargo em Outubro de 1561, a pedido deste 18:

    Que diabo h to danado Que no tema a cutilada Dos dias secos da espada Do fero Miguel armado [...] Portanto, Senhor, proveja, Pois me tem a remo atado, Que, antes que seja embarcado, Eu desembargado seja.

    E, tendo chamado o capito-mor da Viagem pera a China de 1562, o fidalgo Pero Barreto Rolim, entre ambos ficou acordado a dao do cargo de provedor de defuntos dessa Viagem ao Poeta.

    Cames j lhe tinha ficado a dever a liberdade; devia-lhe agora a ocupao. de resto isso que Diogo do Couto (Dcada VIII) diz desse cargo: viagem que fez

    China por provedor dos defuntos que lhe o governador (...) deu. Foi um pedido do vice-rei, a que o capito-mor da Viagem no se podia recusar,

    fosse j, ou no, nessa poca, o amigo que veio a ser do Poeta. Pero Barreto, primo do antigo governador Francisco Barreto, que j tinha feito a Viagem pera a China por duas vezes (LOUREIRO, 2000, p. 576)., estava mais interessado nos rditos da mesma do que nos da implicitao desse cargo, nem sempre fiveis e, no confonto com os daquela, desprezveis.

    Mas a relao do Poeta com o Vice-rei ficou to boa que ousa interceder junto do lusitano Aquiles por outros. Nos Colquios dos Simples e Drogas Medicinais da ndia, nas onze pginas de homenagens e elogios a Garcia de Orta e a seus protetores, entre outros ilustres e talentosos do seu tempo, a intercederem pelo autor, aparece tambm uma ode de Cames (Aquele nico exemplo) dedicada ao Vice-rei, D. Francisco Coutinho, pedindo-lhe favor e ajuda para o gro volume que dar na Medicina novo lume. 19

    18 HUE, 2006 e HUE, Alguns apontamentos...

    19 poca, era comum os livros publicados serem devidamente dedicados a algum protetor, apresentados

    ao leitor atravs de um prlogo, e acompanhados de uma srie de poemas que louvavam no s o autor do livro como tambm a figura ilustre a quem a obra era dedicada (HUE, 2006), prtica que veio a ser ironizada no sculo seguinte por Cervantes no prlogo do D. Quixote (Marcia Arruda Franco, Cames e Orta).

  • Indigitado para provedor dos defuntos na Viagem pera a China do ano de 1562, que partiria em Abril, logo se apressou a aproveitar a volta favorvel da roda da Fortuna e a compor, com a devida antecedncia, a mencionada ode para a entregar a tempo de fazer parte integrante dos preparativos da composio e prelo dos Colquios, cuja impresso vem a ficar pronta em 1563. Mas j com o Poeta a caminho da China.

    Esta a razo por que pensamos que a publicao da ode em louvor de Garcia de Orta em Abril de 1563 no elemento decisivo da baliza a quo da partida de Cames (de Goa) para a China no ano de 1563, como defende Jos Hermano SARAIVA, pois deve t-la composto muito antes, com a obra de Orta a chegar ao fim e a impresso a ser preparada desde 1562 ou antes. Mas o ilustre Professor no usa s esse argumento. Defende ele ainda que Cames, tendo feito uma elegia (R2, IV, 10) morte de D. Tello de Meneses, ocorrida em 1563, no podia ter partido seno depois dessa data.

    Pode ser, e j vamos ver qual ter sido, nesse caso, a natureza da provedoria de defuntos em Macau exercida pelo Poeta nessa circunstncia. Mas, considerando a grande probabilidade de essa elegia no ser de autoria de Cames 20 e, mesmo que fosse, que possa ter sido composta j depois do regresso do Poeta da China em 1565, prefiro considerar a mais que alta probabilidade de Cames ter partido para a China (Macau) em 1562 e no em 1563 21. Porque, em 1562, quem era o capito-mor da Viagem pera a China? Pero Barreto Rolim, grande amigo de Lus de Cames (com quem depois se zangou), em 1568-69 (Boxer, 1989, p. 27).

    1562-65: Na Viagem pera a China como provedor dos defuntos 22

    Diogo do Couto (Dcada VIII) diz o seguinte:

    20 JNIOR, 1970, p. 907: no aceitamos a autoria camoniana (...) desta elegia. Em estudo especial cremos

    vir a demonstrar que foram introduzidas entre as poesias de Cames umas tantas devidas a um sacerdote... 21

    Em RIBEIRO, 2008b, ainda uso um outro argumento, que o de D. Tello de Menezes ter morrido em 1562 (informao da Dcada 7 colhida na Micrologia Camoniana) e o Poeta ter partido depois dessa ocorrncia, no pressuposto de que tivesse sido cedo nesse ano. Mas em CRUZ, I, 1993, p. 805, n. 405, dei conta que a morte ocorreu em 1562, sim, mas j em finais de 1562, muito depois da poca de partida da armada para a China e Japo, o que invalida este argumento. Mas mantm-se os outros. 22

    A designao da merc rgia para os mares do Sul da China era para a viagem de capito-mor para a China pela via de Malaca ou da ndia pera a China (LOUREIRO, 2000, pp. 574-77).

