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DA IMPORTÂNCIA > DOS ESTUDOS METEOROLÓGICOS PARA A MEDICINA E ESPECIALMENTE DE SUAS APPLICAÇÔES AO RAMO OPERATÓRIO. DISSERTAÇÃO INAUGURAL PARA ACTO GRANDE » SEGUIDA DE SEIS PROPOSIÇÕES APRESENTADA A ESCHOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO PARA SER DEFENDIDA DEBAIXO DA PRESIDÊNCIA DO LENTE DA OITAVA CADEIRA O ILLUSTRISSIMO SENHOR ANTONIO FERREIRA DE MACEDO PINTO PELO ALUMNO DA MESMA ESCHOLA POUTO v TYPOGRAPHIA DE SEBASTIÃO JOSÉ PEREIRA, Rua do Almada, 641. 1861.

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DA IMPORTNCIA > DOS

ESTUDOS METEOROLGICOS PARA A MEDICINA

E ESPECIALMENTE DE SUAS APPLICAES AO RAMO OPERATRIO.

DISSERTAO INAUGURAL PARA ACTO GRANDE

SEGUIDA DE SEIS PROPOSIES

APRESENTADA

A

ESCHOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO PARA SER DEFENDIDA

DEBAIXO DA PRESIDNCIA DO LENTE DA OITAVA CADEIRA

O ILLUSTRISSIMO SENHOR

ANTONIO FERREIRA DE MACEDO PINTO PELO ALUMNO DA MESMA ESCHOLA

POUTO v TYPOGRAPHIA DE SEBASTIO JOS PEREIRA,

Rua do Almada, 641.

1 8 6 1 .

r

C'est une des parties les moins avances de la m-torologie qtte celle qui a pour objet l'tude des influen-ces de l'atmosphre sur l'homme en sant et en mala-die. Quelque jour l'hygine mtorologique sera l'une des branches les plus cultives comme les plus utiles des sciences de l'organisation vitale.

BABINET. Etudes et lectures sur les sciences d'observation. 2. vol.

L i

ESCHOLA I1EDICO-CIRURGICA DO PORTO.

DIRECTOR

O Ex.mo Snr. Conselheiro Francisco de Assis Sousa Vaz, Lente jubilado.

C O R P O G A T H E D R A T I C O .

LENTES PROPRIETRIOS Os Ill.m8 e Ex.m o s Snrs.

1.* Cadeira Anatomia . . . . . . . . . Luiz Pereira da Fonseca. 2. Cadeira Physiologia e Hygiene privada . . Luiz Antonio Pereira da Silva. 3.* Cadeira Historia natural dos medicamentos,

Materia medica e Pharmacia Jos Pereira Reis. 4. Cadeira Pathologia geral, Pathologia e The-

rapeutica externas ' . . Antonio Ferreira Braga. o.a Cadeira Operaes e Apparelhos, e Cirurgia

forense Caetano Pinto d'Azevedo. 6'. Cadeira Partos, Molstias de parturientes e

recem-nascidos Manoel Maria da Costa Leite. 7." Cadeira Historia medica, Pathologia e The-

rapeutica internas Francisco Velloso da Cruz. 8." Cadeira Clinica medica, Medicina legal e Hy-

giene Publica Antonio F. de Macedo Pinto. 9." Cadeira Clinica cirrgica Antonio Bernardino d'Almeida.

LENTES SUBSTITUTOS

( Jos de Andrade Gramaxo. Seco medica. . . . . . . . |JoS(s pructuoso Ayres de Gouva Osrio.

( Jos Alves Moreira de Barros. Seco cirrgica (A g o s t i n h o A n t o n io do Souto.

LENTES DEMONSTRADORES

Seco medica Joo Xavier de Oliveira Barros. Seco cirrgica Joo Pejeira Dias Lebre.

^

T A S E U P A E

O I I I . SENHOR

JOS JOAQUIM GOMES COELHO

EM TESTEMUNHO

RESPEITO E AFFEIAO

OFFERECE

C7 Jlouctofc.

AO JURY.

SENHORES:

N'este ultimo passo da minha carreira escholar desmerecerei

acaso da proteco que de vs tenho constantemente recebido ?

Perdoai-me se, apesar da conscincia de minha incapacidade,

as recordaes sempre vivas de vossa benevolncia me no deixam

desanimar.

Vosso discpulo

S

INTRODUCCAO.

Em antigas pocas podemos encontrar os fundamentos da meteoro-logia.

As primeiras observaes sobre os phenomenos atmosphericos re-montam a tempos immemoriaes.

As primeiras theorias para a explicao d'esses phenomenos encon-tram-se nos livros dos philosophos gregos.

E no obstante, tal como hoje ella deve ser comprehendida, com o ca-racter que os aperfeioamentos da physica conseguiram imprimir-lhe, a meteorologia uma sciencia moderna e, o que mais , mal constituda ainda.

De facto, os primeiros homens poderam ser os primeiros observadores; e rigorosamente o foram ; mas que diferena entre essas observaes su-perficiaes, adquiridas ao acaso, sem ordem, sem nexo, e as que o espirito analytico dos ltimos sculos tem institudo ! Por muito tempo os senti-dos, privados dos auxlios que hoje amplificam a esphera de sua compre-henso, s poderam apreciar grosseiramente os phenomenos da atmos-phera, sem entrarem no exame mais minucioso dos factos, indispensvel para a soluo dos problemas scientificos. D'estas observaes incomple-tas s theorias imperfeitas deviam resul'tar; assim, as que nos restam d'es-sas pocas so inteiramente hypotheticas e, na generalidade, subordina-das parte mais obscura da philosophia de ento : a dos princpios dos entes ou das causas primarias, que dominava todas as sciencias, incluindo as de observao (l).

O acaso fez com que uma ou outra d'essas explicaes parecesse

(') Lordat. Lies de physiologia sobre a perpetuidade da medicina 6.li.

_ 2

harmonisar-se com as da sciencia moderna ; mas geralmente ellas no po-deram resistir immensa revoluo, que operaram j na physica os im-portantes descobrimentos dos dois sculos anteriores ao nosso.

Para formar uma ideia do que seriam as theorias meteorolgicas d'aquelles tempos, basta saber que Aristteles, auctor do mais com-pleto tratado de meteorologia que nos legou a antiguidade e por mui-tos considerado como fundador d'aquella sciencia, professava a impon-derabilidade do ar ('). De nenhuma utilidade prtica poderiam ser as theorias anticipadas, em que por muito tempo se exerceu a imaginao dos naturalistas ; mas no assim os factos, sobre que, mal ou bem, ellas se baseavam; ainda que imperfeitas e d'alguma sorte rudimentares, as sim-ples observaes d'esses tempos, os phenomenos meteorolgicos, conhe-cidos de todos e no interpretados, j ento se mostravam uma origem fecunda de applicaes de mais d'um gnero.

Se a agricultura procurava no estudo da atmosphera fundamentos para estabelecer seus preceitos ; se os navegadores se dirigiam atravs dos ma-res, interrogando attentos o aspecto do horisonte ; se mesmo o commer-ciante, com no menor cuidado, observava as variaes do tempo, de que tantas vezes o destino de suas transaces estava dependente; no era porque as theorias de Aristteles, de Theophrasto e dos philosophos seus antecessores lhes tivessem ensinado a interpretar os phenomenos atmosphericos ; mas sim porque observaes continuadas, observaes de todos os dias, supposto no rigorosamente scientificas, haviam empiri-camente, na constante successo de certos phenomenos, feito reconhecer a possibilidade de predizel-os e avaliado sua maxima influencia.

Conheciam-se os signaes precursores das tempestades e das chuvas, ignorando-se as circumstancias- que as geravam ; de ha muito eram apro-veitadas na navegao as mones do oceano indico, desconhecendo-se a causa d'est phnomne

O mesmo podemos dizer das applicaes medicas. Em todos os tempos, em que um espirito observador veio assignalar

uma poca favorvel nos fastos da medicina, vemos comprehendida a im-portncia do estudo da atmosphera para o bem-estar do homem, colle-

(') Kmtz. Cours complet de mtorologie. Trad, de Ch. Martins, 5." parte, pag. 517.

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ctiva ou individualmente considerado. J muito anteriormente a Arist-teles se descobrem vestgios notveis d'estas applicaes.

Nas obras de Hippocrates, onde d'alguma maneira se pde dizer tra-ado o programma da medicina futura, e apontadas muitas questes, que s os progressos das sciencias auxiliares poderam ou podero resolver, encontram-se, sobre este assumpto, ideias expendidas com uma admirvel simplicidade, e que mereceram a meditao, no s de medicos, mas de muitos philosophos dos sculos ulteriores.

Foram ellas que serviram de base a Montesquieu na sua obra sobre o Espirito das leis, e o auctor da Relao entre o physico e o moral do ho-mem desenvolveu muitas d'essas ideias, origem abundante que, no dizer de Littr, a sciencia subsequente no pde ainda esgotar ().

Porm a meteorologia, que serviu de fundamento a Hippocrates para a confeco de suas obras monumentaes, o que ha d'esta sciencia no Tra-tado dos ares, das aguas e dos logares, uma das mais bellas heranas que a medicina moderna recebeu da antiga (2), nos livros das Epidemias, dos Aphorismos e n'outros, no propriamente a meteorologia dos philosophos, a meteorologia theorica, mas a meteorologia popular. Elle no assenta suas consideraes em theorias hypotheticas sobre a origem dos meteoros, li-mita-se a assignalar a sua influencia sobre o homem; assim, aprecia a aco pathogenica dos diffrentes ventos, pondo de parte todas as ideias a respeito da essncia d'elles; regista as constituies atmosphericas, sem remontar aos elementos que as originaram.

Por muito tempo a medicina se contentou com isto. A parte que maior numero de applicaes lhe permittia era a que, mais tarde, Lamarck designava pelo nome de Statistica atmospherica; em quanto que a parte mais especulativa, qual elle reservava por excellencia o nome de Me-teorologia (3), aquella que pondera a causa dos phenomenos que a primeira regista, no se mostrava to frtil em resultados teis.

E no porque as theorias sejam de si infructiferas, no porque seja indiffrente saber, que circumstancias podem influir, nas continuadas re-volues do ambiente; mas porque s nos nossos tempos estas theorias

(') Littr. Trad, des uvres complet, de Hippocrates, 1. vol. [A Idem. (3) Memorias da Acad. R. das Sc. de Lisboa, 5. vol. Mem. de Franzini.

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principiam a offerecer um grau de rigor scientifico, que as recommenda, uo s ao que estuda a atmosphera com a curiosidade de philosopho, mas ao que espera colher d'esses estudos deduces a bem da humanidade.

Por muito tempo se conservou a meteorologia sem receber novo im-pulso de seus cultivadores. Sabe-se que, transmittido da Grcia para Roma, o legado scientiflco no se engrandecera ahi. Nos livros de Se-neca, nas obras de Plinio, no poema de Lucrcio, reproduz-se a philoso-phia natural de seus predecessores. O sexto livro do De rerum natura a meteorologia de Epicuro, adornada com as galas da poesia latina.