  • ... porque da viagem que fez China por provedor dos defuntos que lhe o governador Francisco Barreto deu, vindo de l se foi perder na costa do Sio (...).

    Perante este texto, se percebermos que h ali a troca do nome do governador (como j vamos ver ser muito comum em Couto, pelo menos nesta Dcada VIII) e sabendo a ignorncia geral da poca sobre a cartografia do mar do sul da China (2007b), no temos dvidas de que Lus Vaz foi provedor dos defuntos na China. Resta saber a natureza desse provimento, desde a de ter sido provido como o primeiro provedor de defuntos, fixo e duradouro, para o novo estabelecimento da lusa gente nos Mares do Sul da China, que desde 1560 j era, e s, Macau 23 (com governo prprio, embora rudimentar) 24, at ter sido colocado como mero provedor dos defuntos da Viagem pera a China, substituindo o capito-mor na implicitao do exerccio desse cargo.

    No primeiro caso, mais do que aceitar a tese de SARAIVA (1995) de que ele partiu em 1563 com os primeiros jesutas que se foram fixar definitivamente em Macau, inclinar-me-ia mais a aceitar a data de 1562, data que Lus Filipe BARRETO (2005, p. 115) aponta como tendo sido a da primeira instalao permanente dos jesutas, na zona de Santo Antnio (...) na colina de Patane e, nesta circunstncia, bem pode perfeitamente ter partido na Viagem do fidalgo Pero Barreto Rolim com destino China e l ter ficado, no mnimo, os dois anos que a historiografia tradicional lhe atribui. O que coincidiria com os dois anos em que abastado mercador Diogo Pereira, que foi na Viagem com Pero Barreto, foi para ali mandado como capito-mor de Macau (de Agosto de 1562 a 1564), at ser destitudo por proviso passada pelo governador Joo de Mendona (29 de Fevereiro-2 de Setembro de 1564) que nomeia D. Joo Pereira, antigo capito de Malaca (1556-1557) a conceder-lhe o governo de Macau (como era habitual aos capites da viagem do Japo), a devendo exercer ainda, nos ditos portos de Macau na China e Japo, o cargo de provedor dos defuntos.

    Se Cames foi realmente provido como provedor dos defuntos em 1562 pelo capito-mor de Macau Diogo Pereira, ter sido destitudo em 1564 pelo capito-mor D. Joo Pereira (que assumia o cargo pela proviso governamental referida), ficando a partir

    23 Como inmeros autores abonam, designadamente Rui Manuel LOUREIRO (2000, p. 493ss.)

    24 Sobre isto vd. RIBEIRO, 2007b, cap. V.

  • dessa data a aguardar oportunidade para o regresso a Goa, onde se teria de apresentar Casa dos Contos para a prestao de contas de sua responsabilidade. Como escrevi (2007b, pp. 218-220) e parcialmente transcrevi (2008a, n 7), capito-mor prov, capito-mor desprov. Se aceitarmos a tese do provimento fixo no cargo para Macau, Pero Barreto ter-se- limitado a transportar o futuro (e primeiro!) provedor dos defuntos do novel estabelecimento, o que no destoaria da dinmica de crescimento e da importncia que, por essa altura, Macau comeava a ganhar na geopoltica da regio. Se j Liamp e Chincheo, com bem menos importncia, haviam tido nos anos 1550 provedor de defuntos, porque no Macau no despontar dos anos 1560, por razes bem mais slidas, quando dispunha de, no mnimo, 600 portugueses com os seus escravos e criados? J era esta a base da argumentao de Joaquim Ferreira (1960, p. 111) para a defesa do exerccio do cargo de Cames em Macau nos anos 1550, cronologia que rejeitamos, na esteira de SARAIVA (1995), porque colide em absoluto com os dados sobre os primrdios de Macau. Antes de 1560, repete-se, ainda Macau no era estabelecimento nico, destacando-se dentre eles Lampacau, que o deixou de ser naquela data, a favor de Macau.

    No segundo caso, inclinar-me-ia a aceitar o capito-mor Pero Barreto como o melhor candidato pequena glria de ter sido quem proveu o Poeta no cargo, deixando este fidalgo, apesar de to brilhante folha de servios no Oriente (BOXER, 1989, p. 27), de ter direito a um modesto lugar entre os famosos, e apesar (ainda) de de ter sido amigo de Lus de Cames e do cronista Diogo do Couto (idem, 1990, p. 48). Na verdade, Diogo do Couto no diz, mas podia ter dito, quem foi o capito-mor dessa viagem. Mas ser que no disse? Se lermos bem o que ele escreve na verso extensa da Dcada VIII, podemos ver que, se calhar, ele s no o faz porque assumiu que j o tinha feito. Ora vejamos o texto completo:

    ... o qual tinha ido aquella fortaleza em companhia de Pero Barreto Rolim quando foi entrar naquella capitania, porque desejou elle de lhe fazer bem, e o pr em estado de se poder ir pera o Reyno por estar muito pobre porque da viagem que fez China por provedor dos defuntos que lhe o governador Francisco Barreto deu, vindo de l se foi perder na costa do Sio (...)

    No cotejo que CRUZ (II, 1994, pp. 198-200) faz entre as duas verses, a extensa e a resumida, vemos que, apesar do uso de secretrios, h coisas (at das relativas ao nosso

  • vate) a que d importncia e escreve numa e no na outra, pelo que podemos deduzir que determinados pormenores podem em determinados momentos no serem devidamente avaliados. Velho, cansado e doente, o cronista, tendo acabado de referir o nome do capito-mor com quem o Poeta foi para a capitania de Moambique, pode ter assumido que entendido estava que o capito-mor da Viagem pera a China era o mesmo e no o ps l, entendendo, qui, esprio faz-lo. Pero Barreto aqui, Pero Barreto ali, no ia repetir o nome do capito-mor. Mas a gente l aquilo e parece ler l assim:

    em companhia de Pero Barreto Rolim quando foi entrar naquella capitania, porque desejou elle de lhe fazer bem, e o pr em estado de se poder ir pera o Reyno por estar muito pobre porque (= por causa) da viagem que (com ele) fez China por provedor dos defuntos

    No o faz explicitamente porque subentende que est dito. S repete o nome Barreto quando tem de falar do governador que deu o cargo ao Poeta e, na verdade, ele tem razo, o que conta o nome a quem o Poeta deve o cargo, e no o de quem se limitou a obedecer: manda quem pode, obedece quem deve. E a, tendo acabado de falar de Pero Barreto (capito-mor da Viagem para Moambique e da Viagem para a China), e ao querer mencionar o nome de quem lhe havia dado o cargo, a quem que, a mais de quarenta anos de distncia, lhe ocorre nomear? Estamos a imaginar o cronista, com a atrite a incomod-lo e com preguia a impedi-lo de consultar a tbua cronolgica 25 de vice-reis, no esforo de puxar pela memria: ora vamos l ver... capitania... em companhia de Pero Barreto.... pera o reyno... muito pobre, pois, coitado do nosso Cames... China por provedor que lhe deu o..., quem raio ter sido? ora quem? pois, quem havia de ser? o primo daquele!, claro... o Francisco Barreto!...

    A circunstncia de ter acabado de referenciar o capito-mor Barreto, que Diogo do Couto refere nas Dcadas VII, VIII e IX ser primo do governador Francisco Barreto, pode explicar, a meu ver, a troca que o ilustre cronista, na ocaso da vida, fez entre

    25 Couto refere-se em algumas das Dcadas a um Eplogo a que recorria amide e que seria uma espcie

    de smula da sia tbuas cronolgicas de vice-reis, de capites, de armadas locais e da carreira da ndia , etc. ... (CRUZ, I, 1993, p. 816, n. 506). A autora, repensando o monumental trabalho desenvolvido por Couto, com uma narrativa que cobre cerca de 75 anos da histria dos portugueses na ndia, redigida em pouco mais de 25 anos, julga impensvel levar a cabo a sua concretizao sem a elaborao prvia de referncia cronolgicas de vice-reis, capites, armadas, etc ..., estando por isso na convico de que esse rascunho, esse instrumento de trabalho existiu; se lhe foi dada a forma de obra independente e acabada, isso permanece na dvida. (...) o Eplogo mais um mistrio a acrescentar aos muitos que envolvem os textos manuscritos deste cronista (idem).

  • Francisco Barreto e o verdadeiro governante a quem o Poeta devia o insignificante26 cargo em Macau (D. Francisco Coutinho, vice-rei da ndia). Porque Diogo do Couto sabia que tinha sido com Pero Barreto que Cames tinha ido China em 1562; que tinha sido com ele que tinha ido para Moambique em 1567; que Barreto se tinha zangado (quebrado, como diz) com o Poeta, a ponto de o deixar desembarcado na ilha entre 1568 e 1569; que, apesar de tudo, tinham sido muito amigos, como nos recorda BOXER (1989, p. 27); que Barreto havia morrido na viagem que todos fizeram juntos de regresso ao Reino (1569-1570).

    Assim, no fim da vida, ao querer mencionar o governador que havia dado o cargo ao pico, lembrando-se do amigo Pero Barreto, to associado ao Vate e a essa viagem que fizeram juntos e em que ele perdeu a vida, comete o deslize de atribuir ao ilustre primo desse companheiro de viagem a honra de ter contribudo para matar a fome do Vate. Memria atraioada at, qui, por outra lembrana, a de se lembrar que tinha sido no tempo deste governador (Francisco Barreto), e por encomenda dele, que tinha sido representada na corte do Estado da ndia o Auto de Filodemo, de autoria, justamente, de Cames.