Por outro lado, as applicaes medicas d'esta sciencia no foram tam-bm mais extensas; n'esta parte, como em tantas outras, toda a hygiene dos antigos medicos se reduzia a unia simples paraphrase da do auctor dos Aphorismos. E quando Asclepiades, rejeitando da pratica medica a observao cuidadosa e a experimentao prudente que Hippocrates tanto recommendra, lanou em Roma as bases do systema que Themison de-corou com o pomposo nome de methodismo e pelo qual se jactava de en-sinar em seis mezes toda a medicina, o estudo dos climas, estaes e in-fluencias meteorolgicas foi rejeitado, como uma prtica vulgar e indigna da simplicidade da nova doutrina (1).

A meteorologia permaneceu n'esse estado rudimentar por todo o resto da idade antiga, e por toda a extenso da idade media.

N'esta phase commuin da historia das sciencias, a astrologia judiciaria, que o espirito supersticioso d'aquelles tempos acalentava de envolta com ellas, mais rpida nos seus progressos, como filha da imaginao que era, e achando um elemento favorvel no caracter, naturalmente crdulo, das novas sociedades, cedo dominou todos os outros ramos de conhecimentos, offerecendo-lhes assim um obstculo invencivel ao seu desenvolvimento. Se se observavam os astros, se se notavam os phenomenos metericos, no era tanto para resolver problemas de mecnica celeste, ou de physica atmospherica, como para 1er horscopos, e devassar mysterios do futuro.

Em todas as sciencias se inclua um ramo parasita, que lhes tolhia os progressos. De mistura com as noes exactas da astronomia, viam-se os sonhos astrolgicos; com os conhecimentos positivos da chimica, as illu-

(') Auber. Trait de la Science Mdicale. (Histoire et dogmes) Mthodisme, pag. 143.

I ,

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soes da alchimia; aos factos da physica associavam-se os mysterios( da magia ; aos clculos arithmeticos as supersticiosas combinaes da cabala, e a propria meteorologia, ainda nascente, j, sob o nome de meteoroman-cia, recebia um caracter semelhante (').

Igualmente embuda de ideias supersticiosas, a medicina, vendo na maior parte das doenas castigos do ceo ou influencias malficas, fazendo intervir immediatamente a divindade em todos os phenomenos extraordi-nrios da vida, era naturalmente distrahida de procurar nas modificaes do ambiente e nas circumstancias, que nos rodeiam, a soluo de muitos problemas de pathogenia, a qual se via sacrificada pelo mais exagerado fanatismo.

Assim o clero, por mos do qual andavam geralmente as sciencias na Europa, e os arabes, que estendiam at ellas o fatal Deos o quer! da sua religio, despresaram o estudo que Hippocrates instituir, substituin-do-lhe o que havia de mais hypolhetico nas nebulosas theorias humoraes de alguns de seus successores.

Portanto, em todo este longo periodo, apenas de quando em quando uma ou outra voz, como a de Alexandre de Tralles no sculo IV, se ele-vava para recommendar aos medicos a observao paciente e minuciosa e o estudo das estaes, dos climas, e das mudanas atmosphericas, em suas relaes com a sade e a molstia. Mas geralmente estas vozes no eram escutadas. Dominados pelo espirito da poca, os medicos de ento, pervertendo, como mais tarde Paracelso, um pensamento verdadeiro, pro-curavam encontrar as relaes do homem com o universo, do grande com o pequeno mundo, na mysteriosa influencia dos planetas, em vez de as es-tudarem na aco dos agentes modificadores geraes que nos cercam.

A era da renascena raiou ainda pouco brilhante para as sciencias de observao e para a meteorologia.

A queda do imprio do Oriente e a descoberta da imprensa espalha-ram por toda a Europa os livros de litteratura e philosophia gregas.

Leram-se ento com avidez os documentos legados pela antiguidade, mas se a litteratura lucrou com isto, as sciencias, pelo menos as physicas, no foram desde logo to afortunadas.

(') Gamier, Mtorologie et.

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Estas dependem principalmente da observao, conscienciosamente conduzida, livre de preconceitos que forcem a significao dos factos; e o demasiado respeito que ento se desenvolveu pelas opinies dos antigos mal permittia a satisfao d'estas condies indispensveis.

Os primeiros escriptores d'essa poca foram mais eruditos, que obser-vadores; a sciencia de Aristteles renasceu nos livros, reinou nas escolas, a dialctica substituiu a experincia, e a astrologia, ainda por muito tempo, usurpou o terreno das sciencias, chegando a invadir at as cadei-ras das universidades (*).

A medicina offerecia tambm um aspecto semelhante. Os primeiros escriptos, que ento appareceram, eram simples commentarios s obras dos antigos ; seus auctores mais celebres, diz Pinei (2), estudavam as passa-gens de Hippocrates e Galeno como orculos, e atormentavam-se noite e dia para explicar o sentido obscuro d'un* termo grego, o conciliar textos contradictories.

Seduzidos pelas creaes da imaginao, mais que pelo severo estudo dos factos, cultivaram com ardor as doutrinas humoristas ; nas quaes, des-figurada pelas hypotheses dos quatro elementos, das quatro qualidades, e dos quatro humores, se reconhece comtudo implcita a ideia da intima cor-relao entre o homem e a atmosphera. O quente, o frio, o hmido e o scco predominavam, segundo elles, separadamente, em cada idade, em cada temperamento, em cada estao, e em cada clima, e debaixo d'est ponto de vista, admittiam tambm esses auctores uma particular concor-dncia entre certas condies individuaes e certas circumstancias exte-riores. ;

Mas com o tempo a physica aperfeia-se. Galileu ou Drebbel desco-brem o thermometro; Torriceli, com suas experincias, deixa entrever o barmetro, e conhecidos estes dous principaes instrumentos de observao meteorolgica, de tanta importncia, que hoje nos auetorisam, sem mes-mo estudarmos nos prprios escriptos as ideias da antiguidade, a prever n'este ponto o estado de imperfeio d'ellas, a meteorologia adquire uma nova vida, transforma-se, e toma verdadeiramente o seu logar na hierar-chia das sciencias.

(') Cesar Cantu. Historia universal. Qome de Rezie. Sc. occultas, T. 2. j2) Nosographie philosoph., T. 1.

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As navegaes longnquas e as descobertas emprehendidas e realisa-das, pela maior parte, n'aquejlas pocas, augmentando o campo de obser-vao, haviam-lhe tambm preparado esta revoluo favorvel.

A creao da Academia Real das Sciencias de Paris, em 1666, veio marcar esta nova phase da sua historia.

A medicina entrava tambm de seu lado em vias mais racionaes. G-nios observadores surgiam de toda a parte, os quaes, despidos d'aquelle cego respeito pela auctoridade, que paralysava todo o desenvolvimento intellectual, ousaram fazer obra sua, seguindo o caminho da observao e da experincia.

O apparecimento de algumas molstias at ento desconhecidas, que invadiram epidemicamente a Europa, resultado talvez das novas relaes internacionaes estabelecidas pelas viagens e navegao, o conhecimento d'outras, proprias s de certas localidades, pela primeira vez exploradas, impelliram os espritos n'esta util direco,

Os medicos, no encontrando nos livros gregos, em que at alli se ha-viam costumado a ver o sacrrio de toda a sciencia, noes das novas epi-demias, applicaram-se a investigar as causas d'estes males inslitos e de-vastadores, e naturalmente foram levados a procurar no estudo da atmos-phera a soluo de to importantes problemas.

Este pensamento inspirou Hoffmann e StolI na Allemanha, Huxhan e Sydenham na Inglaterra, e em seus trabalhos admira-se a mesma ordem, que fizera dos livros das epidemias de Hippocrates um modelo de obser-vao.

Dos indivduos estendeu-se o exemplo s corporaes. Sociedades e academias medicas foram unanimes em proclamar a importncia d'estes estudos.

N'este sentido se publicam memorias, algumas das quaes, como as de Malouin, se acham archivadas nas da Academia Real das Sciencias de Paris. A sociedade de medicina da mesma cidade, no s das primeiras a instituir observaes meteorolgicas regulares, mas em uma memoria instructiva publicada em 1776, recommenda-as a todos os corpos acad-micos, e a todos os medicos ('); varias sociedades medico-mteorologicas

(') Cotte. Mtorologie. Pref.

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se instituem por toda a parte, entre as quaes se torna notvel a da liava.

Tambm entre ns estes estudos, aos quaes a Academia Real das Scien-ciasde Lisboa communicou, desde o seu principio, um notvel impulso, no foram desattendidos pela classe medica ; attestam-no as tentativas de Jos Bento Lopes ('), Manoel Gomes de Lima (2), Bernardino Antonio Gomes (3), e Agostinho Albano (*); attestam-no as numerosas topogra-phias medicas, de ento para c publicadas, e onde, como de direito, uma parte principal consagrada ao estudo das condies atmosphericas.

A maior parte das publicaes peridicas de medicina do paiz tem re-gistado em suas columnas observaes meteorolgicas ; as escolas medicas do reino comprehenderam-nas no programma dos seus estudos, e a do Porto ha j bastantes annos que procede na confeco de taboas de obser-vaes to completas, quanto Ih'o permitte o estado do seu observatrio.

D'estes tempos em diante o progresso da meteorologia no conta in-terrupes ; os instrumentos aperfeioam-se, as observaes generalisam-se, proseguem-se em todos os pontos do globo quasi com supersticioso fervor (5), communicam-se os trabalhos; dos phenomenos procura-se j remontar s leis geraes que os regem, s causas que os determinam, e de-duzir mais vastas applicaes.

Mas apesar de tudo isto, apesar do incremento que ella recebeu ainda no principio d'est sculo, que deve marcar poca na sua historia, dos tra-balhos de to distinctos e incanaveis observadores de todos os paizes, en-tre os quaes avultam: Humboldt, o sbio auctor do Cosmos, Arago, Mar-tins, Ifeghens, Bravais e Quetelet, a meteorologia, como o reconhece o prprio Humboldt, est ainda longe do grau de perfeio, a que deve as-pirar. Resta-lhe ainda muito problema a resolver, muita esperana a rea-lisar.

A razo d'isto encontra-se, como pondera Ksemtz (6), na propria indole d'esta sciencia. De facto, se os phenomenos meteorolgicos, mais talvez

(') Anno medico. Observ. met. e med. feilas em 1792. Porto. (2) Hist, ehron. e med. Pofto.

!

3\ Vid. Mem. da Acad. R. das Sc. de Lisboa, T. 5.

4) Vid. Gazela Medica do Porto, T. 1., 1842, onde se cita o seu nome. 5) J.M. Latino Coelho. Relat. dos trab. da Acad. I. das S c , 1861. 6) Ob. cit.

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que nenhuns, se prestam observao, subtrahem-se, em compensao, experincia, esta outra observao mais activa, poderoso instrumento do progresso das sciencias, que julga e corrige os dados fornecidos pela pri-meira.

Demais, a meteorologia no se formada dos observatrios ; o meteoro-logista isolado, observando apenas os phenomenos d'um espao limitado, nunca poder comprehender as leis que lhes presidem, s vezes, dependen-tes das condies atmosphericas de uma regio remota. S a generali-sao das observaes e sua reciproca comparao podero conduzil-o a um to lisongeiro resultado; e com quanto hoje se tenham j em grande parte verificado estas condies, resta ainda muito por fazer.

Mas devemos confiar, que chegar um dia, em que essas esperanas se realisaro ; tudo nol-o promette.