    Como pode ser visto em p de pgina 27, memria atraioada e troca de nomes so em Couto moeda corrente, pelo menos na Dcada 8 em que, mais do que uma vez, aparece Francisco Barreto pelo nome de outro governador, neste caso pelo de D. Francisco Coutinho, o governador a quem, na verdade, Cames deve a liberdade e a ocupao.

    Maria Augusta Lima Cruz, na nota 487, p. 814 (I, 1993) evoca, a propsito de uma outra omisso, os esquecimentos do cronista, explicveis numa Dcada que em nenhuma das verses uma obra acabada, ou mesmo por m f, inteno dolosa. Isto faz-me lembrar a tese de certos historiadores que destacam a vontade de Couto de no

    26 Vd. nota 27.

    27 Na Dcada VIII, para alm da troca do nome de D. Francisco Coutinho pelo de Francisco Barreto

    mencionada, aparece no cap. VI do livro sexto mencionado Francisco Barreto como tendo degradado de Goa com pena de gals e de fazendas perdidas os brmanes, quando o evento ocorreu em 1560 (no tempo do vice-rei D. Constantino de Bragana que lhe sucedeu) (CRUZ, I, 1993, p. 822, n. 569), erro manifestamente cronolgico, como estoutro : no cap. IIII do livro segundo indica a chegada do embaixador do Gro Turco a Goa no tempo do vice-rei D. Anto de Noronha, em vez de no do Conde de Redondo, D. Francisco Coutinho, em Novembro de 1562 (CRUZ, I, 1993, p. 125, n. 147); no cap. IIII do livro sexto, outra troca de nomes: aparece erradamente nomeado Diogo dAguia em vez de Diogo Lopes (idem, p. 820, nota 544).

  • querer manchar a honra de D. Anto de Noronha, por quem o cronista tinha uma simpatia muito especial, numa poca em que parecia mal ter estado do lado dos viles na biografia do j glorificado pico, no se referindo, por exemplo, ao vice-rei que deu o injusto mando que conduziu ao encarceramento do Poeta e a que este se refere no canto X (128), aps o naufrgio; a acrescer troca, ora em destaque, do nome do governador que deu ao Poeta a provedoria dos defuntos por um outro que fazia recuar no tempo no s as asas (a benesse dada pelo conde do Redondo) como, pior ainda, o fogo (ateado por D. Anto de Noronha) onde se foi queimar a borboleta.

    Mas ressalvados estes faits divers, tudo o que Couto diz verdadeiro. E se a referncia a Sio est explicada no contexto da geral ignorncia da poca sobre a representao cartogrfica do Mecom e doutras matrias (RIBEIRO, 2007b; 2008a), fica agora esclarecido que a troca do nome do governador que lhe deu o cargo (e a quem o ficou a dever), foi mero lapso de memria que perfeitamente explicvel no contexto dos erros, gralhas e trocas de que abundantemente falo no meu livro (2007b) e de que nenhum de ns, escribas de ontem e de hoje, estamos livres e que, pelo menos neste caso, explicado pela associao familiar que faz entre os dois Barretos e de qualquer destes com o Poeta e que leva ao tremendo entorse cronolgico na biografia do pico. .

    E, se proviso passada houve, no foi do governador (no caso, vice-rei), mas do capito-mor que daquele recebeu a ordem: ou de Diogo Pereira, que assumiu o lugar de capito-mor de Macau em 1562, ou de D. Pero Barreto Rolim, capito-mor da Viagem pera a China em 1562.

    Ora, tendo D. Francisco Coutinho sido investido no cargo em Outubro de 1561 e logo libertado o Poeta, faz sentido que lhe tenha dado o lugar imediatamente a seguir, ainda a tempo de embarcar em 1562 na Viagem pera a China, em meados de 1562 (em Abril, para ser mais exato), na viagem que teve por capito-mor o seu amigo Pero Barreto Rolim (BOXER, 1990, p. 48).

    E, se eram amigos, ter sido mesmo com duplo agrado que o capito-mor fidalgo cedeu o lugar ao Vate, pois simultaneamente se via livre da implicitao que s lhe acrescentava trabalho e nenhuns proveitos lhe acresciam aos que esperava alcanar com a Viagem, que essa, sim, seguramente lhos daria; e, por outro lado, ganhava a companhia e

  • ajuda de um homem de letras, que poderia intervir como escrivo pblico e judicial. 28 Termina-se como se comeou. Assim ou assado, o mesmo dizer: radicado em

    Macau ou, pelo contrrio, volante, transitrio, em escala por Macau, emerge com clareza uma certeza: tendo Cames estado na China e sendo China j, e s, nos anos 1560, o nico estabelecimento portugus no Imprio do Meio, Cames esteve em Macau.

    1562-1564 (65?): estanciamento do Poeta em Macau

    Cames esteve em Macau, mas daqui no passou (Lus., X, 131), aproveitando o bojo martimo de Macau (FERREIRA, 1960, pp. 113-14) que, evidentemente, calhava bem posio de Macau como piv da triangulao do comrcio Goa/Malaca-Canto-Japo (sobre este tema vd. RIBEIRO: 2007b e 2008a). O bojo dos navios era necessrio carga objeto dos negcios e a provedoria s constitua um empecilho; em terra, pelo contrrio, era um alijamento da responsabilidade do capito-mor que se via sem essa implicitao maadora e ganhava espao para as rendosas cargas do negcio.

    Na verdade, como em detalhe j tive oportunidade de escrever (in 2008b, nota 2 final), o provedor-menor no acompanhava o capito-mor nem a Canto nem ao Japo, ficando com os bens sua guarda espera que embarcaes ligeiras fossem, rio acima, at Canto, a uma das duas feiras anuais, no que, com viagens de ida e regresso e respectivos tratos para a carga da seda, implicaria um estanciamento em Macau da Viagem de dez a doze meses. Depois, mais um compasso de espera at partida para o Japo, entre finais de Junho e incio de Agosto (dependendo da mono do Sudeste), a

    28 Embora Joaquim FERREIRA (1960) tenha salientado e dado exemplos da pouca importncia social do

    cargo de provedor menor (para os anos 1550, verdade seja dita), de que me fiz eco nos meus recentes escritos, o Dr. Lcio de SOUSA, da Universidade de Tquio (de quem tive o grato prazer de ler recentemente a verso portuguesa da sua obra a ser publicada em 2009 Bartolomeu Vaz Landeiro: The King of the Portuguese from Macau), chama-me a ateno para o facto de o cargo ter sido muito considerado na altura (justamente pela sua capacidade de interveno em escrituras) e, nesta regio, ser atribudo a pessoas muito consideradas e que no seu quotidiano tinham conexes polticas ou sociais com a lite mercantil. Embora me parea, como tive ocasio de lhe dizer, que esta apreciao do cargo, documentalmente provada (documento em castelhano antigo a ser apresentado na segunda parte documental do mencionado livro), um pouco mais tardia (primeiros anos filipinos), em todo o caso aqui fica a opinio que me veio, ainda assim, relevar a importncia a que o capito-mor Pero Barreto, ao menos ele, ter dado ao provimento de Cames no cargo de provedor da sua Viagem, ele para quem, no nos esqueamos, esta era a 3 Viagem pera a China e Japo que fazia e estaria, por isso, melhor do que ningum, habilitado a dar a Cames e ao seu desempenho a importncia que a outros escaparia. Excelente apontamento do promissor investigador.

  • trocar a seda pela prata e regresso no ano seguinte entre Novembro e Maro, podendo a viagem, na sua totalidade, durar at trs anos, mas nunca menos de ano e meio (BOXER, 1989, p. 8; BOXER, 1990, pp. 29-30). Se partiu em Abril de 1562, com Pero Barreto Rolim como penso, cedo aportou ao porto de Patane em Amacao, uma vez que Pero Barreto j nesse ano estava em Yokoseura, Japo, donde saiu em 28 de Novembro (BOXER: 1989, pp. 26-7 e 1990, p. 48), no que deve ter sido uma viagem sem escalas, designadamente Malaca e Patane (Malsia) 29 e, em Macau, provavelmente, j ter ido encontrar a feira de Junho feita.

    Em Macau, Cames frequentava o porto interior de Patane e amarinhava pela colina adjacente acima at a uns penedos onde descansava a vista e enchia os pulmes de ar puro e se estendia numa rede a entreter-se no sofrimento da saudade e a soltar a fonte da sua veia potica:

    Porque ali, nas entranhas dos penedos, em vida morto, sepultado em vida... (oneto Onde acharei lugar to apartado)

    Da assistiu ao nascer de uma nova cidade que, quem diria, havia de ser o ltimo rinco desse imenso imprio portugus a deixar de estar sob a bandeira ptria.

    Essa rede em que Cames se enlaava eram redes de algodo, vistas pelos nossos primeiros navegadores em 1500 a serem usadas pelos habitantes de Vera Cruz, e logo por eles adoptadas.

    Foram uma descoberta preciosa para os homens do mar. (...) A gente das naus, que, para dormir, tinha de se acomodar de qualquer maneira, encontraria nas redes dos indgenas da Terra de Vera Cruz umas verdadeiras camas, que no ocupavam espao e podiam ser armadas em qualquer canto disponvel. J Cristvo Colombo se apercebera disso e trouxera redes do mesmo tipo da sua viagem (BRANCO, 2006, p. 93).

    Nos anos 1560 continuavam a ter a sua serventia, em terra ou nas cmaras das embarcaes e, como parece querer dizer Cames, tambm ele fez uso de uma delas. Ainda hoje, de resto, so usadas em Macau, nos quintais, nas hortas ou na praia.

    29 Na verdade, as armadas saam de Cochim para Malaca em fins de Abril e saam desta cidade em meados

    de Agosto do mesmo ano (CRUZ, I, 1993, p. 783, n. 195). Como BOXER refere, havia casos em que a armada no fazia escala em Malaca, e esta Viagem de Pero Barreto deve ter sido um deles.