A extenso da civilisao por quasi todo o globo, a rapidez das com-municaes entre os diversos paizes pela admirvel ramificao dos fios elctricos, viagens puramente scientificas, em que o espirito se no dis-trahe com projectos de conquista ou de commercio, os apparelhos de in-dicaes contnuas, em que a materia, como que animada pela intelligen-cia, regista longas series de observaes, quasi irrealisaveis at agora, e tantos outros instrumentos de progresso, de que o nosso_sculo se gloria, promettem exercer uma vantajosa influencia para o aperfeioamento fu-turo da sciencia meteorolgica.

Um dia talvez, quando d'um ponto qualquer do globo fr possvel, em um momento dado, conhecer as condies meteorolgicas de todos os pai-zes e climas, desde alm dos crculos polares at ao equador, a exemplo do que em pequena escala se pde ha annos observar na celebre exposio de Londres ('), o grande problema da previso dos phenomenos atmos-phericos deixar de ser um sonho inutilmente acariciado, e a meteoro-logia ter pronunciado a sua ultima palavra.

As applicaes sero ento mais extensas que nunca, incalculveis at, e a medicina saudar essa poca, como uma das mais brilhantes da sua historia. Ella o prev, e suas tendncias actuaes aplanam-lhe o caminho para este futuro. A etiologia attrahe de novo com ardor a atteno dos

(') Babinet. Etudes et lectures sur les sciences d'observation, T. 2. Telegr. electriq. 3

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medicos, reconhece-se n'ella uma das principaes bases para a therapeu-tica. Por toda a parte se procuram as causas que despertam lenta ou ra-pidamente a modificao interior, causa intima da doena, ou antes sua propria essncia.

Houve tempo em que, sob a influencia de doutrinas demasiado sim-plificadoras, a pathogenia se resumia n'uma formula geral que, por sua vez, simplificava a therapeutica. Os dichotomistas em medicina, desde Themison, o fundador da seita methodica, at Brown e Broussais, consi-' derando as questes medicas debaixo do ponto de vista synthetico, em que suas theorias os collocavam, ligavam naturalmente pouca importncia aos processos minuciosos da analyse, aos quaes a gerao actual se inclina tan-to. A etiologia era por conseguinte menospresada. "Vendo-se nos agentes exteriores meros estimulantes da incitabilidade, simples despertadores da irritabilidade, nas doenas mudanas apenas, para mais ou para menos, da incitao ou da irritao que constitua a vida, que necessidade havia de estudar as circumstancias que as originavam, quando seus effeitos eram communs? que importava a causa, quando as consequncias quasi se no resentiam da natureza d'ellas?

Por outro lado, escolas empricas, em reaco d'estas, exagerada-mente racionalistas, proclamando uma absoluta separao entre a sade e a molstia, e vendo n'estes dous estados duas entidades inteiramente dis-tinctas e oppostas, que nada de commum mantinham entre si, eram impel-lidas a excluir os modificadores exteriores da etiologia, para em seu logar arvorarem influencias desconhecidas, preoccupadas como estavam essas escolas com a ideia de especificidade em todas as doenas. A hygiene pela mesma razo era despresada, e a therapeutica, guiada por um cego em-pirismo, lanava-se procura de especficos, nica medicao poi ellas consequentemente admittida.

Os medicos de hoje evitam d'um mesmo modo estes extremos, e consi-deram como causas frequentes das desordens da economia as mesmas con-dies indispensveis sua manuteno. Por outro lado, a moderna phy-siologia proclamou a analyse como meio principal de estudo e esforou-se por determinar o modo particular de aco de cada um dos modificadores geraes sobre o organismo. E assim como nos alimentos apreciou a in-fluencia de cada uma das partes componentes que a chimica lhe revelara.

#

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e se apressou a tirar dos resultados colhidos deduces para a pathologia e a therapeutica, tambm, voltando suas vistas para o ar atmospherico, analysou-o chimicamente, determinou com os instrumentos de physica suas propriedades, e tentou emfim, com as noes obtidas, esclarecer a etiologia, e aperfeioar a hygiene e a therapeutica.

ao trabalho a que hoje se procede ainda, e que o futuro ter talvez dever constituindo um novo ramo scientifico, em que, d'alguma maneira, se desdobrar a hygiene.

Apreciar as vantagens, que a medicina tem a esperar d'estes estu-dos, justificar o ardor com que por toda a parte ella parece animar as observaes meteorolgicas, mostrar emfim que, mesmo prtica cirr-gica, estas podem fornecer um auxilio valioso : tal o assumpto que me pro-puz desenvolver n'esta ultima prova do meu tirocnio escolar.

Na sua exposio observarei o plano, que a natureza do objecto me pa-rece estar indicando. .

Primeiro, tentarei fazer sentir a grande influencia da atmosphera, pelos phenomenosnaturaes qued'ella parecem depender; depois, por um exame mais minucioso, apreciarei as principaes relaes do ambiente com as func-es do organismo; obtida esta noo das influencias physiologicas da atmosphera, um passo mais me levar considerao de sua influencia pathogenica, e emfim, consagradas apertas algumas palavras s applica-es hygienicas dos conhecimentos meteorolgicos, entrarei no ultimo capitulo d'est trabalho para, como deduco da doutrina dos anteceden-tes, concluir a proficuidade de um tal objecto para a medicina operatria, este importante ramo da therapeutica geral.

*

PRIMEIRA PARTE.

;

Provas

_ u Esta camada area sem cessar dominada pela influencia commum

' dos diversos agentes do mundo physico: o calrico, a luz, a electricidade, e o magnetismo, que despertam no seio d'ella uma no interrompida serie

de phenomenos instantneos ou duradoiros, previstos ou surprenden-tes, peridicos ou contnuos, os quaes, no meio de sua apparente irregu-laridade, obedecem s leis admirveis, que presidem ao espectculo da na-tureza. Esses phenomenos dizem-se meteoros.

Submergidos n'este oceano areo, segundo uma expresso de Kaemtz, assim perpetuamente agitado por successivas mutaes, todos os corpos da natureza entreteem com elle relaes mais ou menos intimas, todos se resentem de suas modificaes, mais ou menos profundamente.

Privai o globo de atmosphera diz Humboldttransformal-o-heis em um deserto, onde imperar o silencio (').

Mas se mesmo no mundo inorgnico se faz sentir esta influencia, se simples mudanas nas condies da atmosphera se revelam j ahi por effei-tos manifestos, no mundo organisado, cujos seres no encontram em si mesmos os elementos necessrios sua durao, e s se manteem por um conflicto constante com os agentes exteriores, essa influencia dever ser ainda mais poderosa.

A existncia d'estes seres nem mesmo pde conceber-se sem a ideia da atmosphera.

Se a sciencia demonstra que com o globo terrestre giram no espao outros globos, privados do envolucro areo vivificador que acompanha o nosso, ella, s por isso, nos auctorisa a dizel-os inhabitados, sem a me-nor vegetao, sem um nico ser vivo, que lhes amenise a superficie.

De facto, por toda a parte em que se revela a vida desde os proto-or-ganismos, onde ella se nos offerece em sua mais simples manifestao, at s organisaes complicadas dos ltimos seres da escala, onde assume o extremo de complexidade, o ar entra, como elemento mais ou menos im-portante, para a produco dos phenomenos, que a caracterisam ; como uma das principaes condies exteriores da existncia d'esses seres.

O pabulum vitae dos antigos medicos a mais resumida e luminosa expresso d'est pensamento.

(') Humboldt. Cosmos, T. l., pag. 318.

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Mantendo por intermdio do ar to intimas relaes com a atmosphera, todos os corpos organisados devero pois receber das incessantes variaes d'esta modificaes correspondentes.

Factos de todos os dias permittem ao observador menos attento asse-gurar-se da verdade d'esta assero.

Cada estao, nos nossos climas, tem uma physionomia propria do lado das constituies meteorolgicas, como do lado dos pbenomenos da vege-tao. O rebentar das folhas, o desabrochar das flores, a maturao dos fructos, todos estes grandes actos da vida das plantas teem no anno po-cas fixas de se manifestarem, e apropriadas condies meteorolgicas que os determinam.

No reino animal revelam-nos uma igual influencia : a evoluo dos germens, as methamorphoses dos insectos, a renovao dos envolucros te-gumentares de algumas aves e reptis, as migraes de certas espcies, o somno hybernal d'outras, a manifestao periodica dos instinctos gensi-cos, e outros variados phenomenos, que constituem assim uma das feies caractersticas da estao.

Provas no menos evidentes nos pde fornecer o estudo comparado dos climas. Cada paiz tem a sua flora e a sua fauna; desde os trpicos at s regies circapolares vo as manifestaes da vida successivamente diminuindo.

Certas espcies animaes e vegetaes dependem to estreitamente de de-terminadas condies atmosphericas, que succumbem ou degeneram nos climas em que essas condies lhes fallecem. contra esta poderosa in-fluencia que debalde luctam os acclimatadores das raas exticas ; pois que no fim de um pequeno numero de geraes, vem desvanecer-se n'essas raas os seus caracteres primitivos.

Independente das differenas de latitude, a elevao acima do nivel dos mares, a maior ou menor distancia das costas martimas, a proximi-dade de elevadas montanhas, a exposio do terreno, &c. &c. influem na constituio meteorolgica de uma localidade, e por ella modificam tam-bm as produces animaes e vegetaes, que lhe so proprias, e que cons-tituem a topographia botnica e zoolgica de cada regio.

Assim, por exemplo, n'uma d'essas grandes montanhas, cujo vrtice se eleva acima das regies das nuvens, poder observar-se uma tempera-

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tura sensivelmente decrescente, medida que mais nos aproximarmos das estaes elevadas ; e ao mesmo tempo vr-se-ha a vegetao mudando de aspecto e declinando com ella; na base, a vegetao tropical ; na encosta, a flora, menos luxuriante dos climas temperados ; no vrtice, a regio dos gelos perptuos.

Um ultimo facto me servir para demonstrar o poder da atmosphera, como modificador da vida nos animaes e nas plantas. Sabe-se que os tra-balhos dos meteorologistas modernos tem conseguido determinar no globo as linhas de egual temperatura media annual, isothermicas; de egual tem-peratura media estival, isothericas ; e de egual temperatura media hyber-nal, isochimenicas; ora, reconheceu-se que algumas d'essas curvas corres-pondiam exactamente aos limites das regies habitadas por certas esp-cies animaes e vegetaes; assim a curva, que limita ao norte as localidades onde se cultivam certas espcies de cereaes, taes como: o milho, a ceva-da, &c. &c. uma linha isotherica; Ritter notou coincidirem com as iso-chimenicas, as que demarcavam septentrionalmente as regies povoadas por certas famlias zoolgicas.

Mas passando por fim espcie humana, no a veremos menos subor-dinada a um to poderoso modificador.

As condies, de que depende a vida, so sempre tanto mais numero-sas, quanto mais o forem as manifestaes por que ella se revelar. As classes mais perfeitas so dependentes de suas inferiores, os organismos mais complicados prendem-se por mais numerosos e mais ntimos laos ao mundo externo. N'aquelles seres, em que toda a organisao uma massa homognea, e a nutrio sua nica funco, um certo grau de hu-midade e uma determinada temperatura, eis, -pde dizer-se, o necessrio para que vivam e se reproduzam aos milhares; mas com a multiplicao e centralisao das funces augmentam as exigncias da vida. Se ani-maes de sangue frio ainda por muito tempo vivem n'uni espao, mais ou menos completamente privado d'ar, as aves e os mammiferos caem, como fulminados, em circumstancias eguaes; se insectos, arachnides e at batra-chios softrem uma abstinncia completa de alimentos, durante um tempo considervel, o homem e os animaes superiores morrem no fim de poucos dias. Portanto, se a atmosphera, como temos visto, to poderosamente in-flue sobre a vida de todos os seres organisados, quanto no influir sobre

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o homem, o mais perfeito d'esses seres, aquelle cujas relaes com os cor-pos exteriores so mais estreitas e multplices 1

Nas proprias qualidades, que caracterisam e constituem a superiori-dade de sua organisao, se prende esta dependncia de tantas causas di-versas, das quaes elle parece ser s vezes o ludibrio (').