  • Os penedos tiveram direito a registo de identidade quando, no dealbar dos anos 1600, o cho propriedade dos jesutas que Cames frequentou foi lanado no ttulo dos bens de raiz da Companhia como Penedos de Cames (RIBEIRO, 2007b, cap. IV), que o oprbrio do esquecimento trataria, nos sculos subsequentes, de fazer esquecer, ao contrrio da memria popular, que nunca esqueceu que, naquele outeiro, coroado dos penedos que ainda hoje l esto, o Poeta por ali jornadeava fugindo do cheiro pestilento do navio, inspirando o ar puro do cimo e alardeando a vista at ao infinito do horizonte.

    1564 ou 1565: naufrgio no regresso da Viagem

    Conforme o prprio Poeta diz no Canto X, 128, teve um naufrgio na latitude do Mecom (mar da China), na altura Camboja, tributrio da China. Deve ter sido no regresso da China (Macau) e em 1564 ou em 1565. Nele, obviamente, perde a sua biblioteca e manuscritos de obra que, seguramente, no deve ter deixado de compor. Recolhidos os nufragos, seguem para Patane 30 e depois Malaca. Aqui, chegada, provavelmente detido (mas por quanto tempo?) e indiciado de peculato e conduzido a Goa sob priso (mas quanto tempo depois?), a mando do vice-rei D. Anto de Noronha, que, numa poca de naufrgios fraudulentos, no acreditou que a perda dos valores que Cames trazia da China resultasse apenas dos perigos do mar (SARAIVA, 1995, p. 305). .

    1565-1567: do Mecom a Cochim

    Desde que recolhido, ele e os outros nufragos, at chegar a Patane, daqui para Malaca e depois Goa, podem ter decorrido anos. Depois da chegada ndia Portuguesa, fica a aguardar pelo decurso da justia.

    30 Patane foi a capital do comrcio privado portugus nos mares e litorais da sia do Sueste e China nos

    anos 40-50 da centria de Quinhentos. Cidade-Estado na costa oriental da Pennsula Malaia, Patane era um reino islmico malaio, tributrio de Sio (Ayuthia), porto estratgico para os mercadores malaios e chineses e uma zona de exportao e produo de pimenta de que os chineses eram os maiores consumidores. Com 50.000 habitantes, a se concentravam 300 Portugueses em parceria e concorrncia com Malaca. De Patane ter provindo a comunidade portuguesa fundadora do primeiro bairro ou povoao de Macau.

  • O Pe. Manuel Correia, comentador da edio da epopeia de 1613, diz que foy preso (...) pela fazenda dos defunctos, que elle trazia a seu cargo, porque foy China por provedor... dos defuntos. Manuel Correia sabia do que falava. 31

    Se esteve na priso, por quanto tempo? Certo que em finais de 1567 j estava em liberdade (mas desde quando?), para o que muito poder ter contribudo os empenhos do cunhado do vice-rei D. Anto de Noronha, o Leo fidalgo (vd. nota 30), aproveitando-se da circunstncia de o governador ser mais um homem de dilogo e de reflexo que um homem de ao e deciso (CRUZ, I, 1993, p. 812, n. 469). Ao menos isso! Do injusto mando pela parentela, indulgncia por um ramo dela. Se naquele se precipitou, nesta se retratou e mostrou arrependimento. Capitulado (MARIZ, 1980) por peculato, mas em liberdade.

    1567: partida de Cochim para a ilha de Moambique

    Em Dezembro de 1567 (MORAIS, 1997, p. 62) parte de Cochim na nau capitaneada por Pro Barreto (idem; tb FERREIRA, 1960, p. 299). Faz a viagem at Moambique, onde Barreto foi ocupar o posto de capito-mor de Sofala (1567-1569) (idem) para o qual lhe havia sido passada em Lisboa carta de concesso de 4 de Setembro de 1563 (CRUZ, I, 1993, p. 812, n. 468), tendo ocupado o cargo (capitania de Sofala e Moambique) em fins de 67 ou incios de 68 (idem, ibidem). Como se v, se MORAIS no tem dvidas que Pero Barreto partiu ainda em 1567, j Maria Augusta Lima CRUZ no tem dvidas que Barreto deve ter ocupado o cargo em fins de 1567 ou incios de 1568, o que vai dar ao mesmo, atento ao tempo necessrio para a viagem.

    1568 (Fevereiro) - 1569 (Novembro): em Moambique

    Desembarca na ilha de Moambique e a

    31 Vd. RIBEIRO, 2008b, p. 47 (6. PENA, EMPENHOS E EMPENOS).

  • o capito exigiu ao Poeta o pagamento de duzentos cruzados pelo transporte, quantia de que ele no dispunha. Pode suspeitar-se que o pagamento da passagem tivesse sido satisfeito no incio da viagem, e que tal dvida fosse antes contrada ao jogo durante o trajecto; o que nada tem de anmalo, pois bem sabido que a bordo das naus da carreira da ndia se jogava desenfreadamente s cartas e aos dados, com a runa de muitos que vinham da ndia com alguns meios financeiros e de outros que iam para l procura de enriquecer, e assim iniciavam essa aventura j muito endividados (ALBUQUERQUE, 1987, p. 147; 1992, 2 edio, p. 343)..