Comtudo tambm certo que a natureza dotou as classes superiores de uma maior aptido a conformarem-se com as circumstancias externas, a qual d'alguma maneira as torna verdadeiramente cosmopolitas.

Em quanto certas espcies inferiores se conservam perpetuamente cir-cumscriptas nos limites que a natureza lhes parece haver imposto, o ho-mem povoa toda a superfcie do globo, quasi desde os gelos do polo, at aos ardores da zona equatorial.

Porm essa sua mesma adaptao a todos os climas, longe de nol-o mostrar independente das circumstancias exteriores, , pelo contrario, a mais valiosa prova da maxima influencia d'ellas ; pois, como diz Cabanis (2), se a natureza humana susceptvel de se accommodar a todas as circum-stancias, porque todas a modificam rapidamente, e a apropriam s novas impresses que n'ella imprimem.

A organisao do homem, mais movei e flexvel que a de nenhum ou-, tro ser, modifica-se e amolda-se aos poderes, sob cuja influencia func-ciona.

O vrtice das mais elevadas montanhas habitado, como as mais pro-fundas concavidades dos valles ; porm as condies orgnicas de seus ha-bitantes no so idnticas, debaixo de to diversas impresses do exterior.

Um homem das plancies, rapidamente transportado s alturas dos Andes da America meridional, por exemplo, resentir-se-a consideravel-mente das novas condies, a que se achava sujeito ; bem como se baixasse profundidade das minas, onde, no obstante, vive uma populao in-teira de operrios.

porque a natureza, n'estes casos, no tivera tempo de regular as leis da vida pelas das circumstancias exteriores ; mas quando as novas impres-ses moderadamente se continuam, o poder regulador e, permitta-se-me sem responsabilidade servir-me d'uma expresso de Hippocrates, a natu-

(') Cabanis. Rapport du physique el du moral de l'homme. (2) Idem.

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reza conservadora, que preside s operaes da vida, modifica suas leis pelas novas influencias, e pouco a pouco se gera assim a tolerncia, que se diz aclimatao.

Sem o habito, essa, tantas vezes chamada, segunda natureza, que as mesmas impresses continuadas originam em ns, fora quasi incompre-hensivel a disperso da raa humana por todos os pontos do globo.

Mas o habito, predicado exclusivo dos corpos organisados, se tem sua razo de ser na fora sensitiva, realisa-se, modificando os actos orgnicos, e creando novas aptides; assim, vendo o homem supportai* a influencia dos mais diversos climas e diffrentes condies meteorolgicas, acredite-mos que n'elle se passam modificaes interiores, cujo conhecimento nos poder dar razo do phenomeno.

Pondo por em quanto de lado essas modificaes, que circumstancias d'esta natureza originam, e que n'um grau mais elevado nos explicam, como veremos, muitos factos da ordem pathologica, limitemo-nos, como at aqui, ao exame das mudanas mais apparentes, ao estudo dos pheno-menos que manifestamente se revelam observao menos minuciosa, e que, por assim dizer, denotam exteriormente mais profundas e radicaes modificaes.

Se a raa humana povoa todos os climas, em cada um d'elles nos offe-rece comtudo uma physionomia propria.

Differenas considerveis, escriptas em caracteres profundos na Colo-rao, nas formas, e em toda a apparencia geral, imprimem aos habitan-tes de cada regio climatrica um aspecto particular.

As raas e variedades humanas so numerosas, e para o naturalista, versado no estudo d'ellas, a nacionalidade de um individuo revela-se-lhe d'alguma maneira nos caracteres do semblante.

Essas differenas so to profundas, tal essa diversidade de confor-mao, que muitos pensam que estas raas, to distinctas, no podem porvir de um nico par, cujos caracteres primitivos se modificassem no correr dos sculos em seus descendentes, conforme as condies exterio-res, em que elles viveram. Estes, ao lado da raa, ou antes da espcie Adamica, collocam outras espcies distinctas, cujo numero procuram de-terminar por investigaes ethnologicas de mais de um gnero.

Este modo de pensar, sustentado por Bory de Saint-Vicent, que re-

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conhecia quinze espcies, Desmoulins, que admittia dezeseis, era moder-namente professado pelo j fallecido physiologista Berard (1), que no se atrevia comtudo a determinar o numero d'ellas; outros porm com Trevi-ranus, Cuvier, Buffon, Blumembach, Prichard, Cabanis e Briere de Bois-mont proclamam a unidade da espcie humana, attribuindo principal-mente ao clima a realisao do phenomeno.

No ser aventurar-me muito o dizer a questo ainda no resolvida, e para sempre talvez irresoluvel.

De parte a parte ha factos d'igual valor, d'uni e d'outro lado se alistam auctoridades, dignas para mim do mesmo respeito, e por nenhuma das duas theorias, emfim, absolutamente impossvel dar a explicao do acto.

Como ousarei pois decidir-me ? Talvez um pouco dominado pelas ideias, que n'este ponto as nossas

crenas, como as de todos os povos, me infundem, eu seja mais afeioado segunda, do que primeira d'estas opinies ; talvez seja isto que me no ha deixado vr nos argumentos apontados pelos partidrios d'esta toda a importncia, que elles lfles concedem; porm de qualquer maneira que seja, se alguns estudos ulteriores tem de esclarecer este ponto de anthro-pologia, de mais curiosidade talvez do que applicao, ser por certo a meteorologia, dil-o-hei de passagem, um dos que mais concorrer para esse resultado. Sirva-me um exemplo para justificar a assero.

Entre os argumentos allegados pelos contendores dos dois campos, a favor de suas ideias, encontram-se alguns to contradictories, que embara-am sobremaneira quem encarar a questo desapaixonadamente.

Assim P. Berard, no seu quinto argumento, um dos que lhe parece merecer mais importncia, menciona o facto de certos povos, habitando desde pocas verosimilmente anteriores aos tempos histricos ilhas situa-das sob a mesma latitude e na visinhana umas das outras, terem-se con-servado diffrentes de cr at aos nossos dias (2); Cabanis falia, pelo con-trario, de famlias portuguezas, vivendo desde o fim do sculo XV nas ilhas de Cabo-verde, hoje completamente confundidas no aspecto com os negros indgenas (3). A qual d'estes factos conceder maior valor?

(') Trait complet de Physiologie, T. 1. 5 Ob. cit.

(3) Rapport du physique et du moral de l'homme.

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Se o segundo, devido s narraes tantas vezes infleis dos viajantes, me deixa duvidas e suspeitas de que se attribuisse influencia das cir-cunstancias externas o que talvez fosse, em parte, o resultado do cruza-mento das raas; o primeiro no me satisfaz tambm completamente, porque as condies meteorolgicas e outras, capazes de operar um phe-nomeno d'esta natureza, no dependem s da latitude. Sabe-se que as condies thermometricas so j de per si s o resultado de um sem nu-mero de influencias, que do a razo da sinuosidade das curvas isother-micas, as quaes, d'outra maneira, descreveriam crculos parallelos ao equador. s vezes um pequeno territrio resume em si, debaixo d'est ponto de vista, climas diffrentes. A configurao geographica da Sibe-ria, por exemplo torna a temperatura d'est paiz, muitos graus inferior das regies da mesma latitude, separadas apenas d'ella por uma cadeia de montanhas (').

o conhecimento do clima hygienico, que convm ao medico, mais que o do geographico ; s aquelle que o poder elucidar em questes da natureza da que eu tenho referido; e para o obffer, negar-se-ha o valioso auxilio da meteorologia?

Mas quando mesmo se queira admittir que diffrentes espcies de ho-mens povoassem primitivamente o globo, inquestionvel que cada uma ha, ainda assim, recebido do clima, em que foi collocada, modificaes es-peciaes.

Os mesmos que admittem a multiplicidade da espcie humana, vem nas variedades de cada raa o resultado do cruzamento das espcies pri-mitivas, ou da sua modificao por diversas circumstancias exteriores. A tal respeito, diz o Snr. Faget (2): no aflirmamos que as raas dependam s d'estas influencias, mas sim que so mudadas ou modificadas por estas causas, bastante profundamente, para.com o tempo d'ahi resultarem va-riedades.

A cr local, para me servir d'uma expresso hoje vulgar, um facto de observao de todos e por todos attribuido a causas d'esta natureza. Esta cr local, esta physionomia propria das populaes revela-se mesmo

(M Babinet. La Sibrie et les climats du Nord. (2) Faget. Etudes sur les bases de la science mdicale.

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em pequenas differenas de latitude ; nas diffrentes provindas de um mes-mo reino, nas diffrentes divises de uma mesma provncia.

Este typo que, como quasi todas as disposies congnitas e adquiri-das, se trnsmitte por herana, teve primitivamente origem em circum-stancias climatricas, e acaba por se desvanecer completamente nos des-cendentes de familias que passaram para diffrentes climas.

Eu sei que no s no ar, no. calrico, na luz e electricidade, no que Hall chamou circumfusa, que se deve procurar a razo de tal phenome-no; as mais cousas no naturaes na linguagem da antiga hygiene, os in-gesta, applicata, gesta e percepta concorrem para isso; mas, por certo, uma das influencias mais poderosas se deve attribuir s primeiras, que to intimamente actuam sobre ns. Demais quasi sempre por ellas que as outras se modificam.

Assim a alimentao (ingesta) , na generalidade dos casos, determi-nada pelas produces do clima ; se o commercio'tem conseguido mistu-rar os productos de todos os paizes, em cada um d'elles, ainda assim, os gneros indgenas predominam sobre os outros, principalmente entre as classes pobres, que formam a maioria das populaes; outras vezes a ali-mentao escolhida propria a compensar por suas qualidades a aco do ambiente. Ahi se devem filiar as principaes differenas na alimentao particular aos povos do norte e aos das regies mais quentes.

Os applicata (vestidos &c. &c.) inquestionavelmente so determinados pelas constituies meteorolgicas, particulares a cada paiz, como o.so entre ns, em cada estao, pelas circumstancias atmosphericas proprias a cada uma d'ellas.

Emfim os gesta e percepta, os hbitos moraes, os sentimentos, os tra-balhos e occupaes particulares a cada povo, sua indole e sua industria, sero independentes d'ellas?

No o pensava Hippocrates, quando no Tratado dos Ares, das Aguas e dos Logares achava no clima da Azia a razo do espirito menos belli-coso dos povos d'aquellas regies ; no o pensava Montesquieu, explicando pela influencia dos climas as differenas das leis e costumes das naes disseminadas pela superficie do globo, nem io pouco Bodin e Montaigne, estudando -s modificaes que os climas extremos exercem nas inclina-es e nos usos dos povos. Os caracteres psychologicos das raas, diz

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Prichard, so como os caracteres physicos, susceptveis de mudanas sob a influencia de causas exteriores (1). Pondo de parte o que o espirito de systema pde ter introduzido de exclusivo n'esta questo, ella no me pa-rece de maneira alguma dever ser olhada com desprso ; quando mesmo eu s podsse allegar para isso as palavras de Arago, fallando de Kepler: les previsions d'un homme de gnie ne doivent jamais tre entirement d-daignes (2).