    O que faz o nosso Poeta na ilha de Moambique durante tanto tempo? O perodo menos solitrio ter sido o que passou aps a chegada de Diogo do Couto e amigos, mas isso s ocorreu em Fevereiro ou Maro de 1569. Mas se o ano anterior ter sido o mais solitrio, foi certamente o de produo potica mais prolixa: enquanto a armada de regresso ao Reino no chega de Cochim com os amigos (Couto e Heitor da Silveira, entre outros, mas estes de longa data, um, a quem pede para comentar Os Lusadas, o outro, a quem consagra um grande elogio nOs Lusadas, ap. Antnio Jos Saraiva), Cames avana no poema pico, ocupando-se designadamente a reformar o canto VII e a escrever o Parnaso de Lus de Cames, que s Couto ps a vista em cima (RIBEIRO, 2007b, 2008a).

    Ainda mal Couto desembarcara e j o nosso Poeta lhe dirige um soneto onde lhe d conta do golpe to furioso que o largo e poderoso /Cu, por quem todo o mundo governado lhe havia infligido (CRUZ, I, 1993, p. 812). Ora, este af de lhe querer dar a m nova da sua mais recente sina, inculca-me a ideia de que no se viam h uns bons tempos e que Cames e Couto ainda no se haviam encontrado desde que o Poeta tinha regressado da China. O que natural, pois Couto, at essa altura, com os seus 27 anos, havia-se ocupado com afinco na carreira das armas, desejoso de ganhar honra, e prestado muitos servios Coroa, como pode ser lido com detalhe em LOUREIRO (1998, pp. 57-58), sendo natural que desconhecesse as ltimas voltas que a roda da Fortuna do amigo havia dado. Longe vinham os tempos em que, j guarda-mor do Tombo e cronista-mor da gesta oriental dos lusadas (a partir de 1595), permaneceria mais demoradamente na corte do governador em Goa.

    Ironia do destino, a armada recm-chegada era a de D. Anto de Noronha, que regressava ao Reino em fim de comisso e vinha invernar a Moambique. Mas o vice-

  • rei havia adoecido e morrido na viagem, de uma espingardada numa perna e dos dentes de que era muito mal tratado, antes mesmo de aportar a essa capitania. Ora,

    de acordo com o seu testamento, o seu cadver foi lanado ao mar, com excepo do antebrao direito que foi amputado, guardado e depositado no jazigo do seu tio D. Nuno lvares, em Ceuta, por ter assinado um documento ilegal a favor de um seu parente, tendo na altura escrito margem a mo que assinou este documento deveria ser cortada (S, 1999, p. 100).

    Manuel de Faria e Sousa (sia Portuguesa, p.III, 2 tomo, cap. 3, n 12, ap. SARAIVA, 1995, p. 305) observou que este golpe, mandado dar pelo Vice-rei em si mesmo, e nesse membro, por testamento, foi a sentena dada contra si prprio, porque, ao assinar certo papel injusto, disse mo que tal assina bem merece ser cortada. Tanto pode um respeito que faz fazer a um aquilo mesmo que o prprio abomina. Tambm Diogo do Couto se faz eco desta mesma estranha opinio, quando fala do testamento do vice-rei, imediatamente antes de se referir ao encontro de Couto e Cames [(cap. 9 do livro V da Dcada VIII) (CRUZ, I, 1993, pp. 466-67)].

    Mas, como observa Jos Hermano SARAIVA (1995), claro que o vice-rei no quis punir-se de coisa nenhuma, mas apenas preservar uma relquia de si mesmo. Que o importante aqui no o que se diz, mas quem o diz e porque o diz: que o facto de to desrazovel suposio ter ocorrido a ambos, logo dois interessados na biografia camoniana, leva, sem dvida, a relacionar o papel injusto com o injusto mando.

    Ambos tendo conhecido Cames: um, que o tratava por d c aquela palha por nuestro P. e mi Maestro; o outro, que tendo convivido com ele e que to bem o conheceu e dele foi amigo, dele diz o essencial sobre a sua ida China, mas omitiu a causa dos seus duros trabalhos depois do naufrgio (RIBEIRO, 2007, pp. 63-64).

    Em Novembro de 1569 partem no Santa Clara para o Reino (FERREIRA, 1960, pp. 273 e 304), onde viaja com Diogo do Couto e os outros que lhe pagaram a viagem. A morte do vice-rei que deu o injusto mando e assinou o papel injusto pode ter contribudo para a celeridade da resoluo do caso judicirio do Poeta perante as instncias judicirias do Reino, aquando da chegada. Abatido o rei, avanava livre o peo no tabuleiro de xadrez.