Quasi sempre, diz Humboldt, simples dados meteorolgicos deter-minaram em grandes extenses d'um mesmo continente, aqui, a vida agr-cola, acol, a vida nmada (3). assim que sobre as altas montanhas, onde as condies meteorolgicas s favorecem a vegetao de fecundos pastos, os homens, por necessidade, se fazem pastores^4). pois a atmos-phera de cada paiz que, directamente ou modificando a alimentao, os vestidos, os costumes, os pensamentos e as occupaes de seus habitantes, lhes imprime aquelle cunho caracterstico por onde, aos olhos do natura-lista, se denuncia a sua nacionalidade.

Olhei at aqui a questo debaixo do ponto de vista, sob o qual todo o observador a pde encarar. Vi a influencia da atmosphera revelada por caracteres apparentes na natureza inteira, nas plantas como nos animaes, n'estes como no homem ; agora pedirei physiologia a revelao das mo-dificaes mais profundas de que estas so as manifestaes exteriores.

(') Hist, naturelle de l'homme. Trad.de Rulin. (2) Arago (Fr.) uvres completes. M Humboldt. Cosmos, l . vol . Trad, de Le Faye. r) Cabanis. Ob. cit.

http://Trad.de

SEGUNDA PARTE.

Influencia pnysiologica da atmospliera e de unas variaes.

Em contacto immediato com a superfcie externa do corpo e com a a das cavidades que mais directamente com ella communicam, oaratmos-pherico, pelos continuados movimentos inspiratorios, levado at s ulti-mas ramificaes bronchicas e cellulas pulmonares, e, ahi principalmente, separado apenas do sangue pela tenuissima membrana d'essas cellulas e dos mais delicados capillares, estabelece com este fluido uma troca de princpios, cedendo-lhe oxignio, recebendo acido carbnico, e concor-rendo por essa forma a imprimir-lhe as propriedades reparadoras, pelas quaes elle prov conservao dos rgos.

ainda por seu intermdio que actuam sobre ns os modificadores ge-raes que na materia da hygiene se chamam circunfusa. Assim o cal-rico, a luz, a electricidade e o magnetismo, todas estas poderosas foras da natureza concorrem, cada uma d'ellas com sua parte, para a aco complexa da atmosphera que vimos manifestar-se por to profundos ca-racteres em todo o mundo organisado.

Numerosas so portanto as relaes physiologicas que a atmosphera mantm com o organismo. A primeira e a mais importante realisa-se na hematose, uma das trs principes funces em que se fundamenta a vida.

D'ella se pde dizer com Huxham : respiratio in qua quasi vita ipsa consista, ope aeris perficitur omnino (1), e sendo d'ella que em grande parte depende a boa ou m crase do sangue, achar-se-ho d'algum modo justificadas as palavras de Ramazzini, quando ha dois sculos escrevia : talis est sanguinis dispositio,' qualis est aer quem inspiramus (2).

2) J. Huxham. Observationes de aeri et raorbis epidemicis. Praef. 1764. (s) Dissert, sobre a constit. epidem. de Mdene em 1691, . 10."

Bastaria pois altender somente a esta funco, para se comprehender desde j quo poderosa deve ser a influencia da atmosphera sobre a vida, quo importantes suas alteraes na produco das molstias ; modifi-que-se a constituio do ar, diz o Snr. Foissac, a respirao e a calorifi-cao no existiro ; o principio animador do corpo ser ferido de inrcia, a circulao se suspender, extinguir-se-ha o sentimento i1).

Mas por outros processos ainda, alm dos da hematose, se ralisa sua aco modificadora. A atmosphera mantm connexes mais ou menos di-rectas com a nutrio, a enervao, a circulao, as secrees, os movi-mentos, &c. &c, e so estas que principalmente nos do razo dos pheno-menon pathologicos que.as variaes meteorolgicas originam. Examine-mos n'este capitulo o"s mais importantes effeitos pbysiologics d'essas va-riaes, e das de temperatura em primeiro lugar. O calrico um exci-tante por excellencia; faltando elle economia, uma languidez geral pros-tra os rgos e domina as funces. o que bem se pode observar nos indivduos de certas espcies animaes.

Resentindo-se poderosamente das variaes de temperatura ambiente, o movimento vital, logo que esta desce a um certo grau, afroixa n'esses in-divduos, ou acaba por se suspender completamente. Os alimentos intro-duzidos no estmago ahi permanecem por digerir, o sangue impellido por mais raras e mais froixas contraces cardacas quasi estaciona.nos va-sos, a respirao perde de frequncia e amplitude, e se a vida se no extin-gue, porque as mesmas condies que interrompem as funces compo-nentes, de igual forma influem nas decomponentes, assegurando assim o equilbrio orgnico necessrio s operaes vitaes. De novo, porm, re-gularisadas que sejam as funces pelo augmento de temperatura, os actos do organismo seguem o seu curso natural aps esta interrupo. Entre-tanto, para outros seres menos favorecidos, esta suspenso total e abso-luta, e a cada inverno se extingue uma gerao, confiando a germens, que os calores do estio desenvolvem, a perpetuao da espcie.

A natureza, comtudo, dotando outras classes com uma organisao mais perfeita, e por isso mesmo mais impressionavel, concedeu-lhes facul-dades que as podessem pr ao abrigo de to funestas influencias, e permit-

(') De la mtorologie dans ses rapports avec la science de l'homme, T. i., G. 4."

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tiu-lhes que, no meio de todas as circumstancias exteriores, alimentassem incessantemente a chamma vital', como o sagrado fogo de Vesta.

Para o conseguir estabelece uma temperatura constante no interior d'esses organismos privilegiados. Embora a columna mercurial percorra no thermometro os graus da escala ascendente, ou desa os da escala ne- \ gativa em quanto essas variaes no forem extremas, um mesmo grau de calor presidir aos movimentos orgnicos, e conservar, independente da temperatura atmospherica, sua no interrompida manifestao.

Este phenomeno de observao geral parece mostrar-nos que esses se-res esto mais que os outros fora do domnio das circumstancias exterio-res e so indiffrentes s suas modificaes ; uma tal independncia to-davia illusoria.

A vida no isenta os corpos, que anima, do influxo das potencias exter-nas; as leis da physica, invariveis e inflexveis, estendem o seu domnio a toda a natureza; por suas leis physiologicas o animal poder, quando muito, contrabalanar quellas, mas no excluil-as ; se pois o virmos re-velar uma excepo apparente a essas leis e ao contrario dos corpos iner-tes manter uma temperatura constante e diversa da temperatura exterior, no julguemos que as tendncias geraes do calrico para o equilbrio o respeitam entre todos os seres do mundo material, mas sim que n'elle se devem succder phenomenos que compensem os effeitos inevitveis d'aquella lei universal, ou neutralisem a sua aco.

Para luctar contra o abaixamento de temperatura, a natureza activa n'esses organismos as origens calorficas, das quaes, em mais alto grau, elles so dotados; assim como para evitar os excessos d'ella, egualmente perniciosos, cria, se assim me posso exprimir, verdadeiras origens de frio.

Portanto essa apparente indifferena antes o resultado das mais inti-mas modificaes no funccionar dos rgos.

E quaes so essas modificaes, essas mudanas interiores d'est modo desafiadas pelas circumstancias externas?

Aqui, a concordncia em reconhecer o facto cede logar divergncia no pretender explical-o. Cada escola o affeia a suas ideias, e todas, es-clarecendo um lado da questo, se a no resolvem completamente, con-correm com suas luzes para a elucidarem. Interrogou-se a physica sobre

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as origens do calrico, e a cada uma de suas respostas se prendeu uma theoria.

Alm das duas origens naturaes e constantes de calor, o sol e o foco central do globo, a sciencia reconhece aces mecnicas, physicas e chi-micas, como podendo desenvolvel-o ; entre as primeiras figura o attrito, a compresso e a percusso; nas segundas, mudanas de estado, absor-pes e phenomenos elctricos; nas terceiras, combinaes, e em particu-lar as combustes.

A physiologia a todas recorreu para a resoluo do problema, e no contente com isso, invocou tambm a especial influencia nervosa. No me compete entrar aqui no exame de cada uma d'essas theorias, mas pa-rece-me poder com alguns physiologislas vr antes no phenomeno o resul-tado de causas variadas, o effeito d'um mecanismo complexo.

A calorificao no rigorosamente uma funco, mas a consequncia de todas; no se localisa n'um apparelho, um resultado geral do orga-nismo ('). Este phenomeno est essencialmenteligado s operaes chi-micas e moleculares da respirao, da nutrio e da metamorphose org-nica em geral, e tambm o systema nervoso no estranho sua produc-o so palavras do professor Berard (2).

Assim, pois, se todas estas aces conspiram para a desenvoluo de temperatura animal, quando a economia tiver necessidade de uma maior somma'de calor, a todas recorrer para o obter.

o que effectivamente succde. Com um dado abaixamento da temperatura atmospherica o pheno-

meno essencial da nutrio activa-se, a materia orgnica consome-se com mais energia, a assimilao cresce proporcionalmente, a circulao, afroi-xada na superficie, exagera-se nos tecidos profundos: h uma verdadeira plethora interior. Para prover a esta maior actividade nutritiva devem os elementos do conflicto orgnico, os combustveis e os comburentes, entrar em maior proporo na economia, e effectivamente a absorpo do oxig-nio 'maior ento pela superfcie pulmonar e a hematose mais abundante; em quanto que de seu lado a digesto introduz na torrente circulatria em

(') Berand. et Robin. Physiologie, 1. vol. (2) Berard. Loc. cit.

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maior quantidade os materiaes reparadores; a sensao interior, que a re-gula e subordina, reproduz-se mais vezes em taes casos, e de preferencia se appetecem os alimentos mais plsticos e reconstituintes. Isto pelo lado das funces affrentes ; pelo das efferentes no menores influencias se po-dem reconhecer. Em geral o papel physiologico das mucosas pode di-zer-se activado; a secreo urinaria, nasal e bronchial, complementares de outras que por uma consequncia physica se acham supprimidas, so augmentadas ; bem assim o sueco gstrico, cuja secreo, em harmonia com as necessidades digestivas, se exagera tambm ; diminuem pelo con-trario a secreo heptica e as evacuaes alvinas.

N'uma palavra, o frio exterior entibiar as manifestaes da vida nas partes periphericas que, mais em contacto com a atmosphera, mais longe dos focos interiores de temperatura e de si dotados de um menor movi-mento molecular, observam nos phenomenos da distribuio de calor quasi as mesmas leis dos corpos inorgnicos ; por isso a pelle constrin-ge-se notavelmente, a transpirao cutanea quasi completamente sup-primida, a circulao se enfraquece ahi, e o sangue, expellido dos capil-lares contrahidos, procura n'um movimento centrpeto os rgos vis-ceraes.

Nos rgos interiores, porm, manifestam-se phenomenos de natureza contraria, e o frio, quando no excessivo, exerce n'elles uma verdadeira aco tnica.