  • 1570: chegada ao Reino

    Em Abril 7 de Abril (Ferreira, 1960, p. 306) a nau acosta a Cascais. Havia peste desde 1569 pela capital e a corte estanciara em Almeirim. Com as ardncias do vero, a peste recrudesceu e foi uma hecatombe: morriam diariamente s centenas, s vezes quinhentos e seiscentos, sendo os cadveres enterrados aos trinta e aos quarenta, empilhados em covais enormes e muitos apodreciam sem sepultura, devorados por chusmas de ces vadios (idem, p. 307).

    Joaquim FERREIRA (idem, p. 301) observa que Diogo do Couto, desde que se encontrou com o Poeta na ilha africana at chegada ao Reino conviveu intimamente com Cames em Moambique e na viagem para a metrpole. Mas como se viu neste Roteiro, conviveram muito mais do que isso, em Goa. E isto importante porque, no que respeita ao baralho Cames e Macau, justamente Couto quem diz tudo o que interessa ao tema, perfilando-se como o s de trunfo (vd. infra nota final n 1) Nos dez anos que se seguiriam, at sua morte em 10 de junho de 1580, Cames vai obter, finalmente, o reconhecimento pblico e a reabilitao social, com a publicao do seu poema pico em 1572 e rpida divulgao na metrpole e ultramar (2007b).

    Mas, entretanto, chegada, veio encontrar o rei-donzel D. Sebastio no trono, num reinado de coluso entre a espada e a caldeirinha, em que estava (j) no choco a grande e louca aventura, como Aquilino escreveu, que havia de levar perda da independncia de Portugal por 60 anos (vd. estes cruciais anos (1570-1580) em 2008b, nesta mesma Revista, aqui: http://www.uefs.br/nep/labirintos/edicoes/02_2008/02_2008.htm.

  • Notas finais:

    1. No jogo Cames e Macau o trunfo ouros, to boas e de ouro as cartas so. O s, como se disse, Diogo do Couto. A manilha o Vice-rei D. Francisco Coutinho (1561-1564), que deu a provedoria de defuntos a Cames. O rei de trunfo Pero Barreto Rolim, o capito-mor da Viagem da China de 1562 que, nesse ano, proveu, a mando do Vice-rei, o nosso vate no insignificante cargo. A dama Cristvo Borges que nos deixou mais um testemunho inequvoco de que Cames andou pela China e de que por causa dessa viagem duplamente se perdeu. O valete D. Lionis Pereira, fidalgo a quem Cames deve qualquer favor, to grande que ele o tri-dedicatrio na obra de Gndavo impressa no Reino em 1576 e que pode ter sido algum empenho junto do Vice-rei D. Anto de Noronha, seu cunhado, talvez o de o Poeta no permanecer detido enquanto no respondesse em juzo. O seis de trunfo so os jesutas, esses missionrios da cultura e do saber, que baptizaram o cho de Patane, sua propriedade, com a designao de Penedos de Cames. O cinco de trunfo Manuel Correia, comentador de Os Lusadas, cura da Igreja de S. Sebastio da Mouraria, onde o Poeta morava e vivia com a me, muito provavelmente seu confessor e da famlia, e que corrobora alguns dados de Couto. O quatro Pedro Mariz, o primeiro bigrafo, que nos d conta de o nosso poeta ter ido para o Reino capitulado por se ter perdido nas partes da China. O trs de trunfo Manuel Severim de Faria, outro dos bigrafos de Cames, correspondente de Diogo do Couto, que, muito oportunamente, em 1624, entende dever dizer com preciso que o vate esteve em Macau. Finalmente, o duque: o bigrafo Faria e Sousa que em 1639 e 1685 nos legou duas biografias do bardo que ajudam a compor o naipe. Como j deixei dito (2008b), sendo a obra do nosso vate autobiogrfica e confessando ele at onde chegou e donde no passou (Macau) (2008a), obviamente ele o super-trunfo: desempenhando simultaneamente o duplo papel de joker e trovador (2008b).

    2. Texto redigido, tanto quanto possvel, no respeito pelo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa, que entra em vigor no Brasil no dia 1 de Janeiro de 2009.

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    32 Nos textos poticos de Cames, sempre que utilizada a Obra Completa de Lus de Cames organizada,

    comentada e anotada pelo Prof. Antnio Salgado Jnior, utilizamos as convenes por ele adoptadas (p. 966): ex: R2 VII 101, para Rimas (parte, seco e numerao), C para Cartas (idem).

  • SARAIVA, Jos Hermano: A Vida Ignorada de Cames-Uma Histria que o Tempo Censurou. Europa-Amrica, 3 edio, revista e actualizada, 1995.

    SARAIVA, Maria de Lurdes: Sonetos de Cames, edio completa, com fixao de texto, parfrases explicativas e notas da autora e J.Hermano Saraiva, Mem Martins: Europa-Amrica, 1990.