Os actos nutritivos, exaltados por elle, elevam o tom dos tecidos, in-citam a energia muscular e permittem mais fceis e vigorosos movimen-tos, que por sua vez concorrem para supraexcitar aquelles.

E no obstante tudo isto, o frio, ou melhor a falta de calrico, ge-ralmente considerado como um hyposthenisante por excellencia.

O calrico subtrahido ou o frio, dizem os Snrs. Trousseau ePidoux, o typo dos sedantes. Oppe-se s manifestaes da actividade vital, en-cadeia e deprime os phenomenos de reaco da maneira mais sim-ples e mais directa, sem chegar a esse resultado por operaes interm-dias &c. &c. (1).

Qual , pois, a influencia que assim regula aquelles phenomenos syner-

{') Trait de Therapeut. et Mat. Medic, vol. 2., Cap. 13.

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gicos, pelos quaes a economia reage contra uma causa, cujos effeitos dire-ctos so evidentemente depressivos?

Deixemos responder os auctores citados. Para explicar um facto to importante, dizem elles, absolutamente

necessrio invocar a espontaneidade vital ('). Em virtude das leis immutaveis do instincto vital conservador, o

organismo oppe sempre ao frio exterior uma excitao espontnea (2). Se, portanto, o frio desperta esse profundo trabalho orgnico que con-

trabalana seus effeitos directos, pela reaco propria da fora intima ou nervosa, que regula as operaes da vida.

pois necessrio que esta fora se mantenha natural, que se no haja resentido da influencia d'elle a ponto de perder toda a sua espontaneida-de, porque n'esse caso no reage, e observam-se effeitos exactamente con-trrios aos que acima descrevemos ; ento os phenomenos produzidos so todos passivos e no o resultado da actividade vital.

o que se pode notar nos abaixamentos extremos da temperatura. A tolerncia ao frio, que vimos offerecerem os animaes superiores, no

absoluta mesmo no homem ; a sua aco depressiva patenteia-se de cer-tos graus thermometricos para baixo, e ento o frio actuando primeiro sobre a-manifestao inicial de todo o acto animal, a impressionabilidade, torna esta menos susceptvel aco dos estmulos, acabando por embo-tal-a e extinguil-a completamente.

Em seguida impressionabilidade, e por meio d'ella, actua sobre a contractilidade, cujos instrumentos mergulha no torpor e na inrcia, vin-do ento necessariamente a enfraquecer e impedir a caloricidade, e a sus-pender os phenomenos da affinidade vital ou da plasticidade pela conge-lao (3).

N'uma palavra produzem-se ento phenomenos anlogos aos que, em certas classes menos perfeitas, se observam aos menores abaixamentos.

Este limite inferior de temperatura supportavel pelo homem varia com muitas circumstancias, taes como: os temperamentos, as idades, as idio-syncrasias, e todas as condies individuaes; Ross e Parry chegaram a

(') Trail de Therapeut. et Mat. Medic, vol. 2., Gap. 13. P) Idem. P) Idem.

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experimentar em suas viagens temperaturas de 42 e47. Em geral a economia supporta extremos abaixamentos de temperatura, gradualmente conduzidos, em quanto que se resente desvantajosamente de pequenas variaes quando se succedem rpidas; escusado accrescentar que uma alimentao apropriada, vestidos isoladores, movimentos enrgicos modi-ficam este resultado. (

Assim duas ordens de influencias pde, pois, exercer o frio na econo-mia ; quando em certos limites, imprimindo s funces uma actividade geral, excessivo, produzindo effeitos hyposthenisantes bem caracterisa-dos; d'ahi o pouco desenvolvimento physico dos habitantes dos climas frigidos, taes como: os Lapes, os Groenlandezes &c. &c, e a maior ener-gia vital d'aquelles que, em climas mais temperados, se acham cojntudo egualmente longe das excessivas temperaturas da zona intertropical, do mesmo modo imprprias, no dizer de Yirey (x), ao desenvolvimento phy-sico da espcie humana.

Alm das modificaes que tenho mencionado, outras so ainda im-pressas economia pela influencia do frio. A sensibilidade tactil recebe d'elle uma impresso bem especial, estimulante, quando moderado, e d'ahi, por aco reflexa, fazem alguns, com Georget, provir os effeitos t-nicos geraes que descrevi; torpente e anesthesico, quando excessivo. Quanto s funces de reproduco podem dizer-se reprimidas pela au-sncia de calor ; assim nos climas frios assoma mais tardia a puberdade, e os excessos venreos so menos frequentes ; pelo contrario em certos limi-tes o .frio augmenta a aptido para o trabalho e favorece a concentrao do espirito, parecendo, alm d'isso, subjugar a violncia das paixes, os ardores da imaginao &c. &c.

Taes so pois as principaes mudanas que um ar frio e scco exerce na economia; concorrendo assim nos nossos climas, onde raras vezes che-ga a ser excessivo, a imprimir ao organismo uma vida vegetativa mais enrgica, e a favorecer a manifestao dos temperamentos sanguneos.

Mas, como antes" j fica dito, a resistncia ao calor um outro facto vital que se ralisa tambm por determinadas modificaes dos actos or-gnicos.

(') Virey. Hist. nat. de l'homme, T. 2.

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Se a economia, nos casos que acabei de considerar, activou suas ori-gens naturaes de calor, por aquella mesma espontaneidade, a que j allu-di, diminuir a intensidade d'essas origens, quando as condies thermo-metricas exteriores se exagerarem. Assim uma particular remisso de to-dos os actos vegetativos, de que a caloricidade especialmente depende, ser uma das consequncias vitaes resultantes da impresso da tempera-tura ambiente, quando superior do organismo.

O sangue recebe ento, pela maier rarefaco do ar, menos principios arterialisadores, a hematose afroixa, e os pulmes mesmo, quando esta in-fluencia se faz sentir por muito tempo, como que se retraem, funccionam menos activamente, e tornam-se menos vivos (l). As digestes so mais lentas e laboriosas, menos vezes se reconhece a necessidade de alimentos, como taes preferem-se as substancias menos nutrientes, mais abundantes em lquidos, a alimentao vegetal, augmenta a sde e a ingesto de be-bidas, os tecidos dilatam-se, diminue a tonicidade, o sangue deixa de se ' accumular nos rgos profundos e dirige-se para a peripheria, a nutrio, emfim, entibiada e tem-se mesmo reconhecido que no estio o peso do corpo diminue consideravelmente.

A aco muscular languece, evitam-se os trabalhos do corpo como os do espirito ; indolentes e extenuados facilmente somos n'estas circumstan-cias dominados pelo somno, mesmo durante o dia. Com esta languidez dos principaes actos orgnicos e prostrao da fora muscular contrasta-a vivacidade de algumas sensaes, que parecem esgotar ainda mais a en-nervao, e indirectamente concorrerem para a debilitao da economia. N'este mesmo contraste que, segundo Cabanis (2), consiste o cunho principal que a organisao recebe d'estas influencias.

Quando pois o organismo est por muito tempo sujeito a uma tem-peratura atmospherica superior que naturalmente possue, de 37, a aco pyretogcnesica, segundo a expresso dos Snrs. Trousseau e Pidoux, espontaneamente deprimida ; facto que, por outro lado, as experincias de Edwards deixam fora de toda a dvida ; alm d'isso a natureza dispe ento de verdadeiras potencias frigorificas, que lhe permittem compensar os effeitos que do excesso de temperatura exterior poderiam provir.

{') Ch. Londe. Nouv. elem. d'Hygicne, 3." edic. (2) Ob.cit.

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Ao contrario do que acontece durante o frio, parece que n'estas circunstancias a vida, longe de se concentrar, se expande,,sendo na peripheria aonde ento se nota toda a exagerao da aco orgnica. As funces da pelle activamse ; ora este rgo naturalmente a sde de dois importantes phenomenos, que n'este caso se tornam em outras tantas vias de refrigerao. O primeiro, consequncia da porosidade dos corpos organisados, e um phenomeno puramente physico independente de toda a participao de vida, a transpirao por evaporao ; o outro, a transpirao por suor ou transsudao, uma verdadeira secreo, e como tal subordinada ao facto inicial e desconhecido de toda a manifestao orgnica. .

Um e outro d'estes phenomenos so excitados; o primeiro, pela influencia do calrico nas leis de vaporisao ; o segundo, pela estimulao directa que d'elle recebe o rgo cutneo. O suor que d'esta excitao resulta por sua vez evaporado, e assim se pode conceber a quantidade de calrico roubado por taes processos economia. Accresce a transpirao pulmonar que, egualmente exagerada, actua como meio refrigerador.

Em quanto s funces complementares da secreo cutanea, e a secreo renal especialmente, so diminuidas. A funco heptica, talvez pelo antagonismo que parece manter com a endosmose pulmonar, manifestase ento com mais intensidade.

Estas so as principaes modificaes que recebe o organismo da aco continuada de uma alta temperatura. Vse que, em taes circumstancias, se exageram as perdas orgnicas, em quanto que se recebem menos elementos de reparao que as compensem. Uma tal ou qual asthenia a consequncia necessria.

Mas o calrico um excitante geral, e na linguagem de Recamier, o estimulante radical da vida; se, portanto, virmos sob sua influencia afroixar a energia do processo orgnico, recorramos ainda, para a explicao do facto, espontaneidade vital; attribuamolo a uma sedao espontnea, assim como consideramos effeito de uma excitao espontnea a actividade consecutiva privao d'est agente ; actos mysteriosos da economia que no podem ter sua ultima explicao, seno em sua propria finalidade (1). Ora como para que a natureza disponha de suas foras de

(') Trousseau et Pidoux. Ob. cit.

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reaco, necessrio que as impresses que as desafiam procedam com gradao, e no sejam extremas, no para admirar o ver muitas vezes suc-cdrent phenomenos oppostos aos mencionados, e uma excitao geral acompanhar uma rpida elevao de temperatura ambiente ; vr manifes-tasse mesmo um estado plethorico icticio.

No Tratado do Methodo Fumigatorio do Snr. Rapou encontram-se bem descriptos estes effeitos, que alis se experimentam tambm nas s-bitas mudanas de tempo.

Aps as variaes de temperatura, naturalmente se offerecem ao meu exame as variaes de presso, que de ordinrio as acompanham, e ambas as quaes mutuamente se modificam. De facto, quanto mais aquecido, mais rarefeito se tornar o ar, e tanto mais diminuir o peso da columna atmos-pherica, supportada pela superfcie do corpo. Por isso entre as indica-es do barmetro e do thermometro existe quasi sempre uma certa cor-relao, quando um baixar, o outro subir; varias circumstancias, po-rm, em parte averiguadas, em parte ainda por determinar podem des-truir esta correspondncia entre os dois instrumentos; conviria, pois, que separadamente se tentasse descriminar estes dois elementos do pro-blema complexo das influencias meteorolgicas.

A presso atmosphcrica entra como um importante factor em muitos phenomenos da economia, no ella menos indispensvel para a conser-vao da vida, do que o prprio oxignio , pensa o Snr. Foissac (1).

Por ella se regula a fora expansiva e a tenso dos gazes da economia ; a entrada ou a precipitao do ar nos pulmes, a cada movimento inspira-trio uma consequncia d'essa presso ; os phenomenos de endosmose gazosa, que se passam no interior d'aquelles rgos, esto soba sua de-pendncia ; as absorpes superficiaes so favorecidas por ellas, reprimi-das as exhalaes; a circulao capillar e sobretudo a venosa, so-lhe de egual modo submettidas ; segundo as experincias de Weber, ella con-corre para manter o contacto das superfcies articulares ; Guerin fal-a in-tervir no mecanismo das exhalaes proprias s membranas serosas &c. &c. Em uma to estreita ligao com os principaes phenomenos da economia, suas variaes no podem deixar de influir sobre elles profundamente.

(') Ob. cit.

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Estuda-se a successo d'estes effeitos em animaes collocados sob o re-cipiente da machina pneumtica ; observou-os Gay-Lussac e outros expe-rimentadores em suas ascenses aereostaticas ; notaram-nos numerosos via-jantes, e em particular de Saussure, sobre o vrtice das mais elevadas montanhas. Logo que se opra um extremo e rpido abaixamento de presso atmospherica, a anciedade da respirao, a accelerao do pulso, a seccura da pelle e da garganta, a sede, o cansao, s vezes mesmo o somno, &c. so a consequncia immediata. O quadro d'estes phenomenos varia, como de prever, com as idiosyncrasias, temperamentos, &c. ; nas ascenses a altas montanhas tem-se visto alguns observadores no senti-rem o menor incommodo, outros soffrerem na maior intensidade o que Da Costa pela primeira vez chamou mal das montanhas (l).

Aos augmentes excessivos de presso, cujos effeitos nocivos foram sem duvida exagerados por Jaeger, sem que por isso sejam imaginrios, cor-respondem modificaes contrarias a estas, e das quaes os operrios mer-gulhadores e os mineiros, ou os que j se tenham sujeitado influencia dos apparelhos de ar comprimido dos Snrs. Junod e Tabarie, nos pode-riam fornecer exemplos.

Mas, quem d'estes extremos limites sero sem influencia as oscilla-es barometricas? acaso no se resentir o organismo das incessantes va-riaes que correspondem a certas horas do dia, a certas pocas do anno, ou das que sobrevem accidentalmente? Negam-no alguns, a exemplo de Richerand (2), outros com Pelletan o acreditam. Para este auctor as menores variedades que sobrevem no grau de presso atmospherica mo-dificam todas as funcesde uma maneira sensivel (3).

Parece-me tambm inquestionvel que as variaes de presso e den-sidade atmospherica devem exercer na economia particulares mudanas, mais ou menos apparentes, conforme a maior ou menor intensidade d'es-sas variaes. Quando condensado, o ar cede aos pulmes em maior quan-tidade o agente da sanguificao, e tende a imprimir aos lquidos do orga-nismo um movimento centrpeto, a impedir a expanso dos seus fluidos gazosos, a diminuir as perdas de exhalao, a augmentar as absorpes

(') Foissac. Ob. cit. (2) Nouv. elem. de Physiol., T. 2." (3) Trait de Physique, T. 1.

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e, emim, a facilitar os movimentos por aquelle principio, que quanto mais denso fr um fluido, tanto mais perder do seu peso um corpo n'elle mergulhado. Em concluso, o ar condensado mais vivificador, imprime mais tom aos rgos, d mais vigor s funces, e produz um bem-estar de que se resentem as sensaes e as faculdades intellectuaes.

Um ar rarefeito, pelo contrario, chama os fluidos superficie, relaxa as fibras,.enfraquece o acto nutritivo, augmenta as exhalaes, difficulta os movimentos e acompanhado d'uma temperatura elevada, rene sua ac-o d'esta para extenuar as foras e deprimir a actividade dos rgos.

A presso ordinria a que nos achamos expostos, conforme os logares que habitamos, em nada concorrer para modificar as funces?

Porque a quatro mil metros acima do nivel do mar existem e flores-cem considerveis populaes, acreditaremos por isso que a organisao d'esses habitantes no haja de suas particulares condies barometricas resentido influencias especiaes?

Por certo que no ; e se as rpidas mudanas de presso exercem em ns modificaes taes que podem tornar-se causas determinantes de doen-as, mudanas lentas, estados persistentes originaro modos de ser pecu-liares do organismo, que se aproximam s vezes de verdadeiras predis-posies mrbidas. O mesmo direi das populaes que vivem continua-mente sob uma grande presso.

As indicaes do barmetro devem pois merecer as attenes do phy-siologists.

Uma outra circumstancia que exerce uma aco importante sobre a economia, o estado hygrometrico da atmosphera.

Este varia com um sem numero de causas que no vem para aqui mencionar.

Para comprehender as modificaes physiologicas resultantes d'sta condio atmospherica, basta que se attenda a que no estado de saturao do ar, qualquer que seja a temperatura, toda a evaporao aquosa im-possvel, e sempre tanto mais dificil, quanto mais proximo elle estiver d'esse grau de hygrometricidade ; que se attenda tambm que um ar im-pregnado de vapores aquosos melhor conductor de calrico, do que um ar scco que ao mesmo tempo dotado de um menor peso especifico. Que resultar d'aqui para a economia? Effeitos diversos conforme as condies

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de temperatura concomitantes. Coincidindo o estado de humidade com uma temperatura elevada, esta mais facilmente se transmittir ao corpo, pela maior conductibilidade do meio; por outro lado, contendo n'um rpesmo volume uma menor quantidade de oxignio, o ar quente e hmido de todos o que cede ao sangue menos principios renovadores, e que mais concorre a deprimir os actos orgnicos ; a evaporao cutanea e a pulmo-nar ou enfraquecem, ou se interrompem completamente; a secreo do suor exager-se, mas este corre - superfcie do corpo sem se vaporisar ; faltam pois economia todas as vias de refrigerao; a absorpo pulmo-nar e a cutanea introduzem no organismo em maior proporo elementos aquosos; os movimentos so mais difficeis, porque a densidade atmosphe-rica menor; emfim, do conjuncto d'estas circumstancias resulta uma debilitao e relaxao considervel, e quando prolongadas ellas favore-cem a manifestao tios temperamentos lymphaticos.

Acompanhando o frio, a humidade augmenta a perda de calrico na-tural pelo contacto. Em razo da maior proporo de elementos aquosos e diminuio de oxignio que introduz na economia, o ar frio e hmido afroixa o tom dos tecidos, deprime toda a aco orgnica e difficulty os movimentos de reaco, impedindo a manifestao dos effeilos tnicos que succedem a um frio scco no exagerado. Pelo seu menor peso especifico e densidade, menos favorvel aco muscular,- pois que pelo principio de Archimedes augmenta o peso das partes a mover. N'estas circumstancias que as exhalaes cutneas so quasi absolutamente supprimidas, e que tanto mais activas se tornam as secrees das mucosas e a urinao. A sen-sibilidade tactil tambm mais afectada. Pde dizer-se que o frio hmido debilita e contribue a originar aquellas compleies to frteis em lquidos brancos, que, segundo alguns, caracterisam os habitantes da Hollanda (1).

Uma extrema seccura da atmosphera produzir efeitos oppostos, sendo um dos mais importantes a actividade das evaporaes, e como conse-quncia a aridez da pelle e das mucosas, mais directamente em contacto com o ar.

Produzidos por desequilbrios de densidade na atmosphera, os ventos exercem tambm importantes efeitos no organismo.

(') Monlau. Hyg. privada.

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D'uma maneira geral pode dizer-se (jue as agitaes d ar tendem a exercer na economia uma aco refrigeradora, j roubando directamente o calrico pela renovao incessante das partes em contacto, j activando as evaporaes por um processo anlogo. Assim o frio far-se-ha sentir mais activamente n'um ar agitado e pelo contrario esta qualidade corri-gir os effeitos de uma alta temperatura.

Mas como estas correntes do oceano areo partem de pontos distantes da superfcie do globo e s chegam at ns, depois de atravessarem vasts-simas extenses continentaes ou martimas, suas qualidades e por conse-guinte seu modo de aco sobre os rgos no sero sempre as mesmas. Transportando, por assim dizer, a paizes longnquos a atmosphera dos logares onde tiveram origem com todos os seus elementos meteorolgicos, o.u modificando-se no trajecto, segundo as condies geographicas das re-gies percorridas, umas vezes os ventos sero frios e sccos,' outras frios e hmidos, outras sccos e quentes, e, enifim, quentes e hmidos, e d'estas e Qtitras semelhantes qualidades que depender a sua aco physiologica.

A elles demais se deve attribuir quasi sempre essas sbitas mudanas de tempo, que tanto merecem fixar a atteno dos prticos. Adiante terei occasio de insistir sobre esta importante materia.

Na questo das influencias meteorolgicas a luz solar deve ser tambm attendida como um importante modificador. . -

Lavoisier chamava a este agente a origem de toda a organisao do sentimentoe do movimento (*); Humboldt a principal condio de toda a vitalidade orgnica (2). De facto, sabe-se que immensa influencia elle exerce na vida das plantas, como, longe de seus raios vivificadores, estas perdem sua fora assimilatriz, e pendem estioladas ; sabe-se, pelas expe-rincias de Edwards, que a luz no indiffrente para o desenvolvimento or-gnico de certas espcies animaes ; mas pde-se julgal-a d'um egual poder sobre os phenomenos da vida nas classes superiores? Sem mesmo recor-rer ao rgo da viso de que ella o estimulo natural, pondo de parte esta frtil origem de conhecimentos e dos mais variados gosos, parece-me in-questionvel que o organismo inteiro recebe a influencia d'est agente e por elle excitado, qualquer que seja o ponto de partida d'esta excitao : a

(') Trat. Elem. de Chimie. (!) Cosmos, T. l.o .

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retina ou a pelle, os nervos de sensibilidade geral, ou os nervos pticos. Indivduos, por muito tempo privados d'est modificador, empallidecem e debilitam-se, mesmo quando no meio dag mais favorveis condies de temperatura e alimentao. A pelle profundamente modificada em sua colorao, e talvez estructura pela" intensidade da luz, e se no est aqui a razo nica das variantes de cr nas diversas raas, nem por isso se lhe deve negar uma parte importante na produco do phenomeno. Ce-dendo necessidade de repouso durante os momentos da ausncia da luz, no obedeceremos mais a uma lei physiologica do que a um simples im-pulso do habito? Emfim, nas proprias disposies do espirito se notam as manifestaes d'est agente; qualquer o pode saber por experincia pro-pria. Na atmosphera de tristeza dos habitantes da Gr-Bretanha encon-tra o Snr. Foissac a explicao do seu tradicional spleen; no eco inundado de luz dos Meridionaes a da petulncia e vivacidade d'estes (').

Assim a maior ou menor intensidade de luz solar to dependente das condies da atmosphera modifica a seu modo as disposies individuaes.

Se ha por em quanto exagerao em arvorar a electricidade em prin-cipio essencial da vida, no a haver por certo em proclamal-a desde j como um dos seus mais poderosos modificadores. As recentes experin-cias da physiologia, os resultados da moderna therapeutica assim o pro-vam. Este agente deve ser pois um dos laos mais fortes que prendem a nossa organisao atmosphera, a qual constantemente atravessada por correntes de um to mysterioso fluido.

A tenso elctrica da atmosphera varia com muitas circumstancias ; no a mesma em todas as horas do dia, em todas as estaes do anno, e em todos os climas.

Muitos meteorologistas, e entre elles Kaemtz, conseguiram descobrir algumas das leis que regem estas variaes. Qual a influencia que d'ellas recebe a economia animal? este um ponto ainda obscuro, e com quanto se no possa duvidar da aco d'est grande modificador, ainda no pos-svel bem discriminar no meio de tantas potencias que da atmosphera actuam sobre ns, o que especialmente lhe devido. Notando porm a impresso particular que resentem certos indivduos na aproximao das

(') Ob. cit., T. I. pag. 109.

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tempestades, estado passageiro que se desvanece s primeiras detonaes, attendendo a essa excitao nervosa, e tal ou qual oppresso que os accom-mette, phenomenos que por menos apparentes que os effeitos de uma ful-minao, nem por isso so menos reaes; no hesitarei em vr na electri-cidade atmospherica um poderoso excitante da enervao. Os phenome-nos que ella desperta dependem das susceptibilidades individuaes ; depen-dero tambm da natureza do fluido que predomina? Pensam alguns au-ctores, e o Snr. M. Levy d'est numero ('), que se a tenso elctrica vitrea, excita as funces, se resinosa, as abate e deprime. Irei agora com Turley explicar pela influencia da electricidade, que mais considervel nas estaes e climas frios, a maior energia funccional da economia n'essas circumstancias em opposio atonia e indolncia que em condies con-trarias ella resente? J disse quo difficil era por em quanto a soluo d'estes e outros semelhantes problemas.

Que direi emfim da influencia do magnetismo terrestre? acaso o sys-tems nervoso, o,mais delicado,dos instrumentos, ser insensvel a este maravilhoso agente? responderei com Foissac seria temerrio e vo na ausncia de todas as observaes e provas, j no digo resolver, mas ape-nas tentar examinar estas questes (2).

O ozono , para alguns auctores, um estimulante especial das vias res-piratrias e um desinfectante da atmosphera; sua aco physiologica para ser mais devidamente apreciada, carece ainda de estudos e observaes ulteriores.

Do pouco que tenho exposto se v j que em cada estao, em cada clima, em cada constituio atmospherica o homem no physiologica-mente o mesmo e que estas diversas circumstancias fazem variar n'elle o modo de reagir contra uma impresso qualquer. Isto me habilita a entrar no capitulo seguinte, onde tentarei mostrar como o estudo das mudanas e estados atmosphericos podem elucidar as investigaes etiolgicas, j apontando as causas determinantes d'um estado mrbido dependente de predisposies anteriores, j as causas d'essas predisposies, j emfim as que favorecem o desenvolvimento d'outras potencias morbificas.

(') Trail d'Hygine publiq. et priy. (2) Ob. cit., T. I. pag. 315. *

TERCEIRA PARTE.

Influencia pathogenica la atmosphera c de na.s variaes.

Todo o phenomeno mrbido o resultado de duas influencias, a do agente morbifico, e a da susceptibilidade individual.

esta uma verdade que domina a pathologia inteira. Se as doenas, como quer Boucbt, so impresses transformadas,

pode dizer-se que a impresso participa da natureza do agente nocivo, a transformao ou a reaco, da do individuo affectado.

De uma parte as causas determinantes, da outra as predisposies; eis os dois' termos de todo o problema etiolgico ; acbados elles teremos apreciado melhor a individualidade mrbida, habilitando-nos d'esta forma para assentar mais solidamente as bases da therapeutica.

Todas as noes tendentes a facilitar-nos este duplo conhecimento so pois de um alcance pratico indubitvel ; e as que a meteorologia for-nece esto n'este caso.

As condies atmosphericas persistentes modificam lentamente as dis-posies orgnicas, e geram e explicam-nos grande parte das predisposi-es mrbidas; as rpidas vicissitudes que lhes succedem vem exercer a impresso que determina a exploso do mal. Por isso Hippocrates dizia : jyjorbi pressentes prterita temporum conditione fluunt, accipiunt vero etiam differentiam conditione pressentis, quare utriusque opportet habere rationem.

Para se comprehender a influencia pathogenica das diversas qualida-des da atmosphera, basta recordar-nos de seus efeitos physiologicos ; na exagerao d'estes se encontra, pde dizer-se, a razo sufficiente d'aquella, e assim das noes expostas no capitulo antecedente podemos pelo rcio-

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cinio elevar-nos at ao conhecimento dos factos etiolgicos sanccionados pela observao.

O ar frio e scco, como disse ento, actua sobre o organismo, provo-cando uma estimulao geral e indirecta, sob a sua influencia o sangue accumula-se nos capillares profundos, e executam-se com mais actividade todos os actos chimico-vitaes da economia &c. &c. Estes efteitos, que mais parecem constituir um excesso de vida do que uma desordem d'ella, podem, quando continuados por muito tempo, ou dadas certas condies individuaes, despertar verdadeiros padecimentos. n'estas circumstan-cias que so frequentes as congestes, as hemorrhagias activas e visceraes, e principalmente as pulmonares, a constrico dos vasos superflciaes, e a espcie de rapto sanguneo ou molimen hemorrhagico que para ahi se pra. Demais o trabalho nutritivo, exagerado ento, torna o sangue mais

. \fico em princpios reparadores, e por isso mais favoravelmente disposto para o desenvolvimento das phlegmasias, cuja manifestao hematolgica consiste, como se sabe, no augmento das propores de fibrina. Febres arigiothcnicas, anginas, bronchites, pleuresias e suas consequncias, con-junctiyites, pneumonias &c.&e. reinam ento de preferencia, e fazem-se com especialidade as localisaes mrbidas nas mucosas respiratrias, cuja

aco physiologica, pelo que se viu no capitulo antecedente, adquire maior intensidade.

Se o frio fr extremo, as consequncias mrbidas sero diffrentes e oppostas. Os efteitos hyposthenisantes da subtraco do calrico manifes-tam-se ento claramente, e a inaco, o torpor, o lethargo, as congelaes e as gangrenas so os phenomenos precursores de uma morte inevitvel, do que nos fornecem importantes exemplos as interessantes memorias do celebre Larrey (J).

O calor excessivo uma outra causa poderosa de doenas, das quaes a physiologia nos pode ainda explicar a produco.

Uma elevao rpida de temperatura produz uma excitao geral, exalta a aco das partes periphericas, chama para ahi a affluencia dos li-

, quidos, e determina assim epistaxis e outras hemorrhagias exteriores, con-gestes e hemorrhagias cerebraes, cephalalgias, erupo de certos exan-

i (') Mmoires de Chirurg. Milit. et Campagnes, T. 3."

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themas, palpitaes &c. &c, se por muito tempo continuada seus effeitos diversificam; as digestes mais difficeis, a alimentao menos reparadora, a languidez e inaco geral, a exagerao das funces hepticas, a dimi-nuio da actividade nutritiva e os hbitos que estas circumstancias ori-ginam, tudo favorece ento o desenvolvimento de molstias gastro-hepa-ticas.e intestinaes, taes como: gastrites, dysenterias, hepatites, ictericias, de febres gstricas e typhoides e varias molstias nervosas e adynamicas.

O estado hygrometrico modifica, como se disse, a aco da tempera-tura, e cria disposies mrbidas no menos caractersticas.

Fria e hmida, a atmosphera desenvolve principalmente as inflamma-es catarrhaes; as otites, coryzas, bronchites, diarrheias, engorgitamen-tos lymphaticos, hydropisias, rheumatismos e escorbutos formam seu principal cortejo pathologico.

Combinada com o calor, a humidade tambm uma origem fecunda de vrios padecimentos; affecesNgastro-biliosas, febres adynamicas e ataxicas correspondem a esta qualidade do ar, que uma das mais perni-ciosas; porque, enfraquecendo o organismo, lhe augmenta a aptido a absorver essas infinitas sementes morbificas, cuja desenvoluo favorece e que ajuda a propagar.

Os ventos so tambm agentes etiolgicos muito importantes e que mereceram a Hippocrates uma minuciosa atteno. J atraz disse quaes os effeitos d'estas correntes areas, e que, segundo os rumos d'onde ellas provem, assim variam suas qualidades. d'estas que dependem espe-cialmente as doenas que taes correntes originam ; comtudo o facto s da agitao do ar exerce j uma aco pathogenica incontestvel; assim, se-gundo referem Wrangell e Parry, o frio, que nas regies polares ainda se soffre quando o ar est tranquillo, torna-se intolervel ao elevar-se o vento; ento, congelaes, asphyxias, apoplexias e mortes violentas so suas consequncias quasi inevitveis. Segundo as condies geographicas e geolgicas de um paiz, assim diversifica a natureza dos effeitos que a economia recebe dos ventos ahi dominantes. Paizes ha em que estes offe-recem o quer que de particular, que lhes ha merecido uma universal ce-lebridade; taes so : o mistral do Mediterrneo, o simoun dos desertos da Africa ou khamsin do Egypto, o sirocco da Italia e outros qu as desori-pes dos viajantes fizeram geralmente conhecidos.

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As variaes da presso atmospherica, quando sbitas, podem occa-sionar importantes desordens pathologicas. Um rpido abaixamento de presso, como o que se experimenta nas grandes ascenses aerostaticas, produz dyspneas, congestes, epistaxis, hemoptysis, s vezes nauseas, vmitos, syncopes, exfoliaes da epiderme, conjunctivites &c. &c. ; de tudo isto nos fornecem exemplos as narraes dos que se transporta-ram s mais altas montanhas do globo, e em particular as de Saussure, Humboldt, Lepileur e Martins. Ha mesmo exemplos de se manifestarem ento verdadeiras alienaes mentaes. Duhamel notou em Dezembro de 1747 numerosos casos de morte sbita coincidirem com um rpido abai-xamento da columna baromtrica. O que para as extremas variaes to manifesto, no deixar de succder, ainda que em menor grau, em con-dies intermdias. No dependero d'esta circumstancia muitas mols-tias frequentes nas mais altas estaes das montanhas ? no se lhe poder attribuir, por exemplo, o facto referido por Saucerotte da frequncia dos abortos nas summidades dos Vosgos, o que o levou a aconselhar, e com re-sultado, s gravidas que descessem s planicies na poca da gestao (*)?

Uma grande condensao do ar que, segundo Jaeger, subitam mortem causare potest,, no por certo, como queria Pelletan, o estado mais favo-rvel livre e fcil execuo das funces: cephalalgias, entorpecimento geral, inaptido para o trabalho, oppresso, incommodos nervosos podem ser determinados por ella, e sobretudo desfavorvel aos indivduos ro-bustos, plethoricos, predispostos j para congestes interiores.

O estado elctrico da atmosphera influe tambm incontestavelmente na produco e marcha de varias formas pathologicas. Factos ha que no nos deixam duvidal-o. Independente da aco fulminadora e to extraordinria das violentas descargas elctricas, sabe-se que certos indivduos soffrem notavelmente quando a electricidade do ar se acha em um estado de ten-so excessiva. O systema nervoso affecta-se e exacerbam-se todas as mols-tias em que predomina o elemento dr, taes como: nevralgias, cephaleas gastralgias, rheumatismos, &c. &c, observam-se nas pessoas nervosas, dyspneias, palpitaes, n'outras dyspepsias, diarrheias, vmitos, accessos

(') Cazeaux. Trait lheor. et pratiq. de l'art des accouch., 6.a ed., pag. 333.

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de hysteria, epilepsias e alienaes mentaes; ha mesmo quem reconhea n'uma tal influencia a causa principal de todas estas nvroses.

Dores, que o Snr.Foissac chama fulgurantes, fazem-se sentir nos tu-mores erectis, nos cancros, nas antigas cicatrizes &c. &c, etudo isto se desvanece como por encanto aps